Raça brasil 189 completa

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E + NEGA DUDA | FESTAS | CULINÁRIA | MODA

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ABDIAS NASCIMENTO

O centenário da maior liderança negra do século 20 no país

Entrevista exclusiva com , nossa primeira dama

RUTH CARDOSO

50

ANOS a trajetória do ator negro mais premiado no Brasil

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GOLPE DE 64 Homenagem da Raça aos desaparecidos durante a ditadura

R$ 9,80

EDUARDO SILVA De Bongô a diretor,

do

NÚMERO 189 - PREÇO

de

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Um mergulho profundo, sério e muito bem realizado na história da banda mais importante do mundo. NEW YORK POST

NOVÍSSIMA REEDIÇÃO Depois de ler dez páginas, não podíamos mais largar. [...] A paixão do autor por seu tema e o detalhe com que descreve cada cena tornam empolgantes até os episódios mais contados e recontados da lenda. NEW YORK TIMES BOOK REVIEW


OPINIÃO DE RAÇA por MAURÍCIO PESTANA*

FILHOS DO GOLPE

FOTO RAQUEL ESPÍRITO SANTO

“I

nício dos anos 60, o país em situação alarmante, exército nas ruas, muita tensão, mas Pestana não se intimida, nasce assim mesmo. Três meses depois, ao perceberem que a criança sobreviveria, os milicos não titubearam e tomaram uma decisão drástica - veio o golpe de 1964”. Esse primeiro parágrafo em tom de humor foi a apresentação dos editores para meu primeiro livro de cartuns: “A Transação de Transição”, publicado em 1984, pela Editora Maciota. Além de algumas charges sobre a ditadura militar, a publicação trazia também temas como as Diretas Já, a eleição de Tancredo Neves e a posse de Sarney na presidência da república. Para aqueles que dividem o aniversário com esse obscuro período da nossa história, as lembranças da hiperinflação, do desemprego, do autoritarismo e do desrespeito aos diretos humanos são muito presentes, em especial para mim, nascido e criado na cidade de Santo André, região metropolitana da Grande São Paulo, berço das montadoras automobilísticas e também do novo e combativo sindicalismo brasileiro, onde mais tarde surgiria Luiz Inácio Lula da Silva. Como a grande maioria dos filhos de metalúrgicos daquela região, frequentei a escola pública na infância, onde éramos obrigados a cantar o hino nacional, afinal, o país era dirigido por generais. A quebra de rotina só se dava quando, a caminho da escola, nos deparávamos com algum cadáver vitima do esquadrão da morte (leia-se Polícia), que usava a região para “desovar” cadáveres dos desafetos do regime, principalmente sindicalistas

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APÓS O FIM DO GOVERNO MILITAR, MORRERAM MAIS JOVENS NEGROS NAS PERIFERIAS DAS GRANDES CAPITAIS BRASILEIRAS DO QUE EM 20 ANOS DE DITADURA” ligados a partidos políticos ainda clandestinos. Desse período, além do trauma de não conseguir até hoje olhar para um defunto, carrego a indignação que os anos de chumbo causaram em alguns jovens de minha geração. E a questão racial? Cresci denunciando os aparelhos de repressão, fiz parte do grupo que lutava pela anistia ampla, geral e irrestrita e também pelo fim da repressão, da tortura e desaparecimento de presos detidos pelo regime. Com o fim da ditadura, pude perceber que vários companheiros das denúncias dessa repressão se mobilizavam em outras frentes, como a Constituinte, reforma partidária e em um projeto de tomada de poder da direita, que havia se incrustado no estado brasileiro. As denúncias sistemáticas a órgãos que perceptivelmente continuavam suas ações de tortura, abuso de poder, sequestro e morte e que tinham um foco mais preciso no povo preto e pobre da periferia, em especial a juventude negra, pareciam naquele momento demandas exclusivas do Movimento Negro. Foram anos até conseguirmos chamar a atenção para a situação.

* Mauricio Pestana é diretor executivo da RAÇA BRASIL pestana.raca@mauriciopestana.com.br

Somente décadas mais tarde, com pressões de órgãos como a Anistia Internacional, o governo e outros setores da sociedade começaram a se mobilizar e compreender o tamanho da tragédia gestada nos anos de autoritarismo. Após o fim do governo militar, morreram mais jovens negros nas periferias das grandes capitais brasileiras do que em 20 anos de ditadura. A verdade é uma só: pessoas continuaram desaparecendo, sendo torturadas e mortas no Brasil. No aniversario de 50 anos do golpe de 1964, muito mais que uma reflexão sobre esses 20 anos nefastos na trajetória do país, se faz urgente uma discussão acerca dos reflexos e o preço que a população negra ainda paga por ter que conviver com forças militares doutrinadas e gestadas nesse abominável período da vida brasileira. RAÇA BRASIL | 3

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PÁGINAS PRETAS CAPA | EDUARDO SILVA

50 anos em cena por MAURÍCIO PESTANA | fotos FABRÍZIO PEPE

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O ano era 1986, o país engatinhava rumo à democracia, os reflexos do regime autoritário que havia perdurado por vinte anos ainda eram muito presentes, inclusive nas músicas, no cinema, na TV e em todas as manifestações culturais. Era preciso retratar o que foi o regime que havia ceifado centenas de vidas e mudado para sempre a geração de jovens nascidos e crescidos no obscuro período da ditadura. Em cartaz, “Bailei na Curva”, peça teatral que trazia aos palcos paulistanos a história de algumas famílias e as consequências que os anos de chumbo lhes proporcionaram. Foi a primeira vez que vi Eduardo Silva em cena. O primor e a entrega daquele jovem ator negro surpreenderam-me. Tinha ido ao teatro muito mais para refletir sobre os anos de chumbo que qualquer coisa, mas a atuação do rapaz arrancou aplausos de pé de todo o público. Ali estava um dos maiores atores que já tinha visto. Sendo um ativista da causa negra, me perguntava como nunca tinha ouvido falar daquele cara. Desde então acompanhei vários trabalhos do Eduardo e seus dramas pessoais também, como as perdas da mãe negra biológica e da mãe branca adotiva. Batalhador que é, o ator seguiu em frente e se enveredou na direção. “Eu quero me meter como diretor, quero ter um nome como diretor, assim posso ter duas ou três peças em cartaz e esperar que me chamem também para atuar”, afirma. Leia a entrevista especial que fiz com o premiado Eduardo Silva, que completa 50 anos de vida este mês. WWW.RACABRASIL.COM.BR

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Por que a carreira de ator? Acho que já nasci ator, quando eu era pequeno fui adotado, né. Como grande parte das mulheres negras na década de 60, minha mãe foi trabalhar de doméstica na casa de uma senhora, e essa senhora acabou se tornando a minha madrinha. Ela me vestia todo de branco. Imagine só, uma senhora de cabelo grisalhos com um neguinho todo de branco, parecia uma mosca no leite. Eu era simpático e todo mundo falava comigo. Até que o pessoal do Moacir Franco me convidou para fazer algo na TV, eu tinha 6 anos. Não lembro muito bem, mas sei que adorei fazer esse negócio, atuar. Em 1970, fiz o Pelé, ainda com seis anos, no programa Roquete Pinto. Mais uma vez, ainda não tinha noção do que estava fazendo. Por isso falo que nasci artista. Como foi fazer “Bailei na Curva”? Para mim foi uma surpresa terem me chamado para fazer esse espetáculo da Helena Rudova. Naquele tempo, e ainda hoje é assim, só se chamava um ator negro se estivesse no roteiro, na sinopse. Mas o espetáculo não precisava de um negro, então resolveram colocar um no meio das famílias, e foi o papel que interpretei. Para mim foi ótimo fazer esse trabalho, porque essa era uma peça que falava da repressão, se passava entre 1964 e 1984, até as Diretas Já. Mostrava como a repressão atingiu cinco famílias da classe média, dos empresários e dos políticos. Fiz um menino que vai atrás do pai preso e acaba sendo morto pelos militares. A peça ficou um ano em cartaz, coisa rara hoje em dia. Nesta época a gente fazia teatro para a censura, mesmo infantil, você tinha que fazer a peça e apresentar primeiro para eles liberarem. Graças a Deus hoje não tem mais isso. Esse foi o primeiro trabalho seu que conheci. Mas a sua carreira começou bem mais cedo... E bota cedo nisso, comecei fazendo comerciais em 1976, novelas em 1978 e em 1980 ganhei o meu primeiro prêmio: ator revelação no teatro. Teatro nunca parei de fazer. Estava até comentando com um amigo meu semana passada que a maioria dos prêmios sumiram, existem poucos no teatro hoje em dia. As premiações garantiam outros trabalhos, ”Baile na Curva” me garantiu outras oportunidades. Embora você seja um excelente ator, também ficou muito conhecido em São Paulo por dar aulas em cursinho prévestibular. Como dividia essas atividades? O ano de 1986 foi muito legal, pois eu estava fazendo faculdade de biologia na USP e já dava aulas no cursinho. Dei aulas de biologia por quase 20 anos, porque viver do teatro é bem difícil. Em 1986 eu atuava em “A Dama e o Vagabundo”, que ficou em cartaz por um ano, enquanto era professor no Colégio Objetivo. Ganhei três prêmios com a peça. Eu tinha 22 anos...

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PÁGINAS PRETAS CAPA | EDUARDO SILVA

Você gosta mais de teatro ou faz porque a televisão é mais difícil para o ator negro? Não. Adoro televisão. Comecei em 1976, fazendo comerciais, depois fiz a novela “Suave Paraíso”, em 1978, que só passava no nordeste. Eu até brincava que negro só fazia papel de escravo ou de bandido, e como eu era criança, fazia papel de filho de bandido, filho de empregado. Participei do “Drácula”, na Tupi, fiz “Meu Pé de Laranja Lima”. Em 1982, a Cultura fazia teleteatro e telenovela, fiz o escravo protagonista em “Tronco de Ypê” . Entre 1975 e 1985 fiquei em São Paulo fazendo televisão direto, tinha muito trabalho.

V conside Você considera o papel na n novela “A História de A Ana Raia e Zé T Tr rov ro Trovão” como o seu maior momento na TV? Ana Raia foi um grande suces sucesso em 1991, tanto

que o SBT reprisou há pouco tempo. Eu fiz um boiadeiro, amigo do Zé Trovão. Logo em seguida veio o “Castelo Rá-Tim-Bum”, que está há 20 anos no ar e nós atores não recebemos nada por isso. Parece que só fizemos um trabalho na vida. Entre 1994 e 2001 fiz “Éramos Seis”, que foi a melhor novela do SBT na metade dos anos 90. Ancorei “Telecurso”, “Conexão Sebrae” e participei de um programa de negros na Band, se chamava “Axé”. Em uma novela do SBT, em 2003, fiz um garçom gay com cabelo pintado de loiro, que se fosse na Globo teria feito um grande sucesso, como o Crô ou o Félix. Em 2007 fiz “Esmeralda” e a minha última novela foi “Uma Rosa com Amor”. Agora estou no ar com a série “9mm”, na FOX. Percebo que você não se enquadra muito naquele estereótipo de ator que repete personagens. Você já fez e faz de tudo? É verdade, isso fez com que eu não ficasse rotulado e mostra a minha versatilidade, porque tem ator que você vê fazendo vários personagens diferentes, e faz tudo igual. Eu fiz personagens variados, em espaços distintos como cinema, TV, teatro, comerciais, programas educativos e infantis. Costumo dizer que gosto mesmo é de trabalhar, nunca parei desde que comecei. E Embo rra a tenha o as asp p Embora aspecto negativo de não estar recebendo pelas reprises, seu personagem Bongo, do “Castelo Rá-Tim-Bum”, é quase tão famoso entre a criançada quanto o Saci, do “Sitio do Pica-Pau Amarelo” da Globo, não acha? Sim, e tem um fato engraçado nisso: todo mund mundo me confundia com Romeu Evaristo, E que fez o Saci. Quando o conheci, eele me disse que as pessoas também o confundiam comigo (risos). confu Eduardo com FOTO ARQU IVO

PESSOAL

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Naquela época havia três emissoras produzindo fora a Globo, que fica no Rio. Certo? Sim, tinha a Tupi, que faliu, a Bandeirantes, que ficou só com esporte e a Cultura, que fazia teleromance. Entre 1985 e 1991, fiquei sem fazer televisão, estava mais focado no teatro. Fazia faculdade e dava aula, então não valia a pena eu largar o cursinho. Se compararmos aos dias de hoje, seria como se ganhasse 10 mil por mês dando aula, e aí pintava uma novela por 3, 4, 5 mil. Não valia muito a pena largar tudo e ainda ficar sem trabalho dep depois de alguns lguns meses.

Eduardo Silva e Marília Pêra

FOTO ARQUIVO PESSOAL

E como era o professor Eduardo Silva nesse período? Os alunos adoravam minhas aulas e os professores tinham dor de cotovelo, diziam que os alunos só gostavam porque eu era ator. Eu não sou dessa época de fazer peça de terça a domingo, peguei a fase de fazer de quarta a domingo. Nós encenávamos uma vez na quarta, uma vez na quinta, uma vez na sexta, duas no sábado e duas no domingo. Foi uma fase bem legal, eu estava a todo vapor, fazia o teatro infantil à tarde e duas sessões à noite de “Baile na Curva”. No domingo, fazia duas sessões do infantil e duas do Baile. Na segunda-feira de manhã, às 7h, estava dando aula no maior pique!

lo Eduardo noógcoica da mãe biol

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Como você vê a lei de cotas para artistas negros? Como vê amovimento lei de cotasdos para artistas negros? E comovocê vê esse artistas negros E vê grupos esse movimento dospelo artistas negros emcomo vários espalhados Brasil? em váriosque grupos espalhados peloseBrasil? Eu acho é necessário, porque não existir a Eu achofaça quecom é necessário, porque se não existir a lei que que chame o negro, as pessoas lei que faça com que chameUnidos o negro,tem as pessoas não chamam. Nos Estados lei que não Nos Estados temfilmes, lei quenos exigechamam. uma porcentagem de Unidos negros nos exige uma porcentagem negros nos filmes, nos teatros, peças, na TV, nasdenovelas... Se não tivesteatros, peças, nas novelas... nãootivessem criado essanaleiTV, há décadas atrás, Se talvez negro sem teria criado essa lei há décadas que atrás,hoje talvez negro não a representatividade ele otem lá. não teria a representatividade que hoje elemas tema lá. Eu era contra as cotas nas universidades, Eu era contra as cotas nas universidades, maspara a minha ex-esposa me ajudou a abrir a cabeça me ajudou a abrir para aminha ideia. ex-esposa Só acho que, se somos 50%adacabeça população a ideia. Sódeveria acho que, se somos 50% 50% da população no Brasil, haver pelo menos de neno deveriaehaver peloou menos 50% de negrosBrasil, nas novelas, não dois três atores como gros nas novelas, acontece hoje. e não dois ou três atores como acontece hoje.que judeu semAcho curioso Acho que judeu pre fazcurioso filme falando do sempre faz filmee falando holocausto não temdo holocausto e não tem problema, mulheproblema, mulheres têm os seus EU QUERO ME METER res têm eosnão seus grupos EU QUERO ME METER COMO DIRETOR, QUERO grupos e não tem problema, COMO DIRETOR, QUERO tem problema, o seu TER UM NOME COMO tem o seu dia especial. TER UMASSIM NOMEPOSSO COMO DIRETOR, TER dia Já oespecial. dia da DIRETOR, ASSIM POSSO TER Já o dia da Consciência DUAS OU TRÊS PEÇAS EM Consciência Negra o DUAS OU TRÊS PEÇAS CARTAZ E ESPERAR QUEEM ME Negra o que povo diz CARTAZ E ESPERAR QUE povo diz que não precisa CHAMEM TAMBÉM ME não precisa ter. As datas CHAMEM TAMBÉM PARA ATUAR ter. As datas comemorativas PARA ATUAR comemorativas são simbólicas, são simbólicas, todos os dias são das todos são das e mães, os dosdias namorados mães, dos namorados dos negros também. e dos negros também. E com relação aos grupos de teatro formado E com relação aos grupos de teatro formado por negros? por negros? Se não tivessem editais para bancar esses Se não tivessem editaisnão para bancar movimentos, a gente teria umaesses produção, movimentos, a gente não teria produção, uma linguagem especifica. No uma nordeste tem uma especifica. nordeste tem várioslinguagem grupos, por exemplo,No o Olodum, que é vários porpela exemplo, o Olodum, quegrupo é muito grupos, conhecido música, mas tem um muito conhecido pela música, um grupo de teatro superfamoso, de ondemas veiotem o Lázaro de teatroAqui superfamoso, de tem ondeo veio o Lázaro Ramos. (São Paulo) grupo Crespo, Ramos. Aqui10 (São Paulo) temque o grupo Crespo, que vai fazer anos no ano vem. Na USP que fazer 10Negro anos no anoCapulanas, que vem. Na USP tem vai o Coletivo e As e deve tem o Coletivo e As Capulanas, Eles e deve ter outros por aíNegro que não conhecemos. têm ter outros por aí público, que não mas conhecemos. têmde linguagem, têm fazem umEles teatro linguagem, têm público, masteatro fazemdeum teatrosóde negro para todos. Não é um negros negro para todos. é um teatro de negros para negros. QuemNão tiver a possibilidade de versóos para negros. Quem possibilidade de ver os trabalhos deles, verátiver que éa maravilhoso. trabalhos deles, verá que é maravilhoso.

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PÁGINAS PRETAS CAPA | EDUARDO SILVA

Você foi formado pela USP, estudou sempre em boas escolas, teve uma mãe branca que lhe proporcionou uma educação burguesa e sempre transitou nesses ambientes para os mais privilegiados da nossa sociedade. Isso nunca lhe conflitou sendo um negro? Eu descobri a minha negritude depois de velho, quando entrei na USP. Minha madrinha adotiva era racista, dizia que eu era o único negro que prestava no mundo, e as tias dela vinham nos visitar e diziam “ele é pretinho, mas é educadinho”. Aprendi a tocar piano, com 11 anos falava francês, minha madrinha sempre me deu do bom e do melhor, mesmo não sendo rica. Como só tinha mulher na minha vida durante a infância – não tive pai, minha mãe era solteira -, não tive quem me levasse pra jogar bola. Só fui buscar a capoeira aos 20 anos. O samba apareceu quando eu já podia passar a noite fora de casa, ficava nos bailinhos com os meus amigos do colégio. Na umbanda encontrei a minha religiosidade, após ter sido evangélico e cantor de coral na adolescência.

HISTÓRICO Eduardo Silva, ator e diretor, 49 anos. Atua em televisão, teatro e cinema desde 1978.

FOTOS ARQUIVO PESSOAL

TELEVISÃO Fez mais de 40 filmes publicitários regionais e nacionais, seriados, minisséries, programas infantis e educativos e 10 novelas, entre elas : 2013/2014 – 9mm (seriado) (FOX) 2010 – Uma Rosa com Amor (SBT) 2007 – Sem Controle (seriado) (SBT) 2005 - Esmeralda (SBT) 2003 – Jamais te Esquecerei (SBT) A Turma do Gueto (seriado) (Record) 1994 – Éramos Seis (SBT) 1990 – A História de Ana Raio e Zé Trovão (Manchete) 1984 – Jerônimo, o Herói do Sertão (SBT) 1980 – O Meu Pé de Laranja Lima (Bandeirantes)

Bongô, personagem do "Castelo Rá-Tim-Bum"

CINEMA 2010 – Andaluz (Guilherme Motta) 2009 – Luz nas Trevas - A Volta do Bandido da Luz Vermelha (Sganzerla/Helena Inês) 2008 – A Inversão (Eduardo Felistoque) 2006 – A Outra Margem (Luiz Felipe Rocha) 2004 – Bom Dia Eternidade (Rogério de Moura) 2002 – Estrela Solitária - Vida e Morte de Garrincha (Milton Alencar) 1999 – Soluços e Soluções (Eduardo Felistoque) 1998 – Vou te Encontrar Vestida de Cetim (Pedro Alves) 1983 – Quilombo (Cacá Diegues) TEATRO (participações notáveis dos 30 espetáculos que encenou) Infantil 2005/2006 – A Vida Íntima de Laura (dir: G. Petean) 2001 – Os Saltimbancos (dir: Gabriel Vilella) 1993 – O Saci (dir: Wladimir Capella) 1989 – Guaiú, A Ópera das Formigas (dir: Jamil Dias) 1987 – Peter Pan (dir: Jacques Lagoa) 1986 – A Dama e o Vagabundo (dir: Sebastião Apolônio) 1980 – Bem me Quer (dir: F.E.Kockoth) Adulto 2012 – A Travessia da Calunga Grande (dir : Cibele Forjaz) 2010 – Bexiga - Um Musical na Contra Mão (dir : Mário Masetti) 2009 – Nos Campos de Piratininga (dir.: Imara Reis) 2008 – A Megera Domada (dir.: Cacá Rosset) 2003 – As Nuvens e/ou um Deu$ Chamado Dinheiro (dir: Hugo Possolo) 2000 – O Scapino (dir: Cacá Rosset) 1996 – Ubu, Pholyas Physicas, Pataphysicas e Musicaes (dir: Cacá Rosset) 1994 – A Comédia dos Erros (dir: Cacá Rosset) 1992 – Sexo, Chocolate e Zambelê (dir: João Albano) 1988 – Theatro Musical Brasileiro 1914/1945 (dir: Luiz Antônio Martinês Corrêia) 1984 – O Meu Guri (dir: Zeno Wilde)

Eduardo em cena no teatro

Programas em reprise: Castelo Rá-Tim-Bum, personagem Bongô (TV Cultura) Telecurso 2000 (Rede Globo)

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Como o personage Raio Negro, na novmela "Éramos Seis"

