03 if i should die (se eu pudesse morrer)

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Epígrafe Doce é o meu amor por quem eu amaria tentar Doce é o meu amor a quem eu amo e por quem eu suspiro Você alguma vez me amará e suspirará por mim, Você meu amor a quem eu amo e por quem eu morreria? (“Mariana” por Christina Rossetti, 1881)


Parte 1


Capítulo 1 Na calada da noite, eu me sentei em uma ponte acima do Sena, observando um buquê de lírios brancos flutuarem em direção à Torre Eiffel. Eu estava acabada pelas palavras que tinha acabado de ouvir. As palavras de um garoto morto — do fantasma do meu namorado. Eu poderia jurar que ele falou comigo há um segundo. O que era impossível. Mas lá estavam elas de novo — suas palavras aparecendo mais uma vez em minha mente, as duas sílabas me cortando tão profundamente como um chicote. Mon ange. Meu coração se partiu — Vincent? É você mesmo? — Eu perguntei com a voz trêmula. Kate, você pode me ouvir? — Vincent, você está volante. Violette não destruiu você — Eu levantei e girei ao redor, procurando ansiosamente por um vislumbre dele, mesmo que eu soubesse que não havia nada para ver. Eu fiquei ali parada sozinha na Pont des Arts. A superfície da água se agitava e se movia abaixo de mim como o dorso de uma grande e escura serpente — as luzes tremeluzentes às margens do rio se refletiam em sua suave ondulação. Eu tremi e puxei meu casaco mais apertado em volta de meu corpo. Não. Ela não destruiu meu corpo... Ainda. — Oh, meu Deus, Vincent, eu tinha certeza de que ela tinha feito isso — Eu limpei uma lágrima de minha bochecha antes de uma torrente de outras a seguirem. Apenas alguns momentos antes, eu tinha desistido de toda a esperança de até mesmo ouvi-lo de novo. Eu tinha certeza de que ele tinha ido para sempre, seu corpo queimado por seus inimigos. Mas aqui estava ele. Eu não entendia. Eu estava inundada de lágrimas. Kate. Respire — Vincent insistiu. Eu exalei lentamente — Eu não acredito que você está aqui, falando comigo. Onde você está? Para onde ela levou seu corpo? Eu estou deitado dormente no castelo de Violette em Loire Valley. Eu fiquei consciente há apenas alguns minutos. Assim que percebi o que ela estava fazendo, eu vim até você — As palavras de Vincent soavam ermas. Sem esperança. Minhas mãos tremiam enquanto eu tirava o telefone para fora de meu bolso — Diga-me exatamente onde você está. Eu estou ligando para Ambrose. Ele reunirá um grupo e nós vamos até aí. É muito tarde para um resgate, Kate. Violette estava esperando até que eu acordasse, e agora que eu estou volante, ela queimará o meu corpo. Quando eu saí, alguns de seus capangas estavam atiçando o fogo enquanto ela fazia algum tipo de


ritual antigo que ela dizia que vincularia o meu espírito ao dela enquanto eu sou reduzido a cinzas. Eu tenho apenas alguns minutos, e quero passá-los com você. — Nunca é tarde demais — Eu insisti — Nós podemos tentar parar o que quer que Violette esteja fazendo. Eu tenho certeza de que sua tribo poderia inventar algum tipo de distração. Nós temos que tentar — Por que Vincent estava desistindo tão facilmente? Kate. Pare — Ele implorou — Por favor, não desperdice o pouco de tempo que eu tenho tentando ligar para Ambrose quando não existe uma forma de ele chegar até mim a tempo. Não há um jeito, acredite em mim. A força em sua voz me fez hesitar, mas eu continuei olhando para o telefone enquanto um caroço se formava em minha garganta. Se eu não podia fazer nada, significava que tudo estava perdido. Meu choque inicial estava sendo substituído pela fria realidade: o garoto que eu amava estava há minutos de ser queimado em uma fogueira — Não — Eu chorei, jogando o horror para longe. Vincent estava em silêncio, permitindo que a verdade caísse sobre mim. Eu estava perdendo meu amor. Para sempre! Se o corpo de Vincent fosse destruído, eu nunca o tocaria de novo. Nunca mais sentiria sua boca contra a minha. Nunca mais o teria em meus braços. Mas ele não vai completamente embora, não é? Eu tinha que ter certeza. Minha voz saiu estrangulada — Pelo menos você está volante, certo? Se Violette tivesse queimado você antes que sua mente acordasse, você teria ido para sempre, corpo e espírito. Eu gostaria que ela tivesse — As palavras de Vincent eram amargas — Ela disse que precisava de meu espírito presente para fazer a transferência dos poderes — Alguns segundos se passaram até que eu ouvi sua voz de novo — Eu acho que preferia não existir mais a ajudar Violette a se tornar poderosa o suficiente para destruir toda a minha tribo. Eu não concordava. Vincent ainda existia, mesmo que o seu corpo não. O garoto que eu amava tão desesperadamente não tinha desaparecido por completo. Isso já é alguma coisa, eu pensei, sentindo um vislumbre de esperança. E depois eu lembrei, eu nunca mais vou vê-lo. Ou sentir sua pele contra a minha enquanto não tocamos as mãos. Lábios. Nunca mais. E a esperança desapareceu. A fúria lutava com o desespero dentro de mim — Por que tinha que ser você? — Eu perguntei — Por que é você aquele que tem o poder pelo qual ela está disposta a matar? Se não fosse eu, seria algum outro. — Eu queria que fosse outra pessoa — Eu disse egoisticamente — Eu quero que você viva — Mas eu sabia que Vincent não iria concordar. Sua existência toda tinha sido para se sacrificar pelos outros. Ele se entregaria em uma batida de coração se fosse para salvar alguém de sua tribo. Eu olhei para a água agitada e imaginei Vincent se materializando diante de mim. O preto suave de seu cabelo. A safira brilhante em seus olhos escuros. Sua estrutura alta e sólida. O fantasma de Vincent pairou suspendo acima das ondas


por um momento, brilhando transparente à luz do luar, antes de se dissolver de volta à minha mente. Eu não quero vê-la queimar meu corpo. Havia medo em sua voz. Vincent tinha experimentado muitas mortes violentas, mas esta era a sua morte final. Eu queria pegar sua mão. Eu queria tocá-lo. Confortá-lo. Mas tudo o que eu tinha eram palavras — Então não volte para lá. Fique aqui comigo até o fim. — Eu tentei parecer corajosa, mas eu estava tremendo. — Eu amo você — Eu falei as palavras, enquanto silenciosamente tentava não chorar. A última coisa que Vincent precisava agora era me ver lamentando. Você é a minha vida, Kate. Eu tenho lutado contra o meu destino para ficar com você, e depois de tanta luta, eu me encontro impotente; eu não posso parar Violette. Eu não respondi. Porque se eu respondesse, iria gritar. Meu coração parecia estar sendo arrancado de meu peito enquanto Vincent estava sendo tirado de mim por toda a eternidade. O garoto por quem eu tinha dado tudo para amar — por quem eu tinha ido contra meu senso de autopreservação — estava sendo tirado de mim por uma adolescente megalomaníaca, e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso. Eu não pude evitar: comecei a chorar de novo. Mas não de tristeza. Minhas lágrimas eram de fúria impotente. Você passará a mensagem para Jean-Baptiste e para os outros por mim? — É claro — Eu engasguei, tentando falar mesmo com o caroço de ódio que havia se formado em minha garganta. Lembre a eles que já que eu não me ofereci voluntariamente para Violette, ela não receberá totalmente os meus poderes. Este é o único raio de esperança que eu vejo. Peça desculpas a JB por mim. Por minha descrença — Ele continuou — Eu gostaria de ter percebido o que tudo isso significava enquanto ainda tinha chance. — Sim, eu direi a eles — Minha respiração fez pequenos sopros de fumaça no ar frio. Eu esfreguei minhas mãos bruscamente em meus braços. Saltando para fora do final da ponte, eu andei rapidamente em direção a La Maison, sabendo que o espírito de Vincent me acompanharia. Mesmo que fosse tarde demais para salvá-lo, eu tinha que dizer aos outros o que estava acontecendo. Kate, eu quero que você saiba que eu acordei na primeira vez em que te vi. Eu estava tentando me manter inteira para conseguir cumprir a tarefa monumental de colocar um pé na frente do outro, mas uma declaração de amor do garoto que eu estava prestes a perder foi demais para mim. As lágrimas embaçaram minha visão enquanto ele continuou. Alguma coisa dentro de mim que tinha ficado imóvel e silenciosa desde a minha primeira morte de repente deflagrou e começou a viver de novo. Eu sabia que tinha alguma coisa diferente sobre você, e eu tinha que descobrir o que era. — Quando você a primeira vez que você me viu? — Eu perguntei, tentando me distrair, para evitar me desmanchar bem ali nas margens do rio — Está falando do Café Sainte-Lucie?


Não — Ele riu — Eu tinha visto você pela vizinhança, muito antes do café. Nós continuamos cruzando os caminhos por semanas antes que você realmente me notasse. E eu não podia parar de pensar quem você era e porque estava tão torturada, tão lúgubre. Eu continuei esperando que sua irmã ou seus avós dissessem seu nome. Nós apenas a chamávamos de Garota Triste. — Quem é “nós”? — Eu perguntei, meus passos ficando mais lentos. Ambrose, Jules, e eu. — Então eles devem ter me reconhecido naquele primeiro dia no café — Eu disse, surpresa pela nova perspectiva de nossa história. Seu silêncio era uma afirmação — Você me intrigou desde o começo. E ainda me intriga. Você é diferente. Eu queria passar o resto de sua vida descobrindo quem você é. Mas agora... — Suas palavras se dissolveram e depois reapareceram com uma determinação renovada. Kate, eu prometo que encontrarei um jeito de me livrar de Violette e voltar para você. Mesmo que seja tarde demais para nós, eu quero que você saiba que eu sempre estarei por perto. Eu estarei sempre observando você. Atônita, eu congelei no meio do passo — O que você quer dizer com “tarde demais para nós”? — Eu perguntei, sentindo-me como se tivesse recebido um soco no intestino. Kate, em alguns minutos meu corpo não existirá mais. De agora em diante, a única coisa que eu posso fazer por você é tentar mantê-la em segurança. Uma humana e um revenant... Aquilo era um desafio difícil o bastante. Mas uma humana e um fantasma? Mon amour, eu nunca desejaria isso... E foi isso. Aquelas foras as últimas palavras que Vincent me disse antes de partir, deixando-me sozinha na margem do rio com nada além do sibilante vento de inverno.


Capítulo 2 Enquanto eu corria, parecia que o rio estava subindo acima de suas margens e ondas invisíveis estavam lambendo meus tornozelos. Dentro de segundos eu me senti como se estivessem me movendo debaixo da água, lutando com uma poderosa corrente enquanto tentava propelir a mim mesma na direção de La Maison. Finalmente eu estava digitando o código e voando através do portão. Meu estômago revirava com a náusea e eu irrompi pela porta olhando selvagemente ao redor. Gaspard e Arthur estavam descendo as escadas olhando as páginas de um grande livro que eles seguravam juntos. Eles pararam quando me viram. Empurrando o livro para Arthur, o revenant mais velho correu para baixo e me pegou pelos ombros — O que foi, Kate? — Ele perguntou. — Vincent — Eu engasguei, lutando para recuperar meu fôlego — Ele veio até mim. Mas ele se foi. — Foi para onde? — Ele me estimulou a continuar. — Queimado — Eu soltei — Ele acordou, veio até mim volante e disse que Violette estava prestes a queimá-lo. E então sua voz desapareceu. Gaspard envolveu meu braço com o dele, segurando minha mão fortemente — Juntem todo o mundo — Ele comandou. Arthur estava fora como um tiro, chamando as dezenas de revenants de Paris que estava em La Maison para se juntarem e esperarem por notícias sobre o paradeiro de Vincent. Gaspard me levou para a sala de estar e para o hall principal — Suas mãos parecem gelo, minha querida — Ele disse, sentando-me na frente da lareira e jogando um xale de lã pelos meus ombros. Mesmo com o calor radiante e o cobertor quente, eu não conseguia parar de tremer. As chamas me fizeram pensar em outra labareda que estava queimando há algumas horas ao sul de nós. Labaredas que tinha tirado Vincent de mim, permanentemente. Eu ouvi passos apressados atrás de mim e me encontrei envolvida em algumas toneladas de músculos — Katie-Lou, você está bem? — Ambrose perguntou, sua voz áspera como se estivesse desprotegido. Inclinando-se para trás, ele olhou em meu rosto. Eu balancei a cabeça entorpecidamente e ele me envolveu mais uma vez em seus braços. Eu fiquei mumificada contra ele pelos próximos minutos enquanto todos se reuniam. Jean-Baptiste empoleirou em um banquinho de madeira na frente da lareira, Gaspard ficou em pé ao seu lado, e Arthur se posicionou em minha frente no tapete. O restante dos revenants se espalhou ao redor de nós, todos os olhos


focados em mim. Eles ficaram em silêncio enquanto eu limpava a garganta para evitar que minha voz tremesse. Eu disse a eles que Nicolas tinha me seguido para a Pont des Arts para entregar a mensagem de Violette: que ela tinha levado o corpo de Vincent para seu castelo em Loire e que o destruiria quando achasse mais adequado. E ele tinha me informado a razão pela qual os numa tinham confiado à Violette o posto de líder: ela tinha convencido seu chefe, Lucien, que conhecia o segredo para capturar o poder do Campeão e que tinha prometido usar isso contra os bardia. Depois de passar a mensagem que Vincent me pediu para transmitir, eu concluí — E isso foi tudo. Sua voz simplesmente se cortou assim, na metade da fala — Deixe que eles acreditem que a mensagem para sua tribo foram suas últimas palavras, eu pensei. Suas verdadeiras últimas palavras eram pessoais demais, sem mencionar o quão dolorosas eram, para compartilhar. Houve um segundo de um horrível silêncio antes da sala explodir. Ambrose me soltou de seu abraço de urso, ficou em pé, e adicionou com sua voz para os outros — Bem, o que estamos esperando, pessoal? Vamos acabar com o castelo! Jean-Baptiste balançou a cabeça gravemente, levantando sua voz acima da multidão — É tarde demais — Sua voz aquietou a multidão barulhenta tão efetivamente como uma colher contra uma taça de vinho — Vincent terá se reduzido a cinzas quando chegarmos lá, seu espírito ligado à Violette. — O que isso significa, estar ligado? — Ambrose perguntou, aninhando-se de novo a mim. Como sempre, todos viraram para Gaspard para uma explicação. Agora que a comoção estava diminuindo, ele estava de volta para seus tiques nervosos. Ele mexeu no colarinho de sua camisa e levantou um dedo trêmulo, seu cabelo selvagem formando um halo de tinta em volta de sua cabeça. — Uma alma errante... A alma de um revenant que não tem corpo para o qual voltar, é uma coisa bastante rara — Ele começou — Quando nossos inimigos têm sucesso em nos matar, eles destroem nosso corpo imediatamente, e nossa alma desaparece com isso. Eles não teriam motivos para esperar até que estivéssemos volantes para nos destruir, deixando-nos como almas errantes, exceto talvez no caso de uma vingança contra um revenant em particular. — Mas uma alma errante é que ligada a de seu captor é tão rara que eu nem posso pensar em exemplos na história recente. O que é compreensível considerando o extremo sacrifício pessoal que um numa deve fazer para que a ligação tenha sucesso — Gaspard fez uma careta. — Extremo sacrifício pessoal? — Eu perguntei, sentindo alguma coisa em minha garganta. Sua expressão revoltada estava me deixando louca. Ele ficou em silêncio por alguns segundos enervantes, escolhendo as palavras, e disse — Eles precisam incinerar uma parte de si mesmos com o corpo daquele a que vão se ligar. — O que você quer dizer? Como o cabelo ou as unhas? — Meu nariz se enrugou com nojo. — Não, tem que se carne e osso — Gaspard disse.


Eca, eu pensei, recuando da imagem grotesca que apareceu em minha mente. — Isso não é um sacrifício muito grande — Ambrose disse de perto de mim — O que quer que Violette ampute, crescerá novamente quando ela ficar dormente. O revenant mais velho sacudiu a cabeça — Além da dor envolvida na amputação, como você disse, o sacrifício é esse: a parte do corpo do numa que for queimada com o corpo do revenant desaparecerá para sempre. No caso de uma ligação, não há como regenerar. Eu me inclinei para mais perto de Ambrose, lutando contra o torpor doentio que se espalhou por mim. Violette estava cortando uma parte de seu próprio corpo para se ligar ao espírito de Vincent? Eu sabia que ela o tinha matado para ter seus poderes. Mas mutilar permanentemente a si mesma? Os séculos servindo a um destino que ela não tinha escolhido pareciam ter custado à velha revenant a sua sanidade. — Eu perguntarei a ele para você — Disse Ambrose em voz baixa, e depois falando mais alto — Jules quer saber se estar ligado a Violette significa que Vincent deve obedecê-la. Eu não tinha me dado conta de que Jules estava conosco até agora, mas sabendo que ele estava por perto, eu me senti confortada — Se a única razão para Violette precisar do espírito de Vincent é para a transferência dos poderes do Campeão — Gaspard respondeu — Nós podemos esperar que ela o libertará assim que atingir seu objetivo. Mas mesmo que ela escolha mantê-lo ligado a ela, uma alma errante não pode ser forçada a agir contra sua vontade. Arthur falou — Eu tenho que discordar — Ele disse, apologeticamente — Há exemplos históricos de coerção. — Por exemplo? — Jean-Baptiste insistiu. — Há um relato da tribo italiana que data da Renascença — Arthur afirmou — Um chefe numa matou uma recém-formada bardia e ligou seu espírito volante a ele incinerando sua perna esquerda juntamente com o corpo. Ele a manipulou para que ela o servisse prometendo matar sua família humana, e se tronou extremamente poderoso com a força de seu espírito-escravo. — Então é uma boa coisa que Vin não tenha mais nenhum familiar humano — Disse Ambrose com uma nota de triunfo — Nenhuma barganha mortal para que a nossa Imperatriz do Mal use contra... — Percebendo o que estava dizendo, ele parou de falar e abaixou o rosto para suas mãos. Ele nem olhou para mim. Ele não tinha que fazer isso. Porque todos os outros estavam.


Capítulo 3 — Violette usando... Um humano que seja querido para ele — Gaspard evita os meus olhos — para chantagear Vincent é, como diríamos na linguagem moderna, um grande chute. Ela pode não conhecer essa história antiga. E mesmo que ela conheça, uma vez que ela absorva seus poderes eu duvido que ela precisará dos serviços do espírito de um revenant muito mais fraco. Suas palavras eram para me confortar. E elas conseguiram, até certo ponto. O que ele estava dizendo era racional. Mas Violette já tinha me usado para pegar Vincent. O pensamento de que ela poderia me usar de novo — desta vez forçando Vincent a agir contra sua vontade — era insuportável. Jean-Baptiste virou para falar com a multidão. Sua postura ereta, peito estufado e mãos atrás das costas, me fizeram pensar no líder militar Napoleônico que ele tinha sido séculos antes — Chega de falar de situações hipotéticas. Um de nossa tribo, o meu segundo em comando, teve seu corpo destruído. Temos que agir agora para salvar seu espírito e evitar que Violette concretize seus planos. Com isso, ele começou a organizar todo o mundo. Arthur foi apontado para liderar um contingente até o castelo em Langeais. Ele tinha vivido lá por séculos, e poderia efetivamente esconder um grupo de espiões para ficarem de olho nos movimentos de Violette. Como Jules estava volante, ele os acompanharia, entraria no castelo, e tentaria manter contato com o espírito de Vincent. E Ambrose foi incumbido da estratégia de defesa contra os numa que tinham restado em Paris — Para começar — JB pediu a ele — você poderia levar Kate em segurança para casa? — Casa? — Eu me levantei do sofá para encarar o líder dos revenants — Não! Eu quero ajudar. Tem que haver uma coisa que eu possa fazer. Jean-Baptiste leu minha expressão — Kate, minha querida, eu não estou sendo condescendente. Estou sendo realista. Não há nada que você pode fazer a essa hora da noite, exceto ir para casa, dormir, e estar pronta para qualquer notícia que tivermos pela manhã. Eu olhei ceticamente para ele, mas ele parecia estar sendo sincero — não era um caso de diminuir a fraca e não poderosa humana. Mas eu não concordava com ele. Havia uma coisa que eu podia fazer. Alguém com que eu poderia conversar e que poderia ter informações valiosas sobre o que estava acontecendo. E quanto mais informada eu estivesse, mais capaz eu seria de ajudar Vincent. Enquanto JB se movia para conversar com o grupo, eu pedi para que Ambrose me desse um momento. Sentando com as costas nele, eu encontrei o número de Bran em meu telefone. A ligação foi direto para o correio de voz — Bran — Eu disse, falando suavemente — é a Kate — Eu exalei e pressionei meus olhos fechados — Violette me disse que os homens dela mataram sua mãe. Se isso for verdade, eu sinto muito. Mas há uma coisa que você pode fazer para nos ajudar a


lutar contra os numa. Eu preciso falar com você. Por favor, me ligue assim que receber a mensagem, não importa que horas forem — Eu dei meu número a ele e desliguei. Ambrose estava me esperando, olhando para mim curiosamente, mas não bisbilhotou. Enquanto eu me levantava, ele deu um aperto lateral nos meus ombros, e eu estremeci — Desculpe, irmãzinha, eu me esqueci sobre o osso quebrado que com o qual Vi lhe presenteou ontem. — Está tudo bem — Eu disse, inclinando minha cabeça em seu ombro enquanto caminhávamos para a porta — A dor é na realidade uma coisa boa. Significa que eu posso sentir. Ambrose segurou meu casaco para que eu deslizasse para dentro dele — Tudo bem — Ele respondeu para alguém que eu não podia ver, e passou seu braço cautelosamente em volta de meus ombros — Jules quer que eu te diga para não se preocupar com nada — ele disse enquanto caminhávamos pelo pátio até o portão — Que Violette tem coisas maiores para se preocupar do que usar Vincent como fantoche e você como isca. — Se isso é para me tranquilizar, obrigada. Mas o pensamento de Violette vindo para Paris como uma supernuma abastecida pelo Campeão não faz com que eu me sinta muito melhor — Eu admiti. Nós caminhamos em silêncio pela rua escura e pela Avenida Raspail. Um sino de igreja soou duas vezes, duas notas baixas e fúnebres vindas de longe. Um táxi solitário passou por nós, a avenida geralmente cheia, vazia a esta hora da manhã. Começou a chover uma névoa fina, e eu peguei meu capuz para puxar sobre meus cabelos. Quando ele caiu de volta, eu deixei. As frias agulhas da chuva caíam bem contra a minha pele. Outro lembrete de que eu podia sentir. Que eu, pelo menos, ainda tinha um corpo. Nós viramos em minha rua, e eu olhei para cima na direção de Ambrose enquanto as gotas de chuva se acumulavam em meus cílios — Eu não estou preocupada que Violette manipule Vincent. Isso é apenas um “talvez”. Um “se”. O que está definido é que seu corpo se foi, e que ele não pode mais voltar. Ele está preso como um — minha voz quebrou com emoção — fantasma pelo resto da eternidade. Eu estremeci e Ambrose aumentou seu aperto em mim — Eu sei — Ele disse, e a note de desespero em sua voz me mostrou toda a emoção que sua face não poderia mostrar. Ele inclinou a cabeça para o lado, ouviu, e depois assentiu. — O que o Jules disse? — Eu perguntei. — Ele está usando uma linguagem que eu não poderia repetira na frente de uma dama como você, Katie-Lou — Ele admitiu. — Sobre Violette? — Sim. — Bom. Ela merece isso, a vadia malvada. Ambrose riu e plantou um beijo no topo de minha cabeça quando paramos na frente do meu prédio.


— Jules, você será capaz de chegar perto o bastante para conversar com Vincent sem que Violette saiba que você está lá? Eu quero dizer, ela estiver ligada a ele... Ou o que quer que seja — Eu perguntei para o ar. Ambrose escutou por um segundo e depois disse — Ele disse que fará o seu melhor. Mas nós não sabemos nada sobre essa coisa toda de ligação. — Se você falar com ele, apenas diga que nós estamos fazendo tudo o que podemos. E que eu não vou desistir dele — Eu digo com a voz mais calma que eu posso. Ambrose suspirou e, pegando minhas mãos nas dele, parou para me olhar nos olhos — Eu conheço você um pouco agora, Katie-Lou. E eu seu que você ficará maluca por só esperar. Mas Jules e eu a manteremos informada, eu juro — Ele sorriu — Garota, eu vi a expressão da sua face quando JB disse isso, mas eu tenho que concordar com ele. A melhor coisa que você pode fazer agora é dormir um pouco para que esteja pronta para o que quer que aconteça amanhã. Suas palavras funcionaram como mágica em meus nervos desajustados, e de repente minha ansiedade se transformou em uma fadiga tão profunda que eu poderia ter me enrolado nas escadas da frente do prédio e adormecido. Ambrose percebeu isso, e seus traços se encheram de compaixão — Foi um longo dia — Ele disse. Cuidadosamente evitando meu ombro machucado, ele me puxou em um grande abraço americano de urso. E eu agradeci a Deus por isso. Algumas vezes aqueles beijos franceses nas bochechas não eram suficientes. Soltando-me, Ambrose limpou a garganta audivelmente e esfregou as mãos juntas como se pudesse esmagar a nossa dor entre suas palmas — Tudo bem, irmãzinha — Ele disse — Ligo para você de manhã — E ele foi embora. Exausta, eu tropecei para cima das escadas, meus pensamentos correndo por um milhão de cenários diferentes do que poderia estar acontecendo no castelo de Loire Valley. Meu estômago se apertou dolorosamente enquanto eu pensava — e depois tentava não pensar — no fantasma de Vincent ligado à uma recém-mutilada Violette. A imagem me deixou mal. Eu tinha que fazer alguma coisa. Meus pensamentos voltaram para Bran. Como um guérisseur dos revenants, ele era o único que poderia saber mais do que os bardia sobre seus rituais antigos. Ele poderia até mesmo ter a chave para resolver tudo aquilo. Eu ligarei para ele de novo pela manhã, eu pensei enquanto abria a porta. Eu não percebi que estava andando diretamente para uma emboscada. Minha irmã e minha avó esperavam na sala de estar: Georgia parecendo como se tivesse acordado de onde estava, em um dos sofás, e vovó levantando-se de sua poltrona. Ela olhou para o meu rosto e disse — Tudo bem, meninas. Querem me dizer do que isso se trata? Georgia, você disse que um estranho te atacou, e, Katya, você chega em casa com os olhos vermelhos e inchados às duas da manhã num dia de escola. Ignorando vovó, Georgia cruzou a sala rapidamente e me pegou pelos pulsos. Seu rosto machucado era um arco-íris de amarelo, vermelho e roxo, uma bochecha inchada e fora de proporção — Eles o encontraram a tempo? — Ela sussurrou.


Eu balancei minha cabeça — Não — E os sentimentos que eu tinha deixado de lado desde que a voz de Vincent desapareceu ao lado do rio, o desespero que eu tentei empurrar para baixo pelas últimas duas horas para poder funcionar, para amarrar as palavras e colocar um pé na frente do outro, vieram de volta para a superfície — Oh, meu Deus, Georgia — Engasguei e tossi com minhas lágrimas enquanto ela me envolvia em seus braços — Ele se foi. Ele realmente se foi — Eu inclinei minha cabeça em seu ombro e nós começamos a chorar. — Vamos — Vovó disse suavemente, tirando-nos do vestíbulo, nos direcionou pelo corredor até meu quarto. Ainda chorando, eu tirei minhas roupas e coloquei pijamas. E enquanto vovó e Georgia sentavam em ambos os meus lados na cama, parecia que nós tínhamos voltado diretamente ao verão anterior quando eu tinha resolvido não ver Vincent de novo: eu soluçando, minha avó e minha irmã me consolando. Só que desta vez era um milhão de vezes pior. Da última vez foi um rompimento, dolorido mais reversível. Desta vez era um adeus. Era para sempre. Eu me curvei e solucei em meus braços sobrados enquanto elas esfregavam minhas costas e alisavam meus cabelos. Quando minhas lágrimas finalmente diminuíram, vovó perguntou — Você vai me dizer ou não? — O que você já disse a ela? — Eu perguntei a Georgia, que estava gentilmente massageando sua mandíbula contundida. — Tudo o que eu disse foi que alguma coisa ruim tinha acontecido e que nós precisaríamos estar prontas para apoiá-la quando você chegasse em casa — Ela respondeu, olhando cautelosamente para minha avó. — O que é, Katya? — Vovó insistiu — Você está agindo como se alguém tivesse morrido — Outro soluço borbulhou de meu peito, e eu cobri minha boca com a mão para evitar começar tudo de novo. Os olhos de minha avó estavam estreitos em confusão. — Temos que dizer a ela, Katie-Bean — Georgia disse — O vovô já sabe. E você precisará de mim e de vovó para apoiá-la. — Diga — Vovó ordenou suavemente, e eu comecei. Do começo. A próxima meia hora foi gasta revelando a história para minha avó, lentamente e sem dramatizar, para chocá-la o mínimo possível. A expressão de vovó era atenta. Ela sabia que eu estava me preparando para falar algo ruim. Mas quando eu cheguei ao ponto em que descobria o que Vincent e sua tribo eram, ela levantou a mão para me parar — Isso é impossível — Ela disse, como se fosse o final da discussão — Vocês duas ficaram loucas se realmente acreditam em uma coisa como essas. — O vovô acredita nisso, vovó — Eu disse — Foi o motivo pelo qual ele me disse que eu não poderia mais ver Vincent. — Ele fez o quê? — Minha avó exclamou — Quando isso aconteceu? — Ontem. Ela pensou por um momento — Deve ser por isso que ele foi para a cama tão tarde e acordou tão cedo esta manhã. Ele estava me evitando. Eu seria capaz de dizer que tinha alguma coisa acontecendo — Minha avó encontrou meus olhos —


Certamente Antoine não acreditou em uma palavra disso. Ele nem mesmo é supersticioso, pelo amor de Deus! Eu peguei a mão dela — Eu sei que é difícil de acreditar. Metade do tempo eu me sinto como se estivesse vivendo em uma novela de fantasia. Mas, vovó, tente... Eu não sei... Esquecer a sua descrença por um momento. Você pode conversar com vovô sobre isso mais tarde. Apenas me deixe terminar. Ela deu o seu melhor para não interromper de novo — Sim, sim, eu me lembro. Isso faz sentido agora — Ela dizia de tempos em tempos quando eu ligava a história com alguma coisa que ela reconhecia: meu rompimento com Vincent (e o nosso retorno); a explosão de Vincent sobre Lucien à nossa mesa de jantar. Eu tentei pular a parte em que Vincent possuiu meu corpo para matar Lucien, mas Georgia não conseguiu evitar preencher as lacunas — para o horror de minha avó. No final, suas mãos estavam grudadas em suas bochechas em uma expressão de choque e resignação. — E agora o... Numa, não é? — Ela perguntou. Eu assenti — Eles estão com o corpo de Vincent? — Eles estavam com o corpo de Vincent. Mas eles o queimaram. Eu coloquei as palavras para fora sem hesitar, mas as lágrimas escorreram por minhas bochechas enquanto eu registrava o horror nos olhos de Georgia e vovó. — Mas seu espírito ainda existe? E você ainda pode falar com ele? — Vovó tentou deixar as coisas mais claras. — Eu posso conseguir se ele conseguir se livrar de Violette. — Eu sempre soube que ela era uma muchkin depravada — Georgia murmurou, roendo uma miniatura. — E o seu ex-namorado malvado? — Vovó a repreendeu — Depois da história de Lucien, você terá sorte se eu deixar você namorar de novo! — Ela virou para mim e suspirou — Oh, Katya, eu nem sei o que dizer. — Mas você acredita em mim? — Eu perguntei, observando sua face. — Eu não tenho escolha, além de acreditar que as duas estão loucas ou que sofreram uma lavagem cerebral. Ou que estão usando drogas — Ela disse em um tom que sugeria que ela preferiria uma destas opções — E Antoine sabia sobre isso? — Apenas desde ontem — Eu completei. Vovó suspirou — Eu detesto dizer isso, mas não culpo seu avô por proibi-la de ver Vincent. Meus ombros caíram, mas vovó levantou a palma, pedindo para que eu esperasse — Você me disse sua história. Por favor, deixe-me responder. Estou tentando pensar em como colocar isso sem magoar seus sentimentos. — O quê? — Eu perguntei, quando um nós pela falta de proteção se formou em meu peito. Eu notei uma série de emoções passando pela face de vovó: piedade, indecisão, e finalmente indignação. Mas então ela olhou para minha face inchada e molhada e sua raiva evaporou.


— Oh, Katya — Ela suspirou — Mesmo que Vincent e sua tribo sejam os caros bons, é como se você me dissesse que está namorando o Super-Homem. Quem quer que sua neta seja Lois Lane, constantemente ameaçada pelos inimigos maus de seu namorado? Em vez de se apaixonar por um herói, eu não posso evitar desejar que você se apaixone por um garoto normal. Um bom estudante, talvez — Ela olhou de soslaio para Georgia — Até mesmo um garoto que tenha uma banda de rock seria mais fácil de aceitar — Minha irmão de repente acha suas unhas mais interessantes. Dando-me um aperto final, minha avó se levanta lentamente e caminha para a porta. Parando na soleira, ela cruza os braços em seu peito e fecha os olhos por um momento, como se estivesse tentando mentalmente apagar tudo o que tinha ouvido na última meia hora. Depois, abrindo os olhos de novo e vendo Georgia e eu sentadas ali, ela suspira. — Primeiramente, eu vou ligar para a escola amanhã e dizer que vocês duas não irão. Isso dará tempo para que você encontre um jeito de lidar com o que aconteceu e — Ela olhou para Georgia — para se curar. — Em segundo lugar, Katya, eu acredito em sua história maluca, mesmo que nunca tenha ouvido nada como isso em minha vida. Seu avô e eu faremos o nosso melhor para sermos compreensivos, mesmo que não aprovemos. De agora em diante, Vincent e sua tribo são um assunto aberto nesta casa. Não esconda mais nada de nós. Estamos do seu lado e queremos ajudá-la a tomar decisões inteligentes, esteja você falando sobre notas ruins ou caras mortos. Seu nariz enrugou com a última palavra. Mesmo que ela estivesse tentando se prática, eu sabia que era difícil para ela dizer aquilo — Tudo bem, vovó — Eu prometi. — Estou aqui para você, querida. Está família está familiarizada com a dor. Você sempre pode vir até mim quando precisar de conforto sabendo que eu entenderei. Eu assenti para minha avó, e satisfeita, ela se virou para sair. Um segundo depois nós ouvimos a porta do seu quarto se abrindo e fechando com uma forte batida. Sua voz era audível até mesmo pela porta fechada — Sim, eu posso ver que você está dormindo, Antoine. Mas é melhor você acordar, porque temos alguns assuntos para conversar. Georgia e eu olhamos uma para a outra, e mesmo entre lágrimas, eu não pude evitar o sorriso.


