Livro - Digo e não peço segredo

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Edição em comemoração ao Centenário Patativano Organização e prefácio Tadeu Feitosa © by Patativa do Assaré Coordenação editorial – Raimundo Gadelha Pesquisa e texto final – Tadeu Feitosa Capa e projeto gráfico – Daniela Abrão Patativa do Assaré, 1909-2002 Digo e não peço segredo/Patativa do Assaré. Belo Horizonte, 2009 ISBN:85-7531-022-4 1.Literatura de cordel – Ceará 2. Patativa do Assaré, 1909-2002 3. Poesia popular brasileira




Apresentação Quando, no ano de 1951, o jovem Edson de Queiroz se lançou no mundo dos empreendimentos não imaginava que aquele seria o início de um longo percurso de trabalho, de luta e de sucesso reconhecido. Seu conjunto de atividades empresariais mudaria radicalmente o cenário industrial e econômico do Ceará. Nesses cinqüenta anos de existência, o Grupo Edson Queiroz passou a fazer parte do cotidiano dos brasileiros como um dos mais atuantes conglomerados do país. Construiu sua trajetória com a força de 16 empresas nas áreas de distribuição de gás, água mineral, metalúrgica, agropecuária, agroindústria, imóveis, comunicações e educação, gerando amplos benefícios sociais em vários Estados do Brasil. Sua representação junto à cultura como instituição que promove o desenvolvimento das artes, compõe, também, o cenário de suas atuações. Nesse processo, o Grupo Edson Queiroz, mantendo a sua tradição, incentiva a edição desta obra: “Patativa do Assaré: Digo e não peço segredo...”. Este livro presta uma merecida homenagem a Patativa do Assaré, um dos mais importantes ícones nordestinos, levando aos brasileiros um pouco de sua marcante trajetória. Nele associam-se claramente as preocupações da maioria dos cearenses com sua cultura e suas mais legítimas tradições. É ainda um símbolo da força e pujança de um povo que, não obstante as dificuldades, sabe construir os caminhos do sucesso.

Yolanda Queiroz 11


PREFÁCIO Digo e não peço segredo não é apenas uma das vinhetas que costumam mediar as conversas com o poeta Patativa do Assaré, espécie de abertura de muitas de suas revelações, mas, neste livro, é também a sínteses de uma vida que se fez obra e que é contada aqui de modo solto e leve, majoritariamente em prosa, coisa difícil de se obter de Patativa, que é todo poesia. Esta funciona como outras vinhetas ilustrativas de sua trajetória e dos caminhos de sua poética. Aqui temos revelações surpreendentes sobre o maior poeta brasileiro ainda vivo e o título não apenas sugere que é ele que nos fala diretamente, mas mostra um Patativa entregue ao diálogo. Adentrarmos esta obra é como se entrássemos na sala de jantar do poeta, em Assaré, onde diariamente ele recebe uma verdadeira romaria de admiradores, pesquisadores e jornalistas e de onde se podem ver fotografias, trechos de seus poemas, imagens do seu sertão; de onde se escuta o canto mavioso do pássaro, canto e plumagem que vão mudando conforme as situações e o estado de espírito do poeta-pássaro. Para dizer e não pedir segredo é preciso estar certo do que será dito. Mas não apenas isso. É necessário estar numa posição confortável, amparado por uma maturidade e por uma visão de mundo que levou tempo para ser construída. É da sua condição de mito que Patativa do Assaré fala do homem e do poeta. Condição privilegiada porque consolidada pela notoriedade e reconhecimento de um Brasil inteiro, podendo se encontrar indícios de seu canto em ninhos internacionais.

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Nascido pobre e em condições adversas na longíngua Serra de Santana de 1909, cedo Antônio teve que se dedicar à roca, espaço síntese de labor e criação onde natureza e cultura dialogavam e se ofereciam como laboratório para o menino. Observador atento, o pequeno Patativa ia criando plumagens e tino para vôos maiores. A idade adulta ainda lhe oferecia o mesmo cenário e a mesma missão, agora meticulosamente cumprida pela poesia difundida em livros, em discos em filmes e objeto de análise em universidades, em bancas literárias, uma obra aceita e difundida pela mídia e por uma legião cada vez maior de admiradores e fãs. Digo e não peço segredo que foi pra mim um dos maiores prazeres conviver com Patativa do Assaré por quatro anos seguidos e ter levado quatro meses initerruptos para obter preciosas informações, as quais empresto a esta obra como fragmentos das muitas entrevistas feitas. Privar da sua amizade, viver do seu cotidiano, subir e descer a Serra de Santana em sua companhia, presenciar inúmeras declamações perfomáticas, vêlo em desafio com Geraldo Alencar e ler para o poeta toda a sua obra e ele comentar foi uma experiência que agora o poeta partilha com todos os seus leitores. As sessões de leituras – seguidas ou não de entrevistas estruturadas – e os bate-papos sobre sua vida e sua obra são apresentados aqui pelo poeta, que acaba contribuindo para que seus admiradores conheçam os bastidores da sua vida e do seu processo criativo. Este livro é a síntese do dia-a-dia de um mito que nunca perdeu sua simplicidade e que subverte todas as previsões sobre a memória dos idosos. Sempre atua e atento às coisas do Brasil e do mundo, o mito Patativa, às vésperas dos seus 93 anos, mostrará neste livro que o tempo apenas lapidou uma consciência que já existia nele em estado latente.

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A memória em Patativa do Assaré é um processo e não algo acabado como os álbuns de fotografias ou este livro. Sua memória é feita e refeita diariamente. Ela interage com o passado apenas para ser mais dinâmica no presente, projetando-se para o futuro, porque Patativa também é profeta. Nada do que ele cantou deixou de acontecer, porque sua obra é feita com os mesmos materiais da natureza, obedecendo à mesma circularidade da vida. A vida e a obra de Patativa são como um rio perene, ao mesmo tempo permanência e novidade. Patativa de Assaré nos mostra neste livro que há muito ele deixou de ser do Assaré para ser do mundo. Sua obra é como uma grife, espécie de fala que existe como suporte para traduzir o universal. A dicção “matuta” nem de longe significa que ele não compreenda ou não saiba produzir poemas eruditos. Como se verá aqui, sua linguagem “matuta” é apenas uma opção porque o pássaro que se nos apresenta aqui é liberto. Leu Camões, Castro Alves, Olavo Bilac, José de Alencar, Machado de Assis e outros apenas para saber e provar que “poderia fazer e ser igual a eles todos”. “E eu sou”, diz Patativa. Os leitores deste livro terão um rápido exemplo de como Patativa do Assaré não precisa do aval da erudição para ser tão imortal quanto os eruditos. Também não precisa estar atrelado à sua linguagem “matuta” para ser fiel as suas origens. Patativa está além dessas separações arbitrárias entre a cultura erudita e a cultura popular. Ele é simplesmente universal. É um mito, detentor de uma obra magistral, de uma lucidez extraordinária e é, sem dúvida, o “cearense do milênio”.

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Resta a você, leitor, aproveitar a oportunidade que este livro lhe dá e adentrar o ninho desse pássaro mágico-mítico. O canto patativano poderá ser ouvido nas páginas desta obra. Por elas podemos todos viajar de carona no vôo deste pássaro e vislumbrarmos os caminhos, as situações, as pessoas, as imagens, os cenários que constituíram os seus ninhos e as suas muitas faces e dicções.

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o homem e o pássaro

PARTE

1

O menino Antônio..................................................16 Patativa por ele mesmo..........................................18 Estudo..................................................................18 Inspiração.............................................................21 Timidez................................................................24 Sertão..................................................................25 Serra de Santana...................................................32 Lembranças..........................................................34 Vaidade................................................................37 A morte................................................................38 A vida...................................................................41


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o PÁssaro e o CANTO

PARTE

Dom da poesia......................................................44 A voz e a letra.......................................................44 Erudito e popular..................................................45 Memória..............................................................46 Ideologia patativana..............................................47 Fonte patativana...................................................51 Canto nordestino...................................................52 Emoções...............................................................55 Zelo pela criação...................................................60 Tempo..................................................................62 Vôos de Patativa....................................................63 Participação política..............................................65 “Eu quero e todos querem”.....................................68


3 PARTE

Sertão festivo.........................................................72 A cerca..................................................................73 Velhice..................................................................76 Cigarro..................................................................77 Infidelidade..........................................................80 Tradição e modernidade.........................................81 Saudade...............................................................82 Poeta batizado......................................................83 Contradições........................................................84 Crime imperdoável................................................85 O Diabo................................................................86 Dinheiro...............................................................87 Rimando o cotidiano.............................................88 Em favor dos ouvintes da rádio...............................92 Espirituosidade.....................................................94 Lampião...............................................................98 Vaqueiro musicado................................................99 Linguagem dos olhos............................................100 A Ditadura...........................................................103 Visão do Brasil.....................................................104 Viva o povo brasileiro............................................106

o canto e a vida


4 PARTE

O Sucesso.............................................................110 Patativa e os fãs...................................................110 Patativa e os intelectuais........................................111 Patativa e os prêmios.............................................111 Indústria cultural...................................................111 Patativa na tevê....................................................112 Patativa no cinema...............................................113 Patativa animado..................................................115 Patativa no rádio...................................................116 Homenagens........................................................116 Doutor Honoris Causa...........................................116 Ceraense do século................................................117 Sereia de Ouro......................................................117 Memorial Patativa do Assaré.................................118 O mito da música..................................................119 Outros mitos.......................................................120 Mitos da literatura...............................................122 O Mito pelas causas.............................................122 O Mito e as tradições...........................................126 O Mito e a musa..................................................129 Mensagens do mito.............................................131 Futuro................................................................132

a vida e o mito


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o HOmem o pรกssarO

E 21


O meninO ANTÔNIO

A minha infância foi uma infância boa e os garotos são inocentes e de tudo eles gostam, não é? E assim, passei minha infância com a lembrança que eu ainda tenho, aquelas brincadeiras, aquela vida de ingenuidade, a inocência da criança, de que no mundo só há coisa boa. Boa, pura e bela, que é o mundo da criança. Porque ali, tudo é lindo. Tudo é belo. A criança não peca. Aquilo que o adulto faz e peca, a criança fazendo não é.

Minha infância foi lá na Serra de Santana. O relato da minha infância é uma coisa um pouco penosa, porque a minha infância foi uma infância de trabalho e quanta coisa tem. Eu comecei a trabalhar, pequeno mesmo, trabalhando de roça. Meu pai, Pedro Gonçalves da Silva, ele vivia em extrema pobreza e, quando morreu, nos deixou com esse diminuto terreno lá no sítio Serra de Santana, onde eu fiquei com os meus irmãos e a minha mãe, trabalhando de roça, desde a minha infância. Nas horas vagas eu brincava de um instrumento que chamam bodoque, você sabe? Que atirava assim. E também de carrapeta, que é um troço que a gente solta assim e ele fica rodando acolá, viu? E também a brincadeira que quase todo garoto camponês também usa, que é cavalo de pau. É uma hastezinha de madeira, que o camarada põe assim entre as pernas, pega aqui num cordãozinho amarrado e ele sai correndo. Ele chama cavalo. Cavalo de pau, viu? E assim eram minhas brincadeiras nas horas vagas. Tive uma infância como os outros garotos também têm, com essas brincadeiras de criança. E foi assim.

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No verdô da minha idade mode acalentá meu choro minha vovó de bondade falava em grandes tesôro era históra de reinado prencesa, prinspe incantado com feiticêra e condão essas históra ingraçada ta selada e carimbada

dentro do meu coração. (...)

Mas porém eu sinto e vejo que a grande sodade minha não é só de históra e bejo da querida vovozinha demenhanzinha bem cedo sodade dos meus brinquedo meu bodoque e meu bornó o meu cavalo de pau meu pinhão, meu berimbau e a minha carça cotó.

O mundo da criança é um mundo puro, belo, lindo, viu? Porque aquilo ali a criança, quando está estudando e lendo aquilo com prazer, ta acreditando em tudo, viu? Não sabe se aquilo é uma criação, ela acha que ela está apresentando uma coisa real. 23


Patativa por ELE mesmo Eu sou um poeta que tenho criatividade e fui um agricultor a vida toda, vivendo de roça, fazendo a minha poesia lá, sem precisar escrever, fazendo verso retido na memória pra depois passar para o papel... eu sempre falo com rima. Eu sou poeta, mas tem muitos versejadores. Tudo meu, eu faço é criar. Eu crio aquele quadro, aí vou reproduzir em versos, viu? Porque o poeta... a vantagem da poesia não é a sua beleza, a sua medida, as suas rimas, as suas sílabas predominante não. É a verdade, é contar uma coisa toda filosófica, pois é, justamente, minha poesia é dentro desse tema, dentro desse quadro. Eu fiz um poema, eu recitei um bocado de poema, num certo ponto que eu não me lembro nem mais onde foi, aí todos se admiraram. Eu digo: bem, isso se causa admiração, mas tudo quanto eu disse aqui, esse grande auditório ouviu e sabe tudo quanto eu disse. Agora, a diferença é que eles não sabem dizer. Foi um trovão de risadas,

viu?