PREMIAÇÕES CINEMA 1998 – Prêmios de Melhor Ator: Festivais Nacional e Internacional de Belém e Salvador. TEATRO Teve 28 indicações, das quais ganhou 19 prêmios. Teatro Infantil: 20 indicações, 15 prêmios 1980 – Ator Revelação - MAMBEMBE 1985 – Melhor Ator - APCA 1986 – Melhor Ator - APETESP Melhor Ator Coadjuvante - GOV. DO ESTADO 1987 – Melhor Ator Coadjuvante - MAMBEMBE Melhor Ator Coadjuvante - GOV. DO ESTADO 1988 – Melhor Ator Coadjuvante - MAMBEMBE 1989 – Melhor Ator - APCA Melhor Ator - APETESP Melhor Ator - MAMBEMBE 1993 – Melhor Ator - APCA Melhor Ator - APETESP Melhor Ator - MAMBEMBE 1999 – Melhor Ator - APCA 2001 – Melhor Ator - QUALIDADE BRASIL Teatro Adulto : 8 indicações, 4 prêmios 1988 – Melhor Ator Coadjuvante - MAMBEMBE 1994 – Melhor Ator - APCA Melhor Ator - SHELL Melhor Ator - MOLIÈRE COMO DIRETOR Teatro Amador (grupo PP-FEA/USP) 1992 - Bailei na Curva, Grupo Do Jeito Que Dá 1993 - Até Onde a Vista Alcança, Reinaldo Santiago Teatro Profissional 1994 - Doi e Dá (Graça de Andrade) Teatro Ruth Escobar (Sala Mirian Muniz) 1997 - Amazônia, Floresta dos Sonhos (Edson Mendes de Andrade Teatro Ruth Escobar - Sala Gil Vicente) 1997 - As Filhas de Janete Claire (Jandira de Souza) TBC (Sala Assobradado) Teatro Paulo Eiró Cinema : Preparador de elenco há 13 anos de Curtas e Longas Metragens (Profissionais e TCCs ) Curtas 2010 – Nigéria: Fim da Linha (Elder Fraga) 2004 – Viva o 3º Mundo (Renê Brasil) e O Mulato (Ari Cândido Fernandes) 2000 – Distraída para a Morte, 2003 - Narciso Rap e Carolina (todos de Jeferson De) Longas 2010 – Andaluz (Guilherme Motta) 2009 – Papo de Boteco (Valdir Medori/Diomédio Piskator) 2006 – Testes p/ escolha do 1º elenco de Brother (Jeferson De)

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F mais sobre Fale sobrre a sua ma madrinha. d ha drin h . E sobre a sua mãe biológica também. Quando minha madrinha tentou arrumar vaga para que eu estudasse no Colégio Caetano de Campos, que era uma escola modelo na época, ali na praça da República, ela falou direto com a diretora. Ela ouviu que meninos “dessa cor” normalmente causavam problemas, mas conseguiu a vaga pra mim. Anos depois, virei artista, era o xodó da escola e no terceiro ano do colégio, no ano da formatura, fui convidado para ser orador. Ela me educou como um menino branco, por isso demorei para me entender enquanto negro. A minha mãe morreu com 56 anos em péssimas condições. Ela era linda, mas envelheceu rápido devido à vida difícil que levou. Não tive muito contato com ela. Interessante que eu perdi mãe e madrinha no mesmo ano, em 2003. Como você vê o papel dos negros hoje na TV? Hoje você vê a cada novela um negro fazendo tipos de papéis diferentes. Tem muito mais gente trabalhando, toda novela tem dois ou três no elenco, quando comecei não era assim. Mas ainda está longe de mostrar a realidade do Brasil. O que o Eduardo Silva pretende fazer nos próximos 50 anos? Eu quero me meter como diretor, quero ter um nome como diretor, assim posso ter duas ou três peças em cartaz e esperar que me chamem também para atuar. Do contrário, daqui a 20 anos estarei fazendo o velho Zuza e o Tio Barnabé, da Cabana do Pai Tomás. Não quero ter que esperar para pegar um papel, que nem o Milton Gonçalves. Ele é um deus, e veja só, pouquíssimas vezes aparece na TV. A Ruth de Souza ninguém chama. Eu não quero ficar infeliz aos 70 anos porque não me chamam mais para trabalhar.

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EDIÇÃO 189 | WWW.RACABRASIL.COM.BR - ABRIL DE 2014

MATÉRIAS 16

SAMBADEIRA DO RECÔNCAVO

Nega Duda saiu da Bahia ahia para viver o samba de roda na capital paulista

4

DE SOUZA 22 RUTH A carreira brilhante da

MULTIPREMIADO NAS ARTES CÊNICAS,

ALABÊ 28 O Altay Veloso: eloso: autor de

EDUARDO SILVA COMPLETA 50 ANOS

primeira atriz negra do teatro brasileiro

obras-primas que transcenderam a música

40

DESAPARECIDOS A raça homenageia as vítimas que a ditadura ocultou

SEÇÕES 3

OPINIÃO DE RAÇA

4

PÁGINAS PRETAS

11 EDITORIAL 12

INTERATIVA

14

NA PEGADA

32

QUADRO NEGRO

33 FÁBIO ROGÉRIO 50

COMIDAS DA TERRA MÃE

60

RAÍZES/CURTAS

66

FESTAS E EVENTOS

54

ABDIAS DO NASCIMENTO

100 anos do maior líder do movimento negro contemporâneo brasileiro

71 MOISÉS DA ROCHA 72

NEGROS EM MOVIMENTO

74

PAINEL

81 ONDE ACHAR 82

HUMOR

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NAS BANCAS!

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A História para nunca esquecermos A Raça deste mês é especial. Especial por resgatar histórias que devem ser contadas, recontadas e jamais esquecidas. Superação, persistência, sucesso e militância encontram-se para lembrar que a luta sempre continua nos teatros, no cinema, na música e na sociologia. E foi pensando na importância de todos esses assuntos que a capa deste mês traz um dos atores negros mais importantes de sua geração. Eduardo Silva ficou conhecido no Brasil (e em muitos outros países) por seu personagem Bongô, no programa infantil Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura. Sua história é contada no Páginas Pretas e se assemelha à trajetória de tantos Silvas: adoção, superação, trabalho árduo. Levar cultura para os mais diversos cantos do país, seja pela TV ou pelo teatro, tem sido a sua missão de vida. A dedicação e o talento nato renderam ao ator uma coleção de prêmios. Eduardo nasceu há 50 anos, em 1964, quando foi instaurado o Governo Militar. Este fato não passou despercebido pela Raça: fizemos um especial sobre os negros desaparecidos durante a ditadura, em um texto emocionante. E para ressaltar toda essa luta, temos também um especial sobre o centenário de Abdias Nascimento, com um artigo polêmico de Zulu Araújo e depoimentos dos mais importantes nomes do universo negro, todos influenciados pelo grande historiador e artista. A Raça deste mês também traz alegria nas entrevistas com Nega Duda e Altay Veloso, e beleza, em um ensaio de moda de tirar o fôlego, feito no Black n’ Rio. Tem ainda as delícias vindas direto da África na nossa seção de culinária, nossos colunistas Fábio Rogério e Moisés da Rocha, as crianças do “Nosso Futuro” e muito mais. É história, é cultura, é Raça.

Fernanda Alcântara Redação redacao.raca@mauriciopestana.com.br

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INTERATIVA | ESPAÇO DO LEITOR

CAPA “Jogadora sensacional, parabéns!” Nicole Grassi, via site

“Poderosa, invencível, incrível. Essa é a Marta.” Lais Aguiar do Brasil, via site

“Incrível o reconhecimento que a Raça deu para a Marta! Só vocês para darem valor ao futebol feminino!” Lucas Martins, via Facebook

“Marta é um exemplo de dedicação, força e coragem.” Gabriela Nunes Braga, de São Paulo

“Como não admirar essa mulher? Ela pode não perceber, mas não é qualquer uma que consegue este reconhecimento! Eu, como mulher negra, sei a luta para você ser vista como uma igual num mercado de trabalho machista como o nosso. Parabéns!” Karina Arantes, por e-mail

“Marta é uma pessoa especial, um furacão nos gramados, merece todos os títulos e méritos. Pena que está jogando fora do Brasil, país que só reconhece os jogadores homens, brancos e com pinta de galã. Na minha época a gente julgava pela qualidade, não pelo rostinho bonito.” Luis Antonio Campos Anizio, por e-mail

“Marta é mulher, é negra e está dando show nesta capa.” Helena Fernandes, via Facebook

“A primeira revista brasileira a dar a Marta na capa. E ainda precisou de 5 prêmios de melhor jogadora do mundo para isso. Parabéns à redação!” Matheus Gustavo da Silva, do Rio de Janeiro – RJ

“Queria ter presenciado esta entrevista! Vocês foram até a Suécia para fazê-la?” Bia Duarte, por Facebook

ZECA PAGODINHO

ESPECIAL MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO

“Achei o especial sensacional. Fazer uma reportagem sobre o dia da mulher sem aqueles números deprimentes e colocar exemplos de superação é a evidência do quanto a Raça evoluiu. Não é só dizer que a mulher negra é a que mais sofre racismo, isso nós já sabemos. É dizer o quanto ela aprendeu com esse racismo e decidiu se tornar dona do seu próprio nariz.” Mariane Xavier Toledo, por e-mail

“A mulher é sem dúvidas a criatura mais divina deste universo!” Clara Amaral, via Facebook

“Ótima matéria, adorei as entrevistas! Sou fã do projeto Makeda e do Beleza Natural! Desde o começo eu torço para o sucesso das duas. É preciso ter calma para não desanimar, pois a estrada é difícil, mas não é impossível! Parabéns, beijo!”

“Adorei os convidados: Gil, Jorge Aragão, Emicida! Deus, esse trabalho deve estar mesmo show.”

Elisa Ferraz, de Rio de Janeiro – RJ

Laila Moreira, de Salvador – BA

“Parabéns pela iniciativa! Desejo que sigam em frente e tenham vida longa, superando todos os preconceitos. Toda a beleza deve ser valorizada”

“E quem não gosta de samba, bom sujeito não é!” Adriano Lima, Florianópolis – SC

Douglas Bencini, por e-mail

“O Zeca é branco, não acho que merecia este destaque na Raça. Ele é uma invenção da mídia para compensar a falta de espaço aos verdadeiros sambistas negros como Jorge Aragão e tantos outros. Não caiu bem.”

“Lugar de mulher negra é lutando por seus direitos!” Marina Nogueira, via Facebook

Venâncio Prado, via Facebook

“Zeca é um gigante do samba, gostei bastante deste trabalho.”

“Que reportagem sensacional, estão de parabéns, todos vocês.”

Beatriz Navarro, por e-mail

Carlos Amaral, de São Paulo - SP

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PÁGINAS PRETAS

“Entrevista muito boa com a Luciana, do PCdoB. Nesta edição vocês só trouxeram mulheres que realmente lutam por igualdade, diferente de uma Preta Gil, que só quer causar polêmica.” Thiago Zonaro, Juiz de Fora – MG

“Luciana guerreira! Na política, você me representa.” Thais Flores, via site

“Primeira mulher a presidir o PCdoB. Melhor impossível. Demorou, mas a nossa hora chegou.” Glaucia Veloso, de Brasília - DF

“É mulher presidente de partido, de empresa, do país! Estamos dominando tudo.” Amanda Costa, via Facebook

“Muito bom, parabéns e sucesso nos seus caminhos!” Lívia Freitas de Souza, do Vitória -ES

AFETIVIDADE E A MULHER NEGRA

“Eu, como mulher das Religiões Afro Brasileiras de Matrizes Africanas, me vejo inserida nesse texto e gostaria de ver esse tema abordado para nós, Mulheres do Candomblé e da Umbanda.” Egbonmy Conceição Reis, via Facebook

“A matéria está um pouco pesada, mas isso não faz dela menos importante. Obrigada por tocar nesse assunto tão delicado.” Janaina Pereira, por e-mail

“Até quando vamos ver mulheres negras sendo desvalorizadas e nem notarem? Foram muitos anos de rejeição, vamos parar com isso galera!” Isadora Francisco Horta, de Belo Horizonte – MG

“Sou branco e adoro mulheres negras. Eu e minha esposa já sofremos muito preconceito, por isso gostei da matéria, por mostrar um outro olhar sobre a questão.” Otávio André Macheirie, via site

“Achei a matéria interessante, mas tem um tom muito heteronormativo.” Caroline Andrade, via Facebook

“Adorei a peça do Capulanas no ano passado! Foi demais, sensacional! Tinha que ter de novo, numa temporada maior. Eu assistiria todo final de semana!” Yasmin Camargo, de São Paulo – SP

“Admiro o olhar da redatora, que teve o cuidado de mostrar a afetividade da mulher negra por parte de quem mais interessa: a própria mulher.” Josefina de Souza Lima, via site WWW.RACABRASIL.COM.BR

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NAPEGADA! CDS | DVD | CINEMA | TEATRO | MÚSICA | DANÇA por REDAÇÃO

eM “enCARnAdO”, jUÇARA MARÇAL InCORpORA eLeMentOS SOnOROS de SeUS tRABALhOS AnteRIOReS

Juçara Marçal tem um timbre único e inconfundível. Quem ouviu os trabalhos anteriores da cantora, sabe que sua voz faz qualquer um parar e prestar atenção na melodia e na poesia evocada. Em seu primeiro CD solo, “Encarnado”, ela canta com arranjos cheios de guitarras tocadas pelos velhos parceiros, Kiko Dinucci e Rodrigo Campos, unidas à rabeca de thomas Rhoher. Os arranjos mais metálicos dão às canções crônicas “urbano-sagradas” o espaço necessário para a voz de Juçara transitar por nuances únicas em harmonias assinadas por Rodrigo Campos ,(Velho Amarelo), Itamar Assumpção, (E o Quico?), tom Zé, (Não tenha Ódio do Verão), Siba, (A Velha Capa Preta), entre outros. A canção “Odoya”, composta por Juçara, é outra que se destaca no álbum. “Encarnado” está disponível para download gratuito no site: www.jucaramarcal.com.

fOtO: divul gação

fOtO: divulgação

CDS | DVD | FILME

A FAveLA eM dvd de LeAndRO SApUCAhY

Com um timbre genuinamente baiano, Margareth Menezes, colunista da Raça Brasil, lança este mês “Voz talismã”, quarto DVD da artista. O trabalho traz registros de dois shows especiais, apresentados em fevereiro e junho de 2012, na Concha Acústica e na Sala Principal do teatro Castro Alves, em Salvador. Estão incluídas canções de todas as épocas de sua trajetória diante de um público emocionado. A concepção deste especial foi da própria Margareth Menezes, além de roteiro e direção artística de André Simões e direção musical do maestro Luciano Silva. Entre os artistas convidados estão Gilberto Gil, Daniela Mercury, Elba Ramalho e Paula Lima, além dos principais blocos afro da Bahia: filhos de Gandhy, Ilê Aiyê, Cortejo Afro, Muzenza e Malê Debalê. É um trabalho que demonstra a alegria, a ginga e o sorriso contagiante da talentosa cantora.

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eM COMeMORAÇãO AOS 25 AnOS de CARReIRA, MARgAReth MenezeS LAnÇA nOvO tRABALhO

Após enorme sucesso como produtor musical de vários artistas, diretor musical do Esquenta!, da Rede Globo, e como porta-voz do bloco Sapucapeta, Leandro Sapucahy retoma a carreira solo em seu novo lançamento, o “favela Brasil II - Soldado do Samba”. Gravado em CD e DVD, o show tem como cenário uma favela à moda carioca, onde barracos, bares, lajes e becos foram construídos cenograficamente para retratar a vida das comunidades. O projeto foi assinado por Zé Carratu e realizado no palco da fundição Progresso. Cada uma das faixas é contada através de uma cena, com pedaços de narrativa e participação de atores. Entre as faixas, Leandro revive grandes sucessos do samba, como “Meu nome é favela”, de Arlindo Cruz, e “Saudação às favelas”, hit de Bezerra da Silva, além de várias faixas inéditas. Leandro conta com as participações especiais de Xande de Pilares, na faixa “Bonde Pesado” e Serginho Meriti, em “tião”.

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A saga da rainha Njinga é exibida pela primeira vez no Brasil, no CCBB do Rio de Janeiro

Conforme a Raça divulgou com exclusividade na edição de janeiro, produtores da agência angolana Semba criaram um belo longa-metragem para que o público possa viajar no tempo e na história de luta de uma mulher sem medo, a rainha Njinga. O filme “Njinga, Rainha de Angola” marca a estreia nas telonas de Lesliana Pereira, apresentadora e Miss Angola 2008, no papel Njinga, considerada pela UNESCO uma das 25 figuras femininas mais importantes da história de África. O filme conta a história da guerreira africana que durante 40 anos defendeu a independência dos reinos de Ndongo e Matamba no século XVII. O longametragem foi exibido gratuitamente em março no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, como parte do projeto educativo do CCBB, que convida alunos para assistir e debater o tema em questão. O filme é importante também do ponto de vista artístico, por ser uma produção do rico cinema africano. A história do filme começa em 1617, ano em que o pai de Njinga, o rei Kilwanji, morre. Após presenciar o assassinato do filho e a humilhação que o irmão sofreu dos colonizadores portugueses, Njinga resolve lutar pela libertação do povo mbundu. Depois de quatro décadas de conflito, com o lema “quem ficar, luta até vencer”, ela consegue selar a paz com os portugueses, que a reconhecem como a rainha de Matamba e Ndongo. Para se ter uma ideia do trabalho acadêmico para retratar a história da guerreira o mais próximo possível da realidade, foi realizado um colóquio que reuniu historiadores do mundo todo com suas respectivas versões sobre a rainha.

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Encenada em diversas cidades brasileiras, a “Paixão de Cristo” é um dos espetáculos mais notórios e reproduzidos das celebrações cristãs. Em ano de Copa, a Lona João Bosco Vista Alegre, que realiza desde 2002 o projeto da montagem e encenação da peça, traz como diferencial Jesus Cristo negro, nesta edição representado pelo maravilhoso ator Milton Filho. O projeto é uma realização da Prefeitura do Rio de Janeiro, Secretaria das Culturas em parceria com o Movimento de Integração Cultural, entidade que coordena a Lona Cultural João Bosco em Vista Alegre, a responsável pela produção do projeto. A estrutura, montada no formato teatro de rua, já recebeu um público superior a 100 mil pessoas nas edições anteriores. O espetáculo conta com um elenco de mais de 120 pessoas, entre atores, estudantes, donas de casa e moradores de Vista Alegre e bairros adjacentes. A proposta da peça é proporcionar um trabalho integrado entre moradores do bairro e alunos das oficinas da Lona Cultural João Bosco (Vista Alegre), chamadas de “Carpintaria de Montagem”. A partir deste contato, todos os participantes têm oportunidade de conhecer e participar do processo de montagem de um espetáculo teatral: produção, iluminação, cenotécnica e figurinos. A iniciativa serve de alavanca para profissionais na área de produção artística. Para quem ficou interessado em conferir esta superprodução, finalmente protagonizada por um ator afrodescendente, a “Paixão de Cristo” será encenada no dia 18 de Abril, a partir das 20h, no Parque José Orlando Bernardes, localizado na Av. São Félix, 601, em Vista Alegre – RJ.

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Paixão de Cristo será encenada por ator negro no Rio de Janeiro

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perfil

Do Recôncavo baiano às rodas de samba e ruas da Pauliceia, Nega Duda é expressão da mulher negra-sambadeira por Maitê Freitas

Samba do axé

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Nega Duda, Ilu Oba de Min

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SambadEIRa Samba PoRQUE Samba, Samba PoR amoR. o Samba mUITaS VEZES é o JEITo QUE a mULHER da mINHa TERRa ENCoNTRoU PaRa PaSSEaR, SaIR dE CaSa, SE ExPRESSaR, daNÇaR E CaNTaR. mUITaS VEZES, ESSa mULHER VIVE Um dIa a dIa dE VIoLÊNCIa, dE doR, dE mUITo TRabaLHo, maRIdo aLCoÓLaTRa... E o Samba é Um LUGaR oNdE ELa PodE SER dIFERENTE E a PoSSIbILIdadE dE CoNHECER oUTRoS LUGaRES, PESSoaS”

“Em São Francisco do Conde eu era apenas Nega. o duda nasceu em São Paulo, eu sempre fui Nega. Nunca tive essa pretensão. ai eu venho para cá e me transformo nisso que eu sou hoje”. do Recôncavo para montepellier, em 2002, Nega fez sua primeira viagem internacional ao integrar comitiva brasileira no 17º Festival de montpellier-Printemps des Comédiens (França). “Fui representando a bahia numa comitiva de artistas populares, fui escolhida entre 60 mulheres, como sambadeira. a primeira vez que eu cantei no microfone foi na França, onde conheci diversas companhias, incluindo a beth beli” - que mais tarde convidaria Nega para participar do oriaxé, grupo de onde derivou o bloco afro Ilu obá de min. ducineia Cardoso é referência do samba de roda baiano na capital paulista. Homenageada no carnaval paulista, Nega foi cantada por um coro de aproximadamente 200 mil pessoas, durante apresentação do bloco afro Ilu obá de min. Há dez anos à frente do coro de cantoras do Ilu, Nega duda diz que ainda processa o reconhecimento e a homenagem. “o meu nome no Ilu, é tema. Eu sou uma mulher de Ilu, eu sou iluobática. Quando ouvi as composições que fizeram para mim... Não tem nada que pague, foi e está sendo uma honra. o povo me cantou em São Paulo”.

FOtO FERNANDO OLIV

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inda de uma cidade com 33.183 habitantes (Censo IbGE/2010), localizada na região do Recôncavo baiano, São Francisco do Conde deu ao mundo a voz e a força de ducineia Cardoso, a Nega duda. Nascida em 13 de maio de 1968, foi na beira do rio, lavando roupa que Nega ouviu e aprendeu as primeiras canções, os primeiros sambas. “Sambadeira eu sempre fui”, diz, ao ser perguntada o que a faz ser uma sambadeira. Com olhos marejados, explica: “Sambadeira samba porque samba, samba por amor. o samba muitas vezes é o jeito que a mulher da minha terra encontrou para passear, sair de casa, se expressar, dançar e cantar. muitas vezes, essa mulher vive um dia a dia de violência, de dor, de muito trabalho, marido alcoólatra... e o samba é um lugar onde ela pode ser diferente e a possibilidade de conhecer outros lugares, pessoas”. Filha mais velha entre seis irmãos, Nega é mãe de Jackson Cardoso (30) e Jackeline Cardoso (29). dos filhos, herdou três netos: Erick (10), Carolina (2) e Jackson Jr (1). “meus parentes me cobram para que eu volte... eles não sabem o que é estar aqui e o que eu sou aqui”. Há doze anos em São Paulo, hoje Nega reside na Cidade Tiradentes, bairro da periferia na zona leste de São Paulo.