Capítulo 4 Meu sono foi tão leve que eu ouvi cada barulhinho do nosso prédio antigo e cada carro que passava na Rue du Bac. E mesmo quando minha mente escorregou para um mergulho de nostalgia em um sonho sobre o Brooklyn e meus pais, eu estava ouvindo a voz de Vincent. Quando eu acordei, eu me sentia como se não tivesse dormido nada, mas o relógio marcava onze horas. Eu fiquei em minha cama e olhei para o teto, incapaz — não, relutante — em me mexer. Pareciam que os eventos do dia anterior tinham acontecido em outra vida para outra garota. Mas há menos de vinte e quatro horas atrás minha irmã e eu tínhamos enfrentado Violette no topo de Montmartre. A esta hora ontem nós estávamos descobrindo seu plano de tomar o seu lugar como líder dos numa para dominar os revenants da França, usando Vincent para concluir seu objetivo. Ela o tinha incentivado a seguir o Caminho da Escuridão. Ele tinha passado alguns meses absorvendo a energia malevolente dos numa que ele matava para tentar evitar o impulso de morrer. Por mim. Isso o tinha enfraquecido até o ponto em que Violette o pudesse capturar e matar facilmente, se ele não tivesse antecipado seu movimento entrando de cabeça na discussão e mergulhado para a morte no precipício. A morte para Vincent não era permanente. Mas ter seu corpo incinerado era. Um compartimento dentro de meu coração tinha gradualmente, pelas últimas nove horas, se tornado um grande espaço repentina e violentamente vazio na forma de Vincent. E o resto do conteúdo do meu coração — meu amor por meus pais, minha irmã, meus avós, minha paixão pela arte, pelos livros e pelos filmes — permaneceram cautelosamente de lado, se recusando a preencher o espaço oco deixado pelo desaparecimento de meu amor. Como pode alguma coisa — ou alguém — o substituir? Eu tinha cansado de chorar. Eu podia sentir isso. E enquanto eu estava deitada lá, eu senti uma determinação ardente começando a preencher o vazio. Uma resolução de me certificar que o que restava de Vincent — seu espírito errante, como Gaspard chamou — estaria seguro. Eu me senti cautelosamente, estremecendo quando senti uma dor dupla na parte média e superior do meu peito; o luto e a minha clavícula, ambos presenteados por Violette. Pegando meu celular, eu vi que tinha recebido uma mensagem de texto de Ambrose a pouco menos de meia hora. Eu rapidamente cliquei para ver, mas meu coração caiu com o conteúdo. Estou apenas me apresentando. Sem notícias. Jules ainda está no castelo tentando ver Vin. Aguente aí, K-L.


Eu estava a ponto de colocar o telefone de volta quando percebi que tinha recebido uma ligação durante a noite sem que nenhuma mensagem fosse deixada. Eu reconheci o número. Era Bran. Eu estava em pé e fora da cama em um instante. Eu parei batendo nervosamente os dedos enquanto ligava para ele de volta e fui encaminhada diretamente para sua caixa de mensagens — Bran, é a Kate. Eu vi que você ligou a noite passada. Ligue-me de volta. Eu apertei a faixa de elástico que o médico tinha me dado e, depois de checar a cozinha e encontrar um bilhete de vovó, fui ao banheiro para jogar água fria em meu rosto. Inclinando-me na direção do espelho, eu gentilmente toquei a carne inchada abaixo de meus olhos. Aplicando um corretivo, eu comecei a trabalhar para me fazer parecer normal. Alguns minutos depois, eu estava entrando na ponta dos pés no quarto de Georgia onde eu parei, observando seu corpo esparramado e ronronante antes de cutucá-la gentilmente. — Georgia. Acorde. — Ah... Vai embora — Ela resmungou, abrindo um olho antes de puxar o travesseiro seguramente por cima de sua cabeça. — Georgia, é quase hora do almoço. Vovô está em sua galeria e vovó saiu. Eu preciso que você venha para um lugar comigo. Mas temos que sair antes que ela volte, ou ela vai querer saber aonde vamos. Ela apenas continuou deitada, escondendo-se enquanto eu a cutucava de novo. Finalmente ela se sentou e derrubou o travesseiro no chão — Qual é o problema com você? Não pode ver que eu estou gravemente ferida? — Olhos ainda fechados, ela levantou o queixo para mostrar seu rosto. Suas contusões multicoloridas agora tinham se consolidado em meias-luas de um roxo profundo e preto abaixo de seus olhos e uma bochecha estava inchada como uma maçã. Minha irmã parecia uma lutadora de boxe após ter tomado um nocaute. Ou um guaxinim. Meu coração deu um salto por vê-la tão machucada, mas eu sabia que seus ferimentos eram apenas superficiais. E havia coisas mais importantes para fazer — Georgia, eu preciso que você vá comigo encontrar Bran. Ele pode ter uma resposta para o que está acontecendo com Vincent. Ela agitou as pálpebras por alguns segundos, não de um jeito feminino, mas porque elas estavam totalmente presas com gosma de olho — Acho que estou cega — Ela gemeu. Dei a ela um limpador facial que estava em sua penteadeira e ela os passou nos olhos antes de olhar para mim. Assim que viu minha expressão séria, ela ficou alerta — Desculpe, Kate. Esqueça sobre mim. Qual é o plano? — Você se lembra de quando eu falei daqueles guérisseurs especiais? Os curandeiros que lidam com os revenants? Eu preciso que você vá a Saint-Ouen comigo para encontrarmos um deles. Ela apertou a ponte do nariz para acordar — Tudo bem. Mas é sexta-feira. Um dia de escola. — Vovó ligou para a escola para dizer que não íamos, lembra?


— É verdade — Georgia disse, ainda apertando o nariz com os olhos fechados — Então eu e você vamos nos esgueirar para fora de casa... — Vovó saiu. Vamos deixar um bilhete dizendo que decidimos sair um pouco. Ela tirou as mãos do nariz e olhou para mim — Vamos deixar a ela uma mensagem que suas duas netas que estavam envolvidas em uma batalha com criaturas sobrenaturais ontem, uma das quais têm múltiplos ferimentos, e a outra cujo namorado foi morto, estão apenas saindo sem supervisão para... — Procurar um membro de uma família antiga de curandeiros para coletar informações para proteger o fantasma de meu namorado morto. Os cantos dos lábios de minha irmã se curvaram — Certo. Estou dentro — Ela pulou para fora da cama e começou a se vestir — O que faremos se a encontrarmos enquanto estivermos saindo? — Ela perguntou de baixo da camiseta que ela estava enfiando pela cabeça. Eu estremeci quando vi as contusões em suas costelas onde Violette a tinha chutado. Não era tão mal quanto as contusões em sua face, mas ela ignorou os ferimentos quando riu para mim. — Diremos a ela que estamos saindo para comprar pão — Eu repliquei. — A única desculpa que uma pessoa francesa jamais questionaria. Baguetes ou morte! — Georgia aplaudiu, e nós corremos para fora antes que minha avó voltasse. Nós estávamos do outro lado da cidade quando eu percebi que tinha deixado meu celular em casa — Eu tenho o meu — Georgia disse, afagando o bolso de seu casaco. — Sim, mas Ambrose me falaria se algoa acontecesse — Meu peito se constringiu com ansiedade. Hoje não era o dia para ficar fora de contato. — Ligue para ele — Georgia ofereceu, entregando o telefone para mim. — Não, está tudo bem. Estamos aqui — Eu disse, apontando para a frente escura de Le Corbeau. Georgia espiou duvidosamente para a velha placa de madeira com o homônimo da loja batendo para frente e para trás nas rajadas em staccato do vento de inverno — Você tem certeza de que este lugar já esteve aberto? Parece medieval — Ela disse, puxando seu casaco mais apertado contra seu corpo. Eu bati na porta, mas era óbvio que não havia ninguém ali. — Aquilo é um dente gigante? — Georgia perguntou, inclinando em direção à vitrine. — É chamado de relíquia. Provavelmente é o osso de um santo morto ou algo assim — Eu repliquei, pressionando fortemente a maçaneta. Eu observei atônita quando a porta se abriu — Nem estava trancada! — Eu exclamei, e dei um passo pela soleira. — Por que eles trancariam isso? — Georgia disse, seguindo-me — Quem iria roubar... “Um rosário do século dezoito com um pedaço da cruz verdadeira preso dentro do cristal da Boêmia”? — Ela leu a etiqueta e deixou o colar cair de volta


para seu lugar — Isso é estranho. Cara, eles deveriam realmente ter uma faxineira aqui. A poeira é o suficiente para provocar asma. Nós entramos mais profundamente na sala escura, misturando-nos pelo espaço apertado entre as antigas estátuas de santos da altura da cintura com facas por suas cabeças mostruários com estatuetas de papas que brilham no escuro. Meu pé fez um barulho no assoalho, e imediatamente um murro veio de baixo do chão — Shhh — Eu sussurrei para Georgia — Você ouviu isso? — Oh, meu Deus! — Ela murmurou, seus olhos se abrindo, alarmados — Eles têm um calabouço. As batidas começaram novamente: três espaçadas batidas abaixo de nossos pés. Soava como se alguém estivesse fazendo um código Mayday no teto do cômodo que estava abaixo de nós. Como se alguém precisasse de ajuda. Só poderia ser uma pessoa. — Rápido — Eu corri em direção à porta que dava para a escadaria de trás. Em vez de ir para o apartamento onde eu conheci Gwenhaël, fomos para baixo em direção a uma porta enferrujada que abriu com um rangido quando eu a empurrei com meu quadril. Eu irrompi em uma adega de teto baixo, e fui invadida pelo mau cheiro acentuado de umidade e mofo no ar. Em um canto havia uma área com um portão, revestido do chão ao teto com tela de arame e protegido por um cadeado. Atrás dele, havia pilhas de caixas — a maioria com objetos de valor que estavam armazenados no lugar mais seguro da loja. E ao lado das caixas, amordaçado e amarrado a uma cadeira, estava Bran.


Capítulo 5 — Você está bem? — Eu gritei, correndo para a porta da prisão. Bran balançou a cabeça, seu corpo em forma de vareta tremendo abaixo das cordas, e contusões recém-adquiridas distorciam sua face, um olho tão inchado que ela apenas uma fenda. Sua face estava molhada de lágrimas e suor, e como sua boca estava amordaçada, ele fungava audivelmente pelo nariz para conseguir respirar. — Oh, Bran — Eu disse, cobrindo minha mão com horror. Ele tinha, de alguma forma, conseguido pegar um cabo de vassoura, com o qual ele batei contra o teto quando ouviu que Georgia e eu estávamos caminhando acima. Agora ele o tinha soltado, e seu barulho oco contra o chão de pedra quebrou o silêncio abafado. — Você sabe onde está a chave? — Eu perguntei, balançando o cadeado. Ele balançou a cabeça outra vez. — Tudo bem. Vamos encontrar alguma coisa para quebrar isso. Georgia? — Minha irmã estava imóvel, olhando com os olhos arregalados para Bran — Ajudeme a encontrar alguma coisa pesada — Ela saltou para a ação, correndo até um enorme candelabro de bronze que estava na parede — Perfeito! — Eu disse, e a ajudei a puxá-lo pelo chão até a gaiola. — Coloque-o debaixo do braço — Eu instruí, e pegando na ponta do meu lado, eu estremeci e ajustei a forma como eu segurava enquanto o objeto pesado mandava uma onda de choque de dor para minha clavícula — Nós vamos bater no cadeado como se fosse um aríete. Não acho que vamos conseguir quebrar o cadeado, mas o anel ao qual ele está preso parece bem enferrujado. Vamos tentar por ele. Quando nos afastamos alguns passos, meus olhos encontraram os de Bran, e eu vi uma expressão de pesar enquanto ele olhava para o candelabro — Esta é uma peça realmente cara, não é? — Eu perguntei, incapaz de reprimir um sorriso nervoso. Ele assentiu tristemente e depois deu de ombro — Vai — Eu gritei, e Georgia e eu corremos na direção do cadeado, batendo nele com o lado mais afiado da nossa clava improvisada. O cadeado não se moveu, mas uma folha decorativa de bronze caiu do candelabro. Bran estremeceu. — Vamos tentar de novo — Eu disse, ajustando minha faixa de elástico embaixo de minha camiseta e pressionando meu ombro machucado. Então, nos afastando de novo, nós corremos com força total em direção à tranca, desta vez esmagando a velha argola em pedaços. O cadeado caiu no chão com um baque metálico e a porta se abriu. Eu corri para dentro daquele espaço, e mesmo que


aquele fosse Bran — velho e com aparência de corvo — eu parei para abraçá-lo rapidamente antes de começar a analisar o que o prendia. Seus atacantes tinham usado fita preta em sua boca, bem como ao redor de seus pulsos, peito e quadril — Não quero machucar você — Eu disse, parando. Ele revirou os olhos e assentiu como se para dizer: Apenas vá logo com isso. Eu peguei na fita com a ponta do dedo, liberado um canto em sua bochecha, e depois apertando a mandíbula, puxei de uma vez só. A boca de Bran se abriu e ele engasgou tentando respirar enquanto lágrimas de dor e alívio deslizavam por suas bochechas. Ele se debateu entre as fitas que o prendiam à cadeira, mas elas resistiram — Você deve ter correr, criança — Ele me apressou — Eles partiram por horas. Podem voltar a qualquer momento. — Quem são “eles”? — Eu perguntei, inclinando-me para ouvir já que sua voz saía como um arquejo. — Numa. Eles estão me mantendo amarrado desde que a pequena anciã chegou para me questionar. A pequena anciã? Eu pensei, e depois gritei — Espere, Violette está vindo aqui? — Sim — Bran estava tentando não entrar em pânico, mas a urgência em sua voz fez com que o seu medo aparecesse — Você acha que poderia... — Ele balançou os pulsos amarrados. — Rápido, Georgia. Ache alguma coisa pontuda — Eu gritei. — Já fiz isso — Ela disse logo atrás de mim. Eu virei para vê-la empunhando um cortador de caixas de plástico. Ela colocou a lâmina para fora e o entregou para mim. Em minutos, Bran estava em pé, debilmente balançando suas pernas e balançando os braços para que a circulação voltasse — Meus óculos — Ele disse — Eles caíram. Eu encontrei seus óculos de fundo de garrafa alguns metros distantes da cadeira, retorcido e quebrado. Eu fiz o meu melhor para arrumá-los e os entreguei para ele. Mesmo que ele tivesse apenas uma fenda em um dos olhos, uma vez que ele colocou os óculos, ele pareceu se transformar de alguém espancado no seu magnífico e estranho eu. Ele deu um passo na minha direção e depois caiu de volta na cadeira. Eu corri para ajudá-lo — Você será capaz de andar? — Temo que meus atacantes tenham me batido demais — Ele respondeu — Eu posso precisar de sua ajuda. — Devemos levá-la para La Maison — Eu disse, colocando seu braço em volta do meu ombro e o puxando para ficar em pé. Georgia segurou a porta da gaiola aberta para nós, e eu manquei com ele pela sala — Você estará a salvo lá, pelo menos... — Eu comecei. Mas antes que eu pudesse concluir o pensamento, o som da porta da frente se abrindo e fechando e o barulho de passos no chão de madeira podia ser ouvido acima de nossas cabeças. — Você não está esperando visitantes, está? — Georgia guinchou, os olhos parecendo pratos.


— Rápido! Para lá! — Bran sussurrou, apontando para o outro lado da sala, onde uma porta de metal do tamanho de uma criança se abria no fundo de um lance de escadas de pedra antiga. Georgia se moveu para o outro lado e nós os arrastamos rapidamente até a porta. Ele pegou uma chave de um nicho na parede e a colocou na fechadura velha. Acima de nós veio uma voz que eu reconheci imediatamente. A voz de uma garotinha — Onde ele está? — Violette ordenou. Houve um barulho quando a porta de trás bateu e passos martelaram as escadas. — Pelo amor de Deus, abra essa porta! — Georgia assobiou, quando Bran colocou a chave na fechadura. A porta se abriu para frente no momento em que nós nos inclinamos para nos esgueiramos pela porta baixa no espaço escuro e cavernoso que estava atrás dela. Eu tive tempo o suficiente para ver o reflexo de um rio correndo a nosso lado antes que Bran fechasse a porta e a trancasse. Nós fomos instantaneamente envolvidos pelo odor de azedo e rançoso e o som de água corrente. — Pegue a barra e bloqueie a porta com ela — Bran me disse, e soltou seu peso todo em Georgia, que cambaleou um pouco antes de recuperar o equilíbrio. Havia luz o suficiente derramando-se através das rachaduras entre a porta e o batente para que eu pudesse ver uma pesada barra de ferro acima do lintel. Eu a peguei e a coloquei nos suportes em cada lado do batente da porta. — Por aqui! — Bran disse, e Gerogia balançou com ele no escuro. Gritos de surpresa e raiva vieram do outro lado da porta. E então uma voz apareceu em minha cabeça. Aquela que eu estava ouvindo desde que ela desapareceu perto do rio — Kate, corra! Vincent estava aqui! Ele tinha sobrevivido à cremação. Pelo menos o seu espírito tinha. O alívio me atingiu como uma tsunami, deixando-me tonta e desorientada — Vincent, é você! — Eu sussurrei. Estou ligado à Violette, e ela está há apenas alguns metros de distância de você no outro lado desta porta. Eles ainda não sabem por onde Bran fugiu. É melhor você sair daí antes que eles percebam e quebrem a porta. Ignorando seu aviso, eu perguntei — Você está bem? — Minha boca estava tão seca que eu mal podia dizer aquelas palavras. A transferência de poderes não deu certo, então Violette me manteve com ela. Ela precisa que Bran descubra o que ela fez de errado. Agora, Kate... Vá! — Primeiro me diga o que podemos fazer para ajudar você... Agora! — Kate, vamos! — Georgia me apressou alguns metros a minha frente — O que você está fazendo aí parada? — Precisei de toda a minha força para me arrancar de perto da porta, longe da possibilidade de ficar ao lado do espírito de Vincent, mas uma vez que eu tinha feito minha mente, eu corri para pegar minha irmã e Bran. — Eu não posso ver nada — Eu disse depois de alguns segundos.


— Nem eu — Georgia respondeu — Aqui, pegue-o — Eu me coloquei sob o ombro direito de Bran, colocando meu braço seguramente em torno de seu pulso e ajudando-o a se mover para frente. Ele era tão leve que, se não fosse pelo meu ferimento, eu provavelmente poderia tê-lo carregado. Atrás de nós, uma luz forte se acendeu, iluminando o espaço ao nosso redor. Eu olhei para trás para o retângulo brilhante que Georgia segurava — iPhone flashlight app — Ela disse orgulhosamente. — Rápido — Bran nos estimulou a continuar, e nos direcionou para um canto onde começamos a descer outra passagem. Enquanto cambaleávamos para frente no brilho da luz liberada pelo celular, eu observei os arredores de onde estávamos. Estávamos caminhando por um grande túnel com teto abobadado, forrado com tijolos. Um rio corria pelo centro, e em cada lado havia uma passarela grande o suficiente para que duas pessoas caminhassem lado a lado. Mesmo que eu nunca tivesse vindo aqui antes, eu sabia exatamente onde estava: no esgoto de Paris. Uma rede de aproximadamente milhares de túneis que carregava água da chuva, drenagem de água, e... Sim... Os dejetos de Paris. — Se eu vir uma bosta flutuando, vou arrancar os olhos com este abridor de caixa — Georgia disse por trás de nós. Eu a ignorei, e mudando o jeito que estava segurando Bran, eu consegui uma posição melhor para que pudéssemos praticamente correr. Finalmente, eu me permiti pensar em Vincent. A transferência de poderes não tinha funcionado. O que era uma ótima coisa, eu reafirmei para mim mesma. Ela não tinha conseguido descobrir como drenar Vincent do poder do Campeão. Mas minha bolha de esperança evaporou quando eu me lembrei que ela tinha sido bem sucedida com a cerimônia de ligação. O espírito de Vincent estava preso, incapaz de deixá-la. E aqui estava eu correndo deles. Eu me sentia como se estivesse gritando de frustração e ódio. Saber que Vincent estava impotente nas mãos da revenant diabólica fez com que a minha determinação para descobrir como libertá-lo crescesse ainda mais. Mas primeiro, nós temos que levar Bran para a segurança. Ele pode ter a chave para ajudar Vincent. Seria difícil para os numa quebrarem uma porta de metal bloqueada por uma barra de ferro. Mas praticamente todos os prédios de Paris tinham um acesso ao esgoto. Uma vez que Violette descobrisse por onde Bran escapou, ela poderia estar atrás de nós apenas no tempo que ela precisaria para entrar no porão de um prédio vizinho. Bran nos direcionou para os corredores com múltiplos giros e voltas. Obviamente não era sua primeira vez no esgoto — ele sabia exatamente para onde estava indo. Depois de trinta minutos meio correndo meio mancando ao lado da água fétida, nos espremendo por aberturas apertadas, e vacilando por pequenas passagens que se conectavam, nós chegamos na frente de outra porta fechada.


Bran removeu uma barra para a direita do batente e empurrou uma grande chave de esqueleto na porta. Eu abri a porta com ela e Georgia o guiou por ela. — Tranque por dentro — Bran disse. Georgia o ajudou a se ajeitar em uma cadeira, onde ele se sentou ofegando. Eu encontrei um isqueiro e uma lamparina de vidro que continha uma vela dentro. Georgia desligou a luz de seu celular depois que eu acendi a lamparina e o espaço ao nosso redor tremeluziu em nossa visão. Estávamos em uma pequena sala mobiliada com dois berços, algumas poltronas velhas e rotas e estantes estocadas com materiais de primeiros socorros e comida enlatada — O que é esse lugar? — Eu perguntei. — Esconderijo da Velha Resistência, feito pelo meu avô — Bran replicou, sem fôlego — Desde a guerra, minha família o mantém como um lugar seguro. Mas nós nunca precisamos usá-lo até a semana passada quando minha mãe se escondeu da revenant antiga e do seu numa. Nós não podemos ficar muito tempo, no entanto. Se eles souberem que estamos aqui e voltarem com reforços, poderão nos encontrar. — Devemos levá-lo para La Maison — Eu disse — Mas ela fica no sétimo arrondissement, do outro lado da cidade. Demoraria horas para caminharmos até lá se continuarmos no esgoto. E, com você assim, não sei se conseguiremos. Bran balançou a cabeça — Eu não posso ir mais longe. E mesmo que eu pudesse, eu só conheço o caminho pelos túneis da vizinhança. Eu nunca encontraria o caminho para o outro lado do rio. — Então teremos que ir para as ruas — Eu disse. Um zumbido veio do casaco de Georgia. Ela pegou seu celular do bolso e olhou para a tela — Arthur. De novo. Eu olhei para ela — O que você quer dizer com “de novo”? Ele tem me deixado mensagens por toda a manhã, para saber como eu estou — Ela replicou, abaixando os ombros. — Por que você não responde? — Eu perguntei, incrédula. Georgia fez uma careta — Eu não quero parecer interessada demais. Isso apenas irá assustá-lo — Ela pareceu tão ofendida como se eu tivesse sugerido que ela se casasse com ele. Eu peguei o telefone de sua mão e atendi à ligação — Arthur? Sim, é a Kate. Violette e alguns numa estão atrás de nós, e precisamos de sua ajuda. Estamos escondidos no esgoto... — Eu me virei para Bran — Onde estamos exatamente? — Abaixo da ponta norte do Cemitério de Montmartre — Bran respondeu — Você pode dizer a eles para nos encontrarem dentro do portão norte. Eu devolvo o telefone para Georgia — Ele disse que estarão aqui em vinte minutos, e que devemos ficar em nosso esconderijo até que ele nos mande uma mensagem — Bran assentiu e, arrumando a cabeça no encosto da poltrona, fechou os olhos, exausto. — Ele disse mais alguma coisa — Minha irmã perguntou, olhando para mim. Eu revirei os olhos. Mesmo em um esconderijo subterrâneo, com o risco mortal de ser descoberta por uma zumbi malvada, Georgia está pensando em garotos.


— Bem, ele disse? — Ela insistiu. Eu suspirei — Ele perguntou se você estava bem — Eu admiti. Minha irmã se jogou em um dos berços com um sorriso satisfeito e olhou para o teto sonhadoramente.


Capítulo 6 Quando a mensagem de Arthur finalmente chegou, nós saímos cuidadosamente de onde estávamos abrigados e subimos as escadas. Bran me disse para empurrar uma porta de galpão no topo, e nós imergimos em um mausoléu, onde tumbas de mármore dominavam a pequena sala. — Isso é tão Buffy que nem é engraçado — Georgia disse, apoiando Bran enquanto eu tirava as cortinas de teias de aranha do caminho para que pudéssemos sair para o pátio. Ambrose estava esperando no portão. Assim que ele nos viu, ele correu para perto e levantou Bran em seus braços. — Vamos depressa! — Ele disse — Existe um tipo de central dos numa aqui perto! Ele colocou Bran no banco de trás do carro, e Gergia e eu entramos do outro lado. Assim que Ambrose entrou no banco do passageiro, Arthur saiu rapidamente — Timing perfeito — Ele disse, olhando pelo espelho retrovisor. Eu me virei para ver uma esquadra de numa perto do canto do muro do cemitério, empurrando o portão pelo qual tínhamos acabado de sair apenas alguns segundos antes. — Parece que nossa Imperatriz do Mal fez com que metade dos numa de Paris a seguissem como seguranças — Ambrose comentou secamente — Nós mandamos Henri e alguns outros para sua loja, logo depois que falamos com Kate — Ele disse, olhando para Bran — Mas não havia sinal deles. A porta para os esgotos tinha sido arrombada então eles ainda podem estar lá embaixo, caminhando pelo andar de banheiros de Paris, e procurando por vocês. Ele se virou no banco para me lançar um olhar irritado — E quem você pensa que é? A Mulher Maravilha? — Eu diria que Kate é mais a Mulher-Gato — Georgia comentou — Muito mais legal. Menos secundário. Ambrose a ignorou — O que a possuiu para sair de casa depois que eu deixei três mensagens para ficar em casa já que Violette e seus numa estavam caminhando em direção a Paris? Desde quando “fique em casa” significa “vá diretamente para a localização aonde o seu inimigo tem maior probabilidade de ir”? — Eu não recebi suas mensagens — Eu admiti timidamente — Deixei meu telefone em casa. Ele suspirou profundamente e balançou a cabeça em desespero — Vou comprar uma capa de celular para você que eu possa prender em seu pulso. Vincent me mataria se soubesse que eu te deixei ir a qualquer lugar perto de Violette. — Hum... Vincent sabe — Eu disse. — O quê? — Todos exclamaram ao mesmo tempo, exceto Bran, que perguntou:


— Quem é Vincent? — Aquele de quem eu te falei por telefone na semana passada — Eu repliquei. — Aquele que você suspeitava ser o Campeão? — Ele perguntou. Eu assenti, e depois disse aos outros — Ele falou comigo quando estávamos parados atrás da porta do porão de Bran. — O que ele disse? — Arthur perguntou, virando para evitar um sinal vermelho. — Ele disse que estava ligado a Violette. E que ela estava procurando por Bran porque a transferência de poderes não deu certo. — Bom, isso esclarece o motivo de os brutos terem me prendido — Bran disse — Mesmo que depois de matarem a minha mãe, eu não vejo o motivo de eles esperarem que eu me voluntariasse para ajudá-los. — Hum, eu acho que é esta a razão por eles terem te espancado — Georgia apontou — A coisa com a coerção é que ela não requer voluntários. Independentemente disso, eles nunca conseguiriam tirar nada de mim — Bran insistiu teimosamente, e depois, estremecendo por um ferimento não visível, deitou a cabeça no banco do carro e fechou os olhos. — Bom homem — Ambrose se inclinou em seu assento e deu um tapinha tranquilizador no joelho de Bran, antes de se virar para Arthur — Cara, você não consegue dirigir essa coisa mais rápido? — Ele impeliu, com a voz baixa — O esqueleto lá atrás está ficando sem forças rapidamente. Eu olhei para Bran por um momento, querendo perguntar a ele sobre Vincent — para ver se ele sabia alguma coisa sobre espíritos que não tinham um corpo para onde voltar. Sua mãe tinha mencionado anotações de família quando eu a pedi para ajudar Vincent a resistir à morte. Ela tinha me dito que sua linhagem de curandeiros sabia de alguns segredos dos revenants, e que ela iria checar suas notas para ver se poderia nos ajudar. Eu me perguntava se Bran saberia tudo o que a sua mãe sabia. Mas vendo a sua exaustão e sua face agredida, eu sabia que aquele não era o momento de perguntar. Em um recorde de dez minutos, estávamos entrando pelo portão de La Maison, conde um comitê de boas vindas esperava na porta da frente. Jean-Baptiste e Gaspard estavam parados lado a lado de uma preocupada Jeanne, que correu para o carro assim que nós saímos. Eu e Georgia ajudamos a tirar Bran do carro, depois caminhamos enquanto Arthur e Ambrose o apoiavam, seus braços colocados sobre os ombros dele. Eles o levaram para a porta da frente, onde Jean-Baptiste esperava — Ficarei bem — Bran tranquilizou seus guarda-costas, e eles cuidadosamente o deixaram enquanto ele apertava as mãos de JB. — Bonjour — Ele começou, mas assim que seus dedos tocaram a mão do líder dos revenants, uma luz ofuscante, como um flash de câmera, explodiu entre eles, fazendo com que todos ao redor cobrissem o rosto. Eu pisquei várias vezes antes dos pontos de luz começarem a clarear em minha visão, e vi que Bran tinha ficado


rígido. Ele deixou um gemido escapar, sua cabeça caiu para frente e ele caiu inconsciente no chão. — Você está bem? — Gaspard ganiu, correndo para o lado de JB. O líder dos revenants piscou algumas vezes e apertou o próprio braço, experimentalmente. — Que diabos foi... — Georgia começou, mas foi cortada por Jeanne, que tinha entrado em modo de emergência. — Levantem! Levantem-no! — Ela comandou, e Ambrose pegou o corpo mole de Bran em seus braços. Carregando-o para o quarto de Vincent, ele o depositou cuidadosamente na cama. Jeanne estava lá em um instante, aplicando compressas frias na cabeça e nos pulsos de Bran. Em segundos, suas pálpebras estavam se abrindo. — Onde eu estou? — Ele murmurou. Jeanne entregou a ele seus óculos, que tinham caído junto com ele. Colocando-o de volta com as mãos trêmulas, ele olhou ansiosamente para nossas faces, parecendo francamente assustado quando me viu. — O que foi? — Eu perguntei, olhando em volta para ter certeza de que ele não estava olhando para outra pessoa. Seu olhar atônito, como se ele não me reconhecesse depois de ter passado as últimas horas correndo pelo subsolo de Paris ao meu lado, estava me deixando maluca. Ele continuou olhando por alguns segundos, piscando algumas vezes com seu olho não inchado. Depois, suspirando profundamente, ele disse — Nada, criança — e se inclinou de volta em seu travesseiro. — Você está bem? — Jeanne perguntou, enfiando um cobertor em volta de sua forma trêmula. Ignorando sua pergunta, Bran perguntou — Posso supor que sua residência esteja segura dos malvados? — Você pode apostar seu doce... Hum, sim, senhor — Disse Ambrose, editando a si mesmo — Enquanto estiver aqui conosco, você estará a salvo dos numa. — Seguro — Ofegou Bran — Ninguém estará seguro até que o Vitorioso triunfe. — O Vitorioso — Perguntou Arthur. — Ele está falando do Campeão — Eu esclareci. Gaspard falou — Eu sinto muito em te dizer isso, querido aliado, mas o Vitorioso foi capturado. Ele está agora nas mãos de nossos inimigos. Bran considerou as palavras de Gaspard — Sim, sua Kate me informou sobre isso — Ele replicou finalmente — Mas Violette ainda não tem o poder dele. E se ela não encontrar nada sobre a magia da transferência por si mesma, não aprenderá de mim. Isso pelo menos nos dará algum tempo. Jeanne deu alguns passos para frente — Monsieur... — Tândorn. — Monsieur Tândorn, você quer que eu chame um médico? — Non. Merci, chère madame. Os brutos se concentraram mais em meu rosto. O resto de mim só está um pouco contundido, mas não há nada quebrado. Só estou muito fraco. Eu não dormi e nem comi desde que eles mataram a minha mãe.


