Trabalho de Conclusão de Curso
Características vocais e de comunicação de jornalistas em diferentes etapas da carreira Danilo de Albuquerque Rodrigues Orientacão: Profª Drª Katia Nemr São Paulo - 23 de novembro de 2018
Uma carreira duradoura Jornalistas da mĂdia falada sĂŁo profissionais cuja carreira tende a ser mais longa que a de outros profissionais, como professores e advogados.
Cid Moreira, 1967 TV Excelsior 40 anos
Cid Moreira, 2015 TV Globo 88 anos
William Bonner, 1986 TV Bandeirantes 22 anos
William Bonner, 2018 TV Globo 54 anos
Idade = Credibilidade? Boa parte dos jornalistas de destaque na TV brasileira tĂŞm mais de 60 anos:
Ricardo Boechat Band 66 anos 48 de carreira Na TV desde 1994
Carlos Nascimento SBT 63 anos 45 de carreira Na TV desde 1977
Losada, 2007; Fechine, 2008; Porcello e Ramos, 2012
Celso Freitas Record 65 anos 47 de carreira Na TV desde 1972
Rodolpho Gamberini Gazeta 65 anos 44 de carreira Na TV desde 1979
Boris Casoy Rede TV 77 anos 62 de carreira Na TV desde 1988
Efeitos do envelhecimento na voz: ossificação e calcificação das cartilagens laríngeas, atrofia das PPVV, edema, tensão laríngea, irregularidade de vibração das PPVV, fora poluição, doenças associadas... Os jornalistas de TV e rádio ainda sofrem com más condições de trabalho e estresse EXPRESSIVIDADE boa utilização dos recursos vocais e não-verbais adequados
AGRADABILIDADE impressão da voz ao ouvinte: qualidade vocal + expressividade + contexto
Escassa literatura sobre o assunto! (há sobre professores, cantores...) Honjo e Isshiki, 1980; Decoster e Debruyne, 2000; Coelho, 2005; Panico, 2005; Gampel, 2006; Pontes, Yamasaki, Behlau, 2006; Gampel e Ferreira, 2017; Kost e Sataloff, 2018; Gois, Pernambuco, Lima, 2018
Objetivo Comparar amostras de voz de jornalistas profissionais da voz falada em dois momentos: no início da carreira e na terceira idade em relação ao grau geral de desvio vocal, ao uso de recursos vocais e recursos não-verbais, à expressividade e à agradabilidade das vozes.
MĂŠtodos Estudo transversal observacional, comparando amostras de voz de 20 jornalistas profissionais do sexo masculino em diferentes momentos da carreira. Um quando a idade era inferior a 60 anos (M1) e outro com a idade atual, acima de 60 anos (M2), com diferença mĂnima de 25 anos entre os dois momentos:
40 amostras de fala com 20 segundos cada
Áudios aleatorizados e avaliados por 9 juízes do LIF-Voz
Primeira reprodução avaliou expressividade
Segunda reprodução avaliou agradabilidade
Protocolo de expressividade (Feijó, 2003, adaptado) Recursos vocais: tipo de voz predominante, ataque vocal, loudness, pitch, ressonância, articulação, velocidade de fala e coordenação pneumofonoarticulatória
Recursos não-verbais: ênfases, pausas ritmo e variações de loudness e pitch
O grau de desvio vocal foi definido pela escala CAPE-V. A divisão entre “adequado” e “alterado” baseou-se em Yamasaki et al (2017).
GRAU GERAL (G)
Alteração moderada a intensa 50,6 e 90,5
GNA: abaixo de 35,5
GA: acima de 35,5
Alteração Intensa Acima de 90,5
Alteração leve a moderada 35,6 e 50,5
GA Behlau 2004; Nemr et al, 2016; Yamasaki et al., 2017
Análise estatística: descritiva e inferencial Comparação entre M1 e M2: grau de desvio vocal avaliação de recursos vocais avaliação de recursos não-verbais agradabilidade e expressividade Testes estatísticos: McNemar / Binomial T-independente / T-pareado p≤0,05
Resultados
Análise descritiva
Todos ainda atuantes em rádio e/ou TV. Apenas um atua exclusivamente no rádio
Idade em M2 variou de 61 a 89 anos Média 73,7 anos
Idade em M1 variou de 27 a 55 anos Média 38,6 anos
AMOSTRA 20 jornalistas
Análise perceptivo-auditiva: diferença entre M1 e M2, com maior presença de alteração vocal em M2 (p=0,002)
RECURSOS VOCAIS Aspecto analisado
Valor de p
Tipo de voz predominante
0,006*
Ataque vocal
0,012*
Loudness
0,004*
Pitch
0,050*
Ressonância
0,109
Articulação
0,006*
Velocidade de fala
0,727
Coord. pneumofonoarticulatória
0,039*
RECURSOS NÃO-VERBAIS: Aspecto analisado
Valor de p
Ênfases
1,000
Pausas
0,625
Ritmo
0,687
Variações de loudness/pitch
1,000
Julgamentos de agradabilidade e expressividade Parâmetro
Valor de p
Agradabilidade (M1 x M2)
0,253
Expressividade (M1 x M2)
0,090
CORRELAÇÕES ENTRE GRAU DE DESVIO VOCAL, AGRADABILIDADE E EXPRESSIVIDADE CAPE M1
agradabilidade M1
expressividade M1
Coeficiente de correlação
CAPE M2
agradabilidade M1
agradabilidade M2
-0,311
Coeficiente de correlação
-0,571
Sig. (p)
0,182
Sig. (p)
0,009
N
20
N
20
Coeficiente de correlação
-0,351
0,481*
expressividade M2
Coeficiente de correlação
agradabilidade M2
-0,582
0,832*
Sig. (p)
0,130
0,032
Sig. (p)
0,007
0,000
N
20
20
N
20
20
Discussão
Achados: Pitch agudizado Loudness reduzida compatĂveis com presbifonia Velocidade de fala mantida MĂŠdia de idade? Variante linguĂstica?