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PeRfil

SOA FOtO ACERVO PES

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FOtO ACERVO PES SOA

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além de receber homenagens nas ruas de São Paulo e compor o núcleo de pesquisa do Ilu obá de min, Nega relembra que a primeira vez que se ouviu cantar foi na gravação do Cd do Ilu. “Quando o produtor colocou o áudio, eu não reconheci a minha voz. depois disso, gravei com a Frente 3 de Fevereiro. o primeiro cd do Samba de Roda Nega duda foi gravado com um dinheiro dado por uma amiga. Não sabia o que eu podia fazer, liguei para um amigo e decidi gravar o cd do meu Samba de Roda. Sempre fiz tudo com a parceria dos meus amigos”, afirma. Embora Nega seja uma guerreira, se emociona facilmente ao evocar suas memórias: “Eu sempre gostei de ler. Trabalhei em casas de famílias que tinham um poder aquisitivo maior, então eu sempre lia as revistas que eram descartadas. Uma vez, fiz um álbum com os recortes das joias dos anúncios, colava numa folha e plastificava”, lembra. Nega conta que veio há São Paulo pela primeira vez acompanhando sua mãe de santo. “Eu fazia todas as obrigações e ajudava minha mãe com os compromissos espirituais na parte da noite. de dia, trabalhava como empregada doméstica”. Plural, forte e amorosa, Nega duda em poucas palavras descreve-se como “makota de caboclo, sou aquela que cuida do orixá na minha casa. Eu sou isso: candomblé, samba do recôncavo, mulher negra. a Nega de hoje continua aquela mulher do Recôncavo, forte e guerreira, mas com outros objetivos. Quero saber mais. Sou de um Jackson Cardoso tempo em que o acesso à informação era escasso, hoje a informação é acessível e possível”. duda revela que além dos dons culinários e musicais, gosta de artesanato: “Eu sempre gostei de joias, mas nunca as tive. Hoje em dia, existem outras possibilidades, sou vidrada por colares, tenho vários e de todos os tipos; faço os meus colares de miçanga e tento fazer aqueles trançados, no dia que eu aprender

familia Nega Duda

maKoTa dE CaboCLo, SoU aQUELa QUE CUIda do oRIxÁ Na mINHa CaSa. EU SoU ISSo: CaNdombLé, Samba do RECÔNCaVo, mULHER NEGRa. a NEGa dE HoJE CoNTINUa aQUELa mULHER do RECÔNCaVo, FoRTE E GUERREIRa, maS Com oUTRoS obJETIVoS. QUERo SabER maIS. SoU dE Um TEmPo Em QUE o aCESSo À INFoRmaÇÃo ERa ESCaSSo, HoJE a INFoRmaÇÃo é aCESSÍVEL E PoSSÍVEL” a fazer essa técnica “shambala” (artesanato feito de miçanga e trançado, comum na bahia), eu estou feita!”. Feita no candomblé desde os vinte e cinco anos, Nega tornou sua prática espiritual uma bandeira pública na difusão da cultura e respeito ao culto dos orixás. “Está na minha vida, eu sou do axé, posto nas redes sociais e falo disso abertamente para todos. aprendi a adorar os orixás com a minha avó. Ela me ensinou a cozinhar, costurar e adorar os orixás. minha mãe frequentava o terreiro, mas não era de dentro. minha madrinha era mãe de santo, com ela tive acesso aos preparos do rito e todas as coisas do candomblé”.

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MAC FOtO ALEXANDRE

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Nega Duda, Ilu Oba de Min

FOtO ROGERIO CAVALHEIRO

Sobre a intolerância religiosa, Nega diz que nunca sofreu represália de maneira explicita. mas reconhece que “a religião é um fator que afasta pretendentes. a mulher negra e do axé, para encontrar um companheiro, precisa que ele seja da religião ou saiba respeitar isso. Ser mulher, negra, gorda e do axé faz com que os homens tenham medo e se afastem, precisa ser muito macho!”. Quando o assunto é racismo, diz: “Quando a gente tem filho, a gente engole muita coisa. Hoje eu sei dos meus direitos, eu leio, me informo. antes, se eu entrasse num estabelecimento e a pessoa dissesse que eu devia me retirar, eu me retiraria sem desconfiar que o motivo fosse o racismo”. o sagrado para Nega sempre está entrelaçado com a sua arte: o samba. Vestida de branco e paramentada como uma rainha baiana, quando Nega puxa os sambas o chão estremece, e quem não é do samba acaba entrando na roda. “a primeira impressão quando as pessoas me veem vestida de baiana é ‘lá vem esse povo do candomblé’, ‘lá vem a macumba’. ai, quando começa a música, as pessoas se desarmam, do sexto samba em diante as pessoas se libertam do preconceito e reconhecem a memória. Sempre ouço no final da roda ‘esse samba me fez lembrar minha avó’. as pessoas se libertam”. Rainha Quelé. Peróla Negra. Princesa Nega duda. Sempre que Nega canta é impossível não lembrar de Clementina de Jesus e Jovelina Pérola Negra. as histórias delas também fazem parte da história de Nega duda, que há sete anos deixou de trabalhar como empregada doméstica. “ainda faço duas diárias em casa de pessoas que trabalho há oito anos, isso me dá sustento para pagar o meu aluguel, as minhas contas e a minha comida, essa é a minha base. o meu plano para este ano é fazer shows e, aos poucos, criar condições de viver da minha arte”. a ideia de construir uma vida que se sustente em torno da arte, assusta a cantora. “mudança sempre foi uma coisa que me assustou, mas com o tempo a gente vai aprendendo e amadurecendo.

Hoje quero me dedicar aos meus projetos, ao meu samba, e viver disso”. Integrante do grupo cultural Lindro amor, Nega também integra o Raízes de angola, grupo de samba de roda que nasceu no terreiro e busca preservar as manifestações populares do Recôncavo. Em São Paulo, Nega criou o Samba de Roda Nega duda, onde desenvolve o Ekan de axé. “o Ekan veio da necessidade de eu trabalhar as simbologias do sagrado. mesmo não estando na bahia, fazendo as minhas funções espirituais na minha casa, não me esqueço desse meu compromisso. Gosto de prestigiar as casas dos meus amigos para ver, cantar e dançar com os orixás”. Embora o Ekan de axé e o Samba de Roda tenham um público fiel, Nega narra a dificuldade de realizar e dar continuidade ao projeto. “as pessoas gostam do samba, mas faltam recursos que viabilizem a realização do projeto. Fiz alguns Ekans com a contribuição e doação dos amigos, divulgava o que precisava nas redes sociais, fazia as comidas e vendia. Hoje, quero encontrar um espaço onde eu possa desenvolver e difundir a cultura do Recôncavo: da culinária à música. Quero criar a Casa da Nega – Sampa Recôncavo. Quero muito que a Secretaria da Cultura e a prefeitura da minha cidade natal apoiem os meus projetos e compreendam que, dos quatros cantos, onde eu estiver, estarei falando do Recôncavo, falarei da bahia”.

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LIVROS

Presença do Axé DENISE P. R. DA FONSECA e SÔNIA MARIA GIACOMINI

Em um dos apontamentos mais importantes para o registro da religiosidade brasileira, a proposta de realização de um mapeamento de terreiros no Rio de Janeiro foi apresentada à PUC-Rio, em 2006, pela Yalorixá Mãe Beata de Iyemonjá. Mãe Beata é considerada a principal liderança religiosa do Ilê Omi Ojuarô, e desde o primeiro momento de apresentação do projeto era visível a intolerância religiosa professada por algumas igrejas neopentecostais, expressamente dirigida contra as casas de religiões de matrizes africanas e seus adeptos. O livro “Presença do Axé” propõe um mapeamento e mostra-se uma oportuna pauta de pesquisa e extensão, que cumpre duas funções: oferecer uma resposta a uma demanda nascida dos movimentos sociais e desenvolver uma forma inovadora de tratamento da questão do racismo e suas práticas. Lançamento da editora PUC-Rio.

Sem Medo de Falar MARCELO RIBEIRO

Pesquisas mostram que, em geral, o abusador sexual é alguém próximo: um parente, um amigo da família, um professor, um treinador, um maestro do coral. Seu maior aliado é o silêncio - a criança não denuncia porque tem vergonha, medo e acha que ninguém vai acreditar. Marcelo Ribeiro perdeu o medo de falar. Neste livro corajoso, o autor conta como, ajudado pela mulher, conseguiu enfrentar o trauma e a condenação ao silêncio. Sua vida é um exemplo de superação - tirou lições fundamentais para aqueles que desejam a felicidade das crianças e para todos que querem encontrar caminhos para que a sociedade possa se prevenir desse crime monstruoso. Lançado pela Editora Paralela, o livro ajuda a entender e superar este tipo de trauma.

Huni Kuin Hiwepaunibuki A história dos caxinauás por eles mesmos ELIANE CAMARGO e DIEGO VILLAR

Organizado pela linguista Eliane Camargo e pelo antropólogo Diego Villar, “Huni kuin hiwepaunibuki - A História dos Caxinauás Por Eles Mesmos” reúne 25 narrativas referentes à vida dos caxinauás, grupo que ocupa um vasto território na bacia dos rios Juruá e Purus, nas baixas terras, entre o Brasil e o Peru, totalizando uma população de aproximadamente oito mil indivíduos – 75% dos quais se encontram em terras brasileiras. Lançado pela Edições Sesc São Paulo, o livro apresenta, a partir de relatos, traços ricos da cultura, língua e estrutura de pensamento do grupo. A obra está disponível nas línguas caxinauá, portuguesa e espanhola, conta com um vasto material iconográfico e retrata desde o modo de vida dos antepassados até suas experiências em uma sociedade não indígena, além de narrar como se deu a dispersão do grupo.

NAS BANCAS!

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Administração do tempo Segredos e técnicas de otimização WILLIAM DOUGLAS

Um livro para quem quer (ou precisa) aprender a dar conta das atividades cotidianas e ser bem-sucedido. “Administração do Tempo” não apenas conscientiza e motiva, ele também mostra “o caminho das pedras” para quem deseja ser produtivo, com dicas para organizar o tempo diante das demandas tecnológicas, detalhes de erros e acertos durante o dia a dia, um quadro de horários para cada tipo de pessoa e técnicas que visam otimizar atividades rotineiras como a simples leitura de e-mails. O livro atende a todos que buscam estratégias eficazes para lidar com o estresse, corre-corres, noites mal dormidas, perda de concentração, má alimentação, sedentarismo, acúmulo de funções etc.

Diga aos lobos que eu estou em casa CAROL RIFKA BRUNT

A editora Novo Conceito traz a história da jovem June Elbus, de 14 anos, cujo único confidente é seu tio, o renomado pintor Finn Weiss. Tímida na escola, vivendo uma relação distante com a irmã mais velha, June só se sente “ela mesma” na companhia de Finn. Quando o tio morre precocemente de uma doença sobre a qual a mãe de June prefere não falar, o mundo da garota desaba. Porém, a morte de Finn traz uma surpresa para a vida de June – alguém que a ajudará a curar a sua dor e a reavaliar o que ela pensa saber sobre Finn, sobre sua família e sobre si mesma. Ela então conhece um inesperado novo amigo, que se torna uma pessoa importante em seu mundo. “Diga Aos Lobos Que Estou Em Casa” é uma história sensível que fala de amadurecimento, perda do amor e reencontro, um retrato inesquecível sobre a maneira como a compaixão pode nos reconstruir.

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Pedro, o carteiro BEATRIX POTTER

A Cia das Letrinhas traz para o mês de abril o personagem Pedro Coelho, que neste belo livro virou carteiro por um dia. Pedro anda de um lado para o outro, entregando correspondências aos moradores de Mato Fino. Mas, em umas das cartas, ele descobre que um plano maligno está sendo armado contra Pati Pataxoca. Se Pedro não correr, a coitada da pata será comida no jantar. Como no sucesso “O Carteiro Chegou”, inúmeros envelopes recheados com cartas, cartões postais, “dindins”, folhetos, recortes de jornais, entre outras surpresas, tornam a aventura de Pedro ainda mais emocionante.

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Ela é o

máximo por Etiene Martins | fotos Kadão Costa - Estúdio Líquido | Produção Emanuele Sanuto

Entre existir e ser notado há uma única diferença: a coragem. Coragem é aquilo que faz com que uma pessoa subverta a ordem, desobedeça as regras, rasgue os dogmas e aja.

A

ssim fez Ruth de Souza, que ressignificou a presença da mulher negra no mundo das artes cênicas. Ela ousou ver mais do que estava à mostra e desbravou horizontes até então desconhecidos para a maioria das atrizes negras brasileiras. Historicamente, a mulher negra de sucesso faz da audácia e do novo sua bandeira. Por esse motivo, nesse especial feito no mês das mulheres, nada mais justo que recordar algumas revoluções que uma profissional negra precisou enfrentar para obter êxitos que ainda hoje ecoam na arte - mais precisamente na televisão e no teatro. Foram mudanças que, de uma forma ou de outra, influenciaram a vida e a obra das gerações seguintes.

Sua trajetória profissional já é bastante conhecida. E pessoalmente, quem é Ruth de Souza? Alguém simples que adora as pessoas, gosta de fazer amigos e de manter os amigos. Sou eu, Ruth. A senhora é uma atriz que trafega aparentemente à margem das querelas estéticas que sempre marcaram a teledramaturgia. Fale um pouco sobre sua infância e suas heranças culturais. O meu trabalho é uma espécie de terapia. Adoro trabalhar, WWW.RACABRASIL.COM.BR

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Ela poderia ter sido mais uma que não se libertou dos serviços domésticos, no entanto encontrou neles a matéria-prima de seu talento. Foi a primeira negra a pisar no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, está na TV globo desde que a emissora foi inaugurada, e ainda hoje se destaca pelo longo currículo, feito que pouquíssimos profissionais tem a honra de alcançar. Ruth recebeu a equipe da Raça Brasil no apartamento onde vive, na cidade do Rio de Janeiro. Mesmo um pouco debilitada fisicamente, mostrou que a cabeça continua atuante como sempre. Com bom humor e irreverência ela falou sobre sua trajetória profissional, racismo e os estereótipos que os negros enfrentam na carreira de ator.

bom seria se todos fossem assim. Meu pai era analfabeto, era lavrador no interior de Minas Gerais. Eu nasci aqui no Rio de Janeiro, mas fui para Minas ainda pequenininha. Quando meu pai morreu, voltamos para o Rio e minha mãe foi trabalhar como lavadeira para sustentar a casa. Qual a sua religião? Católica desde sempre, estudei em colégio de freiras. Acho que todos deveriam ter uma religião, ninguém pode viver bem sem fé, seja ela qual for. RAÇA BRASIL | 23

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entRevIStA

Qual foi a primeira personagem que a senhora interpretou? Eu fiz uma velhinha. Na época eu tinha 18 anos e interpretei uma velhinha caquética igual eu estou agora (risos). Era a história do imperador do Haiti. Atravessei o palco do Theatro Municipal com uma trouxinha nas costas. É verdade que você foi a primeira atriz negra a pisar no palco do Municipal? é verdade, eu fui a primeira atriz negra. E como a senhora se sente quanto a esse pioneirismo? Foi uma responsabilidade muito grande, e ao mesmo tempo me encheu de orgulho. Era uma fase muito difícil para o ator, muito difícil para o negro. Não havia negro na TV, só havia o Grande otelo fazendo comédia. A senhora pertence a uma geração que surgiu na dramaturgia antes da eclosão da TV brasileira. Como foi sua inserção na teledramaturgia? A TV deslanchou em 1950, eu comecei em 1945. Fazia teatro em São Paulo quando fui convidada para fazer a novela “Cabana do Pai Tomás”. Sérgio Cardoso indicou meu nome para o trabalho. Gostaria que a senhora falasse um pouco da repercussão da novela “Cabana do Pai Tomás”. A novela tinha uma autora, mudou de autor e deu uma confusão danada, mas foi uma boa personagem. Qual foi a sua opinião sobre a escolha de pintar um ator branco para interpretar um personagem negro? Naquela época, Milton Gonçalves estava começando e não tinha o nome que tem hoje. Ele tem mágoa até hoje, dizia que o Sérgio Cardoso punha rolha no nariz para ficar com o

nariz chato. Quem é que pode falar isso? Como ele iria sair na câmera com a rolha no nariz? Como é que ele iria respirar? Não havia atores negros capacitados para fazer um protagonista? Tinha muitos atores negros, mas ninguém dava a oportunidade. Hoje, depois de muita briga, muita cobrança na Globo, foram colocando atores negros nas novelas. o Jorge Coutinho é uma das pessoas que mais cobra para colocar gente negra para trabalhar. Naquela época não tinha ninguém, o Milton veio do teatro e eu também. Qual foi a personagem que mais marcou sua vida e que fez seu coração bater mais forte? Fiz diversos papéis que gostei muito, fica difícil dizer apenas um. Gostei muito de fazer na TV a “Cabana do Pai Tomás”, “ossos do Barão”, onde eu fazia a neta de um barão e “Sinhá Moça”, que foi um grande sucesso. Já no cinema foi muito bom fazer “Filhas do Vento”. A senhora já viveu alguma situação de racismo em sua vida ou em sua carreira? Senti que em alguns papéis eu tive que cobrar, aquela coisa que o

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papel tem que ser assim e que negro famoso e rico. É muito importante Tinha muitos fala assado. Me lembro de uma a postura, ele mesmo é um atores negros, vez que o diretor da Companhia homem que acho digno e nunca o Cinematográfica Vera Cruz me mas ninguém dava a vi envolvido em escândalos. disse que eu era muito magra para A mulher negra está sempre oportunidade. Hoje, interpretar uma escrava de fazenda, pelada e rebolando. Por exemplo, de muita briga, depois na época eu pesava 45 quilos. Ele uma vez eu fui a uma festa em que tinha a concepção que a negra tinha muita cobrança estava toda a alta sociedade do Rio que ser gorda risonha e ser boa de na Globo, foram de Janeiro. Entrou uma bateria de fogão. Logo após esse trabalho, escola de samba e meia dúzia de colocando atores fui interpretar outra personagem mulheres nuas rebolando, mas a negros nas novelas” com o mesmo nome da anterior, cara dos homens presentes na festa aí perguntei ao diretor: “Por que era de um desprezo que eu fiquei toda vez eu tenho que fazer um personagem de nome Bastiana? com vergonha. As coitadinhas achando que estavam fazendo Porque toda negra se chama Bastiana, ele respondeu. Eu disse: bonito, mas estavam reforçando a imagem da mulher negra Não. Eu me chamo Ruth”. que só aparece na televisão no carnaval. Eles estavam habituados ao negro na fazenda e à negra dentro da cozinha. Mas sofrer discriminação eu não sofri, sempre tive uma Como a senhora avalia o trabalho dos nossos autores postura que me ajudou muito. Às vezes nossa gente tem certas de novelas, hoje, especialmente os que rejeitam os posturas que não ajudam muito. personagens negros? O negro brasileiro recebe os papéis que merece nas telinhas? O que quer dizer quando se refere a postura? Não, de jeito nenhum. Agora, por acaso, o Lázaro está Tem muita gente mal educada. conseguindo, a Camila e a Taís também. Está aí o meu orgulho de ter começado a abrir caminho para essa família Mas a senhora há de concordar que existem pessoas mal toda, tanto que eu recebi uma homenagem da Academia educadas de todas as etnias. de Cinema. Na ocasião, chamaram todos os atores jovens Mas quando é um negro aparece mais, tudo que você faz tem para me homenagear, me deu um acesso de choro... Foi tão valor duplicado. Esse preconceito que tem no Brasil é forte, lindo saber que eu abri o caminho para todos aqueles que por exemplo, ninguém fecha a porta para o Pelé, porque é estavam ali presentes.

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entrevista

É difícil essa inserção do negro? A senhora acredita que o discurso das novelas ainda Ainda é difícil. Pude presenciar, por exemplo, figurações em funciona como forma de denunciar os problemas sociais novela. Se é de uma universidade só tem menino branco. Uma contemporâneos, como a exclusão social, racial e de gêneros? vez eu perguntei ao diretor por que só havia a turma loira e Nós não temos autores negros na televisão. Nós só temos ele me respondeu: “Só estamos mostrando a verdade”. E eu autores brancos, que veem o mundo deles, de gente branca e respondi: “Verdade? Em novela vocês querem mostrar verdade? rica. Assim, nós negros somos apartados de tudo, então não Coloca aí os mulatinhos e os negros também, se na faculdade funciona como denúncia para os problemas raciais. não têm negros, finja que tem. Vocês não põem mulher explodindo e formiga saindo do nariz do homem?” No dia As mulheres de sua geração foram criadas para serem seguinte havia um casal de figurantes negros na gravação. esposas e mães, algumas acabavam trabalhando fora Na outra vez, foi a novela que tinha céu e inferno, no céu tinha para ajudar o marido. Você trilhou o caminho inverso e cavalo branco, todo mundo não formou uma família. branco. Já no inferno tudo A senhora acredita que Eu me sinto uma era escuro, eu perguntei e falei as obrigações domésticas pessoa abençoada por bem alto para todo mundo da de uma mulher privam a produtora escutar: “Escuta, ascensão profissional? Deus. Sinto que Deus foi por que não tem nenhum Acho que não, depende da muito generoso comigo” negro no céu? No inferno tem programação dela. Hoje um monte de negro”. Aí contrataram a Léa Garcia para ser uma temos que planejar tudo. Se você quer comprar uma casa você das mortinhas lá do céu. tem que planejar comprar a casa. Eu fui apaixonada por várias pessoas, mas comigo ninguém quis casar. (risos) Muitas pessoas dizem que a situação dos atores negros melhorou e que hoje há um espaço maior, não há tantos Que gratificações e aborrecimentos existem no estereótipos. Acredito que a senhora mais do que ninguém empreendimento de manter, como no seu caso, uma pode dizer se isso é verdade ou é mais um mito. carreira artística por tanto tempo? Está melhorando, mas é muito devagar. Colocam o negro só Eu me sinto uma pessoa abençoada por Deus. Sinto que para não dizer que não tem preconceito. Hoje temos ótimos Deus foi muito generoso comigo. Fiz uma carreira correta, atores, como falei do Lázaro Ramos, Flávio Bauraqui, Fabrício encontrei pessoas que acreditaram em mim e me estimularam, Boliveira, Roco Pitanga, entre outros. como Jorge Amado e Vinicius de Morais. A senhora é uma pessoa que pode se olhar no espelho e dizer: “Eu sou um sucesso”. Em algum momento a fama te deslumbrou? Eu sempre tive consciência que não era fácil. É uma profissão cheia de altos e baixos, então fiz questão de me planejar, de não gastar tudo que ganhei para ter um futuro tranquilo. O que a senhora diria aos profissionais negros que estão começando? Planejem-se e estudem. Acredito que a única arma que temos contra o preconceito é a educação. 26 | RAÇA BRASIL

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múSIcA

O ALABÊ DE SÃO GONÇALO por OSWALDO FAUSTINO | fotos ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO

com a mesma intensidade que espalma seu ilu (tambor), Altay veloso segue apregoando, aos quatro cantos do mundo, sons, versos e saberes ancestrais. Umbandista, de coração ecumênico, ele faz da própria vida sua obra-prima

O

s versos acima, que renderam gravações memoráveis de Emílio Santiago e Leny Andrade, já completaram 23 anos, mas o enredo do compositor, cantor e instrumentista Altay Veloso continua sendo levado em frente com firmeza e altivez: “Vivo há 63 anos na mesma casa em que minha mãe teve a doçura de me dar à luz. Ela foi construída no terreno comprado por meu avô, aqui em São Gonçalo, na primeira metade do século passado. Além de proporcionar boa qualidade de vida a minha família, minhas músicas me deram a candura e condições para eu pesquisar e escrever a ópera ‘Alabê de Jerusalém’”, lembra. Além das grandiosas montagens, concertos e um monólogo, esta obra rendeu também um livro escrito por

Altay em três meses, que está esgotado, mas será relançado e também se tornará história em quadrinhos. De suas quase 500 composições em diversos estilos, não são poucas as que se tornaram sucesso nas vozes de artistas como Roberto Carlos, que gravou “Dito e Feito” e Nana Caymmi, com “Bolero de Neblina”. Não faltaram sambas, românticas e pagodes como “Interfone”, com Alexandre Pires, “Absoluta”, com Negritude Jr., “Dez a Zero”, com Exaltasamba, “Farol das estrelas”, com Belo, entre tantas outras. Alcione gravou várias. A maioria traz as marcas da negritude e do sonho de uma harmonia universal, como se pode constatar em “Sinfonia da Paz”, que ganhou um vídeo no YouTube, em que ela canta à capela, acompanhada apenas por um “surdão” do Olodum.