A face de Jeanne adquiriu aquela expressão de uma perigosa gata selvagem cujos filhotes estão sendo seguidos por caçadores. Eu já tinha visto esta expressão antes e sabia exatamente o que significava. A força da governanta estava em sua habilidade de cuidar de seus tutelados. Segundos depois que ela saiu do quarto, eu escutei jarras e panelas batendo na cozinha enquanto ela planejava seu ataque ao estado débil de Bran. Arthur se aproximou de Georgia — Como está seu rosto? — Ele perguntou timidamente, erguendo a mão para tocar sua bochecha roxa. Minha irmã agilmente saiu do caminho — Você sabe, depois daquela aterrorizante corrida com os numa, eu realmente poderia tomar uma caneca de um chá forte. Você acha que pode ter algum? — Ela perguntou timidamente. — É claro — Arthur respondeu, endireitando-se e voltando a ser a pessoa formal de sempre. Ele acompanhou Georgia educadamente pelo corredor. Assim que eles saíram, os outros os seguiram. Jean-Baptiste ficou para trás por um segundo, parecendo como se quisesse ficar, e depois disse — Nós temos muito para conversar, Monsieur Tândorn, mas eu vou deixá-lo descansar. Posso te fazer uma visita esta tarde? — É claro — Bran respondeu, desgastado. — Você quer ficar sozinho ou prefere que eu fique? — Eu perguntei. — Fique, criança — Ele respondeu. Eu puxei uma cadeira para perto da cama e me sentei — Eu fiquei muito triste quando soube sobre sua mãe — Eu disse após um momento de silêncio. — Sim — Ele disse — Ela era uma alma excepcional. Uma mãe amável. Uma sábia mulher. Eu hesitei antes de continuar, mas ele parecia querer conversar — Ela teve tempo de passar seus dons adiante antes de... Partir? — Eu perguntei. Ele respirou profundamente e, esticando o braço para pegar um travesseiro adicional, colocou-o atrás de si para que ficasse praticamente sentado. Seu olho inchado estava da cor de uma ameixa madura e o outro estava tão ampliado pelos óculos que parecia uma castanha em 3-D. Ele olhou para mim, piscou curiosamente, e depois rapidamente olhou para outro lado. Eu brinquei com o meu cabelo, imaginando se havia teias de aranha ou detritos das passagens do subsolo ainda presos nele. — Sim. Sim, ela passou — Ele respondeu — Eu herdei seus dons de cura e agora sou um guérisseur. Eu sorri tristemente, sabendo que seus recém-adquiridos poderes não poderiam compensar a perda de sua mãe. Ele tocou meu braço com dedos longos e ossudos, e seus lábios finos se curvaram nos cantos — Pena que você não tenha enxaquecas, senão eu poderia te mostrar como isso funciona. E, como minha mãe, meus dons não estão confinados apenas ao reino mortal. Ele afastou a manga da camisa e me mostrou uma nova tatuagem na parte interior de seu pulso, sua pele ainda avermelhada em volta dela. Um triângulo com chamas saindo das três extremidades estava dentro de um círculo.


— O signum bardia — Eu ofeguei. E puxando de dentro da minha camiseta a versão em ouro e safira que Vincent tinha me dado, eu a segurei para que ele visse. — Temos algo em comum, criança. Ambos somos confiáveis perante os revenants. E veja para onde isso nos trouxe! — Ele sorriu debilmente. Deixando meu braço cair, ele encostou a cabeça de volta contra o travesseiro e fechou os olhos. Parecia que a conversa tinha terminado. — Bran, eu quero te perguntar uma coisa — Ele abriu um olho e pestanejou para mim, parecendo exausto. Agora não era o momento para enchê-lo de perguntas, mas eu não sabia quando teria a chance de novo — Se sua mãe passou os dons dela para você, isso significa que você tem todo o conhecimento que ela tinha? — Ela me contou nossas histórias desde que eu era uma criança — Ele respondeu, cansado. Sentindo uma pontinha de culpa por pressioná-lo tanto, eu continuei — Bem, ela me disse algumas semanas atrás que sua família conhecia segredos sobre os revenants. E eu estava apenas pensando se você saberia alguma coisa sobre o que os bardia chamam de espíritos errantes. É esse o estado que Vincent está agora, desde que Violette destruiu o seu corpo. Eu queria saber se existe algum jeito... Eu fui interrompida por uma batida na porta. Gaspard colocou a cabeça por ela — Desculpe-me, Kate, mas você tem um visitante. — Um visitante? — Eu perguntei, confusa. A porta se abriu com força. Gaspard saiu do caminho e uma senhora mais velha usando um casaco Chanel rosa, saltos de quatro centímetros, e uma expressão de fúria entrou no quarto. Deus nos ajude, vovó estava em La Maison.


Capítulo 7 Enquanto minha avó entrava no quarto, eu senti meus dois mundos colidirem. O fato de que Georgia já sabia do segredo por meses — tinha visitado La Maison várias vezes — não diminuíram o trauma de ver outra pessoa que eu amava entrando no universo perigoso dos revenants. Por causa de mim. Agora que vovó estava aqui, eu me sentia responsável por sua segurança — o que de agora em diante era uma impossibilidade; segurança e revenants não andavam juntos. — O que você está fazendo aqui? — Eu perguntei, minha voz em pânico pelo medo por minha avó e o medo de minha avó. O olhar dela percebeu o corpo agredido de Bran na cama, e seus olhos ficaram maiores enquanto fixava seu olhar em mim de um jeito ardente — Quando eu liguei para a escola para dar a vocês um dia para se recuperarem, eu não estava dizendo que você poderiam voltar correndo para o perigo do qual vocês escaparam por tão pouco ontem. Você me deixou um bilhete dizendo que estavam saindo e que “estariam de volta logo”. O que quer que tenha acontecido durante as horas em que vocês estavam fora — Ela apontou gravemente para Bran —, eu trato isso como uma traição à minha confiança. Por cima do ombro de vovó eu vi Jean-Baptiste chegando rapidamente para dentro do quarto. Gaspard fechou a porta atrás dele. JB encontrou os meus olhos e fez um gesto de zíper por cima de sua boca, balançando a cabeça em aviso. Estava claro que era ele quem falaria com ela. — Ma chère madame — Ele começou. Vovó se virou para encará-lo. Ele se arqueou educadamente para ela, em um cumprimento do século dezoito, enquanto ela retribuía com um aceno. Por baixo de seu caro penteado e casaco, vovó era uma força a ser considerada. Mas enquanto eu a observada, eu me dei conta de que por trás de sua raiva, ela estava na verdade aterrorizada. E depois eu me lembrei em como eu fiquei assustada quando descobri o que Vincent era, e meu coração se apertou por ela. Minha avó tinha adentrado no mundo dos monstros... Por mim. — Bonjour, Monsieur Grimod — Ela disse em uma voz contida — Desculpe-me por entrar em sua casa sem ser convidada, mas eu estou aqui para pegar as minhas netas. — É claro, madame. Mas eu pensei que nas atuais circunstâncias perigosas, você preferiria que eles estivessem aqui, sob nossa proteção, do que pela rua, desprotegidas. — Desprotegidas! — A face de vovó ficou vermelha. Seu olhar caiu em Gaspard, que assentiu seriamente, concordando com JB. Olhando de volta para mim, ela me deu seu olhar mais perigoso, e depois, exalando pelos lábios apertados, tentou se recompor.


— Monsieur Grimod, por favor tente se colocar no meu lugar. Na noite passada, minhas netas foram para casa após participarem de uma luta violenta durante a qual as duas poderiam facilmente ter sido mortas. O namorado de Kate na realidade foi morto, mesmo que eu imagine que esse tipo de coisa não seja tão sério para vocês, sendo que suas mortes não são permanentes — Ela disse com nitidez. — Mas porque seu corpo foi queimado, ele agora está flutuando por aí como um fantasma e sendo prisioneiro em um castelo por uma zumbi medieval psicótica. A mesma zumbi medieval psicótica que deu a uma de minhas netas uma concussão e tem enviado flores para a outra nos últimos meses... Em nossa casa... Porque ela SABE ONDE NÓS VIVEMOS — O rosto de vovó estava roxo agora por sua batalha entre a educação e seus sentimentos verdadeiros. — E agora você está me perguntando se minha neta pode voltar para esta mesma situação. A menos que eu fosse completamente louca, minha resposta para esta pergunta seria um inequívoco não. — Mas, minha querida senhora, é exatamente por isso que você deve deixar as suas netas conosco. Porque o caso é, infelizmente, como você disse. Os numa sabem onde vocês vivem. Violette sabem onde vocês vivem. Eu gostaria de oferecer a vocês e às suas netas nossa proteção, então é muito bom que você esteja aqui agora para podermos conversar sobre isso. Vovó hesitou, depois disse — Eu perdi o meu filho um ano e meio atrás por causa de um motorista bêbado. Eu me recuso a perder outro membro da família, ou dois, por razões tão sem sentido. — Não há nada sem sentido sobre uma batalha entre o bem e o mal, ma chère dame — Jean-Baptiste respondeu rapidamente — E é nessa posição que nos encontramos agora. Por favor... Venha comigo — Ele pegou no braço dela e esperou, ignorando o jeito que vovó estremeceu quando ele finalmente tocou levemente em seus dedos. — Devemos ir para a sala de estar, onde Jeanne nos servirá café. Ou você prefere chá? Se você preferir, podemos mandar Kate ficar com sua irmã na cozinha para que possamos discutir a situação entre nós. Eu os segui pelo corredor e Gaspard fechou a porta do quarto atrás de nós, deixando um Bran comatoso sozinho para descansar — Eu vejo que você já conheceu Gaspard, meu parceiro de toda a vida — Continuou JB com um sorriso torto — A opinião dele é que eu sou a pior pessoa possível para explicar as coisas, então eu pedirei para que ele nos acompanhe. Eu levantei minhas sobrancelhas em surpresa. Jean-Baptiste tinha acabado de sair do armário perante minha avó quando eu nunca o tinha ouvido mencionar sua relação com Gaspard com ninguém antes. Não era um segredo, mas como eram de tempos antigos eles não eram exatamente o tipo de casal que fazia demonstrações públicas de afeto e era fácil esquecer que eles estavam juntos. Ouvir aquilo de seus próprios lábios era uma revelação. Significava que ele estava tentando mostrar a


minha avó que ele estava colocando tudo — até mesmo suas informações pessoais — à disposição dela para que ele pudesse confiar nele. Enquanto eu estava pensando isso, JB olhou para mim e capturou meu olhar. Merci, eu disse apenas mexendo os lábios. Ele assentiu sombriamente para mim. — Minha querida mulher, posso dizer o prazer imenso que é ter a sua visita em nossa casa? — Gaspard estava dizendo, sacudindo-se um pouco com seu tique enquanto fazia o combo de se curvar e beijar a mão de vovó, o que eu sabia que derreteria seu coração. — Katya, não saia desta casa — Ela disse, virando para mim — Eu encontrarei você e sua irmã quando terminar de conversar com este cavalheiro — E segurando no braço de Jean-Baptiste, ela acompanhou o casal de revenants para o corredor. Eu caminhei até a cozinha para encontrar uma discussão tática sobre encontrar Violette em cima de uma refeição com tema italiano. O cheiro de alho se espalhava pelo ar, misturado com o confortante aroma de queijo derretido. — Então ela não foi encontrada? — Eu perguntei. Ambrose balançou a cabeça — Henri e os outros acabaram de dar notícias. Mais uma vez, ela desapareceu. Do lado dele, um cabeça se virou e familiares olhos verdes olharam para mim — Charlotte — Eu gritei, jogando meus braços ao redor dela quando ela se levantou para me cumprimentar — Você voltou! — Oh, Kate. Nós pulamos num trem assim que ouvimos o que aconteceu — Ela deixou que Geneviève me apertasse também antes de voltar a sentar. — Sente perto de mim — Charlotte disse, seu cabelo caindo como longos fios de trigo em volta de sua face — Eu sinto tanto sobre Vincent... — Eu também — Eu disse, pigarreando para limpara o caroço em minha garganta. Eu olhei para o outro lado da mesa, para Georgia — Você sabe que vovó está aqui, certo? Minha irmã se afogou com o que estava comendo. Arthur se levantou e pegou um copo de água para ela. Ela tomou um grande gole e, tossindo em seu guardanapo, arfou — Esta é a pior piada que você já fez. Você poderia ter me matado — Ela alisou o peito e tossiu um pouco mais. — Não é piada — Eu disse — Ela está conversando com Jean-Baptiste e Gaspard e virá nos pegar depois disso. — Droga — Minha irmã respondeu, empurrando seu prato para longe. — Você mal tocou em sua lasanha — Arthur a repreendeu suavemente. — Não estou mais com fome — Georgia enrolou os braços ao redor de si mesma e ficou sentada ali, parecendo nervosa. Charlotte mudou de assunto — Geneviève e eu temos falado em vir para Paris desde sua visita.


Menos de uma semana atrás, eu percebi com espanto, Vincent e eu estávamos no sul da França sentados no penhasco para olhar o mar e falar sobre o nosso futuro. Apenas seis dias atrás, ele me explicou o Caminho da Escuridão, e os seus planos de matar os numa para resistir à morte. E agora ela tinha partido. Jeanne veio de onde estava preparando uma bandeja para minha avó, e me deu um firme e afetuoso beijo em cada bochecha — Você se juntará a nós para comer um pouco de lasanha, Kate? — Eu realmente não estou com fome. Obrigada de qualquer forma, Jeanne — Eu disse. — Que absurdo! — Ela replicou. Pegou um prato, encheu-o com um fumegante quadrado da massa pegajosa e o colocou em minha frente. — Nunca diga não para Jeanne — murmurou Ambrose, dando uma grande mordida no pão de alho — Especialmente quando se trata de uma das receitas italianas de sua avó. Não que ela se sentirá ofendida. Ela apenas verá isso como um desafio. Veja isso — Ele gesticulou para o prato vazio — Jeanne, esta lasanha estava deliciosa. Estou tão cheio que eu não poderia nem imaginar comer mais um pouco. — Não seja ridículo — Ela disse, e trazendo a assadeira para a mesa, colocou um pedaço gigante na frente dele — Com todas as lutas que vocês estão tendo, precisarão de quantas calorias puderem ingerir. Ambrose levantou uma sobrancelha e sorriu para mim em triunfo antes de olhar para o outro lado da mesa para Geneviève. Oh, não, eu pensei. Parecia que Ambrose não tinha superado a queda pela recentemente viúva revenant. O que deve estar partindo o coração de Charlotte. Ela olhou para baixo para sua comida e fingiu não ver os olhares de Ambrose. — Como está Charles? — Eu perguntei para distraí-la. — Oh, ele está bem — Ela disse, sua face brilhando ao pensar em seu gêmeo — Eu quero dizer, eu não o vejo desde que ele fugiu para a Alemanha, mas ele está mandando e-mails e ligando quase todo dia. — Eles acabaram de colocar um GPS nos telefones um do outro — Adicionou Geneviève com um sorriso. Charlotte revirou os olhos — Obrigada por deixar todo o mundo saber sobre a nossa codependência de gêmeos — Ela gemeu, mas sorriu — É maravilhoso o quanto ele mudou em tão pouco tempo — Ela continuou para mim — Ele está sempre falando sobre seus sentimentos sobre o “nosso destino” e em como nós estamos aqui na Terra para ajudar a humanidade. Ele e sua tribo germânica viajaram esta manhã para um tipo de retiro espiritual. Ela clicou em seu telefone e olhou para um mapa digital mostrando a França e a Alemanha lado a lado. Em Paris havia uma luz vermelha piscante, e na Alemanha, uma linha verde saía de Berlim e parava com um ponto de interrogação um pouco a oeste — Ele não deve ter sinal lá porque nem está aparecendo. — Sim, eu diria que isso é realmente codependente — Eu disse com uma risada.


Charlotte me acotovelou de brincadeira — Oh, pare. Ninguém que não tenha um irmão gêmeo poderia entender. O que quer que seja. — Ela disse, e guardou o telefone no bolso de seu cardigan. — Um pouco de bebida para sua avó e os homens — Jeanne disse enquanto saía da cozinha com uma bandeja de chá. Todos caíram num silêncio refletivo e focaram na deliciosa refeição de Jeanne até que ela voltou minutos mais tarde — Relatório de status? — Eu perguntei. — Sua avó parece estar lidando bem. Ela não parecia extremamente feliz, mas estava ouvindo ao que Jean-Baptiste e Gaspard estavam dizendo — Jeanne disse, reamarrando seu avental. — Que era... — Eu a estimulei a falar. — Eles estavam propondo um tipo de plano onde você e sua irmã seriam acompanhadas para qualquer lugar aonde fossem — Ela respondeu diretamente, e depois virou para checar alguma coisa no forno. Georgia e eu lançamos olhares preocupados uma para a outra. — Eu sei que estamos esperando para que Jean-Baptiste nos dê instruções — Arthur disse, tirando sua atenção de minha irmã — Mas nós devemos estar vestidos quando ele terminar de falar com Madame Mercier. Eu não tenho dúvida de que ele nos mandará a uma viagem de aferição quando nós o informarmos que o grupo de Henri perdeu a pista de Violette. Ficando em pé e levando seu prato para o balcão, Ambrose se inclinou para apertar os ombros de Jeanne — Não vai comer a sobremesa? — Ela perguntou. Ambrose bateu em seu estômago com ambas as mãos — Não. Eu não posso, Jeanne. Estou cuidando de minha forma — Ela deu uma gargalhada enquanto ele caminhava em direção à porta — Eu poderia me exercitar um pouco se vamos ter que esperar por um tempo. Espadas, alguém? — Ele chamou. — Este é um convite que eu não posso recusar — Respondeu Charlotte, e agradecendo a Jeanne pelo jantar, ela seguiu Ambrose para fora da cozinha. — Estou louca por uma briga! — Exclamou Geneviève, e Arthur ficou em pé para acompanhá-la. — Eu vou assistir — murmurou uma Georgia mais pálida do que geralmente. Eu sorri. Era típico dela se esconder enquanto possível em vez de encarar a ira da vovó. — Deixem suas louças, queridos, e vão gastar um pouco desta energia — Disse Jeanne, acenando para que eles saíssem da mesa e passassem pela porta. — Logo eu irei para lá — Eu gritei. Eu ainda estava beliscando minha lasanha, espalhando pedaços pelo meu prato para que Jeanne pensasse que eu tinha comido. — Eu sei o que você está fazendo, mon petit chou — Ela disse enquanto ficava em pé na frente da pia, com as costas viradas para mim. Eu deixei minha faca na mesa — Flagrada — Eu repliquei.


Ela se virou, e seus lábios se curvaram em um sorriso compassivo — Sabe o que mais? Eu tenho uma coisa para você. Uma coisa que pode ser um conforto nestes dias difíceis que você tem pela frente. Pegando minha mão, ele me levou para fora da cozinha até seu quarto. Era o quarto que ela usava nas raras ocasiões em que ele precisava passar a noite na casa, e eu nunca tinha entrado lá. Caminhando pelo chão acarpetado, ela acendeu um abajour cheio de babados e pegou um objeto que estava perto dele. Virando-se, ela o colocou em minha mão. Era um medalhão em formato de coração feito de prata e cristal. Toquei a pequena bugiganga. Um raminho de flores tinha sido gravado do lado prateado, e eu corri meu dedo pelo metal delicadamente sulcado — Relicário — Disse Jeanne, e parecia que uma mão tinha chegado até o meu coração e o apertado fortemente. O corpo de Vincent tinha sido destruído, mas eu não o esqueceria. Ou esqueceria? Sua face começaria a desaparecer de minha mente como as de meus pais tinham, substituídas pelas imagens deles preservadas nas fotografias? Eu virei o medalhão para o lado do cristal. Pelo vidro transparente eu avistei alguma coisa escura presa lá dentro e levantei o medalhão para a luz. Era uma mecha de cabelo preto.


Capítulo 8 — É de Vincent? — Eu engasguei. Jeanne assentiu. — Onde você conseguiu isso — Atônita, eu rolei a estranha bugiganga pela minha mão. — O medalhão é da coleção de Gaspard de memento mori — Jeanne respondeu — Ele disse que eu poderia dá-lo a você. — Não, isso — Eu disse, segurando-o para cima para indicar o que estava dentro do cristal — Por que você tem uma mecha do cabelo de Vincent? Jeanne pensou por um momento, e depois disse — Será mais fácil mostrar a você — Ela gesticulou para uma mesa lateral que continha uma variedade de objetos de prata muito bem trabalhados e caixas de esmalte e velas em suportes perfurados de estanho. — É um ritual que a minha mãe me ensinou quando eu tomei o lugar dela. Uma prática que sua mãe tinha passado para ela. Nós sempre sentimos uma responsabilidade especial por nossos revenants. Faz com que a gente se sinta melhor pensar que temos um pouco de mérito em sua sobrevivência. Eu não sou uma mulher religiosa, Kate. Mas eu rezo todos os dias pelos meus tutelados. Eu peguei uma pequena caixinha na frente da mesa e abri a tampa em relevo. Uma mecha de cabelo ruivo estava dentro de um rico tecido de veludo azul — Charles — Eu ofeguei. — Ele é a pessoa em quem eu mais tenho pensado, recentemente — Jeanne disse, balançando a cabeça lamentosamente — Se há um garoto que precisa de uma vela acesa para si, este é ele — Ela tocou uma caixa coberta com um mosaico azul e verde — Está é de Vincent — Ela disse. Eu peguei a caixa e abri a tampa para ver o interior vazio. — Agora que eu te dei meu pequeno símbolo de Vincent, eu espero que você rezes por ele para que ele fique bem — Jeanne disse. — Eu farei isso — Prometi. Satisfeita, ela apontou para a parte de trás da mesa, onde dezenas de delicadas caixas estavam alinhadas lado a lado e empilhadas uma em cima da outra — Mesmo quando eles se vão, eu não consigo me desfazer de suas caixas. Minha mãe também não podia e nem a minha avó. Eu estremeci. Aquela pilha deveria representar aqueles da tribo de JeanBaptiste que tinham sido destruídos pelos numa. — Vincent ainda está aqui nesta Terra, doce garota — Ela disse — Mesmo que seja apenas em espírito. Você tem que ser forte. Apenas em espírito. Aquelas palavras, misturadas com a expressão de Jeanne de piedade, me fez lembrar do fato que aquele medalhão com o cabelo constituía a


única parte de Vincent que restava neste mundo. Ele era um fantasma agora. Imaterial. O que o futuro poderia trazer para uma garota e um fantasma? O enorme espaço vazio em meu peito doeu, e continuaria doendo, até que eu pudesse tocá-lo de novo. O que nunca vai acontecer porque ele se foi, eu lembrei a mim mesmo. Não era isso que Vincent estava tentando me dizer quando ele desapareceu? E ele estava certo... Exceto pela conclusão: Eu estarei sempre perto. Estarei sempre olhando por você. De agora em diante, a única coisa que eu posso fazer por você é tentar mantê-la segura. Eu pressionei fortemente meu peito, como se isso fosse me ajudar a amenizar a dor. Em minha outra mão, eu firmei o medalhão. Não, eu pensei. Eu me recuso a aceitar o cenário que Vincent descreveu: continuar a minha vida como se ele não existisse mais, enquanto ele me observa como um anjo da guarda. Eu não vou viver essa tragédia. E, abruptamente, meus pensamentos se voltaram para meus pais e o imenso amor que eles tinham compartilhado. Praticamente irradiava deles, se espalhando por todos que estavam próximos, fazendo a todos felizes. Preenchendo aos outros com esperança. Eu poderia ter tido um amor como esse com Vincent. Eu tinha sentido isso. Havia alguma coisa certa sobre nós: era maior que apenas duas pessoas apaixonadas. Quando estávamos juntos, era como uma verdade da natureza e belezas raras; como um raio de sol perfurando as nuvens escuras, banhando o pedaço de solo diante de você em ouro. Juntos, Vincent e eu tínhamos criado uma coisa maravilhosa. E, com este pensamento, algo endureceu dentro de mim. Uma negação. A rejeição do destino que estava sendo jogado para cima de mim. Mesmo que eu não tivesse ideia de como fazer isso, eu encontraria uma solução. Porque deveria existir uma solução. Eu toquei a parte de cristal do medalhão com os meus lábios. E puxando o cordão que segurava o signum que Vincent tinha me dado por cima de minha cabeça, eu adicionei o medalhão do memento mori ao símbolo antigo dos revenants e os coloquei de volta dentro de minha camiseta. Ouvindo uma batida na porta, Jeanne e eu nos viramos para ver Gaspard se inclinando para dentro, seu cabelo para cima como uma explosão — Ah sim... Desculpe-me por interromper — Ele desviou os olhos como se estivesse permitindo que nós terminássemos o nosso momento de privacidade. — Está tudo bem, Gaspard. Eu acabei de mostrar minhas caixas para Kate. — Sim, sim. Bom, bom — Gaspard assentiu, puxando nervosamente a bainha de sua jaqueta, endireitando o que já tinha sido passado com perfeição — Sua avó está pronta para ir embora, Kate, e quer que você vá com ela. Eu beijei Jeanne e segui Gaspard até a sala de armas, aonde nós pegamos Georgia e caminhamos pelo corredor até chegar ao pátio. — Estamos caminhando para a forca — Georgia disse — Eu fico me perguntando se ela vai nos deixar sair do apartamento de novo.


— Eu não me importaria com isso — Gaspard murmurou, mas não disse mais nada. Nós encontramos vovó na porta da frente, seu humor parecendo bem melhor — Então, diga-me — Ela estava perguntando para Jean-Baptiste — em relação ao retrato de seu ancestral que eu restaurei: era na verdade você? — Oiu, madame — O velho revenant aquiesceu. Vovó assentiu, estudando sua face — Bem, mesmo que eu saiba que existe uma magia envolvida, eu posso dizer que estou terrivelmente impressionada em quão bem você se manteve — Ela comentou, admirada. Ela se virou, ao ouvir que estávamos nos aproximando — Aí estão vocês, mes enfants — Ela disse, o olhar severo retornando para sua face — Vamos embora agora. Discutiremos tudo com o seu avô quando chegarmos em casa. Gaspard segurou a porta aberta, e Georgia e eu saímos, vovó nos guiando como uma mamãe galinha. Enrolando seus braços pelos nossos, ela se virou para dizer tchau. — Eu estou ansioso para conhecer o seu marido em algum dia destes — JeanBaptiste disse. — Eu não tenho certeza se ele se sente da mesma forma — Vovó comentou com um brilho divertido nos olhos —, mas eu conversarei com ele para ver como as coisas vão ficar. Neste meio tempo, eu agradeço pela sua oferta de proteção. Manterei contato. — Como quiser, madame — Jean-Baptiste respondeu — Você está em completo controle em como as coisas devem proceder entre a sua família e a minha. Apenas me diga o que fazer e eu proverei o que for necessário. — Merci, cher monsieur — Vovó disse, assentindo elegantemente e depois virando, levando-nos em direção ao portão. Eu sabia que estávamos bem quando passamos pela fonte e vovó, incapaz de se controlar, levantou um dedo em direção ao anjo e o seu adorável fardo — Você notou este espetacular exemplo de escultura da era romântica, Katya? A qualidade diáfana do vestido da mulher só poderia ter sido feita por um grande mestre. Certamente não foi o Canova em pessoa. Mas, mais uma vez, eu penso. Em qualquer caso, verdadeiramente requintado. A fúria de vovó passou. Eu sorri — Sim, vovó. Eu já a notei antes.


Capítulo 9 Vovô estava esperando ansiosamente na cozinha quando entramos, brincando um uma xícara de chá intocada. — É a hora de todos nós termos uma conversa — Vovó anunciou antes que Georgia e eu escapássemos para os nossos quartos. Ela nos arrebanhou para a sala e gesticulou para as cadeiras nas quais ela queria que nós sentássemos. Eu não tinha visto vovô desde que tudo tinha acontecido. Ele olhou para mim, suas feições difundindo raiva, medo e desapontamento — Dizer que estou furioso seria uma grande atenuação — Ele disse, apertando os braços de sua poltrona. — Sinto muito, vovô — Eu disse, sinceramente. Ele se sentou, parecendo magoado por um momento, e depois ele pareceu como um balão se esvaziando. Ele se inclinou para trás de sua cadeira e fechou os olhos, sua expressão mudado em um segundo de “forçado a ser calculista” para “cansado homem idoso”. Ele abriu os olhos e focou em mim — Quando eu te proibi de ver Vincent foi para sua própria proteção. Não queria que você se lançasse no meio de uma batalha sobrenatural. — Havia coisas maiores acontecendo do que apenas Vincent e eu, vovô — Eu expliquei — Sua casa toda estava em perigo e eu pensei que sabia quem estava nos traindo. — Dane-se esta casa — Vovô afirmou sucintamente, sua raiva voltando. Georgia quebrou o silêncio — Vincent não é mais um problema agora, vovô, tendo sido reduzido basicamente a um fantasma. Meu peito se apertou quando ela disse isso. Mesmo que eu estivesse bem consciente da situação, de alguma forma foi pior ouvir aquela afirmação tão direta. — Eu disse ao seu avô o que aconteceu ontem — Vovó esclareceu. Vovô bufou para mostrar que mesmo que estivesse informado ele ainda não aprovava, mas seu olhar severo se suavizou um pouco. — Tudo bem — Eu admiti — Tire Vincent e sua casa da equação. Falaremos apenas sobre a nossa casa. Sobre mim — Eu estabilizei minha voz. Ficar emocionada não iria ajudar em meu caso. — Se você se lembrar, vovô, os numa que apareceram na galeria não estavam atrás de Vincent. Eles estavam atrás de mim, porque uma pessoa da casa tinha informado a eles que eu havia matado seu líder. Eu tinha certeza que sabia quem tinha dito isso a eles. E Georgia e eu fomos provar isso. — Eu nunca achei que fosse Arthur — Começou Georgia, mas vovó lançou a ela um olhar afiado e ela se calou. Meu avô balançou a cabeça em descrença — Por que vocês garotas deveriam fazer isso por si mesmas?


— Porque Vincent não acreditava em mim — Eu respondi. — É verdade que Kate não tinha descoberto o traidor. Ninguém suspeitava de Violette — Afirmou Georgia. As mãos velhas e com veias aparentes de vovô se fecharam em pinhos e socaram o braço da poltrona — O resultado final não importa. Eu queria que você ficasse longe deles, Kate. Não que você se envolvesse ainda mais em seus problemas. Eu poderia ter respondido aquilo em uma dezena de formas diferentes, mas parecia melhor manter a minha boca fechada neste momento. Vovó deixou que o silêncio se assentasse antes de falar — Bem, você disse suas parte, Antoine. E Kate, você ouviu ao seu avô. Mesmo que você não o tenha desobedecido literalmente falando, já que não se encontrou com Vincent pelas costas de seu avô, suas ações colocaram você e sua irmã em um perigo mortal. E, se Violette fosse ou não capturar Vincent depois, suas ações de ontem culminaram com sua morte. — Vovó! — Georgia exclamou, engasgando, enquanto meus olhos se encheram de lágrimas. Mas mesmo que doessem, as palavras de minha avó só colocaram querosene em uma chama de dúvida que já tinha se espalhado, transformando-se em uma fogueira. Mesmo que Violette tivesse planejado matar Vincent e dominar os revenants, tudo teve este fim por causa de minhas ações. Ninguém tinha mencionado isso em La Maison. Vincent se tornando presa de Violette era completamente culpa dela nas mentes dos revenants. Mas eu não podia deixar de pensar como as coisas poderiam ter sido se eu não tivesse precipitado as coisas. Eu teria que viver com aquela pergunta. E com a culpa. Vendo minha face, vovó se levantou de sua cadeira e se aproximou para colocar uma mão confortadora em meu braço — Eu sinto muito, querida. Eu não queria te dizer isso desta forma — Ela admitiu — Mas estamos todos juntos nesta bagunça agora. Os numa sabem quem nós somos e onde vivemos — Ela parou e olhou para o vovô — É por isso que parece para mim que ordenar para que nossas netas fiquem longe de seus amigos revenants a este ponto seria mais um problema do que uma solução. — Mas Emilie! Como você pode dizer isso? — Vovô exclamou, levantando-se. — Porque eu acabei de voltar após uma longa discussão com o líder dos bardia franceses, Monsieur Grimod de la Reynière. As sobrancelhas de vovô subiram quase até a linha de seu cabelo — Então é lá que você esteve! — Ele olhou incredulamente para mim e Georgia, como se não pudesse mais suportar. Vovó continuou como se ele não tivesse falado — E nós dois, juntamente com seu companheiro, um homem muito conhecedor da história, discutimos uma forma de continuar. Meu avô se jogou de volta em sua poltrona com uma expressão como se tivesse tomado um tapa — E ela seria... — Ele induziu.


— Acontece que Monsieur Grimod já criou um sistema no qual Kate seria escoltada para qualquer lugar que fosse. Aliás, ontem ela e Georgia enganaram este sistema, deixando a escola durante um tempo em que os revenants pensavam que elas estavam a salvo — Vovó me lançou um olhar de desaprovação, mas eu já estava me sentindo tão deprimida e culpada que não teve efeito algum. — Ele também acha que se os numa não tivessem conhecimento sobre Kate e Georgia, a melhor forma de ação seria mantê-las distantes dos revenants. Agora era eu quem estava me sentindo como se tivesse sido estapeada — Como ele pode dizer isso depois de ser aquele a me pedir para conversar com Vincent quando nós rompemos? — Ele admitiu isso para mim, Kate — Vovó respondeu — Disse que foi uma má escolha de sua parte. Que ele só estava pensando em Vincent porque nunca o tinha visto tão perturbado antes. Que as pessoas sempre pensam em seus próprios filhos nestas circunstâncias, e que ele foi descuidado em não ter considerado você e a sua segurança. Vovô fez um barulho parecido com um pigarro, sinalizando seu descontentamento. — Em qualquer caso, o que está feito está feito, e nós dois concordamos que neste ponto você está mais segura perto dos revenants do que longe deles. Na realidade, todos nós estamos. Monsieur Grimod diz que neste momento Violette está criando uma guerra e que eles devem considerar que qualquer aliado ou contato corre riscos, mesmo que seja duvidoso que ela mantenha o interesse em vocês garotas agora que ela tem Vincent. Bom. Jean-Baptiste não tinha dito à vovó que Violette poderia me usar como isca para que Vincent a obedecesse em qualquer coisa. Esta era a real preocupação até onde eu sabia — a única razão pela quão ela se preocuparia em vir atrás de mim, pelo menos. — Jean-Baptiste me prometeu que Kate e Georgia terão revenants as observando vinte e quatro horas por dia, nos sete dias da semana — Ela se virou para nós — Não se preocupem, garotas, vocês nem notarão que eles estarão lá. — Ela está atribuindo guarda-costas às duas em tempo integral? — Vovô perguntou, confuso. — Acredite em mim, Antoine, Monsieur Grimod tem um monte de revenants a seu serviço. Isso mal vai alterar seus números. O que você acha disso? Vovô olhou para nós três, e depois, cruzando os braços pelo peito, exalou um longo e triste suspiro — Ma princesse — Ele disse, me encarando — Eu sei que Vincent e sua tribo estão aqui para ajudar a humanidade. Que ele é um dos caras bons. Se não fosse pelo fato de que ficar em contato com ele e sua tribo a coloca em perigo, eu consideraria uma honra estar associado a eles. Mas a sua segurança significa o mundo para mim, e isso muda tudo em minha mente. Meu avô parou, pensando — Se nós pedíssemos a você para renunciar ao Vincent e sua tribo, você faria isso? — Ele me perguntou.