Agravamento de pitch Edema de Reinke?
Behlau et al, 2001; Baken, 2005; Andrade e Martins, 2010; Johns MM et al, 2011; Santos e Santana, 2016; Kost e Sataloff, 2018
E o que não mudou? NOVO AJUSTE eficiência comunicativa, adaptação à perda de qualidade vocal
José Luís Datena, 1983
Marcelo Rezende, 1999
CRIAÇÃO DE ESTILO como marca pessoal, adequada ao formato do programa
José Luís Datena, 2018
Marcelo Rezende, 2014
Vozes com maior grau de desvio vocal foram consideradas menos agradáveis e expressivas: comorbidades?
Salomão Schwartzman, M1 Grau 56 Média 2,6 em agradabilidade Média 2,5 em expressividade
Salomão Schwartzman, M2 Grau 71 Média 2 em agradabilidade Média 2,1 em expressividade
Carlos Nascimento, M1 Grau 24 Média 2,5 em agradabilidade Média 3,5 em expressividade
Carlos Nascimento, M2 Grau 59 Média 2,7 em agradabilidade Média 2,8 em expressividade
IMPORTANTE: 80% dos jornalistas analisados têm assessoria fonoaudiológica! Fonoterapia tem efeito na expressividade e na qualidade vocal de repórteres (Rodero et al, 2018) Decoster e Deberuyne, 2000; Cotes, 2005; Gampel, Karsch e Ferreira, 2008; Kyrillos, 2012; Gampel e Ferreira, 2017; Rodero, Diaz-Rodriguez e Larrea, 2018;
O “velho” e o “novo” telejornalismo M1: décadas de 70 e 80; padrão mais formal em voz e gestos
Léo Batista, 18/11/1978
Assessoria fonoaudiológica incipiente em M1 origens “rrrrr”adiofônicas
Léo Batista, 05/10/2013
M2: tendências atuais do telejornalismo, TV menos formal; (tanto no estúdio quanto na rua) O formato mais livre pode ter compensado as mudanças da idade Jung, 2005; Moreira, 2010
Profissionais de elite: “A cara” das emissoras
Celso Freitas, 23 anos, 08/10/1977
Amplamente experimentados: o “fator experiência” como diferencial
Celso Freitas, Programa do Porchat, 26/12/2016
Limitações: amostras colhidas indiretamente, Heterogeneidade de amostras
Desdobramentos: colher amostras diretamente; aplicar anamnese com verificação de comorbidades Kyrillos, 2012;
ConclusĂŁo
Podemos concluir que na terceira idade houve alterações vocais em relação ao início da carreira, especialmente em relação à alteração da voz, loudness, pitch, articulação e coordenação pneumofonoarticulatória. Ainda assim, os jornalistas avaliados mantiveram as características não-verbais e de agradabilidade e expressividade ao longo da carreira; contudo, as vozes com maior grau de desvio vocal são as que têm menor agradabilidade e expressividade.
Agradecimentos
Agradeço, primeiramente, ao apoio irrestrito de meus pais nessa minha "aventura" de mudar de profissão. Sem o apoio deles, nada teria sido possível. Em especial, a meu pai, por ter diagramado essa apresentação com tanto profissionalismo. Agradeço a minha amada Ana Luisa, por todo amor, carinho e incentivo. Agradeço às fonoaudiólogas Márcia Molinari Caroprezo e Leny Kyrillos, por plantarem, respectivamente, no então paciente e no então aluno de Jornalismo a semente do fonoaudiólogo que agora me torno. Agradeço a todos os amigos que fiz nestes cinco anos de graduação, entre colegas, supervisores e professores, por toda a amizade neste período. Em especial, minhas queridas Gabi, Evelyn e Ariana. Agradeço aos colegas que dispuseram uma parte do seu tempo para julgar as vozes que analisamos aqui. Agradeço à professora Katia Nemr pela transmissão de conhecimento e pela orientação dada não apenas neste trabalho, mas durante toda a graduação. Agradeço à Marcia Simões-Zenari por ser uma "fonoaudióloga experiente com alta confiabilidade intra-juiz" tão querida e solícita comigo - e por ter me ajudado a chegar na ideia que resultou neste trabalho. E, finalmente, agradeço às fonoaudiólogas Flavia Viegas e Viviane Barrichelo pela gentileza de comporem a minha banca examinadora.
ReferĂŞncias
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