Perdigueiro

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PERDIGUEIRO Curso de Jornalismo UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Planejamento Gráfico, textos, edição e editoração eletrônica: Daniel Lemes Serviços editoriais: Estadão, Carta Capital e Folha de São Paulo Arte: Giovanna Chinellato Impressão: Postmix Junho de 2013

Livro relembra a grande reportagem

Lançado em 2012, Tempo de Reportagem revela bastidores dos textos impressos nas grandes publicações ESPECIAL PARA PERDIGUEIRO

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ma bíblia para aqueles que gostam da essência do jornalismo, a reportagem. Assim pode-se definir o livro Tempo de Reportagem, escrito pelo consagrado jornalista Audálio Dantas e lançado em 2012 pela editora Leya. O livro traz 12 das melhores reportagens de Dantas em seus mais de 50 anos de carreira. Conhecido pelos ótimos textos e por peitar a ditadura militar após a morte do jornalista Vladmir Herzog, além de ser eleito como presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (Sindjor) Dantas transforma valores da sociedade como uma doença, uma cidade, um prédio ou uma instituição em personagens centrais das reportagens, levando o leitor à compreensão da problemática social e dos conflitos apresentados, após intensa apuração, e com uma narrativa jornalística impecável.

Talvez a história mais memorável dos tempos áureos do grande jornalista esteja retratada na história da favelada Carolina Maria de Jesus, que através do diário pessoal da fonte, Audálio trouxe à tona um texto genial e brilhante para o jornal Folha da Noite, em 1958, onde os detalhes da dura realidade da favela do Canindé, em São Paulo foi brilhantemente retratado pela própria fonte. Sem dúvida essa matéria é merecedora de ser a reportagem de abertura do livro, e Carolina Maria dá as boas vindas ao leitor que tem curiosidade de entender o estilo, a clareza e a sagacidade do autor. A publicação vale a pena para todos os leitores, que atualmente sofrem pela falta da grande reportagem de qualidade no impresso e nas novas ferramentas tecnológicas. Vale gastar um bom tempo para ler este belo livro. Profissionais ou não, o leitor se sente aflito, feliz, triste, sente cheiros, sente as pessoas, se ambienta na narrativa com a peculiaridade com que o grande

O circo do desespero, 1963 O alto falante soa estridente com a primeira música de carnaval. Os 246 participantes da maratona começam a dançar, e está iniciado o XI Concurso de Resistência Carnavalesca, promovido por emissoras de rádio e TV e patrocinado por uma companhia de produtos químicos. Os dançarinos agitam-se no tablado armado no centro do Ginásio de Esportes do Ibirapuera, São Paulo. As arquibancadas (o ginásio tem capacidade para 20 mil pessoas) estão vazias. Mas os dançarinos não sentem o vazio porque cada um dança para si próprio. Como melhor puder, porque há fiscais que estão atentos aos seus movimentos. Dançar conforme a música é uma das exigências do regulamento, e, passadas as primeiras três horas, já há concorrentes sob a mira dos muitos fiscais do concurso. Porque não estão dançando conforme a música, principalmente conforme o frevo, música que o alto falante repete com frequência e que elimina os primeiros dançarinos. Agora (19 horas), há grande agitação no tablado por causa do frevo “Vassourinha”. Até que o volume da música baixa, e ouve-se a voz do locutor: “Atenção, atenção! Concorrentes 193 e 213 desclassificados!” E logo a seguir: “Atenção, 33, atenção. 33 advertido!”. O 33 (na maratona os homens são números que dançam) toma um susto, estremece em ritmo de frevo e pula como um desesperado. As primeiras desclassificações e advertências servem para que os participantes da prova cuidem de dançar mais de acordo com a música. Mas, aos poucos, vão se cansando. E muitos deixam o tablado. Às 3 horas de domingo, dia 24 (doze horas depois de iniciada a maratona), 59 que não dançaram conforme a música já haviam sido desclassificados, e 25 que não aguentaram desistiram por conta própria ou por determinação do médico (há sempre um médico de plantão, durante as 72 horas do concurso). Restam 161 no tablado. Todos os que saem reclamam do frevo: “Música desgraçada!”. Trecho da reportagem O circo do desespero. Publicada na revista O Cruzeiro em 23 de março de 1963.