Eu não podia olhar em seus olhos. Massageando a minha testa com as pontas dos dedos por alguns segundos, eu admiti — Não. — Uma resposta verdadeira — Vovó disse — Por causa disso que acho melhor contarmos com Jean-Baptiste para que ele mantenha vocês a salvo em vez de proibir você de vê-los, como o seu avô tinha feito — Meu avô começou a discordar, e vovó colocou a mão para cima em sinal de paz — Você teve suas razões, querido. Eu não te culpo por isso nem um pouco. Mas isso fez com que Kate fosse para a rua sem que soubéssemos disso. Vovô sentou de volta, derrotado. — Mesmo que isso vá contra as minhas inclinações naturais — Minha avó continuou — eu acho que é melhor que vocês fiquem sob a proteção dos revenants, contando que nós saibamos onde vocês estão, o tempo todo — Ela se virou para o meu avô — Antoine, você pode concordar comigo? Meu avô ficou sentado lá, parecendo miserável — Eu não gosto disso, mas faz sentido. É inquestionável que os revenants podem proteger as garotas melhor do que nós podemos. Eu concordarei com isso a curto prazo, mas eu quero que vocês saibam que eu estou acuado num canto, e que não era isso que eu queria. — Todas nós sabemos disso — Vovó concordou, e depois virou para nós — Garotas, temos a sua palavra de que não tentarão enganar os seus guarda-costas como fizeram ontem, ou deixar a casa como fizeram hoje, sem estarem acompanhadas? Georgia e eu concordamos. — Bom, então. Temos um acordo. Eu fui abraçar minha avó, e quando eu me inclinei, sussurrei em seu ouvido — Sinto muito, vovó. — Eu também, querida Katya — Ela replicou. Pelo olhar preocupado em seus olhos, eu sabia que ela não estava falando de minhas ações. Ela sentia muito por eu ter perdido Vincent, mas até mesmo mais por eu tê-lo conhecido.


Capítulo 10 Eu acordei pensando, dia dois. Era o segundo dia de Vincent como um espírito errante, e nós não estávamos mais perto de libertá-lo de Violette. Ugh. Violette. Apenas pensar em seu nome já me deixava doente, uma palavra que invocava uma pequena e delicada flor roxa. Mude algumas letras, no entanto, e você terá “Violenta”. O desejo de vingança queimou dentro de mim. Eu queria machucá-la. Dar a troca pela traição e o assassinato que ela tinha infringido ao bardia e a mim. Eu engoli o caroço de amargura em minha garganta e senti o gosto de bile. Em toda a minha vida, eu nunca tinha realmente odiado alguém. Tudo bem, eu tinha odiado a assassina de meus pais — uma motorista bêbada — mas ela tinha sido uma pessoa abstrata e anônima que eu nunca tinha conhecido. Agora o motivo de meu ódio tinha uma face. Um nome. E eu sentia o seu veneno queimando em minhas veias. Na realidade, aquilo era bom. Porque quando eu estava focada na vingança, eu esqueci meu desespero. O horrível vazio e as lamentações que eu estava sentindo — saber que eu nunca mais tocaria nas mãos, na face e nos lábios de Vincent de novo, que eu nunca mais ouviria sua voz me chamando de forma carinhosa — foram substituídos temporariamente pela repugnância que eu sentia pela pessoa que tinha feito isso a ele. Pare, eu ordenei a mim mesmo. Dando vazão ao meu ódio, eu não estava fazendo nada para ajudar Vincent, estaria apenas satisfazendo a mim mesma. E mesmo que eu conseguisse dar o troco à Violette, eu ainda teria que suportar a minha perda. Eu tinha que pensar além de minha raiva. Ontem, no quarto de Jeanne, eu tinha resolvido encontrar uma solução. Devia haver alguma coisa que eu podia fazer. Algum tipo de segredo que eu poderia descobrir para salvar Vincent. Talvez até mesmo para trazê-lo de volta. Meus pensamentos se aceleraram com as possibilidades. Poderia haver esperança para ele. Para nós! Mas tão rapidamente quanto o pensamento me ocorreu, uma realidade de “volte aos seus sentidos, Kate” arrebatou meu otimismo. Revenants poderiam se regenerar de ferimentos ou partes do corpo perdidas, mas não um corpo inteiro. E se houvesse uma forma de fazer isso, a tribo de Vincent saberia. Talvez não, eu disse a mim mesma. Talvez Bran soubesse alguma coisa que os bardia não soubessem. Pelo menos, deveria haver um jeito de libertar Vincent de sua ligação com Violette. Eu tentaria. Esta resolução me propeliu para fora da cama e fez com que eu vestisse minhas roupas, e quando eu olhei para o meu telefone e vi a mensagem de texto de Jules, eu estava pronta.


Estou de volta ao meu corpo, e sou capaz de te dar atualizações. Infelizmente, a atualização é que não há notícias. JB acha que é melhor se você e G passarem o dia aqui. Estarei fora para procurar por Vincent. Sua escolta está esperando lá embaixo. Eu bati na porta de Georgia — Entrez — Ela disse. Para minha surpresa, minha irmã estava acordada, vestida e completamente maquiada. O terrível inchaço em seu rosto tinha diminuído, e com o trabalho maravilhoso que ela tinha feito com o corretivo, tudo o que se podia ver eram algumas marcas amareladas por suas bochechas e mandíbula. Eu apontei para o relógio — Oito horas da manhã de um Sábado. Em qualquer outro dia eu poderia pensar que você tinha acabado de chegar em casa depois de uma noite fora. Mas como eu fui testemunha de que você estava de pijamas na noite passada... — Vamos para La Morgue, certo? — Ela disse com um sorriso torto — Todos aqueles caras mortos lá, você sabe... Eu balancei minha cabeça, estupefata — Sim, na verdade. Jules acabou de me escrever para informar que JB acha que deveríamos passar o dia lá. — Hum. Eu meio que achei que ele fosse — Ela disse, aplicando um último golpe de bush e virando para mim — Então... Vamos? Vovó estava esperando na cozinha. Ela levantou uma sobrancelha quando viu que estávamos indo para a mesa, completamente vestidas — Eu imagino que você devem ter ouvido sobre o convite para irem a La Maison, como vocês chamam — Ela colocou a cafeteira na mesa e, colocando um pouco de café numa xícara, sentou-se. — Seu avô foi cedo para a galeria, e Monsieur Grimod acabou de ligar. Nós dois concordamos que é melhor que vocês passem o dia na proteção da casa, enquanto Violette está solta em Paris, é claro — Ela disse. Sua voz estava calma, mas ela estava apertando a pequena xícara de expresso tão fortemente que eu estava surpresa que ela ainda não tivesse se quebrado. Ela sabia que estava fazendo a coisa certa, mas não gostava nem um pouco disso. Eu dei um abraço nela e peguei um copo de suco de uva enquanto Georgia engolia um pouco de café preto — Podemos levar isso conosco? — Eu disse, pegando um croissant. — Claro. Eu vou acompanhá-las até lá embaixo — Vovó disse, ficando em pé e alisando sua saia vivamente antes de nos levar em direção à porta. — Você ficará bem aqui sozinha? — Eu perguntei. Sua mostra exagerada de calma estava me deixando maluca. — Monsieur Grimod me convidou também, mas eu prefiro ficar aqui e trabalhar a sentar na casa de outra pessoa pelo dia inteiro. Ele prometeu deixar pessoas olhando nosso prédio, assim como a galeria de seu avô. Então não se preocupe conosco — Ela disse.


Ambrose e Arthur estavam esperando fora de casa — Bonjour, Madame Mercier — Eles gritaram, e ela sorriu graciosamente para eles. — Que garotos educados — Ela disse aprovadoramente, e ficou parada na porta vendo-nos até que viramos a esquina e eu a perdi de vista. Arthur ofereceu seu braço para Georgia, mas ela fingiu que não percebeu, apontando para um cartaz de filme ao lado da banca de jornais e conversando com ele sobre os últimos lançamentos de Hollywood. Ambrose riu e piscou para mim — Sua irmã está deixando o pobre cara louco — Ele mordeu o croissant que Georgia havia entregado para ele, devorando metade de uma vez só. — Sim, este é o seu forte — Eu comentei secamente — Então, atualizações. Eu quero dizer, Jules me deu uma atualização de que não havia notícias, mas me dê detalhes da falta de notícias — Eu mordisquei a ponta de meu croissant a lambi o recheio de meus lábios. — Estivemos fora a noite toda, vasculhando Paris para encontrar Violette e companhia. Não tivemos sorte — Ele disse, parecendo entediado — É como se ela tivesse desaparecido. Jules ainda está fazendo isso, aliás, com Charlotte, Geneviève e todos os outros revenants de Paris. — Exceto você e Arthur — Eu apontei. — E Franck, que está volante — Ele gesticulou para o ar acima de nós — Sim, nós três fomos apontados para cuidar de vocês e defender La Maison contra qualquer “ataque surpresa”. Ele acentuou estas duas últimas palavras fazendo aspas com os dedos, obviamente irritado por ter sido deixado fora de ação. — Bem, assim que deixarmos Georgia em La Maison, eu posso sair com você para a caçada. Eu tenho certeza de que com toda a segurança que vocês têm, Arthur pode defender a casa. Ambrose parecia em dúvida — Sim, você deve perguntar para Gaspard sobre isso — Ele respondeu, claramente pensando que era uma má ideia. — Então Gaspard não está participando das buscas? — Eu perguntei. — Não. Ele e JB estão questionando o Homem Bizarro — Ele replicou — Tentando encontrar um jeito de desfazer a ligação entre Vincent e Violette, e bisbilhotando em qualquer outro segredo guérisseur que ele possa ter. Então, JB e Gaspard estavam pensando da mesma forma que eu: Bran poderia saber de alguma coisa que poderia ajudar Vincent. Um pequeno balão de esperança inflou em meu peito. Eu me senti como se quisesse sair correndo pelo resto do caminho até La Maison, mas Arthur e Ambrose agiam como se tivessem todo o tempo do mundo. Não tínhamos andado nem dois quarteirões quando Arthur parou repentinamente e olhou para trás de nós — Numa — Ele disse — Franck disse que havia dois no parque atrás da casa dos Mercier. Ele não os notou até que começaram a nos seguir. — Não olhe para trás — Ambrose disse, quando eu fiz justamente isso. Dois jovens garotos usando moletom com capuz, parecendo totalmente normais exceto pela característica falta de cor em sua alma, estavam virando para a Rue du Bac.


Eles não estavam nem mesmo tentando esconder o fato de que estavam nos seguindo, e eles encontraram o meu olhar vacilante. — Correr ou lutar? — Ambrose perguntou para Arthur, sorrindo abertamente enquanto alisava a bainha de couro presa ao seu pulso embaixo do longo casaco. Uma mulher idosa apoiada no braço de um cuidador mancou vagarosamente passando por nós em direção aos numa. Arthur ergueu uma sobrancelha — Com testemunhas humanas? Você não está realmente me perguntando isso — Ele respondeu — Podemos caminhar rapidamente para evitar um confronto ou esperar para descobrir o que eles querem. Arthur e Ambrose se viraram e ficaram juntos, criando uma barreira defensiva na frente de mim e Georgia. Rapidamente, os numa se viraram e atravessaram a rua para descerem por uma viela lateral, agindo como se nunca tivesse nos visto. Mas antes que ficassem fora de vista, um deles se virou, sorrindo e nos saudou. — Tuuuudo bem — Ambrose falou pausadamente, olhando confuso para o numa. — Isso foi um aviso — Arthur disse — Eles apenas queriam que nós soubéssemos que eles estavam lá. Vamos — Ele ofereceu seu braço de novo e, desta vez, Georgia o aceitou rapidamente. Ambrose passou o braço protetoramente ao redor dos meus ombros, e nós caminhamos rapidamente para La Maison. Gaspard nos encontrou na porta da frente — Franck veio antes para informar sobre o grupo de visitantes — Ele disse, nos colocando para dentro — Quem sabe que jogo aqueles numa estão jogando? Nós não tivemos uma palavra ou sinal de sua líder. Nós entramos no corredor frontal e Ambrose espreitou pela porta, braços cruzados e uma carranca no rosto, mostrando o seu desagrado por ter sido excluído da ação. Eu sabia o que ele estava sentindo; eu sentia o mesmo. — Gaspard — Eu disse, ficando ao lado do revenant mais velho — você descobriu alguma coisa com Bran que poderia ajudar Vincent? — Infelizmente não, Kate. Mas ainda não terminamos de conversar com ele. Eu senti meu pequeno balão de esperança explodir e murchar. Mas eu não tinha esgotado minhas tentativas — Eu sei que você prometeu aos meus avós que iria nos proteger — Eu continuei — Mas eu acho que a melhor maneira de fazer isso é me deixando sair com Ambrose para integrar os grupos de busca. Duas pessoas a mais poderiam ser de grande ajuda. Gaspard começou a balançar a cabeça, mas eu continuei — Você sabe que eu posso me defender agora. Eu posso me vestir mais adequadamente, além de tudo, e prometo ficar fora de ação caso haja alguma luta. — Se Kate for, eu também vou. Tenho certeza que posso lutar tão bem quanto ela — Georgia disse. Ambrose olhou para ela com os olhos arregalados por um minuto e depois começou a rir tanto que chegava a chorar. Um fluxo de vermelho subiu do pescoço para a face de minha irmã — O quê? — Ela exclamou.


— Desculpa, mas está é a coisa mais engraçada que eu já ouvi — Ele engasgou, socando Georgia no ombro, de brincadeira — Você... Lutando? Garota, você me mata de rir! — Na verdade, eu ia pedir para Gaspard hoje se ele não poderia me treinar — Ela disse, cruzando os braços teimosamente na frente do peito. Isso fez com que Ambrose começasse a gargalhar de novo. Vendo o quão brava ele estava deixando minha irmã, ele cobriu a boca e se virou. — Eu ficaria honrado em treinar você, minha querida — Replicou Gaspard — Mas hoje não é o dia para começar. Eu tenho mais questões prementes para resolver, e Kate na verdade precisa vir comigo — Ele olhou para mim e ergueu uma sobrancelha — Bran tem perguntando particularmente por você, minha querida. Você parece ser um conforto para ele. Como conheceu sua mãe, ele te vê como uma espécie de conexão viva com ela. Arthur falou — Se Georgia aceitar um mestre com menor prestígio para sua primeira aula, eu ficaria encantado de instruí-la. — Uma ótima ideia — Replicou Gaspard, e, virando, ele começou a caminhar para a escadaria, em direção à biblioteca. Eu comecei a segui-lo, mas parei quando ouvi Ambrose cacarejar — Agora isso é uma coisa que eu preciso ver — Ele bateu entre os ombros de Georgia, balançando-a divertidamente — Você se importa se eu assistir? — Tudo isso foi decidido sem o meu consentimento? — Georgia disse friamente — Eu pedi por Gaspard. Ele é o mestre de lutas. Uma luz brilhou pelos olhos de Arthur, e abaixando-se de joelhos em frente a Georgia, ele pegou suas mãos nas dele — Ma chère mademoiselle, posso ter o sincero prazer de ser o escolhido para te introduzir na arte do combate? Eu consideraria isso uma grande honra. Ela olhou para onde eu estava em pé observando, no meio da escada, levantando suas sobrancelhas como se estivesse perguntando minha opinião. Dei de ombros, sufocando uma risada. Voltando o olhar para o antigo revenant ajoelhado diante de si, Georgia olhou em dúvida para Arthur por um momento, e depois sorriu — Bem, droga. Quando você faz as coisas desta forma, como posso recusar? — E ela o levantou, colocando a mão suavemente em seu braço. — Cara, você sabe como fazer as coisas! — Ambrose murmurou para Arthur enquanto os seguia para o hall em direção à sala de armas.


Capítulo 11 Bran estava sentado apoiado contra os travesseiros na cama de Vincent enquanto Jeanne mexia com uma bandeja perto dele — Minha boa senhora, estou perfeitamente bem — Ele estava dizendo quando eu entrei. — Você melhorou desde ontem, mas ainda está muito fraco para levantar — A governanta insistiu. Bran olhou pedindo ajuda para Jean-Baptiste, que estava sentado na cama — Não espero que eu vá contra Madame Degogue — JB disse com um sorriso, levantando as mãos em um gesto de impotência — Se ela diz que você deve ficar na cama, eu acho melhor que você faça isso. Bran fechou os olhos em frustração e se inclinou de volta contra os travesseiros — Kate está aqui — Anunciou Gaspard enquanto nos aproximávamos. Ele puxou duas cadeiras para perto da cama para nós. — Obrigado por vir — Bran disse, olhando de soslaio para mim. Por que ele fica me dando estes olhares estranhos? Eu pensei. Bran parecia realmente sentir repulsa por mim em alguns momentos, e em outros era como se ele quisesse me adotar como sua sobrinha favorita. — Monsieur Grimod, Monsieur Tabard e eu estávamos prestes a discutir o que eu sei sobre o Campeão, e eu queria que você estivesse aqui, já que falaremos sobre seu... — Ele hesitou. — Namorado — Eu disse, preenchendo a lacuna para ele, e ele sorriu estranhamente. Lá estava ele de novo, olhando para mim como se tivesse alguma coisa errada. Eu passei os dedos pelos meus cabelos e, sem encontrar nada preso a ele, cruzei os braços e me remexi no assento. — Sim. Bem, estávamos comparando a versão bardia da profecia com a que a minha família me passou. É basicamente igual — Ele fechou os olhos e começou a recitar de memória. Na terceira Era, as atrocidades humanas serão tantas que irmão trairá irmão e os numa serão mais numerosos que os bardia e uma preponderância de guerras escurecerá o mundo dos homens. Neste momento, surgirá um bardia na Gália que será um líder entre a sua espécie... Eu estava ouvindo as estranhas frases antigas quando de repente eu senti outra presença na sala — Kate, você está aqui! — As palavras penetraram pela minha mente como raios de luz. — Pare — Eu gritei. A boca de Bran se fechou e os três homens olharam para mim — É... É o Vincent. Ele está aqui! — Eu gaguejei em choque.


Meu coração batia tão fortemente contra minhas costelas que chegava a doer — Graças a Deus, Vincent. Você conseguiu se livrar — Eu disse, engasgando com minhas palavras. Não, meu amor, eu não me livrei. Eu tenho apenas um minuto até que Violette me puxe de volta. Fale com o guérisseur por mim. — Ele quer que eu fale com Bran — Eu expliquei para os homens atônitos, a comecei a passar sua mensagem palavra por palavra. — Violette quer saber se você tem o segredo para a transferência de alma: a transmissão da força do Campeão para aquele que o destruiu. — Sei que existe alguma coisa sobre isso em minhas anotações — Bran confirmou, falando para um ponto no ar à direita de sua cabeça. Eu olhei para ver para o que ele estava olhando, mas o espaço perto de mim estava vazio. Vincent falou de novo, e eu traduzi — Você pode conseguir esta informação para ela? — Eu precisaria de alguns dias para encontrar isso — Bran replicou. E, naquele momento, a voz de Vincent desapareceu. — O que aconteceu? — Jean-Baptiste parecia confuso. — Ele disse que tinha apenas um minuto — Eu expliquei — Então Violette o puxaria de volta. — Quem era este fantasma com quem você estava falando — Perguntou Bran, confuso. — Era Vincent. — Eu pude vê-lo — Bran replicou lentamente — Você pode vê-lo? — Eu disse abruptamente. — Eu vi sua aura. Ele estava flutuando perto de seu ombro — Ele disse, apontando para o espaço para o qual ele tinha olhado — Incrível! Eu vi um espírito volante! Um choque silencioso se espalhou pelo nosso grupo, todos nós admirados por este aparente milagre, e depois, de repente, Vincent estava de volta — Mon ange, eu estou aqui — Suas palavras vieram. Os olhos de Bran voltaram para o espaço perto de minha cabeça — Ele voltou. Eu assenti — Ele disse que Violette o dará três dias para encontrar a solução para a transferência de poder. Ela vai deixar Vincent com a gente para que ele possa assistir, mas o puxará de volta quando quiser. — E ele é aquele cujos poderes Violette busca? — Bran insistiu. — Sim — Gaspard afirmou — Como nós explicamos, depois de assassinar sua mãe, Violette o matou e queimou seu corpo para coletar o poder do Campeão. Bran se inclinou de volta para o travesseiro — Bem isso explica por que a transferência dos poderes não deu certo — Ele disse, suavemente. — O que você quer dizer? — Jean-Baptiste perguntou. — É simples. Este garoto não é o Campeão. Jean-Baptiste, Gaspard e eu olhando um para o outro, sem conseguirmos falar. Bran continuou — Como minha mãe e eu suspeitamos que poderia ser o caso, eu


sou o Vidente do Vitorioso. Aquele guérisseur de minha linhagem que foi escolhido para identificar o Vitorioso... Ou Campeão. — Mas como você sabe? — Eu perguntei, incrédula — Semana passada você disse que não tinha certeza. — Ah, mas apenas aconteceu — Bran disse, sorrindo fracamente e lançando um olhar para JB. — No momento em que você tocou minha mão ontem — o líder dos revenants tocando um representante de minha família de guérisseurs — suas auras todas mudaram em meus olhos. — Então foi isso que aconteceu — JB disse. Bran assentiu — Eu senti a força me possuir, e... — Ele hesitou, escolhendo as palavras cuidadosamente — Eu sei definitivamente que eu sou aquele que identificará o seu salvador. E este espírito volante que está aqui conosco não é o escolhido. Eu tenho certeza. — Mas como... — Gaspard começou a perguntar, mas Bran o cortou. — Não me pergunte como, meu novo amigo. Eu concordei em ajudar o máximo que puder, mas existem segredos que eu sou obrigado a manter. Houve um silêncio em minha mente enquanto Vincent começou a conversar diretamente com Gaspard — Sim. Eu concordo — Gaspard assentiu em resposta a alguma coisa que ele tinha dito, e se virou para Jean-Baptiste — Vincent disse que, se o que o guérisseur diz, é verdade, não podemos deixar que Violette descubra o erro. Quanto mais tempo ela perder tentando alcançar o resultado desta tarefa infrutífera, mais tempo teremos até que ela traga a guerra até a nossa porta. — Mas se nós fizermos isso, você não estará em perigo? — Eu perguntei a Vincent. Quanto mais eu a via em ação, mais medo eu tinha dela. Violette não pode fazer nada para me machucar — Ele respondeu tranquilizadoramente, mas a forma como ele disse me inferia que Vincent não era o único a correr riscos. — Se nós conseguirmos retardar a descoberta pelos três dias que Violette nos deu, podemos ter uma chance de encontrar o verdadeiro Campeão, agora que temos o homem que pode identificá-lo — JB disse, apontando para Bran — Nós podemos reunir todos os revenants de Paris para que você veja se ele está entre nós. — Eu farei o que puder — Bran disse. — Eu direi a Ambrose para organizar um encontro com os bardia de Paris imediatamente — Disse Gaspard, e saiu rapidamente da sala. — Vincent, Violette realmente tem poder o suficiente sobre você de maneira a te forçar a dizer a ela o que estamos fazendo se ela te puxar de volta? — JeanBaptiste perguntou. Ele escutou por alguns momentos e seus olhos se agitaram em minha direção, sua expressão sombria — Ela não pode compeli-lo a fazer qualquer coisa contra sua vontade — Ele transmitiu — No entanto, como nós suspeitamos, ela planeja usar alguém próximo a ele para compeli-lo.


Jean-Baptiste ficou em silêncio por um segundo, e depois disse — Eu prometo a você, Vincent. Pelos próximos três dias, não deixaremos Kate fora de nossas vistas.


Capítulo 12 A porta se abriu e Jules correu para dentro do quarto — Acabei de ver Gaspard — Ele ofegou — É verdade? Vincent está de volta? — Ele ouviu por um segundo, e depois praticamente se jogou em cima de mim, falando com Vincent enquanto simultaneamente me apertava até me deixar sem ar — Oh, cara, estou feliz por termos você de volta. Eu guinchei — Jules! Oxigênio! — Desculpe, Kate — Ele disse, me soltando — Eu só estou realmente feliz por ver vocês, e você é a única que eu posso realmente tocar. Eu ri enquanto alisava a minha camiseta recém-amarrotada — Está tudo bem. Bran, Jean-Baptiste e Gaspard começaram a falar seriamente sobre a profecia, o Campeão, e o que poderia ser feito para identificá-lo. Jean-Baptiste olhou para o vazio por um segundo e disse — É claro, Vincent. Mas não demore muito para voltar. Precisamos perguntar a você sobre Violette e seus planos. — Eles não precisam da gente agora — Disse Jules, seus olhos brilhando como se tivesse ganhado na loteria — Vince, vamos para o meu quarto, tudo bem? Vincent deve ter concordado, porque Jules pegou minha mão e nós estávamos lá fora no hall, subimos as escadas duplas e passamos por uma porta perto daquele que levava ao terraço do telhado. Eu parei boquiaberta dentro do quarto que eu nunca tinha visto. O quarto de Jules era um sótão. Mas, em vez de ser escuro e cheio de mofo, era repleto de luz solar que penetrava através de uma grande janela de vidro fosco situada no teto. Desenhos a carvão e a lápis preenchiam o quarto, empilhados em todas as superfícies e enrolados em tubos ao longo das paredes. Uma cama ficava em um canto do quarto com mais desenhos empilhados nela. O quarto tinha um cheiro almiscarado, artístico, como colônia misturada com papel, tinta e lápis. Jules me levou até uma namoradeira com cor de granada abaixo da luz do sol — Então como você está? — Ele perguntou. Eu parei, sem saber com quem ele estava falando. Mas pelo jeito como ela estava sentado reto, ouvindo, eu sabia que Vincent estava respondendo sua pergunta. — E você, Kate? — Jules perguntou, pegando minha mão. — Bem. Obrigada por me mandar a mensagem com as não-atualizações esta manhã. Os últimos dias têm sido um inferno — Eu disse para o ar — Vincent, eu estava tão preocupara com você... E eu com você. Suas palavras eram como uma carícia. Mas elas me deixaram querendo mais — Você está bem? Violette machucou você — Eu perguntei. Ela não pôde fazer nada pior do que destruir o meu corpo, além de me manter longe de você.


Eu comecei a falar e depois hesitei. O quê? — Vincent perguntou. — É estranho para você saber que não é o Campeão? — Eu perguntei cuidadosamente — Eu quero dizer, você está desapontado? Chateado? Houve um momento de silêncio e depois Vincent disse — Eu não poderia estar mais aliviado, para dizer a verdade. Se aquele fosse o papel do destino designado a mim, eu teria abraçado a causa. Feito o meu melhor. Mas era apenas mais uma das coisas que complicaria tudo para nós. Faria com que a nossa situação fosse ainda mais precária. Então, pensando de forma egoísta, estou feliz em saber que o título é de outra pessoa. Ouvindo metade da coversa, Jules disse — Eu nunca pensei que diria isso, cara, mas eu, pela primeira vez, estou feliz que você seja igual ao resto de nós. De outra forma, Violette já estaria pisando em Paris como um tipo de cruzamento entre numa e Hulk. Mesmo que a atual situação não seja ótima. Ficamos todos quietos por um momento, e depois eu ouvi as palavras de Vincent — Eu daria qualquer coisa para te abraçar agora. — Eu também — Eu sussurrei. A tristeza se espalhou por mim quando, mais uma vez, eu me dei conta de que tocar Vincent era algo que nunca aconteceria de novo. Eu envolvi os braços protetoramente ao redor de mim mesma. Estaria tudo bem... — Vincent parou — Eu poderia usar Jules para te abraçar? Suas palavras me eletrificaram, deixando-me em meio a emoções conflitantes. Eu não queria Jules. Eu queria Vincent. Mas minha necessidade dele era tão grande que eu estava disposta a chegar a este ponto. Só complicava as coisas o fato de que os flertes de Jules pareciam mais do que meras provocações em alguns momentos. O pensamento de ficar fisicamente perto dele — da forma como eu queria ficar com Vincent — soou um sino de alerta em minha mente. E se ele levasse as coisas para o caminho errado? Se eu fosse completamente honesta, eu sabia que ele tinha sentimentos por mim. Mais uma vez, eu suspeitava que ele tinha sentimentos similares por metade da população feminina de Paris. Vendo a repentina curva nos lábios de Jules, eu sabia que Vincent tinha pedido a mesma coisa para ele — Então, Kate — Ele disse, levantando uma sobrancelha e suprimindo uma risada — Você me aceitará como um substituto de abraço? — Mas seu sorriso desapareceu quando ele notou minha expressão, e eu sabia que sua brincadeira cobria a mesma dor da perda que eu sentia pelo seu amigo. — Algum dia eu terei você de volta? — Eu perguntei para o ar. Você me tem de volta, mon ange. Não era aquilo que eu queria dizer, e ele sabia disso. Eu senti meus olhos se encherem de lágrimas — Nós temos muitas coisas para pensar — as palavras de Vincent vieram —, mas agora deixe-me abraçá-la. Eu assenti e o corpo de Jules estremeceu como se ele tivesse sentindo um arrepio. E então era como se dois garotos estivessem me olhando. Os olhos de meu amigo leal e os olhos do meu amor verdadeiro me fitavam por trás da face de


garoto de Jules. Incapaz de suportar isso, eu desviei o olhar e me inclinei para frente em seus braços. Parecia Vincent. A forma como ele me apertava, prendendo-me contra seu corpo. Eu conhecia seu toque; era Vincent. A exata pressão que ele usava enquanto deslizava os dedos por minhas costas — eu conhecia aqueles movimentos e eram de Vincent. E eram as palavras do meu namorado falando na voz de seu amigo enquanto nos abraçávamos — Eu estava com tanto medo, Kate. Eu pensei que nunca veria você de novo. Que eu ficaria ligado para sempre com Violette e nunca seria capaz de voltar para você. Que nós estaríamos sempre separados por uma distância que eu não podia cruzar. Minhas palavras foram como um rio, fluindo por meus lábios antes que se formasse totalmente em minha mente — Eu senti a sua falta. Eu precisei de você. Eu tinha medo que você tivesse partido — Eu deslizei as mãos das suas costas até sua cabeça, enlaçando meus dedos pelos seus cabelos e o puxando em minha direção. Pressionando meus lábios aos dele, eu o beijei enquanto lágrimas caíam por minhas bochechas e dentro minha boca. Eu sentia gosto de sal enquanto nosso beijo se aprofundava. Era o beijo com o qual eu não tinha ousado sonhar pelas últimas noites. O beijo por termos nos encontrado de novo. Começando suave e crescendo com mais paixão, inundando meus sentidos com o corpo de meu amor. Seus lábios macios e boca quente procurando, explorando, encontrando-me mais uma vez. Suas mãos em meus cabelos e seu peito pressionado fortemente contra o meu. O som de sua respiração ofegante à medida que sua necessidade por mim se tornava tangível por cada centímetro de nossas peles que se tocavam. Parecia que estávamos à beira de nos consumirmos, corpo e espírito. Que se continuássemos nos empurrando na direção um do outro, nós nos enredaríamos. Nós seríamos fundidos em apenas uma pessoa. Então eu o senti vacilando e abri os olhos. E mesmo que fosse Vincent que estivesse me olhando pelos suaves olhos castanhos, Jules estava lá também. Eu me afastei contra minha vontade, lutando contra meu ímpeto de ignorar os fatos e mergulhar na ficção. Correndo os dedos por seus cabelos pela última vez, eu me desembaracei dele e percebi quando um tremor sacudiu o corpo de Jules. De repente, havia apenas um garoto olhando para mim. E não era afeição que eu via em seus olhos. Era dor. Eu peguei suas mãos e disse abruptamente — Eu sinto muito, Jules. Eu não queria... Eu esqueci quem você... Jules tirou suas mãos das minhas, e pressionou suas palmas fortemente contra seus olhos. Respirando profundamente, ele se inclinou para frente em direção a mim, cruzando os braços no peito — Pare enquanto pode, Kate, e eu posso levar isso como um elogio — Ele tentou rearrumar a face em um sorriso despreocupado. — Não, sério, Vince. Você pode me usar como seu fantoche sexual quando quiser, contanto que seja com Kate — Ele brincou. Minhas bochechas queimaram


vermelhas de vergonha. Eu me senti como se fosse chorar, mas estava muito horrorizada para fazer qualquer coisa a não ser me sentar e observar Jules se levantando do sofá. Ele empurrou as mãos para os bolsos e se virou para esconder sua tensão — Sério, cara... Pare de se desculpar — Ele disse para o ar. Cruzando o quarto, ele se inclinou na janela e olhou pelo vidro. Eu me senti como se tivesse pulado de paraquedas de um avião em chamas e caído numa terra alienígena: eu não tinha pontos de referência — nem mesmo uma pista de qual direção tomar para caminhar e encontrar a civilização. Depois de alguns momentos de silêncio, Jules se virou, e sua face parecia normal de novo. Ele caminhou para mim e deslizou um dedo pelo meu rosto, da minha orelha até o meu queixo, fazendo-me tremer — Eu preciso ir — Ele disse suavemente — Mas eu não quero que você se preocupe com isso. Por mim, está tudo esquecido. Estou feliz por estar aqui e ajudar vocês dois a se reconectarem. Vocês significam tudo para mim. Mas enquanto ele partia, sua voz se tornou áspera — Aonde você acha que eu estou indo? — Ele respondeu a Vincent — Se não for Giulliana, será Francesca. Ou Brooke. O que isso importa? Você só fique aqui e tenha certeza de que ela está bem — E então a porta se fechou e Jules foi embora.