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SÃO 40 ANOS DE AVENTURAS DESDE QUE MÃE TEVE A DOÇURA DE DAR A LUZ PR’ESSE SEU NEGO E A VIDA CHEIA DE CANDURA BOTOU CANÇÃO NESSES MEUS DEDOS E ME ENTREGOU UMA PARTITURA PRA EU TOCAR O MEU ENREDO...”

(40 Anos, de Altay Veloso e Paulo Cesar Feital) AmAdUrecendo sem pressA Ao se conversar com Altay Veloso, tem-se a sensação de estar em contato com um griot ou um personagem profético que vislumbra o mundo a partir da estrela Sírius C, da constelação Cão Maior, que há 150 anos era conhecida apenas pelo povo Dongon, do Mali, que a chamava de Emme Ya. Os potentes equipamentos de astrônomos europeus só confirmaram sua existência muito recentemente. Assim como aquele povo africano, esse compositor também fala com profundidade de conhecimentos cultivados pela ancestralidade dos mais variados povos, apanhando-nos de surpresa e nos levando a grandes reflexões sobre nós mesmos. Quem olha para a longa carreira artística desse neto de um acordionista, filho de jonqueiro e compositor capixaba com uma sacerdotisa da Umbanda, pode estranhar que tanto talento só tenha resultado na gravação de cinco discos – os LPs “O cantador” (1980), “Avatar” (1983) e “40 anos” (1991); e os CDs “Altay Veloso” (2002) e “Alabê de Jerusalém” (2003). Ele explica que tudo em sua vida é feito com muito cuidado, extrema calma e reelaborado até ficar como considera ideal. “A música ‘40 Anos’, por exemplo, comecei a escrever no dia em que completei essa idade. Coloquei ao telefone uma parte da gravação para Paulo Cesar Feital, meu parceiro mais constante, ouvir. Ele veio para minha casa e trabalhamos a noite inteira, até de manhã. A canção ficou com 12 minutos. Reduzimos para 5 minutos e meio e Emilio Santiago gravou. Continuamos mexWWW.RAcABRASIL.cOm.BR

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endo na composição durante os quatro anos seguintes. A letra gravada por Leny Andrade tem versos que Emílio não gravou. E grande parte da letra nem foi aproveitada”, revela. Da mesma forma, “Alabê de Jerusalém” é resultado de mais de 20 anos de pesquisas, consultas, composições, longas pausas e viagens a Nova Iorque, onde o compositor assistiu a um grande número de musicais, e também à Nigéria e a Israel: “Fomos visitar lugares e pedir licença à terra para contar essa história. Na segunda vez em que fui a Israel, minha mulher, Maria Célia, e eu permanecemos por uma semana em Jerusalém, cidade sagrada tanto para judeus, quanto para cristãos e muçulmanos. É uma viagem que sugiro a todo mundo. A gente chora de emoção a cada dois minutos. Estou doido para voltar e visitar novamente a mesquita da cúpula dourada, um dos sítios mais sagrados do Islã”, confessa o compositor. A mArcA do ecUmenismo Valorizar os diversos preceitos religiosos e respeitar todas as concepções sobre a existência é um costume aprendido na infância: “Meus avós eram católicos fervorosos. Na casa deles havia cultos diários. Num dia falava uma pessoa batista, em outro, alguém da Rosa Cruz, um maçom ou alguma outra corrente esotérica. Minha avó era da Legião da Boa Vontade. Uma vez por semana, também na casa deles, um psiquiatra ateu, grande amigo de meu avô, dava consultas gratuitas às pessoas do bairro. Vovó dizia: RAÇA BRASIL | 29

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música

‘Deus gosta muito desse ateu’. Essa diversidade foi a forja do meu espírito”. Altay afirma ter um afeto profundo por Jesus Cristo, assim como por Buda, por Chrishna, por Maomé: “Esses avatares todos me interessam muito. A palavra Jerusalém sempre me seduziu. Parece que o mundo gira em torno dessa cidade. Ali nascem religiões. Foi a partir da diversidade que comecei a conceber o ‘Alabê de Jerusalém’”. Nascido há cerca de 2000 anos, no antigo Daomé, hoje Nigéria, onde se cultuavam os orixás mais conhecidos e amados no Brasil, Ogundana, o protagonista da ópera e do livro, parte aos 12 anos em direção ao Norte da África, até o Egito, onde se apropria de toda a cultura local, em especial sua desenvolvida medicina. Sem romper a relação profunda com os orixás, ele adquire conhecimentos sobre todo o panteão egípcio e aprende os segredos da mumificação. Na vizinha Núbia, aprende a medicina com pouca água e cura um centurião romano - que o convida a ir para Roma, onde se torna médico das tropas. Quando Pôncio Pilatos é nomeado governador da Judeia, o leva consigo. Inicia-se, então, a fase de aproximação de Ogundana ao judaísmo. E em Cesareia ele se apaixona por Judite, prima de Maria Madalena, através de quem conhecerá Jesus Cristo. Altay Veloso conta que quando começo a escrever essa história, o protagonista chegava a Israel como escravo dos romanos, mas um fato em sua vida mudou a concepção: “Eu gosto de trabalhar durante a madrugada e só vou dormir lá pelas 5 ou 6 horas. Um dia, porém, acordei às 9 horas e, de repente, abri os olhos e vi vários idosos negros e negras em volta da minha cama, sentados e sorrindo. Comecei a chorar. Saí da cama, me ajoelhei no assoalho e pus o rosto no chão. Depois voltei ao estúdio onde faço minhas criações e lá pelas 8 da noite ouvi a pergunta: ‘Como você, há dois mil anos, escraviza um negro?’. Imediatamente reescrevi a história e ele se torna médico e fica muito rico”, revela.

Um orgulho: os filhos O encantamento de Altay por Jerusalém influenciou seu filho Saulo, que vive em Luanda, onde foi realizar um documentário para o governo local e hoje é diretor de arte da TV Zimbo. Foi Saulo quem criou a máscara africana que identifica a ópera. As imagens para o DVD foram captadas por sua irmã, Bárbara, que é cineasta. Assim como o irmão mais velho, o caçula, Ébano, também é designer e o outro irmão, Jhibran, é segurança de voo na aviação civil. Enquanto vê os quatro filhos se realizando, o pensamento de Altay Veloso ainda encontra espaço para o Alabê, que agora será transformado em duas revistas em quadrinhos, com 50 páginas cada, pelo o desenhista Ricardo Goulart, também de São Gonçalo. O compositor afirma: “Precisamos contar a história africana que não se conhece aqui, por todos os meios possíveis. As pessoas pensam que a África começa com a escravidão. Eu conto um pouco desses 7 mil anos de história de um continente com várias civilizações que tinham parlamento, exército, muitas delas dominavam a escrita e tinham até universidades, como Mali, no século 12. Precisamos apagar essa ideia de que só Roma e Grécia foram grandes civilizações, enquanto a África seria apenas uma imensa floresta para capturarem escravos”. Africanidade e perspectivas Criado no terreiro de Umbanda, filho de Xangô, cuidado por uma preta velha, Altay Veloso cresceu mergulhado em negritude e saboreando segredos milenares: “No comecinho dos anos 1970, eu usava black power. O primeiro homem que eu vi usando brinco na orelha foi eu mesmo. Vi num quadro cavaleiros árabes usando brinco e pedi a uma prima que furasse minhas orelhas”, conta. Altay não esconde que antes disso chegou a “fritar” os cabelos ao estilo Nat King Cole, seu ídolo. Atualmente, está escrevendo um romance intitulado ”Lábios de Cuba Libre”, que é a saga de uma família negra. Sua escrita é poética, como se pode constatar:

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“Iansã cantou na ventania, Xangô rasgou o céu com um raio e gritou uma trovoada, Manitu, mandou a Tupã, sinais de fumaça..., não duvido nada que Ghandi, findando o jejum, esteja ceando com Anastácia, Zumbi e Luther King, no do Gantois de Menininha... Mandela é livre...”. Juntamente com a filha Bárbara, ele já produziu o roteiro de um seriado de TV, baseado nessa história. Além do orgulho pelos filhos, Altay destaca o grande apoio que recebe cotidianamente de sua mulher, a pedagoga Maria Célia, que considera seu equilíbrio. Ele não esconde também afeto e admiração por seu parceiro mais constante, Paulo Cesar Feital. O compositor se emociona ao mencionar outro parceiro, com quem fez três canções, o músico angolano André Mingas, que faleceu em 2011, quando era cônsul de seu país em São Paulo. Mingas também era arquiteto, foi assessor da Presidência da República de

Angola e vice-ministro da Cultura. Conta Altay: “Sempre que ele vinha ao Rio, dava uma passada em minha casa. Participei, em Luanda, de uma grande homenagem a ele por ocasião do primeiro aniversário de sua morte, com músicos do mundo todo”. Assim como Veloso, o angolano se considerava “um ser tranquilo e com um grande sentido de paz e fraternidade”. No próximo mês de maio, acontece a 25ª edição do Prêmio de Música Brasileira, e Zé Maurício Machline convidou Altay Veloso para cantar sua composição “A sinfonia da paz”, composta no dia em que Nelson Mandela conquistou a liberdade, em 11 de fevereiro de 1990, e cantada por ele e Alcione para o líder sul-africano em sua visita ao Brasil. O evento será seguido de uma turnê para a qual ele já está programado.

“Eu vim de longe, muito longe, mas posso dizer com firmeza, vi tanta beleza, tive tanta surpresa, a minha vida é feliz. Sou assim como um galho, que foi abrindo caminho..., fui ao quintal do vizinho com permissão da raiz.” “Movimenta-se a vida a nosso favor, quando lhe chega o fervor do nosso pedido. Ela não presta atenção às palavras; sente o calor de um coração comovido, não nos vê de joelhos, reconhece-se nos espelhos, quando uma prece tem vida”

O Alabê, em DVD Trechos de “Alabê de Jerusalém”: “Sentei-me à mesa dos sonhadores, provei dos licores que nos fazem ver as cores do mundo e sua beleza..Com a alma docemente embriagada pelo vinho fermentado na vinicultura da vida, adormeço, sonho como sonham as crianças, nas noites enluaradas.” “Às vezes, parece que tarda o tempo das flores. A natureza o guarda, porque sabe que os pintores, os que fabricam as cores, moram em outras estações.” “Por isso ela espera, até que esses artistas, a procurem e felizes, lhe digam: ‘Querida mãe natureza, já temos todos os matizes pra pintar sua primavera’”.

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Montada com um elenco de 74 artistas, a ópera “Alabê de Jerusalém” contou com 250 figurinos de Marcelo Marques e direção Fabio de Mello, e foi apresentada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no Citibank Hall e no Viva Rio. Antes disso, aconteceu no Canecão um concerto com 27 cantores. Depois, seguiu-se uma versão em monólogo dirigida por Jaime Periard, com Altay Veloso se apresentando em temporada que ocupou os palcos dos teatros Clara Nunes, Municipal de Niterói e Rival. O DVD duplo, com 32 músicas – duração de 2h10 e mais 23 minutos de making of – traz a montagem apresentada no Municipal do Rio e também gravações em estúdios nacionais e internacionais, com a participação de 42 cantores, como Bibi Ferreira, Lucinha Lins, Leny Andrade, Elba Ramalho, Alcione, Lenine, Jorge Vercillo, Fafá de Belém, Ivan Lins, Peri Ribeiro e o próprio Altay. E para acompanhá-los, uma orquestra sinfônica composta por 86 músicos.

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QUADRO NEGRO

8º ANJO fotos ACERVO OPNI e TONI WILLIAM

Domingo ensolarado, com muitas crianças na comunidade da Vila Flávia, no projeto Galeria a Céu Aberto. Para o trabalho, o grupo OPNI convidou o artista afro Randal Bone. O projeto teve a marcante presença do rapper Dexter.

http://www.facebook.com/grupoopni

http://twitter.com/grupoopni

http://www.youtube.com/user/OPNIgraffiti

APOIO:

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coluna | Repórter das Ruas

foto: Claudio Lira

Fábio Rogério DJ e locutor do programa Espaço RAP, pela 105 FM www.fabiorogeriomusica.com.br

Respeitáveis Jejés

H

oje falamos e escrevemos naturalmente, pois temos a liberdade de expressão. Foi-se o tempo em que o Brasil era o país dos segredos. Andar pelas ruas não é tão tranquilo, mas nem se compara ao passado repressor da ditadura, quando praticar capoeira na rua era crime ou vadiagem. Mestre Pastinha, capoeirista que popularizou o esporte, infelizmente não viu a tão marginalizada capoeira ser reconhecida. Apesar da luta dos mestres, não entendo porque não patriotas preferem os esportes orientais. No hip hop, poucos grupos citam o paranauê – entre eles, Face da Morte e Potencial 3. 50 anos do golpe militar no Brasil nos fazem lembrar que a luta por igualdade racial era secundária na época. Mas nos EUA, naquela época, havia o Partido dos Panteras Negras e Martin Luther King Jr. A arte negra que está presente em várias partes do mundo ganhava mais importância. O que me encanta na negritude ao longo de décadas é que, apesar das circunstâncias adversas, a produção artística sempre esteve presente. Lembro com saudades meu primeiro dia de microfone no estúdio da rádio 105 FM em São Paulo, confesso que estava um pouco nervoso. Não foi fácil me sintonizar com aqueles equipamentos, e a responsabilidade de estar sendo ouvido por milhares de pessoas era grande. A primeira música que toquei foi “Negro Drama”, do Racionais MC’s. No ar, disse que gostaria que esse rap levasse as pessoas a pensar e mandei um salve para o já falecido empresário do ramo gospel-black Hairton de Paula, para minha família e para o Bira Show Black, que muito colaborou com meu currículo afro. Me entristeço com os racistas que ainda não dão paz. Como diria Marcão Dmn, “juridicamente o peso do martelo para

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nós é diferente”. Casos como o do jogador Tinga revelam racistas conscientes do erro que estão cometendo, sem se importar. Me surpreendi negativamente com as declarações da Lupita Nyong’o, vencedora do Oscar, afirmando que na adolescência rezava para que a sua pele clareasse. Ainda bem que Ajoié é feminina e cuida desta linda atriz, não a deixando só em sua falange espiritual. Isso é inadmissível, pois sem crer na ancestralidade ter valores se torna difícil. Mas que bom que hoje ela propaga a beleza negra e é uma pessoa feliz. Felicidade também vem do entendimento de que somos uma potência. Quando isso acontece, não há tristeza que atrapalhe, pois ela só existe devido à sensação de impotência. Volto a dizer que as religiões de matriz africana ainda sofrem com os olhos preconceituosos da sociedade. Quando eu era criança, aceitava as energias de uma rezadeira e conselheira chamada Dona Erminia. E como isso me fez bem. No rap, um dos grandes momentos de minha vida foi conviver com o Sabotage. Ele era firme em sua fé! Anos se passaram e um CD temático intitulado “Di Gegê pra Jejês” me chamou a atenção. Quero compartilhar com vocês. Quem é Gegê? Gegê é MC, professor, educador e militante do hip hop. É morador do bairro Cidade Ariston, que fica na cidade de Carapicuíba, São Paulo. Há treze anos vem trabalhando, difundindo e articulando a música rap, através do coletivo Caos do Subúrbio, como instrumento de luta, debate e reflexão. Gegê colaborou com suas composições e rimas com vários coletivos, como Bá Kimbuta, Nus Corre e recentemente com o grupo Família 4 Vidas, além de participar como palestran-

te e mediador em eventos relacionados às questões da negritude e hip hop militante. No início de 2012, a gravadora independente Rec Livre Records fez o convite ao artista para lançar um projeto musical. Em 2013, foi concluído o disco “Di Gegê Pra Jejês”, compilação que propõe outra linguagem dentro da música rap. Por que Di Gegê Pra Jejês? O nome Gegê deriva da palavra Jejê, do Yorubá Adjeje, que significa estrangeiro, forasteiro. O nome do disco vem da reflexão que o artista faz em relação aos povos que atravessaram o Atlântico em condição de escravos e que, por imposição, se tornaram forasteiros e estrangeiros nestas terras, independente de suas origens. O disco A base matiz de seu trabalho é a condição do povo que sobrevive às mazelas do capitalismo, bem como todo e qualquer sistema que enquadra e exclui qualquer homem, mulher e criança e violam seus diretos naturais. A produção é essencialmente boom bap, um dos vários segmentos que a música rap produziu. Boom bap, em inglês, é uma onomatopeia, referência que se faz ao toque básico de um tambor: boom é o grave e bap o agudo, que remete á caixa. Para ouvir: DBS e a Quadrilha - Cê quer o que? Estelle - Cold Crush ILL Camille - Nostalgia Rael - Quizumba Zo - This Could be The Night Débora Bond - Nothing Matters Heather Victoria - Missing You Robin Thicke - Another Life Stacy Barthe - Hell Yeah Jaheim - First Time RAÇA BRASIL | 33

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Black in Rio Em sua primeira edição, o Black’n Rio já está dando o que falar por aí e não poderia ficar de fora na Raça. A ideia da 021 Fashion Shoot, realizadora do projeto, era reunir em um editorial para valorizar a beleza negra e toda sua sensualidade, força e brasilidade em um dos mais lindos

cartões postais do país. O Black’n Rio Project surgiu para reforçar a presença negra na moda brasileira. O ensaio foi realizado no Arpoador/Ipanema com 14 modelos negros vestindo roupas extravagantes, com forte presença das cores preto e dourado.

por redação

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O primeiro passo da 021 Fashion Shoot foi procurar nas principais agências cariocas modelos de primeira linha, referências internacionais e com styling arrebatador. A linha de frente dos fotógrafos conta com Anna Veronica e Jeff Segenreich, sócios-fundadores da 021 Fashion Shoot,

e tem participação especial de Danny Alves e Thiago Martini. A maquiagem foi assinada por Alexandre Gloria e Letícia Guerhardt com assistência de Emanuelle Souza e apoio de Daniel Cunha. A equipe de produção foi formada por David Fernandes e Isabela de Oliveira.

Tema do Editorial: Black’n rio Project Fotógrafos: anna Verônica, Jeff Segenreich, danny alves e Thiago Martini Direção: 021 Fashion Shoot Beleza: alexandre Gloria e Letícia Guerhardt Assistente de beleza: de emanuelle Souza Apoio: daniel Cunha Produção: david Fernandes e Isabela de oliveira

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VÍTIMAS DA OPRESSÃO

MILITAR

Memória política e justiça são temas que deveriam se entrelaçar quando a autoritária ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985 é posta em evidência. Entretanto, essas palavras não são a verdade que a sociedade brasileira encontra para descrever, já no período democrático, os desdobramentos de diversas histórias pós-regime. As violações de direitos humanos aplicadas pelo Estado e operacionalizadas pelos órgãos repressores acabaram ficando para trás, nas memórias de quem vivenciou o período. Ainda hoje o país guarda uma herança autoritária, viva em certas leis antidemocráticas. por DANIEL KENY

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ntre tantas vidas perdidas, pouco se fala das vitimas negras da ditadura. Muitos dirigentes e guerrilheiros negros ficaram no limbo. Quem conhece a história de Osvaldão, que lutou bravamente no Araguaia? Ele foi a figura mais emblemática da guerrilha, e além das habilidades físicas e do porte atlético, foi descrito como um homem generoso e de grande coragem por quem conviveu com ele. Na região do Araguaia, até hoje é tido como herói, mas sequer aparece nos livros didáticos quando o assunto é ditadura e, ao contrário de vários militares, seu nome não intitula nenhuma escola pública. Apesar do destaque, Osvaldão não é o único ocultado, conforme destaca o diretor e editor da Afropress, Dojival Vieira. “Durante os anos de chumbo, houve a resistência armada ao regime militar. Naquela época, muitos foram presos, torturados e mortos. Hoje, ainda são mais de 400 pessoas desaparecidas. Como a luta contra o regime foi constituída principalmente por organizações

guerrilheiras brancas, ou seja, a classe média branca urbana, pouco se fala e se lembra que a participação dos negros foi muitos importante. Muitos deram as vidas pela democracia e poucos são lembrados. Por exemplo, Osvaldão, Carlos Marighella, que era filho de um imigrante italiano com uma negra descendente de escravos, Luiz José da Cunha, o Comandante Crioulo, entre outros. Existe uma lacuna histórica a ser preenchida, senão as gerações futuras continuarão com a ideia de que luta contra a ditadura foi travada unicamente pelos brancos”, afirma. Em 1978, a repressão feita sobre a imprensa, os sindicatos e os movimentos políticos ainda era violenta. Na região do ABC, João Rodrigues da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, um homem honesto e trabalhador, acabou morto quando saía de uma reunião sindical, onde havia decidido deflagrar uma greve. Como em centenas de outros assassinatos de brasileiros que lutavam por um país melhor, até hoje não se sabe quem cometeu o crime.

