A (DES)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NA PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEA

Page 1

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PROPAGANDA E TURISMO

Danilo Teixeira Barbosa

A (DES)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NA PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEA

SÃO PAULO 2016


1

DANILO TEIXEIRA BARBOSA

A (DES)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NA PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda, pelo Curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Orientadora: Profa. Dra. Clotilde Perez

SÃO PAULO 2016


2

BARBOSA, Danilo Teixeira. A (des)construção da identidade de gênero na publicidade contemporânea. / Danilo Teixeira Barbosa – São Paulo, 2016. 69 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Orientadora: Profa. Dra. Clotilde Perez. 1. Gênero. 2. Identidade. 3. Cultura. 4. Publicidade.


3

DANILO TEIXEIRA BARBOSA

A (DES)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NA PUBLICIDADE CONTEMPORÂNEA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda, pelo Curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Orientadora: Profa. Dra. Clotilde Perez

Data de aprovação: ___/___/____

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________________________________________ Presidente e Orientador

___________________________________________________________________________ Membro Titular

___________________________________________________________________________ Membro Titular Local: Universidade de São Paulo – Escola de Comunicações e Artes


4

Para todos aqueles que lutam diariamente pelo direito de amar. E para que eu nunca desista dessa luta.


5

AGRADECIMENTOS

Em ordem cronológica, agradeço primeira e eternamente aos meus pais, Aroldo e Gecilda, pelo apoio incondicional. Pela torcida, pela confiança e por acreditarem no meu sonho. A minha mãe, especialmente, por acordar todos os dias às 6h da manhã para preparar o café da manhã e me levar até o colégio ou até a rodoviária para que eu pudesse chegar ao cursinho. O carinho, o cuidado e amor de vocês foram – e ainda são – fundamentais. Obrigado! À Maria Estela e Aline, por me abrirem os olhos e mostrarem, de mãos dadas comigo, o caminho até a Universidade. Por todos os dias, durante quatro anos, de companheirismo, cumplicidade, amor e incontáveis horas de estudos. Saibam que foram vocês que me fizeram acreditar que, sim, eu era capaz. Sem vocês eu não teria tido forças para chegar na melhor Universidade do Brasil. À Estela, especialmente, por dividir um ano (e um quarto) inteiro comigo. As risadas, o apoio e o carinho serão inesquecíveis. A vocês duas: obrigado! O lugar de vocês no meu coração será para sempre intacto. À Laysa Capoville, por ter gentilmente me recebido em São Paulo no começo da minha jornada e por ter batido muita perna comigo na busca do meu primeiro cantinho nessa grande cidade. Além disso, por ter se tornado minha referência de vida e de pessoa em infinitos aspectos. Pela coragem de ser quem você é e por me ensinar que eu também posso ser quem eu quiser. À ECA, escola da minha vida, meu amor! Por me receber de braços abertos e por me mostrar que existe um mundo de respeito, diversidade e amor sem rótulos. Às incontáveis aventuras, festas, aprendizados e, mais importante de tudo, aos amigos maravilhosos que eu conheci e que levo com muito carinho para minha vida. Aos PPNOTs11, Julia, Isa, Zé, Stefanie, Cassi... E, ainda, por me dar a oportunidade de viver, por 7 meses, em um país que só me trouxe felicidades e amores. Aos professores que fizeram a diferença durante esses quase 6 anos. Eneus, Leleba, Dorinho, Carrascoza, Roseli, Luli, Romanini e especialmente à Clotilde, por ter me dado a honra de ser minha orientadora durante essa reta final: muito obrigado! Nesse sentido, agradeço à ECA Jr., principalmente por me fazer ficar. Por me envolver. Todos os dias, durante 14 meses. Por me dar uma família linda que não só é composta pelos meus irmãos de gestão, mas também por cada membro que um dia já passou – ou ainda vai passar – pela salinha 2 do CRP. Ao Cauê, Denis, Re, Eros, Miguel, Tati, Dods, Karen, Caio,


6

Tom, Eloah, Rodrigo, Nati, Giulia, Olivia, Karina, Jean... Obrigado! Essa com certeza será uma das minhas melhores memórias. Um adendo especial: Bya, obrigado por me inspirar a fazer esse TCC. Assistir você defendendo o seu trabalho iluminou o meu caminho no meio de todas as discussões sobre gênero. E por favor, continue me inspirando. À Moni, por ser desde o primeiro dia de ECA minha grande e verdadeira amiga. Pelos conselhos, pelas voltas pra casa até a Vila Indiana, e principalmente por ser a minha força idealista e sonhadora. Não teria conseguido sem você! À Tati Brites, por ser meu espelho e reflexo. Pelas horas de conversa e de profundo entendimento sobre a vida, sobre nós e sobre quem queremos ser. Por me acalmar, me ouvir e me conhecer como provavelmente ninguém conhece. Obrigado! Ao Arrais, Luca e André, por terem pacientemente passado uma tarde comigo discutindo sobre os caminhos do meu TCC, me dando ideias e clareando os meus pensamentos sobre como eu seguiria com o trabalho. Nesse contexto, ao Leo, Arlindo, Luiz, Regininha, Digo, que estiveram, ainda que inconscientemente, comigo durante todo esse processo de TCC. Obrigado pela paciência e desculpem pela ausência. Acabou e agora sou inteiro de vocês! Especialmente ao Arrais, por representar nesses últimos dois anos uma força constante de inspiração e amizade. Por todos os dias que eu cheguei triste em casa e tinha você pra me receber com um abraço apertado. Você foi – e é – fundamental na minha vida. Obrigado! Ao Neto, que carinhosamente se ofereceu para fazer a capa desse trabalho e mostrar, por meio de cores e vida o que esse tema representa pra mim. Muito obrigado! Ao Diego, por ter me recusado em uma das minhas primeiras entrevistas de emprego e, estranhamente, por ter se tornado umas das melhores pessoas que eu tenho na minha vida. Por ser meu irmão gêmeo mais velho. Pelas risadas e loucuras. E pela inspiração constante. Quero ser igual a você quando eu crescer! Ao Pedro Nicolau, por me mostrar nesse último ano o que é ser amigo com todas as letras. Pelos momentos felizes, pelo carinho e colo quando eu mais precisei. Pelas ligações diárias, muitas vezes “só” pra me dar um “oi”. Por ser você e por você estar na minha vida. Ao Bruno Pompeu, que de professor se tornou um grande amigo. Pelas conversas, pela inspiração e por ter me ajudado tanto e com todo o carinho do mundo durante esses últimos 8 meses. Serei eternamente grato. Foi uma caminhada inesquecível e deliciosa.


7


8

“Os gêneros não podem ser verdadeiros nem falsos, reais nem aparentes, originais nem derivados. Como portadores críveis desses atributos, contudo, eles também podem se tornar completa e radicalmente incríveis.” (Judith Butler)


9

RESUMO O presente trabalho tem por objetivo discutir e analisar as relações entre identidade de gênero e a publicidade como poderosa estratégia de construção de significados culturais na sociedade contemporânea. Por meio de uma revisão bibliográfica que aborda o binarismo de gênero, instituições legitimadoras de um sistema heterossexual compulsório e a generificação de objetos de consumo, entenderemos o papel da publicidade na cultura social brasileira, apresentando uma discussão e análise de casos de conteúdos publicitários reais e atuais que estão diretamente relacionados às questões de gênero. A pesquisa integrou a reflexão teórica e a análise de manifestações publicitárias de marcas representativas dos maiores investimentos em mídia do país. Com isso, foi possível concluir que a publicidade tem papel de construtora dos valores sociais, e não somente um reflexo da sociedade. As limitações da pesquisa são aqueles inerentes aos métodos empregados. Palavras-chave: Gênero. Identidade. Cultura. Publicidade.


10

ABSTRACT

This work aims to discuss and analyze the relationship between gender identity and advertising as a powerful building strategy of cultural meanings in contemporary society. Through a bibliographic review that addresses the binary of genders, the institutions legitimacy regarding a compulsory heterosexual system and the gendering of consumption, we will understand the role of advertising in the Brazilian social culture, with a discussion and analysis of cases of current advertising content that are directly related to the gender issue. The research was part of the theoretical reflection and analysis of advertising demonstrations representing the biggest brands investments in media in the country. Thus, it was possible to conclude that advertising has a role in the social values construction, and not just a reflection of the society. The limitations of the research are those inherent in the methods employed. Keywords: Gender. Identity. Culture. Advertising.


11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 1. DISCUSSÕES SOBRE GÊNERO .................................................................................... 15 1.1. Identidades descentradas na modernidade tardia .................................................... 15 1.2. “É menina ou menino?” – Sobre quadros regulatórios e a heterossexualidade compulsória ......................................................................................................................... 19 1.3. Herculine e a não-binaridade na modernidade tardia ............................................. 24 2. PUBLICIDADE E SIGNIFICADOS CULTURAIS ........................................................ 30 2.1. Breve introdução à revolução do consumo ............................................................... 30 2.2. Cultura e consumo: significados e representações ................................................... 33 2.3. O papel da publicidade na transferência de significados culturais ........................ 35 3. PUBLICIDADE & GÊNERO: ANÁLISE DE CASOS................................................... 41 3.1. Análise das três marcas com maior investimento em publicidade.......................... 41 3.1.1. Cerveja Skol .......................................................................................................... 42 3.1.2. Desodorante Rexona ............................................................................................. 47 3.1.3. Alvejante Vanish ................................................................................................... 52 3.2. Marcas que estão quebrando os padrões binários de gênero .................................. 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 67


12

INTRODUÇÃO

“We’re born naked and the rest is drag”. Em tradução livre: nós nascemos pelados e o resto é drag. É com essa frase, famosa por ter se tornado um jargão contada por RuPaul’s, uma das maiores drag queens da atualidade, conhecida por seu reality show chamado de “RuPaul’s Drag Race” que iniciamos o presente trabalho. A frase, que faz alusão a uma brincadeira feita pelo apresentador do programa, de que todos nós podemos nos transformar em drag queens, ou seja, que podemos brincar com o nosso gênero e nos apropriarmos de uma identidade que não é a que nos foi obrigada pelos padrões sociais, reflete um momento importante da nossa cultura atual: vivemos em um momento de quebras. Especificamente, para esse trabalho, trataremos da quebra da coerência heterossexual normativa, amplamente difundida e legitimada com o passar dos anos por todas as instituições que têm por função primária regulamentar a vida em sociedade. As famílias, cada vez menos padronizadas, compostas exclusivamente por casais heterossexuais “homem e mulher”, dão espaço para famílias cada vez mais plurais, compostas por pessoas – independente do gênero – que assumem um compromisso de compor um lar. Os casais, nesse sentido, também extrapolam a heterossexualidade: estamos falando de casais homossexuais, bissexuais, e, em alguns muitos casos, de casais compostos por mais de duas pessoas, ou por relacionamentos livres, em que a norma monogâmica também já não se aplica mais. Estamos falando, de forma ampla, de uma identidade e sexualidade cada vez mais fluidas, de gêneros compostos por muitas variáveis que fogem ao padrão binário masculino versus feminino. De sujeitos nascidos biologicamente masculinos que se vestem no dia-a-dia com roupas reconhecidamente produzidas para mulheres e que, ainda assim, continuam heterossexuais. E vice-versa. Ou todas essas opções juntas e misturadas: sexualidade, identidade e gênero. E por falar em pessoas, que estão no presente momento lidando com uma série de questionamentos e sentimentos acerca de suas sexualidades, identidades e jeitos de ser, automaticamente estamos falando de um novo jeito de olhar para esse grupo enquanto consumidores de bens, serviços e produtos. Já não é mais possível acreditar que para criar uma boa propaganda só é necessário dividir uma população inteira entre homens ou mulheres. Estamos aprendendo que entre essas duas esferas existe um mundo de possibilidades, que, além de se sobreporem, estão cada vez mais buscando extrapolar os limites das próprias definições do que são “homens” e “mulheres” como entendemos hoje. E se estamos falando de um novo


13

jeito de encarar a vida em sociedade quando se trata de gênero e sexualidade, precisamos falar de como a publicidade, enquanto ferramenta de difusão de mensagens e também de construtora de estilos de vida e significados culturais, principalmente no Brasil, está se movimentando para falar e representar esses sujeitos de identidade fluida, os multivíduos. (CANEVACCI, 2008). Nesse sentido, a metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica sobre os temas centrais da investigação, tais como identidade, gênero e sociabilidades, mas também análise documental de campanhas publicitárias que permitam o entendimento das estratégias e potencialidades culturais. Ou seja, queremos, por meio de uma cuidadosa análise, entender como os discursos das propagandas atuais se apropriam – ou não – na construção de uma sociedade cada vez mais diversa, composta por sujeitos de identidades múltiplas e de sexualidades fluidas. Para isso, em um primeiro momento, iremos fazer uma revisão bibliográfica com maior profundidade no que tange às questões de gênero propriamente ditas, e como elas se manifestam na identidade de cada indivíduo. Mais do que isso, entenderemos também as mecânicas de legitimação da sociedade como a conhecemos hoje, ou seja, que possui um padrão normativo heterossexual. A ideia é que, durante essa análise, consigamos visualizar com exemplos reais como as identidades de gênero têm se manifestado em sociedade. Em um segundo momento, olharemos com mais detalhes o papel da publicidade em nossa cultura, e de como ela tem se tornado uma ferramenta indispensável na construção de significados culturais e de estilos de vida. Além disso, de como o consumo tem representado, com o passar dos anos, quem somos em um âmbito social, ou seja, em uma analogia de “somos o que consumimos”. Essa análise será fundamental para entendermos como o gênero, que também é um conceito construído culturalmente, se relaciona dentro desta perspectiva publicitária. E, ainda dentro desse capítulo, entenderemos também o poder de reverberação e da comunicação amplificada, que atinge milhares de pessoas com investimentos bilionários feitos por grandes empresas de bens de consumo da atualidade. Por fim, e com o intuito de criar uma correlação mais evidente entre as discussões de gênero e a publicidade, iremos analisar algumas campanhas publicitárias recentemente veiculadas, representando os três maiores anunciantes de mídia no Brasil. A ideia de escolher os três maiores anunciantes é a de criar uma relação direta entre: maior investimento em mídia que gera um maior alcance em todo o território nacional, atingindo um maior número de pessoas versus as mensagens que estas marcas de bens de consumo estão comunicando em suas propagandas. Dessa correlação, poderemos entender e gerar uma discussão mais acurada sobre como a publicidade tem colaborado para as construções de uma sociedade composta por


14

identidades de gênero fluidas. Em paralelo, escolhemos duas marcas, também de bens de consumo, que estão abertamente tratando do tema, com o intuito de criar uma comparação de discurso e de posicionamento versus as marcas de maior investimento. Pretendemos, com essa análise, gerar uma discussão que explore as diferentes perspectivas da publicidade sobre o tema de identidade de gênero. E é importante ressaltar que não temos como objetivo vilanizar a publicidade ou chegar a uma conclusão do que é certo ou errado. Pelo contrário: partiremos de uma discussão que nasce interdisciplinar, pois abrange as perspectivas antropológica e comunicacional, como reflexo do importante momento social para a nossa sociedade, e, sob essa perspectiva, analisaremos os conteúdos das publicidades das marcas escolhidas para este trabalho.


15

1. DISCUSSÕES SOBRE GÊNERO

Antes de darmos início a este capítulo, é importante relacionarmos alguns conceitos para o entendimento das discussões que virão a seguir. Em primeiro lugar, devemos entender que os conceitos de identidade, gênero, sexo biológico e sexualidade não são, de maneira nenhuma, equivalentes ou diretamente correlacionáveis. Pelo contrário: o intuito dessa discussão é justamente promover um maior entendimento a respeito de cada um deles e desconstruir alguns padrões normativos que muitas vezes são vistos como naturais ou imutáveis. E também, como a sociedade e as instituições que a regulam agem para manter ativo o que entenderemos no futuro por heteronormatividade compulsória. Definiremos, para essa análise, que identidade é como um sujeito se identifica enquanto pessoa no mundo, seja por meio de seu país de origem (exemplo: brasileiro), seja por meio de uma tribo específica, de sua profissão ou por meio de seu gênero, e teremos como principal teórico sobre esse assunto Stuart Hall (2005). Ao passo que gênero, para nós, deverá ser entendido como um ato performativo diferente de sexo biológico ou de sexualidade, ou seja, nascer com um aparelho reprodutor masculino não necessariamente significa que 1) o sujeito é automaticamente pertencente ao gênero masculino e, 2) que ele se sente atraído sexualmente apenas pelo sexo oposto – o mesmo se aplica ao sujeito portador de um aparelho reprodutor feminino. Nesse caso, Judith Butler (2015), Sara Salih (2015) e Pierre Bourdieu (2002) serão nossos representantes teóricos.