Capítulo 13 — Vincent? — Eu chamei, incerta se ele tinha seguido Jules escada abaixo. Estou aqui, Kate — As palavras vieram. Eu coloquei minha cabeça entre minhas mãos — Tudo bem, isso foi terrível. Foi? — Eu quero dizer... Não terrível do tipo “Oh, meu Deus, foi maravilhoso poder sentir que eu estava tocando você”, mas eu... Eu não pude evitar continuar. Parecia que era você. Era eu. Infelizmente também era Jules. — Eu não queria beijá-lo — Eu me enrolei em uma bola no sofá, envolvendo os braços em torno dos meus joelhos. Eu gostaria de poder voltar o tempo para quinze minutos atrás e fazer uma retomada de toda a cena de possessão do beijo. Você quis beijar a mim. — Sim. Você, não Jules. Oh, meu Deus, eu praticamente o ataquei. Ele não pareceu se importar muito. E tem o fato de que nós paramos quando isso ia acontecer. Eu levei os dedos para minhas bochechas flamejantes para tentar esfriá-las. — Eu não vou fazer isso de novo. Eu acho que é provavelmente uma boa decisão. — Mas, então, como poderemos... Não se preocupe, mon ange. Mesmo que isso não fosse um grande sucesso... — É mais como uma “falha completa”. Há outras formas em que podemos nos conectar. — Sem nos conectarmos de verdade, é claro — Eu parei, minhas bochechas ficando ainda mais vermelhas — Eu quero dizer — Eu gaguejei — Eu não quis dizer no sentido anatômico. Apesar que, sim, eu acho que eu quis — Eu balancei minha cabeça — Esta é uma das conversas mais estranhas que já tivemos. É porque não deveríamos precisar ter essa conversa. Não como um problema que temos que resolver. Quando temos que pensar praticamente sobre coisas como... Como um fantasma pode te fazer sentir como um garoto de carne e osso poderia, isso meio que apaga o lado sedutor das coisas. Eu ri, suas palavras trazendo imagens realmente interessantes para minha mente — E como exatamente este fantasma planeja me fazer sentir como um garoto de carne e osso poderia? — Eu estava sendo capaz de falar aquelas palavras sem ter vontade de me enterrar nas almofadas do sofá, provavelmente porque eu estava genuinamente intrigada pelo que ele pensava ser possível. Bem, como nós acabamos com o meu plano A, você precisa me dar um pouco mais de tempo para aparecer com um plano B. Mas, Kate...


— Sim, Vincent? — Eu disse, hesitantemente. Havia algo sobre seu “mas” que me deixava realmente nervosa. Plano A. Plano B. São apenas soluções temporárias. Você e eu não podemos realmente — A pausa de Vincent se estendeu — Nós não podemos ficar juntos assim, mon amour. Você não pode suportar ter um espírito como namorado por muito tempo. Você precisa de mais. Você merece mais. — Eu não quero mais, Vincent. Eu quero você — Eu disse. Eu não posso tocar você. Não posso te pegar em meus braços. Trazer flores. Navegar com você pelo Sena em um bote. — Eu não preciso disso — Eu insisti. Kate, você não está me escutando. Tudo o que eu posso fazer é conversar com você — Ele parou — Você pode sentir isso? Ou isso? Eu não senti nada. Isso foi eu tocando sua face e seus cabelos. Você não percebe, Kate? Eu não posso ser seu de nenhuma forma real. Mas o que eu posso te prometer é que estarei sempre aqui para você, cuidando de você, tendo certeza de que você está a salvo. E feliz. Uma pitada de raiva começou a borbulhar no fundo de meu peito — Então você quer que eu encontre outra pessoa? Um humano? Isso seria a melhor coisa para você, mon ange. Alguém de carne e osso. Que possa dar a você uma boa vida. Uma vida normal. — E você vai apenas flutuar ao redor de mim como meu guarda-costas invisível e me observar amando outra pessoa — Eu cutuquei, tentando controlar minha voz. Eu não estou dizendo que vou gostar disso. Mas eu não posso ter você. E eu não posso deixar você. Que outra escolha nós temos? — Isso tudo é uma besteira! — Eu gritei — Em primeiro lugar, quem é você para dizer o que é melhor para mim? Talvez eu não queira carne e osso. Talvez eu não queira uma vida normal. Talvez eu ainda tenha esperanças de que existe um jeito de ter uma vida com você. Violette encontrou o encantamento antigo da ligação das almas. Talvez existam outros encantamentos por aí e que nós não conhecemos. Você está desistindo antes que nós comecemos a procurar por respostas. — Então não comece a dizer o que eu vou fazer. O que eu vou sentir. Mesmo que você tenha meu coração, eu ainda tenho o meu cérebro. E eu vou continuar usando-o para encontrar uma solução, droga! Eu sentei lá, fumegante, desejando poder ver onde Vincent estava para que eu pudesse encará-lo. Houve silêncio por um longo momento, e depois eu ouvi uma coisa que se assemelhava a uma risada — É melhor que você não esteja rindo de mim — Eu rugi. Eu não estou rindo de você, chèrie — Veio sua voz, que parecia mascarada pelo esforço de soar séria. — Você está totalmente rindo de mim, Vincent Delacroix.


É só que você é tão fo... Eu quero dizer, incrivelmente atraente e sedutora... Quando fica brava e praguejando — Ele replicou, sufocando a risada. Minha raiva se derreteu em um segundo, e eu não pude conter um sorriso — Vincent, você é seriamente impossível — Eu murmurei, e depois comecei a rir. Eu caí para trás no sofá rindo irrepreensivelmente enquanto ouvia sua risada em minha mente. Espreguiçando, eu deitei minha cabeça numa almofada e, tirando meus sapatos, puxei uma coberta de cashmere para meus ombros. Eu esperei para ver se Vincent falaria primeiro, mas ele parecia estar bem em apenas pairar — Você ainda está aí? — Eu perguntei, finalmente. Estou tão próximo de você quanto eu possivelmente posso estar. Eu abracei a almofada fortemente e desejei que fosse ele. Vincent ficou quieto por um longo tempo depois disso. Eu saboreei o silêncio, sabendo que ele estava por perto. Quando eu fechei os olhos, eu podia imaginar sua forma muscular e magra esticada ao meu lado. Depois de um tempo, isso parecia tão real que eu quase podia sentir o peso de seu braço em minha volta e sua cabeça aninhada junto a minha. Ele era como o amante fantasma em uma daquelas trágicas histórias vitorianas. Mas, diferentemente das heroínas destes contos, que só desmaiavam, eu me senti fortalecida pela resolução de que essa tragédia não seria o nosso destino.


Capítulo 14 Mon amour, Gaspard está subindo para nos pegar. Eles precisam de mim agora. A hora que tínhamos passado no quarto de Jules parecia apenas alguns segundos. Depois de não saber se eu ouviria Vincent de novo, eu precisava de mais tempo com ele. Meu desejo por proximidade nem mesmo tinha começado a ser saciado. Era como dar uma mordida de chocolate para um homem que estivesse morrendo de fome. Vincent leu minha mente — Eu ficarei com você esta noite. Eu prometo. — É melhor que você faça isso — Eu disse, pensando em como eu poderia ser tão ingrata pelo milagre de ele estar aqui. É porque você sabe que não é permanente, e você está protegendo a si mesma. Esta resposta veio daquela parte honesta de meu cérebro que não me deixava ficar bem com as coisas. Era como ter a minha mãe vivendo em minha cabeça — sempre pronta e disposta a me dar todos os tipos de conselhos valiosos, eu pedisse ou não por eles. Eu sabia que deveria ouvir, mas neste momento eu só queria que ela se calasse. Eu encontrei Gaspard nas escadas e nós voltamos para o quarto de Vincent, onde Jeanne tinha tirado Jean-Baptiste da cama de Bran para que ele pudesse comer. Quando entramos, os olhos de Bran voaram para o espaço ao meu lado. Ele olhou para o fantasma de Vincent por um momento, e depois disse para Gaspard — Digam-me. Vocês planejam tentar reincorporá-lo, ou deixarão Vincent neste estado para auxiliar a anciã nesta guerra? Jean-Baptiste e Gaspard olharam para ele, e depois um para o outro, confusos. Eu sabia! Eu pensei, meu coração acelerando. Eu tinha esperança de que Bran tivesse informações que os bardia não tivessem, e eu estava certa — O que significa reincorporar? Como isso funciona? — Eu implorei. JB puxou uma cadeira para perto de Bran — Eu acho que você não entendei, curandeiro. O corpo de Vincent foi destruído. Como poderíamos dar outro a ele? Ele não pode simplesmente regenerar um corpo de revenant; nós estamos ligados aos nossos espíritos até que sejamos destruídos, e compartilhar o corpo de outro revenant, no que chamamos de coabitação, é prejudicial à mente do hospedeiro se continuar por um período substancial. Ele continuou de uma maneira paciente, falando com respeito, mas como se não esperasse que Bran entendesse como todas as coisas dos revenants funcionavam — Em relação ao corpo humano morto, um revenant volante pode possuir um corpo fresco, o que já foi feito em situações experimentais, mas a possessão não impede que o corpo se decomponha naturalmente. Depois do rigor mortis, o corpo seria inútil para Vincent.


Mesmo que a imagem conjurada pelo raciocínio de Jean-Baptiste fizesse meu estômago revirar, eu escutei atentamente para entender cada coisa. Cada regra dos revenants. Bran pestanejou algumas vezes, e depois disse — Mas eu não estou me referindo a uma possessão. Estou falando de recriarmos o seu próprio corpo. Ninguém se moveu. Finalmente Gaspard falou — Curandeiro, nós não sabemos nada sobre este tipo de... Milagre. Se realmente existe um método de reincorporação, como você diz, então não é conhecido entre nossa tribo. Isso é realmente possível? Bran assentiu — Sim. É. Você realmente não tem nenhum relato disso em suas anotações? Eu imaginei que... — Não — Gaspard confirmou — Parece que a separação entre nossa tribo e seus familiares ao longo dos séculos resultou uma perda do que eu estou começando a pensar que costumava ser uma troca de informação entre nossos grupos. Bran esfregou os dedos por sua testa, e olhou para nós, em dúvida, como se estivesse pensando se deveria dizer mais alguma coisa — Os arquivos de minha família têm sido ferozmente guardados da descoberta por qualquer um que não seja do nosso clã, assim como pelos revenants. Eu sempre supus que era para que os numa não pudessem usar estas informações contra nós. Ou contra vocês. Mas eu assumi que os bardia teriam a maioria dos conhecimentos que nós temos. Pelo menos acerca de tradições tão importantes. Talvez eu tenha falado demais. Mas neste caso, eu acho que a minha indiscrição é garantida. Ele limpou a garganta e continuou — O tópico sobre a reincorporação estava anotado em um dos relatórios de minha família, escrito por um ancestral há muitas gerações. Explicava que, para os revenants que são destruídos contra a própria vontade e que ficassem presos como espíritos errantes, havia um recurso. Seus corpos poderiam ser recriados e seu espírito poderia ser introduzido de volta. Eu não sei exatamente qual é o processo usado. Eu só sei que a solução existe. Quando o significado das palavras de Bran caiu sobre mim, eu me senti tonta. Até agora, Vincent tinha ficado em silêncio. Agora ele falou — Não se anime tanto, Kate. Esta é provavelmente apenas uma lenda. Uma história. Mas eu não podia evitar. Este fraco vislumbre de possibilidade já havia banido o meu desespero. Poderia haver um jeito de trazer Vincent de volta. A menor das chances já era o suficiente para me dar esperança. — Estas anotações ainda existem? — Jean-Baptiste estava perguntando para Bran. — Sim. São as mesmas que contêm a informação que Violette está procurando. Mas eu devo alertá-los; mesmo que eu me lembre de minha mãe lendo para mim uma história de reincorporação, não tenho certeza se ela falava o que deveria ser feito durante o ritual. Pode ser apenas um beco sem saída.


— Não importa. Qualquer informação é mais do que nós possuímos. Podemos enviar alguém imediatamente para buscar estas anotações — JB já estava se movendo em direção à porta — Onde elas são mantidas? Bran hesitou — Em um lugar aonde os revenants não podem entrar — Ele disse, fazendo com que JB parasse e se virasse. Sua expressão caiu entre surpreso e furioso. — E os humanos? — Eu perguntei — Eu vou. Não — Vincent disse. Eu o ignorei e mantive meus olhos em Bran. — Minha querida, estamos tentando mantê-la longe do perigo, não jogá-la no meio dele — Disse Gaspard. — Na verdade, como Kate possui o signum bardia, ela poderia entrar nos arquivos de minha família — Bran disse, pensativamente. Ele esfregava seu queixo enquanto considerava. — Vincent me disse que ele vai começar a mover objetos ante a possibilidade de Kate fazer isso por conta própria — Gaspard disse, com um dedo cauteloso para cima. — Você pode ter alguém a acompanhando até a entrada se estiver preocupado com sua segurança — Bran ofereceu — mas, uma vez dentro, eu posso garantir que ela estará perfeitamente a salvo. — Eu vou, Vincent — Eu disse para a sala — Se existe uma mínima possibilidade de que nós possamos trazê-lo de volta, não há um jeito de você me impedir. Mas, mon ange — Ele disse. — Não! Eu não vou te ouvir. Jean-Baptiste, você vai mandar alguém comigo? — É claro, querida garota — Ele respondeu imediatamente. — Bran me prometeu que eu estaria perfeitamente segura quando estivesse lá dentro, e eu terei guarda-costas até chegar lá. Você não pode dizer não para isso. E mesmo que você diga... Tudo bem, Kate! Você venceu — Vincent concordou — Mas eu vou com você, também. Satisfeita, eu olhei para Bran — Quando posso ir? — Você terá que esperar algumas horas, até que anoiteça. A entrada é em um lugar muito visível durante o dia — Mesmo que Bran tivesse deixado claro que um revenant não poderia entrar nos arquivos de sua família, ele me pareceu grato por eu ter me voluntariado. Ele confia em mim, eu pensei, o pensamento me preenchendo com um prazer inexplicável. — Estou morrendo de curiosidade. Onde é? — Eu perguntei. Eu conhecia Paris como a palma de minha mão, e não podia imaginar onde um tipo de lugar secreto estaria escondido. — Está em Paris desde os tempos de Roma — Bran respondeu — e foi construído como uma ramificação das habitações dos guérisseurs regulares, aqueles curandeiros que lidam com humanos, quero dizer. Para onde um soldado romano iria para se curar e relaxar? — Ele me perguntou com um sorriso cansado.


— Para as casas de banho romanas — Gaspard e eu respondemos, juntos. Bran assentiu — Os arquivos de minha família estão localizados em uma caverna entre as casas de banho romanas, abaixo do Museu Cluny — E com um sorriso, ele adicionou — Escondido embaixo de um dos lugares mais populosos do Latin Quarter. — Eu vou buscar Arthur e Ambrose — Gaspard disse — Se você pudesse informá-los sobre o acesso aos arquivos de sua família, nós os enviaremos para cuidarem de Kate — Ele se virou para mim — Talvez você queira substituir Arthur no treinamento de luta de sua irmã? Agora que tínhamos um plano, eu queria começar... Não gastar as próximas horas esperando pela caída da noite. — Vamos — Eu escutei Vincent dizer — Eu odiaria perder a chance de ver Georgia com uma espada. — Isso é provavelmente porque ela não pode arrancar qualquer parte do seu corpo — Eu disse, sentindo-me flutuar pelo humor brincalhão de Vincent. Mesmo que ele não deixasse transparecer, ele também deveria ter esperanças de que os segredos da família de Bran tivessem a solução... Ou pelo menos uma pista... Para escapar de seu estado sem corpo. — Eu, no entanto — Eu continuei — estou em um grave perigo. Georgia com uma espada... ... Pode ser perigoso o bastante para ser, na realidade, usado contra os numa — Vincent disse, a voz em minha cabeça terminando em um cacarejo enquanto descíamos para a sala de armas.


Capítulo 15 — Muito bem — Arthur disse enquanto sua espada batia no chão da sala de armas. Georgia sorriu e, colocando uma mão no quadril, girou sua espada em um agito vitoriano, obrigando que Arthur se abaixasse para evitar um grave ferimento corporal. — Olá, Katie-Bean! — Ela gritou, olhando para mim enquanto eu descia as escadas — Adivinha? Eu sou ótima na luta de espadas! Apenas espere até que todos aqueles “odiadores” me vejam fazendo isso — Ela disse, precipitando-se com um movimento maluco dos Três Mosqueteiros, forçando Arthur a escapar agilmente do caminho. — Vincent está de volta! — Eu anunciei, sem poder lutar contra o grande sorriso que se espalhava por minha face — Ou pelo menos o seu fantasma voltou. Violette o libertou por três dias. — Oh, Kate, isso é maravilhoso! — Georgia guinchou e, deixando a espada cair, correu para se jogar em cima de mim. — E tem uma coisa ainda melhor — Eu continuei, quando ela parou de pular e se afastou de mim — Bran ouviu que espíritos errantes como Vincent podem recuperar seus corpos. Eu quero dizer, é uma história que ele ouviu há muito tempo, mas eles vão começar a procurar na direção certa — Eu não mencionei que eu iria para a busca em algumas horas. Georgia definitivamente iria querer me acompanhar. — Estas são ótimas notícias — Arthur comentou — Eu mal posso esperar para conversar com Vincent. — Eu acabei de mandar Ambrose para a biblioteca para encontrar JeanBaptiste — Eu disse a Arthur — “Sua presença é requerida”, eu imitei JB. — Por favor, dê-me licença — Ele disse a Georgia, curvando-se levemente. — Apenas se você me prometer mais... — Ela disse com um sorriso torto. Arthur prontamente ficou rosa chiclete e engasgou com o que quer que fosse que ele estava prestes a dizer — Mais lições de espada, eu quero dizer — Georgia disse, seu sorriso se espalhando enquanto o via crepitar. — É urgente — Eu disse. — Sim, é claro — Disse Arthur. Ele deixou a sala rapidamente, subindo dois degraus de cada vez. — Então onde exatamente está o seu amado — Georgia perguntou. — Lá em cima conversando com JB e Gaspard — Eu disse — Negócios de revenant. — Então você quer praticar comigo? — Georgia perguntou, colocando a ponta de sua espada no dedão, e depois recuando quando ela passou pelo seu sapato — Ai!


— Hum, sim. Elas são afiadas. Por que você não pratica com uma das armas próprias para treinamento? — Eu perguntei. — Oh, por favor — Georgia disse — Eu não sou uma completa banana. — Bem, eu não sou uma completa idiota — Eu disse e, abrindo o guarda-roupa, peguei o meu colete de treino Kevlar — Se eu estou indo para qualquer lugar perto de você com uma espada, eu quero proteção. Eu não serei capaz de fazer muita coisa, no entanto, por coisa de meu ferimento de batalha — Eu disse, tocando minha clavícula. — Não se preocupe, vou pegar leve com você — Georgia disse, cortando o ar com as espadas enquanto eu me vestia e escolhia uma arma. Quando eu me aproximei, ela ficou na posição de começar, sua espada leve presa na mão direita enquanto ela se inclinava para frente, joelho esquerdo dobrado. — Você tem uma boa forma de começar — Eu a encorajei. Fazendo tudo muito lentamente, com movimentos exagerados, eu a deixei bater em minha espada enquanto vacilava para trás e para frente, seguindo os movimentos desajeitados dela. — Você viu? — Georgia disse depois de alguns minutos, respirando ofegantemente pelo esforço — Arthur disse que eu tenho um talento natural. Eu sou tão boa quanto você e você tem treinado por meses! Eu balancei minha cabeça, e com uma rápida investida eu bati levemente — com cuidado para não forçar muito meu ombro machucado — em sua espada, perto do cabo, mandando-a voando pelo ar. Quando ela bateu na parede e caiu no chão, Georgia se endireitou e colocou as mãos no quadril. — O que diabos foi isso? — Ela resmungou. — Georgia, você não é boa... Ainda. Arthur apenas disse aquilo porque ele tem uma enorme queda por você. Minha irmã pareceu magoada. — Isso não significa que você não ficará melhor se continuar treinando — Eu rapidamente adicionei quando vi sua expressão. Seu sorriso voltou — Mais — Ela disse, e caminhou para pegar sua espada. — Georgia — Eu disse, movendo minha espada de uma mão para outro, aproveitando para sentir seu peso em minhas palmas — Por que tudo isso? O treinamento de luta, eu quero dizer. É apenas uma estratégia para chegar perto de Arthur? Porque eu posso jurar a você que não é necessário. Ele está totalmente a fim de você. — É claro que não. Eu não preciso me fazer de boba para atrair um homem — Minha irmã disse, na defensiva. — Verdade? — Eu disse, prendendo os lábios para não rir — E esse sotaque sulista que você usa quando os caras estão por perto? Georgia balançou sua mão pelo ar como se dissesse: “Oh, isso... Isso não é nada”. E depois seus ombros caíram — Honestamente, Kate. Ser espancada por uma zumbi maluca fez com que eu me sentisse extremamente vulnerável. Se mencionar fraca. E estas são duas qualidades que eu genuinamente desprezo.


Meu coração se aqueceu. Era esta qualidade de minha irmã que garantia que eu a seguisse não somente para Paris, mas até para o fim do mundo. Completando com seu jeito de garota festeira e que não leva a vida a sério, qualidades às vezes enlouquecedoras. Porque eu sabia deste lado dela também. O lado que algumas pessoas nunca viam... Aquele definido por sua força, bondade e lealdade — Esta é uma excelente razão para treinar luta! — Eu disse, e seu sorriso estava de volta em um segundo. — Então você acha que pode me pegar com suas habilidades Kill Bill de espada? — Ela provocou. — Apenas pegue leve comigo — Eu ri e levantei minha espada. No final, eu não tive que fugir de Georgia. Sabendo que vovó não aprovaria que ela saísse, mas incapaz de ficar separada de seus amigos, minha irmã os tinha convidado para ir à nossa casa. Às cinco horas, Arthur a estava levando de volta para o apartamento, e quarenta e cinco minutos depois, ele, Ambrose, Vincent e eu chegamos ao Museu Cluny da Idade Média. — Timing perfeito — Eu disse, caminhando para os portões e lendo o aviso — “Horário de encerramento: Cinco e quarenta e cinco da tarde”. O museu era localizado em uma grande abadia do século quinze que pegava a maior parte de um quarteirão, e tinha sido construída perto das ruínas do primeiro século das casas de banho romanas, ancestrais antigas dos atuais spas. As paredes em ruínas se estendiam três andares para cima do chão de grama, os tetos e pisos tendo desaparecido séculos atrás. No alto das paredes, arcos monumentais de tijolo vermelho atravessavam a pedra branca, traçando os contornos das salas palacianas nas quais os soldados romanos vagaram uma vez, passando da piscina térmica ao banho gelado e à sauna. Na escuridão nebulosa do início da noite, a abadia parecia como um castelo assombrado e as ruínas a sua volta pareciam masmorras desenterradas. Eu estava de repente feliz pela minha escolta armada. Como se sentisse meus pensamentos, Ambrose sorriu e tocou o punho da espada que ele levava abaixo do seu casaco — Vê algum numa nesta área, Vin? — Ele perguntou e, aparentemente com a resposta de Vincent, relaxou um pouco. Você parece nervosa, mon ange — Vincent me disse. — Nervosa? Eu? — Eu disse — Nunca — O que era uma completa mentira. Eu estava prestes a entrar em uma caverna, profundamente enterrada no solo. Eu nunca tinha falado a Vincent sobre a minha claustrofobia. Eu nunca precisei. Descer nas tubulações de esgoto não tinha me incomodado. Estávamos em um espaço grande feito para que os homens caminhassem, logo abaixo das ruas da cidade. As a caverna de Bran certamente seria diferente, o que ameaçou me levar de volta ao medo de minha infância e me paralisou assim que eu estava em suas profundezas. Minha família tinha visitado Ruby Falls no Tenessee quando eu era criança. Em certo momento, o guia apagou as luzes para mostrar o quão escuro era o lugar


onde a luz solar não chegava. Eu pirei, e assim que saímos, demorou uma hora para que minha mãe me acalmasse. Desde este dia, até mesmo pensar em espeleologia faz com que eu comece a suar. Mas eu não iria admitir isso para Vincent. Um pouco de claustrofobia não importava quando coisas muito mais importantes estavam em jogo. Como a sua existência. Eu limpei a testa com a palma da mão e tentei aparentar calma. — O curandeiro disse que a entrada era no canto sudeste do monumento — Arthur disse, apontando pelo portão para um dos lados das ruínas. — Como vamos entrar? — Eu perguntei, olhando para o portão de metal de seis metros que se estendia pelo perímetro. — Não tema, o Homem Zumbi está aqui — Brincou Ambrose, e passando as mãos por duas barras, ele começou a empurrá-las, como se as estivesse esticando. Ele as soltou depois de um segundo, virou para mim e piscou — Estou só brincando — Ele disse — Sobrar barras de ferro, infelizmente, não é um de meus poderes. Eu sugiro que tentemos isso — Ele apontou para uma pequena porta de ferro fechada com um cadeado. Logo atrás disso dele havia uma escadaria íngreme que levava para as ruínas. — Provavelmente a entrada do zelador — Eu disse, quando nos aproximamos. Arthur pegou uma cadeia de chaves e procurou dentre elas até encontrar uma pequena e prateada chave mestra. Em um segundo o cadeado estava aberto. Depois de esperar até que nenhum pedestre estivesse nos observando, deslizamos pela porta e descemos as escadas até a área gramada, escondendo-nos nas sombras até que estivéssemos certos de que ninguém tinha visto nossa entrada ilegal. Estava mais frio entre as ruínas como se entrando no antigo labirinto de salas abertas nós tivéssemos, na realidade, viajado para outro lugar e época. Como a Sibéria no meio do ano. Eu puxei meu casaco mais apertadamente em volta de mim e liderei o caminho pelo labirinto escuro, indo na direção que Arthur havia indicado. Um minuto depois, estávamos parados num canto completamente banal, na junção de duas paredes de mais de seis metros. Não havia porta naquela lateral. Nenhuma rachadura suspeita nas paredes. Nenhum sinal de uma passagem de qualquer tipo. — O que acha de usar aquela habilidade dos volantes de prever o futuro, irmão, e nos dizer onde procurar? — Ambrose disse. Depois de um segundo, ele assentiu e disse — Vin disse que daqui a alguns minutos Kate desaparecerá e nós estaremos aqui esperando por ela, mas ele não pode ver para onde ela foi ou qualquer coisa sobre o que aconteceu. Deve haver algum estranho tabu de guérisseur por aqui bloqueando os poderes dos revenants. O que significa que devemos estar no lugar certo. Minha coluna formigava enquanto eu pensava em quão poderosos Bran e seu povo eram. Eles pareciam tão... Comuns. Especialmente sua mãe, que parecia como qualquer outra pequena velha senhora tricotando em frente a uma lareira.


— Bem, eu acho que teremos que fazer as coisas do jeito difícil — Ambrose disse. Ele se ajoelhou e começou a tocar o chão, batendo nos lugares aonde a grama tinha sido retirada — Não parece ter uma porta de alçapão — Ele disse. Arthur e eu fomos para paredes opostas e começamos a tateá-las com as pontas de nossos dedos. — O que exatamente o guérisseur disse para você? — Arthur perguntava enquanto trabalhava. — A mesma coisa que ele disse para vocês — Eu respondi — Ele só disse que a entrada era no canto sudeste das ruínas e que eu poderia entrar usando meu signum — Eu puxei o colar para fora da camiseta, e o pequeno cristal memento mori bateu contra ele enquanto eu arrancava o cordão por cima de minha cabeça e o segurava. O que é isso que você está usando junto com o signum? — Vincent perguntou imediatamente. — É uma mecha do seu cabelo — Eu respondi. Arthur e Ambrose olharam para mim questionadoramente para mim, mas depois voltaram rapidamente ao trabalho. Pela centésima vez eu pensei em como deveria ser estranho para eles ter constantemente espíritos volantes ao redor e pegar apenas partes das conversas que eram direcionadas a eles — Jeanne a deu para mim — Eu continuei conscientemente. Quando eu virei o signum em meus dedos, a luz da lâmpada do poste logo acima fez com que o ouro brilhasse e refletisse algo brilhante embutido na parede. Eu me inclinei para frente para olhar melhor. Algo metálico estava preso entre as pedras e completamente coberto com pó branco, tornando-o invisível de alguns metros de distância. Eu esfreguei o pó para descobrir um dourado signum bardia do mesmo tamanho que o meu. — Esta é a nossa garota — Ambrose cantou. Tenha cuidado, eu não consigo ver nada do futuro deste momento em diante — Vincent me disse. — Eu terei — Eu prometi, e olhei para Arthur, que se inclinava para frente, inspecionando o signum. Ele deu alguns passos para trás e assentiu para que eu fosse adiante. — Vamos ver o que esta belezinha faz — Ambrose disse avidamente. Eu segurei meu colar para cima e o pressionei contra o símbolo na parede, minha safira arredondada apertando um botão no centro do triângulo que ficava dentro do círculo. Arthur, Ambrose e eu ficamos parados, observando por algum sinal de movimento — Bem, isso pareceu muito Indiana Jones — Eu disse, depois de uma pausa — Então, o que acontece agora? Neste segundo, o chão deslocou-se suavemente, fazendo um ruído abaixo dos nosso pés, como se um metrô estivesse passando diretamente embaixo de nós, e uma parte da parede se deslocou para frente na escuridão. As sobrancelhas de Ambrose se ergueram. — Demais! — Ele exclamou.


Não era demais. Nenhum pouco, eu pensei, olhando para espaço negro atrás da porta. Notando uma lanterna na parede logo ao lado da abertura, eu a alcancei pela rachadura e rapidamente a peguei. Ligando-a, eu apontei para a passagem. Um túnel estreito cavado na pedra apareceu no holofote da luz amarela artificial. Ele seguia reto para frente. Depois, inclinava-se para baixo de forma íngreme até virar para a direita e desaparecer. Meu peito se apertou com ansiedade, e eu comecei a suar de novo. Isso não parecia como uma caverna. Parecia como uma tumba. Eu não quero que você entre aí sozinha — Vincent disse. — Sim, bem, eu não me importaria se você viesse comigo — Eu admiti, limpando a mão molhada nos jeans. Quem saberia que as palmas poderiam suar tanto assim? Eu pensei. Eu acabei de tentar entrar, e eu não posso. É como se tivesse uma parede invisível bloqueando a porta e que queima quando eu a toco — Vincent disse. — Vincent disse que não consegue entrar — Eu disse. Arthur colocou sua mão em meu ombro. — Nós deveríamos provavelmente inspecionar a passagem inicial antes que você entrasse. Vou dar uma olhada — Ele disse galantemente. Quando ele deu um passo para dentro do túnel escuro, uma luz forte brilhou diante de sua cabeça. Ele saltou para trás, ganindo de dor e esfregando o rosto freneticamente. Algo cheirou como marshmallows assados. — Deixe-me ver! — Eu disse, e puxei as mãos dele de sua face — Queimou suas sobrancelhas e a frente do seu cabelo! — Eu exclamei. A face de Ambrose estava vermelha pela risada que ele estava reprimindo. Ele desistiu — Oh, cara — Ele balbuciou, lágrimas vazando pelas laterais de seus olhos — Você deveria ter visto sua expressão. As bochechas de Arthur ficaram vermelhas, mas ele não estava rindo — Sua vez — Ele desafiou. Ambrose alisou seu cabelo curto, protetoramente — Meu penteado é sagrado — Ele disse, e inclinando-se cautelosamente para trás, ele esticou o braço pela porta. Uma faísca laranja voou da ponta de seu dedo indicador — Au! — Ele gritou, e levou o dedo queimado para a boca. — Viu — Arthur disse, parecendo mais calmo. Você não pode entrar aí — Vincent disse. — Eu fui capaz de pegar a lanterna, então parece que eu realmente posso — Eu disse — E acho que eu vou, se você disse que eu tinha desaparecido na sua previsão do futuro ou o que quer que seja. Mas, Kate — Ele disse enquanto eu caminhava incólume para dentro da boca da caverna. Fui envolvida por um cheiro de mofo e giz molhado. Cheirava como um túnel que tinha sido recentemente escavado, mesmo que as paredes e o teto estivessem enegrecidos por séculos de fuligem que saíam das tochas. Eu olhei de volta para Arthur e Ambrose, que me olhavam do mais perto da porta que podiam — Devemos fechar a porta da caverna? — Eu disse, apontando para o signum que ainda estava preso na parede.


— Não! — Eles disseram juntos — Vamos ficar exatamente aqui. Ninguém poderá entrar — Ambrose me assegurou. Tenha cuidado — As palavras de Vincent vieram, soando como se ele estivesse a metros de distância. Eu liguei a lanterna no escuro, engoli em seco, e antes que eu pudesse desistir, caminhei túnel adentro.


Capítulo 16 Na medida em que o corredor se inclinava para baixo, o túnel ficava menor, e eu já estava arqueando batendo os cotovelos nas paredes e limpando o teto com minha cabeça. O espaço cada vez mais apertado me deixou mais ansiosa. Quanto mais para baixo eu ia, mais pesada era a pressão que crescia dentro do meu peito, até que parecia que os meus pulmões iriam implodir. Finalmente, eu não pude continuar. Meu coração batia tão forte que eu o sentia em minhas orelhas. Eu me inclinei para trás contra a parede do túnel e deslizei para baixo, ficando agachada. Segurando a lanterna com um aperto de morte, eu tentei falar comigo mesma para não ter um ataque de pânico. — Feche seus olhos e imagine que está em outro lugar — Minha mãe me disse, dentro da montanha em Ruby Falls. Tudo bem, mãe, eu pensei. Onde mais eu poderia estar? E de repente eu me lembrei do terraço no telhado de La Maison, onde Vincent tinha me levado no mês passado. Estendida a nossa volta, havia uma vista panorâmica de Paris à noite, a cidade brilhando como se tivesse sido decorada com um milhão de luzes de Natal. Vincent tinha me beijado lá — naquele mais romântico dos lugares. Nós tínhamos rolado por uma espreguiçadeira, nos beijando e rindo e — por alguns maravilhosos momentos — esquecendo-nos de que o destino conspirava contra nós. Por um curto momento, nós amamos um ao outro sem nos preocuparmos com mais nada. Foi no topo do telhado que Vincent disse que me amava. Que ele não podia imaginar a vida sem mim. Eu senti o vento de inverno no meu rosto, e o dedo de Vincent esfregando meu lábio, traçando uma linha em minha boca antes de se inclinar e colocar os lábios nos meus. Então, em minha fantasia, ele desapareceu e eu estava sozinha no telhado. O delicioso calor tinha sumido — repentina e violentamente — e o frio da noite de inverno picou meu rosto e minhas mãos. E de repente eu me lembrei de nossa situação no presente: o corpo de Vincent tinha sido destruído e seu espírito estava ligado a uma mulher louca. E eu estava a poucos metros de alguma coisa que poderia ajudá-lo. Meus olhos estalaram abertos e eu fiquei em pé de novo, curvado minhas costas como uma velha senhora para fazer meu caminho pela passagem estreita. Havia tantas voltas agora que a lanterna só iluminava alguns metros à minha frente. Eu estava num lugar tão profundo que as paredes de rochas estavam úmidas contra meus dedos. Quando fiz uma curva, meu pé se encontrou com uma pilha de escombros, enviando uma pedra para frente. Ela desapareceu em um canto e o eco que voltou — de dezenas de pedras rolando por um grande espaço vazio — me informou que eu tinha finalmente chegado.