EstUDO Eu estudei só seis meses. Agora eu fui me valer do livro. Que não era o livro didático não. Eu não queria saber de categorias gramaticais não. Queria saber de outras coisas Eu lia era revista, era livro, jornais. Eu queria era satisfazer minha curiosidade, não era ler gramaticalmente como vocês por aí não.

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Neste globo terrestre apresento os versos meus porém eu só tive um mestre

e esse mestre é Deus

Foi a natureza mesmo. Muito curioso saber das coisas, tudo o que eu lia eu gravava na mente. Eu queria saber de livro de concordância e isso e aquilo. Agora, com essa prática de ler eu pude obter tudo, viu? Eu aprendi lendo. Com a prática de ler a gente vai descobrindo e sabe que nem pode dizer: tu sois e nós é. Eu aprendi com a prática. Corria notícia aí por esse Cariri que tinha um cabloco na Serra de Santana, que era inteligente, não sei o quê, que era eu. E aí me fizeram presente de um livro que tinha o título de “Português Prático”. Com esse eu aproveitei muita coisa, viu? Meus primeiros estudos foi nos dois livros do Felisberto de Carvalho. Os dois livros eu tinha que estudar em dois anos, não era? Agora eu estudei só seis meses e dentro desses seis meses eu li os dois livros, sem ser em ordem de colégio. Se fosse na escola púlica, como nós temos por aqui, eu tinha que passar dois anos. Eu aprendi com a natureza que é caprichosa. É como eu digo nos meus versinhos:

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Eu nasci ouvindo os cantos das aves da minha terra e vendo os belos encantos que a mata bonita encerra foi ali que eu fui crescendo fui vendo e fui aprendendo no livro da natureza onde Deus é mais visível o coração mais sensível e a vida tem mais pureza. Sem poder fazer escolhas de livro artificial estudei nas lindas folhas do meu livro natural e, assim, longe da cidade lendo nessa faculdade que tem todas os sinais com esses estudos meus aprendi amar a Deus na vida dos animais. Quando canta o sabiá sem nunxa ter tido estudo eu vejo que Deus está por dentro daquilo tudo aquele pássaro amado no seu gorjeio sagrado nunca uma nota falhou na sua canção amena só canta o que Deus ordena só diz o que Deus mandou. 26


Inspiração Castro Alves Castro Alves não morrerá nunca, viu? Foi um monumento de poesia. Vinte e quatro anos. Se um homem daquele vivesse cinqüenta anos, o que era que ele não teria deixado aqui neste mundo? É. Foi um gênio. Aquilo é que eu chama de gênio. Você leu alguma coisa dele? Leu “Navio Negreiro”?

Casto Alves da Bahia com muita filosofia disse em sua poesia esta verdade exemplar

– agora é dele, viu? – o livro caindo n’alma é verbo que faz a palma é chuva que faz o mar.

Ele cantou, morreu e deixou aí e vai aturar e continuar vigorando, não é? E eu também tenho cantado pra ver se os sem terra se libertam e não se libertam nunca não.

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Graciliano Ramos Li algumas coisinhas de Graciliano Ramos. A cachorra de cócoras na beira do fogo. Aí a primeira pessoa que

eu vi dizer que um animal pensava isso e aquilo, foi ele, né? Em Vidas Secas. Não tem aquela cachorra? Cachorra de cócoras, pensando. Esse povo inventa cada uma!

Drummond Carlos Drummond de Andrade, poeta da poesia em prosa. Aquilo lá é poesia? Eu chamo aquilo é prosa. Porque ele não tem medida, não tem sílaba predominante, não tem tônica e além disso não tem a rima, que é a beleza da poesia é a rima, entrelaçada uma com as outras, viu?

Machado de Assis Machado de Assis sofreu humilhação e foi muito. Eu já li. Os professores tinham um ciúme danado dele. Porque

ele começou sendo um tipógrafo, e dali já tinha uma inteligência grande e os professores tinham um ciúme danado. Isso é que é ser uma ignorância, não é? Em vez de se orgulhar de ter um aluno inteligente de uma visão importante. O mundo tem dessas coisas, viu? É o egoísmo. Pois eu li. Eu li Machado de Assis. “Helena” é um grande romance dele e mais outros,

viu?

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Camões Eu li Camões, eu sou atrevido, falei até sobre Camões,

digo: Aqui de longínqua serra de Camões o que direi? Quer na paz ou quer na guerra que ele foi grande eu bem sei exaltou a sua terra mais do que seu próprio rei e por isso é sempre novo no coração do seu povo e eu, que das coisas terrestres tenho bem poucas noções porque não tive dos mestres as preciosas lições só tenho flores silvestres pra coroa de Camões veja a minha pequenez ante bardo português.

Livro de poesia O único livro didático sobre poesia que eu li foi o Versificação de Olavo Bilac e Guimarães Passos”.

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Timidez Olhe, eu sou assim tímido e sem vaidade. A natureza é caprichosa e me deu assim um privilégio, eu quando vejo uma vitória muito grande, uma grande assistência que eu vou declamar, vou apresentar como já fui várias vezes, uma infinidade de vezes, viu? Eu fico totalmente trêmulo. Agora, quando eu me aproximo do aparelho, pra falar, pronto, aquilo some tudo. Parece que vem outra coisa e diz: “é por aqui, viu?” Pois bem, isso me dá um grande prazer, mas ser tímido? Antes de chegar o momento, eu sou é um quase vencido. Agora, quando chega o momento, não. Some tudo. Chega tudo o que eu quero. Tudo me vem à mente. Logo, eu tenho a felicidade do povo gostar e isso ajuda. Às vezes, o povo não sabe nem

o que é, mas pelo palavreado, acha bom e bate palmas. Não sabe interpretar, mas quer também. Só em saber que quem está ali está disposto a lhe aplaudir, já é uma coisa boa. Agora, hoje, eu não to mais valendo nada não. Não sei pra que diabo é que ainda estão mexendo com isso? Já chega! Eu não quero isso e nem sou vaidoso e nem nada.

Some tudo. Chega tudo o que eu quero. Tudo me vem à mente.


seRTÃO Ah!. O sertão é... O sertão é a riqueza natural que nós temos, não é? É o ponto melhor da vida, para quem sabe ver é o sertão, pois ali está tudo o que é belo, que é bom, que é puro, nós temos pro sertão, não é? Principalmente a passarada cantando, não é? É, justamente. Quer ver,

leia aí o sertão: Sertão, arguém te cantô Eu sempre tenho cantado E ainda cantando to Pruquê, meu torrão amado Munto te prezo, te quero E vejo qui os teus mistéro Ninguém sabe decifrá A tua beleza é tanta Que o poeta canta, canta E inda fica o que cantá (...) Deste jeito é que te quero Munto te estimo e venero Vivendo assim afastado Da vaidade, do orgúio Guerra, questão e barúio Do mundo civilizado.

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(...) Depois que o podê celeste Manda chuva no Nordeste De verde a terra se veste E corre água em brobutão A mata com o seu verdume E as fulo com o seu perfume Se enfeita de vaga-lume Nas noite de iscuridão.1 (...) Meu sertão das vaquejadas Das festas de apartação Das alegres luaradas Das debulhas de feijão Das danças de São Gonçalo Das corridas de cavalo Das caçadas de tatu Onde o cabloco desperta Conhecendo a hora certa Pelo canto do nambu 2 (...) Sertão, minha terra amada De bom e sadio crima Que me deu de mão bejada Um mundo cheio de rima O teu só é tão ardente Que treme a vista da gente Nas parede de reboco Mas tem milagre e virtude Que dá corage, saúde E alegria aos teus cabôco.

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Que bela e doce emoção Ouvir o canto saudoso Do galo do meu sertão Na risonha madrugada De uma noite enluarada! A gente sente um desejo Um desejo de rezar E nesta prece jurar Que Jesus foi sertanejo. (...) Desta gente eu vivo perto Sou sertanejo da gema. O sertão é o livro aberto Onde lemos o poema Da mais rica inspiração Vivo dentro do sertão E o sertão dentro de mim Adoro as suas belezas Que valem mais que as riqueza Dos reinados de Aladin . 3

1

A Festa da Natureza | 2

O Retrato do Sertão | 3 O Retrato do Sertão | 4 Idem, na sequência da estrofe anterior.

(...) Porém, se ele é um portento de riso, graça e primor Tem também seu sofrimento Sua mágoa e sua dor Esta gleba hospitaleira Onde a fada feiticeira Depositou seu condão É também um grande abismo Do triste analfabetismo Por falta de proteção. 4 33




Isso aí tudo é o sertão. No rompê de tua orora meu sertão do Ciará, quando escuto as voz sonora do sodoso sabiá do canaro e do campina sinto das graça divina o seu imenso pudê e com munta razão vejo que a gente sê sertanejo

é um dos maió prazê.

olha aí! Tu é belo e é importante tudo teu é natura ingualmente o diamante ante de argúem lapidá.

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O diamante antes de ser lapidado, não é? Porque o diamante só é alguma coisa depois dele ser lapidado. Aí é que ele vai brilhar, não é? Mas o sertão é puro, tão

puro quanto o diamante antes de seu trabalho,

não é? Eu mandei publicar “Dois quadros”, mostrando o que é tristeza, porque é o que mais o nordeste tem é tristeza, mas tem também seu prazer, sua alegria, sua estação invernosa e tudo bom, não é?

Na seca inclemente do nosso Nordeste o sol é mais quente e o céu mais azul e o povo se achando sem pão e sem veste viaja à procura das terra do Sul (...) Porém, quando chove, tudo é riso e festa O campo e a floresta prometem fartura Escutam-se as notas agudas e graves do canto das aves louvando a natura.

Não tem aí as duas partes, pois é. Isso é bonito. Isso para quem é apaixonado pela roça e pelo que planta, mas não são todos não. Tem deles que trabalha porque é o jeito, mas o que é apaixonado mesmo pelo plantio, como eu fui um deles, a gente anda dentro duma roça, quando o milho ta todo apenduado, o feijão nascido, vocêtem uma impressão que aquilo tudo, eles sabem [o milho e o feijão] que a gente ta por ali.

é coisa viva. 37


serra de santana

É o meu lugar. Minha Serra de Santana

meu pedacinho de chão lá ficou minha choupana e o meu pé de framboão ficou também no terrrêro meu galo madrugadêro que canta inriba da hora Minha serra! Minha serra! o destino me faz guerra e a sodade me devora.

Lá foram meus filhos, viu? Lá moram dois filhos e duas filhas, Miriam e Inês. E esta miudinha aqui é a caçula, é Lúcia. Eu tenho até esse meu poema:

“Minhas filhas” (...)

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Minhas filhas eu vejo que são três e cada qual é da beleza irmã se eu quero Lúcia, muito quero Inês da mesma forma quero Miriam Vendo a meiguice da primeira filha vejo a segunda que me prende e encanta a mesma estrela que reluz e brilha se olho a terceira, vejo a mesma santa. Se a cada uma com fervor venero fico confuso sem saber das três qual a mais linda e qual eu mais quero se é a Miriam, se é a Lúcia ou se é a Inês. E, já velho, a pensar de quando em quando eu brevemente voltarei ao pó eu sou feliz e morrerei pensando que as três filhas que eu tenho é uma só

Quando vou à Serra de Santana passo lá uns dois dias, porque lá é muito frio, lá é frio que é danado. Vive sempre soprando em vento e eu não me dou muito bem com a serra... Quando eu vou, vou palestrar com os meus, mandar minha filha Inês ler pra mim aquilo que eu quero... Inês, minha filha é minha leitora principal. Eu tenho muito livro lá, ela é quem guarda meus livros.

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lembranças

Zezé era meu irmão mais velho. Era muito meu amigo. Viveu até setenta e dois anos, viu? Era carpinteiro. Hoje, o Aloísio é filho dele, que mora lá no Cachoeirão. Muita gente chamava ele de Cazuzinha, mas era José. Era Zezé, Zezé. Ele era carpinteiro e agricultor. Ele era um trabalhador muito danado, mas tinha as mãos abertas. Todo mundo que ia comprar madeira lá na mata, ele fazia era dar. Fazia era dar de presente. De dia trabalhava na roça. De noite, enquanto não desse o sono, ia trabalhar. Sitiar madeira, serrar, essas coisas, viu? Foi um grande trabalhador. E ali, a pinga tava perto. A pinga não empatava ele de trabalhar não. É, se acostumou, né? Vicente Gonçalves era meu primo legítimo. Ele era poeta, mas não divulgou muito as coisas não. Mas ele era espirituoso, fazia as poesias. Ele diz: “depois da segunda guerra”, ele fazendo crítica,

viu?