1.1. Identidades descentradas na modernidade tardia Daremos início a este subcapítulo discutindo as nuances da identidade, conceito fundamental para dar base ao que será exposto adiante no que diz respeito às questões de gênero. Para isso, como dito anteriormente, utilizaremos como base referencial Stuart Hall, que em seu livro “A identidade cultural na pós-modernidade” (2005), discute amplamente como o conceito de identidade tem se fragmentado em nossos dias, no que ele chama de modernidade tardia. Para Hall (2005, p.7), “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado”. Hall entende que o conceito de identidade pode ser dividido em três grandes momentos, divisão baseada no período histórico, social e cultural correspondente. Além disso, a


16

perspectiva de identidade é entendida por meio dos sujeitos, que são: o sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. Para essa discussão, especificamente, focaremos no último dos sujeitos, pois é a partir dele que as questões de gênero ganharão espaço enquanto tema essencial para o entendimento de sua identidade. Mas, para contextualizar a diferença entre os três sujeitos, podemos dizer que, em linhas gerais, para os dois primeiros (o Iluminista e o sociológico), a identidade representava um fato imutável, que passava a existir a partir do nascimento destes; essa identidade era perpetuada com o desenvolvimento deste indivíduo até o momento de sua morte, ou seja, permanecia a mesma, de maneira estável. Esse fato imutável é o que Hall (2005) chamou de “núcleo interior”, ou, em outras palavras, o eu interior, entendido como parte essencial da constituição do sujeito, a partir do seu nascimento. A diferença, entretanto, entre estes dois tipos de sujeito, reside em como se dá o desenvolvimento da identidade: para o Iluminista, o núcleo interior era autossuficiente e imutável durante toda a vida; para o sociológico, esse núcleo interior sofria modificações de acordo com as interações do sujeito com o mundo exterior; nesse caso, a identidade representava a ponte de conexão entre o núcleo interior e o mundo exterior. O que muda, quando pensamos no sujeito pós-moderno, é justamente essa imutabilidade da identidade, tornando-a não permanente e não estável ao longo do tempo. O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais ‘lá fora’ e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. (HALL, 2005, p. 12).

Essa mudança de paradigma, de uma identidade fixa e imutável para uma identidade fragmentada e não estável, tem sua origem, segundo Hall, no processo de globalização, em que as “sociedades da modernidade tardia” possuem uma visão, de certa forma, futurista, sempre olhando para frente, considerando o acesso rápido à informação e o deslocamento tanto do espaço-tempo, com o advento da tecnologia, como também do indivíduo, diferente das sociedades tradicionais, que, muitas vezes, ficavam presas olhando para os grandes feitos do passado. Segundo Anthony McCrew (apud HALL, 2005, p. 67-68) “a globalização implica um movimento de distanciamento da ideia sociológica clássica de ‘sociedade’ como um sistema delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço”. Essas sociedades tardias, na visão de Hall (2005, p. 17), “são caracterizadas pela ‘diferença’; elas são atravessadas por diferentes divisões e


17

antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes ‘posições do sujeito’ – isto é, identidades – para os indivíduos.”. Hall identifica cinco grandes movimentos que “descentralizam” o sujeito nesse processo de globalização, especialmente a partir da segunda metade do século XX. São eles, em ordem não-histórica: 1) a descentralização do pensamento marxista, conduzida por teóricos que estudaram a obra de Marx, 2) os pensamentos do linguista estrutural Ferdinand de Saussure, 3) a descoberta do inconsciente por Freud, 4) o trabalho de Michael Foucault, especialmente no que diz respeito à “genealogia do sujeito moderno” e, por fim, 5) o impacto do feminismo nas estruturas sociais e culturais da sociedade. Para essa análise, focaremos no entendimento dos três últimos movimentos, como segue abaixo. Começando por Freud, na perspectiva de Hall, A teoria de Freud de que nossas identidades, nossa sexualidade e a estrutura de nossos desejos são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, que funciona de acordo com uma ‘lógica’ muito diferente daquela da Razão, arrasa com o conceito do sujeito cognoscente e racional provido de uma identidade fixa e unificada – o ‘penso, logo existo’, do sujeito de Descartes. (HALL, 2005, p.36)

Segundo este conceito, a criança, durante sua fase de crescimento, desenvolve seu núcleo interior, conforme conceito apresentado por Hall (2005), a partir de complexas relações inconscientes durante os primeiros anos de vida. Essas relações são formadas pela construção de sentimentos contraditórios e não-resolvidos, termos utilizados por Lacan (apud HALL, 2005), como por exemplo, a negação de sua identidade masculina ou feminina nesse período de desenvolvimento. Essa complexidade de relações constrói a criança de forma fragmentada, ou seja, com o passar dos anos, os sentimentos da criança em relação ao outro e a si mesma vão se modificando; não existe, nesse conceito, um estado de plenitude ou estabilidade completa da identidade. Sob essa perspectiva, “a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento.” (HALL, 2005, p. 38). Quando olhamos para um outro aspecto do sujeito que não sua veia psicológica, e inconsciente, Michael Foucault desenvolve o que é chamado de “genealogia do sujeito moderno”, e o faz por meio da introdução de um movimento caracterizado por ele como o “poder disciplinar”, fruto das novas instituições que começaram a surgir no século XIX, e que tem como principais funções a regulação e manutenção da sociedade como um todo, como por exemplo, as escolas, os hospitais, prisões etc. Para Foucault, segundo Hall,


18

O objetivo do ‘poder disciplinar’ consiste em manter ‘as vidas, as atividades, o trabalho, as infelicidade e os prazeres do indivíduo’, assim como sua saúde física e moral, suas práticas sexuais e sua vida familiar, sob o estrito controle e disciplina, com base no poder dos regimes administrativos, do conhecimento especializado dos profissionais e no conhecimento fornecido pelas ‘disciplinas’ das Ciências Sociais. (HALL, 2005, p. 42).

Esse movimento, que pode ser entendido como uma descentralização do poder em diferentes instituições sociais e políticas, será fundamental para entendermos mais a fundo no futuro, o que Judith Butler (2015) irá chamar de “quadros regulatórios”. Por fim, o último dos grandes movimentos que abordaremos nesse estudo, será os efeitos do feminismo, enquanto movimento social que explodiu nos anos sessenta, para a descentralização e fragmentação dos pressupostos do “núcleo interior” estável e imutável do sujeito. Segundo Hall (2005, p. 46, grifo do autor) “o feminismo questionou a noção de que os homens e as mulheres eram parte da mesma identidade, a ‘Humanidade’, substituindo-a pela questão da diferença sexual.”. De forma ampla, o movimento feminista iniciou o debate que questionava todas as estruturas e normas relativas à vida social: a família, a divisão do trabalho, a sexualidade etc. Mais profundamente, o movimento intensificou o debate entre o público e o privado e a desigualdade de gênero, no que Bourdieu (2002) chamou de “a dominação masculina”, segundo a qual ao homem cabiam os deveres sociais relacionados ao trabalho público e à mulher, os cuidados do lar e da família, em um ambiente privado. Um dado importante para reforçar os estudos de Bourdieu, é que, conforme apresenta Miller (2016), em uma reportagem analisando os dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)1, as mulheres passam em média, no mundo todo, 4,5 horas por dia dedicadas ao trabalho doméstico, o que representa mais do que o dobro das horas gastas pelos homens. Como consequência, e fundamental para o entendimento das questões sobre gênero que veremos a seguir: Ele [o movimento feminista] também enfatizou, como uma questão política e social, o tema da forma como somos formados e produzidos como sujeitos generificados. Isto é, ele politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação (como homens/mulheres, mães/pais, filhos/filhas). Aquilo que começou como um movimento dirigido à contestação da posição social das mulheres expandiu-se para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero. (HALL, 2005, p. 45-46, grifo do autor).

1

Disponível em: <http://nytiw.folha.uol.com.br/#/folha/content/view/full/37750>. Acesso em: 22 de abril de 2016.


19

1.2. “É menina ou menino?” – Sobre quadros regulatórios e a heterossexualidade compulsória Segundo Judith Butler (2015, p. 33) o conceito de gênero pode ser definido como a “[...] estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de um quadro regulatório altamente rígido que se cristaliza ao longo do tempo para produzir a aparência de substância, de uma espécie de ser natural”. A partir dessa definição, e com o intuito de analisála da maneira mais ampla possível, dividi-la-emos em duas partes, que serão discutidas individualmente. Iniciaremos esta análise a partir da seguinte passagem: “no interior de um quadro regulatório altamente rígido, que se cristaliza ao longo do tempo para produzir a aparência de substância, de uma espécie de ser natural”. Quando Butler utiliza o termo “quadro regulatório” para contextualizar o conceito de gênero, devemos pensar em um regime regulatório definido pelo padrão da heterossexualidade normativa. Em outras palavras, um sistema social – até hoje dominante – que legitima apenas sujeitos que fazem parte dos chamados “gêneros inteligíveis”, que, por definição, “são aqueles que, em certo sentido, instituem e mantêm relações de coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática social e desejo” (BUTLER, 2015, p. 43). Ou seja, sujeitos que nasceram biologicamente machos e fêmeas, se identificam com os gêneros correspondentes de forma padrão e sentem-se atraídos pelo sexo oposto. Como vimos no subcapítulo anterior, Hall definiu como um dos grandes movimentos adjuntos da globalização, o conceito de “poder disciplinar”, teorizado por Foucalt. Com isso em mente, podemos entender qual a origem desse “quadro regulatório” a qual Butler se refere. Segundo Sara Salih (2015, p. 115), “Butler adota a conceptualização de Focault sobre o poder, vendo-o como indeterminado, múltiplo e disperso”. Essa multiplicidade do poder pode ser representada por diversos elementos, como vimos acima, e aqui adicionamos também o papel do Estado, da igreja, e até mesmo o tipo de conduta esperada dentro de um local de trabalho, por exemplo. Segundo Bourdieu (2002, p. 81), a manutenção e reprodução deste quadro regulatório “[...] esteve garantido, até época recente, por três instâncias principais, a Família, a Igreja e a Escola, que, objetivamente orquestradas, tinham em comum o fato de agirem sobre as estruturas inconscientes”. Não existe, de fato, um foco único de poder: pelo contrário, ele emana de diversas instituições. Nas palavras de Rubin (apud BUTLER, 2015): O ‘sistema de sexo/gênero’, o mecanismo cultural regulamentado de transformação de masculinos e femininos biológicos em gêneros distintos e hierarquizados, é, a um só tempo, comandado pelas instituições culturais (a família, as formas residuais da ‘troca de mulheres’, a heterossexualidade obrigatória) e inculcado pelas leis que


20

estruturam e impulsionam o desenvolvimento psíquico individual. (RUBIN apud BUTLER, 2015, p. 189).

E esse quadro regulatório começa a agir sobre o nosso corpo a partir do momento em que somos interpelados, por exemplo, por um médico, que, por meio de um ultrassom, ou até mesmo durante o parto, aponta-nos os dedos, nos categorizando como “menino” ou “menina”. Nesse momento, segundo Butler (apud SALIH, 2015, p. 109), “a nomeação [menino ou menina] é, ao mesmo tempo, o estabelecimento de uma fronteira e também a inculcação repetida de uma norma”. E é justamente nesse sentido que damos título a este subcapítulo, pois a pergunta que paira sob nossa existência é fator determinante para existirmos enquanto sujeitos sociais, dotados de uma identidade. “Haverá humanos que não tenham um gênero desde sempre? A marca do gênero parece ‘qualificar’ os corpos como corpos humanos; o bebê se humaniza no momento em que a pergunta ‘menino ou menina?’ é respondida.” (BUTLER, 2015, p. 193). Nascer “menino” ou “menina” e ser classificado como tal é, no limite, condição indispensável para um sujeito se tornar identificável. Sem contar todas as predefinições que carregam essas categorizações: aos meninos, cabe o público, o trabalho fora de casa, o sustento da família; às meninas, o trabalho doméstico, o cuidado das crianças, como vimos em Bourdieu (2002). Ou seja, há uma clara divisão de tarefas, em que majoritariamente os trabalhos que requerem força são designados aos sujeitos de sexo masculino, e os mais leves e delicados, aos sujeitos de sexo feminino. Interessante apontar, também, que segundo Laraia (2008, p. 19), “A verificação de qualquer sistema de divisão sexual do trabalho mostra que ele é determinado culturalmente e não em função de uma racionalidade biológica.”. E caso este sujeito não faça parte de nenhuma dessas duas definições, ele está, forçadamente, excluído da sociedade como a conhecemos: binária e heterossexual. Bourdieu (2002, p. 15), especificamente no aspecto da divisão binária, diz que “a divisão entre os sexos parece estar ‘na ordem das coisas’, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável.”. Para ele, essa divisão existe para dar sentido à ordem das coisas, e devemos entender este conceito como tudo que está a nossa volta, em um sistema que ele chama de “sistema de oposições homólogas”, como, por exemplo, alto/baixo, quente/frio, fora/dentro, em cima/embaixo etc até, por fim, masculino/feminino. Esse esquema de pensamento, de aplicação universal, registram como que diferenças de natureza, inscritas na objetividade das variações e dos traços distintivos (por exemplo em matéria corporal) que eles contribuem para fazer existir, ao mesmo tempo


21

que as ‘naturalizam’, inscrevendo-as em um sistema de diferenças, todas igualmente naturais em aparência. (BOURDIEU, 2002, p. 14).

Dentro desse contexto, um conceito importante para o entendimento dos “quadros regulatórios”, que também pode ser entendido como uma das forças que o sustentam, é o da “heterossexualidade compulsiva”, criado pela crítica feminista Adrienne Rich, e faz alusão à “ordem dominante pela qual homens e mulheres se veem solicitados ou forçados a ser heterossexuais.” (RICH apud SALIH, 2015, p. 71). Segundo Butler, há uma força que nos obriga a nos sentirmos atraídos apenas pelo sexo oposto, no que ela chama de “heterossexualização do desejo”: A instituição de uma heterossexualidade compulsória e naturalizada exige e regula o gênero como uma relação binária em que o termo masculino diferencia-se do termo feminino, realizando-se essa diferenciação por meio das práticas do desejo heterossexual. O ato de diferenciar os dois momentos oposicionais da estrutura binária resulta numa consolidação de cada um de seus termos, da coerência interna respectiva do sexo, do gênero e do desejo. (BUTLER, 2015, p. 53).

Para Wittig (apud BUTLER, 2015), essa obrigatoriedade de categorização binária faz parte de um processo histórico fundamentado no sistema de reprodução heterossexual, sendo este seu objetivo maior e final. E, além disso, segundo Bourdieu, a própria heterossexualidade é fruto de uma construção cultural e social, graças ao “trabalho constante de diferenciação a que homens e mulheres não cessam de estar submetidos e que os leva a distinguir-se masculinizando-se ou feminilizando-se” (2002, p. 33, grifo do autor). Ou seja, somos, desde crianças, catequizados a pensar binariamente em categorias “masculinas” e “femininas” e que o fruto do nosso desejo sexual faz parte de uma norma reprodutiva que devemos perpetuar com o passar dos anos. Em outras palavras, Diz-se que os prazeres residem no pênis, na vagina e nos seios, ou que emanam deles, mas tais descrições correspondem a um corpo que já foi construído ou naturalizado como portador de traços específicos de gênero. Em outras palavras, algumas partes do corpo tornam-se focos concebíveis de prazer precisamente porque correspondem a um ideal normativo de um corpo já portador de um gênero específico. (BUTLER, 2015, p. 127).