Abaixando-me embaixo de uma baixa prateleira de pedra, eu de repente me encontrei em uma caverna com o tamanho de uma piscina olímpica e talvez com quatro vezes a minha altura. Eu ergui a lanterna em direção às paredes e localizei as tochas grandes presas nos dois lados da porta. Pegando o isqueiro que Bran tinha me dito para trazer, eu acendi a primeira e depois a outra. Eu acabei de acender uma tocha, eu pensei, imediatamente guardando aquela informação no compartimento de “coisas bizarras que eu já fiz” do meu cérebro, que tinha se expandido rapidamente durante o último ano. Quando as chamas ganharam vida, eu tossi por causa da fumaça e inalei uma grande quantidade de ar da caverna obsoleta. A superfície escura de pedra da sala cavernosa dançou na luz tremeluzente das tochas, fazendo com que ela parecesse ainda mais de outro mundo. As paredes de cada lado de mim pareciam ter gigantes colmeias. Estas tinham sido empilhadas uma em cima da outra até o teto. Eu contei algumas fileiras e estimei que houvesse em torno de seiscentas no local todo. As portas eram pintadas com letras e flores e rodamoinhos que pareciam com tatuagens. Todas elas tinham uma coisa em comum: no centro de cada porta, havia uma mão com pequenas lágrimas amareladas na ponta de cada dedo, como se eles estivessem atirado chamas. As portas mais próximas de mim, ao lado esquerdo da parede, pareciam muito antigas, todas de pedras em ruínas, com apenas vestígios de seus desenhos. Suas condições melhoravam à medida que eu me aprofundava na sala, até que no final as portas eram feitas de madeira em vez de pedra e a pintura parecia menos decrépita. A parede que ficava de frente para mim no final da sala não tinha nenhuma das portas em forma de meia lua. Em vez disso, era coberta completamente com pinturas nas paredes. Perto dela, no final da parede à minha direita, as portas pintadas começavam novamente, estas parecendo quase novas. Havia apenas algumas fileiras de portas pintadas e depois elas paravam, deixando fileiras e mais fileiras de grandes buracos vazios se estendendo diante de mim. Eu corri os dedos pela abertura da mais próxima a mim, com a lâmpada brilhando dentro de minha cabeça, imediatamente percebi o que isso era: uma tumba. Eu tinha visto o mesmo estilo de nichos funerários em muitas ruínas romanas que eu tinha visitado pela França. Os romanos cavavam buracos horizontais nas paredes de pedras e colocavam os corpos para descansar lá dentro. Eu movi a minha lanterna cautelosamente pela sala antes de entrar mais e mais, verificando se havia armadilhas. E depois eu me lembrei de quem tinha me enviado: Bran teria me advertido de qualquer coisa da qual eu precisasse ter cuidado. Eu estava nos “arquivos” secretos de sua família. Era mais como um mausoléu, eu pensei, mesmo que alguém pudesse considerar isso como um arquivo de corpos. Reassegurando-me de que Bran não me colocaria em perigo, eu desliguei a lanterna e a coloquei em minha mochila. No brilho das tochas, eu vi, no final da


sala, uma mesa que continha pilhas de livros e objetos brilhantes de metal. Era por isso que eu estava aqui — Bran tinha me dito que os livros dos quais ele precisava estavam entre estes objetos. Na medida em que eu caminhava mais para dentro da sala, eu notei que a porta final na parede direita tinha sido decorada com flores frescas: rosas e lírios e lilases brancos. Quando eu me aproximei, o odor de tinta fresca se misturava à fragrância das flores. Esta porta tinha sido decorada recentemente. Algo martelou dolorosamente em meu peito quando eu fiquei em frente a ela. Mesmo antes de eu estar próxima o suficiente para ler as letras cuidadosamente pintadas na porta, eu sabia o que elas iriam dizer. Gwenhaël Steredenn Tândorn. A mãe de Bran. Ele devia tê-la enterrado aqui apenas alguns dias atrás. Eu me ajoelhei para observar mais de perto a tumba que ficava no nível do chão e admirei a cuidadosamente pintada mão-com-chamas e os rodamoinhos decorativos como tatuagens em volta dela. Bran não era artista, mas ele tinha obviamente gasto um longo tempo e cuidado criando o memorial de sua mãe. Eu avistei um pequeno cartão preso entre as flores, e o segurei entre meus dedos. Em uma caligrafia pequena e apertada, eu li: “Isto é para você, mãe. Eu sentirei sua falta todos os dias”. Meu coração se apertou. Eu limpei a lágrima que rolou pela minha bochecha. Eu sabia exatamente como Bran se sentia. Para mim, não era uma ferida recente, mas era uma que sempre iria sangrar. Eu perdi meus pais. E mesmo que eu tivesse finalmente parado de pensar neles em cada minuto do dia, quando as memórias vinham, a dor voltava com força. — Adeus, Gwenhaël — Eu sussurrei, e, ficando em pé, caminhei em direção à mesa solitária. Eu avistei os livros que Bran tinha mencionado no canto esquerdo da mesa: uma pilha de volumes em couro vermelho. Mas antes de pegá-los, eu parei, meus olhos atraídos pelas pinturas que cobriam toda a superfície da parede do fundo. Elas me lembravam de um lugar que eu tinha visitado em Florença com minha mãe — a Basílica de Santa Croce. Assim como as paredes daquelas múltiplas pequenas capelas da igreja, esta parede tinha sido dividida em faixas de cenas separadas e arrumadas fileira a fileira, como um livro de histórias em quadrinhos. Na basílica, os painéis tinham sido cheios de figuras que mostravam histórias da Bíblia ou dos santos italianos, cada capela decorada por um artista diferente — em estilos diferentes, e aparentemente de períodos diferentes. A pintura descascada e o desbotamento dos níveis superiores sugeriu que eles eram os mais velhos, então eu comecei lá, lendo as imagens como histórias como minha mãe havia ensinado. O primeiro painel me lembrou da ânfora que eu tinha visto na galeria de vovô, mostrando dos exércitos de homens nus lutando um contra o outro, os soldados usando o que pareciam elmos gregos. Um lado era liderado por um homem com uma auréola de ouro vermelho que explodia para fora de sua cabeça como chamas.


O líder do exército inimigo tinha uma auréola que parecia uma neblina turva de sangue vermelho brilhante. Algumas figuras no canto da moldura estavam flutuando por cima de corpos mortos e mutilados e segurando as mãos por cima deles, como se estivessem curando-os. Suas auréolas pareciam como espinhos de fogo — cinco espinhos em cima de cada cabeça, como as chamas pintadas nas mãos das portas das tumbas. Este deve ser o símbolo dos guérisseurs, eu pensei. A próxima imagem me lembrou das pinturas medievais de santos sendo martirizados. Homens vestidos como padres, com grandes chapéus parecidos com os dos papas, estavam parados ao lado enquanto soldados matavam um grupo de pessoas com espadas. Suas vítimas estavam atadas pelas mãos e pelos pés em estacas de madeiras, e tinham as mesmas auréolas de ouro vermelho da imagem anterior, enquanto os outros tinham auréolas amarelo-redondas — as típicas que poderiam ser vistas em pinturas religiosas. Abaixo do homem dourado estava escrito “bardia”, abaixo do vermelho estava escrito “numa” e abaixo do halo redondo estava escrito “bayata”. Atrás deles, à distância, um guérisseur com a auréola de chamas estava do lado de fora de uma caverna na qual estavam amontoados os três tipos de seres com halos. A história era bem clara: os revenants e os “bayata”, o que quer que eles fossem, estavam sendo perseguidos pela Igreja, e os curandeiros estavam ajudando a escondê-los. Os revenants deviam ter experimentado uma história toda junto com os humanos sem que nós nos déssemos conta disso. Eu fiquei ali admirada, paralisada pelo que aquilo significava. Seres sobrenaturais tinham vivido entre nós por um longo, longo tempo. E cenas desta secreta história paralela estavam retratadas claramente diante de mim. A magnitude desta descoberta fez com que eu me sentisse muito pequena e insignificante... Mas também muito sortuda. Eu avidamente me movi para o próximo painel, que retratava a caverna onde eu estava. Operários, todos com as cinco chamas sobre suas cabeças, estavam cavando as tumbas e pintando as paredes, enquanto uma mulher com uma longa túnica branca tinha suas mãos para cima, lançando feixes de prata em todas as direções. Juntamente com estes raios, foram pintadas estrelas, luas, sóis, mãos flamejantes, e o signum bardia. Eu imaginei que este fosse algum tipo de mágica dos guérisseurs, um encantamento feito na caverna que permitisse que alguns entrassem, mas que mantivesse os revenants longe, como tinha sido demonstrado tão dramaticamente (e hilariamente) lá fora. Eu pensei que outros tipos de magia protegeriam aquela caverna, já que havia símbolos que eu não reconhecia flutuando na explosão de estrelas prateada da mulher. Eu de repente pensei em Vincent, Ambrose e Arthur me esperando fora da caverna. Quanto mais tempo eu ficasse, mais preocupados eles ficariam. Eu chequei o meu celular. Eu os tinha deixado há quarenta e cinco minutos. E é claro que não havia nenhum sinal, então eu não poderia ligar para dizer que estava bem. Eu sabia que era hora de ir embora, mas eu não pude resistir olhar mais algumas figuras antes de partir.


Meus olhos voltaram para uma das cenas antigas; esta era do período romano, julgando pelos trajes dos personagens, que pareciam togas. No centro havia uma figura curvada em posição fetal dentro de um grande tubo redondo. Era de tamanho real, mas não tinha cabelo ou expressões faciais e parecia mais como uma escultura tosca de uma mulher, antes dos detalhes serem gravados. Em volta da figura estavam muitas pessoas, bardia e guérisseurs, julgando pelas suas auras, cada um deles fazendo uma atividade diferente. Um tinha cortado o braço e estava sangrando para dentro do tubo, outro estava flutuando acima da cabeça da figura curvada, um terceiro parecia estar fazendo um encantamento pra cima dela, e o quarto estava parado ao lado, segurando uma tocha e um vaso. Eles estavam obviamente fazendo algum tipo de ritual mágico, mas eu não pude imaginar o propósito. Abaixo da imagem, havia uma inscrição em Latim, e eu fiquei assustada em descobrir que podia decifrar algumas das palavras. Argilla deveria significar “barro”, já que a palavra era argile em Francês. E eu sabia que pulpa significava “carne”, próxima da palavra francesa para “polvo” — um animal feito de carne e sem ossos. Incapaz de traduzir o resto, eu olhei em volta para outra cena para estudar. Apenas mais uma, eu pensei, começando a me sentir ansiosa para voltar para Vincent e os outros antes que eles ficassem apopléticos de preocupação. Meu olhar caiu em uma figura perto do meio, provavelmente porque era a mais belamente pintada. Alguns artistas guérisseur eram obviamente mais talentosos do que os outros. No mais, o objetivo parecia ser passar a mensagem em vez de demonstrar habilidades artísticas. Mas esta poderia ter sido pintada por Raphael ou Michelangelo, a beleza suntuosa dos personagens sendo o objetivo da pintura. Nela, um grupo de numa com auras vermelhas estava parado de um dos lados de um pequeno riacho. No outro lado, havia um grupo de bardia com auras douradas. Um dos numa estava avançando pela limpa água corrente enquanto atravessava para o lado dos bardia. Uma mulher bardia esticava sua mão para ele. O numa na água tinha uma auréola cor de sangue, mas diferente dos outros de sua tribo, sua aura estava ornamentada com veias de dourado. Ele é algum tipo de revenant híbrido? Eu pensei. Ou talvez como os bayata, ele fosse outro ser sobrenatural completamente diferente. Eu tinha muito para aprender — uma ideia que, ao mesmo tempo, me deixava emocionada e assustada. Eu mal podia esperar para saber mais sobre a tribo de Vincent, mas estava sagaz com o tipo de coisas arrepiantes que estavam esperando para ser descobertas ao longo do caminho. Enquanto eu me apressava para recolher a pilha de livros que Bran tinha indicado e colocá-los cuidadosamente em minha mochila, eu pensei sobre as coisas que eu tinha testemunhado. Quantos outros humanos sabiam sobre esta caverna? Além dos verdadeiros guérisseurs, não muitos, eu tinha certeza. Eu me senti admirada — sobrecarregada — por ter sido incluída neste grupo. Apenas uma


garota normal do Brooklyn dentro de uma caverna mágica, abaixo de toda a atividade de uma das maiores cidades do mundo. Uma garota que está sendo aguardada ansiosamente por três garotos não mortos fora da porta da caverna, eu me lembrei e, olhando longamente de novo para as pinturas que eu não tinha tido tempo de analisar, eu tomei uma decisão. Pegando meu telefone de novo, eu o levantei para tirar uma foto da parede. Eu posso estudá-las depois na segurança do meu próprio quarto, eu pensei. Mas não foi até eu pressionar o botão da câmera que eu lembrei, em pânico, que havia magia protegendo a caverna. Isso faria com que o meu telefone pegasse fogo? Faria com que eu pegasse fogo? Quando nada aconteceu, eu suspirei de alívio e caminhei rapidamente em direção à porta. Pegando uma ferramenta que parecia um grande apagador de velas, eu a usei para apagar uma das tochas. Quando eu me movi para a outra, notei que esta parede estava pintada no mesmo estilo de história em quadrinhos da outra. Mas, julgando pelas roupas dos personagens, estas pinturas eram as mais recentes; todas dos últimos séculos. Eu acendi minha lanterna antes de apagar a segunda tocha. E quando a chama começou a se extinguir, eu notei a pintura localizada logo acima da porta. Era de um grupo de homens que usavam uniformes com suásticas, parados na frente de um grande mapa. No meio do grupo havia um homem com bigode e cabelo lambido, que eu reconheci imediatamente. E no momento em que a tocha se apagou definitivamente, eu vi que todos os homens ao redor dele — os conselheiros de Hitler — tinham auréolas vermelhas.


Capítulo 17 Jean-Baptiste estava esperando por nós na porta quando retornamos — Pela sua expressão triunfante, eu acredito que sua missão teve sucesso, Kate? — Ele perguntou ansiosamente. Eu alisei minha mochila e sorri abertamente — Eu consegui. Ele suspirou aliviado — Maravilhoso. Venha por aqui. Bran e Gaspard estão esperando na biblioteca. — Estamos bem também, JB — Ambrose murmurou — Obrigado por perguntar — Ele se virou para Arthur — Está a fim de se exercitar? Arthur balançou a cabeça — Pensei em fazer algumas pesquisas. Você nunca se cansa de lutar? — Você nunca se cansa de ser um intelectual? — Ambrose contra-atacou, mas quando Arthur pareceu magoado, ele riu e o bateu no braço — Estou só brincando — Ele disse — Eu amo seus livros. Especialmente aquele com o garoto. E a garota. Sim, aquele livro era ótimo — E ele caminhou em direção à sala de armas. — Você precisa de mim ou eu posso fazer algumas pesquisas enquanto Bran tem um tempo de olhar pelos livros? — Arthur perguntou a Jean-Baptiste. — Tenho certeza de que precisaremos de seus conhecimentos em breve — JB disse, dispensando-o para fazer o que quisesse. — Vejo vocês depois — Arthur disse, colocando os cabelos atrás das orelhas e dando-me uma piscadela antes de sair em direção ao seu quarto. — Como foi sua visita aos arquivos? — JB perguntou avidamente enquanto caminhávamos para cima — Você os viu também, Vincent? — Ele perguntou, e depois apertou o queixo, pensativamente — Interessante. Guardado por magia dos guérisseurs. Que fascinante. Kate, o que você achou deles? — O lugar era maravilhoso — Eu respondi — Eu nunca vi nada como aquilo em minha vida. Eu me sinto realmente sortuda por ter ido até lá. — Você é realmente sortuda por ter ido até lá — Ele disse melancolicamente. O fato de que um tesouro místico acerca da história sobrenatural existia a uma hora de caminhada de onde ele vivia, e que ele nunca poderia ver, parecia estar consumindo JB. E eu tinha certeza de que Gaspard se sentia da mesma forma. Mais uma vez, eu estava surpresa por Bran ter confiado em mim para me mandar para uma incumbência tão importante. Bran e Gaspard escondidos num canto da biblioteca, em uma conversa profunda. Eles se viraram quando nos ouviram entrar — Kate — Ambos disseram ao mesmo tempo, e Bran disse — E Vincent — olhando para o espaço perto de mim. Era como se eu tivesse duas cabeças. Eu tirei a pilha de livros de minha mochila e os coloquei na mesa na frente dos dois homens. O rosto de Bran se iluminou, enquanto corria os dedos amavelmente


pela capa do livro que estava em cima da pilha — Eu nunca os vi todos no mesmo lugar, fora da caverna dos arquivos. Minha mãe costumava levá-los para casa um por um para lê-los para mim. E a única vez que eu visitei os arquivos, apenas alguns dias atrás, eu estava muito ocupado — Ele de repente pareceu triste. — Eu vi o túmulo de sua mãe — Eu disse suavemente, puxando uma cadeira para perto da mesa e sentando ao lado dele — É lindo. — Obrigado, criança — Bran replicou, parecendo consolado — Estou feliz que você tenha ido. Pode ter sido sua única chance. — Você nunca tinha visitado os arquivos de sua família antes desta semana? — Jean-Baptiste perguntou, atônito. — Não. Apenas o guérisseur ativo da família pode entrar. É por isso que minha mãe levava os livros para mim, um de cada vez, como é o costume. Ele olhou para os volumes — Eu imagino que hoje tenha sido um dia de quebrar as regras. — Quem escreveu estes volumes? — Perguntou Gaspard. Ele aparentava estar usando uma contenção sobre-humana para resistir saltar sobre os livros e devorar seus conteúdos. — Meus ancestrais — Bran replicou — Os guérisseurs em minha família têm empunhado sua arte por muitas gerações. Mesmo que o guérisseur Tândorn ativo mantenha uma presença contínua em Saint-Ouen desde os tempos medievais, o resto do nosso clã, os não praticantes, vivia na Inglaterra e morava em fazendas. — Como a maioria dos camponeses daquele tempo, meus ancestrais eram analfabetos. Eles passaram suas histórias de geração a geração, memorizando volumes cheios de relatos sobre seus intercâmbios. No século dezenove, a primeira Tândorn que sabia escrever se propôs a copiar as histórias orais da família. Três destes livros — Ele apontou na direção dos volumes — foram escritos por ela. Houve apenas sete ou oito guérisseurs desde então, e eles adicionaram o seu conhecimento aos últimos dois livros. Ele vacilou pela pilha de livros e puxou um dos volumes que pareciam mais velhos — É neste que eu lembro que contém a informação que a anciã procura: eles mencionam um Vit... Um conquistador do Campeão pela transferência de poderes. Este é um relato de uma fonte estrangeira, é claro. Como vocês sabem, nunca houve um Campeão na França. Gaspard se inclinou em minha direção e adicionou — Campeões têm aparecido ao longo da história em outros pontos do mundo. Quando a taxa de numa cresce muito em uma área, um Campeão parece se levantar. Virando as páginas lentamente e estudando cada uma delas, Bran parou em uma passagem cheia de rabiscos pequenos feitos com tinta marrom que pareciam praticamente ilegíveis do local onde eu estava — Sim, aqui estamos nós. Um relato de um guérisseur que viajou com uma caravana da Índia e conheceu um de meus ancestrais. — Pare de olhar para o futuro, Vincent — Jean-Baptiste disse — Por que na Terra isso iria assustar Kate se não há a menor possibilidade? — Ele se virou para


mim — Vincent não gosta do que Bran está prestes a ler e pediu para que esperássemos para discutir isso até que você fosse embora. — Muito obrigada, Vincent — Eu disse, sentindo-me irritada — Vai começar com a superproteção? Desculpe, mon amour — Eu o escutei dizendo — Há algumas histórias que eu não acho que sejam completamente necessárias para que você saiba. Especialmente quando elas me envolver. — Eu acho que posso decidir por mim mesma o que me deixará chateada — Eu contrapus — Por favor, Bran, continue. Bran procurou pela história e depois começou a contextualizá-la para nós — A história acontece na Índia medieval, que vivia sob a Dinastia Tanwar. Este Campeão foi destruído e seu espírito entrou num animal que foi assassinado e comido por seu captor numa. Foi assim que o poder do Campeão foi transferido para o numa. Precisaram de um exército de bardia para derrubá-lo, e somente depois que ele tinha usado seu poder multiplicado de força e persuasão para conquistar a cidade inteira. Minha garganta se apertou — Tudo bem, eu não estou chateada, mas estou com nojo — Eu disse, meu estômago revirando — Vincent, foi isso que Violette tentou com você? O pedaço de animal? Sim — Ele replicou, enquanto Gaspard assentia. Vincent obviamente já tinha dito a ele a história. — O que aconteceu? — Eu perguntei. Kate, não é importante — Vincent implorou — Não que eu não ache que você pode suportar. É só que... — Diga-me. Violette forçou meu espírito para dentro de um coelho, que ela depois matou e comeu cru. Mas em algum momento entre o momento em que ela matou e comeu, meu espírito deixou o animal. — O que teria acontecido se isso tivesse funcionado? Se você fosse o Campeão — Eu perguntei a Vincent. Bran respondeu por ele — Violette teria absorvido o espírito de Vincent, que seria combinado ao dela. Sua identidade seria entrelaçada a de Violette e seu poder adicionado ao dela. Mas, obviamente, isso não aconteceu — Vincent se apressou a dizer. Meu coração doeu. Uma queimação aborrecida se espalhou atrás de minhas pálpebras, como se eu tivesse mastigado gelo. Eu levantei a mão para pôr as mãos em concha na minha testa e senti lágrimas em meus olhos. A ideia dos espíritos de Vincent e Violette entrelaçados me deixava doente. Está tudo bem. Eu estou aqui agora — Vincent disse, me consolando. — Mas quando Violette te puxar de volta, o que você dirá a ela? Que ela fez a coisa certa, mas não funcionou porque você não é o Campeão? — Eu perguntei.


— Não. Ele vai mentir — Jean-Baptiste disse — Nós vamos inventar algum tipo de falsa cerimônia para que ela tente com ele de maneira a pará-la por mais um tempo. Bran adicionou sua contribuição — Protelar não vai resolver nada. Ele ainda está ligado a ela, e ficará assim até que uma das duas coisas aconteça. — E elas seriam...? — Eu perguntei. — Até que Violette seja destruída ou Vincent seja reincorporado. Eu vou matá-la. Alegremente, eu pensei, minha fúria me deixando ainda mais nauseada. No entanto, percebendo que matar uma zumbi protegida por uma horda de numa não era o caminho mais provável, eu me conformei com a praticidade. — Então vamos achar este relato da incorporação — Eu incitei. — Eu lembro de minha mãe lendo esta história para mim quando eu era uma criança. Eu nunca a vi por mim mesmo, então eu não tenho ideia qual destes livros contém a história — Bran admitiu — Eu precisarei ler todos elas para encontrar. — Eu ficaria feliz em ajudar — Eu ofereci. Eu estiquei a mão para um dos livros, mas contive minha mão quando vi sua expressão. — Sinto muito, criança, mas estes textos estão cheios de segredos da minha família — Bran disse — Eu jurei protegê-los e não mostrá-los a ninguém. Meu coração caiu. Se Bran fosse ler todos estes livros, sozinho, poderia demorar muito tempo. E tempo era uma coisa que não dispúnhamos. — Você se importa se eu esperar aqui até que tenha que ir para casa? — Eu perguntei. E vai fazer o quê? — Perguntou Vincent — Observá-lo virando as páginas? Você ficará entediada e o deixará maluco. — Há muitas coisas aqui com as quais eu posso me manter ocupada — Eu respondi, gesticulando para as paredes repletas de livros — Eu não quero ir para casa ainda. — Você é bem vinda para ficar — Bran respondeu, para o meu alívio. — Vincent e eu vamos aproveitar esta oportunidade para conversar — JeanBaptiste disse — Eu preciso saber tudo o que você puder me dizer sobre Violette e seus planos. Eu voltarei, mon ange — Prometeu Vincent. Bran passou a última hora cuidadosamente estudando seus livros, enquanto Gaspard pairava nervosamente em um lado. Ele estava com mais tiques do que o normal, torcendo as mãos e tremendo enquanto observava Bran trabalhar. Eu suspeitei que seu nervosismo fosse pelo fato de que ele estava na presença de uma fonte de informações antigas que ele não poder tocar. O pensamento do que poderia estar escrito naqueles livros era o suficiente para me encher de imaginações, e eu não era um historiador hiper-ansioso do século dezenove. Nestas circunstâncias, eu achei que ele estava se segurando muito bem. Eu passei o tempo lendo um relato macabro dos reis astecas pré-colombianos que usavam os videntes de revenants para encontrar bardia recém-formados. Eles os forçavam a servi-los como guarda-costas ameaçando as pessoas que eles


amavam. Quando o rei morria, seus escravos bardia eram imolados junto a eles. Mesmo que eu tremesse com o horror disso, o conteúdo perturbante da história fez com que eu visse nossa situação em uma luz diferente: as coisas poderiam ser piores. Finalmente Charlotte colocou a cabeça pela porta — Sua avó ligou para pedir que você fosse para casa para o jantar. Jean-Baptiste me pediu para te levar de volta — Ela disse — Ele ainda está conversando com Vincent sobre Violette. Não houve nenhuma atividade numa desde esta manhã, e como Violette está esperando para pegar alguma coisa de nós, JB acha que você estará segura se ficar em sua casa esta noite. — Mas e se... — Eu comecei, olhando implorativamente para Gaspard. — Nós ligaremos no segundo que encontrarmos alguma coisa — O revenant mais velho me prometeu. — Violette deu a Vincent três dias — Eu disse, me deixando sentir o pânico que eu estava escondendo todas as vezes que olhava ao redor e via Bran a passos de lesma pelos textos — Isso significa... — O que significa que nos resta dois dias e onze horas. Sim, querida Kate, estou tão consciente da nossa falta de tempo quanto você — Gaspard me tranquilizou, colocando a mão em meu braço para me confortar — Mas já que não há nada que você possa fazer para ajudar neste momento, você deve ir para casa e ficar com seus avós. Eu cerrei os dentes e me virei para deixar a sala com Charlotte. Eu detestava me sentir impotente. Não que eu estivesse ajudando muito sentada na biblioteca. Mas ficar em casa com meus avós também não seria de ajuda. Quando eu peguei meu casaco e minha bolsa, de repende me ocorreu que vovô poderia ter alguns exemplos acerca da reincorporação em sua coleção. Aquele pensamento elevou os meus ânimos o suficiente para que eu partisse sem discutir mais. Quando saímos do pátio de La Maison e nos dirigimos para minha casa, Charlotte virou e acenou para duas figuras escondidas nas sombras, posicionadas no final do quarteirão. Dois bardia estavam caminhando, mantendo-se um quarteirão atrás de nós. JB estava mantendo sua promessa de me guardar cuidadosamente. Alguns ciclistas passaram correndo perigosamente perto de nós quando cruzamos a rua. Eu enlacei o meu braço pelo de Charlotte e a apertei para mais perto de mim. — Então, o que você acha sobre toda essa coisa da incorporação? — Ela perguntou — A casa toda está comentando sobre isso. Você acha que pode ser verdade? — Eu acho que se existe mesmo que uma microscópica chance de isso ser verdade, eu vou me assegurar de que nós tentemos cada método de tentar. Ela assentiu — Espero que os livros dos guérisseurs tenham alguma coisa útil para isso.


— Se não tiverem... Ou até mesmo se tiverem... Eu vou ver se consigo cavar mais algumas informações. Meu avô lê muitas coisas sobre seres místicos, você sabe, incluindo alguns textos sobre os revenants. — Hum... — Ela disse, em dúvida. Por que ninguém acredita que um humano pode ajudar um bardia? Eu pensei, frustrada. Mudei de assunto — Então, como tem sido voltar para La Maison com Ambrose por perto? — Nós cruzamos a movimentada Avenida Raspail. Era uma fria terceira semana de Fevereiro e as vitrines das lojas estavam cheias de roupas de verão que eu não podia nem sonhar em usar enquanto puxava meu casaco para meus perto de meu corpo. Paramos em frente a uma vitrina. — Você deveria realmente tentar alguma coisa assim — Charlotte disse, apontando em direção a um vestido curtíssimo e não acinturado que parecia uma lingerie, que a manequim estava usando em cima de jeans extremamente apertados. — Hum, isso pode acontecer em outra vida. E você está evitando minha pergunta — Eu respondi, puxando-a para longe do vidro e fazendo com que ele atravessasse a rua comigo. Charlotte deu de ombros em derrota — É difícil. Os olhos de Ambrose nunca se desviam de Geneviève. Quando ele não está sendo seu guarda-costas, ele está atrás dela. — Então é por isso que ele estava com comichão para integrar o grupo de caça a Violette esta manhã — Eu disse, juntando dois e dois. — Por isso e pela possibilidade de uma boa luta — Charlotte sorriu. — Ele disse mais alguma coisa a você sobre ela? — Eu perguntei. — Não, apenas aquela vez quando chegamos em Villefranche-sur-Mer. Ele deve ter derramado tudo durante aquela confissão, porque ele não a mencionou desde então. Eu joguei meu braço ao redor de Charlotte em um abraço lateral enquanto nos aproximávamos de minha rua. — Mas você sabe, Kate — Ela disse quando paramos em frente à minha porta — Eu estou bem sobre isso. E não estou dizendo apenas superficialmente. Quando eu vi você e Vincent ficando juntos depois que ele tinha estado sozinho por tanto tempo... Bem, isso me deu esperança. E vendo a forma como ele te trata, eu percebi que talvez eu tenha lançado meu olhar para muito perto. Depois de perseguir alguém que não liga pra mim... Eu levantei as sobrancelhas. — Tudo bem, isso não é exatamente verdade — Charlotte confessou — Ambrose me ama... Mas como uma irmã. Eu só vejo como Vincent antecipa cada desejo seu e faz com que ele se torne realidade. Como, quando ele te vê entrando em um cômodo, é como se ele se transformasse nesta pessoa que é maior e melhor do que ele tinha sido minutos antes. Eu quero ser isso para alguém. Eu acho que mereço isso. E eu não vou me consumir por um cara que sente isso por outra pessoa.


O peso em meu peito e as dores afiadas de tristeza voltaram com força total com o lembrete de Charlotte de como as coisas costumavam ser com Vincent. E poderiam ser de novo, eu lembrei a mim mesma. Eu não podia perder a esperança, especialmente agora. — Então, até que o meu cavalheiro apareça — Ela continuou — Eu decidi viver uma vida plena e feliz com o que tenho. Que já é muito bom: não é qualquer garota que é agraciada com a imortalidade e que pode salvar vidas humanas. Ela piscou para mim com o último comentário, e eu podia dizer que não era apenas uma bravata. Ela realmente estava sendo sincera. Eu passei os dois braços em volta dela e beijei suas bochechas — O destino a trouxe até aqui, Charlotte. Eu não vejo porque ele não acabaria realizando o que o seu coração deseja.


Capítulo 18 Vovô estava colocando a mesa quando eu cheguei em casa. Ouvindo-me fechar a porta da frente, ele olhou ansiosamente — Oh, que bom, você está em casa, princesse — Ele disse. Minha avó colocou a cabeça para fora da cozinha — O curandeiro descobriu alguma coisa? — Ela perguntou — Georgia nos atualizou com as notícias. — Não — Eu disse, balançando a cabeça — Bran está estudando as anotações de sua família. É muito material e ele não deixará que ninguém o ajude. — Compreensível — Vovô disse, apontando sabiamente para si mesmo — Ainda há guardas lá fora? — Ele perguntou. — Sim. Há dois bardia sentados no parque do outro lado da rua, olhando o prédio — Eu confirmei — E Charlotte me trouxe para casa. — Parece que estamos presos — Vovô comentou um pouco a contragosto — Alguns deles me seguiram de casa para o trabalho, também. Eu não tenho certeza se precisamos de toda essa segurança. Vocês garotas precisam, é claro, mas não é como se eles tivessem interesse em mim ou em sua avó. — Fique feliz por isso. Com todas estas coisas estranhas, nenhum cuidado é demais. E o que quer que esteja acontecendo, ainda temos que comer — Disse vovó da cozinha, antes de gritar — Georgia, sua irmã está em casa. Hora de jantar! — Ela apareceu carregando uma bandeja com uma grande massa folhada fumegante em forma de peixe. — Saumon em croûte, servido com cenouras ao curry e manteiga — Ela anunciou. — Vovó, isso é maravilhoso! Você que fez? — Eu perguntei, os odores combinados da massa folhada e do salmão fazendo com que eu percebesse o quão faminta eu estava. Vovó fez seu som de impaciência — Eu trabalhei o dia todo, querida Katya. Isto foi feito pelo Monsieur Legrande — Ela disse, referindo-se à fina boutique de comidas que ficava para baixo da nossa rua — Mas eu tenho certeza de que ele fez isso com amor — Ela piscou. — Eu comeria isso mesmo que ele tivesse feito com luxúria — Anunciou Georgia, enquanto entrava na sala — Mesmo que imaginar um luxurioso Monsieur Legrand... Eca — Ela enrugou o nariz. Vovô revirou os olhos — À table, todo o mundo. — Alguma novidade na pesquisa, Katie-Bean? Georgia perguntou enquanto se sentava, mas era só uma formalidade. Ela sabia que eu teria telefonado se alguma coisa importante tivesse acontecido. Eu balancei minha cabeça.


