MARMITA’S PLAYLIST DEVORE
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bom apetite!
MAR
Mita
1ª Edição • No Capricho • Junho 2016
QUENTINHA COM QUEM PREPARA MUITA MISTURA A MARMITA? Olá! Você tem em mãos a primeira edição da zine Marmita e é com muito prazer que lhe apresento essa nova peça do ambiente urbano! Sim, digo ambiente urbano porque a Marmita foi pensada para integrar a correria da cidade grande. O leitor encontrará nas páginas a seguir uma série de contos e pensamentos que transitam entre o literal, o lúdico e o surreal, condensadas nesse pequeno formato para que você esteja apto a carrega-lo para qualquer lugar bem como lê-lo nos ambientes mais hostis, como por exemplo, um ônibus ou trem lotado! Sendo assim, nada mais justo do que tratar nesse volume inicial o assunto das lotações e demais transportes públicos, que representam um papel importante no nosso cotidiano e que geram incontáveis histórias!
O grande segredo para a variedade de sabores desta Marmita está no fato de que ela é preparada por seis pessoas: Danilo, Douglas, Victor, Kimberly, Marcela e Nicolle, cada qual adicionando seu toque pessoal na receita. E com essa mistura de diferentes experiências construímos uma zine muito mais envolvente em seu conteúdo para que você se identifique ao menos com algumas das histórias aqui presentes!
sumário 6 MANADA 10 16 20 26 SE MOVA 29 CAFÉ
VICTOR ROSA No ponto! Pra você começar o dia!
VICTOR ROSA
PEQUENAS FELICIDADES DOUGLAS DIMAS
O PASSAGEIRO DE AMARELO DOUGLAS DIMAS
EU SABIA QUE ERA ELA
D. GEBER & N. FAVACHO
8 OLHAR 14 RELANCE 18 GUER23 REIRO DESERTOR 28
MAIS RÁPIDO D. GEBER & N. FAVACHO
MARCELA MOURA
NICOLLE FAVACHO
DANILO GEBER
DOUGLAS DIMAS
DANILO GEBER
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Os doUtores encontraram encontraram certa certa quantidade de sangue no cafĂŠ que corre em minhas veias 7
MAIS R Tudo Tudo oo que que ela ela quer quer éé que que eu eu chegue chegue e e mm meu meu limite; limite; AA sanidade sanidade nao nao pode pode se se extinguir; extinguir; OO suor suor há há de de evaporar evaporar sobre sobre meu meu corpo corpo quente; quente; Fervendo Fervendo da da pressao pressao do do trabalho; trabalho; Fervendo Fervendo com com aa pressao pressao do do stress; stress; Expele Expele de de ti ti isso isso tudo; tudo; AA velocidade velocidade éé um um monstro; monstro; Cresce Cresce se se alimentando alimentando da da energia energia do do meu meu movimento; movimento; Mais Mais rápido, rápido, ela ela diz; diz; Mais Mais rápido, rápido, ela ela implora; implora; Mais Mais rápido; rápido; MAIS MAIS RÁPIDO! RÁPIDO!
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RÁPIDO 9
MAN 10
NADA 11
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Abre os olhos... Já é hora. Se banha, se arruma, se apressa...
Agora!
Corre pra fila do rebanho mameluco, cafuzo... maluco, confuso. Se espreme no meio do sono, do stress, do abuso. Poe o mantra pra tocar no ouvido e faz uma reza. Se coloca no seu espaço de direito, comprado com suor da testa e do peito. Observa a impaciência da manada quando a carroça se move mais l e n Como quem acha que o tempo se move em funçao do salário que aumenta. Olha a chuva que tá pra cair mais tarde, sorrateira, sem alarde. Desejo que fosse uma chuva de amor, que é pra pegar de surpresa essa gente manchada de dor.
ta
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olhaa
Ele não consegue respirar. Aguardando o metrô chegar ao seu destino, entre diversos desconhecidos ele procura algum resquício de ar, quanto mais tenta respirar mais se sente sufocado. Preso, em uma prisão sem grades. O vagão não está lotado, a mesma quantidade de pessoas de sempre do fim do expediente. Estaria ele paranoico? Todos os dias são assim, mesmo se mudar seu caminho este sentimento pesado não irá passar. Mas ele precisa enfrentar isso algum dia, ignorar os olhares que o perseguem, o medem, o julgam e outros poucos olhares que são somente olhares curiosos.