Para além da heterossexualidade compulsória, carregamos com a resposta à pergunta do título uma grande ingenuidade, fruto de uma série de significados e construções históricosociais que as palavras “menino” e “menina” possuem. A relação pressuposta – e padrão – é direta: um sujeito, quando “menino”, portador de um aparelho reprodutor masculino, ou seja, biologicamente categorizado como “macho”, automaticamente será identificado em sociedade como homem, do gênero também masculino (a mesma correlação é válida caso a resposta seja


22

“menina”) e heterossexual. Ou seja, ingenuamente, igualamos sexo biológico e sexualidade a seu gênero correspondente, e absorvemos essa correlação como natural e absoluta. Butler, ao estabelecer essa discussão, traz como referência uma passagem do livro “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir (apud BUTLER, 2015, p. 193), “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. E é importante entendermos que, para elas, todos nascemos sexuados, ou seja, dotados de um sexo biológico. A diferença, porém, reside na categorização binária homem versus mulher, uma vez que, [...] o sexo não causa o gênero; e o gênero não pode ser entendido como expressão ou reflexo do sexo; aliás, para Beauvoir, o sexo é imutavelmente um fato, mas o gênero é adquirido [...]; o gênero é a construção cultural variável do sexo, uma miríade de possibilidades abertas de significados culturais ocasionados pelo corpo sexuado. (BUTLER, 2015, p. 194).

Quando Beauvoir afirma que uma mulher não nasce mulher, que ela se torna mulher com o passar dos anos, voltamos ao início deste capítulo para retomarmos a primeira parte da definição do que é gênero: “É a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos” (BUTLER, 2015, p. 33). Este conceito faz parte do que se convencionou chamar de Teoria Queer, ou seja, os questionamentos e a problematização a respeito da norma binária e de como as identidades de gênero são construídas social, cultural e politicamente. O próprio termo queer pode ser definido, de acordo com a teórica Sedgwick (apud SALIH, 2015, p. 19), como “um momento, um movimento, um motivo contínuo - recorrente, vertiginoso, troublant [perturbador]”, ou seja, o próprio termo que dá nome à teoria se pretende como um não-termo, uma não-definição, e sim um movimento em construção – como o próprio conceito de gênero. Alinha-se também a metáfora da liquidez presente em Bauman (2001). Salih discorre sobre essa teoria afirmando que: Enquanto os estudos de gênero, os estudos gays e lésbicos, e a teoria feminista podem ter tomado a existência de ‘o sujeito’ (isto é, o sujeito gay, o sujeito lésbico, a ‘fêmea’, o sujeito ‘feminino’) como um pressuposto, a teoria queer empreende uma investigação e uma desconstrução dessas categorias, afirmando a indeterminação e a instabilidade de todas as identidades sexuadas e ‘generificadas’(SALIH, 2015, p. 20, grifo do autor) .

Mas, afinal, o que, de fato, a afirmação de que gênero é “a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos” (BUTLER, 2015, p. 33) quer dizer? Butler (2015) acredita que gênero é um ato performativo, e faz essa afirmação ao observar a performance das drag queens, que, segundo o dicionário Michaelis2, significa “travesti caricata, não necessariamente

2

Definição disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/escolar/ingles/definicao/ingles-portugues/dragqueen_14610.html>. Acesso em: 31 de janeiro de 2016.


23

homossexual”. Para ela, “a performance da drag brinca com a distinção entre a anatomia do performista e o gênero que está sendo performado” (BUTLER, 2015, p. 237, grifo do autor), ou seja, a performance de uma drag queen escancara a superficialidade da construção do gênero dentro de uma estrutura binária, uma vez que temos, nessa situação, um sujeito nascido biologicamente macho, interpretando, no palco, um gênero normativamente estipulado como pertencente ao sexo biológico de uma fêmea. Dessa forma, “no lugar da lei da coerência heterossexual, vemos o sexo e o gênero desnaturalizados por meio de uma performance que confessa sua distinção e dramatiza o mecanismo cultural da sua unidade fabricada” (BUTLER, 2015, p. 238). Em um artigo escrito por Joanna Burigo, para a revista Carta Capital, datada de março deste ano, que comenta um dos mais populares reality shows dos Estados Unidos, o ‘RuPaul’s Drag Race’3, que representa a corrida pela próxima grande estrela drag da temporada, fala com propriedade sobre a fragilidade de gênero representada pelas drag queens: A arte da drag queen reside precisamente no tornar-se. Através de uma série de artifícios e trejeitos, um homem, tradicionalmente, faz uma performance do feminino, numa representação (corriqueiramente) exagerada. Reconhecemos a drag. Drag, a categoria, não é mulher; drag é performance de mulher através de artifícios do que é tradicionalmente entendido como feminino. Assim, drag expõe que o feminino – e, portanto, gênero – é um conjunto de códigos culturais. A paródia do feminino que constitui a performance da drag queen exprime a falta de qualquer verdade inerente sobre gênero, e acentua o quão rígidas são suas normas. (BURIGO, 2016, n.p.)

Essa estilização do corpo, a qual Butler (e também Joanna Burigo) se referem, diz respeito aos códigos visuais, comportamentais e sociais que cada gênero binário possui dentro de uma sociedade pautada pela norma da coerência heterossexual e existe para mantê-la dentro desses padrões. Como por exemplo, o fato de algumas cores ou tipos de roupas serem feitos “para meninos” ou “para meninas” (azul para meninos, rosa para meninas), ou os papeis sociais e o comportamento permitidos de acordo com a determinação de seu gênero, e aqui podemos resgatar o que falamos acima sobre o público versus o privado, de Bourdieu (2002). Nesse sentido, o gênero “é uma identidade tenuemente constituída no tempo, instituído num espaço externo por meio de uma repetição estilizada de atos.” (BUTLER, 2015, p. 242, grifo do autor). A repetição, com a ajuda das identidades regulatórias, para a autora, significa a criação de um estado natural e sólido da binaridade, ou seja, quando, ao longo dos anos, temos a propagação e replicação dessa dualidade macho versus fêmea, que carrega consigo um conjunto de

3

Disponível em: < http://www.cartacapital.com.br/sociedade/uma-reflexao-sobre-rupaul2019s-dragrace?utm_content=buffer3e453&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffer>. Acesso em: 22 de abril de 2016.


24

significados próprios, passamos a enxergá-los como anteriores a nós, quase que como um fato biológico imutável. Segundo Butler, Como em outros dramas sociais rituais, a ação do gênero requer uma performance repetida. Essa repetição é a um só tempo reencenação e nova experiência de um conjunto de significados já estabelecidos socialmente; e também é a forma mundana e ritualizada de sua legitimação. Embora existam corpos individuais que encenam essas significações estilizando-se em formas de gênero, essa ‘ação’ é uma ação pública. (BUTLER, 2015, p. 242, grifo do autor).

1.3. Herculine e a não-binaridade na modernidade tardia Até agora, falamos sobre o conceito de identidade e também sobre o conceito de gênero. E para darmos continuidade a esta análise, é importante entendermos que o sujeito da “modernidade tardia”, devido a todos os grandes movimentos da globalização, previamente citados, começa a questionar sua identidade quando o assunto é sexualidade e gênero. Como vimos, a crítica feminista é quem inicia esse debate, questionando a desigualdade de gênero na sociedade. Butler, sobre as consequências do debate feminista, diz que: Quando o status construído do gênero é teorizado como radicalmente independente do sexo, o próprio gênero se torna um artifício flutuante, com a consequência de que homem e masculino podem, com igual facilidade, significar tanto um corpo feminino como um masculino, e mulher e feminino, tanto um corpo masculino como um feminino. (BUTLER, 2015, p. 26, grifo do autor).

Ao mesmo tempo, segundo Salih, Todos os corpos são ‘generificados’ desde o começo de sua existência social (e não há existência que não seja social), o que significa que não há ‘corpo natural’ que preexista à sua inscrição cultural. Isso parece apontar para a conclusão de que gênero não é algo que somos, é algo que fazemos, um ato, ou mais precisamente, uma sequência de atos, um verbo em vez de um substantivo, um ‘fazer’ em vez de um ‘ser’. (SALIH, 2015, p. 89).

Essa norma de generificação binária pode ser entendida, amplamente falando, como um elemento coercitivo a partir do nosso nascimento, ou seja, como um fato natural. Porém, em um cenário de descentralização da identidade do sujeito, precisamos entender o que acontece quando um sujeito não se identifica com os dois tipos de gênero pré-estabelecidos como padrões, o masculino e o feminino. Para ilustrar essa quebra da coerência heterossexual, falaremos brevemente sobre Herculine, primeiro hermafrodita documentado e estudado por Focault, que organizou seus diários e relatos em “Herculine Barbin, ou os recém-descobertos diários de um hermafrodita do século XIX”. Herculine, que em seu nascimento foi categorizado como pertencente ao sexo feminino, foi obrigado, por lei, a fazer uma mudança jurídica para o sexo masculino, pois tinha como


25

parceira sexual uma mulher chamada Sara; ou seja, segundo a lei, por ser pertencente ao sexo feminino, Herculine manifestava um desejo homossexual, desejo este que não se encaixava na norma e não era compreendido em sociedade. Por possuir elementos anatômico-biológicos de ambos os sexos, e também por bagunçar toda a estrutura regulatória do desejo ao sexo oposto, Herculine é, em essência, o limite da binaridade heterossexual e compulsória. Não só o limite, mas também a personificação viva da superficialidade da divisão do mundo entre homens e mulheres: ele é, escancaradamente, um sujeito de gênero não inteligível. Segundo Butler (2015, p. 168-169), “ao editar e publicar os diários de Herculine, Focault está claramente tentando mostrar como um corpo hermafrodita ou intersexuado denuncia e refuta implicitamente as estratégias reguladoras da categorização sexual.”. Essa ilustração de Herculine, ainda que seja referente a um indivíduo que de fato possuía um corpo biológico pertencente aos dois gêneros existentes na sociedade, nos mostra que “Os gêneros distintos são parte do que ‘humaniza’ os indivíduos na cultura contemporânea; de fato, habitualmente punimos os que não desempenham corretamente seu gênero.” (BUTLER, 2015, p. 241). Ou seja, quando a sociedade se deparou com um sujeito que não conseguia se encaixar perfeitamente em nenhuma das duas categorias de gênero, e que, quando tentavam lhe dar uma categoria, percebiam que o gênero não estava em conformidade com o sexo biológico e com o desejo sexual correspondente por norma, deixaram Herculine à margem e trataram-no como um desvio da natureza, como uma aberração. Infelizmente, essa dificuldade de entender gêneros não inteligíveis ainda é uma realidade no Brasil, e quando analisamos o cenário social para pessoas transgêneras, que em definição no dicionário significa um “que ou quem não se identifica com as noções convencionais de homem ou mulher, combinando ou alternando essas duas identidades” (HOUAISS, s.d., n.p.)4, percebemos um cenário extremamente carregado de fobias, sejam elas em relação aos homossexuais ou aos próprios transgêneros. Segundo notícia veiculada no portal UOL sobre os dados de 2014 do Dique 1005, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a cada hora um gay sofre violência no Brasil. A situação para travestis e transexuais não é muito diferente: ainda em 2012, o Brasil liderou o ranking de assassinatos de indivíduos transgêneros, segundo relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência

4

Definição disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/>. Acesso em: 31 de janeiro de 2016. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2014/11/21/a-cada-hora-um-gaysofre-violencia-no-brasil.htm>. Acesso em: 01 de fevereiro de 2016. 5


26

da República (BRASIL, 2012)6. Números que corroboram o quadro regulatório da norma heterossexual compulsória e que demonstram que, desde Herculine, a sociedade – aqui, especificamente, a brasileira – não está preparada para lidar com pessoas que não estão em conformidade com os padrões tidos como naturais. Segundo Butler, A construção da coerência oculta as descontinuidades do gênero, que grassam nos contextos heterossexuais, bissexuais, gays e lésbicos, nos quais o gênero não decorre necessariamente do sexo, e o desejo, ou a sexualidade em geral, não parece decorrer do gênero – nos quais, a rigor, nenhuma dessas dimensões de corporeidade significante expressa ou reflete outra. Quando a desorganização e desagregação do campo dos corpos rompe a ficção reguladora da coerência heterossexual, parece que o modelo expressivo perde sua força descritiva. O ideal regulador é então denunciado como norma e ficção que se disfarça de lei do desenvolvimento a regular o campo sexual que se propõe descrever. (BUTLER, 2015, p. 234).

Por outro lado, e apesar do cenário extremo e desfavorável a tudo que não é binário, em agosto de 2015, uma empresa de pesquisa de mercado sediada no Reino Unido, a YouGov 7, estudou 1632 pessoas entre a população britânica, perguntando como eles se identificavam sexualmente quando colocados frente a uma escala de 0 a 6, em que 0 significava exclusivamente heterossexual, e 6, exclusivamente homossexual. Os resultados nos mostram que 23% da população britânica escolheram um número entre 1 e 5, ou seja, não exclusivamente heterossexual, e que quando esse resultado é analisado entre os jovens de 18 a 24 anos, esse percentual sobe para 49%, quase metade da amostra. Segundo o relatório da pesquisa, Claramente, estes números não são medidas de bissexualidade ativa - em geral, 89% da população descreve-se como heterossexuais; porém ao se colocarem no nível 1, existe a possibilidade de sentimentos e experiências homossexuais. Mais do que tudo, os números indicam uma abertura cada vez maior em relação à sexualidade. 8 (YOUGOV, 2015, n.p., tradução livre nossa)

Ou seja, percebemos que os sujeitos da modernidade tardia de fato estão questionando as estruturas heteronormativas e binárias do poder, mostrando-se cada vez mais abertos a experimentar sua sexualidade e expressão de gênero sem medo de se encaixar nos padrões sociais ou de represálias punitivas. E quando trazemos essa realidade para o cenário brasileiro, percebemos, cada vez mais, uma discussão presente na mídia que, de certa forma, fomenta e debate as questões de gênero, na tentativa de esclarecer as nuances entre sexo biológico, gênero

6

Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012>. Acesso em: 01 de fevereiro de 2016. 7 O estudo completo está disponível em: <https://yougov.co.uk/news/2015/08/16/half-young-not-heterosexual/>. Acesso em: 31 de janeiro de 2016. 8 Texto original: Clearly, these figures are not measures of active bisexuality - overall, 89% of the population describes themselves as heterosexual - but putting yourself at level 1 allows for the possibility of homosexual feelings and experiences. More than anything, it indicates an increasingly open minded approach to sexuality.


27

e sexualidade. É o caso da capa da revista Nova Escola9, de fevereiro de 2015, que, ao colocar na capa um menino vestindo roupas tipicamente condicionadas ao gênero feminino, levanta a questão de identidade de gênero e de como a sociedade constrói os seus padrões. Na reportagem, levanta-se a discussão sobre a criança Romeo Clarke, do Reino Unido, que adora usar vestidos e adereços considerados “femininos”.

Figura 1. “Vamos falar sobre ele?”, capa da revista Nova Escola de fevereiro de 2015.

Outro exemplo, também questionando o conceito de gênero, é o da revista Galileu10, de novembro de 2015, que traz como capa um sujeito fora do padrão binário e heterossexual, inclusive brincando com elementos de ambos os gêneros, nos provocando ao dizer que “tudo que você sabe está errado”, referindo-se ao conceito de gênero.

9

Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/educacao-sexual-precisamos-falar-romeo834861.shtml>. Acesso em: 31 de janeiro de 2016. 10 Disponível em: <https://www.facebook.com/revistagalileu/photos/a.102109376648.87770.80664086648/10153692891231649/?t ype=3&theater>. Acesso em: 31 de janeiro de 2016.


28

Figura 2. “Gênero. Tudo que você sabe está errado.”, capa da revista Galileu, de novembro de 2015.