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FOTO ARQUIVO PÚBLICO

Grupo de militantes políticos do ação Condor

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não pode ficar à margem. O Brasil foi o último a abolir a escravidão, foi o pais que mais sequestrou negros da África, é o país onde a abolição não representou a inclusão da população negra”, avalia Dojival.

A ESQUERDA BRASILEIRA, NESTE PERÍODO, NÃO CONSIDEROU A QUESTÃO DE RAÇA UM ELEMENTO CENTRAL EM SUA RESISTÊNCIA, EM SUA IDEIA DE CONSTRUÇÃO DE UM PAÍS DEMOCRÁTICO” FOTO MEMORIA AGBR

O caso de Santos Dias é mais um que simbolizou a truculência do regime militar. Visto como um homem tranquilo, atuava no movimento operário e era engajado em diversos agrupamentos sociais que visavam melhorias comuns. No começo dos anos 1960, acabou expulso do campo de sua cidade natal, Terra Roxa, São Paulo, devido a sua atuação social. Na capital, passou a trabalhar como ajudante geral em uma fábrica e participava da pastoral operária. Já como inspetor de qualidade da Filtros Mann, em 1979, pouco depois da promulgação da Lei de Anistia, Santos aderiu à greve da categoria metalúrgica por 83% de aumento salarial. Alguns dias após o início da reivindicação, quando tentava negociar a libertação dos companheiros presos, foi atingido pelas costas por um policial. Após o episódio, Santos Dias tornou-se um símbolo de luta e resistência contra a repressão política. O Movimento Negro não escapou da perseguição da ditadura, por conta das suas manifestações de cunho racial. Os militares conseguiram distorcer o mito da democracia racial a seu favor e tacharam os militantes de impatrióticos, racistas e imitadores dos ativistas norte-americanos (que lutavam pelos direitos civis). O movimento acabou esmagado, assim como todas as lutas ditas “identitárias”, como a questão da mulher também. A luta ideológica esquerda contra direita, proletário contra burguês, se sobrepunha a todas as demais. “A esquerda brasileira, neste período, não considerou a questão de raça um elemento central em sua resistência, em sua ideia de construção de um país democrático. A luta de classes sempre foi o eixo central. Hoje, muitos historiadores dizem que o racismo, a herança dos quase 400 anos de escravidão vai se resolver no contexto das transformações sociais necessárias. Isso é um engano que a esquerda brasileira precisa resolver. É preciso compreender que apesar da questão de classe ser a frente para a luta anticapitalista, a questão racial não pode ocupar uma posição lateral,

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SIMONAL E A DITADURA Até 1971, Wilson Simonal tinha uma carreira prolífica e era um dos principais nomes da música brasileira. Ele possuía a Simonal Produções, empresa que cuidava de seus negócios. O cantor não participava da parte administrativa e financeira de sua carreira, mas quando resolveu checar a contabilidade, teve uma grande surpresa ao saber que estava no “vermelho”, com dívidas atrasadas e impostos a pagar. Revoltado, demitiu todo mundo. Desconfiado de que o contador Raphael Viviani o estava roubando, pediu a dois amigos policias que dessem uma prensa nele. Os agentes acabaram arrancando a confissão por escrito de Raphael após uma sessão de tortura. O contador resolveu prestar queixa contra Simonal e os dois agentes, e o caso acabou ganhando os noticiários. Mal orientado, Simonal contou uma história fantasiosa quando foi chamado para depor – disse que o ex-contador era um terrorista e o estava ameaçando. Duas semanas depois, Mário Borges, um dos agentes, relatou aos seus superiores que Wilson Simonal era um dedo-duro do regime militar. A história ganhou outras dimensões, e com o jornal O Pasquim à frente, a imprensa reforçou essa imagem sobre o cantor. Desde este episódio, o cantor passou a carregar a pecha de colaborador do regime militar e até de torturador. A consequência foi o ostracismo, que resultaria em sua morte em 25 de junho de 2000, em decorrência do consumo excessivo de álcool. Em algumas tentativas de explicar o fatídico episódio de 1971, Simonal chegou a afirmar que sofreu preconceito racial, mas a verdade é que o mistério sobre o episódio nunca chegou a ser esclarecido de forma definitiva.

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CASO FAMOSO Em 2008 o cartunista, escritor e jornalista Ziraldo teve seu processo de anistia aprovado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, junto de mais 20 jornalistas que foram perseguidos durante os anos de chumbo. Ele foi indenizado em mais de R$ 1 milhão e passou a receber uma pensão vitalícia de R$ 4.375,88. Como nem todos os oprimidos conseguiram sair vivos do repressor e truculento regime da ditadura nos quase 20 anos em que governou o país, a Raça Brasil resolveu relembrar alguns nomes de negros honestos e trabalhadores que infelizmente tiveram suas vidas ceifadas pelos militares. Todas as pessoas lembradas nesta matéria foram dadas como desaparecidas ou morreram no período. É uma homenagem modesta, uma forma de mostrar compaixão às famílias destes guerreiros e a toda população que sofreu enquanto o poder esteve nas mãos dos milicos.

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A LEI 10.559/02 Após quase 35 anos de Anistia Política (que pela primeira vez na história beneficiou às diversas categorias de trabalhadores) e mais de 10 anos da Lei 10.559/02, que estendeu a anistia aos cidadãos que sofreram perseguição política Dinalva Oliveira Teixeira, uma guerrilheira do Araguaia entre setembro de 1946 e a outubro de 1988, muitas vítimas ainda desconhecem os seus direitos. Além de indenizações, avaliadas caso a caso, essas pessoas podem conseguir a garantia de contagem – para fins de direitos trabalhistas – do tempo em que foram forçadas a se manter afastadas de suas atividades profissionais. Precisamente, a lei diz que o valor da prestação mensal “será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e nos regulamentos vigentes”. A lei fixa como valor de pagamento da reparação o dobro do piso salarial da categoria, acrescido de um adicional de 25%. “Essa lei funciona assim: existe uma comissão dentro do Ministério da Justiça que analisa os pedidos, os processos administrativos. Ou seja, aquele que se julgar perseguido deve procurar um advogado ou mesmo protocolar um requerimento para buscar diretamente os seus direitos. Muitos não sabem que têm esses direitos. Por isso, no ano passado, realizamos uma campanha que incentiva essas pessoas a correrem atrás das suas indenizações”, destaca Dojival. Em 26 de novembro de 2013, a campanha voltada para ativistas políticos negros que sofreram algum tipo de perseguição nos anos da ditadura militar foi lançada na Assembleia Legislativa de S. Paulo, com o apoio da Comissão de Direitos Humanos e do SOS Racismo. O ato ocorreu durante um encontro de leitores da Afropress.

Epaminondas Gomes de Oliveira, membro do Partido Revolucionário dos Trabalhadores - PRT

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JOSÉ DE SOUZA (1931-1964) Número do processo: 078/96 Filiação: Nair Barbosa de Souza e Alcides de Souza Data e local de nascimento: 1931, local não definido Organização política ou atividade: sindicalista Data e local da morte: 17/04/1964, Rio de Janeiro (RJ) José de Souza era membro do Sindicato dos Ferroviários do Rio de Janeiro. Foi preso e conduzido ao DOPS/RJ, na Rua da Relação, no dia 08/04/1964 para averiguações. A versão oficial foi de que José cometeu suicídio nove dias depois, atirando-se pela janela do terceiro andar do prédio da Polícia Central do Rio de Janeiro. PEDRO DOMIENSE DE OLIVEIRA (1921 – 1964) Número do processo: 044/96 Filiação: Januária Domiense de Oliveira e João Fagundes de Oliveira Data e local de nascimento: 14/05/1921, Salvador (BA) Organização política ou atividade: PCB Data e local da morte: 07 ou 09/05/194, Salvador (BA) O funcionário público Pedro Domiense era casado com Maria de Lourdes Santana Domiense de Oliveira e tinha três filhos. Começou a militância política no Colégio Central da Bahia. Concluiu o curso de bacharel em Ciências e Letras, mas interrompeu os estudos em função de perseguições políticas. Em 04/05/1964, na sede dos Correios, onde trabalhava, em Salvador, foi preso. Segundo a versão oficial, suicidou-se no Quartel da 6ª Região Militar. JORGE APRÍGIO DE PAULA (1938 - 1968) Número do processo: 316/96 e 048/02 Filiação: Geralda Maria de Jesus e Joaquim Paula Data e local de nascimento: 10/02/1938, Rio de Janeiro (RJ) Organização política ou atividade: Operário Data e local da morte: 01 ou 02/04/1968, Rio de Janeiro (RJ) Operário, Jorge Aprígio de Paula foi vítima no dia das manifestações no Rio de Janeiro, em 1º de abril de 1968. Naquela ocasião, um dos vários grupos de estudantes em passeata se aproximou do Palácio de Laguna, residência do Ministro da Guerra, na Rua General Canabarro. Soldados da Polícia do Exército, que protegiam o local, abriram fogo contra os manifestantes, atingindo várias pessoas e matando Jorge. ALCERI MARIA GOMES DA SILVA (1943 – 1970) Número do processo: 060/90 Filiação: Odila Gomes da Silva e Oscar Tomaz da Silva Data e local de nascimento: 25/05/1943, Cachoeira do Sul (RS) Organização política ou atividade: VPR Data e local da morte: 17/05/1970, São Paulo (SP) Alceri Maria Gomes, gaúcha de Porto Alegre e afrodescendente, trabalhava no escritório da fábrica Michelletto, em Canoas, onde começou a participar do movimento operário e filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos. Em setembro de 1969, visitou sua família em Cachoeira do Sul para informar que estava de mudança para São Paulo, engajada na luta contra o regime militar. Foi morta em WWW.RACABRASIL.COM.BR

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17/05/1970 e enterrada no Cemitério da Vila Formosa. Apesar da tentativa de resgate, em 1991, seu corpo nunca foi encontrado. EDSON NEVES QUARESMA (1939-1970) Filiação: Josefa Ívliranda Neves e Raimundo Agostinho Quaresma Data e local de nascimento: 11/12/1939, Apodi (RN) Organização política ou atividade: VPR Data e local da morte: 05/12/1970, São Paulo (SP) No dia 05/12/1970, Edson Neves Quaresma e Yoshitane Fujimori, militantes do VPR, trafegavam de carro pela Praça Santa Rita De Cássia, na capital paulista, quando foram interceptados por uma patrulha do DOI-CODI/SP. Em depoimento, um motorista de táxi descreveu que Fujimori foi agredido até cair, enquanto dois policiais carregaram Quaresma a uma rua de acesso, onde o espancaram até a morte. Quaresma tinha treinamento de guerrilha feito em Cuba e mantinha estreita ligação com o agente infiltrado cabo Anselmo. Existem referências à possibilidade de que a sua eliminação sumária, juntamente com Fujimori, ocorreu dada a elevada importância de ambos na estrutura da VPR. JOEL VASCONCELOS SANTOS (1949-1971) Número do processo: 106/96 Filiação: Elza Joana dos Santos e João Vicente Vasconcelos Santos Data e local de nascimento: 09/08/1949, Nazaré (BA) Organização política ou atividade: PCdoB Local e data do desaparecimento: 15/03/1971, Rio de Janeiro O nome de Joel integra a lista de desaparecidos políticos anexa à Lei n° 9.140/95. Baiano de Nazaré das Farinhas, no Recôncavo, afrodescendente, trabalhou inicialmente como sapateiro e começou muito jovem a desenvolver interesse por questões politicas. Sua mãe, Elza, após o desaparecimento do filho, tornou-se uma incansável ativista do movimento dos familiares de mortos e desaparecidos. Em 1966, a família mudou-se para o Rio de Janeiro, onde Joel estudou contabilidade na Escola Técnica de Comércio. Foi presidente da Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas - AMES/RJ, em 1970 e diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES, em 1970 e 1971. Quando de sua prisão e desaparecimento, estava vinculado à União da Juventude Patriótica, organizada pelo PCdoB. GERSON THEODORO DE OLIVEIRA (1947-1971) Número do processo: 359/96 e 001/02 Filiação: Maria de Lourdes Oliveira e Geraldo Theodoro de Oliveira Data e local de nascimento: 31/08/1947, Rio de Janeiro (RJ) Organização política ou atividade: VPR Data e local da morte: 22/03/1971, Rio de Janeiro (RJ) À noite, Gerson frequentou, em 1968, o cursinho do grêmio da Faculdade de Filosofia da USP, preparatório para vestibular. Fora funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional entre 1966 e 1969, quando foi obrigado a abandonar o emprego por perseguição política. Desde então, passou a viver na clandestinidade. Acusado pelos órgãos de segurança de ter participado de várias RAÇA BRASIL | 43

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ações armadas, inclusive sequestros dos embaixadores alemão e suíço, foi morto no Rio de Janeiro em 22/03/1971. O militante teria recebido voz de prisão e reagido a tiros. Ferido, morreu enquanto era transportado para o Hospital Salgado Filho. ABÍLIO CLEMENTE FILHO (1949-1971) Número do processo: 057/02 Filiação: Maria Helena Correa e Abílio Clemente Data e local de nascimento: 17/04/1949, São Paulo (SP) Organização política ou atividade: Mov. Estudantil Data e local da morte: 10/04/1971, Santos (SP) O afrodescendente Abílio Clemente Filho, aluno do 4º ano de Ciências Sociais, em Rio Claro, interior de São Paulo, unidade que viria a se tornar a Universidade Estadual Paulista (Unesp), era ativista do Movimento Estudantil. Desapareceu no dia 10/04/1971, quando caminhava com um amigo na praia de José Menino, em Santos (SP).

EVALDO L. FERREIRA DE SOUZA (1942 – 1973) Número do processo: 136/96 Filiação: Maria Odete de Souza e Favorino Antônio de Souza Data e local de nascimento: 05/06/1942, Pelotas (RS) Organização política ou atividade: VPR Data da morte: entre 07 e 09/01/1973, Olinda (PE) Evaldo era militante político vinculado ao MNR. Viveu exilado por 8 anos, 5 deles em Cuba, onde recebeu treinamento de guerrilha com o objetivo de regressar ao Brasil. As verdadeiras condições, local e momento da prisão, são desconhecidas. ONOFRE PINTO (1937 – 1974) Número do processo: 139/96 Filiação: Maria Pinto do Rosário e Júlio do Rosário Data e local de nascimento: 26/01/1937, Jacupiranga (SP) Organização política ou atividade: VPR Data da morte: entre 07 e 09/01/1973, (Olinda (PE) Data do desaparecimento: 13/07/1974, Medianeira (PR) Junto de um grupo de militantes, Onofre foi atraído para uma cilada em Medianeira (PR), interior da mata do Parque Nacional do Iguaçu. Seu nome integra a lista de desaparecidos políticos anexa à Lei n° 9.140/95.

MARIANO JOAQUIM DA SILVA (1930 – 1971) Filiação: Maria Joana Conceição e Antônio Joaquim da Silva Data e local de nascimento: 02/05/1930, Timbaúba (PE) Organização política ou atividade: VAR-Palmares Data e local do desaparecimento: 31/05/1971, no Rio de Janeiro Dirigente da VAR-Palmares conhecido como Loyola, seu nome faz parte da lista anexa à Lei 9.140/95, que relacionou 136 desaparecidos políticos cuja responsabilidade pelas mortes foi assumida automaticamente pelo Estado brasileiro. Foi preso por agentes policiais em 31/05/1971, na estação rodoviária do Recife e nunca mais foi visto.

EDMUR PÉRICLES CAMARGO (1914 – 1974) Número do processo: não foi aberto Filiação: Tomás Benedito Moura Camargo e Maria da Penha Amaral Vilaça Data e local de nascimento: 04/11/1914, São Paulo (SP) Organização política ou atividade: M3Q Data e local do desaparecimento: julho de 1974 As informações acerca da prisão e desaparecimento de Edmur são ainda mais imprecisas do que o restante dos desaparecidos. Inicialmente, constou que teria integrado o grupo de militantes mortos em Medianeira (PR), mas essa informação não se confirmou. Paulista da capital, afrodescendente e jornalista, foi militante do PCB e atuou nas mobilizações camponesas que o partido dirigiu entre 1951 e 1953, na região de Porecatu, Paraná, tidas como um capítulo histórico na luta pela reforma agrária no Brasil.

OSVALDO ORLANDO DA COSTA (1938-1974) Número do processo: 113/96 Filiação: Rita O. dos Santos e José Orlando da Costa Data e local de nascimento: 27/04/1938, Passa Quatro (MG) Organização política ou atividade: PCdoB Data do desaparecimento: entre janeiro e abril de 1974 Osvaldão, como era conhecido, fez parte do primeiro quadro do PCdoB a chegar ao Araguaia, entre 1966 e 1967. Negro, alto e forte, era tido como generoso e corajoso, sendo muito respeitado pelos moradores e por seus companheiros. Foi um grande mito da guerrilha entre a população da região, ao lado de Dina. Foi morto na mata em 1974 e teve o seu cadáver içado por um helicóptero que sobrevoou a região, exibindo-o como um troféu. Seus restos mortais nunca foram encontrados.

ITAIR JOSÉ VELOSO (1930 – 1975) Número do processo: 079/96 Filiação: Zulmira Maria Teodora e Sebastião Veloso Data e iocal de nascimento: 10/06/1930, Faria Lemos (MG) Organização política ou atividade: PCB Data e local do desaparecimento: 22/05/1975, Rio de Janeiro (RJ) Pai de quatro filhos, Itair trabalhou como montador de calçados e apontador de obras, profissão em que se tornaria importante sindicalista. Chegou a liderar uma delegação sindical brasileira que viajou para um encontro internacional de sindicalistas em Moscou. Após 1964, passou a sofrer perseguições. O pouco que se sabe sobre o seu desaparecimento é que, no dia 25/05/1975, ele saiu de casa para encontrar companheiros do PCB e não retornou mais.

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DILERMANO M. DO NASCIMENTO (1920-1964) Número do processo: 188/96 Filiação: Olga M. do Nascimento e Manoel R. do Nascimento Data e local de nascimento: 09/2/1920, Paraíba Organização política ou atividade: não definida Data e local da morte: 15/08/1964, Rio de Janeiro (RJ) Paraibano, afrodescendente e 1° tenente da Reserva do Exército, integrou o 11° Regimento de Infantaria da Força Expedicionária Brasileira, embarcando para a Itália no dia 20/09/1944. Participou da célebre Batalha de Monte Castelo, retornando ao Brasil em 1945. Economista, integrou a equipe da Sudene e fez cursos na Cepal. Era chefe da Divisão de Administração do Ministério da Justiça quando foi preso no Rio de Janeiro, no dia 12/08/1964, para responder a inquéritos presididos pelo comandante da Marinha de Guerra, José Corrêa Pinto, e pelo coronel do Exército Waldemar Raul Turola. Morreu em 15 de agosto, no intervalo do interrogatório a que foi submetido no 4° andar do edifício do Ministério da Justiça. Seu nome consta no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos. De acordo com a versão oficial, Dilermano saltou da janela do 4º andar do prédio do Ministério da Justiça, deixando um bilhete que dizia: “Basta de tortura mental e desmoralização”.

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BENEDITO GONÇALVES (1931 – 1979) Número do processo: 200/96 e 118/04 Filiação: Maria Júlia e João Gonçalves Data e local de nascimento: 20/08/1931, Carmo da Mata (MG) Organização política ou atividade: Data e local da morte: 20/08/1979, Divinópolis (MG) Benedito Gonçalves morreu em consequência de um traumatismo craniano provocado por um golpe de cassetete desferido por um policial militar, em 13/08/1979, quando realizava um piquete de greve em frente à Companhia Siderúrgica Paim (Divinópolis-MG). Era casado com Maria da Conceição Gonçalves e tinha três filhos.

Protesto em SP sobre desaparecidos politicos

Cartaz do filme “Onde Está Osvaldão?”

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FOTO FERNANDO FRAZÃO AGBr

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*Informações dos desaparecidos durante a ditadura militar retiradas do livro “Direito à Memória e à Verdade – Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos”.

Exposição: “Em 1964 - Arte e Cultura no ano do Golpe”

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estilo | eu na raça

renata

foto: aqruivo pessoal | divulgação

Renata Fidelis dos Santos Silva Dias é definitivamente uma mulher de raça. Ela tem 33 anos e mora no Rio de Janeiro, onde adora curtir as praias enquanto lê um bom livro. Renata é cabeleireira e é reconhecida por todos à sua volta por sua determinação, companheirismo, garra e objetividade para lidar com as adversidades que só os cariocas parecem conhecer. “Não tenho dificuldades, vivo um dia de cada vez, aprendendo a lidar com as diferenças. Amadurecer tem que ser de dentro pra fora. O espírito estando tranquilo, conseguimos enfrentar todos os contratempos”, afirmou a cabeleireira. Para o futuro, Renata tem o objetivo de estar sempre se aperfeiçoando como pessoa e como profissional, sem nunca deixar de acreditar que a felicidade pode ser conquistada todos os dias. “É sempre bom ter planos e sonhos, faz com que tenhamos motivos para acordar, sorrir e desejar um amanhã melhor.”

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fotos: aqruivo pessoal | divulgação

rodrigo O também carioca Rodrigo da Silva Abreu tem 31 anos e, além de ser professor de Educação Física e personal trainer, ainda arranja tempo para se dedicar à música e ao rap. No dia a dia, Rodrigo gosta de gastar o pouco tempo livre saindo com os amigos e passeando com seu filho. A atividade física faz parte do seu DNA, e ele não consegue ficar sem ir a praia para jogar futebol ou fazer esportes de aventura. Rodrigo se destaca por seu engajamento político, destacando que os maiores problemas de todos os brasileiros são a má distribuição de renda e a falta de comprometimento dos políticos com o povo brasileiro. “Tenho orgulho de estar formado e batalhando por uma vida melhor, pois a minha busca pelo conhecimento é ininterrupta, sempre quero conhecer e saber mais. Sonho em breve começar a pós-graduação em jornalismo esportivo, voltar a fazer inglês e ser reconhecido também por meu trabalho como rapper”. Ele também falou sobre o prazer de estar participando da revista. “Eu acompanhei o nascimento da revista e mesmo muito novo comecei a formar minhas opiniões sobre nós negros com base nas matérias. A Raça é a única revista do Brasil voltada para o povo negro, e hoje tenho a oportunidade de fazer parte dessa história.”