Depois da segunda guerra sabe um portuga o que fez? Querendo aprender inglês viajou para a Inglaterra chegando naquela terra bastante civilizada teve uma escola adiantada mas não aprendeu inglês se esqueceu do português voltou sem saber de nada.

Os brasileiros não atacam os portugueses? Mas eu perguntei ao Dr. Arrais Alencar o que era que os

portugueses diziam dessas piadas e tantas sátiras que os brasileiros atacavam eles. Ele disse: nada, Patativa, isso aí é elas por elas. Eles lá faziam a mesma coisa com os brasileiros (risos). Piada contra os portugueses: o português estava no Rio de Janeiro, tudo legal, aí conversando lá, ele diz: eu me casei agora mesmo e vim passar a lua de mel aqui. Aí perguntaram: cadê a esposa? Ele diz: a esposa ficou (gargalhada). A esposa ficou.


vAidAde Nunca ninguém teve o prazer ou a infelicidade de fazer foto do Patativa sem o chapéu. Muitos têm vontade, peleja, eu dou é cotoco: taqui! Faça foto

do Patativa sem chapéu!!! Eu consinto não. O cabra que se meter a isso meto um PO-E-MA no rabo, que ele nunca mais se esquece. (...) Eu digo é você chegar e dizer (com raiva): “Tire aí o seu chapéu pra eu bater uma foto!” Não, isso nunca aconteceu e nunca acontecerá, porque eu não tiro e nem dou licença. Porque aqui é o SÍM-BO-LO do matuto, viu, e eu desde pequeno que uso chapéu e nunca deixei.

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a morte “Morrer sem morrer de veras”. Isso é eu, na minha maluquice, inventando coisas, viu? Tudo coisa fictícia.

Do meu fúnebre caixão sem soluços nem gemidos eu subi para a mansão da pátria dos escolhidos alegre me receberam e uma festa promoveram eu fiquei muito feliz vivo a recordar ainda foi a viagem mais linda que durante a vida eu fiz. Disseram, vendo o troféu que a natureza me deu: Vai haver festa no céu. O Patativa morreu! São Pedro, muito sapeca foi trazer sua rabeca e no arco passando breu cantou com voz compassiva:

Viva, viva o Patativa ele é um colega meu.

[Aqui Patativa explica] Mas, Castro Alves, lá no seu apartamento ouviu e não gostou, porque São Pedro, sendo pescador, dizendo que era meu colega? Ele diz: quem pode ser seu colega é algum pescador. Colega do Patativa sou eu. Aí veio: 44


Na recepção imensa de rabeca e cantoria chegou em nossa presença, Castro Alves da Bahia com muita satisfação, apertou a minha mão e me disse com amor: sei tudo o que aconteceu lá na terra onde viveu foi poeta e professor Lá na terra de Iracema, com a sua poesia abordou o mesmo tema que eu abordei na Bahia foi grande amigo do povo preto, branco, velho e novo com sextilhas e sonetos e um esforço varonil foi defensor no Brasil de pobres, brancos e pretos. Com este mesmo ideal eu cantei, cantei, cantei lá na terra de Cabral o maior exemplo dei porém, hoje eu vejo tudo quer tenha ou não estudo ou de maneira qualquer naquele país distante por mais que o poeta cante não alcança o que ele quer 45


Com esta declaração a qual eu já conhecia dei um aperto de mão no poeta da Bahia mas logo vi que aquilo era o que chamamos quimera ou ilusão dos sentido no sonho fui bem ditoso, mas despertei desgostoso, porque não tinha morrido. “Morrer sem morrer de veras”, viu? Porque a morte melhor que tem é essa que eu vou dizer, que eu peço à morte, assim:

Morte, você é valente o seu poder é profundo quando eu cheguei neste mundo você já matava gente eu guardei na minha mente sua força e seu vigor porém lhe peço um favor para ir ao campo santo não me faça sofrer tanto morte, me mate sem dor! Dessas que fazem assim: currulapo!!! (risos)

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A Vida Tem gente que vê o título do meu livro “Ispinho e Fulô” e não sabe o que é. Aí logo na entrada eu digo porque Ispinho e Fulô. É porque a vida de cada um, meu filho, tem dores e prazeres, viu? Não há quem tenha uma vida só de sofrimentos e nem uma vida só de prazeres. É espinho e fulo. Eu saio descrevendo. Começo aqui, lá da criancinha até...

... se às vez aquele anjo lindo passa umas horas sorrindo e outros minutos chorando é que aquela criatura tem em sua inocência pura ispinho lhe cutucando. Se a criancinha chora, é porque ela não está gostando. Alguma coisa, que nós não sabemos o que é, mas ela não está gostando. Pois bem, é o espinho. É o espinho da vida. (...) Agora tem uma partezinha aí, um trecho, que é muito belo. Não tem nenhum espinho. Sabe quando é? É no namoro, no namoro puro para um casamento... tem um espaço aí que eu digo, tudo fulo, não tem espinho. Aí eu digo:

depois vem o casamento depois a lua de me o maior contentamento goza o homem e a muié

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o pテ《sarO o canto

E


DOM DA POESIA

Quando eu ouvi alguém ler um folheto de cordel pela primeira vez, aí eu fiquei admirado com aquilo, mas no mesmo instante, eu pude saber que eu também

poderia dizer em versos qualquer coisa que eu quisesse, que eu visse, que eu sentisse, não é? Comecei a fazer versinhos desde aquele tempo. Sim, a partir do cordel. Porque eu vi o que era mesmo poesia. Aí, dali comecei a fazer versos. Em todos os sentidos. Com diferença dos outros poetas, porque os outros poetas fazem é escrever. E eu não. Eu faço é pensar e deixo aqui na minha memória. Tudo o que eu tenho, fazia métrica de ouvido. Só de ouvido, mas era bonita. Ah! Era! Era bonito mesmo. A base era a rima e a medida. A medida do verso, com a rima, tudo direitinho. Aí, quando eu peguei o livro de versificação de Olavo Bilac e Guimarães Passos, aí eu melhorei muito mais. Eu já tinha de ouvido, porque já nasci com o dom,

não é?

A VOZ E A LETRA Escrever eu escrevia muito pouco. Só escrevia quando eu fazia um poema, aí eu queria passar ele pro papel e passava. Mas “Inspiração Nordestina” foi escrita de mim para o doutor Moacir Mota, era eu dizendo e ele batendo à máquina, lá no Crato. Eu tinha tudo na mente!!!

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ERUDITO E POPULAR

A minha dificuldade é a mesma, ou a minha facilidade. É porque eu sou um poeta popular, porque nunca estudei literatura. A poesia em forma literária, a poesia erudita, é pra aqueles grandes, é para os literatos, esses poetas grandes, que estudaram, não sei o quê, bababá, e eu, pra provar que, mesmo sem o estudo, eu faço o que eu quero, porque Deus é quem quer, não sou eu, aí eu faço verso também assim em forma erudita:

Tendo por berço o lago cristalino folga o peixe, a nadar todo inocente medo ou receio do porvir não sente pois vive incauto do fatal destino. Se na ponta de um fio, longo e fino a isca avista, ferra-a inconsciente ficando o pobre peixe, de repente preso ao anzol do pescador ladino. O camponês também do nosso estado ante a campanha eleitoral , coitado! daquele peixe tem a mesma sorte. Antes do pleito, festa, riso e gosto depois do pleito, imposto e mais imposto pobre ma tu to do sertão do norte.

Também é em forma literária. É o cabra vaidoso.

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MEMÓRIA Aí, olha, como eu relembro tudo aquilo que eu fiz. Aí nesse meu poema, eu tô requerendo a aposentadoria com 60 anos e naquele tempo, era com 65 e depois voltou mesmo pra 60. Aí eu fiz o seguinte poema,

olha: Seu doutor, não lhe aborreço venho fazer um pedido e como sei que mereço

espero ser atendido .... Eu sou um homem espirituoso, viu? No meu tempo que eu tinha tudo, porque na minha idade, todo mundo tá vendo lá que eu não sou mais como e eu era na minha adolescência, no meu tempo de homem moço, né? Porque, justamente, a memória gastou, sumiu um pouco. Eu ainda faço, o povo se admira, mas eu sou quem sei o que é que está faltando na minha mente, porque sou o dono. Eu tenho uma farta bagagem retida na minha mente. Olha, dos sis livros que eu publiquei, se eu começar a recitar agora, Ah! Entra na noite, viu? Agora, eu já estou ficando diferente com aquilo que eu faço agora. Com poucos dias, eu quero esquecer, porque a idade permite, não é? Mas tudo que está para trás, não, não fugiu não. Eu tenho na minha mente. Porque eu fazia não era escrevendo. Todo meu poema eu só fiz foi assim, retido na memória, como eu lhe disse, viu?

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IDEOLOGIA PATATIVANA

Eu escrevi “Nordestino sim, nordestinado, não?” Aí sou eu tirando a supertição do cabloco, viu?

Nunca diga nordestino que Deus lhe deu o destino causador do padecer nunca diga que é o pecado que lhe deixa fracassado sem condição de viver. Não guarde no pensamento que estamos no sofrimento é pagando o que devemos A Providência Divina não nos deu a triste sina de sofrer o que sofremos. Deus, o autor da criação nos dotou com a razão bem livres de preconceitos mas os ingratos da terra com opressão e com guerra negam os nossos direitos. Não é Deus que nos castiga nem é a seca que obriga sofrermos dura sentença não somos nordestinados nós somos injustiçados tratados com indiferença. Sofremos em nossa vida uma batalha renhida do irmão contra o irmão nós somos injustiçados nordestinos explorados

nordestinados, não. 53


E é mesmo, não é? O operário e o camponês. São os dois desvalidos. Agora tem uma coisa: pra haver essa união, ainda há uma dificuldade, por causa de morar na cidade, o operário se sente além do camponês, do agregado. Eles são iguais, mas eles se sentem diferentes. Só por morar no meio urbano, viu, pensa que é, que está além do agregado. Eu procuro unir os dois, mas vendo que há sempre uma dificuldade. O pobre do agregado, humilde, se sente mesmo que é menor do que o operário. Pois bem, agora tem o meu poema, “O Agregado e o Operário”. Até me disseram: ‘Patativa, você está revolucionando’. Eu não sei se eu estou revolucionando, sei que estou falando a verdade. Veja aí:

Sou matuto do Nordeste criado dentro da mata caboclo cabra da peste poeta cabeça chata por ser poeta roceiro eu sempre fui companheiro da dor, da mágoa e do pranto por isto, por minha vez vou falar para vocês o que é que eu sou e o que canto. Sou poeta agricultor do interior do Ceará a desdita, o pranto e a dor canto aqui e canto acolá sou amigo do operário que ganha um pobre salário 54


e do mendigo indigente e canto com emoção o meu querido sertão e a vida de sua gente. Procurando resolver um espinhoso problema eu procuro defender no meu modesto poema que a santa verdade encerra os camponeses sem terra que o céu deste Brasil cobre e as famílias da cidade que sofrem necessidade morando no bairro pobre. Vão no mesmo itinerário sofrendo a mesma opressão nas cidades, o operário e o camponês no sertão embora um do outro ausente o que um sente o outro sente se queimam na mesma brasa e vivem na mesma guerra os agregados sem terra e os operários sem casa. Operário da cidade a mesma necessidade sofre o seu irmão distante levando vida grosseira sem direito de carteira seu fracasso continua é grande martírio aquele


a sua sorte é a dele e a sorte dele é a sua. Disto eu já vivo ciente se na cidade o operário trabalha constantemente por um pequeno salário lá nos campos o agregado se encontra subordinado sob o jugo do patrão padecendo vida amarga tal qual burro de carga debaixo da sujeição. Camponeses meus irmãos e operários da cidade é preciso dar as mãos cheio de fraternidade em favor de cada um formar um corpo comum praciano e camponês pois só com esta aliança a estrela da bonança brilhará para vocês. Uns com os outros se entendendo esclarecendo as razões e todos juntos fazendo suas reivindicações por uma democracia de direito e garantia lutando de mais a mais são estes os belos planos pois nos direitos humanos

nós todos somos iguais.


FONTE PATATIVANA

Antes só existia eu de poeta. Depois, na Serra de Santana, surgiram muitos ¬poetas, inclusive Geraldo Alencar, meu sobrinho. Aí eu escrevi “O Nadador”.