Esses são alguns exemplos que nos ajudam a compreender que, de maneira geral, a nossa sociedade está passando por um momento importante da sua história: a fragmentação do sujeito por meio, não só, mas aqui analisado, do questionamento a tudo que é considerado padrão, heterossexual e compulsório. Butler, Salih, Bourdieu, Hall, a teoria feminista e todos os outros autores retratados neste capítulo já falam sobre isso há alguns anos, mas agora começamos a ver, cada vez mais, esses questionamentos e desconstruções povoando as discussões de um número diariamente maior de pessoas, com a ajuda de veículos de mídia de grande circulação, como vimos nos exemplos anteriores. Entendemos, portanto, que não é necessário nascer biologicamente masculino para sentir-se pertencente ao gênero masculino, ao passo que também não é necessário sentir-se atraído unicamente, como padrão social, pelo sexo oposto. Tudo está aberto à discussão, apesar de ainda fazermos parte de uma sociedade bastante violenta e resistente a esses movimentos questionadores das normas vigentes. A ideia é que,


29

nos capítulos a seguir, analisemos como os discursos publicitários estão retratando essa nova realidade.


30

2. PUBLICIDADE E SIGNIFICADOS CULTURAIS A intenção deste capítulo é, de forma geral, que entendamos as relações entre consumo, cultura e publicidade. Para isso, utilizaremos três principais pensadores da Antropologia, mas que dialogam com a Comunicação, que nos ajudarão a entender sob uma perspectiva mais social como estes elementos estão correlacionados. São eles: Grant McCracken (2003), Everardo Rocha (2006) e Cláudia Pereira (2013). Faremos uma breve análise histórica sobre o que se convencionou chamar de “revolução do consumo”, pois foi essa revolução que consolidou as bases do que hoje conhecemos por consumo e em como ele possui um papel fundamental em nossa sociedade. A partir disso, seguiremos em nossa análise pensando nos meandros que conectam consumo à cultura, o que entendemos por cultura e como esses dois elementos vão se cruzando a ponto de se tornarem imprescindíveis um ao outro, ou seja, em como o consumo tornou-se representação cultural e vice-versa. Por fim, entenderemos como a publicidade e as técnicas de produção publicitárias possuem o papel de dar significado aos bens que consumimos. Não só significados como uma nova vestimenta, o que iremos chamar de “estilos de vida” representados por atores sociais que possuem a função de representar toda uma sociedade. Além disso, entenderemos também o papel de multiplicadora de mensagens de forma massiva que a publicidade possui, e como isso ajuda na construção de padrões, categorizações e homogeneidade cultural. O consumo é moldado, dirigido e constrangido em todos os aspectos por considerações culturais. O sistema de design e produção que cria os bens de consumo é uma empreitada inteiramente cultural. Os bens de consumo nos quais o consumidor desperdiça tempo, atenção e renda são carregados de significado cultural. Os consumidores utilizam esse significado com propósitos totalmente culturais. Usam o significado dos bens de consumo para expressar categorias e princípios culturais, cultivar ideias, criar e sustentar estilos de vida, construir noções de si e criar (e sobreviver a) mudanças sociais. O consumo possui um caráter completamente cultural. (MCCRACKEN, 2003, p. 11).

2.1. Breve introdução à revolução do consumo Para iniciarmos este subcapítulo, partiremos do pressuposto, teorizado por McCracken (2003, p. 21), de que “o consumo moderno foi a causa e a consequência de tantas mudanças sociais que sua emergência marcou nada menos que a transformação do mundo ocidental.”. Dentro deste contexto, devemos olhar brevemente para alguns autores, sob a perspectiva de Grant McCracken, de como o consumo fez-se entender da forma que o conhecemos hoje,


31

durante, especialmente, a Revolução Industrial. Além disso, como se dão as relações entre o consumo, a publicidade e os significados culturais que os circundam. Entre esses autores, falaremos sobre as teorias de: McKendrick, Rosalind H. Williams e Chandra Mukerji. Iremos, a seguir, explorar rapidamente a contribuição de cada um deles para as teorizações e discussões futuras acerca do consumo. Começando por McKendrick (apud MCCRACKEN, 2003), e sua discussão sobre o consumo na Inglaterra no século XVIII, em que Argumenta que demos demasiada ênfase à revolução industrial, em detrimento de outros desenvolvimentos igualmente importantes. Foi ignorada a revolução do consumo, companheira necessária da revolução industrial. Uma mudança nos meios e fins produtivos, diz ele, não pode ter ocorrido sem uma mudança comensurável nos gostos e preferências dos consumidores. (MCCRACKEN, 2003, p. 23).

McKendrick, segundo McCracken (2003), constrói sua análise baseado no que ele chamou de “comercialização da moda”, em uma movimentação crescente, por parte do consumidor inglês, de artefatos de vestuário importados da Índia. Essa mudança de comportamento de consumo, em sua visão, iniciou toda uma nova estrutura de pensamento, de logística, de gostos e compras do consumidor inglês, influenciando drasticamente as rotas de consumo que se seguiriam no futuro. Foi a partir daqui, segundo ele, que surgiram, por exemplo, a obsolescência de estilos, os padrões e estereótipos de beleza imputados em manequins retratados em uma inicial produção publicitária na forma de anúncios publicados em jornais vigentes no período em questão. Já para Williams, a revolução do consumo tem origem na França durante o final do século XIX, e para ela, o pioneirismo dos franceses tanto na publicidade quanto no comércio varejista foram determinantes para iniciar essa revolução. Segundo McCracken (2003, p. 27), “ela [Williams] também percebe os modos mais notáveis pelos quais os novos bens e hábitos de consumo ingressam na fabricação da sociedade ocidental como agentes decisivos de mudança e de sociabilidade.”. Essa análise tem como um de seus objetos de estudo o comportamento do rei Louis XIV, conhecido historicamente por ter sido o “rei consumidor”, e em como ele transformou o consumo em um instrumento político, ao passo que utilizava-se do poder de compra que possuía como balizador social e símbolo de status dentro do sistema burguês. Por último, quando falamos de Mukerji, a promessa de sua análise é entender o consumo sob uma perspectiva cultural, baseada no que ela chamou de uma “cultura consumista” na Europa dos séculos XV e XVI. Para McCracken (2003, p. 29), “Mukerji está interessada na


32

análise cultural do comportamento econômico e no modo pelo qual os bens de consumo carregam significado cultural. É nestes termos que a autora pretende estimar o impacto do consumo no crescimento do mundo moderno.”. Nesse sentido, o que convencionou-se chamar de “materialismo” ganha especial importância e peso, uma vez que, muito além do significado de status que o consumo pode gerar a quem o pratica, ele também gera uma série de outros significados, que, segundo a autora, estão diretamente relacionados aos seus aspectos culturais. Para além das discussões sobre o local ou o período exato do nascimento da revolução do consumo, temos como fatos históricos a mudança de comportamento da corte inglesa durante a era elizabetana do século XVI. A aquisição de bens, durante esse período, tornou-se símbolo de poder e também uma forma de dominação, tanto em relação à nobreza quanto em relação a seus subordinados. Este fato, segundo McCracken (2003), é conhecido como “culto do status familiar”. Entretanto, foi apenas no século XVIII, e também o que é mais importante para este trabalho, que esse movimento de aquisição exacerbada de bens iniciada na era elisabetana, foi, de alguma forma, movimento propulsor para entendermos os significados por trás do consumo nos dias de hoje. Segundo McCracken, Parece que no século XVIII os bens começaram a encarnar um novo tipo de significado de status, que lhes rendeu implicações bastante diversas para o sistema de status e para a organização da sociedade. É, também, como se os bens tivessem se tornado portadores de outros tipos de significado além do status. É possível que a função de informadores de papeis sociais que os bens assumem nos dias de hoje (Solomon 1983) tenha começado a emergir neste período. (MCCRACKEN, 2003, p. 40)

Se no século XVIII o consumo que antes era concentrado nas mãos da nobreza e da corte inglesa passou a ser também de direito de uma fatia maior da população, foi no século XIX que o consumo se consolidou ampla e massivamente, tornando-se fator imprescindível da vida social dos indivíduos. Foi neste século que as técnicas de marketing se aperfeiçoaram, os meios de difusão de mensagens tornaram-se mais eficazes e os meios para atrair e persuadir a atenção ao consumo tornaram-se mais sedutores. Segundo Rocha e Pereira (2013, p. 44-45), “é nesse processo que podemos falar de uma atividade publicitária em certos contextos sociais, pois marcas e produtos e de empresas passam a contribuir para o processo de construção de um imaginário coletivo, incorporando-se, de forma crescente, ao cotidiano dos indivíduos e grupos sociais.”. Um fator extremamente importante para este período foi o advento das lojas de departamento na França, explorados e teorizados por Williams e também por Michael B. Miller.


33

Segundo McCracken, ao falar sobre os estudos de Miller acerca do significado e do papel das lojas de departamento, diz que: Miller examina sistematicamente, em seguida, como a loja de departamento trabalhou para modular e transferir significado cultural. Sua primeira observação é a de que os bens vendidos pela loja de departamento davam expressão material a valores da burguesia. Os bens tornavam concretos estes valores e davam-lhes uma ‘realidade própria’ (1981: 180). (MILLER apud MCCRACKEN, 2003, p. 48).

Nesse contexto, as lojas de departamento, juntamente com as novas e mais eficientes técnicas da publicidade, passaram a configurar uma realidade até então inexistente para o contexto social, pois passaram, aos poucos, a ditar o que se deveria ser consumido, quando e por quem. Ou seja, tornaram-se os espelhos do comportamento e do consumo ideais. Nas palavras de Rocha e Pereira (2013, p. 46), “a etiqueta urbana vai abraçar o consumo como o elemento doutrinador dos comportamentos, estilos e modos de vida. Assim, o consumo vai ensinar, objetiva e subjetivamente, como vamos nos organizar nesta composição social moderna.”. Esse novo paradigma social será fundamental para entendermos, no futuro, como as relações de consumo estão diretamente ligadas aos significados culturais, e como a publicidade atual representa a sociedade de forma padronizada e binária.

2.2. Cultura e consumo: significados e representações Ainda antes de iniciarmos a análise de como os discursos publicitários representam o consumo, devemos nos atentar para uma discussão um pouco mais focada em como se dá a transferência de significados culturais aos bens de consumo consumidos pelos indivíduos, pois é por meio dessa transferência que entenderemos, adiante, o papel da publicidade em representar partes da cultura que não necessariamente fazem parte da maioria, como é o caso de indivíduos que não se identificam com o padrão binário de gênero. Segundo McCracken (2003), devemos compreender a cultura em dois principais aspectos: 1) enquanto lente que determina como o mundo, a sociedade ou determinada região é vista/entendida e, 2) enquanto plano de ação, que molda, por meio do esforço humano, como uma sociedade será constituída. Em suas palavras,

A cultura detém as ‘lentes’ através das quais todos os fenômenos são vistos. Ela determina como esses fenômenos serão apreendidos e assimilados. Em segundo lugar, a cultura é o ‘plano de ação’ da atividade humana. Ela determina as coordenadas da ação social e da atividade produtiva, especificando os comportamentos e os objetos que delas emanam. (MCCRACKEN, 2003, p. 101).


34

Uma das formas de “moldar” a sociedade pode ser compreendida quando entendemos “cultura” como um elemento de regulação, uma vez que tem o papel de categorizar, dividir e sistematizar os indivíduos em determinadas categorias, como, por exemplo, por sexo, gênero, idade, raça etc. É por meio dessa classificação, segundo Rocha (2006, p. 49), que “[...] a cultura inscreve sua particularidade no mundo. Nada teria sentido se, ao classificarmos, não retirássemos sentido de tudo que nos cerca. Esse processo é que instaura a ordem, a diferença, os significados.”. McCracken (2003) chama esse fato de “categorias culturais”. De forma ampla, e com o intuito de relacionar cultura ao que falamos no capítulo anterior sobre gênero, podemos dizer que o sistema binário e heterossexual compulsório é, nesses termos, uma categoria cultural, que por definição, tem o intuito de regularizar, padronizar e dar ordem ao sistema social. Esse “padrão cultural”, como falamos anteriormente, vem acompanhado de uma série de órgãos reguladores – o Estado, a igreja, as escolas etc. Ou seja, podemos entender que a cultura, enquanto lente da sociedade, atua como reflexo destes órgãos de regulação social. Dentro deste contexto de categorias culturais, conseguimos entender o papel dos bens de consumo como modelos de representação dessas categorias. Segundo McCracken, Os bens são uma instância da cultura material. São uma oportunidade para a expressão do esquema categórico estabelecido pela cultura. Os bens são uma oportunidade para fazer cultura material. Como outras espécies de cultura material, eles permitem a discriminação pública, visual, de categorias culturalmente especificadas, codificandoas sob a forma de um conjunto de distinções delas próprias. Categorias de pessoa, divididas em parcelas de idade, sexo, classe e ocupação podem ser representadas em um conjunto de distinções materiais através dos bens. (MCCRACKEN, 2003, p. 104).

Ou seja, extrapolando estes significados, podemos entender que os bens, assim como o gênero, representam uma performance dessas categorias culturais. Por exemplo, quando determinamos que as bonecas, brinquedos de casinha, jardinagem, saias etc., são feitos exclusivamente para as crianças designadas como pertencentes ao sexo feminino e os carrinhos, os brinquedos de construção, a bola etc. são designados ao sexo masculino. Nesse caso, além dos objetos representarem uma determinada categoria, “com efeito, não é exagerado dizer que eles têm uma função ‘performativa’ (Austin 1963; Tambiah 1977), à medida que dão ao significado cultural uma concretude que ele não teria para o indivíduo.” (MCCRACKEN, 2003, p. 103). Essa correlação entre gênero e bens de consumo é muito valiosa para este estudo, uma vez que, ao entendermos que ambos possuem um caráter performativo, entendemos também


35

que tanto bens como gênero fazem parte desse mesmo sistema de regulação heterossexual e binário, que marcha a favor de uma homogeneidade padronizada – e forçada – para com a sociedade. Portanto, é interessante notarmos que o que nos guia ao ato de consumir um produto ou um serviço, segundo a ótica de Rocha (2006), tem muito mais a ver com identificação quando pensamos em nossas relações sociais e nossas relações com esses bens de consumo, do que por um fator meramente econômico ou de necessidade, uma vez que: O consumo é um sistema simbólico que articula coisas e seres humanos e, como tal, uma forma privilegiada de ler o mundo que nos cerca. Através dele a cultura expressa princípios, estilos de vida, ideias, categorias, identidades sociais e projetos coletivos. Ele é um dos grandes inventores das classificações sociais que regulam o mundo, e talvez nenhum outro fenômeno espelhe com tanta adequação um certo espírito do tempo – face definitiva de nossa época. (ROCHA, 2006, p. 86, grifo do autor)

Vamos entendendo, segundo esses conceitos, que existe uma correlação direta e intrínseca entre: como nos identificamos, pensando em gênero; o que consumimos, o que esse consumo representa em termos de adequação social e o papel dos órgãos reguladores que, de alguma forma, controlam todos os elementos acima. Podemos, inclusive, criar uma analogia desses elementos a uma fábrica de produção em massa, onde nós, enquanto seres sociais, somos a base do bem produzido, o que consumimos são os adornos que nos complementam durante nossa montagem; o produto final nos representa em sociedade e o processo de montagem em si, os órgãos reguladores. Ou seja, se nascemos dentro da categoria do sexo masculino, somos adornados nossa vida inteira com bens de consumo criados também para o sexo masculino; caso utilizemos outros adornos que não estes, somos mal vistos em sociedade, o que nos causará repressões, deixando-nos à margem da sociedade. No limite, reforçando o que discutimos no capítulo anterior, agora sob a perspectiva do consumo, não só nascemos já predestinados a uma determinada categoria de gênero, como também, consequentemente, a tudo que poderemos consumir enquanto seres sociais que fazem parte de uma sociedade culturalmente regulada pelo que estamos chamando de órgãos regulatórios: é um ciclo de retroalimentação, do nascimento ao consumo. 2.3. O papel da publicidade na transferência de significados culturais Até agora falamos bastante sobre como os bens são, também, performativos, ao adquirirem significados culturais, como consequência da categorização cultural de uma sociedade. Daqui em diante, precisamos entender como essa transferência de significados do