— Bem, mesmo que uma solução não tenha sido encontrada, você deve estar aliviada por Vincent estar livre por alguns dias, pelo menos — Vovó disse, colocando os pratos na mesa e contornando-a para me envolver em seus braços — E aquele curandeiro parece saber muitas coisas sobre revenants. Ele encontrará uma solução. Eu tenho certeza — Ela disse, suavemente. Nós pegamos os nossos lugares ao redor da mesa, e depois que vovó nos desejou bon appétit, todos se lançaram na deliciosa comida. — Eu estava na verdade pensando se você sabe alguma coisa sobre essa coisa da reincorporação — Eu mencionei, esperando que vovô se aferrasse ao assunto sem que eu precisasse instigá-lo muito. Eu estava certa. Podia ver seus pensamentos correndo. — Reincorporação — Ele disse — Infundir um espírito em um objeto inanimado. Esta é uma ideia interessante — Ele bateu levemente no queixo — Eu quero dizer, há a reincorporação simbólica na Eucaristia Cristã, transformando a hóstia e o vinho no corpo e sangue de Cristo. O que foi provavelmente baseado no ritual egípcio do “pão divino”, feito pelos padres de Osiris. Mas eu não consigo pensar num exemplo onde houve a reinvenção de um corpo e a possessão dele com uma alma. — E quanto a Frankenstein? — Sugeriu Georgia, com uma expressão auxiliadora. — Georgia. Shhh — Vovó disse, espetando uma cenoura e colocando-a delicadamente na boca como se estivesse demonstrando para Georgia o que ela deveria estar fazendo em vez de colocar para fora ideias perturbadoras. — Não, eu quero dizer isso mesmo. É um exemplo de um corpo que foi criado do nada, e depois eletrocutado para ter um espírito. — Eu acho que a parte da eletricidade foi apenas para animar as partes dos corpos — Debateu vovô — Isso não deu uma alma para o monstro. — Eu me lembro distintamente de ele brincando perto do rio como uma garotinha e chorando — Insistiu Georgia — Você não pode chorar se não tiver uma alma. — Hum, podemos tirar a conversa dos filmes de terror e voltar para a vida real? — Eu perguntei, pousando meus talheres no prato enquanto observava Georgia colocando mais salmão em sua boca. A ideia de costurar partes de corpos aparentemente não tinha afetado seu apetite — Eu duvido que os revenants vão remontar um corpo com a forma de Vincent e depois esperar por uma tempestade de raios para dar um choque nele e trazê-lo para sua existência — Eu disse. — Eles não teriam que fazer isso — Respondeu Georgia, segurando a faca para cima para mostrar seu ponto de vista — Hoje em dia você poderia provavelmente fazer isso com desfibriladores. Eu fechei os olhos, frustrada. — Georgia? — Vovó chamou. — Sim? — Por favor, fique quieta.


— Tudo bem — Minha irmã deu de ombros como se dissesse que nós iríamos nos arrepender por não tê-la ouvido. Eu virei para o meu avô — Mesmo que Monsieur Tândorn lembre que há anotações de sua família que falavam alguma coisa sobre esse tópico, eu pensei em te perguntar, já que você é especialista em cada folclore mítico que existe. Vovô assentiu para mim, ouvindo minhas palavras, mas ainda perdido em seus próprios pensamentos — Há todo o conceito de golem no folclore judeu... E ele começou a lançar histórias bizarras que ele acreditava que poderiam ser reais por trás da ficção. O restante de nós ouvia — eu extasiada, vovó e Georgia tentando seguir os raciocínios, mas perdendo o interesse antes que terminássemos a sobremesa. Depois do jantar, eu segui o vovô para seu escritório, onde ele se sentou atrás de sua escrivaninha e começou a encher o fornilho do cachimbo de tabaco — ostensivamente, para que vovó não soubesse que ele estava fumando, mas nós sabíamos que ela estava consciente deste fato. O fato de ele não dizer nada era um símbolo de sua gratidão porque ela o permitia a continuar com seu vício não tão secreto. — Então, diga mais sobre o que este guérisseur disse sobre a reincorporação — Ele solicitou. — Bem, pela forma como ele mencionou isso, foi como se ele esperasse que os revenants soubessem sobre isso. Ele disse que esta técnica era usada por revenants que tinham sido destruídos contra sua vontade e que ficaram presos como espíritos errantes. — Isso deve ser uma ocorrência rara, já que você pensaria que quando os numa atacam um bardia, eles o queimariam imediatamente para destruir o corpo e o espírito — Ele acendeu o cachimbo e tragou até que a chama se acendeu — A menos que eles tivessem algum plano nefasto como Violette. — Isso é exatamente o que Gaspard disse. Vovô pensou por um momento — Quantos anos tem o revenant mais velho de Paris? — Jean-Baptiste é da Era Napoleônica. Jeanne disse que ele tem duzentos e trinta anos. Mas Arthur, aquele que era o protetor de Violette, tem algo em torno de quinhentos anos. — E ele não sabia nada sobre a possibilidade de reincorporação? — Não — Eu respondi. — Então, se nenhum dos revenants está consciente disso, deve significar que a história é anterior a 1500. Quanto tempo tem a linhagem de Bran? — Bem, o livro que os numa roubaram de sua galeria — Amor Imortal — mencionava sua família, e era datado do século dez. — Hum. Esta linhagem de guérisseurs, que é especialista em revenants, tem passado seus segredos de família desde pelo menos a Idade Média. Não é uma surpresa que os numa e os bardia queiram colocar suas mãos neles. Eles devem possuir uma verdadeira riqueza de informações.


Ele tragou o cachimbo por alguns segundos, e depois se inclinou para trás em sua cadeira e olhou para mim — O que podemos deduzir é que, se esse processo de reincorporação realmente existe, ele saiu do conhecimento dos revenants e das histórias orais bem antes do século dezesseis. Então estamos procurando por exemplos antigos, o que sai da minha área de especialidade. Eu certamente não me lembro de ver algo assim em referência direta aos revenants, mas vou começar a procurar por isso. Eu observei meu avô anotando algumas coisas em sua pasta de couro, e me senti cheia de gratidão. Eu não tinha especificamente pedido para que ele me ajudasse. Mas, ele tinha entrado nisso e assumido a tarefa. Porque ele me amava. E ele também amava uma boa caça ao tesouro, sendo que o seu tesouro era o conhecimento esotérico das coisas antigas. Como os revenants. Fosse como fosse, eu estava feliz por ele estar a par de tudo. — Obrigado, vovô — Eu disse, caminhando ao redor da escrivaninha e abraçando-o. — Não se preocupe, ma princesse. Mas me diga assim que você souber o que está nas anotações dos guérisseurs para que eu possa começar a minha pesquisa com a maior quantidade de informações possível. — Eu direi — Eu prometi, e deixei meu avô sozinho em uma nuvem de fumaça e devaneios sobre a imortalidade.


Capítulo 19 Eu sentei na cama, esperando cair no sono mas incapaz de impedir minha mente que fosse até La Maison e a biblioteca onde Bran procurava por um jeito de dar um corpo a Vincent. Eu imaginava se ele seria igual antes, e rapidamente decidi que eu não me importava. Para ser capaz de tocá-lo, vê-lo, tê-lo de volta... Eu não me importava com o que ele se pareceria contanto que ele fosse de carne e osso. Eu distraidamente peguei um livro da pilha perto da minha cama, e vendo o título, eu sorri. O Noivo da Princesa. Eu o tinha lido três ou quatro vezes. No mínimo. Eu o tinha coletado algumas semanas atrás por uma determinada razão. E para aqui com nada para fazer além de ficar obcecada por alguma coisa que estava fora de minhas possibilidades, qualquer distração era bem vinda. Deixei as palavras de “S. Morgenstern” me puxarem para fora da realidade para o conto de fadas de outra pessoa. Eu tinha chegado à luta de espadas com Inigo Montoya, que continha a réplica da minha cena de lutas favorita, quando meus pensamentos foram de repente interrompidos pelas palavras: O que você está lendo? Eu fechei o livro e sentei na cama — Santa vaca, você me assustou! — Eu disse. Sinto muito, mon ange. Achei que você estaria esperando por mim. — Bem, eu estava esperando que você viesse, mas não tinha certeza de que você se lembraria da promessa, depois de toda a excitação com os arquivos — Eu admiti, contorcendo-me. Como eu poderia esquecer se quero te ver? — Ele perguntou, e suas palavras foram como um abraço — Hum, Kate, por que você está empurrando o livro para debaixo do cobertor? Eu suspirei e o puxei para fora, segurando-o para o ar e o virando para os lados já que eu não sabia onde ele estava. Ele riu — Não me diga que você ainda está tentando vencer a nossa maior discussão. — O livro é melhor do que o filme, Vincent. Eu só acho que, porque você leu em Inglês, não deve ter entendido a ironia ou o humor seco. Não me diga que vamos discutir sobre isso enquanto eu estou volante e você tem o livro em suas mãos. Fale sobre uma vantagem injusta. Eu ignorei seu apelo por um intervalo — O filme não tem as histórias secundárias de Inigo e Fezzik — Eu insisti. O livro não tem Billy Crystal tocando Miracle Max — Ele rebateu. — Touché — Eu murmurei, incapaz de argumentar contra aquele ponto — Mas este debate não está encerrado. É um encontro.


Eu sorri. Colocando o livro no meu criado-mudo, eu me sentei na cama e cruzei as pernas, como se estivesse numa conversa com uma pessoa real que estava sentada em minha frente. Pelo menos eu podia fingir. Eu foquei em uma imagem emoldurada de mim e de Vincent, que havia sido tirada em meu aniversário e estava pendurada no guarda-roupa. Nele, nós estávamos prontos para ir ao nosso encontro no bote, e nós estávamos sorrindo como idiotas. Algo sibilou dolorosamente pelo meu peito como um elástico estalando. — Eu nem acredito que estamos falando sobre isso — Eu disse melancolicamente — quando nesta manhã eu não sabia se conversaria com você de novo. Eu sei o que você quer dizer — Ele respondeu — Mas falar sobre livros com você é uma das minhas atividades favoritas. Eu sorri, lembrando das épicas conversas sobre livros que nós costumávamos ter. Nós concordávamos em quase tudo, exceto em adaptações de livros para o cinema. Nestes casos, eu quase sempre preferia os livros e Vincent, o filme — Eu estou imaginando que se você está aqui discutindo comigo sobre ficção do século vinte, não houve progresso nenhum em La Maison? — Eu perguntei. Não — Vincent disse — Bran está procurando nos livros, página por página, para ter certeza de não perder nada importante. Há tantos casos sobre enxaquecas e gênero dos fetos quanto sobre os revenants, ou talvez até mais. Mas ele já terminou dois dos cinco livros. É uma pena que ele tenha que dormir, mas eu aproveitei a oportunidade para visitar minha amada. Eu me inclinei contra a cabeceira da cama — Vincent, você acha que essa coisa da reincorporação tem uma chance de dar certo? Honestamente, eu acho que se isso realmente existisse, teríamos ouvido histórias anteriores. Eu assenti, exteriormente concordando, mas internamente determinada a procurar em cada possibilidade. Eu concordava com o que vovó dissera. Minha história com Vincent não ia terminar desta maneira. Você deveria dormir — Vincent disse. Eu me deitei e puxei as cobertas até os ombros, fechando os olhos — Conte-me uma história — Eu disse. Você quer uma história de dormir? — Vincent perguntou, rindo. — Sim. Alguma coisa que me tire estas preocupações. Que me distraia. Tudo bem — Ele disse — Tem uma história que minha mãe costumava me contar quando eu era um garotinho. Ela mudava um pouco cada vez que era contada, mas eu posso falar a parte essencial. — Perfeito — Eu disse, já sentindo o sono se apoderar de mim. Hoje tinha sido um dia exaustivo e eu não sabia como seria o amanhã. Começa com um cavaleiro que tem um sonho no qual vê uma bonita dama vestida de azul, adormecida em uma viagem de barco por um rio. Uma voz diz a ele que a dama existe, que ela é o seu verdadeiro amor, e que se ele procurá-la muito, irá encontrar. Também o avisa de que se ele tentar esta jornada, encarará perigos e


possivelmente a morte no caminho. Quando o cavaleiro acorda, ele cela o seu cavalo e começa a aventura para encontrá-la. E com a história de Vincent se materializando palavra por palavra em minha cabeça, eu caí em um sono profundo e sem sonhos. Eu fui acordada na manhã seguinte pela mesma voz que tinha me ninado para dormir — Bonjour, mon amour. — Hum — Eu disse, rolando para ficar deitada de costas e tentando abrir meus olhos — Você foi embora ou ficou aqui durante todo o tempo? — Eu perguntei. Eu fui para casa. E eu sei que é cedo, mas eu achei que você deveria saber... Bran achou alguma coisa. Meus olhos se abriram, arregalados, e eu me sentei na cama — O quê? O que ele achou? Uma história. Você deveria vir e ouvir por si mesma. É uma história realmente antiga, mas parece possível de acreditar e pode nos dar algumas pistas. Enquanto ele falava, eu tinha pulado da cama, colocando meus jeans e estava lutando contra uma amassada blusinha. Você tem tempo para encontrar roupas limpas, meu amor — Vieram as palavras de Vincent. — Sem tempo! — Eu disse, e depois indo em direção ao meu guarda-roupa, passei o desodorante por baixo de cada braço — Tudo bem, tempo para as necessidades completas — Eu admiti — E esta camiseta está limpa, só não está lisa. Tudo bem — Vincent disse, rindo. Vovó já estava de pé e servindo o café — Bran, o curandeiro, encontrou alguma coisa. Eu preciso ir. — Tudo bem, Katya — Ela disse, parecendo preocupada, mas correndo para o armário do hall e pegando seu casaco — Apenas me deixe acompanhá-la pelas escadas e me certificar de que tem alguém para te acompanhar. Eu não disse que Vincent já estava aqui. Demoraria muito para explicar, e talvez isso a deixasse maluca, já que ele tinha estado em meu quarto, invisível. Dois revenants que eu tinha visto na festa de Ano Novo apareceram do nada quanto saímos pela porta. Vovó beijou minhas bochechas e disse — Você estará em seu caminho. Seu avô foi cedo para a loja. Deixe-o saber o que foi descoberto o mais rápido que puder. Ele realmente quer ajudar — Ela tentou parecer esperançosa. Quando chegamos, Gaspard estava esperando por mim na porta da biblioteca — Entre — Ele disse, animadamente — Vincent me disse que você estava chegando — Ele me levou para onde Jean-Baptiste estava sentado com Bran, que estava apontando para uma seção escrita com letras pequenas em tinta preta. — Ah, aqui está a Kate — Bran disse, enquanto Jean-Baptiste se levantava e puxava uma cadeira pra mim. O guérisseur olhou para mim e fez aquela mesma dolorosa careta que vinha fazendo desde que o numa tinha batido nele. Eu tinha começado a me acostumar com isso, mas ainda me sentia desconfortável — Eu já


dei um resumo disso para os Messieurs Tabard e Grimod — Ele disse — Mas eu posso ler isso para você palavra a palavra se quiser. — Por favor, faça isso — Gaspard disse, pegando um lápis para tomar notas. Bran começou a falar de forma assustadoramente monótona — como se estivesse lendo um encantamento — e seguia com os dedos enquanto lia. — O Conto de Thymiaterion, como contado por um membro de um grupo dos guérisseurs dos dedos de fogo. — O que isso significa? — Interrompeu Gaspard. Bran olhou para ele, confuso — Um thymiaterion? Não tenho ideia. — Não, não. Eu sei o que é um thymiaterion. É um tipo antigo de queimador de incenso. A que dedos de fogo se refere? — Dedos de fogo. É como nosso povo é chamado, os guérisseurs que lidam com os revenants. Isso explica todas os desenhos de mão na caverna! — Eu pensei. Bran continuou — Guérisseurs do Bizâncio que fugiram da Peste e passaram a ser nômades — Ele olhou de volta para nós — Pela ordem em que estes contos estão transcritos, eu suspeito que isso se refere à Peste Negra. O que significa o meio do século catorze. — Sim, sim — Disse Jean-Baptiste, impaciente — Por favor, continue. — Um pouco antes da Peste, um grupo de bardia da Itália se mudou para Constantinopla, levando um valioso tesouro Etrusco com eles. Logo depois, um poderoso numa chamado Alexios matou a chefe dos bardia, Ioanna, e a ligou a ele. A tribo de Ioanna destruiu Alexios, libertando o espírito dela da ligação com o seu captor numa. — A tribo de Ioanna procurou o dedo de fogo Georgios, para que ele fizesse uma reincorporação, dizendo a ele que o processo tinha sido feito inúmeras vezes, alguns anos antes. Ele resistiu, não sabendo o que poderia possivelmente fazer. Eles o instruíram que um gigante thymiaterion de bronze em seu tesouro seria usado, e que o objeto em si trazia o esclarecimento. Instruído pelos símbolos antigos gravados no objeto, Georgios conduziu a cerimônia e reuniu a alma errante com um corpo feito pelo homem que acabou se tornando Ioanna. Meu coração acelerou. Isso significava que havia esperança para Vincent! Eu me senti tonta e tive que me conter para não sair pulando e abraçando a todos da sala. Em vez disso, eu me acalmei e escutei com atenção. Eu não queria perder uma só palavra. — Nós perguntamos aos viajantes, o que tinha acontecido com o objeto mágico. Eles nos disseram que durante o cerco de sua cidade, o thymiaterion tinha sido contrabandeado com o restante do tesouro dos bardia, que havia sido saqueado e espalhado por toda a terra. — Depois, há a história contada pelo dedo de fogo Nikephorus — previamente de Constantinopla, mas nesta época, um nômade —, transcrita do jeito que saiu de sua boca. Nós nos maravilhamos com esta fantástica história. E alguns não acreditaram nela. Mas meu avô, que já tinha passado seus dons para minha mãe,


disse que ele sentia que era verdade. Que este poder era um dos que nós tínhamos — Bran cuidadosamente colocou um pedaço de papel no livro para marcar o lugar — Então, vocês viram? Minha memória não me enganou. Eu sabia que tinha ouvido alguma coisa sobre a reincorporação. E? Eu pensei. Eu olhei para os outros, que pareciam estar tendo a mesma reação. Todos nós estávamos esperando por mais. Jean-Baptiste abaixou a cabeça para sua mão e massageou as têmporas. Então, limpando a garganta, ele disse — E apenas para confirmar. Este é definitivamente sua única anotação sobre a reincorporação — um relato do século catorze de um bardia itinerante. Bran franziu a testa e ficou na defensiva — Bem, minha família pareceu pensar que isso tinha mérito porque este era um dos contos que foram mantidos e passados adiante, sendo um dos que a minha própria mãe me apontou, descrevendo um dos nossos poderes, mesmo que fosse raramente usado. Mas parece que o instrumento em si, o thy... qualquer coisa, é essencial para a tarefa que nós queremos empreender. Meu coração mergulhou — Então, só para esclarecer, estamos procurando por um gigante queimador de incenso que foi perdido há seiscentos anos — Eu disse, tentando não soar incrédula. — Eu poderia supor que há mais de um destes objetos — Gaspard respondeu cuidadosamente — Se ele fosse, realmente, uma ferramenta mágica importante nos tempos antigos, eu imaginaria que muitos deles teriam sido criados. Não era tão fácil voar através do planeta para uma convocação dos bardia, mas havia comunicação sobre as culturas revenants muito difundidas. As informações conseguiram se espalhar globalmente entre os revenants. Uma lenda antiga sobre um queimador de incenso mágico. Isso não era exatamente o que eu estava esperando, mas pelo menos era alguma coisa. Determinada a não deixar que o meu desapontamento aparecesse, eu peguei meu caderno da mochila e comecei a fazer anotações, perguntando a Bran algumas questões para esclarecer. Gaspard me olhou, com curiosidade. — Eu pensei que meu avô poderia usar qualquer coisa que vocês achassem, para fazer suas próprias pesquisas — Eu disse. Gaspard franziu a testa — Não quero desrespeitar seu avô, minha querida, mas eu duvido que ele estaria em posse de alguma coisa que a nossa extensa biblioteca ainda não possua. — Bem, eu encontrei a cópia de Amor Imortal em sua galeria, que foi o que me levou a encontrar Bran e sua família em primeiro lugar — Eu contrapus. — Isso é verdade — Gaspard admitiu —, mas eu honestamente não acho que você deveria atormentar seu avô com isso. Com nossas pesquisas aqui, nós deveremos ser capazes de encontrar a informação que precisamos, se ela realmente existir — Ele balançou a mão para indicar o tamanho da biblioteca. — Por que vocês estão tão relutantes em me deixar incluir meu avô na pesquisa? — Eu perguntei categoricamente.


Gaspard fez “hum” e “ah” por alguns segundos, e depois Jean-Baptiste o cortou para salvá-lo — Nós não estamos acostumados a incluir humanos em nossos negócios, exceto em nível de apoio — Ele disse em um tom apologético — Talvez seja algo que vocês não sabem, mas nossa insularidade tem um propósito: sobrevivência. É com o que estamos acostumados. Não significa que não respeitamos seus avós e não valorizemos sua confiança. Eu assenti — Mas agora nós estamos numa corrida contra o tempo para encontrar a informação, certo? — Eu fiquei em pé e joguei o caderno em minha mochila. Gaspard assentiu. Eu peguei meu casaco — Então, com a sua permissão, eu trabalharei com meu avô para ver o que conseguiremos achar — Eu comecei a caminhar para a porta, e depois, me virando, dei a eles uma risada competitiva e disse — Que vença o melhor.


Capítulo 20 — Você disse que era um thymiaterion gigante — Vovô confirmou — Antiguidades Gregas? — Ele folheou um catálogo de leilões enquanto lançava questões para mim. Estávamos abrigados na sala traseira da galeria, sentados entre estátuas de tamanho real de deuses e guerreiros. — Não, Bran disse que os bardia eram da Itália — Eu repliquei, checando minhas notas. — Ah, Etruscos, então — Vovô disse, devolvendo o catálogo ao lugar e pegando outro. — Sim, foi isso que ele disse... Etruscos — Eu confirmei — Quando Constantinopla estava sitiada, eles sorrateiramente levaram o tesouro para fora e o esconderam. Mas, mais tarde, ele foi saqueado. — Eu fico pensando o que exatamente eles querem dizer com “gigante” — Vovô disse, abrindo uma página cheia de objetos para que eu visse — Este é um exemplo de antigo thymiaterion Etrusco — Ele apontou para uma figura de um cálice de barro vermelho. Sua haste tinha uma forma que fazia parecer como se um homem estivesse segurando uma tigela em sua cabeça — Eles eram usados para queimar incenso durante as cerimônias religiosas, e tinham geralmente por volta de trinta a sessenta centímetros de altura. Você pode encontrá-los feitos de calcário, cerâmica... — Este era de bronze — Eu disse, mostrando a ele a anotação em meu caderno. Vovô pensou por um momento — Algo assim seria um objeto maior. O tipo de coisa que ficaria em um museu. Eu nunca vi alguma coisa assim em meus negócios, mas entre as guerras mundiais coleções inteiras de objetos que deveriam ser expostos em museus e que vieram do Oriente Médio estavam sendo vendidos no mercado de arte — sob circunstâncias realmente duvidosas. O fato não reconhecido era que eles tinham sido saqueados. — Eu não sei se alguma destas coleções envolvia artefatos dos revenants... Se envolvessem, os colecionadores de artefatos dos revenants teriam se assegurado de que qualquer menção sobre eles fossem retiradas dos registros públicos. Mas o primeiro lugar que eu começaria procurando é nos registros de leilões daqueles anos. — Você tem algum? — Eu perguntei. Vovô se virou e caminhou para sua estante de livros, correndo seu dedo pelas lombadas de alguns velhos livros, e então apontando para um — Vejamos, este aqui é de 1918 — Ele se moveu duas prateleiras abaixo e parou em outro livro — E este é de 1939.


Minha mandíbula se abriu. A seção para a qual ele estava apontando compreendia cerca de cinquenta livros — Existe chance de estes registros estarem na internet? Vovô me deu um sorriso divertido e balançou a cabeça — Vamos fazer assim. Eu ficarei com os que estão em Alemão e deixarei para você os catálogos em Inglês e Francês. Nós trabalhamos durante toda a manhã e por parte da tarde. Depois de algumas horas vovô me interrompeu, dizendo — Você se dá conta, princesse, que nós estamos dando um tiro no escuro? Podemos não encontrar nada. — Eu sei, vovô — Eu repliquei — E você não precisa me ajudar se isso demorar demais. Vovô disse — N’importe quoi — uma frase que significa “Não seja boba”. E mesmo que ele tenha se levantado para fazer algumas ligações, ele passou o restante do dia trabalhando lado a lado comigo. Nós conversamos com vovó, e Georgia chegou meia hora depois carregando uma cesta de piquenique com almoço para nós três. Pendurando seu casaco no braço estendido de uma ninfa de mármore, ela se sentou e puxou um volume, folheando as páginas até chegar a uma ilustração. Apresentando-a para vovô, ela segurou uma página que mostrava uma estátua nua de Perseus segurando a cabeça de Medusa. Eu levantei as sobrancelhas, esperando. — Bela arte — Ela comentou, e depois folheou para frente do livro, com um ar falso. Eu tentei esconder minha risada de vovô, que estava olhando para nós questionadoramente. — Então, o que vocês estão procurando? — Minha irmã perguntou com uma expressão séria, e uma vez que eu expliquei, ela começou a trabalhar. De tempos em tempos, um de nós encontrava alguma coisa. Uma coleção não especificada de objetos de bronze bizantina. Um antigo queimador de incenso. Vovô dava uma olhada, depois balançava a cabeça, dizendo que conhecia aquela coleção ou peça, e que ela não era associada ao thymiaterion. Mas algumas horas depois, quando eu encontrei “Dez importantes objetos Etruscos, que vinham da Turquia”, vovô se sentou e estudou a descrição mais cuidadosamente. — Inclui objetos de bronze de templos: estátuas e queimadores de incenso, gravadas com símbolos místicos não identificados — Ele leu — Diversos itens de tamanho grande. Parte de um tesouro descoberto fora de Istambul. Veja também os lotes quarenta e cinco e quarenta e seis — Ele leu as descrições dos outros dois lotes, e depois checou a parte de trás do livro, onde havia as listas dos licitantes vencedores. — Acho que você encontrou alguma coisa aqui, Kate — Ele disse, olhando para cima. Eu tentei não ficar animada demais, mas meu sangue parecia zumbir pelas minhas veias quando eu vi a face de vovô se iluminando — Esta é uma grande coleção da qual eu nunca tinha ouvido. E provavelmente por uma boa razão: uma vez que ela foi comprada, tem sido mantida escondida. Além disso, o comprador está listado apenas como um “colecionador anônimo de Nova York”, então isso


poderia provavelmente se referir a um dos nossos secretos colecionadores de artefatos dos revenants. Ele parou, pensando por um momento, e depois fechando o livro que tinha pegado em seu pé — É o suficiente para começarmos. Eu conheço apenas um colecionador de antiguidades em Nova York que ainda está vivo e ao qual isso pode se referir. Seu filho herdou sua coleção e tem sido um dos meus clientes de Manhattan. Além de colecionar antiguidades, ele pede para que eu o contate quando tiver alguma coisa remotamente relacionada ao conhecimento dos revenants. “G. J. Caesar” é como ele se chama, o que é obviamente um pseudônimo. — Por quê? — Perguntou Georgia. Vovô olhou para ela — Eu assumiria que G. J. vem de Gaius Julius... Caesar, como o estadista e general romano. — Eu sabia disso — Georgia disse suavemente. Vovô balançou sua cabeça — Eu não tenho nem mesmo o telefone. Algumas décadas atrás, eu costumava mandar descrições e fotos de objetos que poderia interessar a ele por caixa postal. Agora, é claro, que ele tem e-mail. Mas eu duvido que ele fosse me responder se eu perguntasse a ele sobre um objeto que está em sal coleção. Nosso contato é limitado a compras e vendas. — Bem, para onde você envia suas compras? — Eu perguntei — Se nós tivermos seu endereço, poderemos provavelmente encontrar seu número de telefone. Isso se ele estiver listado — A esperança estava me preenchendo como hélio. Eu me sentia flutuando. Como se eu estivesse pronta para ir para Nova York para procurar o cara por mim mesma. Mesmo que aquela fosse apenas uma pista, era a única que tínhamos. — Ele disse que seus carregadores pegam os objetos — Vovô disse — Eu temo que isso seja um beco sem saída, a menos que eu faça uma coisa que tenho evitado fazer nos últimos dias. — O quê? — Eu perguntei. — Eu vou me encontrar com Monsieur Grimod — Vovô disse — E se as coisas são tão urgentes como você diz, eu devo fazer isso agora. — Bem, é melhor Kate e eu irmos com você! — Georgia disse rapidamente. Ela fechou seu livro com um estrépito, pulou para ficar em pé, e começou a colocar o casaco, lançando-me um olhar que dizia que ela tinha esperado o dia inteiro por uma razão para visitar La Maison. Eu já estava com meu casaco e estava a meio caminho da porta — Eu vou ligar para que eles saibam que estamos indo — Eu disse, puxando o celular de minha bolsa. Quando eu comecei a discar, ele tocou. — Você estava ligando aqui? — Jules disse do outro lado da linha. — Como você sabia...? — Eu comecei. — Vince está aqui comigo, em seu modo de cartomante completo — Ele respondeu — E, sim, vocês podem vir. Eu avisarei a JB que estão a caminho.


Capítulo 21 Pelos dois segundos depois que JB abriu a porta da frente, parecia que não conseguiríamos passar pela soleira. Eu nunca tinha visto meu avô desconfortável em uma situação social, mas suas mandíbulas estavam cerradas tão apertadamente que eu estava surpresa por ele ter conseguido abri-la de novo para dizer — Bonsoir — Mas ele finalmente conseguiu falar, e os dois homens inclinaram suas cabeças antes de apertarem as mãos formalmente. — Kate. Georgia — Jean-Baptiste nos cumprimentou e, saindo do caminho, disse — Por favor, Monsieur Mercier, entre — Ele gesticulou em direção à escada — Nós devemos ir diretamente para a biblioteca. — Eles parecem como se estivessem indo para uma corrida de obstáculos ou um mofado clube de velhos em vez de ir para uma biblioteca para discutir a incorporação do meu namorado imortal — Eu sussurrei para Georgia enquanto o seguíamos pelo saguão. — Talvez seja isso que os homens velhos discutem em suas poltronas de couro enquanto tragam cigarros — Ela respondeu com um sorriso — E aqui estávamos nós imaginando que era sobre o mercado de ações ou os preços das propriedades. A porta da sala de estar se abriu e Arthur saiu para o saguão — Bonjour, Georgia — Ele disse, caminhando ansiosamente em nossa direção. Ele pegou sua mão e estava prestes e levá-la aos lábios quando se lembrou em que século nós estávamos e optou por beijos nas bochechas — Como você está? Georgia levantou seu rosto para que ele a inspecionasse — Melhor, você não acha? — Ela perguntou. — Sim. Você está... — Ele estava quase dizendo “linda”. Eu podia afirmar isso. Mas ele parou a si mesmo e disse — Muito melhor. Estou feliz por você estar se curando. — Foi realmente muito doce de sua parte ligar para saber como eu estava esta manhã e me deixar aquelas mensagens. Desculpa por não ter ligado de volta. Eu estou realmente levando isso a sério. Recuperar minha saúde, eu quero dizer. — Claro! — Arthur exclamou, apertando seus cabelos que chegavam aos ombros conscientemente atrás das orelhas, Eu notei que ele não tinha se barbeado, e que ele estava usando jeans pretos e camiseta em vez da camiseta e terninho. Eu tive que sorri. Arthur estava fazendo um esforço por minha irmã — Eu não esperava que você me ligasse de volta — Ele disse — Eu estava apenas checando se você estava bem. Mas por que você não vem comigo até a cozinha e eu pegarei alguma coisa pra você beber? Você já almoçou? Está com fome? Enquanto eles saíam pela porta do corredor, Georgia me lançou um olhar de canto, mexendo as sobrancelhas em vitória antes de se virar de volta para ele. Eu


mal podia evitar as gargalhadas. Georgia era a rainha dos jogos. E ela estava obviamente jogando este com muito cuidado. Mon ange — Veio uma voz em minha cabeça. — Eu estava pensando onde você estava — Eu disse, seguindo vovô e JeanBaptiste para as escadas duplas. Eu posso dizer que você descobriu alguma coisa. Suas bochechas estão rosadas. O que, eu devo dizer, combina perfeitamente com você, mon amour. Seria inadequado de minha parte dizer o quão absolutamente arrebatadora isso faz com que você pareça? Eu toquei minhas bochechas com as pontas dos dedos e as senti ficando ainda mais vermelhas — Sim, isso é completamente inadequado — Eu o repreendi brincando, mas o elogio fez com que eu me sentisse radiante. Como sempre. O que você encontrou? — Ele perguntou, divertido. — Um velho catálogo de leilões com uma venda que talvez contivesse o thymiaterion. Bem, isso é mais do que Gaspard e Bran têm. Eles não conseguiram encontrar nada parecido com o objeto em si, e estenderam a busca para qualquer coisa que pudesse carregar os símbolos referidos na história. Aqueles que possam explicar como uma reincorporação é feita. — Eles tiveram alguma sorte? Nenhuma. Eu entrei na biblioteca para ver meu avô apertando as mãos de Gaspard e depois de Bran. Os quatro homens se reuniram em torno da mesa, e Jean-Baptiste puxou uma cadeira para mim. Vovô começou colocando o catálogo de leilões na mesa. Ele disse aos outros que se o thymiaterion já não estivesse em um museu ou outra coleção pública — onde ele não poderia estar, senão ele estaria familiarizado com isso — então deveria estar numa coleção particular. Ele explicou sobre as antiguidades do Oriente Médio que tinham sido vendidas nos mercados entre as guerras, e sua teoria de que a peça tinha sido passada da Turquia para um colecionador Europeu ou Americano durante este período. Ele bateu no livro com o dedo indicador — Eu tenho todos os relatos dos maiores leilões daquele tempo, e em um deles, a Kate achou uma venda que poderia se referir ao objeto que nós buscamos. Ele disse “nós”! Eu pensei, me maravilhando mais uma vez por meu avô estar unindo forças com os revenants, por mim. Vovô abriu o catálogo e mostrou a eles a referência, então folheou até a lista dos compradores — Se uma compra desta natureza tivesse sido feita por um museu ou um grande colecionador, o nome estaria listado. Em vez disso, esta importante coleção foi vendida para um comprador anônimo. Ele se virou para JB — Eu estou imaginando que esta biblioteca contêm muitos livros que foram adquiridos de mim.