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boas histórias e traçar o perfil de valores e instituições que fazem da profissão de jornalista a maneira em que a sociedade se mantem informada e acima de tudo crítica. Ao começar pela forma como que é apresentado introduzido, para o jornalista e escrito Fernando Morais - que também escreveu o prefácio - o livro retrata outro Audálio, tão bom quanto o que peitou a ditadura, além disso, ressalta que o autor mergulhou nos grotões e nos burgos podres do Brasil e saiu de lá com histórias e personagens que dariam um filme. A importância que Dantas teve ao sair com grandes figuras do Fotojornalismo brasileiro como Luiz Carlos Barreto, Luigi Mamprim, Mureen Bisilliat e Jean Solari, e os bastidores de O Cruzeiro com nomes como: Zuenir Ventura, Millôr Fernandes, Jânio de Freitas e Ziraldo são bem lembrados por Morais. De fato, não é difícil entender a análise quando se folheia a história recontada de Canudos, ou a forma e objetividade da narrativa detalhada que Dantas fala

Tempo de Reportagem Audálio Dantas LeYa 287 págs, R$ 33,90 repórter Dantas expõe as infor mações. Além disso, o jornalista esboça de forma espetacular a sagacidade e a perspicácia que umrepórter deve ter para encontrar

de maneira carinhosa e como quem quer ajudar, ao falar dos “Nossos amados Irmãos Loucos”, do extinto Manicômio do Juqueri em São Paulo. Todas as matérias tem um breve relato do autor contando quais foram os desafios para se conseguir aquela história, o desafio da reportagem. Num mundo onde as novas tecnologias surgiram e a informação, acima de tudo a reportagem , muitas vezes é feita de forma superficial, nas histórias que marcarm o jornalismo temos uma aula. Para a jornalista Eliane Brum, o jornalista marcou a história da imprensa brasileira por ser um repórter que fez algumas das melhores reportagens já feitas no país. Ricardo Kotscho afirma que um dia as coisas foram ditas com todas as letras, sem preciosismos, com toda franqueza. Vale muito a pena ler Tempo de Reportagem e entender o porquê a grande reportagem impressa é o filét mignon do jornalismo brasileiro, e porquê Dantas é um dos ilustres profissionais da imprensa.

Jornalista tem carreira consagrada

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m sua biografia Dantas publicou mais de dez livros. O circo do desespero (1976), o Menino Lula – A história do pequeno retirante que chegou à presidência da República (2009), O Chão de Graciliano (2007), que narra a infância do escritor foi premiado pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) no mesmo ano. Na reportagem feita como uma catadora de papel da favela do Canindé em São Paulo, Carolina Maria de Jesus, para a Folha da Noite em 1958, Audálio ganhou vários prêmios, e levou a moça à fama. Traduzido em mais de 13 idiomas, a reportagem virou livro e foi sucesso de vendas no Brasil e no exterior. A catadora saiu do anonimato. Porém não foi somente nas reportagens que este grande repórter se destacou como um dos melhores jornalistas brasileiros. Nos anos da Ditadura Militar brasileira (1964-1985) foi eleito presidente do Sindicato do Jornalistas de São Paulo (SindJor), a

F onte: Divulgação

Daniel Lemes

Audálio em Canudos (BA), 64, numa reportagem sobre a segunda destruição

data, abril de 1975. Não demorou muito e o sindicato estava na mira dos militares sendo apontado como um ninho de comunistas. Com a morte de Vladimir Herzog, num caso de “suicídio” mal contado e como presidente da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) esteve na liderança de protestos contra o assassi-

“ A reportagem não acabou. O que acabou foi o espaço para ela”

nato do ex-colega de profissão. Em 1978, Dantas é eleito deputado federal pelo MDB (Mobilização Democrática Brasileira), e em 1981 recebe um prêmio da ONU pelo seu engajamento em defesa dos direitos humanos. Atualmente o jornalista e escritor é diretor de redação da revista Negócios e Comunicação .

Audálio Dantas


PERDIGUEIRO

CONVERSA COM IMAGEM

Audálio Dantas, jornalista

“O repórter deve estar num nível que não seja o de arrogância” Numa sexta-feira, Dantas nos atende via telefone. Com mais de 80 anos, ainda trabalha Daniel Lemes

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událio Dantas nasceu na cidade de Tanque D ´Arca, Alagoas no ano de 1932. Já passou por redações de grandes jornais, como a Folha da Manhã, na década de 50, e nas revistas Realidade e O Cruzeiro. Naquela época, essas revistas eram consideradas sinônimas de bom jornalismo no Brasil. A reportagem de peso, com bons personagens, como Audálio faz questão de frisar, era uma referência de humanização das histórias contadas por bons jornalistas Perdigueiro - Ricardo Kotscho, no apêndice do livro Tempo de Reportagem disse: Meu filho, a reportagem acabou em 1968. O senhor concorda? Audálio Dantas Graciliano De jeito Ramos n e n inspira Audálio hum. É Dantas claro q u e

com a censura do AI-5 houve uma restrição dos veículos de comunicação. Não só se retraíram com a censura agiu no sentido de proibir assuntos que não eram convenientes ao regime. A reportagem não acabou. O que acabou foi o espaço pra ela. Pois faltam espaço e iteligência dos meios impressos no sentido que esse é o caminho.