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ESTILO | NOSSO FUTURO

FOTO: AQRUIVO PESSOAL

CAÇULA

RESPONSÁVEL Como irmão mais velho, João Miguel aprendeu desde cedo a ser responsável e transformar o irmão Pedro Henrique em um fiel companheiro. Ele tem apenas 5 anos e mora no Rio de Janeiro, mas já tem planos para quando crescer: quer ser doutor igual a pediatra que o atende (Doutora Vera). Seus desenhos favoritos são o Ben 10 e o Hulk, mas se interessa bastante por música e adora nadar, seja num belo domingo de sol na praia ou durante as férias, na piscina. A mãe garante que, além de responsável, João é uma criança muito carinhosa e prestativa, sempre quer ajudar o próximo. Bom menino!

Assim como seu irmão, Pedro Henrique também gosta de nadar e não perde um passeio na praia por nada. Com apenas 3 anos, ele fica vidrado na televisão quando colocam seus desenhos favoritos, Scooby-Doo e Mickey Mouse. Ele ganhou uma bela festa com o tema da Galinha Pintadinha, outro personagem que adora, e mal conseguiu se conter de tanta felicidade. Mais descontraído que João Miguel, Pedro é uma criança alegre, mas gosta de atenção e é ciumento. Com esse sorriso, não tem como passar despercebido, não é?

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FOTO: BOBLIMA

DEDICADO

Zambi Inaeh é um menino muito estudioso, acorda sempre contente para ir à escola. Adora ler, fazer atividades e brincar com os colegas, além de sempre aprender algo novo. Entre as atividades favoritas, destacam-se a paixão pelo jogo de futebol com os amiguinhos, a capoeira e a aptidão para brincar com instrumentos musicais, tudo isso com apenas 5 anos. A habilidade para a música foi adquirida com o seu avô, que ele chama carinhosamente de “Tuntun”. Sempre está mudando de ideia quanto a profissão que irá ter, mas no momento ele quer ser policial, pois pretende “defender todas as pessoas do mal”.

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CULINÁRIA CULINARIA

Receitas

da Terra

Mãe por RENATO BAZAN e DUDU RAMOS

A comida conta histórias. Às vezes, de como somos diferentes, e às vezes de como somos iguais. Experimentar os gostos e formas de cada país africano pode soar como uma aventura das grandes para quem não dispensa o feijão-com-arroz, mas qual será a surpresa dessa pessoa, então, ao perceber que um dos nossos pratos deste mês é uma reinvenção desta dupla campeã?

A

pesar de estarmos a um oceano de distância, nossa ligação histórica com o Continente Negro aparece de todos os setores, e a comida é um dos mais pronunciados. Para demonstrar isso, esta edição traz apenas receitas que podem ser feitas com ingredientes facilmente encontrados no Brasil - a diferença aparece em como eles se integram, em onde aparece o sabor. A proximidade é tão expressa que até mesmo os nomes, com sonoridade tão estranha para ouvidos brasileiros, revelam uma familiaridade oculta: “Ndjap” pode ser traduzido como “Legumes e verduras”, e “Madesu” é simplesmente “Feijão”. Uma visitinha ao mercado já basta.

NDJAP País: Congo

“Ndjap” é o termo congolês usado para se referir a legumes e verduras, e dá nome ao prato, seguindo o costume de atribuir ao cardápio o nome do molho (ou seu ingrediente principal, no caso). É um prato tradicional, que mistura espinafre, camarão moído defumado e diversos vegetais num molho verde de sabor marcante. A alta concentração de ferro trazida pelo espinafre, que vai em grandes quantidades no prato, é excelente no combate ao anemia e outras formas de desnutrição. Há um segredinho para atingir o visual do prato: durante a preparação do espinafre, vale o uso de bicarbonato de sódio, que fará o papel de manter a cor verde intensa nas folhas enquanto elas perdem o amargor. Dica de nossa chef, Melanito Biyouha.

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PREPARO DO MOLHO Em uma tábua, pique o pimentão, a cebola, a beringela e o tomate. Ferva 150 ml de óleo de soja. Quando ele estiver quente, jogue o picado e refogue por 7 minutos, sempre mexendo. Adicione 250 ml de água, o sal e o meio tablete de caldo de legumes. Misture bem e deixe ferver por 15 minutos. Enquanto isso, ferva 1 litro de água numa panela e acrescente o espinafre com o bicarbonato de sódio. Deixe-o cozinhar por 5 minutos. Na outra panela, mexa regularmente o picado para que ele não queime. Remova o espinafre da panela e lave-o em água corrente. Junte-o ao picado e misture bem. Acrescente o camarão moído defumado e mexa por 5 minutos ainda no fogo.

INGREDIENTES DO MOLHO 250g Espinafre 100g Camarão moido defumado 1 Beringela grande 2 Tomates médios ½ Pimentão 1 Cebola grande ½ Litro de Óleo de soja 1 xícara de Água 2 colheres de Bicarbonato de sódio Sal a gosto ½ tablete de Caldo de legumes WWW.RACABRASIL.COM.BR WWW.RACABRASIL.COM.BR

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INGREDIENTES DOS ACOMPANHAMENTOS 500g de Peixe (Sugestão: Curvina) Tempero baiano a gosto ½ quilo de fubá 1 ½ litros de água (Opcional) Algumas folhas de plástico de uso culinário

PREPARO DOS ACOMPANHAMENTOS Tempere o peixe com tempero baiano e frite-o até atingir um ponto de agrado. Deixe-o de lado. Em uma panela, ferva 1 litro da água, deixando outro ½ litro sem aquecer em um segundo recipiente. Separe o meio quilo de fubá em duas partes iguais (250g) e misture uma dessas partes com a água fria até ficar homogêneo. Então junte essa mistura com a água fervente e mexa-a continuamente, para que não empelote. Quando estiver lisa, deixe-a ferver por 10 minutos. Pegue então o restante do fubá e adicione à panela principal. Mexa continuamente até que o fubá atinja uma consistência grossa. Com a mistura de fubá ainda quente, introduza-a dentro de um plástico culinário ou forma para dar o formato desejado. Deixe esfriar em temperatura ambiente. Serve 2 pessoas. Como feito pela chef Melanito Biyouha. RAÇA RAÇABRASIL BRASIL| |51 51

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CULINÁRIA CULINARIA

MADESU País: Angola

O nome é exótico, mas o personagem não sai do dia-a-dia do brasileiro: o feijão. Originalmente chamado de Angola de Saka-Madesu, é um prato considerado trivial da gastronomia tanto de lá quanto daqui, e basta uma rápida olhada para ver que a dupla dinâmica assume forma muito similar dos dois lados do Atlântico. Esse arroz com feijão diferenciado, encorpado com os sabores da diáspora, é um ótimo ponto de entrada para os mais inseguros quanto à gastronomia africana, pois exerce familiaridade imediata com a rotina nacional. Com visual e cheiro familiares, ele esconde a forte presença do azeite de dendê, que torna seu paladar mais marcante que nossa versão doméstica. Uma excelente sugestão para os não-iniciados. 52 52| |RAÇA RAÇA RAÇABRASIL BRASIL BRASIL

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PREPARO PREPARO PREPARO DODO FEIJÃO DOFEIJÃO FEIJÃO Numa Numa Numa panela panela panela de pressão, dedepressão, pressão, ferva ferva ferva 1 litro 1 1litro de litro água dedeágua água comcom com o oo azeite azeite azeite de dendê dededendê dendê e o efeijão. eo ofeijão. feijão. Deixe-a Deixe-a Deixe-a no fogo no nofogo fogo porpor 10 por1010 minutos minutos minutos depois depois depois de pegar dedepegar pegar pressão, pressão, pressão, e então e eentão então verifi verifi verifi queque que a consistência. a aconsistência. consistência. Se ele SeSeele ainda eleainda ainda estiver estiver estiver rígido, rígido, rígido, repita repita repita o proo oproprocesso. cesso. cesso. Enquanto Enquanto Enquanto isso,isso, pique isso,pique pique a cebola, a acebola, cebola, o alho, o oalho, alho, o tomate o otomate tomate e o epimentão eo opimentão pimentão e refogue e erefogue refogue o oo picado picado picado comcom com o óleo o oóleo óleo de soja dedesoja soja separadamente. separadamente. separadamente. Mexa Mexa Mexa o pi-o opipicado cado cado continuamente continuamente continuamente e deie edeideixe em xexeem fogo emfogo fogo porpor 10 por minutos. 1010minutos. minutos. Quando Quando Quando estiver estiver estiver bem bem bem frito, frito, frito, junte junte junte o feijão o ofeijão feijão comcom com o picado, o opicado, picado, acrescente acrescente acrescente sal esal sal misture e emisture misture até até até queque oque molho o omolho molho esteja esteja esteja homohomohomogêneo. gêneo. gêneo. Deixe Deixe Deixe ferver ferver ferver porpor por cinco cinco cinco minutos. minutos. minutos.

INGREDIENTES INGREDIENTES INGREDIENTES DODO MOLHO DOMOLHO MOLHO 200g 200g 200g de Feijão dedeFeijão Feijão branco branco branco 150150 ml 150 de mlml Azeite dedeAzeite Azeite de dendê dededendê dendê 2 Tomates 2 2Tomates Tomates médios médios médios 2 Dentes 2 2Dentes Dentes de alho dedealho alho ½ Cebola ½½Cebola Cebola média média média ¼ Pimentão ¼¼Pimentão Pimentão ½ Tablete ½½Tablete Tablete de caldo dedecaldo caldo sabor sabor sabor feijão feijão feijão WWW.RACABRASIL.COM.BR WWW.RACABRASIL.COM.BR WWW.RACABRASIL.COM.BR WWW.RACABRASIL.COM.BR WWW.RACABRASIL.COM.BR

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INGREDIENTES INGREDIENTES INGREDIENTES DODO DO ACOMPANHAMENTO ACOMPANHAMENTO ACOMPANHAMENTO 150g 150g 150g de Acém dedeAcém Acém 2 xícaras 2 2xícaras xícaras de dede Arroz Arroz Arroz branco branco branco 150150 ml 150 de mlml Óleo dedeÓleo Óleo de soja dedesoja soja Sal Sal a Sal gosto a agosto gosto

PREPARO PREPARO PREPARO DOS DOS DOS ACOMPANHAMENTOS ACOMPANHAMENTOS ACOMPANHAMENTOS Coloque Coloque Coloque alhoalho alho e cebola e ecebola cebola numa numa numa panela panela panela comcom com óleoóleo óleo e doure-os. e edoure-os. doure-os. Acrescente Acrescente Acrescente a carne a acarne carne já cortada, jájácortada, cortada, queque que deverá deverá deverá ser ser mexida sermexida mexida até até fiaté carficar ficar também também também dourada. dourada. dourada. Então, Então, Então, acrescente acrescente acrescente meio meio meio litrolitro de litrodede água água água quente quente quente (é muito (é(émuito muito importante importante importante estar estar estar fervendo fervendo fervendo parapara para nãonão endurecer nãoendurecer endurecer a aa carne). carne). carne). Retire Retire Retire a carne a acarne carne da dada água água água depois depois depois de 20 dede minu2020minuminutos,tos, ou tos,quando ououquando quando a cona aconconsistência sistência sistência for de for for seu dedeseu agrado. seuagrado. agrado. ParaPara Para o arroz, o oarroz, arroz, coloque coloque coloque umum pouco umpouco pouco de óleo dedeóleo óleo numa numa numa panela panela panela comcom com alhoalho alho e frite-o, e efrite-o, frite-o, juntando juntando juntando o arroz o oarroz arroz já lavado jájálavado lavado e seco e eseco seco no processo. no noprocesso. processo. MexaMexaMexao brevemente o obrevemente brevemente e então e eentão então acrescente acrescente acrescente água água água até até que atéque que ela ela atinja elaatinja atinja o nível o onível nível do arroz. do doarroz. arroz. Depois Depois Depois de alguns dedealguns alguns minutos minutos minutos comcom com a água a aágua água já evaporando, jájáevaporando, evaporando, acrescente acrescente acrescente novamente novamente novamente água água água até até oaté nível o onível nível do arroz do doarroz arroz e ee deixe-o deixe-o deixe-o cozinhar cozinhar cozinhar em em fogo emfogo fogo baixo. baixo. baixo. Desligue Desligue Desligue o fogo o ofogo fogo quando quando quando a água a aágua água secar. secar. secar. Serve Serve Serve 2 pessoas. 2 2pessoas. pessoas. Como Como Como feitofeito pela feitopela chef pelachef chef Melanito Melanito Melanito Biyouha. Biyouha. Biyouha. RAÇA RAÇABRASIL RAÇA BRASIL RAÇA RAÇA BRASIL | |BRASIL 53 BRASIL 53 | 53 || 53 53

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artigo

100 anos abdias do

nascimento foto divulgaçao

por zulu araújo e maitê freitas

EM 14 DE MARÇO DE 1914... Nascia na cidade de Franca, no interior de São Paulo, seguramente a maior liderança do movimento negro contemporâneo brasileiro – ABDIAS DO NASCIMENTO. Homenagear Abdias no centenário do seu nascimento é mais que uma obrigação – é um dever. Dever de todos aqueles que assim como ele sonharam e sonham por um Brasil igualitário, tanto no campo social quanto no racial. Abdias foi grande, generoso, polêmico, amado, contestado, mas foi, sobretudo, fiel aos seus ideais. Foi um homem que viveu o seu tempo com toda a intensidade possível. Entregou-se de corpo e alma tanto na produção artística, (artes cênicas, artes plásticas e literatura) quanto na militância política. 54 | RAÇA BRASIL

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o longo da sua trajetória política cometeu vários equívocos, dentre eles apoiar o movimento integralista brasileiro liderado por Plínio Salgado, juntamente com outras lideranças do movimento negro da época, a exemplo de João Cândido – o Almirante Negro, o sociólogo Guerreiro Ramos e o ativista e escritor Sebastião Rodrigues Alves, expoentes da Frente Negra Brasileira de então. Mas nada disto retira-lhe o brilho e a grandeza da sua existência. Sempre pagou, sem reclamar, os preços que sua ousadia cobrava. Um deles lhe custou o afastamento do também grandioso Solano Trindade, a quem dedicava profundo respeito, que junto dele criou o Teatro Experimental do Negro, mas que preferiu trilhar o caminho do comunismo para o enfrentamento das mazelas do Brasil. No livro “Memórias do Exílio”, escrito a várias mãos, justificou sua opção afirmando que o que o atraíra às fileiras do integralismo foram as lutas nacionalistas e antiimperialistas que o programa continha. Assim era Abdias, inteiro e assertivo nas suas convicções. Por conta disto, foi preso, exilado, perseguido e discriminado, particularmente no período da ditadura. No seu retorno ao Brasil, ao lado do caudilho gaúcho Leonel Brizola, participou da fundação do Partido Democrático Trabalhista – PDT, partido do qual foi vice-presidente. Neste mesmo período criou o Movimento Negro Unificado e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros – IPEAFRO, na PUC de São Paulo. Apesar de sua intensa e dedicada militância, Abdias não conseguiu, em nenhuma das vezes em que concorreu a cargo público, obter mandatos regulares. Nas duas vezes em que ocupou cargos parlamentes na Câmara e no Senado, o fez na condição de suplente. É um fato revelador da fragilidade que o movimento negro brasileiro possui, até hoje, em politizar e dar conteúdo popular a uma causa das mais justas e necessárias para o aprofundamento da democracia no país, que é o combate ao racismo e a promoção da igualdade racial.

Era um visionário, e esta sua ousadia no pensar e sonhar levou-o a condição de ídolo ou quase um mito do movimento negro brasileiro” WWW.RACABRASIL.COM.BR

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“O dramaturgo, pintor, professor, escritor e ator Abdias do Nascimento foi um dos grandes pensadores do século XX-XXI. Sua inteligência aguda e brilhante, seu senso critico e seu talento multifacetado, que ele colocação à disposição da fundação de uma nova dramaturgia no Brasil, onde o povo afrodescendente tivesse voz, são elementos suficientes para garantir um espaço no Olimpo dos seres humanos que trabalharam em prol de uma vida mais justa, igualitária e pacifica. Um de seus grandes feitos foi a criação do Teatro Experimental do Negro – TEN, uma companhia profissional com elenco negro e repertórios próprios. Essa foi sem duvida uma de suas inúmeras contribuições como cidadão e artista, que permanece como um legado, herdado pelas novas gerações. Abdias do Nascimento escreveu uma bela pagina da historia recente do Brasil, deixando seu nome eternamente gravado nas mentes e corações de todas as pessoas que lutam por justiça e liberdade.” Zezé Motta atriz e presidente de honra do CIDAN – Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro RAÇA BRASIL | 55

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foto Leonardo Mussi

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(...) Livremente inspirado no poema de Abdias do Nascimento “Ó pátria queimada de amor demais negro perfume meu Celebro aqui tuas forças misteriosas que alimentam nossa vida na esperança que sustenta a luta no amor teu que é história é luta passada é glória é luta de libertação Agora Buffalo, 1974”

foto divulgação

Eugenio Lima é DJ, ator, pesquisador e produtor musical

“Abdias deixou uma marca. Deu uma grande contribuição para a nossa consciência, para mostrar a necessidade de assumimos a cor da nossa pele e termos essa bandeira como prioridade. Ainda estamos na luta, o caminho ainda é extenso, mas não desistiremos. Os negros e afrodescentes vão conquistar os seus direitos e espaços por completo. Só tenho o que agradecer por sua determinação e firmeza em todas as lutas que travou e que foram inspiração para minha geração. Centenário é pouco, seus sonhos são os nossos sonhos. Vivas Vidas, Abdias! Viva raça brasileira!” Benedita da Silva, deputada federal

Mas Abdias não se abateu nem se contentou com estes espaços restritos do exercício do poder a que a política partidária sempre nos brindou. Sua forma arrebatada e eloqüente na defesa de suas ideias e propostas era sua marca registrada e o levou a conquistar uma legião de adeptos e seguidores, do mesmo modo que atraiu adversários e inimigos ferozes. À frente do IPEAFRO e do MNU, percorreu o país disseminando suas ideias e mobilizando a comunidade negra para o enfrentamento ao racismo. Publicou neste período livros como o “Quilombismo”, onde defendia um novo modelo de organização social e política para o Brasil. Segundo ele, só com a forte presença de negros nas estruturas de poder, com o resgate das formas coletivas da produção e distribuição econômica ocorridas nos quilombos e no igualitarismo democrático, onde as mulheres deveriam ocupar ao menos 50% de todos os cargos hierárquicos da sociedade, poderíamos superar o racismo entranhado e institucionalizado na sociedade brasileira. Era um visionário, e esta sua ousadia no pensar e sonhar levou-o à condição de ídolo ou quase um mito do movimento negro brasileiro. Abdias também se fez presente no país por meio do seu talento artístico e da sua criatividade. Ora como escritor, produzindo textos brilhantes e instigantes, ora com suas peças teatrais memoráveis, ora com seus poemas densos e líricos, ora com a contundente e étnica pintura. Tudo isto, umbilicalmente ligado à luta pelos direitos humanos. Aqui vale a pena um destaque especial para a sua grande criação – o Teatro Experimental do Negro. Experiência mais do que marcante do ponto de vista artístico e cultural e que produziu figuras do porte de Ruth de Souza, Léia Garcia e Haroldo Costa. O TEN foi uma tentativa rica, complexa e ousada de buscar a partir da arte engajada sensibilizar e alertar a sociedade brasileira para a exclusão e discriminação dos negros não apenas nos palcos, mas também na vida cotidiana do país. Por isto mesmo não se ateve apenas à produção artística, promoveu congressos, seminários, semanas de estudos, atraiu intelectuais como Darcy Ribeiro, Edson Carneiro, Roger Bastide, Arthur Ramos e Florestan Fernandes na busca incessante de uma nova leitura para a presença do negro na sociedade, onde ele superasse a sua condição de objeto para sujeito de sua própria história. Poderíamos dizer que esta foi, em verdade, uma ação artístico-pedagógica. Enfim, o centenário de nascimento desse grande ícone chamado Abdias do Nascimento é uma oportunidade singular não apenas para que reflitamos sobre os caminhos percorridos até aqui e a contribuição dada por ele, mas também para identificarmos os novos caminhos que precisaremos percorrer no enfrentamento das novas formas de discriminação, nos novos desafios e principalmente na consolidação das nossas conquistas e na contribuição que podemos e devemos dar para a ampliação do processo democrático brasileiro.

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“O Centenário de Abdias Nascimento deve ser marcado pelo compromisso dos jornalistas e demais cidadãos brasileiros com o seu legado de resistência democrática, combate ao racismo e defesa das liberdades e da igualdade. A Fenaj compreende o seu papel de fomentar o jornalismo para se apropriar desse legado por meio das ações da Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial (Conajira) e dos coletivos que defendem a temática nos sindicatos filiados, contribuindo para a construção de um Brasil sem racismo e um jornalismo que respeite a pluralidade, bem como a diversidade racial e de gênero.” Celso Augusto Schröder, Presidente da Fenaj

foto Acervo-FCP - MinC

foto divulgação

“Abdias nos deixou a atenção ao combate da intolerância religiosa e racial que precisa ser vista e sempre observada. Aprendemos a ver e a identificar quando o racismo se manifesta. Abdias é um bakulo, é desses caras que vieram ao mundo nos deixando um legado que será para sempre lembrado. Ele entrou em todos os espaços: na política, na cultura e na arte. Ele foi um homem livre, ele foi arte. E como dizia Glauber, somente a arte é livre. Nada fez com que Abdias subjugasse a sua obra. Ele fez o que precisava ser feito. Ele nos deixou um aprendizado: temos que usar a arte para falar sobre nós, sobre o que gostamos, sobre o que acreditamos e como forma de enfrentamento. Me sinto um filho de Abdias, um herdeiro dos seus valores, posicionamento político e estético.”

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Hilton Cobra, presidente da Fundação Palmares

Salloma Salomão Jovino da Silva, Doutor em História, músico, compositor e professor de História da África e Diáspora Negra na Fundação Santo André. WWW.RACABRASIL.COM.BR

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foto divulgação

João Jorge, diretor do Olodum

“Abdias Nascimento influenciou as nossas vidas no resgate das verdadeiras histórias e nos despertou a verdadeira autoestima enquanto negros e negras”.