Desde novo, gostou de ver as águas do oceano, tão verdes e tão belas e ele pensava que vagando nelas poderia aplacar suas mágoas. Conduzido por este pensamento aprendeu a nadar em tempo breve como se fosse canoa leve singrando as ondas no soprar do vento. Seus amigos, lhe vendo sobre o mar tranqüilamente, sem temer as brumas transportando as vagas, sacudindo espumas. sentiram ânsia de também nadar. ( .. .) E assim, tangidos por vontade louca alguns deles até fazendo apostas uns nadando de frente outros de costas vendo as águas lhe entrando pela boca. O mar, raivoso, nunca fez carinho os teimosos e ousados aprendizes foram todos, coitados, infelizes deixando o bravo nadador sozinho. Foram todos das águas se afastando receosos da forte maresia e, daqueles, no mar da poesia só Geraldo Alencar ficou nadando.

isso aí. 57


CANTO NORDESTINO

Eu tocava só uma coisinha, pouquinha, na viola, só pra dar uma entoação e tal e os outros cantadores também, decerto que “A Triste Partida” se tornou conhecida na voz de todos os cantadores. Eles ganhavam dinheiro com aquilo. Chegavam numa reunião, era só o que mais pedia era “A Triste Partida”. Luís Gonzaga foi à Paraíba e ligou o rádio dele no carro, que tava na Borburema [rádio Borborema], Zé Gonçalves, um grande cantador, cantando “A Triste Partida”. Aí Luís disse que ficou maravilhado. Ficou mesmo encantado com aquele poema, com a retirada de nordestino pra São Paulo. Assim que chegou lá, foi atrás dele. “Sim, é a “A Triste Partida”. Todos nós cantadores cantamos ela, mas ela é do Patativa do Assaré”. Aí foi que ele veio à minha procura. Queria até comprar e eu disse a ele que meu mundo era a minha poesia, minha família e eu não vendia direito autoral por preço nenhum. Ele disse: “Então vamos fazer um outro negócio: assim você não tá vendendo. É uma parceria. No disco consta você como autor e eu como cantor”. Foi em 64 que ele gravou. E deu muito sucesso. É ... quem melhor cantou o Nordeste foi Luiz Gonzaga. Ele cantou. Luiz Gonzaga não era compositor, mas era cantor famoso, duma voz boa. Você veja bem, Luiz Gonzaga cantando aquela “A Triste Partida”, que eu fiz. Qual é o coração que não sente? Qual é aquele camarada que não se torna sensível ouvindo Luiz Gonzaga cantar “A Triste Partida”? principalmente quando os meninos reclamam porque ficou [trechos da música]. Pois olhe, aquilo ali, eu não vi ninguém não. Eu criei na minha mente, porque na década de 50, a vida era aquela. O próprio motorista não sabia que dia chegaria em São 58


Paulo, nem sequer haviam boas estradas daqui pra São Paulo, viu? Então, aqueles flagelados, procurava a

vida lá pelo sul. Aí eu criei“A Triste Partida”, retratei na minha mente aquela família fazendo as experiências do SERTANEJO e dando tudo negativo, negativo. Eu já fiz de propósito pra poder fazer a viagem ...

Setembro passou, com outubro e novembro Já tamo em dezembro Meu Deus, que é de nós? Assim fala o pobre do seco Nordeste Com medo da peste Da fome feroz. A treze do mês ele fez a esperiença Perdeu sua crença Nas pedra de Sá Mas nota experiença, com gosto se agarra Pensando na barra Do alegre NATÁ. (...) Agora pensando segui ôtra tria chamando a famia começa a dizê: eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo nós vamo a São Paulo

vivê ou morrê.

Pois você veja bem: uma mandiocazinha plantada lá, na minha roça, na Serra de Santana, ela tava aqui assim (mostra a altura com a mão, cerca de 60cm) no inverno e eu limpando: capinando, tirando o mato e pensando neste poema “A Triste Partida”. Passei o dia trabalhando e pensando e deixando retido na memória. No outro dia, quando eu voltei à roça, eu terminei. Comecei como hoje, terminei como amanhã. viu? São 19 estrofes... 59


Distante da terra tão seca, mas boa exposto à garoa à lama e ao paú faz pena o nortista, tão forte, tão bravo vivê como escravo nas terra do Sul . É como que um hino nordestino viu? E no fim, para satisfazer aos sulinos, o Luiz Gonzaga mudou: “viver como escravo, no norte e no sul” (ele ri muito e diz) eu fiquei danado, viu? Agora, tem uma mudançazinha também que para comércio, eu dei razão a ele, que ele queria vender o disco e tal:

o carro já corre no topo da serra oiando pra terra, seu berço, seu lar aquele nortista, partindo de pena de longe ainda acena, adeus Ceará.

E Luiz Gonzaga botou: “de longe acena: adeus, meu lugar”.

faz pena o nor ti s ta, tão for te, tão bravo vivê como escravo nas terra do Sul. 60


EMOÇÕES Eu fiz o seguinte poema em homenagem ao Rei do Bailão:

Eu sou poeta sensível falar do rei do baião é custoso, é impossível eu não sentir emoção foi um artista colosso o nordeste em carne e osso triste coisa aconteceu meu coração abalou quando o rádio anunciou ‘Luiz Gonzaga morreu!’ Nasceu esse sanfoneiro lá na serra de Nabuco glória do país inteiro inda mais de Pernambuco foi artista preferido em toda parte querido do patrão e do operário a jóia pernambucana prazer de dona Santana e orgulho de Januário. Sua sanfona saudosa com quem vivia abraçado era santa milagrosa ressuscitando o passado 61


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até mesmo a criatura sisuda e de cara dura e de cruel coração ficava alegre e ditosa ouvindo a voz milagrosa do grande rei do baião. Artista do gênio forte com proteção soberana era do sul e do norte do palácio e da choupana vivia trovando a raça desde o campo até a praça na vida de sanfoneiro era forte, firme e humano artista pernambucano que soube ser brasileiro. Mas, no dia dois de agosto o dia de sua morte transformou gosto em desgosto com seu eterno transporte querido rei do baião é triste a separação e enquanto, na eternidade tu vives entre os primores aqui seus compositores sofrem a dor da saudade.

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Te deu sucesso e deu vida e com amor divulgaste a letra “A Triste Partida” que eu compus e tu gravaste e hoje, só resta a saudade do campo até a cidade agora ninguém te assiste cantando ‘’A Triste Partida” porque para a outra vida fizeste a partida triste. Porém, com saudade mil qual farol que não se apaga enquanto existir Brasil existe o Luiz Gonzaga no coração do Nordeste e, aí, na Corte Celeste de Jesus de Nazaré gozando de paz completa roga a Deus por teu poeta Patativa do Assaré.

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ZELO PELA CRIAÇÃO Eu me dano com aquele erro que a editora cometeu no meu poema “O Inferno, o Purgatório e o Paraíso”. Aquilo é um erro imperdoável, viu? Onde diabo já se viu ventura no inferno? Lá não é venturoso. Foi um erro gráfico.

Este inferno, que temos bem visível e repleto de cenas de ventura que diabo de ventura.

e repleto de cenas de tortura. Pois é, eu fiquei com muito desgosto porque aquilo foi publicado com história de “ventura”.

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Pela estrada da vida nós seguimos cada qual procurando melhorar tudo aquilo que vemos e ouvimos desejamos, na mente, interpretar pois nós todos na terra possuímos o sagrado direito de pensar neste mundo de Deus, olho e diviso o Purgatório, o Inferno e o Paraíso. Este inferno que temos bem visível e repleto de cenas de tortura onde nota-se o drama triste e horrível de lamentos e gritos de loucura e onde muitos estão no mesmo nível de indigência, desgraça e desventura é onde vive sofrendo a classe pobre sem conforto, sem pão, sem lar, sem cobre. É o abismo do povo sofredor onde nunca tem certo o dormitório é sujeito e explorado com rigor pela feia trapaça do finório é o inferno, em plano inferior mas acima é que fica o Purgatório que apresenta também sua comédia e é ali onde vive a classe média. Este ponto também tem padecer porém seu habitantes é preciso simularem semblantes de prazer transformando a desdita num sorriso e agora, meu leitor, nós vamos ver mais além, o bonito Paraíso que progride, floresce e frutifica onde vive gozando a classe rica. 67


TEMPO Eu recebi um elogio danado duma mulher lá de São Paulo. Ela é até francesa, mas vive lá em São Paulo. O poema que ela elogiou é feito todo matuto, viu? Mas ele vai conduzindo uma beleza enquanto é, até quando chega o uso de razão, aí tudo vai ficar ruim como o diabo, até a morte. “O Maió Ladrão” é o tempo. Ele é

o mais velho de todos. O maior e o mais velho. Eu tê dizendo é o tempo. Quem é que é mais velho do que o tempo? Ele é o mais velho de todos. O tempo se manifesta no ventre materno, ele já ta ali, porque é o tempo, não é? O tempo é o condutor da pessoa. 68


VÔOS DE PATATIVA

Certa vez eu cheguei em Mossoró, no Rio Grande do Norte e aí tinha um rapaz que foi me mostrar a cidade e, aí, era eu viajando com ele, mas criando um poema na minha mente, viu? Pra eu recitar na véspera da minha volta, viu? Pode ler.

Curiosidade e vontade de ver mossoró eu tinha hoje vi e sei que a cidade é diferente da minha porém isso é natural esse mundo desigual tem o rico e o pobre Jô no meu estilo singelo faço aqui um paralelo entre Assaré e Mossoró é diferente do assaré um com a tônica no “o” o outro com a tônica no “e” Assaré, modesto e pobre Mossoró no rio grande Assaré não é lembrado por entre as folhas da história Mossoró, no seu Estado é grande patrão de glória não me convém que eu afaste a prova deste contraste com evolução completa Mossoró desenvolvido e Assaré só conhecido através do seu poeta 69


Nos meus versos justifico cada qual tem clima ameno mas Mossoró grande e rico e Assaré pobre e pequeno para que ele se destaque vou rogar ao Deus de Isac de Abraão e de Jacó talvez assim ele um dia tem a mesma fantasia que agora tem Mossoró. Nesta singela linguagem e neste estilo popular ofereço essa mensagem ao povo potiguar onde fui bem recebido e ao meu Assaré querido minha terra e meu xodó voltarei bem satisfeito levando dentro do peito saudade de Mossoró. Foi bom pra eles, hein? Aí era na “Semana de Filosofia de Mossoró”. Paulo Freire estava lá...

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Eu também participei da Campanha das Diretas, mas nem deu certo. Aí eu fiz isso:

Bom camponês e operaro a vida ta de amargá o nosso estado precaro Não há quem possa agüenta nesse espaço dos vinte ano que agente entrou pelo cano a confusão é compreta mode a coisa miorá nós vamo bradar e gritar pelas inleição direta. Camponês, meu bom irmão e operaro da cidade Vamo uni as nossas mão e gritá por liberdade Levando na mesma pista os estudante, os artista e meus colega poeta vamo todos reunido fazer o maió alarido pela inleição direta Vamo cada companheiro com nosso protesto forte por este país intero leste, oeste, sul e norte com as inleição direta nós vamo por outra meta de uma forma deferente esta marcha ta puxada e esta canga ta pesada 71


não há cangote que agüente. Senhora dona de casa lavadêra, cozinhêra é preciso mandá brasa ingrossá nossa filêra vamo abalá toda massa derne o campo até a praça agora ninguém se aqueta vamo lutá fortemente e elegê um presidente com as inleição direta. Se o povo veve sujeito sem ter a quem se queixá é preciso havê um jeito pois desse jeito não dá. Cadê a democracia que o pudê tanto irradia nas terra nacioná? Tudo isso é demagogia Quem já viu democracia sem direito de votá? Democracia é justiça em favor do bem comum sem trapaça e sem maliça defendendo cada um o povo tá sem sossego com a fome e o desemprego arrochando o brabicacho será que o Brasi de cima não tá vendo o triste crima que tem no Brasi de baxo? 72


Seu dotô, seu deputado seu ministro e senador repare que o nosso estado é mesmo um drama de horrô se vossimicê baixasse e uns dez ano aqui passasse ferido da mesma seta fazia assim como nós gritando na mesma voz queremo inleição direta. Isto que eu digo, é exato é uma verdade certa pois só o que carça o sapato sabe onde é que o mesmo aperta nosso país invejado tá todo dismantelado o que observa descobre e com certeza tá vendo a crasse pobre morrendo e a média ficando pobre. Nestes versos que rimei disse apenas a verdade eu aqui não afrontei a nenhuma oturidade quem fala assim desse jeito defendendo os seus dereito todos já sabem quem é é um poeta do povo velho de’ coração novo Patativa do Assaré (risos). Não tá bom? 73


“EU QUERO E TODOS QUEREM” Eu sou um poeta que quer a verdade, um poeta que

Quero um chefe brasileiro fiel , firme e justiceiro capaz de nos proteger que do campo até a rua povo todo possua direito de viver. Quero paz e liberdade sossego e fraternidade na nossa pátria natal desde a cidade ao deserto quero o operário liberto da exploração patronal . Quero ver do sul ao norte o nosso caboclo forte trocar a casa de palha por confortável guarida quero a terra dividida para quem nela trabalha.