36

mundo/sociedade acontece. Eis, aqui, o papel da publicidade, e neste subcapítulo olharemos mais a fundo como se dá essa troca e incorporação de significados culturais. Nas palavras de McCracken (2003, p. 106), “a publicidade atua como potente método de transferência de significado, fundindo um bem de consumo a uma representação do mundo culturalmente constituído dentro dos moldes de um anúncio específico.”. Ou seja, é por meio das técnicas publicitárias e de marketing que grandes empresas de bens de consumo, agências e todos os envolvidos no processo de produção publicitária, trabalham para fundir em uma só coisa um bem de consumo e seu respectivo significado cultural. E não só isso, como também, segundo Rocha (2006, p. 12), “a publicidade é a narrativa que dá sentido ao consumo, e está, seguramente, entre as principais produtoras de sistemas simbólicos presentes em nosso tempo.”. E, ainda, segundo Casaqui: Como retórica do consumo, o discurso publicitário vai amalgamar as representações sociais imersas no espírito de seu tempo, nos sistemas socioculturais e econômicos dos quais é derivado. Seus processos de mediação envolvem a tradução da racionalidade produtiva e corporativa para o campo sensível das afetações dos sujeitos. Dessa forma, temos acesso pela linguagem publicitária aos significados atribuídos às práticas e aos objetivos humanos, às imagens e aos imaginários associados ao consumo, às conexões entre corporações, marcas e mercadorias; esses significados são atribuídos de acordo com o período histórico e com a cultura em que esses elementos se inserem. (CASAQUI, 2011, p. 135)

Devemos pontuar aqui que nesse processo de transferência de significado “mundo-parabens”, como coloca McCracken (2003), as categorias culturais, ou seja, as divisões e sistematizações que existem em sociedade, nasceram independentes da publicidade em si. Ou seja, no início do advento da publicidade como a entendemos atualmente, o papel de uma agência, neste caso, era justamente o de construir todo o conjunto de códigos visuais e verbais a fim de posicionar os bens de consumo em uma determinada categoria cultural. Segundo Rocha e Pereira, A narrativa publicitária e a experiência do consumo mostram que, no centro da suposta racionalidade do sistema econômico capitalista, instala-se, alegremente, a emoção, o desvario, o pensamento mágico, a desrazão. [...] A publicidade parece ser um dos novos lugares que passaram a acolher o pensamento mágico da contemporaneidade. (ROCHA; PEREIRA, 2013, p. 13)

Por exemplo, quando falamos no subcapítulo anterior que alguns objetos, como as bonecas, são criadas especificamente para as crianças do sexo feminino, devemos entender que a publicidade, enquanto ferramenta de comunicação que amplia uma mensagem para um número maior de pessoas, tem o papel de criar um mundo infantil, com elementos imaginários infantis, em que as bonecas, nesse caso, se encaixem. Mais do que isso, utiliza-se de cores,


37

texturas, personagens e uma série de artefatos para ajudar a posicionar as bonecas dentro do universo padrão e convencional “feminino”, criando esse universo mágico em prol do consumo. Ainda segundo McCracken, O mundo e o bem precisam ser encarados como compartilhando uma harmonia especial. Precisam ser vistos como ‘fundidos’. Quando esta ‘igualdade’ é vislumbrada, através de uma ou muitas exposições a estímulos, o processo de transferência tomou lugar. O significado transportou-se do mundo culturalmente constituído para o bem de consumo. Este bem agora ‘figura como’ um significado cultural de cuja carga estava previamente imaculado. (MCCRACKEN, 2003, p. 108)

Nesse território de transferência de significados, existe, de acordo com McCracken (2003), o “sistema de moda”. Segundo o autor, além de desempenhar um papel similar ao da publicidade no que diz respeito à transferência cultural “mundo-para-bem”, o sistema de moda também opera em outras duas vertentes: I) no papel dos líderes de opiniões, que possuem o “poder” de criar novos significados culturais para aqueles que os seguem, como, por exemplo, celebridades, pessoas influentes no mundo pop, da música, das artes etc. que possuem uma legião de seguidores que os veem como referências de comportamento, estilo e atitude, e, II) a grupos, que nas palavras do autor, “vivem à margem da sociedade”, que possuem o papel de subverter, alterar ou manter restrito determinados significados culturais. É o caso, por exemplo, da comunidade LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros), segundo o site Significados11, que atua, em algumas instâncias, como vimos no capítulo anterior, para subverter as concepções tradicionais de gênero, que são diretamente definidas e moldadas pelas categorias culturais. Para McCracken, [...] tanto a publicidade quanto o sistema de moda são instrumentos para a transferência de significado do mundo cultural e historicamente constituído para os bens de consumo. Constituem dois dos meios através dos quais o significado é investido no ‘código do objeto’. É graças a eles que os objetos de nosso mundo carregam tal riqueza, variedade e versatilidade de significado e podem funcionar para nós de modo tão diversificado, em atos de auto definição e de comunicação social. (MCCRACKEN, 2003, p. 113)

Sob essa perspectiva, é importante que entendamos que ao transferir significados culturais, estamos, mais profundamente, transformando o consumo em estilo de vida; ou seja, damos ao consumo uma nova roupagem. Segundo Rocha, Podemos pensar que em cada anúncio vendem-se, significativamente, mais estilos de vida, visões de mundo, sensações, emoções, relações humanas, sistemas de classificação do que bens de consumo efetivamente anunciados. Produtos e serviços

11

Definição disponível em: <http://www.significados.com.br/lgbt/> Acesso em: 12 de março de 2016.


38

são vendidos para quem pode comprar; os anúncios, entretanto, são vendidos indistintamente. (ROCHA, 2006, p. 16, grifo do autor).

Esse ponto sobre o volume de conteúdo vendido em publicidade versus a quantidade vendida de produtos e bens propriamente ditos é de extrema importância quando pensamos na quantidade de pessoas que um anúncio pode atingir. Estamos falando de uma comunicação, ou melhor, de um estilo (ou estilos de vida, no plural), vendidos para milhares de pessoas ao redor do mundo, e de como a publicidade, como pontuado anteriormente, tem o poder de multiplicadora de mensagens para além daqueles que de fato irão adquirir o produto anunciado. Podemos entender esse processo de multiplicação por meio do conceito de midiatização, que, segundo Krotz (apud HJARVARD, 2012, p. 59), pode ser definido como “um processo contínuo em que os meios alteram as relações e o comportamento humanos e, assim, alteram a sociedade e a cultura.”. Essa correlação será fundamental para entendermos, no próximo capítulo, a relação entre os maiores anunciantes de publicidade no Brasil em relação às questões de gênero. E aqui, especificamente, devemos entender o papel poderoso que a mídia possui ao difundir o que estamos chamando de “estilos de vida”. Segundo Rocha (2006, p. 93, grifo do autor), “as narrativas produzidas pelo sistema de mídia têm como um dos seus papeis predominantes ser um grande instrumento pedagógico, explicando a produção e transformando produtos e serviços em necessidades, desejos, utilidades.”. Pensando no que estamos chamando de estilos de vida, e em sua relação direta com a cultura, também é interessante notar como a publicidade funciona como um grande “lugar de encontro”, nas palavras de Rocha (2006), pois funciona como pano de fundo para que a sociabilização aconteça, seja por meio de um retrato de um encontro entre amigos, ou entre namorados, ou mesmo entre uma família; seja por meio de uma interação entre indivíduos: um beijo, um abraço, um aperto de mãos. No limite, “a publicidade, no sentido de uma hiperpublicidade é um revelador sociocultural privilegiado, uma vez que tem a capacidade de colocar em evidência os valores mais cotidianos da vida das pessoas.” (TRINDADE; PEREZ, 2014, p. 162-163). De alguma forma, retrata o nosso cotidiano e práticas sociais, nos colocando nesse ambiente, ou seja, cria um mundo mágico fidedigno ao que entendemos por cultura, passando a ser reflexo desta e, ainda, reforçando o que dissemos acima sobre a “venda” de estilos de vida ao consumidor. Nos materiais publicitários é importante entender que o mundo interno, as formas de expressão do sentimento, o privado e o íntimo, a individualidade, enfim, abandonam, definitivamente, o plano interior dos atores sociais para serem representação coletiva que assume lugar de fato social, coisa – coercitiva, extensa e externa ao indivíduo. As identidades, tanto do homem quanto da mulher, se traduzem na mídia pelos seus


39

aspectos relacionais, gramaticais, como códigos ou padrões em que a sociedade cruza ideias, estilos, práticas e neles aloja os atores sociais. (ROCHA, 2006, p. 43, grifo do autor)

Ou seja, ao transformar o consumo em um estilo de vida, a publicidade utiliza-se de “atores sociais”, nas palavras de Rocha, para dar concretude ao bem ou serviço que está sendo anunciado. Nas palavras de Rocha e Pereira (2013, p. 48), “desta forma, é através dos bens de consumo que os sujeitos modernos vão conhecer a si próprios, definir suas experiências e sustentar suas representações.”. O ponto, entretanto, é que, ao fazer isso, padroniza e, de alguma forma, estereotipa os atores sociais, criando uma falsa ideia de homogeneidade cultural; e como, involuntariamente, nos identificamos com esses atores sociais, entendemos que o correto é nos espelharmos em seus respectivos comportamentos e atitudes. Por exemplo, ao retratar, em um anúncio, uma família tradicional, composta por pai, mãe, filhos e um cachorro, para vender margarina, implicitamente o que está sendo oferecido é um estilo de vida padronizado, heteronormativo e compulsório, pensando em tudo que falamos no capítulo anterior. E, no limite, que as famílias para serem famílias “de verdade”, precisam, obrigatoriamente, possuir esse formato padronizado. Ainda, “o anúncio não fala da diferença entre indivíduos ou da singularidade, pois vender é apostar no discurso do grupo e da abrangência, classificando tudo o que for possível como público consumidor.” (ROCHA, 2006, p. 43), ou seja, são genéricos na tentativa de seduzir, massivamente, o maior número de consumidores. Nesse sentido, Rocha entende a publicidade também como um sistema de classificação, uma vez que “o discurso publicitário é uma forma de categorizar, classificar, hierarquizar e ordenar tanto o mundo material quanto as relações entre as pessoas, por meio do consumo” (ROCHA, 2006, p. 50). Aos poucos, as fronteiras entre as categorias culturais que falamos acima e a publicidade vão se tornando mais perenes, e temos a sensação que essas duas coisas se retroalimentam, ou seja, do mundo-para-bem e do bem-para-mundo, utilizando a analogia de McCracken (2003). “Dessa forma, a publicidade é um instrumento de seleção e categorização do mundo; ela cria nuanças e particularidades no domínio da produção, e reciprocamente, difere grupos, situações e estados de espírito no domínio humano do consumo.” (ROCHA, 2006, p. 51). Ou seja, se antes entendíamos as categorias culturais como anteriores e/ou independentes da publicidade, passamos a perceber que essa relação não é meramente de causa e efeito, mas, sim, de complementariedade.


40

Nesse caso, a publicidade não deve ser somente entendida como mais um dos sistemas de classificação, mas também como um canal que nos representa enquanto seres sociais, uma vez que a quantidade de anúncios publicitários que consumimos é proporcionalmente maior do que os bens de consumo que de fato compramos, ou seja, invariavelmente consumimos diversos tipos de histórias, estilos de vida e narrativas publicitárias todos os dias, sem que necessariamente precisemos comprar todos esses bens que nos são oferecidos. Segundo Rocha e Pereira (2013, p. 25), “a narrativa publicitária é feita de fragmentos que revelam nosso modo de ser, nossos afetos e, sobretudo, nossas práticas de consumo.”. Nesse sentido, A publicidade se torna um dispositivo complexo e poderosos, confirmando o lugar central da estrutura midiática como autoridade e influência cultural no cenário brasileiro. A publicidade é uma narrativa que dá forma e concretiza diversas linguagens, valores e imagens, elaborando representações coletivas e identidades, papeis sociais estilos de vida, desejos e subjetividades, através de um incansável universo simbólico que sustenta nossa cultura material transformada em bens de consumo. (ROCHA; PEREIRA, 2013, p. 42).

E, ainda, Como retórica do consumo, o discurso publicitário vai amalgamar as representações sociais imersas no espírito de seu tempo, nos sistemas socioculturais e econômicos dos quais é derivado. Seus processos de mediação envolvem a tradução da racionalidade produtiva e corporativa para o campo sensível das afetações dos sujeitos. Dessa forma, temos acesso pela linguagem publicitária aos significados atribuídos às práticas e aos objetivos humanos, às imagens e aos imaginários associados ao consumo, às conexões entre corporações, marcas e mercadoria. (CASAQUI, 2011, p. 5)

No capítulo seguinte analisaremos os desdobramentos de casos reais da publicidade contemporânea, e iremos entender a relação entre os maiores investidores de publicidade no Brasil versus os significados culturais e estilos de vida que os mesmos estão propagando para milhares de pessoas. Nessa perspectiva, discutiremos mais a fundo alguns pontos já levantados neste capítulo e no capítulo anterior sobre a forma padronizada e binária de gênero com que as marcas, em geral, retratam seus atores sociais e de como isso colabora para a construção de novos paradigmas sociais, especialmente no que tange às questões de identidade de gênero.

3. PUBLICIDADE & GÊNERO: ANÁLISE DE CASOS

Neste capítulo traremos a análise de casos sob as perspectivas de gênero e da publicidade enquanto ferramenta geradora de significados, conforme discutimos no capítulo


41

anterior. Para tanto, dividiremos a análise em dois principais momentos, conforme segue abaixo. Na primeira parte, fizemos um recorte entre as três maiores anunciantes de publicidade de bens de consumo no Brasil, em 2014, dado mais recente até o presente trabalho ser escrito, conforme dados do Ibope Media, em matéria escrita por Barbosa (2015) da revista Exame12. São eles, em ordem decrescente: Unilever, Ambev e Reckitt Benckiser Group. Com o intuito de ter uma maior profundidade em nossa análise, escolhemos três marcas de cada uma dessas empresas para conduzir o nosso estudo. São elas, respectivamente: REXONA, SKOL e VANISH. A ideia, nessa primeira etapa, é que possamos entender a relação entre o alto investimento em publicidade dessas marcas, que pressupõe, como falamos no capítulo acima, uma amplificação da mensagem para um número de milhões de pessoas no Brasil, e o estilo de vida moldado pelos significados culturais que essas mensagens estão reverberando para a sociedade. Em paralelo, e como segunda etapa da análise, escolhemos dois casos de marcas brasileiras que estão falando, de alguma forma, com o universo da identidade de gênero. A partir da discussão que iremos gerar em cima desses exemplos, criaremos algumas conclusões importantes sobre o comportamento da publicidade brasileira na contemporaneidade, e como esta está ajudando na construção do debate sobre gênero, binarismo e heteronormatividade compulsória, para usar os termos que utilizamos no capítulo dois deste trabalho.

3.1. Análise das três marcas com maior investimento em publicidade Para iniciarmos as análises das três marcas com um dos maiores investimentos em publicidade no Brasil, como dito anteriormente, a cerveja Skol, o desodorante Rexona e o alvejante Vanish, é importante apontarmos alguns aspectos para nos atentarmos. Primeiro, todos os comerciais analisados foram veiculados em TV aberta, alguns, inclusive, em programas com altos índices de audiência, como por exemplo, o programa Fantástico, da Rede Globo. No decorrer do subcapítulo, pontuaremos quais são os veículos referentes a cada vídeo publicitário.

12

Disponível em: <http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/os-30-maiores-anunciantes-do-brasil-em2014#1> Acesso em: 17 de abril de 2016.


