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Júlio Ferreira
OPINIÕES, REFLEXÕES E DEMAIS SENSAÇÕES
Júlio Ferreira (Inconformado Encartado)
cidade ideal é um projeto político coletivo, pelo menos assim vem sendo entendida desde Aristóteles, para quem o homem é um «animal político». Mas o homem é também um «ser simbólico», um produtor de cultura e comunicação. As cidades ideais são entidades dinâmicas, onde os direitos políticos e os direitos culturais sejam direitos de cidadania.
Ok, até eu sei (que nem dinheiro tive para poder tirar uma qualquer licenciatura), porque vou lendo umas coisas, falando com quem sabe e vendo e ouvindo o que de melhor se faz (na minha humilde opinião) no país e no estrangeiro, que a cidade ideal é uma utopia. Por isso só resta partilhar a minha opinião, aproveitando o que alguns já escreveram sobre o assunto, lutar, sonhar e esperar apenas pelas prometidas melhorias. Que espero que aconteçam o mais rapidamente possível, porque se forem as certas, levam tempo a ser implementadas e ainda mais tempo a ver resultados. Num tempo em que respirar em público sem máscara é quase um ato de rebeldia, esta reflexão/exorcismo no campo cultural, vem confirmar a tese de vários especialistas na matéria. Não falo daqueles/daquelas que estando numa qualquer divisão de cultura te olham de lado ou com a sobranceria de que só eles/elas sabem e que tu não «pescas» nada daquilo, mas dos outros que fazem as coisas acontecer e não se limitam à «chave na mão» porque tudo o resto dá muito trabalho.
Mais do que uma característica essencial de uma sociedade, a cultura pode ser considerada como o elemento principal que difere uma região, uma nação de outra. Os costumes, a música, a arte e principalmente, o modo de pensar e agir, fazem parte da cultura de um povo e devem ser preservados para que nunca se perca a singularidade do coletivo em questão. Sempre que se abordam temas como este, correm-se riscos acrescidos devido a um conjunto de múltiplos fatores: fraca estruturação, intermitência de certas atividades, forte conflitualidade interna. A própria relação com o campo político afigura-se potencialmente conflitual. Mas é importante que a discussão sobre a cultura se aprofunde em todas as frentes para viabilizar uma cultura em toda a cidade, a arte que afete todos os setores, que dialoga com a cidade, com a saúde,
com a educação, que forme público, colocando arte e cultura como parte integrante da vida e não como um bônus. A cultura é parte da vida e um direito que tem que ser garantido.
Ainda é frequente a cultura ser encarada não como um domínio merecedor de uma política relativamente autónoma, mas um acréscimo de legitimação do poder político que se apresenta e representa através das mediações simbólicas: visibilidade, espetáculo, festa, arena, entretenimento das massas, alienação das mesmas... Neste sentido, jamais se poderá falar de uma autêntica política cultural. A Cultura e o turismo nas cidades, são instrumentos poderosos e fundamentais para a criação de um novo paradigma de crescimento económico centrado no valor. São exemplo disso mesmo, as duas cidades algarvias Loulé e Faro e mais algumas espalhadas por este país.
Mas, afinal, o que é isso de política cultural?
Como sabemos, a política cultural é uma invenção francesa. Uma política, qualquer que seja, requer uma intencionalidade, o acionar de recursos tendo em vista alcançar determinados objetivos. E os recursos variam de acordo com o grau de poder disponível. O campo cultural cruzase, por isso, com o campo da distribuição de poder. Medidas avulsas, euforias súbitas, investimentos efémeros, sem sistematicidade podem ser tudo menos uma política. Eu dou exemplos: Política cultural jamais será mostrar publicamente o apreço por uma pessoa e por um evento em detrimento de outro, dificultar tudo o que venha de algumas pessoas e outras não, acertar lugares e funções e futuras parcerias para gestão de espaços ou eventos… só porque sim. Aparecer pela primeira vez num evento que já tem alguns anos de duração e sair a meio do evento com desculpas sem sentido. Que falta de respeito pelos organizadores, pelo público presente e pelos artistas em palco! Que arrogância política e intelectual! Como explicar? Pois, não sei, esperava com este meu exorcismo encontrar respostas, mas, pelo contrário, só surgem ainda mais e mais questões tenho histórias que dá para escrever mais uns quantos artigos destes.
Uma política cultural não acredita em automatismos, nem tão-pouco em fatalismos. Insiste, pelo contrário, num trabalho longo, subterrâneo e por vezes
doloroso, junto das escolas, associações e outros agentes, direcionado para eles o envolvimento direto enquanto praticantes culturais de pleno direito e não apenas confinados ao papel de consumidores, apostando, entre outras estratégias, na captação dos grandes temas do seu quotidiano, cruzando-os com preocupações estéticas nas diferentes formas de expressão artística e a vários níveis de cultura (popular, erudito, de massas). Assim, em vez de uma mera procura de audiências, pugna-se, doravante, pela educação de novos públicos, pelo envolvimento desses mesmos públicos em processos expressivos, ao mesmo tempo que se defende o seu alargamento em termos de capital escolar e social, para que a médio longo prazo tenhamos jovens e adultos que encham salas e se interessem por obras que hoje não levam mais de 30 pessoas a salas com capacidade para 300. A cultura educa, afeta e transforma. Por meio dela, nós vamos mudar corações e mentes. Na realidade, todos conhecemos municípios portadores de graves défices de dinamização social e cultural, mas alguns abusam por uma pessoa ou mais que detém o poder de um pelouro que deve ser determinante e não secundarizado ou mesmo esquecido como instância de condicionamento e estagnação, abdicando do seu papel de dinamizador e catalisador de uma sociedade civil emancipada e plural. Mais do que se falar de apoios, de dinheiro, é importante e essencial falar de uma política cultural que é algo que infelizmente em muitos municípios não existem. Perguntar a quem entra num gabinete, com um saco cheio de dinheiro “quem vamos contratar para atuar no teatro? O que gostavas de ver e ouvir?” é falar de contabilidade e de gostos pessoais de funcionários e passar ao lado de um problema estrutural. Uma efetiva política cultural, não é jogar milhares de euros para o mercado enchendo bolsos sempre aos mesmos agentes. Aprendam lendo a série de artigos que Paulo Pires escreveu no Jornal Público em 2020. Bom…provavelmente nem sabem de que vos falo, quem é este algarvio que neste momento é assessor da Ministra da Cultura e que com a sua equipa levou Loulé a um patamar a que chamamos «Liga dos Campeões» desta coisa que envolve tantas outras coisas, chamada cultura.
É necessário mais do que promessas e palavras de circunstância. Atitude! Respeito! Ninguém pode levar a sério pessoas com responsabilidade na área da cultura de uma cidade, de um concelho ou região que não tenha curiosidade em ver e ouvir o que se faz noutras zonas do país. Como e porque determinados conteúdos ou eventos com anos de existência atingiram um sucesso assinalável. Um responsável político tem a obrigação de estar atento ao que de mais relevante se passa na sua cidade, na sua região, no seu país, sobretudo quando o que se passa diz respeito ao pelouro que lidera.
Conheço bem os argumentos dos que acham que esta é mais uma daquelas polémicas alimentadas sem sentido, sem qualquer relevância. Mas estão enganados
"Aquilo que vai ficar de um povo é a sua
cultura" António Lobo Antunes (Jornal Público 26 de Outubro de 2012).
Não percam as cenas dos próximos capítulos… .
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