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diz:


Eu quero o agregado isento do terrível sofrimento do maldito cativeiro quero ver o meu país rico ditoso e feliz livre do jugo estrangeiro. A bem do nosso progresso quero o apoio do Congresso sobre uma reforma agrária que venha, por sua vez libertar o camponês da situação precária. Finalmente, meus senhores quero ouvir entre os primores debaixo do céu de anil as mais sonorosas notas dos cantos dos patriotas cantando a paz do Brasil .

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3. oo pテ《sarO E cantO E oa canto vida


SERTÃO FESTIVO Já hoje não tem mais o que eu digo aí, mas já houve, aí eu retrato. Lá na Serra de Santana tinha muita festa de São João, Em toda parte, em toda parte.

... o véio Girome Guéde que sacrifiço não mede toca o que o povo lhe pede numa armonca de oito baxo. É o tocador. Mas ele existiu não, eu que criei. Eu pra batizar um não demora não.

A cinza santa e sagrada de sua foguêra amada com fé no peito guardada quem tira um pouquinho dela depois que se apaga a brasa bota em roda da casa na vida nunca se atrasa se defende das mazela. Você não conhece isso não? Essa superstição? Ô, homem, já hoje não há mais isso não. Pois era, no São João, depois que tudo se apagava, ficava só a cinza da fogueira, o povo, principalmente as mulheres, tiravam aquela cinza e arrodiava a casa todinha, botava uma cinzinha assim, na casa toda, pra não entrar mazela naquela casa. Superstição, viu? Pois perdurava isso. Já hoje não perdura. Não duvido que não tenha algum recanto aí que ainda faça, não é? 78


a CERCA

Olhe, eu tinha minha cerca lá perto da minha casa na Serra de Santana. Começaram a roubar as varas da cerca para cozinhar em panela, viu? Aí eu perguntava e todo mundo dizia: não, eu não fui, eu não fui. E eu, sabendo que o matuto tem muito medo de praga, e achando que rogando praga pega, aí eu perdoei a todos quanto tivesse tirado até aquele dia e roguei praga a quem tirasse daquele dia em diante, botei num papel e botei lá na cerca. Aquele que sabia ler, era aquela roda, um lendo e aí melhorou, não buliram mais não. Você vai ler.

Hum hum! ê tá caçoando!!!

“Rogando Pragas” Dizia o velho Agostinho que este mundo é cheio de arte e se encontra em toda parte pedaço de mau caminho um pessoal meu vizinho sem amor e sem moral atrás de fazer o mal para feijão cozinhar começaram a roubar as varas do meu quintal . Toda noite e todo dia iam as varas roubando e eu já não suportando aquela grande anarquia pois quem era eu não sabia pra poder denunciar com aquele grande azar vivia de saco cheio até que inventei um meio pra do roubo me livrar. 79


Eu dei a cada freguês com humilde, o perdão e lancei a maldição em quem roubasse outra vez e com muita altivez na minha pena peguei umas estrofes rimei sobre as linhas de uns papéis rogando pragas cruéis e lá na cerca botei. Deus permita que o safado sem vergonha, ignorante que roubar de agora em diante madeira do meu cercado se veja um dia atacado com um cancro no toitiço toda espécie de feitiço em cima do mesmo caia e em cada dedo saia um olho de panariço. O santo Deus de Móises lhe manda bexiga roxa saia carbúnculo na coxa cravo nas solas dos pés entre os incômodos cruéis da doença hidrofobia icterícia e anemia tuberculose e diarréia e a lepra da morféia seja a sua companhia.

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Deus lhe dê o reumatismo com a sinusite crônica a sesão, o impaludismo e os ataques da bubônica além de quatro picadas de quatro cobras danadas cada qual a mais cruel e de veneno fatal a urutu, a coral , jararaca e cascavel . Eu já perdoei bastante os que puderam roubar para ninguém censurar que sou muito extravagante mas de agora em diante ninguém será perdoado Deus queira que um cão danado um dia morda na cara de quem roubar uma vara na cerca do meu cercado E oque não ouvir o rogo que faço neste momento tomara que tenha aumento como correia no fogo dinheiro em mesa de jogo e cana no tabuleiro e no dia derradeiro a vela pra sua mão seja um pequeno tição de vara de marmeleiro.

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vELHICE Tudo meu eu crio, qualquer coisa mesmo. Veja bem aqui esse versinho, são poucas estrofes. É uma coisa bem simples, mas, no fim, tem um fundo de verdade. É Réplica de um Cabelo Branco. É o título, viu?

A um cabelo branco de vergonha lhe disseram os pretos não se oponha você nos causa um sofrimento atroz se retire, saindo da cabeça e o mais breve daqui desapareça não queremos você perto de nós. O bom cabelo, muito inteligente tendo tudo gravado em sua mente julgando a vida do começo ao fim falando sério contra a rebeldia com a verdade da filosofia para os pretos cabelos disse assim : Ia natureza é protetora e franca e quando ela me deu essa cor branca um grande insulto cada qual me fez mas cada um será bem castigado! pois mereço ser muito respeitado!

sou o começo da estrada de vocês!’ Mas eles ficaram danados quando viram aquele cabelo branco perto deles.

Os pretos, viu? 82


CIGARRO

Ah!. Essa miséria aqui é o que vai me lascar. Eu fiz aquele poema e no fim o poema não adiantou nada.

Certa vez um cigarro astucioso me falou com disfarce de ladrão: para seres poeta primoroso eu te ajudo na tua inspiração. Quando a mente cansada permanece de sentidos e de rimas bem vazia com algumas tragadas te aparece o que queres dizer em poesia. Incentiva a falar dos indigentes e da vida que encerra dias breves te forneço as imagens excelentes do perfil da mulher que tu descreves. Dessa minha fumaça o conteúdo alimenta o prazer de uma ilusão tu me fumas, poeta, que eu te ajudo para nunca faltar-te inspiração. Risque o fósforo e me queime, por favor tu precisas compor a tua rima e eu, também, procurando outro setor subirei bem feliz de mundo acima. Quando ouvir do cigarro os seus pedidos escutei um conselho para mim eu senti penetrar nos meus ouvidos uma voz a falar dizendo assim : 83


O cigarro procura te enganar te iludir e fazer a tua ruína vai fazer os teus versos sem fumar não aumente no corpo a nicotina. Quando ouvi esta voz suave e pura do meu eu transformado me encontrei e falei ao cigarro, com censura tenhas calma, amanhã te fumarei. E no dia terceiro imprudente me falou: seu fumante vagabundo! descobri o teu truque e estou ciente só se acaba a manhã no fim do mundo. Dando graças a Deus eu conheci Que alcancei uma graça, uma virtude Foi com este milagre que venci O maior inimigo da saúde.


Pois é, o cigarro é assim uma distração vagabunda

que eu tenho e, se eu não fumasse, eu não era assim tão enrouquecido do jeito que sou. Mas ainda tenho vontade de deixar. Não sei se ainda recupero alguma coisa. É mais de um maço, é mais de uma carteira por dia. Isso é demais, rapaz, é uma derrota. Quanto mais eu penso naquilo que eu não to gostando, mais cigarro eu fumo. Sem eu estar fumando não faço poesia com prazer. Posso fazer bem feito porque tenho cuidado, com amor e tal e tal, mas não dá prazer. É, agora eu estando fumando, não? Pois é, o cigarro é assim uma distração vagabunda que eu tenho e, se eu não fumasse, eu não era assim tão enrouquecido do jeito que sou. Mas ainda tenho vontade de deixar. Não sei se ainda recupero alguma coisa. É mais de um maço, é mais de uma carteira por dia. Isso é demais, rapaz, é uma derrota. Quanto mais eu penso naquilo que eu não to gostando, mais cigarro eu fumo. Sem eu estar fumando não faço poesia com prazer. Posso fazer bem feito porque tenho cuidado, com amor e tal e tal, mas não dá prazer. É, agora eu estando fumando,

não?

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infidelidade

Eu lembrei de um dia que a mulher chamar o marido de chifrudo é coisa muito ruim e desonesta. Você veja

aqui o que foi que eu fiz pra poder chegar lá. Eu vou dizer, viu? O título é: “Proquê dexei Zabé”. Uma poesia matuta.

Seu moço, eu nunca menti nem nunca gostei de manha se do meu sertão saí pra vivê na terra istranha é só porque sou casado mas porém, sou separado parece mesmo um castigo sofro o maió aperreio por causa de um nome feio que a muié dixe comigo. ( .. .] Certa vez ela teimava me dizendo desaforo parece que Zabé tava com o capeta no côro como a cobra venenosa tava inchada e rancorosa já no ponto de brigá e me chamou de chifrudo com isto, ela dixe tudo e eu vim me imbora de lá.. Pois bem, pra eu mostrar que esse nome da mulher pra o marido é muito ruim, eu primeiro criei esse poema. Pegando de onde? Lá dos infernos da pedra, não é? Tudo meu eu faço é criar e crio é na hora mesmo.

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TRADIÇÃO E A MODERNIDADE No meu tempo de jovem, só havia passamento, viu? “Olha, fulano deu um passamento e entortou a boca!” Outro: “ora, beltrano deu um passamento e ficou com uma banda morta”. E outro: “mas, fulano deu um passamento, fez foi morrer”. Aí a ciência pegou a desenvolver e o rádio entrando pelo sertão e televisão e aí hoje ninguém fala mais em passamento. É trombose, é enfarte, é derrame (risos). Aí o “passamento” ficou com uma raiva danada, aí eu escrevi “ARevoltadoPassamento”.Aqui é “passamento”que fala,

viu? Entre os males já fui um grande mal quando eu dava um arrocho em um sujeito quem o visse, dizia: ‘está sem jeito’ e a família comprava o funeral . Até mesmo o caboclo do roçado eu tratava sem dó e sem carinho muitas vezes ficava o coitadinho sobre o chão lá na roça desmaiado. Aplicando o meu choque perigoso já pintei de amarelo a cor vermelha de malandro, bonito e vaidoso fiz a boca ficar no pé da orelha. Da mais baixa à mais alta posição neste mundo eu fui muito respeitado fui o grande perverso no passado nos ataques, eu era o campeão. Porém, minha façanha já passou 87


hoje vivo isolado e sem prazer a ciência, que em tudo quer mexer com a sua imprudência me cassou. Me cassou com o seu atrevimento eu não sei por que tal metamorfose com enfarte, derrame e com trombose ninguém quer mais falar de passamento. (risos). O passamento danado de raiva, viu?

saudade

Saudade dentro do peito

é qual fogo de munturo por fora tudo perfeito por dentro fazendo furo . ... fica tal qual a frieira quanto mais coça mais quer.

Você sabe o que é frieira? Quanto mais você coça, mais quer coçar. É como a saudade da mulher, viu? A saudade da mulher é pior do que a do homem.

É como a saudade da mulher, viu? A saudade da mulher é pior do que a do homem.


POETA BATIZADO

Quando eu era jovem mesmo, um parente de minha mãe me levou para o Pará, onde eu cantei em muitos lugares. Lá eu inventei essa quadrinha:

Quando eu entrei no Pará achei a terra maió vivo debaixo de chuva mas molhado de suó. Lá eu conheci muita gente, visitei muitos cearenses que moravam lá, mas voltei logo. Depois que eu voltei de minha viagem ao Pará, fui à Fortaleza, me apresentar à filha do grande poeta Juvenal Galeno. Levei uma carta de apresentação de José Carvalho de Brito, aquele que me deu o nome de Patativa. Lá eu cantei um pouco.

Depois eu queria um livro dele. Foi aí que eu criei a “Carta à Doutora Henriqueta Galeno”. Eu conheci ela pessoalmente. Filha do grande Juvenal Galeno. Aí eu queria o livro do Juvenal Galeno, fiz essa carta e ela me ofereceu um presente do livro dele, com o título “Folhetim de Silvano”. A carta que escrevI era assim:

lncelentíssima dotôra peço perdão à senhora desta carta lhe enviá mas leia os versos rastêro de um cabôco violêro do sertão do Ceará. Sou o cantadô Patativa que trôxe aquela missiva aquele papé escrito e cantou no seu salão com a recomendação do Zé Carvaio de Brito. Aí ela mandou o livro. 89


contradições Querendo um dia ver algum mistério das coisas tristes que esse mundo tem impressionado fui ao cemitério onde podemos mais pensar no além . No campo santo, no sombrio império de olhar piedoso a recordar alguém entre soluços entre um tom funério muitos choravam e eu chorei também . Mas nesta vida sempre há um sujeito que da miséria tira o seu proveito vi no semblante do senhor coveiro. A indiferença a doloroso assunto interessado a receber defunto fazendo cova pra ganhar dinheiro. (risos) Quem quisesse que chorasse, mas ele ia era fazer cova para ganhar dinheiro. A desgraça de uns é a felicidade de outros, viu?