42

Em segundo lugar, com o intuito de criar uma coerência na análise dos diferentes casos, focaremos o estudo em três pontos focais: os papeis dos atores sociais em cada comercial, o ambiente e o contexto em que os vídeos são retratados e os relacionamentos entre os personagens. Dessa forma, estaremos seguindo os princípios de interpretação de uma imagem, de forma adaptada a este estudo, segundo Duarte e Barros: “Para analisar uma imagem é preciso estabelecer um percurso que envolve algumas etapas ou procedimentos metodológicos. São eles a leitura, a interpretação e finalmente a síntese ou conclusão final.” (2012, p. 334) E, além disso, e especificamente no caso de análises de vídeos, “a análise da imagem cinética, para além da aparente naturalidade propiciada pelo movimento, deve levar em conta especialmente os aspectos temporais desse registro visual, o desenrolar da cena, e a forma pela qual se mostram esses momentos.” (DUARTE; BARROS, 2012, p. 341). Assim, poderemos relacionar as questões de gênero discutidas no segundo capítulo deste trabalho e de que forma a publicidade ajuda a construir essas questões. Em último lugar, todos os vídeos publicitários e storyboards aqui analisados foram retirados do site Arquivo da Propaganda13, que reúne em uma única plataforma, todas as comunicações veiculadas em mídias – jornais, revistas, televisão, rádio etc. – das principais marcas brasileiras. Eventualmente, complementaremos a análise dos vídeos com peças de publicidade digital, encontradas majoritariamente nas redes sociais de cada marca analisada. Quando isso acontecer, apontaremos, para cada caso, onde essas peças podem ser encontradas.

3.1.1. Cerveja Skol Iniciaremos nossa análise com a marca de cerveja Skol, e falaremos especificamente sobre três filmes de trinta segundos veiculados na Rede Globo e Rede Record, em horário nobre. Chamaremos os vídeos respectivamente aos programas que estes foram veiculados: Skol – Império, Skol – Jornal Nacional e Skol – Os Dez Mandamentos. Ou seja, estamos falando de duas novelas (Império, da Rede Globo e Os Dez mandamentos, da Rede Record) com altos índices de audiência e também de um programa jornalístico, o Jornal Nacional, também da Rede Globo. Daqui já podemos aferir que, por terem sido veiculados em horário nobre da televisão aberta, foram vistos em grande escala e por todo o território nacional.

13

Disponível em: <http://www.arquivo.com.br/>. Acesso em: 23 de março de 2016.


43

Outro ponto de atenção, especificamente relativo à categoria de cerveja, é o fato de ser uma categoria historicamente conhecida por seu conteúdo sexista e muitas vezes machista em suas peças publicitárias, geralmente com excessivo foco em mulheres parcialmente despidas e forçadamente sexualizadas e objetificadas. Mesmo que este tipo de conteúdo tenha diminuído ao longo dos anos, ainda encontramos resquícios históricos nas propagandas atuais. Abaixo veremos os três storyboards relativos aos vídeos publicitários de Skol, todos veiculados ao longo de 2015, e uma breve descrição de suas respectivas cenas:

Figura 3. Comercial Skol veiculado durante a novela Império, da Rede Globo

Na Figura 3, temos um comercial veiculado durante a novela Império, da Rede Globo, onde temos a presença de um protagonista masculino que, a partir do momento que aperta um botão da Skol, passa de uma luta em um ringue de box, a um salto de paraquedas, chegando a uma festa em um barco em alto mar junto da atriz Deborah Secco.


44

Figura 4. Comercial Skol veiculado durante o Jornal Nacional, da Rede Globo

Na figura 4 temos o vídeo de uma viagem à Las Vegas, nos Estados Unidos, patrocinado pela marca Skol e que é a história de uma promoção que a marca lançaria no futuro para seus consumidores. No vídeo, temos a presença de um macaco animado que nos conduz a uma retrospectiva da viagem de um grupo de amigos homens à Las Vegas.


45

Figura 5. Comercial Skol, veiculado durante a novela Os Dez Mandamentos, da Rede Record.

Na figura 5, a marca Skol utiliza-se de um personagem múltiplo chamado de “profissa” que realiza e dita tudo o que acontece durante as cenas, em uma espécie de guru mágico que tem o poder de fazer o que quiser. A brincadeira com o “profissa” acontece para anunciar uma promoção da marca. Com o intuito de analisar o posicionamento da marca de cervejas Skol de uma forma mais abrangente, analisaremos os três vídeos de modo a agrupar semelhanças que sintetizem a visão da marca. Peculiaridades de cada um deles serão apontadas quando necessário. A característica que mais se sobressai entre todos os elementos dos vídeos é o protagonismo dos personagens de sexo biologicamente masculinos, reflexo, segundo o que foi discutido no capítulo dois deste trabalho, e fazendo um paralelo com as situações apresentadas, da dominação masculina. Ou seja, os papeis sociais nos vídeos ficam bastante claros: de um lado, personificado na figura do “profissa”, o protagonismo praticamente heroico e destemido do homem heterossexual. Como explicitado por Bourdieu (2002, p. 13), “A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-


46

se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem legitimá-la.”. Do outro lado, o papel das mulher, também heterossexual, em uma posição de coadjuvante das cenas, presente apenas na presença dos protagonistas, de forma passiva. Esses papeis sociais ficam ainda mais evidentes quando analisamos mais detalhadamente como esses personagens são retratados. É bastante simbólico, por exemplo, a fala do narrador do filme da figura 5, da novela Os Dez Mandamentos da Rede Record, ao dizer, referindo-se ao “profissa”, que “e o que o profissa sonha, acontece”. De alguma forma, essa frase resume de forma assertiva a história retratada durante o comercial: que os homens, protagonistas, ditam as regras em todas as situações – seus hábitos, como o abrir uma garrafa de Skol com o antebraço, vira notícia de TV; a dança, ao abrir a geladeira para pegar outra cerveja, se transforma em uma dança sexualizada de mulheres com shorts que deixam à mostra coxas e bumbum; ou, fantasiosamente, a mágica de fazer aparecer garrafas de Skol cheias para impressionar a plateia, que, no caso do filme, é composta apenas por mulheres. Ou, ainda, no filme da Figura 3, a imagem de um protagonista aventureiro que está disposto a lutar em um ringue e pular de paraquedas em alto mar para chegar a uma festa e impressionar, mais uma vez, uma plateia, dessa vez representada pela atriz Deborah Secco. Ou seja, a figura do homem, heterossexual, representando um papel ativo, corajoso, destemido e que detém o poder da conquista em suas mãos. Por outro lado, de maneira totalmente coadjuvante, o papel da mulher, que, no limite, é representada durante o filme da Figura 4, em Las Vegas, com a cabeça de um unicórnio, durante o segundo dezenove. Essa objetificação é extremamente importante para entendermos que, nos filmes da marca Skol aqui analisados, as mulheres são representadas como adornos que enfeitam a festa dos homens. As roupas extravagantes e cheias de brilho, a maquiagem e a produção digna de uma festa de Hollywood durante uma tarde na piscina, enquanto os homens estão apenas vestidos com trajes de banho, reflete um papel histórico de uma mulher que está sempre pronta e bonita e que, além disso, deve ser sempre vaidosa e delicada à espera de um homem, seja na plateia que comentamos acima, impressionada com seus dotes mágicos, ou seja à espera, de braços abertos, depois de um dia cheio de aventuras e esportes radicais. Podemos, inclusive, fazer um paralelo, ainda referenciando Bourdieu (2002), entre os papeis sociais público versus privado. Cabe aos homens, destemidos, as atividades de maior ação e risco – o pular de paraquedas, a luta no ringue de boxe ou, ainda, a pessoa responsável por comandar uma grande festa em sua casa em Las Vegas. Às mulheres, nunca atuando sozinhas e todas as vezes ao lado dos protagonistas da ação, passivas e surpresas com seus


47

superpoderes. Ou seja, ao elemento masculino, o poder da ação, do fazer, do conquistar e do desafiar e ao elemento feminino, o receber, o contemplar, o esperar – o público, a aventura; o privado, o cuidar. Movendo dos papeis sociais para os ambientes em que os filmes são retratados, devemos relembrar que a publicidade, enquanto instrumento de representação cultural, é, segundo Rocha (2006), um veículo de propagação de estilos de vida. Nesse caso, os comerciais analisados possuem, majoritariamente, um ambiente de festa, de alegria e de curtição. O que faz sentido quando pensamos que a marca Skol, historicamente, se comunica diretamente com jovens que estão na fase de se divertir com amigos. Entretanto, criticamente, esse ambiente de festa não limita, na vida real, o protagonismo de nenhum gênero. Porém essa neutralidade não é retratada nas festas de Skol, uma vez que, como dissemos acima, o protagonismo fica, em cem por cento do tempo, no papel do homem. Outro aspecto importante para a nossa análise, também teorizado por Rocha (2006), é de que a publicidade é um local de encontros. Nesse caso, as relações construídas em todos os filmes reforçam e perpetuam a binaridade de gênero: todo vínculo retratado é predominantemente heterossexual, seja em Las Vegas com o casamento entre um casal composto por um homem e uma mulher, seja nas formas de conquista durante os filmes, que sempre levam os protagonistas a uma (ou algumas) personagem do sexo feminino. E não só isso, como também é notório, nas entrelinhas dos filmes, o “clube do bolinha”, pois em todas as situações temos a figura do protagonista cercado por seus amigos homens o incentivando a tomar as ações das cenas. Ou seja, consequentemente, a mensagem que ressoa aos milhares de consumidores que assistem filmes publicitários em TV aberta durante o horário nobre das principais emissoras do país, em território nacional, é a de que o estilo de vida de quem consome a marca Skol é composta por festas heterossexuais, sem diversidade de gênero, onde os homens são protagonistas e as mulheres funcionam como enfeites contemplativos das aventuras e ações tomadas pelos primeiros. No limite, que cerveja é para aqueles que tem atitude e que ditam as regras, que são destemidos e com espírito aventureiro: os “profissas”. 3.1.2. Desodorante Rexona Para a análise dos filmes do desodorante Rexona, utilizaremos duas campanhas que estão sendo atualmente veiculadas, referentes ao novo produto da linha, chamado de “Rexona Motion Sense”. Neste caso, temos dois vídeos de trinta segundos cada, ambos veiculados em


48

horário nobre da televisão, na Rede Globo e na Rede SBT, respectivamente, e cada um deles é especificamente voltado para um gênero: “Rexona Men”, para indivíduos nascidos com um aparelho reprodutor masculino e “Rexona”, para as que possuem um aparelho reprodutor feminino, como segue abaixo em seus respectivos storyboards.

Figura 6. Comercial Rexona, veiculado durante a novela Totalmente Demais, da Rede Globo.

No comercial acima, a marca Rexona anuncia a sua nova tecnologia “Motion Sense”, que ativa partículas especiais conforme o movimento do consumidor, protegendo-o por mais tempo. Nas cenas, em que mulheres utilizam uma pulseira que monitora movimentos, assistimos ao dia a dia de mulheres que, entre outras coisas, trabalham em uma floricultura, vão à academia e saem com as amigas para uma festa.


49

Figura 7. Comercial Rexona Men, veiculado durante o SBT Repórter, da Rede SBT.

Diferente do comercial da Figura 6, aqui o novo Rexona é anunciado sem a presença das pulseiras, e temos a figura de um protagonista masculino que vive o período de um dia inteiro, entre sair pela manhã para correr, estar com amigos e fazer uma festa no entardecer. Nas cenas, entre outras coisas, o protagonista desvia de um cachorro, de uma escada, joga golfe com os amigos e brinca dentro de um carrinho de supermercado. É importante que façamos uma observação, especificamente para o caso dessa linha de desodorantes, referente a fatores biológicos que diferenciam o organismo masculino do feminino, ou seja, reações químicas, fisiológicas e biológicas que fazem diferente um corpo masculino de um corpo feminino. Nesse sentido, segundo Laraia, A espécie humana se diferencia anatômica e fisiologicamente através do dimorfismo sexual, mas é falso que as diferenças de comportamento existentes entre pessoas de sexos diferentes sejam determinadas biologicamente. A antropologia tem demonstrado que muitas atividades atribuídas às mulheres em uma cultura podem ser atribuídas aos homens em outra." (LARAIA, 2008, p. 19).


50

Em outras palavras, para esta análise não abordaremos questões de cunho científicobiológico dos sujeitos, pois o foco do estudo é justamente a análise antropológica relacionada ao comportamento dos atores sociais e dos ambientes em que estão envolvidos, sob a ótica da discussão de identidade de gênero. Dito isso, podemos partir para a análise dos atores sociais representados em cada um dos vídeos acima. É interessante notar a clara diferença de comportamento quando comparamos o vídeo “para homens” do “para mulheres”: no primeiro caso, temos a figura de um único protagonista que, ao passar do dia, vive diferentes situações: a aventura de desviar de um cachorro e de uma escada enquanto está praticando um esporte, o fato de estar o tempo inteiro brincando e se divertindo com os amigos, de maneira despojada e despretensiosa, como por exemplo, jogar golfe em cima de um palete de madeira na beira de um rio, ou entrar dentro de um carrinho de supermercado e ser empurrado pelos corredores com os amigos. Isso nos dá a sensação de um ambiente de molecagem, informal e divertido, até mesmo nas situações de “risco”, como a cena em que o protagonista desvia de um cachorro. Já no segundo vídeo, ainda que as situações cotidianas das mulheres sejam representadas de uma forma leve, temos a sensação de que todas elas são dedicadas, comprometidas e vaidosas. Percebemos isso em algumas situações: seja na corrida para pegar o ônibus, em uma evidente preocupação de não estar atrasada, seja durante o trabalho na floricultura, ou ao se exercitar seriamente na academia; durante a festa, todas estão arrumadas, o que demonstra um cuidado especial por estar sempre bem. E, além disso, temos a presença da pulseira que monitora os movimentos das atrizes durante todo o comercial; pulseira esta que tradicionalmente pertence ao universo feminino: com brilho e coloridas. E que não estão presentes no comercial de Rexona Men, ainda que estejamos falando de dois produtos com as mesmas técnicas e características. Aqui, podemos fazer uma correlação ao que Bourdieu (2002) escreveu sobre os “sistemas de oposições homólogas”, como discutido no capítulo dois deste trabalho. Fica evidente, depois de analisados os dois filmes de Rexona, que ao homem cabe elementos de força, coragem e destreza e, às mulheres, a delicadeza, a vaidade e a sutileza. Situações de certa forma opostas que reforçam e perpetuam a naturalidade da ordem heterossexual, normativa e padrão das coisas: os atores sexuais masculinos estão sempre envolvidos em situações que os masculinizam enquanto as atrizes perpetuam as feminilidades.


51

Conseguimos notar essa diferenciação, inclusive, quando analisamos a diferença de tons que os dois vídeos relacionam a cada um dos gêneros. De um lado, a aventura, o despojamento, a informalidade e a destreza do homem Rexona; de outro, a delicadeza, o comprometimento e a vaidade da mulher Rexona. E, reforçando essa diferença, podemos notar a utilização de tons mais claros, coloridos e vibrantes, relacionados ao universo feminino, enquanto temos tons mais escuros relacionados ao universo masculino. Uma vez mais conseguimos observar, como falamos no capítulo sobre gênero, como determinadas cores e determinadas situações são automaticamente relacionadas a um gênero ou a outro. De uma forma mais sutil: aos homens, o azul, e às mulheres, o rosa. Temos a impressão de que estes atores sociais representados pelos comerciais de Rexona aproximam-se muito mais dos sujeitos do Iluminismo e do sociológico de Hall (2005), pois parecem perpetuar “eus interiores” que não se modificaram com a evolução da sociedade, ou seja, ainda continuam representando força e destreza ao gênero masculino, dono do mundo público e delicadeza e vaidade ao feminino, pertencente ao mundo privado. Esse aspecto que relaciona ao universo feminino elementos da vaidade fica ainda mais evidente quando observamos em um post patrocinado da marca Rexona, e por patrocinado entendemos que houve, por parte da marca, um investimento em dinheiro que permitiu que a publicação fosse vista por um número maior de consumidores – nesse caso, segundo a página oficial da marca no Facebook, foram impactados oitenta e cinco mil consumidores14 –, uma foto de um desodorante dentro de um ambiente composto por produtos de beleza, com maquiagens, batons, perfumes, pinceis de pintura do rosto etc, e uma legenda que incentiva a vaidade e o “estar sempre linda” quando estiverem fora de casa. Ou seja, é o produto generificado, feito para mulheres.