P - O senhor acredita que as novas tecnologias atrapalham a produção de um conteúdo de boa qualidade? AD - A importância da imprensa, desde o inicio, é que ela tem tempo maior para reflexão, análise dos temas e tratamento dos temas. E isso é a credibilidade, que não há em todos, mas em muitos casos quando se faz uma comunicação improvisada. Um dos aspectos graves é que a maioria dos veículos de meio impresso acredita que vem fazendo economia ao diminuir suas equipes, como acontece atualmente no Brasil.

F onte: Contexto Geral / TV União

Curso de Jornalismo UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Planejamento Gráfico, textos, edição e editoração eletrônica: Daniel Lemes Serviços editoriais: Estadão, Carta Capital e Folha de São Paulo Arte: Giovanna Chinellato Impressão: Postmix Junho de 2013

Acima, Dantas concede entrevista ao programa Contexto Geral de uma emissora local de televisão na cidade Fortaleza

fundamental é o repórter se colocar num nível que não seja aquele que é muito comum, de arrogância.

P - Você foi eleito como presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (Sindjor) em 1975. Como foi assumir a entidade naquele momento? AD - O fato do caso Herzog aconteceu 5 meses depois da minha posse Em seguida houve uma reação dos dos agentes repressores contra o 1º Partido Comunista, sobre os dirigentes e os militantes. Isso chegou aos 11 jornalistas presos, sequestrados e torturados. Antes do caso Vlado sumiram 21 jornalistas sem que houvesse repercussão. P – A presid e n t a d a República, Dilma Rousseff, trouxe de volta a discussão sobre de se punir os crimes da Ditadura com a instauração da Comissão da Verdade. Precia se caçar os culpados? AD – Sou presidente da Comissão da Verdade dos Jornalistas. A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) instituiu essa comissão cujo objetivo é levantar violência sofrida por jornalistas. São constituídas comissões estaduais vinculadas aos sindicatos de jornalistas. Esse trabalho será resumido num relatório que será encaminhado ao departamento. Era uma dívida que os sucessivos governos

“A Comissão da Verdade tem o poder de trazer à tona os criminosos”

P - Em algumas de suas matérias, o senhor utiliza um país, uma doença, um prédio, ou como títulos de sua reportagem. Audálio Dantas tem referências? AD – Acho que é fundamental na reportagem em profundidade, que se busque situar o homem como centro das matérias. Muitas vezes os jornalistas usam os seres humanos como números, e não como entidade com pensamentos e sentimentos. Isso tem a ver com a literatura do Graciliano Ramos que é meu guia. Assim deve ser a reportagem. Uma coisa

democráticos, que vieram depois da queda da Ditadura e viam à Nação. Faltou coragem à todos eles. Não tem o poder de punir ninguém. Mas tem o poder de convocar atores daquele processo criminoso que foi de torturas e assassinatos.

rar, e isso impossibilita a ausência de aventureiros no meio.

P – Se tem necessiade da implantação de um marco regulatório? AD - Defendo com todas as letras a criação de um marco regulatório. Isso foi obtido na Constituição de 88 que prevê a criação do Con selho Nacional de Comunicação Social. Os grandes interessados nas grandes empresas, diziam que isso levaria a um atentado à liberdade de expressão. É uma falácia. O que se pretende é que se estabeleçam parâmetros que garantam aspectos fundamentais do cidadão como o direito de resposta.

“A REALIDADE foi um espaço importante para a grande reportagem”

P- Em suas matérias o senhor sempre tem um apelo social. Seja em o Diário de uma favelada ou Doença de Menino, Como eram feitas suas pautas na revista REALIDADE? AD - No caso da Realidade, o que aconteceu que foi um grande momento da reportagem no Brasil. A revista foi por excelência o espaço para a grande reportagem. A grande diferença era que naquela época a editora Abril investia na reportagem de peso, hoje em dia não se investe mais. Por isso a reportagem acabou sendo reduzida nos jornais impressos.

“Defendo com todas as letras a criação de um marco regulatório”

P- Para você é necessário a formação para o exercício pleno da profissão de jornalista? AD - A formação é importante. Primeiro como instrumento de aparelhamento intelectual, para quem vai trabalhar com informação isso é fundamen tal. Uma formação sólida. Outro ponto fundamental é se prepa-

” O homem deve ser o centro das histórias”

P -De acordo com a Comissão de Proteção a Jornalistas (CPJ), no ano de 2012 foram mortos 4 jornalistas no Brasil. Como isso pode mudar? AD - Primeiro deve mudar por meios de ferramentas legais. Como a criação de leis de proteção e vontade política de aplicá- las. A federalização dos crimes contra jornalistas devem ser feitas, pois estes atos são praticados por setores incomodados com a divulgação e medo com as consequências daquilo que os possam prejudicá-los.

Audálio Dantas

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