Quem dera, pensava ele,
só houvessem os olhares curiosos.
Já tentou uma vez fazer seu caminho de cabeça baixa, sem olhar para o alto e se desencontrar com a realidade. Já tentou, mas o sufoco é pior, como alguém que estivesse gritando no fundo escuro do oceano e não fosse ouvido. A música é sua melhor amiga, ajuda para que sussurros não sejam ouvidos. Para que viva em seu próprio mundo de fantasia onde ele pode respirar livremente. Cada dia um repertório, das mais diversas intensidades. Mesmo com a música tentando lhe iludir, os olhares continuam ali, cercando a si todo dia enquanto aguarda o seu destino.
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PE peq fel FE
SENTOU! SENTOU! Ao lado da janela, Ao lado da janela AquelaSENTOU! em que a luz sol do sol que a luzso AoAquela lado daem janela, (insuportavelmente quente) Aquela em que a luz doquente) sol, (insuportavelmente não está batendo. (insuportavelmente quente), até o destino, paradas nãoDez está batendo. não está batendo. mas aindaaté temo tempo Dez paradas destino,de sobra. Dez paradas o destino, Dia f toaté fei de pequenas ffelicidades. felicidade s. feito mas ainda tem tempo de sobra. Dia feito de pequenas felicidades. mas ainda tem tempo de sobra. Dia feito de pequenas felicidades.
EQUENAS quenas licidades ELICIDADES 17
RELANC 18
Junho. Quarta-feira. 22h da noite. Ela voltava pra casa depois de um longo dia de trabalho e hora extra. Não conseguiu um lugar para sentar. Foi em pé, encostada na parede do trem. Em seus fones tocavam uma música qualquer, escolhida pelo aleatório da playlist do seu celular. O ar condicionado estava mais frio do que de costume. Dessa vez seu livro ficou intocado em sua mochila bem ao lado de sua marmita vazia. Nada parecia interessante o suficiente para prender a sua atenção naquela noite. Próxima estação. Um homem entra gesticulando e falando consigo mesmo. Em seguida, na porta seguinte, um rapaz esbelto cantando alto a música que está em sua cabeça. A loucura da cidade toma conta das pessoas de maneiras diversas e cada vez mais absurdas. Enquanto esses pensamentos tomavam conta de sua mente, um músico adentrou com seu violão e começou com um arpejo suave que ficava cada vez mais intenso com o passar do tempo. Ela observou a situação com indiferença. Só queria que essas portas fechassem logo para que nenhum outro personagem estranho dessa cidade entrasse no vagão. O sinal toca. As portas estão quase fechando.
CE
Subitamente um vulto passa pelas portas semicerradas. Seu rápido movimento deixou para trás seu perfume suave. A pessoa para ofegante no meio do vagão e o trem começa a andar. É uma garota. Não muito alta, nem muito baixa. Cabelo aparado na nuca, franja acima das sobrancelhas expressivas, piercing no septo, tatuagem de flores no braço e um olhar que penetrou a nossa protagonista de uma maneira que jamais acontecera antes. O tempo parou no momento em que elas se olharam. Os ruídos minguaram e parecia que até mesmo o louco que discutia consigo mesmo parou em reverência àquele flerte mágico, momento esse que acontece a cada quatro luas cheias e atinge apenas duas pessoas de cada vez. These Foolish Things começou a tocar. O aleatório nunca fora tão certeiro. Próxima estação. Ela teve que ir… mas aqueles olhos de cigana a seguiram até que as portas voltassem a se fechar. É engraçado quantas histórias podem acabar em apenas alguns segundos. Essa estava apenas começando.