14

Disponível em: <https://www.facebook.com/RexonaBR/photos/a.451824941589103.1073741828.415918035179794/666624096 775852/?type=3&theater>. Acesso em: 10 de abril de 2016.


52

Figura 8. Comunicação de Rexona, veiculada no Facebook da marca.

3.1.3. Alvejante Vanish Utilizaremos, para a análise do alvejante Vanish, três filmes veiculados na Rede Record e Rede Globo, como segue abaixo em seus respetivos storyboards:


53

Figura 9. Comercial Vanish, veiculado durante a novela I Love Paraisópolis, da Rede Globo.

No filme acima, uma locutora, vestida com uma camisa rosa, propõe uma prova chamada de “uniforme super branco”, em que as duas participantes, uma vestida de branco e outra de azul bebê, lavam duas camisetas brancas com alvejantes diferentes, sendo um deles o Vanish. A ideia do filme é mostrar que o Vanish deixa as roupas mais brancas, e isso é provado quando as duas camisetas, depois de lavadas, são mostradas para a câmera, e a que foi lavada com Vanish está, de fato, mais branca.


54

Figura 10. Comercial Vanish, veiculado durante o jornal Cidade Alerta, da Rede Record.

Já no comercial da Figura 10, temos dois momentos que mostram como um casal recém casado e uma mulher com quatro filhos tiraram as manchas sujas das roupas. Nas duas cenas, eles demonstram como é simples retirar manchas escuras com a aplicação do alvejante Vanish de uma forma fácil e rápida. Tudo isso de uma forma que pressupõe uma interação dos consumidores ao perguntarem “Como tirar manchas sem perder tempo?”.


55

Figura 11. Comercial Vanish, veiculado durante a novela Os Dez Mandamentos, da Rede Record.

No filme da Figura 11, o locutor pergunta às consumidoras quanto tempo elas levam para tirar uma mancha. Na sequência, três mulheres respondem que demoram um certo tempo para fazê-lo, e é quando o locutor entra novamente em ação apresentando o novo Vanish OxiAction, que promete tirar uma mancha em apenas trinta segundos. As consumidoras são convidadas a realizarem o teste, e aplicam o produto em diferentes manchas de roupa e, ao passar os trinta segundos prometidos, as manchas de fato são apagadas do tecido branco. O primeiro ponto de atenção que devemos destacar ao assistir os vídeos de Vanish é que, majoritariamente, os atores sociais são representados por mulheres, ainda que em uma das cenas temos a figura de um homem. Já aqui podemos depreender que, dentro do universo de limpeza e cuidados com as roupas, quem toma a dianteira e é protagonista é a figura feminina, representada por diversas mulheres ao longo dos comerciais. Ou seja, inconscientemente o papel da dona de casa, que trabalha fora e ainda cuida dos filhos e dos cuidados do lar é reforçado. Mais uma vez podemos fazer a relação entre o público e o privado, de Bourdieu (2002, p. 34), “As mulheres, pelo contrário, estando situadas do lado do úmido, do baixo, do


56

curvo e do contínuo, veem ser-lhes atribuídos todos os trabalhos domésticos, ou seja, privados e escondidos, ou até mesmo os invisíveis e vergonhosos, como o cuidado das crianças e animais [...]”. E, ainda que vejamos mulheres que nos filmes possuem um discurso de que trabalham e de um dia a dia corrido, notamos claramente que a função dona de casa ainda recai sobre elas – fato que corrobora o estudo que vimos no capítulo 2 deste estudo, em que mulheres, em comparação com os homens, passam o dobro do seu tempo cuidando de tarefas domésticas. Uma outra evidência dessa relação praticamente direta entre limpeza e o papel das mulheres, que repete-se ao longo desta análise, é o fato da marca Vanish ser rosa e explorar essa cor e cores mais leves em todos os seus comerciais. A impressão que nos passa é de que não só os atores sociais nos levam a entender que o estilo de vida do produto é feito para ser utilizado por mulheres como estampam isso na própria embalagem, utilizando uma cor que historicamente é relacionada ao feminino, à leveza, e a delicadeza. Ou seja, mais uma vez, da mesma forma que acontece com Rexona, presenciamos a generificação de um produto. Vanish possui um papel performativo explícito na vida dos consumidores que o utilizam, da mesma forma que o filme relaciona limpeza à pessoas do sexo feminino: repetição e performance, como vimos com Butler (2015). Nesse ponto específico, e trazendo novamente a discussão sobre as identidades de Hall (2005), percebemos que ao reforçar um estereótipo da mulher dona de casa, a marca Vanish contribui poderosamente, dado o seu poder de influência e impacto, para a construção de uma identidade feminina diretamente relacionada aos cuidados de casa. Se quando Simone Beauvoir diz que uma mulher não nasce mulher, ela torna-se uma mulher, aqui, além de tornar-se mulher, ela é automaticamente e naturalmente pertencente ao mundo privado da casa, dos filhos e dos cuidados domésticos. Outro ponto interessante é notar a construção do ambiente em segundo plano dos filmes, em especial na Figura 9, que na abertura mostra, ao fundo, crianças e um casal heterossexual, passando-nos a ideia de família (tradicional) e no plano principal as mulheres que lideram essa evolução na forma de limpar uma mancha. O mesmo acontece no final deste mesmo filme, a partir do segundo quinze, quando a mesma mulher que anteriormente fazia o teste do super branco, passa ao fundo com crianças, supostamente seus filhos. Ou seja, mesmo nos detalhes que ficam nesse segundo plano, a mensagem estereotipada é reforçada. Não só isso, mas temos a sensação de que a publicidade dos produtos de Vanish ajudam na categorização social, como discutimos em Rocha (2006). Os filmes já representam, em forma de estilo de vida, tudo que uma pessoa do sexo feminino pode e deve ser: mãe, esposa, dedicada, vaidosa e do lar.


57

E mesmo quando se trata das relações que o filme expõe, temos a presença no filme da Figura 10 de um casal, heterossexual e recém casado. E ainda que, no discurso do filme seja o homem que conduz a limpeza da mancha na roupa, sua mulher nunca sai do seu lado, em uma espécie de legitimação da situação, pois é ela, historicamente, a perita em cuidados de casa. Em nenhum momento podemos observar a figura masculina tomando a frente dos deveres de casa, em um ato de desconstrução dessa correlação direta entre deveres de casa e a figura feminina. Além disso, é interessante notar que a figura feminina nos filmes de Vanish sempre estão associadas à maternidade: seja no filme da Figura 10 quando a personagem diz “trabalhar e ter quatro filhos”, ou na Figura 9, com as crianças ao fundo em segundo plano. Cria-se um imaginário de relações em que não só a mulher é a dona de casa como também sempre está cercada pela figura dos filhos e, em alguns casos, do marido. Não vemos explicitamente uma mulher solteira, independente ou, ainda, diversidade de gênero. Os filmes seguem um padrão heterossexual e normativo, reforçando os papeis estabelecidos historicamente, no caso, para as mulheres.

3.2. Marcas que estão quebrando os padrões binários de gênero A partir de agora, veremos brevemente alguns exemplos mais recentes de marcas que estão indo ao encontro das discussões de gênero e de identidade. Marcas que, de alguma forma, colaboram para a disseminação de um discurso com mais diversidade e, acima de tudo, respeito a todas as formas de ser. São elas: L’Oréal Paris e AXE. Importante ressaltar que as duas campanhas que analisaremos a seguir possuem uma diferença bastante relevante em comparação às outras analisadas no subcapítulo anterior. Elas foram veiculadas apenas nas plataformas digitais de suas respectivas marcas, e não em TV aberta, como é o caso de Skol, Rexona e Vanish. Aqui já podemos apontar uma característica fundamental para a nossa análise: enquanto os maiores anunciantes de publicidade investem grandes quantidades de dinheiro em veículos de comunicação aberta, como a televisão, reproduzindo e perpetuando, como vimos acima, discursos que reforçar a binaridade de gênero, é no digital que marcas menores, no sentindo de possuírem menores investimentos em meios tradicionais, investem suas comunicações para desafiar o status quo tradicional, binário e normativo.


58

Abaixo veremos, primeiramente, a campanha de L’Oréal Paris, em um vídeo comemorativo do dia 8 de março: o Dia das Mulheres, que pode ser encontrada em sua página do Facebook15.

Figura 12. Print Screen do filme de L’Oréal Paris, em sua página do Facebook.

O filme, que possui cinquenta e oito segundos, conta a história de uma mulher transgênera – chamada Valentina – que finalmente consegue obter legalidade para possuir uma carteira de identidade que a identifique como uma pessoa de gênero feminino. No filme, Valentina se arruma para tirar a foto da sua nova carteira de identidade. E em seu discurso, Valentina diz: “Beleza é algo que transcende o nosso corpo: vem da alma. Eu amo ser mulher. É muito bom a gente se aceitar, se amar, reconhecer o nosso valor. O dia da mulher? Eu acho importante sim. Mas não pra ganhar flores. A gente quer respeito. Esse é meu primeiro dia da mulher... Oficialmente. ‘Tô’ pronta.”. Na sequência, um lettering com a seguinte frase aparece no filme: “Valentina é uma mulher transgênera. E esta é a foto da sua nova carteira de identidade, finalmente como Valentina. 8 de março. Toda mulher vale muito.”

15

Disponível em: <https://www.facebook.com/lorealparisbrasil/videos/1094733087216930/> . Acesso em: 22 de abril de 2016.


59

Ainda que no filme o foco se dê no momento em que Valentina está se preparando para tirar a nova foto para sua identidade, em meio a diversos itens de maquiagem, ou seja, uma cena típica geralmente pertencente ao universo feminino, como vimos no exemplo de Rexona, temos aqui a primeira grande desconstrução: estamos falando de uma pessoa nascida biologicamente com um aparelho reprodutor masculino que se identifica como uma pessoa do gênero feminino e que, portanto, está vestida, produzida e utilizando de adereços e ferramentas de beleza que são pertencentes, tradicionalmente, apenas ao mundo de pessoas nascidas biologicamente do sexo feminino. Ou seja, aqui estamos diante de uma construção de identidade, lembrando do que discutimos em Hall (2005), muito mais próxima do sujeito pós-moderno e longe de um “eu interior” imutável. Quem está em questão é um ser biologicamente masculino que se tornou mulher com o passar dos anos. Outro ponto importante que podemos destacar é a primeira frase do discurso de Valentina, quando ela diz que a “beleza vem da alma”. Beleza, nesse caso, pode ser entendida como a beleza feminina, da vaidade, do cuidado com o corpo. E podemos fazer uma correlação direta com o que Butler (2015) afirma quando diz que sexo biológico e identidade de gênero não são, de maneira nenhuma, correspondentes. A beleza, nesse caso representada pela feminilidade de Valentina, vem “da alma”, ou seja, de um ponto mais profundo e mais íntimo que nada tem a ver com o sexo biológico do nascimento. A desconstrução, nesse caso, é justamente a apropriação de todos os elementos femininos em um corpo biologicamente masculino, diferente das drag queens, estudadas por Butler (2015), que simplesmente performam um outro gênero, aqui estamos falando de uma identidade que transcendente a performance. Estamos falando de uma identidade de alma. O vídeo, que de acordo com a contagem da própria página do Facebook, em março de 2016, foi visto por mais de três milhões e meio de pessoas, passa uma mensagem de extrema importância em um cenário social, que, como vimos anteriormente, não é muito favorável aos gays, lésbicas e pessoas transgêneras. A mensagem, dita pela própria Valentina, tem a ver com respeito. E nesse sentido, considerando a força da publicidade enquanto ferramenta de disseminação de conteúdo, e, segundo McCracken (2003), como método de transferência de significados, a mensagem se torna ainda mais poderosa, pois reflete uma realidade social cada vez mais latente ao mesmo tempo que ajuda a disseminar novos significados culturais, como, no caso, um Dia das Mulheres feito para todas as mulheres, mesmo aquelas que não são nascidas biologicamente femininas. E, ao propagar esses novos sistemas simbólicos, fruto de uma parte


60

da população que vive à margem do que é aceitável em sociedade, colabora para, aos poucos, disseminar também uma mensagem de paz, aceitação e diversidade. Sobre esse ponto, e ainda utilizando McCracken (2003) em seu discurso sobre o sistema de modas, o filme protagonizado por Valentina representa uma comunidade LGBTT que atua constantemente na subversão de padrões binários, heterossexuais e compulsórios. Ou seja, ao colocar uma transgênera como protagonista de um filme historicamente protagonizado por mulheres, heterossexuais e biologicamente femininas, no Dia da Mulher, em uma categoria de beleza voltada também para esse nicho padrão, L’Oréal ajuda na desconstrução da binaridade de gênero. E isso fica ainda mais evidente quando, explicitamente, no fechamento do vídeo, a marca conta que Valentina é uma mulher transgênera. Utilizando o que Rocha (2006) diz sobre publicidade e representação, temos um claro exemplo de uma marca que soube utilizar um dia tão simbólico em nossa cultura para falar sobre representatividade e sobre identificação de gênero e, mais do que isso, como milhares de pessoas iguais à Valentina podem – e devem – se sentir representadas e respeitadas em um dia como esse. Seguindo a mesma lógica de desconstrução normativa, em recente lançamento do seu novo posicionamento global, a marca de desodorantes AXE quebra com o estereótipo, exaustivamente utilizada por suas campanhas anteriores, do macho-alfa que possui todas as mulheres aos seus pés. Lançada em janeiro desse ano, o filme celebra a diversidade dos diversos biotipos e estilos de ser “homem”: com nariz grande, com salto alto, com estilo, com barba, com atitude etc. Abaixo, encontramos a narração do filme de um minuto, veiculado, como aconteceu com L’Oréal, também na página do Facebook16 da marca. Ao longo da narrativa, as cenas acompanham o discurso do locutor, mostrando diferentes tipos de atitude relacionadas ao homem contemporâneo.

16

Disponível em: <https://www.facebook.com/axebr/videos/10154464790482841/> . Acesso em: 22 de abril de 2016.


61

Figura 13. Print Screen do filme “Find Your Magic” de AXE, em sua página do Facebook.

A narração diz: “Fala sério... Quem precisa de tanquinho quando você tem o nariz? Ou de nariz quando você tem esse estilo? Você não precisa de estilo quando tem o swing... Nem swing quando você tem atitude. Ou atitude quando você arrasa no salto alto. Pra quê salto alto quando você tem rodas? Boa pinta? Cara, quem precisa de boa pinta quando você tem conteúdo? Ou conteúdo quando você tem culhões? E quem precisa disso tudo se você tem a manha? Se você manda muito, se você tem um cérebro, o toque, o... oh! (no vídeo aparece um homem de barba grande com gatinhos nos ombros). É... Quem precisa de outra coisa quando você tem a sua? Então vai, deixa no jeito. Encontre sua mágica.” De forma similar ao exemplo analisado anteriormente da marca L’Oréal Paris, temos aqui mais um caso de construção de identidade do sujeito pós-moderno de Hall (2005). Ainda que não exista explicitamente nenhum personagem transgênero, o filme de AXE celebra os diferentes jeitos de ser, e, mais especificamente, os diferentes estilos do homem contemporâneo. E é interessante perceber que, historicamente, como dito acima, AXE vendia seus produtos utilizando-se sempre de uma prerrogativa exclusivamente pautada na figura do macho-alfa, que, ao utilizar os desodorantes AXE, automaticamente tinha todas as mulheres


62

caindo aos seus pés. Típico estereótipo que não ajuda na construção de uma identidade diferente da heterossexual normativa. Como o próprio diretor sênior da marca AXE em Amsterdam, Matthew McCarthy, disse em uma entrevista ao site AdAge17: Se olharmos para todas as peças da campanha, é possível ver que elas abrem um tremendo espectro sobre o que é a masculinidade. Isso inclui atributos pessoais, como cabelo, nariz, tipo de corpo, estilo de roupas, estilos de vida. Nós queremos deixar claro que não importa como você define sua masculinidade, algo bem diferente de muitas histórias que já contamos no passado. (MCCARTHY apud GONZAGA, 2016, n.p.)