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“Abdias foi exemplo e antiexemplo para os movimentos negros do século XXI. Partiu de Araraquara com a cabeça cheia de pressupostos elitistas e autoritários, próprios do contexto dos anos 1930-1940, para, em contato com o mundo negro atlântico, configurar uma concepção ideológica afinada com as lutas negras antimperialistas e antirracistas nos anos 1970 (Quilombismo). Elaborou uma multiplicidade de discursos sobre identidade negra nem sempre coerente, mas ascendeu a uma percepção aguda dos mecanismos sociais da hegemonia branca. Homem negro complexo, criou mil artes e ofícios para abrir um caminho de ação e reflexão para aqueles que teimam em sonhar com uma sociedade brasileira sem racismo e desigualdades.”

“Valeu Abdias Nascimento, nosso líder maior. Obrigado por ensinar ao Olodum e a nossa gente a lutar contra o racismo. Você nos representa. 100 anos do líder negro do Brasil. Valeu Zumbi. Valeu Revolta dos Búzios”.

Yalorixá Jaciara Ribeiro, Asé Abassá de Ogum RAÇA BRASIL | 57

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“Abdias é um herói do multiculturalismo afrobrasileiro. Parece que não passou um dia sequer de sua longa vida sem lutar por um país menos racista e mais igualitário. Usou sabiamente a arte, o ativismo, a crítica, a política e nos deixou um legado fundamental para a compreensão dos efeitos nocivos do racismo em nossa sociedade. Um importante ativista do movimento negro brasileiro a inspirar e servir de referência para todas as gerações”.

“Na sexta-feira, 14 de março, amigos, correligionários e admiradores de Abdias Nascimento celebraram o seu Centenário. Num clima de intensa religiosidade, com vibrações altamente positivas, o Memorial do Valongo e o Centro da Cidadania abrigaram rituais simbólicos, manifestações artísticas e expressões de saudoso reconhecimento. De nossa parte, estivemos lá, como não poderíamos deixar de estar, com nossa música, nossa poesia e nosso devotamento à História e à Cultura da África e sua Diáspora, universo no qual fomos introduzidos principalmente guiados por Abdias, nosso líder imortal.”

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foto Aro Ribeiro

artigo

Nei Lopes, músico, compositor e pesquisador

foto divulgação

“Ao longo da história do Brasil, muitos foram os que chamaram para si a condição de luta intransigente contra as concepções e práticas racistas, rompendo com os padrões de uma sociedade que via o homem e a mulher negra como seres inferiores e os queriam submissos e tutelados. Para estes, no entanto, a historiografia tradicional ignorou o registro e desprezou a deferência, buscando manter oculta a história dos que se rebelaram por viver numa sociedade preconceituosa e desigual. É buscando alterar este cenário que precisamos conhecer e celebrar a existência de figuras como Abdias Nascimento, um homem cuja obra e atuação política durante quase todo século XX são essenciais para afirmação da identidade afro-brasileira.” Antonio Olavo, cineasta, diretor do filme-documentário “Abdias Nascimento Memória Negra”

“Abdias Nascimento: Aprendemos com ele tudo de essencial que há por saber sobre a questão racial no Brasil: a identificar o genocídio do negro, as manhas dos poderes para impedir a escuta de vozes insurgentes; a nos ver como pertencentes a uma comunidade de destino, produtores e herdeiros de um patrimônio cultural construído nos embates da diáspora negra com a supremacia branca em toda parte. Qualquer tema que esteja na agenda nacional sobre a problemática racial no presente já esteve em sua agenda política há décadas atrás, nada lhe escapou. Mas sobretudo o que devemos a ele é a conquista de um pensar negro: uma perspectiva política afrocentrada para o desvelamento e enfrentamento dos desafios para a efetivação de uma cidadania afrodescendente no Brasil, o seu mais generoso legado à nossa luta.“

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Baby Amorim, diretora do Ilu Obá de Min

Sueli Carneiro é doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Geledés Instituto da Mulher Negra.

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“Hoje ainda enfrentamos o racismo na criação, gestão e produção das culturas afro-brasileiras, tradicionais e populares, mas ao olharmos a imensa produção do mestre Abdias do Nascimento aprendemos e constatamos que trabalharemos mais que dobrado. Nossa cultura negra é tão complexa que ser “somente” ator não é o suficiente. Sejamos então escritores, diretores, pintores, políticos, economistas, dançarinos, donas de casa, fotógrafos, tudo ao mesmo tempo”.

“Abdias do Nascimento foi, sem sombra de dúvida, uma das maiores expressões da intelectualidade negra em nosso país. Ele foi, ao mesmo tempo, pensador e militante do movimento negro. Um homem inquieto e à frente de seu tempo, Abdias foi fundamental na luta do povo negro em nosso país e seu legado continua a nos orientar. Sua atuação no parlamento, como senador e como deputado federal é um exemplo para todos nós”.

“A luta de Abdias Nascimento contra o racismo vem de longe, desde os anos 40. Abdias foi o primeiro parlamentar a fazer uma proposta de ações afirmativas no Brasil, em 1983, como as cotas raciais nas universidades, só agora adotadas. É preciso, contudo, recuperar uma de suas dimensões mais importantes que foi a capacidade, enquanto homem negro, enquanto político, enquanto parlamentar, de ler e nos manter antenados com a atualidade. Não apenas pelo fato de que desde 2010 constituímos oficialmente a maioria da população brasileira. Também pelo fato de o modelo de atuação política que visava destruir a ideia de democracia racial já ter se esgotado. É por isso que precisamos de um modelo de atuação política que nos leve e nos coloque em todos os lugares da sociedade brasileira, especialmente nesses novos lugares nos quais temos conquistado presença e, a partir dali, combater o racismo nas suas formas mais perversas. Por tudo isso, acho que é essa mudança de postura, de mentalidade e essa capacidade de ler a sociedade brasileira que ele nos legou e que nos orgulha, é que nos motiva a prestar essa homenagem a Abdias Nascimento, agora na passagem dos cem anos do seu nascimento”.

“A importância de Abdias é correspondente àquilo que Malcolm X e Luther King foram para os EUA. Abdias questionou, através do teatro, o discurso colonialista sobre o negro. O TEN, Teatro Experimental do Negro, criado por Abdias em 1944, deu um novo impulso à dramaturgia no Brasil, recompondo a imagem negra num outro código estético. Com o TEN, o negro deixou de ser uma besta fera, como assim era representado no cinema, no teatro e tv colonialistas. O outro código estético estava na valorização dos valores civilizatórios do negro-africano e da diáspora. Transpostos para a dramaturgia, atores e atrizes negros operavam a emergência de uma negritude orgulhosa, revolucionária e inédita. Como intelectual, Abdias pode ser considerado um dos protagonistas do movimento pan-africanista na América do Sul. Lecionou nos EUA, articulou e liderou o surgimento do Movimento Negro Unificado em São Paulo, bem como bagunçou o coreto dos discursos racialistas ao se casar com uma mulher branca americana - Elisabeth Larkin do Nascimento. Como político, levou a causa negra para a Câmara dos Deputados (RJ) e para o Senado, tornando urgente políticas públicas voltadas para a população negra e para compensar os danos históricos provocados pela escravidão e o racismo. Abdias foi príncipe, rei, majestade; memória que durará no coração de todos nós negros brasileiros”.

Luiza Bairros, Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Amailton Magno Azevedo, músico e professor de História da África da PUC-SP

foto Wilson Ribeiro

Leci Brandão é cantora, compositora e deputada estadual por São Paulo pelo PCdoB.

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Sandra Campos é produtora cultural

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raízes | curtas

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por Oswaldo Faustino

A África pelo olhar africano

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hegemonia internacional do cinema norte-americano não foi quebrada apenas pela indústria cinematográfica indiana, como se tem apregoado. Na África também são produzidos anualmente milhares de filmes, quer de ficção ou documentários, que tanto nos revelam a real história de povos e nações quanto problematizam questões contemporâneas. Mergulhar nesse universo é possível através de várias iniciativas, como as sessões mensais promovidas pelo Cine Afro Sembène em parceria com a Cojira - Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial, do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. Pouco se conhece da produção cinematográfica africana, mas o ano de 1992 foi marcado pelo lançamento de “Living in Bon-

O cinema feito na África possibilita uma viagem ao nosso continente-mãe, tanto nos dias de hoje quanto no passado. Existe uma grande indústria empenhada em garantir ao mundo que isso aconteça

dage”, do cineasta nigeriano Chris Obi Rapu e que deu início à milionária indústria cinematográfica de seu país, que hoje chega a produzir 1.500 longas-metragens em um ano. Desde então, adotou-se o nome Nollywood, seguindo a pioneira Hollywood e a indiana Bollywood, ambas com um a produção anual bastante inferior em números, ainda que tecnicamente bastante superior. Cerca de 90% dos filmes consumidos hoje na Nigéria são produzidos no próprio país, empregando milhares de profissionais, entre artistas, técnicos e diretores nigerianos. Com custo de produção geralmente baixo, a comercialização é fácil, barata e muito lucrativa, além de garantir um público consumidor fiel interessado nos novos lançamentos, não só naquele país, mas em grande parte do continente.

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Um cineclube temático A ausência total de filmes africanos, tanto nas salas de exibição quanto na televisão brasileira, estimulou os integrantes do Fórum África, Vanderli Salatiel, Saddo Ag Almouloud e Oubí Inaê Kibuko a criarem, em 2008, o Cine Afro Sembène, um cineclube voltado a esta cinematografia. Hoje, em parceria com a Cojira/SP, realizam sessões mensais, no terceiro sábado de cada mês, no auditório do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. Além de um longa africano, todo mês é apresentado também um curta de diretor ou diretora afrodescendente. Após a sessão, acontece um debate com especialistas. No mês de março último, em homenagem ao Dia internacional da Mulher, foi exibido o filme “Domitilla” (1996), do nigeriano Zeb Ejiro, um dos mais bem-sucedidos diretores de Nollywood. O filme é um drama sobre uma jovem que, além de trabalhar muito, é obrigada a se prostituir. O debate foi coordenado pela pesquisadora afro-americana Kamahra Ewing, doutoranda em Filosofia, Artes Visuais e Mídia, Estudos Afro-americanos e Africanos pela Michigan State University. WWW.RACABRASIL.COM.BR

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A programação de abril

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No terceiro sábado do mês de abril, dia 15, será exibido o filme sulafricano “Drum – Gritos de Revolta (2004)”, de Zola Maseko. Baseado em um personagem real, o jornalista Henry Nxumalo, famoso nos anos 50 em Sophiatown, bairro de Johanesburgo, o longa mostra as denúncias feitas por ele contra os maus-tratos aos negros, na revista sul-africana Drum. Nascido em 1967, durante o exílio de seus pais, na Suazilândia, Zola Maseko participou da luta armada promovida pelo Congresso Nacional Africano contra o apartheid. Estudou cinema na Inglaterra. Drum, seu quarto trabalho, foi premiado no Festival PanAfricano de Filme e Televisão de Ouagadougou, capital de Burkina Faso, com o Etalon de Yennenga (Garanhão de Ouro), uma estatueta em forma de cavalo, em homenagem à rainha Yennenga Svelte, a mãe do povo Mossi, daquele país.

Faz também parte da programação deste mês o média-metragem “Outros Carnavais” (2009), do cineasta, fotógrafo e jornalista Luiz Paulo Lima. Participam desse documentário, entre outros, Toniquinho Batuqueiro, Nenê de Vila Matilde, Carlão do Peruche, ícones da história do carnaval de São Paulo e também de seu samba com características marcadamente Banto, segundo o diretor.

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O cinema africano Mesmo sem o gigantismo do cinema de Nollywood, vários outros países da África têm significativa produção cinematográfica, diretores e artistas reconhecidos mundialmente, alguns deles migrados para os EUA e Europa. Repudiando a imagem estereotipada que cineastas ocidentais passavam em filmes sobre o continente africano, vários movimentos artísticos se desenvolveram. O curta “L’Afrique sur Seine”, produzido em Paris por estudantes africanos, em 1955, sob a direção de Paulin Soumanou Vieyra, do Daomé, é considerado um marco, apresentando um olhar de africanos sobre si próprios. Durante as lutas anticoloniais dos anos 1960, vários documentários e filmes de ficção foram produzidos. Muitos deles ficaram proibidos nas metrópoles que os colonizavam. Foi nesse período que surgiu, no Senegal, o cineasta considerado “pai do cinema africano”, Ousmane Sembène. Depois de lançar dois curtas, obteve reconhecimento internacional com o longa “La Noire de...” (1966), sobre uma mulher africana trabalhando como doméstica em Paris. Nomes como Sembène, Med Hondo, Djibril Diop Mambéty, Souleymane Cissé, Sheik Oumar Sissokoor, Jean-Pierre Bekolo, Peter Red, Chico Maziakpono, Safi Faye, Anne-Laure Folly e Dom Pedro de Angola têm se destacado cada vez mais, e alguns já são reconhecidos diretores do Cinema da Diáspora. Dom Pedro, por exemplo, revelou em entrevista para a revista Raça que seu grande sonho era ter filmado em parceria com o diretor brasileiro Zózimo Bulbul, falecido no ano passado.

A realização é do Cine Afro Sembène em parceria com a Cojira/SP. O Sindicato dos Jornalistas fica na Rua Rego Freitas, 530, sobreloja, na região central da cidade de São Paulo. A sessão tem apoio da PUCConsolação, da Casa das Áfricas e do blog Cabeças Falantes – www.tamboresfalantes.blogspot.com.br. É gratuita e começa pontualmente às 19h.

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Um candomblé

sem orixás Quando se fala em religiões de matriz africana, imediatamente nos vem à mente uma ou duas delas. Porém, no brasil há uma diversidade de cultos com diferentes panteões, rituais e linguagens. Vamos conhecer um deles?

A divindade maior do povo Bantu, Nzambi Mpumngu

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ra o ano de 1985 quando Clementina de Jesus gravou com Martinho da Vila a composição dele cujo refrão diz: “Eu não quero essa vida assim não, Nzambi / Ninguém quer essa vida assim não, Nzambi...”. Para muitas pessoas, essa música proporcionou a primeira oportunidade de ter contato com a palavra Nzambi, originária da língua Kimbundo. Possivelmente, a maioria nem chegou a saber que a canção se refere à divindade maior do povo Bantu, também chamada de Nzambi Mpumngu, que no Brasil é cultuado pelas nações Angola e Kongo/Angola do Candomblé, uma das mais antigas e maiores religiões afro-brasileiras. O Candomblé da nação Ketu, do grupo étnico yorubá, que cultua os orixás, também chamado Jeje-Nagô, é originário da região do antigo Reino do Daomé, atual Benin, e parte da Nigéria. Popularizou-se e se tornou midiático e hegemônico por vários motivos, dando a impressão de que fosse único. Com o fim da perseguição institucional às religiões de matriz africana – apesar de se manterem as agressões e preconceitos por parte de grupos intolerantes – foi possível conhecermos outras formas de culto, herdadas dos antigos escravizados. Abaixo de Nzambi, os angoleiros, como se denominam os fiéis do Candomblé Angola, cultuam os inkisis (ou minkisi, também chamados jinkisi), que são representantes das forças da natureza. Seus devotos rezam, cantam e se comunicam com palavras originárias das línguas Kimbundo e Kikongo. Seus sacerdotes são

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um rEino no sul da baHia Desde 1885, funciona em Ilhéus o Unzó Matamba Tombenci Neto, terreiro de candomblé angoleiro fundado por Tiodolina Félix Rodrigues, conhecida por Iya Tidu. O inkisi tem a forma de uma cobra com as cores do arco-íris, responsável pela subida e descida das águas e que auxilia a comunicação entre os seres humanos e as divindades. No Candomblé Ketu, ele é o orixá Oxumaré. Com a morte de Iya Tidu, em 1914, sucedeu-a o filho Euzébio Félix Rodrigues, o Tata Gombé. O terreiro, então, passou a ser dedicado ao inkissi Roxo Mucumbo – também chamado Roxi Kukumbi ou Nkosi Mukumbi, representado por um leão, correspondente ao orixá Ogun, o guerreiro, o senhor do ferro e da forja. Vinte sete anos depois, ele foi sucedido por sua irmã Izabel Rodrigues Pereira, a Mameto Bandanelunga, a popular Dona Roxa, e assumiu o nome que tem hoje. Atualmente, quem se encontra à frente desse verdadeiro reino angoleiro chamado Unzó Matamba Tombenci Neto é a filha de Dona Roxa, Ilza Rodrigues, a Mameto Mucalê. Mãe de 14 filhos, no mês passado ela completou 80 anos de vida. Sob sua liderança, foram criadas mais de 50 casas desse culto, chamadas Tombeci Bisnetos, tanto na Bahia quanto em São Paulo e no Rio de Janeiro. O terreiro também originou o bloco afro Negra Dilizenze, a ONG Gongombira de Cultura e Cidadania, a

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os tatas e as sacerdotisas, as mametos. A pessoa iniciada, que no Keto chama-se iyawô, no Angola é muzenza. A mais tradicional casa angoleira do Brasil foi fundada em Salvador por Maria Genoveva do Bonfim, a Mameto Tuenda dia N’Zambi, conhecida por Maria Neném. Em São Paulo, na cidade de Itapecerica da Serra, há uma casa que é sua herdeira, a Kua Dianda Inzo Ia Tumbansi Tua Nzambi Ngana Kavungu, dirigida por Walmir Damasceno, o Tata Takuvanjensi. Ilza Rodrigues, a Mameto Mucalê

Associação Beneficente e Cultural Matamba Tombenci Neto, o Memorial Unzó Tombenci Neto e a Galeria Ingué Kaitumba. Objetivando auxiliar no cumprimento das leis 10.639/03 e 11.645/08, foi lançada nesse centro cultural, no mês da Consciência Negra do ano passado, a cartilha, com um DVD encartado, intitulada “Mãe Ilza Mukalê – Histórias e Saberes”, que está sendo distribuída em todas as escolas da região. Entre outros eventos ali realizados, o prof. Flávio Gonçalves lançou, em fevereiro último, seu livro “Economia e Cultura do Candomblé na Bahia: o comércio de objetos litúrgicos afrobrasileiros - 1850/1937”. O Dia Internacional da Mulher foi comemorado com uma grande festa. Além de se festejar o 80º aniversário da Mameto Maculê, homenageram-se mulheres consideradas importantes na preservação cultural angoleira, no sul da Bahia. Uma das homenageadas foi a carioca Marlúcia Mendes da Rocha, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, atual Secretária Municipal de Educação em Ilhéus. Por muitos anos, ela atuou na escola de samba Camisa Verde e Branco, em São Paulo, nos gloriosos tempos da família Tobias.

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Antônio,

o eremita Se o Vaticano se nega a reconhecer a santidade desse africano da Ordem Terceira de São Francisco, que cuidava de doentes e se reclusou no deserto até falecer, a fé popular o manteve no altar para implorar por milagres

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são francisco, um caminHo Ao ser sequestrado e levado para a ilha da Sicília, Antônio era muçulmano. Foi vendido por valor equivalente ao de dois cavalos a um camponês da cidade de Noto, que o encarregou de pastorear seu rebanho de cabras e ovelhas, mesma atividade que também seria exercida posteriormente pelo menino Benedito, também escravizado. Converteu-se ao catolicismo. Além da opção religiosa, esta poderia ser uma boa maneira para livrar-se do julgo da escravidão, ou pelo menos aliviá-lo. Ele aproveitava a tarefa de pastor para distribuir leite e queijo para os necessitados, mesmo contra a vontade do patrão. Ao conquistar a liberdade, Antônio entrou para a Ordem Terceira de São Francisco, a Ordem Franciscana Secular (OFS), que agrega devotos leigos e se dedica à pobreza e demais necessitados. Famoso por sua dedicação e disciplina, segundo Salvatore Guastella, autor do livro “Santo Antônio de Categeró: sinal profético do empenho pelos pobres”, foi trabalhar voluntariamente em hospitais. Já Benedito ingressaria na vida monástica através da Ordem dos Frades Menores (OFM), também franciscana. Porém, o que se sabe é que no convento lhe couberam as funções menos prestigiadas, como as de porteiro e cozinheiro. Mendigar para poder fazer caridade aos necessitados era uma das atribuições dos membros da Ordem Terceira. E era o que Antônio fazia, quando não estava banhando e trocando as ataduras de enfermos em hospitais de Noto. Dizem seus devotos que, em sua humildade, até isso era muito luxo para a vida penitente que ele almejava viver. Por isso decidiu retirar-se para o deserto, como eremita, para dedicar-se à contemplação divina e à meditação, até falecer em 14 de março de 1549. WWW.RACABRASIL.COM.BR

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sEria um milagrE? Cinquenta anos após a morte do eremita, seu túmulo foi aberto, em 13 de abril de 1599. Para surpresa geral, seu corpo não havia se decomposto. Estava íntegro como no dia de seu sepultamento. Imediatamente a notícia se espalhou e se iniciaram as narrativas de inúmeros milagres ocorridos por sua intercessão. Uma O missionário protestante imagem sua foi esculpida e, norte-americano Daniel Kidder posteriormente, encaminhada a uma igreja em que se cultua sua devoção, na África. De lá, atravessou o Atlântico e hoje se encontra na igreja da Paróquia de Nossa Senhora da Anunciação, no bairro Riachuelo, no Rio de Janeiro. A notícia, há algumas décadas, de que Antônio de Categeró figurava na lista dos santos não reconhecidos pelo Vaticano não abalou a fé de seus devotos. Em São Paulo, a Igreja Católica Apostólica Brasileira o assumiu para si. Ergueu-se um templo em sua devoção na Rua Tauandê, Vila Formosa, no final da década de 1950. Em frente ao templo, foi construída uma “gruta dos milagres”. Em janeiro de 1968, uma longa reportagem da Folha de S. Paulo descrevia as peregrinações com números de fiéis que iam de 5 a 15 mil pessoas numa sessão de terça, sexta ou domingo. Hoje, ali também funciona a Casa do Bom Samaritano. Se a fé move montanhas, a devoção a Santo Antônio de Categeró é um bom a canal para a remoção dos preconceitos dos corações dos fiéis. Acreditar que Deus possa atender desejos e sanar necessidades por meio da interseção de um santo negro é um interessante ponto de partida para defender os princípios que promovem a equidade.