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O Pa ficou de pĂŠ
ao fundo do vagao
sempre olhando
em minha direçao
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de ama
assageiro Começou no metrô. O rapaz estranho entrou logo depois de mim quando as portas já estavam se fechando. Ficou de pé ao fundo do vagão sempre olhando em minha direção. Alto, o rosto pálido era quase uma máscara de gesso, segurava um livro que nunca folheava, mas o que mais chamava atenção eram suas roupas, trapos de um amarelo muito intenso. E eu era a única que parecia nota-lo. Mas estávamos na estação Liberdade, no mesmo vagão tinha mais uns dois ou três garotos fantasiados e era assim que o pessoal se divertia por ali, a diversidade é uma coisa boa, e era uma das qualidades que me fazia amar São Paulo. Mas então vieram as baldeações, linha vermelha do metrô, linha rubi da CPTM e em cada uma dessas paradas, bem atrás de mim, lá estava o passageiro de amarelo e sempre entrava no mesmo vagão que eu. Claro, tentei despistá-lo, desci algumas estações antes do meu ponto final, esperei alguns minutos e peguei outro trem, só para reencontrar com “meu perseguidor” uma estação á frente, rosto imutável, livro em mãos, aguardando o novo embarque. Aquilo não era coincidência eu estava sendo seguida, eu devia falar com alguém. Aonde se escondem esses seguranças quando precisamos deles? Eu realmente devia falar com alguém, qualquer um. Não o fiz!
arelo
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O ser não fazia nada além de me olhar, seguia com os olhos e até torcia o pescoço se necessário fosse, primeiro se manteve a distância, mas a cada troca de condução se aproximava um pouco mais. Ao sair do trem, corri o mais rápido que pude para o ponto de ônibus e alcancei um que já estava para partir. Nem olhei para onde ia, só queria me ver longe dali, daquele indivíduo. O ônibus estava lotado, mas não achei ruim dessa vez, com esforço passei pela catraca e me posicionei entre um grupo de pessoas que provavelmente voltavam do trabalho para casa e se acotovelavam em busca de maior espaço. Minutos depois, o ônibus freia abre as portas e a maioria dos passageiros desce. À medida que o ônibus se esvazia sinto um olhar me perscrutando. Ele estava logo a minha frente e eu não o vi, com todo o seu tamanho e roupas espalhafatosas ele conseguiu esconder sua presença, mas eu já estava farta, ia enlouquecer se não fizesse nada, enchi os pulmões de ar e fui tirar satisfações.
ele estava
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logo a minha frente
e eu nao o vi
Mil ofensas morreram em minha garganta quando o Estranho, seguindo o fluxo desceu do ônibus também. Uma eternidade parecia haver se passado e então o ônibus retomou a jornada. Voltei a mim e sentei em um dos bancos que haviam liberado e só então percebi em minhas mãos o livro que em outra ocasião estivera com o passageiro de amarelo.
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GUER23
Enquanto os ônibus seguem rapidamente através do corredor expresso que cortam as principais vias da cidade a única coisa que te importa é o mundo de letras que segura em suas mãos. O vento sopra conforme os veículos passam e o sinal luminoso alerta que o próximo a caminho é o seu. Levanta a mão em sinal para que o motorista pare, as portas se abrem e você se vê entrando em uma caverna estreita. Ainda com espaço suficiente para passar, você usa de caminhos sinuosos, molhados e por vezes com cheiros insuportáveis para ir cada vez mais ao fundo. De repente um tremor abala e eis que surgem pessoas lhe empurrando. Mas logo a caverna volta. Uma clareira em meio as rochas, o caminho se abre, um alivio repentino para o sufoco que lhe deixava claustrofóbico é notado, porém, dura apenas alguns segundos, logo as paredes se fecham novamente.
A VIAGEM CONTINUA DENTRO DA ESCURIDAO DA CAVERNA. A luz que incide no ponto exato ilumina a armadura e o ajuda a avançar mais facilmente por essa jornada. Em certos momentos, parado entre as rochas ouve vozes, conversas de pessoas que muitas vezes não significam nada para você e outras que premeditam um novo foco radiante no breu. Outro tremor, mas dessa vez um senhor cai no chão, uma pilha de rochas a ajuda a se levantar. A saída esta próxima, o sol bate e as rochas caindo nos levam para fora, o molhado vira suor e as rochas pessoas... ...cheguei ao meu destino.