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crime imperdoável

Eu crio uma historiazinha pra mostrar como o grande desarmoniza a terra,a casa de um pobre e fica por isso mesmo. Leia aí que você ver uma poesia muito bem feita

Com sua filha de bondade infinda Maria Rita, encantadora e bela morava a viúva dona Carolina junto ao engenho do morador Favela. Paciente e boa e cheia de carinho passava os dias sem pensar na dor reinava ali, naquele tosco ninho um grande exemplo do mais puro amor. A linda jovem, flor da simpatia, de olhos brilhantes e cabelo louro além de arrimo e doce companhia era da mãe o virginal tesouro. ( .. .) Maurício, um filho do senhor do engenho um estudante, bacharel futuro apaixonou-se, com o maior empenho de saciar o coração impuro. E com promessa de um porvir brilhante fazendo juras de casar com ele tanto insistiu o traidor pedante que conquistou a infeliz donzela. Tornou-se em pranto da menina o riso anuviou-se o doce amor materno aquele rancho, que era um paraíso foi transformado em verdadeiro inferno. 91


( ... ) Vive hoje o monstro a prosseguirno estudo enquanto o manto da miséria as cobre porque só o rico tem direito a tudo não há justiça para quem é pobre.

É isso aí!

O DIABO Existe uma quadra que eu não quero bem nem um pouco. É sobre o diabo. Quem é o diabo? Quem fez o diabo, hein? Você sabe dizer, hein? Aí eu fiz essa quadra:

Era muito inteligente aquele que fez o diabo para fazer medo a gente pôs chifre, esporão e rabo.


DINHEIRO A “Escrava do Dinheiro”, sei dela decorada todinha. Isso aqui é pra eu mostrar que dinheiro é um vagabundo. Dinheiro, pra quem sabe possuir, é grande coisa, mas pra quem não sabe não é nada. Leia aí “A Escrava

do Dinheiro!” Veja como o quanto essa mulher foi danada por causa do dinheiro. Era minha noiva,

viu? Dinhêro trensforma tudo dinhêro é quem leva e traz eu nem quero nem dizê tudo o que o dinhêro faz apenas aqui eu conto que ele pra tudo tá pronto ele é cabrêro e treidô é carras e é vingativo só presta pra sê cativo não presta pra ser senhô. (...) Dinhêro é um Jogo ardente que faz munto coração se derretê como cera na quintura do tição dinhêro trensforma tudo faz de um alegre um sisudo dá nó e desmancha nó e finarmente o dinhêro é o maió Jeiticêro é o Rei do Catimbó. 93


RIMANDO O COTIDIANO “As proezas do padre Nonato”. Foi meu grande amigo, o maior vigário que eu conhecia. Não tinha horário pra ele não, o povo era quem marcava. E eu queria um bem danado a esse padre. Tenho dois poemas com ele. Nossa viagem a São José de Lavras e esse daí. Esse aí, porque, você vai ver. Esse aí é uma extravagância do diabo! Eu aumentei. Foi ele que pediu. Ele disse: “homem, faça um verso”. Eu disse: padre, isso aí eu tô quase é debochando sua pessoa de padre. Ele disse: “olhe, que debochando que nada, rapaz, você podebotar minhas proezas que eu fui andar de moto e não acertei, que eu ajudo a você vender o livro, quando ele sair”. Aí eu botei. “Você pode botar coisas do arco da velha, que eu não tenho vaidade”. Aí eu fiz. Quer ver,

reparê.

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Quando o vigaro Nonato comprou seu motocicreta quage o padre desaqueta toda a cidade do Crato O mais doido espaiafato aconteceu por ali cena iguá eu nunca vi ô carrerão da muzenga! foi a maió estrovenga passada no Cariri. Esse grande padre aí. O padre Vieira. Ele achou bom como diabo esse negócio,

viu? Foi a mió brincadêra que o padre Antônio Viêra Na sua vida encrontou. O padre Nonato aprendendo a andar de moto.

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EM FAVOR DOS OUVINTES DA RÁDIO Eu fiz um poema danado conversando com o meu amigo da Rádio Educadora do Crato. Fiz o poema “Inlustrismo Sr. Elóia Tele”. Mas o nome dele é Elói Teles, viu? Isso é um matuto do Piauí falando. Era quando o Zé Sarney tomava o programa dele na sexta-feira, aí eu, com medo de botar o meu nome, inventei que era um poeta do Piauí, aí mandei pra ele, viu? Quer ver, leia! Tinha aquele cara que é Zé Sarney, na sexta-feira tinha um programa também. Tomava uma parte do programa do Elói e eu fiquei com raiva, rapaz, aí inventei que era um poeta do Piauí e mandei esse versinho pra ele.

Era sacanagem. Seu Elóia, o locutô precisa tê conciença por isto eu faço ao Sinhô uma boa adivertença nesta carta populá que segue pelo correio lhe dando um grande conseio e o Sinhô deve tomá. Eu vejo que o seu programa é o mió do Cariri tem audiença e tem fama como iguá eu nunca vi lhe digo e tô quage certo pra lhe conhecê de perto qualquer dia eu chego aí. 98


(...) Aqui do meu Pioí escuto a semana intêra mas tem uma coisa aí que me dá grande cansêra eu não fico satisfeito quando iscuto este sujeito que fala na sexta-fêra. (...) Isto assim não fica bem repare que este tingó toda sexta-fira vem dizê uma coisa só mesmo que lhe pague caro não aceite esse salaro dispache este Brosogó. Esta sua falação protesto teimo e resingo ouvindo a repetição toda sexta-fêra eu xingo porque será que este besta em vez de falá na sexta não fala sabo ou dumingo? ( .. .) Pelo bem que o Sinhô qué a todo o seu Cariri e o bem de sua muié faça o que eu lhe peço aqui por Cristo, nosso Sinhô pelo leite que mamou tire este doido daí e disponha de João Zumba poeta do Pioí.

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EsPIRITUOsIDADe

Lá, perto do carnaval, deu azar um dia, lá no hospital São Francisco de Assis, onde eu estava hospitalizado. É um hospital de arquitetura antiga, daquele tempo passado, viu? Hospital São Francisco de Assis. Aí faltou manteiga no pão, na hora. Nós merendando, mas não tinha manteiga não. Na hora do almoço, eu acho que aquilo era por causa do carnaval, sei lá? Na hora do Na hora do almoço, veio foi um pouco de farofa diferente da nossa farofa aqui do nordeste, viu? Farofa muito diferente da nossa. Pra cada um dos pacientes, um pouco de farofa.Lá pelas outras salas, com certeza aconteceu a mesma coisa. E à tarde, a nossa janta, não foi mais a comida costumeira que a gente recebia todos os dias, que eu ainda hoje não sei o que era aquilo viu? E eu, pra fazer, aí, no outro dia à tarde, pra fazer os meninos rirem, eu era o animador dos acidentados, eu era o chefão de lá, viu? Aí eu disse: “meninos, eu vou falar pra São Francisco o caso que aconteceu. Eu vou falar”. Eles disseram: “mas as irmãs estão aqui na outra sala”. Eu digo: “não, eu não tenho nada a ver com as irmãs, vou falar é pra São Francisco, vou falar é pra São Francisco, vocês não entendem a minha poesia não?” Aí eu disse bem alto:

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Meu São Francisco de Assis meu santo! Meu bom amigo! qual foi o mal que eu lhe fiz pra me dar tanto castigo seu amor nunca se apaga é venerado o seu nome se tiver comida, traga que tô danado de fome o senhor foi penitente padeceu tanta amargura e hoje trata seu doente com farofa sem gordura? Depois nos manda uma janta de coisa desconhecida meu santo! Isso não adianta tenha dó de nossa vida e, achando que ainda não chega a nossa grande aflição tirou também a manteiga que tinha no nosso pão. Eu preciso ser feliz e o senhor de mim se esquece? Meu São Francisco de Assis tenha dó de quem padece.


E os meninos tudo rindo, viu? Aí, irmã Natália, que era uma enferemeira, irmã Natália chegou e disse: “seu Antônio Gonçalves está atacando o hospital? Eu disse: “Irmã Natália, pelo amor de Deus, eu não sou homem para tanto - a senhora é que não sabe o que é a minha poesia. Minha poesia é uma coisa sagrada, eu falo

para com Deus, eu falo para os para os santos, falo até para os anjos e eu aqui estou falando pra São Francisco”. A senhora viu eu mencionar nome de pecador? Hein? Eu não mencionei nome de pecador. É de mim pra São Francisco. Ela ficou com tanta raiva, não deu nenhuma palavra, voltou pisando duro e foi embora. Aí foi que os meninos gostaram. Certas coisinhas,

viu? E outra vez, fiz lá também uma outra brincadeira. Todos os dias, irmã Joaninha vinha nos trazer suco, eu e os meus companheiros de infortúnio, os os acidentados como eu, lá numa sala. Aí, o suco não estava doce. Eu tomando o suco, mas vendo que não estava doce. Aí, eu tomando o suco bem devagarinho e pensando uns versos de ironia pra recitar pra ela, viu? Eu disse:

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Este Rio de Janeiro é uma terra encantada até pelo estrangeiro é terra bem visitada mas dentro desses encantos eu vejo uma coisa errada.

O Rio a gente admira

ninguém pode reprovar porém, eu sou um matuto que sei tudo observar e aqui tem uma mentira que eu não posso perdoar. Por exemplo, o pão de açúcar que bastante encanta a mim nunca houve neste mundo quem fizesse um pão assim e se ele fosse de açúcar já tinha levado fim . Descobri isso no suco que essa enfermeira me trouxe vi que a grande fartura do pão de açúcar acabou-se tanto açúcar nesse pão e eu tomo suco sem doce.

(risos). lronizei e ela riu como todo e disse: “mas, Patativa”. Eu disse:

“não tá doce não, viu?”

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LAMPIãO Lampião, é como eu disse a Verinha, a neta dele. Eu conversei muito com ela, ela perguntou: “Patativa já fez algum trabalho sobre meu avô? Eu digo: “Verinha, eu não fiz não, porque se eu fizer, eu vou contradizer muita coisa, eu não tenho o seu avô como um

bandido, um bandoleiro, ele foi um guerrilheiro, porque ele foi injustiçado. Não quiseram dar direito a ele, então ele ficou revoltado, coitado! Se tornou aquilo, podendo ter sido um homem de bem, seguindo outro caminho, seguiu aquele”. Eu nunca fiz nada sobre Lampião.

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VAQUEIRO MUSICADO

Eu estava hospitalizado lá no Rio de Janeiro, quando um amigo meu foi me visitar, levando uma radiola. Ouvi o “Vaqueiro” (poema) com o título mudado para “Sina”. Eu digo: e quem é. Ele diz. Esse aqui é Raimundo Fagner. Eu disse: pois bem, quando eu voltar ao Ceará, eu vou dar reportagem contra isso aí, porque essa letra é minha. Quando eu voltei, dei a reportagem em todos os jornais, até na Gazeta de Notícias. Não afrontando a ele, só dizendo que aquela letra era de minha autoria. Eu não tava visando o comércio, os cantores poderiam ganhar dinheiro, fazer o que pudesse, mas contando que não obscurecesse o autor da letra que era Patativa do Assaré e tal. Sempre onde eles iam cantar, chegavam com o retrato no jornal e diziam: Mas Fagner, olha aqui, patativa é muito famoso, muito querido e tal ái o advogado dele mandou que ele viesse me procurar. Nem eu conhecia ele e nem ele me conhecia. Eu tava lá na pensão de Suzana, no Crato, quando ele soube que eu estava naquela pensão, tava sentado lá na sala, quando entrou aquela camarada, com uma cabeleira bonita, toda elegante, naquele tempo ele era novo, aí olhou para mim e disse: “Me diga uma coisa o senhor é que é Patativa do Assaré? Sim eu

sou, quero saber com quem eu tenho o prazer de estar me entendendo agora. Ele disse: “ Eu sou o cantor Raimundo Fagner.” Aí eu ri e disse: Ah! É você Fagner? Muito bem, você conhecia o meu nome e eu conhecia o seu, mas não tivemos ainda a felicidade de termos uma entrevista como nós estamos aqui. Mas você não venha pensando que eu tenho raiva de você não. Olha, aqui tem um coração, mas nunca germinou tal semente, viu? Eu tava só defendendo minha letra. Ele disse: não, e com muita razão. Tô aqui emocionado com essa sua maneira de tratar não sei o quê mas 105


eu lhe trago os papéis para que você assine e de hoje em diante quando nós formos cantar, será declarado que a letra é sua. Eu quero até fazer uma amizade com você.” Eu disse: “Olha Fagner, eu sou muito exigente com amizade. Amizade para mim só serve se for pura e decidida e sem sentido de exploração. Ele disse, não, mas eu garanto e quero até gravar um disco com uma coisa sua. Fomos lá para o meu quarto e ele com um gravador: eu tive cantando algumas de minhas toadas, mas quando eu disse: “Seu doto me dê licença” ele chega se arrupiou: “ É essa aí que eu vou gravar. Essa letra, isso aí vai dar um sucesso”. E, de fato, gravou e, mas quem quiser saber que o Fagner tinha apenas a voz, leia lá para o fim do meu livro Cante lá que eu Canto Cá, que está a explicação: letra musicada pelo próprio autor. E deu sucesso. Era um poema que fiz, exaltando o vaqueiro. Pois bem, foi assim o nosso encontro. Mas isso já passou e nós fizemos uma amizade.