Ou seja, existe, abertamente, um novo tipo de celebração, a dos diferentes tipos de masculinidade. E é bastante forte a imagem da Figura 13, que no filme representa um ator usando roupas diferentes dos padrões heteronormativos e, além disso, dançando em cima de um salto alto, símbolo histórico de feminilidade. A sensação é de quebra, de rompimento de padrões estéticos, visuais e de estilos de se vestir, reflexo de uma pluralidade cada vez mais latente em nossa sociedade atual, em que homens, nascidos – ou não – biologicamente masculinos, estão usando maquiagens, vestindo roupas que até então eram exclusivamente feitas para mulheres e se apropriando de movimentos e estilos conhecidos por serem femininos. E, quando uma marca como AXE quebra um estereótipo popularmente aceito, como é o caso do macho-alfa, ela está, automaticamente, ajudando no que Rocha (2006) entende por estilos de vida construídos por meio da publicidade. Ou seja, como a própria chamada do post do Facebook diz, na figura 13, “mostre o que você tem de melhor, não há regras”, a marca estimula a pluralidade dos diferentes estilos de vida, abraçando uma nova fatia de sujeitos masculinos pós-modernos que não mais se identificam com a binaridade de gênero padronizada e compulsória. E, além disso, incentiva a diversidade desses estilos diferentes dos padrões heterossexuais, fortes e viris, como vimos, por exemplo, no filme de Rexona Man. AXE, ao propagar a mensagem de tolerância à diversidade de estilos, atingindo até o presente momento, quase três milhões de consumidores, celebra a beleza da essência individual, independente de estereótipos.

17

Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/2016/01/15/propaganda-liberta-homens_n_8992726.html> . Acesso em: 22 de abril de 2016.


63

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o início deste trabalho, tínhamos como principal objetivo discutir as nuances dos discursos publicitários e de como estes relacionavam-se com as questões atuais sobre identidade de gênero. A ideia, ao escolher os três maiores anunciantes de mídia em publicidade, no Brasil, era a de justamente conseguir criar algum tipo de correlação entre o poder de amplificação que as mensagens destas marcas estavam passando aos consumidores e o impacto em relação às questões de gênero. Não só, mas especificamente no que diz respeito à construção de uma cultura mais diversa, com significados culturais e valores sociais diferentes da norma heterossexual, bastante em linha com o que vimos, no capítulo dois, com o que acontece atualmente em nossa sociedade, ou seja, sujeitos que manifestam uma sexualidade cada vez mais fluida e transitiva e, aos poucos, mais distante do binarismo de gênero. E, ao escolhermos o caminho de analisar os três maiores anunciantes de publicidade no Brasil, assumimos que estes são, hoje, os discursos e mensagens que, pelo tamanho do investimento em mídia que possuem, têm a maior capacidade de capilaridade e alcance por todo o território brasileiro, associado ao fato de a publicidade em nosso país ser ao mesmo tempo reflexo e protagonista das construções sociais. Ou seja, as mensagens que têm sido reverberadas em nossa sociedade e, automaticamente, incorporadas em nossa cultura e em nossos estilos de vida diários, vem diretamente destas três marcas. E é a partir desse raciocínio que podemos apontar algumas direções que fecham as análises deste trabalho. Quando pensamos no que Stuart Hall (2005) teoriza sobre as “identidades descentralizadas” ou ainda os “multivíduos” de Canevacci (2008), ou seja, uma mudança cada vez mais latente na sociedade contemporânea dos sujeitos e como eles se identificam com o ambiente em que estão inseridos, e, no caso aqui explorado, no que diz respeito à identidade de gênero propriamente dita, percebemos que os discursos analisados de Skol, Rexona e Vanish parecem não se manifestar nesse sentido. Vimos, ao contrário, discursos que mais corroboram com um modelo antigo e binário, que colocam em evidência um sistema de oposições homólogas, como pontuado por Bourdieu (2002), entre sujeitos masculinos versus sujeitos femininos, reforçando e forçando uma naturalidade heterossexual compulsória, composta unicamente por sujeitos de gêneros inteligíveis. Além disso, passam mensagens que continuam a perpetuar um sistema de dominação masculina, como também vimos em Bourdieu (2002), em que, “no limite, homens ainda estão sendo convidados a atuar como soldados, e mulheres a


64

brincar de bonecas com elas mesmas.” (BAUDRILLARD, 1998, p. 97, Tradução livre do autor)18. E, se no capítulo dois entendemos que, segundo Butler (2015), gênero é performance, observamos também que os atores sociais que hoje representam os consumidores nas campanhas publicitárias dessas grandes marcas estão performando papeis exclusivamente heterossexuais, sem diversidade de gênero, que perpetuam a binaridade normativa. Mais do que isso, a repetição dessa performance ao longo dos anos ajuda na construção de uma identidade maior e homogênea, composta por uma sociedade que, no limite, não respeita qualquer forma de ser que fuja desse padrão. A prova de que isso acontece ainda hoje está presente nos inúmeros casos de ataques à comunidade LGBTT, como vimos anteriormente. Ou seja, se Butler (2015, p. 242) diz que gênero é “uma identidade tenuemente constituída no tempo, instituído num espaço externo por meio de uma repetição estilizada de atos”, podemos automaticamente correlacionar esse pressuposto ao papel da publicidade enquanto construtora de significados culturais, e como hoje ela representa uma das principais ferramentas de construção cultural em nossa sociedade, e que, consequentemente, o seu papel tem sido, no caso dessas três grandes marcas, o de reprodução de um modelo normativo, compulsório e heterossexual, que não colabora para a construção de uma mentalidade que priorize o respeito à diversidade das infinitas formas de identidade de gênero. E é importante ressaltar que, de forma alguma, estamos fazendo da publicidade a grande vilã causadora de um sistema que não permite a diversidade. Estamos entendendo, sob uma outra perspectiva, que a publicidade 1) ajuda a construir significados culturais que ajudam a construir a identidade da nossa sociedade como um todo e, 2) pode ser considerada também como um tipo de poder disciplinar, que regula e categoriza os indivíduos, como vimos no capítulo três deste trabalho. Ou seja, ao reproduzir discursos que ajudam a perpetuar um padrão heteronormativo, a publicidade está não só ajudando na construção de uma identidade social heterossexual, como também, ao regularizar e categorizar a sociedade, ajuda a deixar de lado aqueles que não se identificam com a binaridade de gênero. E isso apenas quando falamos de uma publicidade de massa, que atinge milhares de pessoas em território nacional, e que, aqui, exemplificamos com os discursos de Skol, Rexona e Vanish. Por outro lado, ao mesmo tempo que existe uma força publicitária que ajuda a perpetuar os efeitos de uma sociedade binária e heterossexual, vimos que também existe um contraponto Texto original: “at bottom, men are still being invited to play soldiers, and women to play dolls with themselves.” 18


65

de algumas marcas que se posicionam de uma forma mais aberta, manifestando-se por meio de um discurso mais diverso e não-binário, como é o caso de AXE e L’Oreal Paris. Esses exemplos, ao trazerem um discurso diferente do padrão, ajudam, de certa forma, a gerar, aos poucos, compreensão e entendimento sobre as questões da construção de gênero, uma vez que legitima o que não está dentro do que conhecemos por binário, ou seja, que por exemplo, um sujeito biologicamente nascido com um aparelho reprodutor masculino pode, sim, identificarse como pertencente ao gênero feminino e apropriar-se disso, como é o caso de Valentina, na campanha de L’Oreal. Em outras palavras, uma publicidade que trabalha em prol da geração e difusão de 1) conhecimento a respeito de temas não muito explorados cotidianamente; e 2) tolerância e respeito a todos aqueles que hoje estão à margem social. Nesse sentido, e retornando à analogia utilizada no capítulo três, sobre a fábrica de produção em massa, os esforços de marcas como estas atuam em uma direção que prevê uma maior naturalidade dos gêneros não inteligíveis, fazendo com que consumidores que não se identificam com o binarismo passem a se reconhecer e, de certa forma, sentirem-se representados, uma vez que, segundo Rocha (2006, p. 12), “a publicidade é a narrativa que dá sentido ao consumo.”. No limite, estamos falando de uma sociedade que está, cada vez mais, rompendo com o modelo de coerência heterossexual, de casais heterossexuais e de uma família tradicional composta unicamente por um homem e uma mulher. Estamos falando do empoderamento de tudo o que foge à norma padrão e binária; de indivíduos, especialmente os mais jovens, que hoje identificam-se com uma sexualidade cada vez mais fluida, cada vez mais distante da exclusivamente heterossexual, como vimos pela pesquisa YouGov, realizada no Reino Unido. Estamos falando de cada vez mais “Herculines” que não aceitam mais viver à margem da sociedade, e que começam, dia após dia, a estampar capas de revistas de grande circulação. Ao mesmo tempo, estamos falando de um modelo publicitário que ainda está preso a discursos sexistas, binários e normativos, mas que, segundo McCracken, [...] é um tipo de canal através do qual o significado está constantemente fluindo, em seu movimento do mundo culturalmente constituído para os bens de consumo. Através do anúncio, bens antigos e novos estão constantemente destituindo-se de velhos significados e assimilando outros. [...] Nesta medida, a propaganda funciona para nós como um léxico dos significados culturais correntes. (MCCRACKEN, 2003, p. 109).

Ou seja, se levarmos “ao pé da letra” as teorizações de Butler (2015), no sentido de que a construção do gênero é cultural, e que, ao mesmo tempo, a publicidade também influencia na criação dos significados culturais, podemos assumir, de uma forma positiva, que os caminhos futuros estão cada vez mais próximos das mensagens propagadas por AXE e L’Oreal do que


66

das de Skol, Rexona e Vanish. E, ainda que os esforços de desconstrução da binaridade de gênero sejam tímidos quando comparados ao poder de investimento das grandes marcas, existe, sim, uma contracorrente que caminha para a fluidez do gênero, hoje mais evidente no papel dos consumidores em nossa sociedade que, aos poucos, reflete-se na publicidade, especialmente quando entendemos que, o consumo, de certa forma, reflete quem somos. Ou seja, se hoje estamos falando de sujeitos com identidades de gênero fluidas, estamos falando de sujeitos que passarão a buscar em suas formas de consumo produtos que expressem esse novo tipo de relação, uma vez que já temos como pressuposto estabelecido que, “[...] os produtos e serviços que escolhemos dão pistas de quem somos e do que estamos representando a cada momento, em cada interação e em cada ‘cena’ social.” (ROCHA; PEREIRA, 2013, p. 153). Nesse sentido, o presente trabalho cumpre com sua proposição inicial, ou seja, a de análise e discussão a respeito da identidade de gênero nos discursos publicitários contemporâneos. Possíveis desdobramentos desta pesquisa poderiam seguir o caminho de uma análise documental de materiais publicitários de um número mais abrangente de marcas durante um maior período de tempo, com o intuito de entender mais a fundo as raízes antropológicas e comunicacionais do tema e como elas têm se desdobrado ao longo dos anos. Isso sem desconsiderar os caminhos atuais, como vimos anteriormente, de um discurso publicitário mais plural e diverso, que rompe com os padrões binários de gênero. Nesse sentido, reforçamos que por tratar-se de uma pesquisa bibliográfica seguida pela análise de manifestações publicitárias de um número limitado de marcas, carrega as limitações de trabalhos deste gênero, sem, no entanto, prejudicar o propósito inicial deste TCC.


67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Arquivo da Propaganda. Disponível em: <http://www.arquivo.com.br/>. Acesso em: 23 mar. 2016. AXE. #FindYourMagic. Vídeo, duração: 60s, 2016. Disponível em: < https://www.facebook.com/axebr/videos/vb.348888582840/10154464790482841/?type=2&th eater>. Acesso em: 22 abr. 2016 BARBOSA, V. Os 30 maiores anunciantes do Brasil em 2014. Revista Exame, mar/2015. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/os-30-maiores-anunciantes-dobrasil-em-2014#1>>. Acesso em: 17 abr. 2016. BAUDRILLARD, J. The Consumer Society: Myths and Structures. Londres (Inglaterra): Sage, 1998. BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2001. BOURDIEU, P. A dominação masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2012. 2012. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012>. Acesso em: 01 fev. 2016. BURIGO, Joanna. Uma reflexão sobre 'RuPaul’s Drag Race'. Revista Carta Capital. Mar/2016. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/uma-reflexao-sobrerupaul2019s-dragrace?utm_content=buffer3e453&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campa ign=buffer>. Acesso em: 22 abr. 2016. BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. CASAQUI, V. Por uma Teoria da Publicização: transformações no processo publicitário. In: INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, v. 24, 2011, Recife, PE. Anais eletrônicos... Recife, PE. Set/2011. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-1880-1.pdf>. Acesso em: 26 de abril 2016. CANEVACCI, M. Fetichismos visuais: Corpos Erópticos e Metrópole Comunicacional. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008. DUARTE, J.; BARROS, A. (Org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012.


68

EXAME. Brasil lidera número de mortes de travestis e transexuais. Revista Exame, 2014. Disponivel em: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/brasil-lidera-numero-de-mortesde-travestis-e-transexuais>. Acesso em: 31 Janeiro 2016. Gênero: Tudo o que você sabe está errado. Revista Galileu: Editora Globo, nov/2015. Disponível em: <https://www.facebook.com/revistagalileu/photos/a.102109376648.87770.80664086648/1015 3692891231649/?type=3&theater;>. Acesso em: 31 jan. 2016. GONZAGA, R. Nova propaganda de desodorante Axe não quer que homens sejam o Malvino Salvador. Huffpost Brasil. 2016. Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/2016/01/15/propaganda-liberta-homens_n_8992726.html>. Acesso em: 22 abr. 2016. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. HJARVARD. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, 2012. Disponível em: <http://www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/view/338/0>. Acesso em: 01 fev. 2016. HOUAISS. Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: beta. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/>. Acesso em: 31 jan. 2016. LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. L'ORÉAL PARIS. Toda mulher vale muito. Vídeo, duração: 57s, 2016. Disponível em: <https://www.facebook.com/lorealparisbrasil/videos/vb.158219407534974/10947330872169 30/?type=2&theater;>. Acesso em: 22 abr. 2016. MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. MICHAELIS. Drag-queen. In: MICHAELIS. Michaelis Escolar: Melhoramentos. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/escolar/ingles/definicao/ingles-portugues/dragqueen_14610.html>. Acesso em: 31 jan. 2016. MILLER, C. C. Desigualdade de gênero trava avanço econômico. The New York Times em parceria com a Folha de S. Paulo. Mar/2016. Disponível em: <http://nytiw.folha.uol.com.br/#/folha/content/view/full/37750>. Acesso em: 22 de abril de 2016. ROCHA, E. Representações do consumo: estudos sobre a narrativa publicitária I. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; Mauad, 2006. ROCHA, E., PEREIRA, C. Cultura e imaginação publicitária. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; Mauad, 2013. SALIH, S. Judith Butler e a Teoria Queer. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.


69

SITE SIGINIFICADOS. Significado de LGBTT. <http://www.significados.com.br/lgbt/>. Acesso em: 12 mar. 2016.

Disponível

em:

TRINDADE, E.; PEREZ, C. Os rituais de consumo como dispositivos midiáticos para a construção de vínculos entre marcas e consumidores. Revista Alceu, PUC-RJ. V. 15, p. 157170, 2014. UOL. A cada hora, um gay sofre violência no Brasil. Uol Notícias. Nov/2014. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2014/11/21/a-cada-hora-um-gaysofre-violencia-no-brasil.htm>. Acesso em: 01 fev. 2016. Vamos falar sobre ele? Revista Nova Escola: Editora Abril, fev/2015. Disponível em: <http://novaescola.org.br/formacao/educacao-sexual-precisamos-falar-romeo-834861.shtml>. Acesso em: 31 jan. 2016 YOUGOV (Reino Unido). 1 in 2 young people say they are not 100% heterosexual. 2015. Disponível em: <https://yougov.co.uk/news/2015/08/16/half-young-not-heterosexual/>. Acesso em: 31 jan. 2016.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.