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eu sabia que era ela “‘O jantar estava ótimo’, ela dizia. A chuva caia há alguns minutos. A cidade inteira já estava molhada, mas quem liga para isso quando se tem uma companhia que emana calor de si? As luzes na cidade iluminavam o caminho de volta pra casa e apesar do vento gelado que nos cercava nesse fim de noite nada disso importava. O braço dela quente junto ao meu. Nossos sobretudos nos defendiam da chuva e do vento. Tudo o que importava mesmo era o calor que vinha dela. Seus olhos tão grandes de encontro ao meu. Castanhos. Seu cabelo preto e sua pele morena... Tudo nela era lindo demais! E sua voz... Ah! A sua voz! Era como se estivéssemos conversando através de música, uma linda melodia.
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Um jazz tocava ao fundo em um bar próximo a nós. O piano e o saxofone em uma sincronia incrível guiavam nosso caminho.
Seus lábios me hipnotizavam e o jeito que seus olhos sorriam quando ela sorria, timidamente, de uma maneira que me cativava, me elevaram a tal ponto que eu não percebi o tempo passar. Poderia ficar ali por horas. Chegamos a casa dela. Teria que deixá-la ali, mas eu não quero. Não quero perder aquele calor. Não quero perder aquela mulher. Despedida. Ficamos cara a cara, sinto a respiração quente dela perto do meu rosto. O jazz acelera atrás de nós, a música ganha corpo e chega em seu clímax, como se soubessem o que ia acontecer. Era molhado, mas ao contrário da chuva gelada que caía sobre nós, era quente. Seu sabor, seu cheiro, seu toque... Meus sentidos se aguçaram. Não sentia mais nada além dela. O mundo ficou vazio e tudo o que sobrara fora o som abafado do jazz e da chuva,
enquanto dentro de mim e em meio aquele beijo... Todos os sentidos explodindo! É ela, eu sabia que era. Sim! COM CERTEZA é ela.” Bati minha cara no banco da frente. O ônibus para bruscamente e eu acordo do meu devaneio. A chuva bate forte contra a janela e o frio invade o veículo, mesmo com todas as janelas fechadas. Mas volto meus olhos para a janela novamente, e ela ainda está lá. Decido descer naquele ponto e oferecer meu guarda-chuva a ela. Uma banda de jazz tocava em frente ao Conjunto Nacional. Seus olhos encontram os meus. Castanhos. Ofereço o guardachuva e a companhia, e ela sorri da mesma maneira que em meu devaneio, colocando uma mecha de cabelo úmido atrás da orelha. Eu conseguia sentir o calor que emanava dela. Era ela. Eu sabia que era ela.
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Hojedecidi decidifugir, fugir, Hoje Desistirda dabatalha. batalha. Desistir inimigoinsiste insiste em em O Oinimigo nossacontenda, contenda, nossa Proferecoisas coisas obscenas, obscenas, Profere Tentame mearrastar arrastar Tenta de volta a arena. de volta a arena. Mas jรก estou longe! Mas jรก estou longe!
desertor desertor 28
S
SE MOVA A CIDADE SE MOVE
F
L
U
I
COMO UM RIO CORTA FLORESTAS
AS RUAS CORTAM A CIDADE
L I G E I R O
NO SUBTERRÂNEO . SEGUE TEU CAMINHO
S I L Ê N C I O
O ÚLTIMO TREM SE MOVE MAIS NINGUÉM NAS RUAS MESMO ASSIM A CIDADE SE MOVE
AS LUZES SE MOVEM . TUDO SE MOVE
MENOS MENOSVOCÊ VOCÊ
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!etitepa mob BUUUURP!
Projeto gráfico por Danilo Geber, Douglas Dimas, João Victor Rosa, Kimberly Oliveira, Marcela Moura e Nicolle Favacho, utilizando as fontes tipográficas Effra (corpo de texto) e Benito (títulos). Impresso sobre papel reciclato 120g/m2 , em São Paulo na Alpha Graphics Marmita - Mistura & Cultura, 2016.
! NO ISSU ERNOSSA OVED MARMITINHA TSILYALP S’A TIM RAM
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