LINGUAGEM DOS OLHOS É engraçado como os nossos olhos falam. Os olhos falam, não é? É, justamente, e eu sei ver as coisas. Aí eu digo aí nesses meus verso. Agora, no fim, tem uma coisa engraçada.

“Linguage dos Óio” 106


Quem repara o corpo humano e com coitado nalisa vê que o Autô Soberano lhe deu tudo o que precisa os orgo que a gente tem tudo serve munto bem mas ninguém pode negá que o Autô da Criação fez com maió prefeição os orgo visioná. (. . .) Os óio consigo tem incomparave segredo tem o oiá querendo bem e o oiá s.entindo medo a pessoa apaixonada não precisa dizê nada não precisa utilizá a língua que tem na boca o oiá de uma caboca diz quando qué namorá. (. . .) Mesmo sem nada falá mesmo assim calado e mudo os orgo visioná sabe dá siná de tudo quando fica o namorado pela moça desprezado não precisa conversá logo ele tá entendendo os óio dela dizendo viva lá que eu vivo cá.


( .. .) Nem mesmo os grande oculista os dotô que munto estuda os mais maió cientista conhece a linguage muda dos orgo visioná e os mais ruim de decifrá de todos que eu tô falando é quando o oiá é zanôio ninguém sabe cada ôio pra onde tá reparando.

(risos). Aí o cabra não decifra não. No sertão a gente chama zanôio. Você olha assim, ela só olhando pra você, ela mesmo sabe que lhe ver, mas você acha que ela não tá olhando pra você. Acha num sei pra onde, viu? Mas no fim eu boto isso aí que é engraçado. Eu já tenho ouvido dizer isso. Eles dizem: “É um olho pro inferno e o outro por purgatório”, nunca diz pro céu. É interessante, né rapaz? Não é bonito? Pois é.

Isso aí é eu que invento.


A DITADURA Eu quase fui preso por causa do meu poema Caboclo Roceiro. Foi em 1966 e aí, depois, passou tudo e ninguém falou mais em nada.

Caboclo roceiro das plagas do norte que vives sem sorte, sem terras e sem lar a tua desdita é tristonho que canto se escuto o teu pranto, me ponho a chorar. Ninguém te oferece um feliz lenitivo és rude, cativo, não tens liberdade a roça é teu mundo e também tua escola teu braço é a mola que move a cidade. De noite, tu vives na tua palhoça de dia, na roça, de enxada na mão julgando que Deus é um pai vingativo não vês o motivo da tua opressão. E o poema foi isso. Só por isso eles queriam me prender. Só por causa dessa estrofe, que diz:

Porém, os ingratos, com ódio e com guerra tomaram-te a terra que Deus te entregou. Com certeza foi essa a estrofe que doeu na sensibilidade deles. Besteira!

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VISÃO DO BRASIL “Injustiça” foi um poema muito bem feito que eu fiz pra retratar a injustiça que os descobridores fizeram quando chegaram no Brasil.

O nosso selvático vivia contente quando estranha gente na taba chegou E o índio liberto foi subordinado, foi escravizado sem terra ficou Se é grande injustiça tomar o que é alheio se é um ato feio, se é crime de horror, na culpa medonha os brancos caíram porque transgrediram a lei do Senhor. Faz pena sabermos que muitas aldeias outrora bem cheias já tiveram fim é triste sabermos que os índios, coitados sem serem culpados sofrem tanto assim . Em nome daqueles que vivem sem terra e não querem guerra procuram a paz, a Igreja reclama amor e piedade e a fraternidade que o gozo nos traz.


Queremos a paz que tanto ensinava que tanto pregava Jesus nosso Rei direitos humanos, o grau de igualdade e a voz da verdade em nome da lei. Os índios precisam de um ponto seguro um belo futuro para os filhos seus eles não merecem tamanhos castigos são nossos amigos são filhos de Deus.

Não é? Pois é, justamente. Isso retrata bem o flagelo da descoberta do Brasil. É, justamente. Fizeram a maior chacina com aquele povo.


VIVA O POVO BRASilEIRO

Uma vez me pediram para fazer uns versos dando vivas ao povo brasileiro. Era para mostrar como nós vivemos, os nossos trabalhadores, a nossa vida. Mas não deu não, só dava se fosse assim: Quando passar a chacina... viva o povo brasileiro”. Assim nós podemos dizer “viva o povo brasileiro”, não é? Acontecendo isso que eu digo aqui, não é? É um poema muito atual. Mas tá muito longe de se dizer isso. É por isso que eu pensei cá, na minha filosofia de matuto, como era que eu poderia fazer um poema capaz de dizer “viva o povo brasileiro’: Aí pensei essa parte. Quando deixar de haver toda essa miséria que eu mencionei aqui, aí nós podemos dizer “viva o povo brasileiro”,

não é?

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“Quando passar a chacina... viva o povo brasileiro�.



oa pテ《sarO E vida E oo canto mito


O SUCESSO Eu me sinto feliz, sabe como? Eu não tenho vaidade nenhuma, nem prepotência, nem nada, nem preconceito, mas, quando a pessoa sabe ver o que eu fiz, o que eu faço e o que estou fazendo ainda, aí a gente não fica vaidoso, mas fica satisfeito,

não é?

PATATIVA E OS FÃS Tudo aquilo que vocês querem é porque eu quero também. Porque eu me sinto muito feliz com a

divulgação daquilo que eu faço, a apreciação, a interpretação de qualquer um, porque eu não tô perdendo nada com isso, tô ganhando. Eu nunca visei comércio dessas coisas minha. Eu sempre digo que a minha riqueza, disso que eu faço é a divulgação, é a apresentação, não é fazer comércio, não é isso coisa nenhuma, não. E, justamente, até agora eu tenho sido muito feliz, porque quero todos e todos me querem, como você vê, não é?

É. Justamente.

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PATATIVA E OS INTELECTUAIS Eu sempre fui procurado pelos pesquisadores da cultura e também sobre a minha vida. Como é que eu faço tudo isso sem estudar, como é que eu crio aqueles quadros e vou reproduzir em versos, tudo dentro da verdade? Eu digo é, eu posso dizer que eu sou o poeta da justiça e da verdade. Eu gosto da verdade.

PATATIVA E OS PRÊMIOS Homem, pra mim e pra minha família é uma coisa muito honrosa, porque tudo muito bonito, muito bom e pra mim eu agradeço porque está dando prazer aos meus amigos e principalmente à minha família: netos, bisnetos, filhas, genros, noras.

INDÚSTRIA CULTURAL Os meus livros publicados muito me agrada porque eu deixo minha criatividade para as pessoas, mas eu nunca fiz comércio da minha poesia não. Eu não gosto. Gosto é que as pessoas apreciem e divulguem, porque é minha mesmo e eu quero.

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PATATIVA NA TEVÊ

Eu fui àquele programa do Chacrinha. Aí tinha aquelas besteiras dele, interrogando, pápápá e pápápá. Aí ele tinha me convidado, naquele escritório e tudo e eu disse: _Sim, mas eu não vou fazer aquilo tudo não. Ele disse: “Aquilo é um programa de calouros. Seu convite é especial.” Aí eu fui e fiz muitos versos. Era um programa bem assistido. Chacrinha, pernambucano. Não sei se ele era de Caruaru. Já agora, depois de velho eu fui àquele Domingão, não é? Mas assim: quem me via pensava que eu estava lá, mas não foi, vieram filmar aqui, aí na praça. Aquilo é uma ciência danada, viu? O camarada faz aquela filmagem, vai apresentar lá aonde ele bem quer e o sujeito assim pensa que o elemento ta ali,

não é?

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PATATIVA NO CINEMA

Naquele cinema do Rosemberg (cineasta cearense), eu to na fita falando sobre o Beato Lourenço. Ora, Beato

Lourenço eu sei quem foi ele:

Sempre digo, julgo e penso que o Beato Zé Lourenço foi um líder brasileiro que fez os mesmos estudos do grande herói de Canudos Nosso Antônio Conselheiro Tiveram o mesmo sonho de um horizonte risonho dentro da mesma intenção criando um sistema novo para defender o povo da maldita escuridão. Em cadeirão trabalhava e boa assistência dava a todos os operários com a sua boa gente lutava pacificamente contra os latifundiários. Naquele tempo passado Canudos foi derrotado sem dó e sem compaixão com a mesma atrocidade e maior felicidade destruíram o Caldeirão. 119


Por ordem dos militares avião cruzou os ares com ódio, raiva e com guerra contra a justiça divina na grande carnificina o sangue molhou a terra Porém, por vários caminhos seguindo o mesmo roteiro sempre haverá Conselheiro e Beato Zé Lourenço.

Porque a luta do povo não passará nunca, não é? Esses aí, esses sem terra, esse aí é como um Antônio Conselheiro ou um Beato Zé Lourenço. É a mesma luta do povo, pelejando, lutando pelos seus direitos, viu? Isso aí sempre veio, desde o começo do mundo e continuará. Continua a mesma luta do povo, procurando seus direitos.

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PATATIVA ANIMADO

Esse povo mexe é com tudo. Tem aí um menino que é um desenhista danado, ele veio aqui pra mim filmar e fazer um desenho animado sobre o Patativa, mas durou muito tempo, até um microfone dependuraram em mim. Quando eles foram gravar e tirar as fotos eu agüentei firme, mas eu passei mais de uma hora sentado num batente duro que só miolo de baraúna, aí quando terminou eu disse assim:

A maçada foi completa paradeiro agora eu faço porque bunda de poeta não é de ferro nem de aço

Foi isso aí.

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PATATIVA NO RÁDIO Constantemente eu vivia mandando poema para Éloi Teles. Elogiando o programa dele, que só tinha coisa do sertão, coisa do folclore e aqueles passarinhos cantando. Eu sei lá quantos eu mandei pra lá, homem. Eu fui várias vezes recitar lá. Éloi foi um grande, ele foi poeta também.

homenagens

Eu não queria não, mas tão danados aí querendo fazer uma festa. Eu não posso mais com nada, viu? Nem enxergo e nem escuto.

DOUTOR honoris CAUSA

Vocês são doutores do meio urbano e eu sou do doutor do mato, lá da chapada.

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CEARENSE DO SÉCULO

Bem, isso aí fica à vontade dos meus apreciadores, não é? E eu, fico cá no meu cantinho recebendo o que eles me entregam e diz e tudo e eu acredito. Mas só sei que sou um poeta da justiça e da verdade. Ah! Isso aí eu sempre fui e hei de ser até o fim. Mas o que o povo diz aí, tá tudo certo.

SEREIA DE OURO

Eu sou muito modesto, sou muito simples, o prazer que eu tenho é o prazer que eles têm também. Mas, eu não vou dizer que fiquei entusiasmado e isso e aquilo não, estou com eles, né? Estou com cada um que deu valor e achou que eu mereço e pronto. É só isso. O prêmio vem em boa hora?

Não, cada coisa tem seu tempo, homem . Cada coisa tem seu tempo, sua hora, seu minuto E só se vê um exemplo quem lhe diz é um matuto. Cada coisa tem seu tempo, sua hora, seu minuto.

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MEMORIAL PATATIVA DO AssARÉ 124

Eu pra mim, até agora ainda não sei. Sei apenas uma coisa que diz aqui nessa quadrinha:

Conheço que estou no fim e sei que a terra me come

mas fica vivo o meu nome

para os que gostam de mim .

Somente isso aqui, mais nada, é? Mas é uma organização muito bem feita como estão dizendo, viu? Mas, eu, eu não tenho vaidade com nada, viu? Mas pelejaram com isso e não sei o quê e aí vai ficar ai o Memorial, viu? Fica aí o meu nome, como eu digo nessa quadrinha.

ASSARÉ

(do Patativa)

Assaré dos meus amores onde andei de beco em beco . caíram folhas e flores só ficou o tronco seco.

Assaré se tornou conhecida por minha causa, viu? Assaré hoje é conhecida, quase no mundo todo. Você não vê aí neste “Brasil bom de Bola” eles botando em francês e em inglês todas as coisas que eu disse? E isso aí é tudo Assaré e Assaré. Patativa do Assaré. Quando eu morrer fica a Assaré do Patativa. “Homem, pra onde vai?” “Vou pra Assaré do Patativa”. Agora não, que eu tô vivo é o Patativa do Assaré. Quando eu morrer ficará a Assaré do Patativa. Não é não? Tudo isso eu vejo na minha mente.