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m suas narrativas sobre a fé dos brasileiros, o missionário protestante norte-americano Daniel Kidder, que esteve no Brasil no século XIX, conta que durante uma procissão viu um homem negro olhar para o andor que levava um a imagem de um santo, um frade negro, e afirmar: “Lá vem o meu parente”. Mais do que devoção, há uma verdadeira relação de parentesco entre as comunidades negras e seus santos e santas. A imagem levada naquela procissão descrita por Kidder poderia ser de um frade negro com um menino no colo ou com um crucifixo. Fosse o primeiro, seria São Benedito e o outro, Santo Antônio de Categeró. Ambos ficaram famosos na Itália. Benedito, descendente de escravizados etíopes, como eram chamados todos os africanos negros, nasceu na Sicília, em 1526. Antônio, nascido um pouco antes, é de Barca, cidade na Cirenaica, na antiga Cirineia, no Norte da África, atual Líbia. Ele também é venerado com os nomes de Antônio de Cartago, Antônio de Noto e Antônio Etíope.

A Igreja Católica Apostólica Brasileira na Vila Formosa

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Carnaval

2014 fotos RENATO BAZAN (SÃO PAULO) e VALDEMIRO JUNIOR (RIO DE JANEIRO)

Nenê de Vila Matilde

Este ano, a Raça Brasil conseguiu cobrir com exclusividade os carnavais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Alguns enredos lembraram a presença e a força da cultura afrobrasileira e africana. Foi o caso da escola Império da Tijuca, no Rio de Janeiro, que com o enredo “Batuk” trouxe as batucadas típicas da África, mas que criaram raízes na vida do povo brasileiro, inclusive por meio do samba. Já a São Clemente levou à Sapucaí a malemolência e a criatividade da favela. Seu desfile apresentou as origens, a arquitetura, os costumes e os personagens dos morros. Já em São Paulo, a grande vencedora deste ano, a Mocidade Alegre, trouxe o tema “Andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar!”. Em uma das alegorias, prestou homenagem ao candomblé e à umbanda, com direito a aromas de ervas que deram charme especial ao Anhembi. Confira as fotos exclusivas da equipe da Raça! Império da Tijuca

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Destaque de chão da Campeã do Carnaval 2014, Unidos da Tijuca, Ana Paula Evangelista

Atriz Glória Pires na Portela Intérprete Gilsinho da Unidos de Vila Isabel e sua esposa Dayse Lúcid

Águia de Ouro

Emanuele e a destaque de chão Débora Vieira

Atriz Cris Viana

Capa da Raça em Novembro, a atriz e comediante Cacau Protásio Gaviões da Fiel

Jornalista da Rádio Manchete Angélica Zago

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Mocidade Alegre

Mauro Júnior do Grupo Revelação e Emanuele Sanuto produtora da Raça Brasil

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TRAÇO DE RAÇA em São Paulo fotos FÁBIO GUINALZ

Cerveja gelada, feijoada de primeira e um espaço incrível para ouvir um dos melhores sambas de São Paulo. Este é Traço de União, que, a partir da paixão pelo samba de raiz, foi criado próximo ao Largo da Batata, com a cara de um Brasil diversificado e alegre. O Traço de União, que tem como madrinha Beth Carvalho e como padrinho o saudoso Luiz Carlos da Vila, promove o samba em São Paulo, se tornando ponto de encontro e referência para os amantes do gênero. O local é frequentado por um público descolado, com idades variadas que, entre uma cerveja gelada e outra, adoram mostrar todo o gingado do povo brasileiro na pista. Outro grande destaque para o Traço de União são os petiscos e bebidas temáticas voltados à nossa brasilidade, além de uma programação musical rica como a Banda Traço de União, Aldo Bueno, Dayse do Banjo, Carllão Maneiro, DJ Tadeu e convidados especiais, mostrando o melhor da música popular brasileira. Para confirmar a tradição de brasilidade, aos sábados, é servida nossa tradicional feijoada, acompanhada por uma roda de samba, sempre com um grande convidado. O Traço de União fica em Pinheiros, para mais informações acesse: www.tracodeuniao.com.br.

Público descolado, com idades variadas

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Petiscos e bebidas temáticas voltados à nossa brasilidade

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NJINGA,

RAINHA DE ANGOLA estreia no CCBB-RJ fotos EMANUELE SANUTO

Mulher, guerreira e rainha - são as palavras que resumem o filme “Njinga, Rainha de Angola”, que teve a sua pré-estréia na cidade do Rio de Janeiro, no Centro Cultual Banco do Brasil. Para abertura do evento, três mulheres percussionistas soaram os tambores para tornar aquela noite mais especial e rítmica, e logo em seguida o grupo de dança do projeto Bouce apresentou movimentos típicos da África, retratando a alegria local contagiante para todos os presentes. O filme é uma emocionante viagem pela história de Angola. Ele nos leva até o século XVII para conhecer a vida de luta de uma mulher sem medo. Durante quase quatro décadas, esta mulher luta pela libertação dos mbundo e personifica o lema “quem ficar, luta até vencer”. Num mundo de homens, uma mulher torna-se rainha e consegue selar a paz com os portugueses, que a reconhecem como a verdadeira soberana da Matamba e do Ndongo. No papel principal, Lesliana Pereira, a Miss Angola 2008, recebe a Revista Raça Brasil com muito carisma e simpatia. Ela falou da sua emoção, enquanto angolana, de representar uma rainha que faz parte da história de seu país: “Toda a comunidade negra aqui é muito forte, não só na Bahia, mas em todo o país, e protagonizar a Rainha é um sentimento de responsabilidade muito grande, é uma história que é nossa. A Rainha Njinga é angolana, então a gente quis contar a história da nossa rainha”. Já o ator Silvio Ferreira do Nascimento, que foi o par romântico da rainha no filme, disse que “sente-se honrado por representar Angola no Brasil por meio de um filme que conta a história de seu país, já conhecida mundialmente”. No elenco estão também os atores Érica Chissapa, Ana Santos, Miguel Hurst, Jaime Joaquim e Orlando Sérgio. O roteiro é de Joana Jorge, com produção executiva de Coréon Dú, Sérgio Neto e Renato Freitas e realização de Sérgio Graciano.

ento, Silvio Ferreira do Nascim Da esquerda para a direita: ulado de Angola do cons do e tant esen repr o ; utor ator do filme nista Lesliana Pereira; o prod Rio de Janeiro; a protagoQui téria Chagas, atriz executivo Coreón Dú; e

Leila Lopes e Milton Goncalves

O ator Milton Gonçalves, a atriz Maria Ceiça e o ator Silvio Ferreira do Nascimento

Na ocasião, estavam presentes o produtor-executivo Coréon Dú, a historiadora Isilda Hurst e a roteirista Joana Jorge. Entre os convidados para a pré-estreia estavam os atores Antonio Pitanga, Milton Gonçalves, Maria Ceiça e Quitéria Chagas, entre outras personalidades. “A imagem e a ideia que o mundo tem do negro, da África e de Angola em si também é uma imagem do negro escravo. É muito raro você ver a história de fato. A gente sabe que existiram reis e rainhas, e é importante não só para o próprio negro, mas para toda a sociedade conhecer e entender que muita das vezes tem uma raiz negra”. “Queremos que o filme seja mais divulgado, que as pessoas levem seus filhos”, disse Quitéria Chagas. Maria Ceiça também falou a sua opinião sobre o filme, que diz ter gostado muito: “Eu acho muito importante que cada um de nós afrodescendentes conheça a nossa história através das histórias do outros países, de onde nós viemos, de onde os nossos ascendentes vieram. Então acho que esse filme é de fundamental importância para cultura angolana, com um personagem de fundamental importância para o país. E, para nós, retrata uma realidade muito distante, que a gente pouco conhece de África. Nós brasileiros devemos à África!”, enfatizou. “A rainha Njinga foi considerada pela UNESCO uma das 25 figuras femininas mais importantes da história de África. Por isso, é fundamental ter a vida dela contada. É importante mostrar aos brasileiros um pouco da história angolana”, celebrou o responsável pela Semba no Brasil, Frederico Roque de Pinho. O longa-metragem foi exibido gratuitamente no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, entre os dias 12 e 24 de março, além de ter sido incluído no programa educativo do CCBB para visitas de estudantes e pesquisadores.

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coluna | O Samba pede passagem

foto: divulgação

Moisés da Rocha Radialista e responsável pela criação do programa O samba pede passagem

o primeiro “dragão do mar”

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á muito tempo, nas águas da Guanabara, o dragão do mar reapareceu...”. Assim começa um dos maiores sucessos da MPB, de autoria de João Bosco e Aldir Blanc, numa irrepreensível interpretação de Elis Regina. Essa música selou de vez a consagração do herói negro João Candido, que liderou a chamada Revolta da Chibata em 1910, uma verdadeira mácula na história de nossa Marinha de Guerra que, mesmo após a Abolição da Escravatura, utilizava essa forma de castigo sobre os marinheiros comuns. Não é mais segredo também que a nossa gloriosa Marinha de Guerra, até os dias de hoje, é a Força Armada que conta com o menor número de afrodescendentes em seu corpo de oficiais. Relembrando um pouco mais do desfecho da Revolta da Chibata, nunca é demais lembrar que os marinheiros-praças, revoltados, firmaram acordo que previa anistia para cessar a greve. Acordo esse que foi quebrado por parte do governo, resultando na ida de todos para o famigerado presídio de Ilha das Cobras. Poucos marinheiros, entre eles João Candido, sobreviveram. Depois da libertação, João viveu de trabalhos informais na Baixada Fluminense, onde faleceu, como membro ativo da Igreja Metodista. Mas, afinal, e o primeiro Dragão do Mar? Para o povo, jangada e jangadeiros se tornaram algo romântico, como se nota em músicas, pinturas, fotografias. Mas, na realidade, segundo o escritor, historiador e biógrafo Edmar Morel, “na luta antiescravagista, a jangada tem papel destacado, como o tivera de resto em outras ocasiões... na luta contra Solano de 1864 a 1870, integrando as guarnições de navios mercantes e de guerra, já tinham importância também os

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jangadeiros, reafirmado sua bravura e seu desprendimento, como o fizeram, aliás, durante quase um século, na praticagem e socorro naval na costa, salvando barcos, cargas e vidas preciosas, prestes a desaparecerem nas profundezas dos mares”. Em 1881, influenciados pela recémfundada Sociedade Cearense Libertadora, jangadeiros decidiram que nenhuma jangada transportaria mais escravos para os navios. “Mesmo com a ameaça policial: no porto do Ceará não se embarcam mais escravos. abaixo a escravatura!, escreveram. Nessa primeira manifestação, destacaramse os jangadeiros José Napoleão e Pedro Artur Vasconcelos. Mas para a resistência e perseverança na decisão tomada, precisavam de um líder. Convocaram então o prático do Ceará, Francisco José do Nascimento, o “Chico da Matilde”. Com a recusa do II Batalhão do Exército em assegurar o carregamento de escravos, os mercadores negreiros tentavam burlar os seus jangadeiros, procurando fazer carregamentos clandestinos. Mas quando surgia algum navio, eram seguidos - principalmente por Francisco José do Nascimento -, até estarem fora da área portuária, não se atrevendo a atracar. A notícia se espalhou. Grupos libertários, apoiados por jornais, políticos e por grande parte da sociedade em geral, vararam o sertão nordestino bradando sempre o grito de liberdade. Fortaleza passou a ser a capital da liberdade, recebendo muitos escravos foragidos. O movimento pelo fim da escravatura fervilhava. José do Patrocínio, nacionalmente famoso pela sua luta libertária e sabedor da força de Francisco José do Nascimento, foi ao Ceará e conversou longamente com o líder dos jangadeiros e do povo praieiro. Em 1883, sempre com a presença dos

paladinos da liberdade – José do Patrocínio e os Libertadores de Fortaleza –, a pequena cidade de Acarape, distante cerca de sessenta e seis quilômetros de Fortaleza, deu o primeiro grito de libertação coletiva de escravos. Em 24 de maio de 1884 – quatro anos antes da publicação da Lei Áurea –, Fortaleza também libertou os seus africanos. As notícias das façanhas de Francisco José do Nascimento e seus jangadeiros, é claro, chegaram aos abolicionistas da Corte do Rio de Janeiro, para onde se dirigiram e foram recebidos com grande festa por muitos dias, saudados como os heróis da primeira libertação em massa de escravos. Ele foi chamado por José do Patrocínio de “Lobo do Mar”, mas foi num artigo de jornal que ficou eternizado como o “Dragão do Mar”. Durante sua permanência na Corte, lhe ofereceram uma alta quantia em dinheiro, que ele terminantemente recusou: “Sou um homem pobre, mas não vim à Corte por causa de dinheiro. Por que não compram a Carta de Liberdade de alguns escravos com esta importância?”, indagou. Depois das homenagens por todo o nordeste, esse mesmo herói, que seria nome de rua, estação de rádio, clube de futebol e clube literário, teve outras aventuras heroicas. Em uma delas, liderou os praieiros, convocando (por sorteio) chefes de família e negros para lutar no sul do país, deixando isentos os solteiros e filhos da classe privilegiada. Na ocasião, houve derramamento de sangue no enfrentamento com as forças do exército. Em 1914, o “Dragão do Mar” morreu pobre, mas deixou seu nome na história. Ele foi um grande herói negro. Dica de leitura: “Vendaval da Liberdade (A luta do povo pela abolição)”, Edmar Morel, Global Editora. RAÇA BRASIL | 71

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Negros foto: Tomaz Silva-Agencia Brasil

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UFRB realiza encontro de estudantes sobre Ações Afirmativas

A greve da classe invisível

O jogador Ruddy Lilian Thuram-Ulien, zagueiro da seleção francesa campeã do mundo em 1998, esteve no Brasil em março para divulgar as ações que têm realizado mundialmente contra o racismo no esporte. Thuram ficou no Rio de Janeiro para uma semana de palestras contra o racismo realizado no Museu de Arte do Rio (MAR) com estudantes da Universidade das Quebradas — um curso de extensão da UFRJ. A Raça cobriu com exclusividade ao lançamento de seu livro “As minhas estrelas negras — de Lucy a Barack Obama”. O jogador que mais vezes vestiu a camisa da seleção francesa (142 partidas) luta contra o preconceito por intermédio de sua fundação (thuram.org).

foto: Matthie

Zagueiro francês trava luta contra o racismo no futebol

u Riegler

No início de março, os garis promoveram uma greve e levantaram a questão do reconhecimento público, levando movimentos sindicais, sociais e raciais a realizarem a paralisação como luta pelos direitos dos brasileiros. O impacto da greve foi grande, principalmente por ser realizada durante o carnaval deste ano, gerando um grande acúmulo de sujeira por toda a cidade do Rio de Janeiro. Toneladas de lixo ficaram espalhadas pelas ruas de diversas regiões do Rio e a situação alarmante virou destaque na imprensa internacional. Além do aumento salarial reivindicado durante a greve, o contrato estabelecido entre o sindicato da categoria e a Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb) garantiu mais 1,68% dentro do Plano de Cargos, Carreiras e Salários, com progressão horizontal. Outras mudanças que o Acordo Coletivo garante são bônus de 100% na hora extra para quem trabalhar nos domingos e feriados (mantendo o direito à folga), plano odontológico para todos, ampliação do prêmio do seguro de vida (de R$ 6 mil para R$ 10 mil), aumento do vale-alimentação de R$ 12 para R$ 16, e auxílio-creche para ambos os sexos, além de acordo de resultados possibilitando um 14º e 15º salário para os cerca de 15 mil garis da cidade. De acordo com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, os 300 garis que haviam sido demitidos por participarem da greve – alguns relatam ter recebido o comunicado de exoneração até mesmo por SMS – tiveram seus empregos de volta.

Com o objetivo de ter um resultado mais detalhado da avaliação e das perspectivas para uma Universidade com Ações Afirmativas, recentement e a URFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) realizou o primeiro Encontro de Estudantes Negras, Negros, Indígenas, Cotistas e Quilombolas. O encontro durou três dias e contou com palestras, rodas de conversa, grupos de discussão e programação cultural, realizadas durante três dias na cidade de Cruz das Almas, na Bahia. As atividades tiveram como mote os importantes marcos regulatórios para a construção de políticas públicas de reparação e promoção da igualdade racial, como o julgamento de constitucionalidade das cotas e a sanção da lei 12.711/12 (Lei de Cotas). O tema central discutido durante este encontro foi como as ações afirmativas são vistas pelos universitários em suas particularidades e como um todo, além do papel dos estudantes como sujeito destas ações. Os espaços de debates foram divididos em mesas, GTs, rodas de diálogos, oficinas e performances artísticas, incluindo palestra e exposição do diretor-executivo da Raça Brasil, Mauricio Pestana.

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foto: revista da história da biblioteca nacional

O Senado Federal realizou no mês de março uma sessão especial em homenagem aos 30 Anos do CIDAN – Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro, instituição sem fins lucrativos com a missão de promover a inserção do artista negro no mercado de trabalho. Fundado em 1984 pela atriz Zezé Motta, o Cidan realiza cursos preparatórios para aqueles que desejam iniciar uma carreira profissional na área técnica ou artística, sendo pioneiro na criação de um catálogo de artistas do Brasil que não se viam representados nos setores da TV, cinema, publicidade e mídias diversas. O evento também marcou a homenagem ao 21 de Março, considerado pela ONU o Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial, e a comemoração do centenário de Abdias Nascimento. Na ocasião, estiveram presentes a presidente da República, Dilma Rousseff, o presidente do Senado, Renan Calheiros e a ministra da SEPPIR, Luiza Bairros.

O debate vivo da capoeira No dia 6 de abril foi realizado o Congresso Estadual de Capoeira de São Paulo, evento que é parte integrante e indissolúvel do III Congresso Nacional Unitário de Capoeira, que ocorrerá em agosto, também na capital paulista. O objetivo do encontro era debater as formas e mecanismos de inclusão da capoeira nas escolas e o PL32/09, que regulamenta a profissão de capoeirista. Ao longo dos anos a capoeira paulista foi vítima de preconceito por parte tanto de esportistas como pessoas que atuam na área cultural. Na Bahia, com o genial Mestre Bimba, a modalidade ganhou status de esporte, na década de 1930. Em São Paulo, ela foi trazida pelos baianos e rapidamente se massificou. A primeira Federação de Capoeira foi fundada na capital paulistana, e estima-se que existam só no estado cerca de 3.000 grupos e academias que mobilizam mais de um milhão de adeptos. O Congresso Estadual de Capoeira de São Paulo defendeu o reconhecimento da capoeira como esporte e a garantia de que sua prática seja determinada por uma política pública que atenda os interesses da comunidade. O objetivo é a criação de uma lei que garanta a quem quiser praticá-la, seja como esporte, dança, arte ou folclore, e que tenha o direito a condições básicas para isso, além de regulamentar a profissão de capoeirista e assim tirar da informalidade milhares de brasileiros que vivem da prática da modalidade e precisam ter suas situações legalizadas. WWW.RACABRASIL.COM.BR

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foto: arquivo pessoal

30 Anos do CIDAN

Seminário discute legado de

Clóvis Moura Há pouco mais de 10 anos falecia Clóvis Moura, um intelectual difícil de ser definido: historiador, fotógrafo, antropólogo, jornalista, poeta. O certo é que ele foi um dos principais estudiosos da situação e das lutas dos negros no Brasil, e mais do que teórico, foi um militante da causa emancipadora. Com o objetivo de homenagear este grande pensador, a fundação Maurício Grabois e a UNEGRO promoveram o Seminário “O pensamento radical de Clóvis Moura nos 10 anos de sua morte”, debatido no Centro Cultural São Paulo. Foram apresentadas no seminário duas dimensões da vida e obra de Clóvis Moura, discutindo sua grande contribuição para a compreensão do papel desempenhado pelos negros no processo de desenvolvimento da sociedade brasileira. O autor fez diversos textos e reflexões sobre as particularidades do racismo à brasileira, acobertadas pela ideologia da democracia racial que tem por raiz séculos de escravidão e opressão. As mesas contaram com importantes nomes do movimento negro e sociólogos especialistas sobre os temas abordados na obra de Clóvis Moura, como Kabengele Munanga, Sueli Carneiro Soraya Moura e Mauricio Pestana.

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Model: Atriz Aisha Jambo Look: Baobá Brasil Produção: Tenka Dara Make Up: Vê Carvalho Cabeleireira: Elisangela Dos Santos

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Stéphane Goanna Munnier com Gessica Justino e Tenka Dara clicados por Nicole Oliveira

Modelo: Gessica Justino

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O fotógrafo Steph é francês, mas mora no Rio de Janeiro, onde desenvolve um trabalho voltado à fotografia há mais de 10 anos. Steph veio para o Brasil em 2003 e logo se apaixonou pelas pessoas, país e cultura. Ao participar das manifestações populares, quase todas na cidade do Rio de Janeiro, ele experimentou de perto a beleza e a diversidade do povo, que por muitas vezes fica em segundo plano na correria do dia a dia. “Despretensiosamente, comecei a clicar minha realidade nesse novo lugar ao lado dos amigos, figuras da cultura popular, pessoas que direta ou indiretamente me rodeavam. Quando me dei conta, havia construído um trabalho íntimo, respeitoso e revelador, onde o processo de composição era o elo de confiança estabelecido entre o fotografado e eu.” entre os trabalhos de Steph no país, destacam-se eventos de cultura popular, shows de artistas negros ou de origem africana e ensaios de moda para a marca afro-urbana Baobá, com as modelos Gessica Justino e Aisha Jambo. A grife faz parte do Coletivo Baobá, grupo de criadores (designers, fotógrafos, modelos, produtores, estilistas) ligados à cultura e identidade negra. RAÇA BRASIL | 75

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painel

O pequeno Lula

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Model: Gessica Justino Look: Baobá Brasil Produção: Tenka Dara e Asumi Hiramoto Make Up: Vê Carvalho

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Model: Atriz Aisha Jambo Look: Baobá Brasil Produção: Tenka Dara Make Up: Vê Carvalho Cabeleireira: Elisangela Dos Santos

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Mestre Dionisio (Escola de mestre-sala e porta-bandeira)

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Mestre Marrom (Mestre de capoeira)

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ONDE ACHAR RAÇA é uma publicação mensal da EBR _ Empresa Brasil de Revistas Ltda. ISSN 1413-8085. A publicação não se responsabiliza por conceitos emitidos em artigos assinados ou por qualquer conteúdo publicitário e comercial, sendo esse último de inteira responsabilidade dos anunciantes.

www.racabrasil.com.br Ano XVIII - Edição 189 - abril/2014 Sandro Aloísio DIRETOR EDITORIAL PUBLICIDADE

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