O MITO DA MÚSICA

Luiz Gonzaga foi um grande artista, rapaz Inteligente e nunca mudou, o rei nunca mudou a sua linguagem cabocla. Viveu naquele meio, entrosado naquela gente alta do diabo, mas ele não criou vaidade. Nunca mudou o “prumode”, o “quinem”, e outras coisas, viu? Ele soube

ser brasileiro. Ele era amigo, viu? Acolhedor do povo. Ele dizia que eu e ele era do mesmo jeito. Eu na poesia e ele na sanfona cantando. Tem que ser é nós dois. Ele disse: “Bem, se fosse pra eu ficar cantando somente três músicas, eu queria cantar apenas “Respeita Januário”,“Asa Branca” e “A Triste Partida”, do Patativa do Assaré. “Era a preferência minha, pra eu ficar cantando por toda a vida”. Ele era inteligente. Tão simples!!!

Simples mesmo!

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oUTROs MITOs

No dia do movimento da Anistia, lá na Praça do Ferreira, eu apresentei com Darci Ribeiro, que é de saudosa memória. Pois bem, eu estava na livraria “Ciência e Cultura”, auto¬grafando um livro. No outro dia era [seria] o movimento lá, da anistia, né? Naquele tempo que os desgraçados voltaram desse fim de mundo. E chegou um cidadão e disse: “Olha, Patativa amanhã à tardinha, eu passarei aqui pra você ir comigo lá para a Praça do Ferreira, onde vai ser a reunião grande em benefício da anistia. Eu digo: “Pois não”. E aí, você vai também dizer alguma coisa dentro do mesmo tema. Aí eu fiquei logo encabulado,

passei a noite quase acordado, procurando o que era que eu ia dizer. Aí me veio a lembrança que o pinto sai do ovo porque trabalha e não porque a natureza faça aquele ovo se abrir para que o pinto saia de dentro. Não, não é assim. Ele belisca o ovo até poder sair de dentro. Aí eu me apoiei nesse negócio e fiz o poema, viu? Quando esse cidadão, Darci Ribeiro, chegou e disse: “Pronto Patativa, entre aqui no meu carro e vamos lá pra Praça do Ferreira”. Ele disse: “Olha, você é famoso não é só aqui, nessa parte do nordeste, aqui no Ceará não. É em toda a parte. Lá no Rio de Janeiro, quando se trata de cultura, cultura popular dentro da verdade que precisam, seu nome é logo mencionado e nós somos colegas de imprensa. Eu já publiquei três livros na Editora Vozes, onde está o seu livro “Cante lá que eu Canto Cá”. Aí eu disse: “Com quem é que eu estou tento o prazer de estar me entendendo? “Ele disse: “Eu sou Darci Ribeiro”. Aí, rapaz, em vez de eu me entusiasmar, fiquei foi amofinado. Fiquei tão besta, que falei com ele outra vez. E ele: “Mas Patativa, o que é isso?”.”É Porque eu conheço o seu nome, sei quem é o senhor e a sua capacidade”. Ele disse: “Não, nós somos iguais”. Aí ele me apresentou ao Teotônio Vilela. Quando chegou na hora, ele me chamou lá para o microfone, eu já tinha feito os versinhos. 126


Vamos minha gente vamos para a frente arrastando a cruz atrás da verdade da fraternidade que pregou Jesus. O pinto presioneiro pra sair do cativeiro veve bastante a lutar bate o bico, bate o bico bate o bico, tico, tico pra poder se libertar. Se direito temos todos nós queremos liberdade e paz no direito humano não existe engano todos são iguais. O pinto dentro do ovo aspirando um mundo novo não deixa de biliscar bate o bico, bate o bico bate o bico, tico, tico pra poder se libertar.

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MITOS DA LITERATURA Uma vez eu estava em Quixadá, para um encontro e a Raquel de Queiroz, que também era convidada, não foi. Aí ela mandou me apanhar para eu ir lá para a fazenda dela, fazendo de nome “Não me deixes”. Agora lá, é como uma coisa antiga, daqueles coronéis, daquele tempo, viu? Aquela fachada bonita, antiguidade. Lá na cozinha, cheia de prego nas paredes e as caçarolas assim como faziam de primeiro. Tudo é coisa antiga. Ela conservou. Ela me olhou e mandou chamar fotógrafos, fotografou comigo e disse: “Eu não

lhe conhecia pessoalmente, mas você vive no meu coração. Você é um poeta sonoro. Aí você vai recitar pra mim coisas que falem do sertão”. Ora, eu tenho um poema muito legal que é “O Retrato do Sertão”, bateu mesmo em cheio. A primeira mulher que entrou ali [Academia Brasileira de Letras] foi ela mesmo,

né?

O MITO PELAs CAUsAs

Eu já participei de muita coisa por aí. Olhe, o Nordeste às vezes, ou é seca ou muita chuva. Quando houve aí uma inundação danada, os artistas se reuniram para ajudar os flagelados. Aí eu fiz o poema e eles lá musicaram. Foi cantado por muitos bons: Fagner, Chico, Buarque, Milton Nascimento e tanta gente que eu nem sei. Foi “Seca D´água” [Musicada e cantada pelos artistas do Nordeste Já – 1985]

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É triste para o Nordeste o que a Natureza fez mandou 5 anos de seca uma chuva em cada mês e agora, em 85 mandou tudo de uma vez A sorte do nordestino é mesmo de fazer dó seca sem chuva é ruim mas seca d´água é pior Quando chove brandamente depressa nasce o capim dá milho, arroz e feijão mandioca e amendoim mas como em 85 até o sapo achou ruim Maranhão e Piauí estão sofrendo por lá mas o maior sofrimento é nestas bandas de cá Pernambuco, Rio Grande Paraíba e Ceará O Jaguaribe inundou a cidade do Iguatu e Sobral foi alagado pelo rio Acaraú o mesmo estrago fizeram Salgado e Banabuiú.

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Ceará martirizado eu tenho pena de ti Limoeiro, Itaiçaba Quixeré, Aracati faz pena ouvir o lamento dos flagelados dali. Meus senhores governantes da nossa grande Nação o flagelo das enchentes é de cortar coração muitas famílias vivendo

sem lar, sem roupa e sem pão.

O MITO E AS TRADIÇÕES As coisas mudaram muito. Muita coisa ficou melhor, mas eu tenho saudade das coisas antigas, daquela tradição toda, de muita coisa boa. Eu tenho até duas coisas. Uma é sobre as moagens de cana, muita alegria quando as moagens eram feitas com bois, dois bois puxando a moenda. Eu fiz “Ingêm de Ferro”.

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Ingêm de ferro, você com seu amigo motô sabe bem desenvorvê é munto trabaiadô arguém já me disse até e afirmô que você é progressista em alto grau; tem força e tem energia mas não tem a poesia que tem um ingêm de pau. ( .. .) Ingém de pau! Coitadinho! Ficou no triste abandono E você, você sozinho Hoje é quem tá sendo dono Das cana do meu país Derne o momento infeliz Que o ingém de pau levou fim Eu sinto sem piedade Três moendas de sodade Ringindo dentro de mim .

Outro poema que eu fiz foi sobre as farinhadas antigas. Aquilo era uma animação. Aqui na Serra de Santana tinha muita farinhada, mas agora não é mais daquele jeito não. Aí eu fiz isso aqui:

“O Puxador de Roda”:

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Pois bem, um aviamento Quando pega a trabaiá É o miá divertimento que se pode maginá É a miá distração Tudo ali é união Prazê, alegria e paz Sá se conversa em amô Pois todos trabaiadô É sempre moça e rapaz .. (...) Hoje a serra tá mudada Uma desmancha não presta De premêro, a farinhada Pra mim era a miá festa Mas perdi todo o prazê Quando vi aparecê Esta horrive novidade Fazendo um doido baruio Cheio de impero e de orguio Fedendo à civilidade. (...) Motô, tu é um castigo! Bicho feio, sem futuro Sou sempre o teu inimigo Te dou figa e desconjuro Do mestre que te inventou Mode este teu pôpôpô Que aborrece e que incomoda Ninguém vê mais os cabôco Que gritava, dando soco Puxando os veio da roda.

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O MITO E A MUSA

Belinha foi minha companheira. Tão paciente, meu Deus! Só se zangou uma vez, quando um cassaco quase acabava com as galinhas dela. Aí eu fiz

“Mulher Valente” Era um cassaco que pegava pinto passava noite remexendo a casa o galinheiro já se achava tinto com a sujeira deste espalha brasa. Belinha vendo nossa casa imunda aborrecida me falou assim : com baladeira, com bodoque ou funda deste cassaco quero ver o fim . (...) Eu quero apenas o cachorro e o gato muitos pintinhos e perus perdi este malandro só pertence ao mato não é doméstico pra viver aqui. Matou o cassaco e acabou a agonia. Ela era muito boa, tadinha!

Quem é esta mulher, de média altura que mesmo tendo seu cabelos brancos andando firme com os passos francos tudo na casa resolver procura? Quem é essa mulher sempre a cismar silenciosa, simples e modesta 135


que não indo da igreja para a festa vive constante no seu pobre lar? (...) Esta dona mostrando na feição que deseja dizer alguma cousa é a mãe de meus filhos, minha esposa é dona Belarmina Paes Cidrão. É minha esposa, minha sempre minha inseparável , doce companhia por questão de beleza e simpatia eu troquei Belarmina por Belinha. (...) se ela reza, contrita, é quase pia e na igreja comunga e se confessa vou pedir-lhe que faça uma promessa para a gente morrer no mesmo dia. É, mas não deu certo não. Ela foi sozinha.

Quem é es at mulher, de média altura que mesmo tendo seu cabelos brancos andando firme com os passos francos tudo na casa resolver procura? 136


MENSAGENS DO MITO A minha mensagem será sempre sobre a justiça e a verdade. Olhe, eu nunca ofendi a ninguém, nunca ataquei a seu ninguém, mas ninguém pode reclamar as verdades que eu digo, porque o povo mesmo sabe ver, como isso que eu fiz aqui:

O que mais dói não é sofrer saudade do amor querido que se encontra ausente nem a lembrança que o coração sente dos belos sonhos da primeira idade. Não é também a dura crueldade do falso amigo, quando engana a gente nem os martírios de uma dor latente quando a moléstia o nosso corpo invade. O que mais dói e o peito nos oprime e nos revolta mais que o próprio crime não é perder da posição o grau. É ver os votos de um país inteiro desde o praciano ao camponês roceiro pra eleger um presidente mau. Agora, isso aí é uma tristeza, não é? Pois bem, eu não ataco, apenas vejo, entendo e faço. 137


FUTURO O futuro a Deus pertence. Eu acho que já fiz algumas coisas, se chegar a hora, eu to pronto porque também não tem jeito. Fica aí o Memorial Patativa do Assaré

e meus versos e a Fonte Patativana, que é uma brincadeira que eu digo com meus companheiros de poesia.

Aos poetas do nordeste Ofereço meus louvores Aos que são meus seguidores E já passaram no teste Com a proteção celeste E inspiração soberana Cantando da raça humana Prazeres, dores e mágoas Porque beberam das águas Das fontes Patativanas Eu digo em nome de Cristo Com a verdade completa Ao meu amigo poeta Com muita atenção assisto Temos o Manuel Calixto Que gosta da carrascana Porém, com cana ou sem cana Verseja em qualquer negócio Porque é um grande sócio Da Fonte Patativana 138


Cícero Batista se sai Com roça e com poesia Com as farsas que ele guia O seu prestígio não cai De quando em vez ele vai Pra feira vender banana Outras vezes vender cana Além de versejador Da Fonte Patativana Além da grande fileira Dizer agora é preciso O campeão do improviso É o Miceno Pereira Com sua voz altaneira Cantando toda semana Como pássaro Viana Ele é muito sonoroso E vive muito ditoso Na Fonte Patativana O meu colega Maurício Segue este mesmo caminho Cantando a flor, o espinho O prazer e o sacrifício Meu parente, meu patrício Nesta Serra de Santana A poesia bacana Apresenta muito bem Porque faz parte também Da Fonte Patativana 139


O Geraldo e o João Bandeira Cada qual é bom poeta Que segue a mesma reta Com expressão verdadeira Na poesia brejeira Uns se alegra, outros se ufana O que já leu não se engana São poemas irmanados Porque foram inspirados Na Fonte Patativana O Pedro verseja um pouco É o caçula, meu irmão Dono de uma produção Chamada “Ladrão de Coco” Sua casa de reboco Velha e modesta choupana Maria era nossa mana Mas nossa mana, Maria. Um só verso não fazia Na Fonte Patativana Finalmente, meus leitores Nesta preciosa arte Apresentei, grande parte Dos que são meus seguidores Cantei prazeres e dores Nessa Serra de Santana Para a nação soberana Eu partirei brevemente Dando adeus a boa gente Da Fonte Patativana. 140


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