— Você estaria imaginando corretamente — Jean-Baptiste confirmou, apenas uma pequena hesitação de desconforto cruzando sua face enquanto ele revelava mais um segredo para alguém de fora. — Então talvez você saiba quem são os outros membros desta confederação mundial dos compradores secretos de objetos relacionados aos revenants. — Eu certamente conheço alguns deles — Jean-Baptiste afirmou. — Bem, há apenas alguns colecionadores de antiguidades de importância em Nova York. E apenas um deles com quem eu mantenho contato quando encontro algum objeto relacionado aos revenants. Eu acho que o comprador deste lote pode ter sido o pai deste antigo cliente meu, que mora naquela cidade. Jean-Baptiste o observou, esperando — Mas eu não tenho uma forma de me comunicar com este colecionador, que atende pelo pseudônimo de “G. J. Caesar”, a não ser por e-mail. E eu duvido que ele responderia um pedido meu acerca de algo que já está em sua coleção. Quando vovô disse o nome, uma sombra cruzou as feições de Jean-Baptiste, e eu pude dizer que ele estava se preparando para alguma coisa desagradável. Gaspard também deve ter sentido isso, porque ele fez um barulho que parecia um soluço e depois começou a mexer em alguns papeis. Vovô continuou, destemido — Isso, aliás, parece ter soado um sino em você. Eu esperava que você pudesse realizar uma intervenção para perguntar se a peça está na coleção dele. Ele certamente seria mais aberto para compartilhar as informações com você. Houve um longo e desconfortável momento no qual Jean-Baptiste parecia lutar contra uma guerra interna. Finalmente, ele se levantou e disse — Eu posso conhecer o homem ao qual você se refere, mas eu não tenho informações acessíveis sobre ele. Dê-me um dia, Monsieur Mercier, e eu verei o que posso fazer. — Isso parece razoável — Vovô respondeu, olhando para mim. Eu estava balançando minha cabeça. — Nós temos menos de quarenta e oito horas restantes — Eu incitei — e Vincent disse que nós nem podemos ter certeza de que Violette vai respeitar isso. Ela poderia levá-lo de volta antes do previsto. — Eu sei exatamente quanto tempo ainda temos — Jean-Baptiste respondeu, impassível — Eu apenas preciso de um pouco de tempo para pensar. Gaspard estava se mexendo ainda mais, até parecia que ele estava prestes a queimar um fusível. Levantando-se, ele encarou seu parceiro — Jean-Baptiste, o tempo é essencial aqui. É o momento de deixar o passado ser o passado. Eu me recuso a permitir que você passe o dia debatendo se vai ou não falar com Theodore. Cinquenta anos é tempo demais para uma disputa. Agora, pegue o telefone e ligue para ele. — Eu posso nem ter o seu número correto mais — Jean-Baptiste contrapôs. — Vincent acabou de atualizar as informações do Conselho no mês passado. Não tenho dúvidas de que ele está listado aqui — Gaspard disse, mãos cerradas firmemente nos lados de seu corpo.


Minha boca se abriu. Gaspard nunca era tão assertivo, exceto pela transformação de personalidade que ele sofria quando tinha uma arma na mão. Jean-Baptiste pareceu igualmente surpreso porque ele continuou lá, olhando friamente para Gaspard antes de se virar e sair da sala. Quem é Theodore? Eu pensei. Eu nunca tinha visto Jean-Baptiste agir desta forma antes — sem mencionar que eu nunca tinha visto Gaspard reagir daquela forma também. Devia haver algum desentendimento sério entre os dois revenants, e eu estava queimando de curiosidade para saber o motivo. Todos se sentaram confortavelmente por um momento, até que ouvimos a voz de Jean-Baptiste vindo de seu quarto e cruzando o corredor. Gaspard limpou a garganta para mascarar o som e dar um pouco de privacidade a JB. Depois de um momento tenso, ouvimos o som de um telefone sendo desligado, e passos em direção à biblioteca. Jean-Baptiste apareceu, sua face uma máscara de compostura, mas seu tom avermelhado desmentindo suas verdadeiras emoções. Ele evitou olhar para o restante de nós e falou diretamente para Gaspard. — Theodore, de fato, tem um thymiaterion de um metro e meio de altura com símbolos místicos gravados pelo pedestal, incluindo o signum bardia. Ele sabe de dois outros existentes no mundo: um na China e um no Peru, então ele não pode ter certeza de que o dele é o que foi mencionado no conto do guérisseur. Mas ele acredita que isso não importa, já que todos foram criados com o mesmo propósito. Ele disse que nunca descobriu o seu uso, mas está animado pela teoria que estamos propondo, que ele foi criado para facilitar uma reincorporação. — Ele se ofereceu para trazê-lo para nós? — Gaspard perguntou. Jean-Baptiste balançou a cabeça — Ele disse que demoraria semanas para lidar com os despachos aduaneiros para tirar um objeto como aquele do país. Meu coração subiu para minha garganta, e eu desabafei — Então nós vamos para lá! — Isso foi o que ele sugeriu — Jean-Baptiste confirmou, virando-se para mim — Bran deve levar os relatos de sua família. E um revenant deve acompanhar Vincent para o caso de ele ter que habitar outro corpo enquanto o processo é realizado. — Certamente você deveria ir — Incitou Gaspard — O líder dos bardia da França deveria representar-nos, uma vez que esta não deixa de ser uma missão diplomática, pois é um... — Eu não vou — Jean-Baptiste interrompeu raivosamente, antes de se acalmar visivelmente e continuar — Você fez questão que eu contatasse Theodore, e legitimamente. Mas é só até este ponto que eu estarei envolvido. Você não sabe o que está pedindo, Gaspard. Jean-Baptiste inclinou um pouco sua cabeça, ouvindo, e depois disse — Em qualquer caso, Vincent já decidiu. Ele quer que Jules o acompanhe. — Então Bran e Jules devem se preparar para ir — Gaspard disse.


— Eu também vou — Eu afirmei, meus olhos voando para vovô quando as palavras deixaram minha boca. Eu levantei o queixo, preparando-me para sua recusa. — Eu não vou deixar você voar para Nova York com dois homens que eu mal conheço — Vovô disse, arrastando sua cadeira para trás abruptamente. Ele parecia ter vontade de me pegar e sair da casa imediatamente. — Então, está decidido — JB ditou — Monsieur Mercier acompanhará sua neta. Bran, você vai querer preparar suas cosias. Gaspard, por favor avise Jules sobre sua tarefa e ligue para o nosso piloto — E ele se virou e marchou para fora da sala. Vovô e eu olhamos um para o outro em choque enquanto Gaspard caminhava até o telefone e começava a discar. Bran correu e começou a reunir seus livros, como se nada fora do comum tivesse acontecido. Finalmente vovô se despregou de sua posição congelada e, pegando-me gentilmente pela mão, disse — Eu não me importo quem ele é ou quanto poder ele tem. Monsieur Grimod não tomará decisões a respeito de mim e de minha neta. — Vovô, eu tenho que ir com eles. Você tem que entender isso — Eu disse, não implorando, mas encarando aquilo como um fato. — Kate, isso pode ser perigoso — Ele disse. — Quão perigoso isso pode ser? É uma viagem para Nova York num jato particular, uma visita para um colecionador de antiguidades, uma cerimônia que envolve Vincent e não eu, e depois nós estaremos de volta. Na realidade, é provavelmente mais seguro que eu saia da França e fique longe de Violette e dos numa do que me mantenha aqui. Vovô olhou ao seu redor, para Bran, que tinha olhos como os de coruja, enquanto olhava para nós. Para Gaspard, que segurava o telefone a centímetros de sua orelha, como se fosse um objeto perigoso do futuro que poderia infectá-lo com o progresso se encostasse em sua cabeça. — Como podemos confiar nestas pessoas? — Ele perguntou, resistindo. — Elas são melhores do que a alternativa, que realmente nos ameaçou — Eu o lembrei suavemente, e em minha mente corrigi para me ameaçou. — Mas... Escola — Ele começou, em uma última tentativa de me dissuadir. — Não terei aula esta semana — Eu respondi — Lembre-se. A pausa do inverno começa amanhã. Vovô, escute. Se isso funcionar, Vincent recuperará seu corpo. Eu tenho que estar lá para isso. Se não funcionar, então pelo menos estaremos face a face com o cara das antiguidades, que pode ter conhecimento o suficiente para saber de outra solução. Apenas pense, você poderá conhecer este cliente com quem você faz negócios há décadas. Eu podia dizer que vovô já tinha pensado nisso. Ele estava tentado pela possibilidade de conhecer este misterioso colecionador e dar uma olhada na sua coleção. Mas este desejo estava sendo sobreposto por sua preocupação comigo.


Jules irrompeu na sala, parecendo como se alguém o tivesse socado — Vincent me disse que estou partindo para Nova York — Ele disse, olhando em nossa volta, confuso. — Sim. Vá arrumar suas coisas — Gaspard disse, desligando o telefone. E Jules estava fora, descendo as escadas para ir ao seu quarto, sem fazer nenhuma pergunta. Gaspard se aproximou e olhou nos olhos de vovô — Sua decisão, senhor? Vovô respirou profundamente, olhou para mim, e depois disse — Minha neta e eu vamos. — Você precisará disso, então — Gaspard disse, e entregou a vovô uma pequena caixa de madeira. Dentro dela, havia um medalhão de ouro preso em um cordão: um fino disco de ouro gravado com um círculo, o triângulo e as chamas — Isto é seu, para que você coloque, para sinalizar aos outros que você tem a nossa confiança. — Eu reconheço o símbolo — Vovô confirmou. — Se você deseja ir para casa e pegar uma mala, um carro estará esperando fora de seu prédio em duas horas — Gaspard afirmou, parecendo um homem de negócios — Eu pedirei para Arthur e Ambrose levarem você e suas netas para casa. Meu avô assentiu e Gaspard saiu para encontrar Georgia e os revenants guardiões — Você tem um destes também? — Vovô perguntou, enquanto colocava a corrente por sua cabeça e enfiava-a para dentro da camisa. Eu hesitei, mas ouvi a voz de Vincent dizer — Você pode mostrar a ele. Eu puxei a minha para fora e os olhos de vovô cresceram para o disco de ouro do tamanho de uma moeda de um dólar. Ele o pegou tentativamente, passando os dedos nas bordas das bolinhas de ouro e estudando o desenho das chamas em volta da safira triangular — Você tem usado isso... Na rua? — Ele perguntou, sua voz trêmula. — Bem, sim. Eu quero dizer, embaixo das minhas roupas — Eu disse. Sua expressão fez com que eu me sentisse como se estivesse fazendo uma coisa louca, como correr nua pelas ruas de Paris. Vovô estremeceu para conter seu temor, murmurando — Eu nem vou te dizer quanto isso vale, princesse. E o quão raro é isso. Porque se eu fizesse isso, você provavelmente não ousaria usá-lo de novo. Eu escutei Vincent rindo em minha mente e sorri — É só uma coisa, vovô. — Sim, Kate. Uma coisa que garante a você a proteção dos revenants. Mas também serve como um símbolo do que você significa para eles. E se eles escolheram este signum em particular para representar o seu valor... Eu nem poderia chegar perto de competir com a proteção que eles podem te oferecer. Significa que você não tem preço. Meu avô sorriu para mim ternamente e apertou minha mão — Fui oficialmente ultrapassado, princesse. — Isso não é uma disputa, vovô — Eu disse, sorrindo — É um esforço de grupo. E agora você faz parte dele.


Vovô pegou o meu braço e me levou para fora da sala — Então, vamos levar este show para a estrada.


Capítulo 22 Nós deixamos Paris do Aeroporto de Charles de Gaulle às oito da manhã, e pela mágica do fuso-horário de seis horas a menos, chegamos ao Aeroporto JFK às dez da noite. Eu mal tinha dormido — se era por causa da ansiedade ou da excitação, eu não poderia dizer. Provavelmente os dois. Vovô e Bran cochilaram assim que estávamos no ar. Jules conversava baixinho com Vincent no fundo do avião e, depois de um tempo, começou a ler. Um motorista estava esperando por nós na chegada com uma placa escrita “Grimod”. Empilhando a nossa bagagem em um carrinho, ele nos levou até uma limusine que esperava do lado de fora. Havia centímetros de espessura de neve no chão, e um vento gelado me obrigou a puxar o casaco mais apertado em meu corpo, ao mesmo tempo em que esquivava das manchas de gelo nas calçadas. Estávamos em silêncio durante a viagem para Manhattan. Eu senti um estranho torpor enquanto observava as luzes tremeluzentes da cidade ficarem mais próximas pela janela da limusine. E não era só por causa do sono e do Jet-lag. Era porque eu estava de volta. De volta ao lugar onde eu havia crescido. De volta ao lugar aonde eu tinha vivido por dezesseis anos — minha vida inteira — com minha mãe e meu pai, ido para a escola, aprendido a dirigir, beijado pela primeira vez. Este lugar era verdadeiro e Paris era ficção. Então por que tudo parecia tão surreal? Eu suspeitei que meu torpor estava disfarçando alguma coisa: angústia, talvez. Ou talvez uma dor despertada que eu não estava pronta para encarar. Bran olhou pela janela com olhos arregalados, absorvendo a vista, boquiaberto de assombro. Ele engasgou quando viu a silhueta do Empire State Building se aproximando. Vovô perguntou — É a sua primeira vez na América? — É a minha primeira vez fora da França — Bran respondeu, incapaz de tirar os olhos de lá de fora. — E quanto a você? — Eu perguntei a Jules, que estava inclinado para trás contra o encosto de cabeça, observando sem emoção enquanto a limusine cruzava a Ponte de Manhattan acima do East River. — O mais distante que eu fui até agora foi o Brasil — Ele disse, balançando os olhos preguiçosamente para encontrar os meus antes de distanciá-los mais uma vez. Ele tinha agido diferente desde o Beijo. Distante. Ele se sentou com o máximo de distância que podia de mim, tanto na viagem para o aeroporto quando no avião. Normalmente, ele teria sido meu parceiro de conversas, juntamente com Vincent. Ele estava obviamente me evitando. E eu podia compreender isso. Eu mal o tinha visto desde Sábado, dois dias atrás. Havia um senso definido de desconforto entre nós dois. Eu esperava profundamente que isso fosse esquecido e que nós voltássemos ao normal. Eu amava Jules. Apenas não daquele jeito. Mas sendo o melhor amigo de Vincent, ele


sempre seria uma grande parte de minha vida. Minha mente escapou de volta para a cena em seu quarto, enquanto eu tentava ver tudo de fora. Do meu ponto de vista, parecia que eu estava beijando Vincent. Meus olhos estavam fechados e foi o que eu vi em minha mente. Mas agora a imagem que se formava era de mim nos braços de Jules, nós dois abraçando um ao outro em uma tentativa desesperada de ficarmos mais próximos. Olhando de volta para Jules, eu vi que ele estava me observando, e minhas bochechas se inflamaram enquanto eu bania a imagem para fora de minha mente. Ele segurou meu olhar — ele sabia o que eu estava pensando, eu podia afirmar — e depois fechou seus olhos e deitou a cabeça contra o assento. Kate, você está bem? — Eu ouvi Vincent dizer. — Sim. Só estou cansada — Eu respondi, e depois olhei rapidamente para vovô. Ele estava tentando não parecer irritado: ouvir-me falar com Vincent volante o tinha deixado maluco. Ele disse que era rude manter uma conversa sendo que os outros não podiam ouvir, mas eu sabia que na verdade era porque ele odiava ver sua neta conversando com o ar. O motorista da limusine dirigiu para o norte na Park Avenue e virou à esquerda quando chegamos aos oitenta. Dirigindo até o final do quarteirão, ele parou em frente a um imponente prédio de apartamentos que ficava de frente para o Metropolitan Museum of Art — Chegamos — Ele disse, num pesado sotaque russo, e saiu para nos ajudar com a bagagem. Um porteiro uniformizado irrompeu da porta da frente, encontrando-nos na calçada e levando nossas malas para dentro. Ele colocou todas atrás de um balcão e virou-se para nos enfrentar, com as mãos atrás das costas. — O Sr. Gold está esperando por vocês. Por favor, me mostrem as fichas de sua associação. — Fichas — Eu perguntei, confusa. — Você faz parte do clube do Sr. Gold, não faz? Eu preciso ver a prova de que você é um membro. — O signum — Jules incitou. — Oh — Eu disse, e puxei o colar de dentro de minha camiseta. Vovô fez o mesmo, mostrando-o para o porteiro, e Bran puxou suas mangas para mostrar a tatuagem. O homem não mostrou surpresa perante nossas estranhas “fichas”. Curvandose ligeiramente, ele disse — Muito obrigado. É por aqui — E levantou a mão enluvada para indicar o elevador. Ele não pediu para que Jules mostrasse a ficha, eu pensei, enquanto o porteiro pressionava o botão para o piso superior. Eu o estudei mais de perto e percebi com surpresa que ele era um revenant. Mas o meu choque não era por Sr. Gold ter contratado um guarda de sua espécie para fazer a segurança do prédio, mas porque eu realmente tinha sido capaz de dizer o que ele era. Os estranhos efeitos especiais que eu tinha notado ao redor dos numa eram revertidos no caso deste homem. O centímetro de espaço em volta dele era cheio


com mais vibrações e cores do que o restante do ar, enquanto os numa sugavam as cores para fora de suas auras, tornando-as uma penumbra sem cor. Eu olhei para Jules. Ele tinha a mesma nuvem vívida ao redor de seu corpo. Eu tinha passado tanto tempo com ele e com os outros que eu nem tinha notado isso neles. Agora que eu era parte do mundo dos revenants e sabia que seres sobrenaturais existiam onde eu nunca teria esperado, eu estava prestando mais atenção em quem era humano e quem não era. No caso do porteiro... Não. Ele é um de nós — Vincent disse, confirmando minha dedução. Nós saímos do elevador, seguimos o homem pelo corredor, e paramos na frente de uma porta. Ele a destrancou e nos levou para dentro do apartamento — Sr. Gold virá em um minuto. Ele disse que vocês devem ficar à vontade — E com isso, ele fechou a porta, deixando-nos a sós para examinar ao nosso redor, com espanto. O apartamento era grande e moderno, as paredes todas brancas e o chão de madeira, com janelas que iam do chão até o teto e quase nenhum móvel. Pedestais de pedra apoiavam vasos antigos e objetos de metal: uma máscara grega em ouro. Um elmo romano de bronze. Uma finamente esculpida mão de mármore do tamanho de uma geladeira. Eu já tinha visto coisas assim em museus, protegidas por vidros blindados. Mas aqui elas estavam ao alcance das mãos, arranjadas elegantemente abaixo das luzes que as faziam brilhar como joias. A ingestão aguda de ar de vovô indicou que ele estava tão impressionado quanto eu. Até mesmo Jules se endireitou quando colocou as mãos para fora de seus bolsos e tocou o ombro de mármore esculpido de uma ninfa. Bran só ficou boquiaberto, com seu regular olhar atônito, seus olhos ainda maiores, absorvendo cada centímetro do cômodo. A porta se abriu de novo e um jovem de cabelos loiros e olhos azuis entrou. Ele usava um terno branco. Ele se curvou ligeiramente — Theodore Gold — Ele disse. — Mas você é o porteiro! — Eu exclamei. Ele mal era reconhecível sem o uniforme e o chapéu. O disfarce perfeito, eu pensei. Ninguém olha para um porteiro atentamente. — Sim, eu sinto muito sobre isso — O homem disse com a elegante sonoridade da classe alta que não soava nenhum pouco como o forte sotaque de Jersey que ele tinha assumido para o porteiro — Eu valorizo minha privacidade, e prefiro não depender de outras pessoas para minha segurança. Eu prefiro receber meus hóspedes a arriscar um erro de alguma outra pessoa. Mesmo que vocês tivessem um revenant com vocês — Ele apontou para Jules — Ele poderia ter sido trazido para cá sob coação, usado como um refém se vocês quisessem me pegar. — Eu acredito que você seja Jules — Ele disse, cumprimentando-o com os beijos na bochecha europeus — Bem vindo, parente. — Eu sou a Kate — Eu disse, e levantei minha mão para um aperto de americana para americano. Sr. Gold me deu um sorriso quente, e para o meu alívio não perguntou por que eu estava lá. Eu realmente não estava com vontade de entrar numa conversa de “sou a namorada do espírito errante”.


Bran foi o próximo — Sua tatuagem me diz que você é o curandeiro do qual Jean-Baptiste me falou. Eu tenho lido sobre o seu povo. É verdadeiramente uma honra conhecê-lo. Ele se virou para o meu avô — Você deve ser Monsieur Mercier. Gaspard me telefonou para informar da sua conexão e a da sua neta com a tribo de Paris. Então ele sabia. É uma coisa a menos para explicar — Vincent disse a mim. — Você leu a minha mente — Eu sussurrei de volta. — Eu sou Antoine Mercier — Meu avô confirmou em seu bonito sotaque inglês. Ele olhou para o revenant com um misto de suspeita e curiosidade — Mas você é Theodore Gold IV? O Theodore Gold? Autor de A Queda do Império Bizantino? O homem sorriu — Sim, esse foi um trabalho meu. Julgando pela expressão de vovô, era como se ele estivesse conhecendo o papa — Mas você é tão jovem! Estou admirado por conhecê-lo. O livro de seu avô sobre os vasos da era romana é praticamente minha bíblia pessoal. Divertimento brilhou pela face de Theodore Gold — Na verdade, Theodore Gold Junior também era eu. Como o era o Theodore Senior. Eu tento mudar meu estilo de escrita a cada vez para fazer com que tudo seja mais convincente. Vovô apenas ficou ali parado, boquiaberto. O Sr. Gold riu e alisou vovô no ombro — Bem, eu estou honrado por ter enganado tão bem alguém com um conhecimento tão grande na área com o senhor, Monsieur Mercier. Meu avô completamente imperturbável ainda estava preso no lugar — Um revenant — Ele disse — Só há um Theodore Gold. A dinastia toda dos especialistas em antiguidade é... Uma pessoa. E você é G. J. Caesar para quem eu estive vendendo peças pelas últimas décadas? — Eu acho que eu posso, na verdade, ter comprado uma peça sua antes disso, com o pseudônimo de Theo Gold Junior, que era Mark Aurelius, antes de eu ter passado a coleção para mim mesmo — Theodore apontou, ajudando. — Posso me sentar? — Vovô perguntou, a cor sendo drenada de sua face. — Por favor — Disse Sr. Gold, gesticulando em direção ao sofá. À frente dele, havia uma mesa baixa com garrafas de água com gás e um prato com minicheesecakes — Eu não tinha certeza se vocês tinham comido no avião — Ele comentou quando se sentou — Agora, temos muito para conversar. Posso adivinhar que o revenant volante que eu sinto é o bardia que Jean-Baptiste mencionou? — Ele esperou e assentiu com a cabeça — Bom. Então, pelo que eu soube, você está procurando por um thymiaterion gigante com símbolos instrucionais gravados na haste. Bran explicou sobre os relatos de sua família, e retirando o livro de sua bolsa, leu a passagem em voz alta. Sr. Gold pareceu impressionado — Incrível. Certamente é tentador pedir para ver o restante do livro — Ele parou quando Bran balançou a cabeça — Mas, eu


imagino que a informação é confidencial. Eu acredito que você nos deu todos os detalhes importantes, não? Bran assentiu — Eu procurei por todas as anotações de minha família, e esta é a única menção à reincorporação. — Tudo bem — Sr. Gold disse, apertando as mãos juntas. Com sua aparência jovem e o terno branco, ele me lembrava Robert Redford na versão dos anos setenta de O Grande Gatsby. Ou um personagem retirado de uma romance de Edith Wharton: bonito e com cabelos claros, com aquele bronzeado de como se ele tivesse acabado de sair de um iate que pessoas muito ricas tinham. — Eu entendi que o tempo é precioso — Ele estava dizendo — e que Vincent pode ser chamado de volta à traidora a qualquer momento. Quanto tempo passou desde que ela te deixou partir? — Ele perguntou — Ontem depois do almoço — Ele repetiu, olhando para o relógio — São onze horas da noite agora, então em seis horas terão se passado dois dias, no horário de Paris. Bem, vamos esperar para que ela não te chame de volta antes do tempo. Precisaremos de todo o tempo que pudermos para decifrar os símbolos. Ele tomou o restante de seu copo e ficou em pé — E sabendo disso, é melhor partirmos. — Para onde — Eu perguntei, enquanto todos nos levantávamos. — Para ver o thymiaterion — Ele disse. — Ele não está aqui? — Eu perguntei, olhando ao redor da sala. — Não. Eu deixo apenas alguns dos meus objetos favoritos aqui. A coleção mais completa de artefatos dos revenants está do outro lado de rua. — No Metropolitan Museum of Art? — Perguntou vovô, incrédulo. — Sim, meu caro homem — Respondeu Sr. Gold com um sorriso torto — No MET.


Capítulo 23 — Eu nunca tinha visitado o MET à meia-noite — Sussurrei enquanto seguia os outros para uma porta lateral, longe da grande escadaria da entrada principal. Isso é um sonho seu? — As palavras de Vincent vieram. — Um museu inteiro cheio de quadros só para mim, seria — Eu respondi — Um museu cheio de objetos antigos, à noite, no entanto, é bastante assustador — Eu tremi, lembrando de um pesadelo frequente que eu tinha na infância no qual as estátuas da galeria de vovô criavam vida. Sr. Gold pegou um chaveiro, abriu as primeiras portas, nos levou para um segundo conjunto de portas, e depois passou por um guarda de segurança. Ele começou a procurar por sua ID no bolso, mas o guarda apenas assentiu e acenou para que ele entrasse. — Por este caminho — Sr. Gold disse. Nós cruzamos uma sala cavernosa cheia de vasos antigos empoleirados em suportes e protegidos por caixas de vidro. Num canto escuro da sala, nos amontoamos em um elevador de serviço aberto. Nosso anfitrião esperou para que as portas se fechassem, colocou uma chave no painel de controle, e pressionou um botão para um dos andares do subsolo. Enquanto descíamos, eu não pude evitar perguntar — Então, como você tem a chave do museu? E o acesso pela entrada dos empregados? — Eu sou um empregado — Disse Sr. Gold, enquanto saíamos do elevador — Eu sou oficialmente o curador chefe das antiguidades, mas eu não estou por aqui o tempo todo. Se os mesmos funcionários me virem por longos períodos de tempo, as coisas pareceriam... Questionáveis, não? Nós o seguimos por vários corredores, e paramos diante de uma porta dupla com um sinal marcado “arquivos”. Gold digitou um código num teclado e inseriu outra chave na fechadura. — Assegurando uma doação substancial para o museu, da faixa de muitos milhões de dólares, eu consegui convencer o museu a me dar acesso privativo a toda esta área — Ele abriu a porta e acendeu o interruptor. Diante de nós, estava um grande espaço do tamanho de um armazém, belamente decorado com colunas dispersas e afrescos nas paredes. Tudo estava iluminado individualmente por luzes que brilhavam nos painéis da parede e do chão. Eu tremi em um deleite atônito, e olhei para vovô para aferir sua reação. Meu avô parecia ter morrido e ido para o paraíso dos caçadores de antiguidades. Esta era a coleção secreta da arte revenant. Ela deveria ter milhares de objetos desde pequenas peças de joias armadas em estojos presos nas paredes, até gigantes estátuas de mármore de heróis carregando enormes armas e usando nada além do signum bardia em cordões ao redor de seu pescoço.


— Vocês são os três únicos humanos que visitaram esta importante coleção histórica — Sr. Gold disse com um sorriso torto — Porém eu ocasionalmente tenho visitantes revenants que são indicados. Quanto você sabe sobre a história dos revenants? — Ele perguntou a mim. — Vincent me contou algumas histórias. E Gaspard menciona algumas coisas de tempos em tempos. Mas a minha compreensão total é provavelmente muito pequena. Você está sendo modesta — Vincent disse — Eu sei que você tem lido tudo o que cai em suas mãos. Eu não respondi. Quanto menos o Sr. Gold pensasse que eu sabia, mais ele iria me dizer. Nós caminhamos lentamente em direção ao outro canto da grande sala. Mesmo que Jules, vovô e Bran estivessem olhando ao redor enquanto caminhávamos, eles estavam todos ouvindo nossa conversa. — Bem, considerando o projeto que estamos a ponto de começar, seria útil dar a você um resumo rápido de ambos os revenants e de nossos amigos guérisseurs. Sua voz adquiriu um tom de contador de histórias, e eu podia dizer que ele já tinha contado este conto antes, mesmo que eu imaginasse que fosse para os revenants, e não para os humanos. — Desde que os homens existem, também existem os bardia e os numa. Mas nos tempos antigos, eles eram tidos como heróis ou demônios. Ambos viviam entre os humanos como seus guardiões ou, no caso dos numa, perigosos mais efetivos aliados dos homens que procuravam o poder a qualquer custo. — Antes da medicina moderna, curandeiros, conhecidos na França como guérisseurs, eram muito mais comuns e respeitados entre os homens. Como os poderes dos guérisseurs se desenvolvem de acordo com a necessidade da comunidade ao redor deles, uma pequena porcentagem deles desenvolveu poderes para ajudar os revenants com seus requerimentos específicos. Bran parou de olhar ao redor e começou a prestar completa atenção à história de Sr. Gold, bebendo cada palavra. — Assim como os bayati — humanos com habilidade paranormais que mais tarde foram chamados de santos — os revenants ao redor do mundo começaram a ser perseguidos com o surgimento das maiores religiões. Nos países orientais, alguns foram capazes de se esconder entre os homens religiosos mortais e os shamans. Mas não no ocidente. Foi neste ponto — depois de serem caçados e destruídos em grande escala durante o século catorze — que os revenants se retiraram do mundo mortal. Isso se encaixava com o que eu já sabia, e explicava muito do que eu tinha visto nos arquivos dos dedos de fogo. Eu comecei a pensar se a palavra “arquivos” não se aplicava tanto às imagens como aos poucos livros e objetos que eu tinha visto. As pinturas das paredes explicavam a histórias que Sr. Gold estava contando de um jeito muito mais memorável. Eu absorvi cada palavra enquanto ele continuava: — Para facilitar o desaparecimento dos revenants da consciência humana, os bardia se lançaram em uma campanha para esconder os artefatos de arte


relacionados aos revenants, bem como a literatura, que era comum nos tempos romanos e, até mesmo antes. Os numa estavam de acordo com isso, pois tinham perdido muitos de seus membros na perseguição religiosa. O Sr. Gold parou em frente a uma estátua de um homem deitado em uma cama. Flutuando sobre ele, havia uma mulher com uma tatuagem idêntica a de Bran gravada em seu antebraço. Ela estava passando as mãos pelo homem que parecia morto. Provavelmente é um revenant dormente — As palavras de Vincent me informaram e eu assenti, concordando. — Na medida em que os gérisseurs se tornaram cada vez mais escassos — Sr. Gold continuou, gesticulando em direção à estátua — o número daqueles que possuíam os dons de auxiliar os revenants diminui, e o conhecimento dos revenants sobre eles caiu do uso comum. Eu, no entanto, possuo algumas barras antigas que falam sobre alguns dos dons deste guérisseurs — Ele se virou para Bran — Você pode ver nossas auras, não pode? — Sim — Bran afirmou — Os guérisseurs praticantes de minha família podem ver as auras dos revenants e dos humanos. É fácil distinguir entre os dois. Ele olhou para mim enquanto dizia isso, e eu sorri — Eu me lembro de sua mãe dizendo que Jules tinha a aura de uma floresta em chamas — Eu disse, pensando nas diferentes auréolas retratadas nas pinturas das paredes da caverna. — Sim — Bran disse — Esse é o seu traço definidor para nós, que é indicado no símbolo do signum bardia — Ele apontou para as chamas na tatuagem da mulher de mármore. — Você pode diminuir a necessidade de um revenant em morrer — Continuou Sr. Gold. Bran assentiu — Aparentemente isto é verdade, mas minha mãe não foi capaz de encontrar as instruções para este procedimento nos relatos de nossa família. Nosso anfitrião considerou isso. — Por que isso seria útil para um revenant? — Vovô perguntou. — Alguns revenants se apaixonam por humanos e desejam envelhecer junto com seus parceiros — Explicou Sr. Gold diretamente. Jules encontrou o meu olhar e riu, enquanto pelo canto dos olhos, eu vi vovô enrijecer. Eu não ousava olhar para ele, desejando que Sr. Gold passasse esta parte — Também há o fato de que em tempos antigos, quando a população do mundo era menor, revenants que viviam em áreas pouco habitadas podiam não encontrar ocasiões para salvar humanos. Eles podiam visitar estes guérisseurs para amenizar a dor. Sr. Gold levantou a mão para contar os dons dos guérisseurs — Vê auras, ameniza a necessidade de morrer... E então há também, é claro, a dispersão — Ele disse, mostrando três dedos. — O que é isso? — Jules perguntou. O Sr. Gold encontrou os olhos de Bran e ele deu de ombros — Eu nunca ouvi sobre isso.


— Em nosso caso, não é importante — Sr. Gold concluiu — E o quarto e último dom, até onde eu sei, é a reincorporação. Isso aparecia em relatos antigos, mas exemplos são extremamente raros. Até que Jean-Baptiste mencionasse isso por telefone esta manhã, eu nem tinha ouvido sobre isso nos tempos contemporâneos. E sem a sua sugestão, eu jamais teria adivinhado que os símbolos misteriosos ao lado do nosso queimador de incenso tinha alguma coisa a ver com isso. Agora... Eu penso. Ele esfregou o queixo contemplativamente antes de se virar e nos levar mais para o fundo da sala — Infelizmente, o conhecimento deste procedimento se perdeu no tempo — Ele olhou por cima de seu ombro e deu a Bran um olhar significante — Pelo menos para nós, revenants. E é por isso que eu estou feliz por você estar aqui, guérisseur.


Capítulo 24 — Ah, aqui está: nosso thymiaterion — Sr. Gold disse quando nos aproximamos de uma grande peça de bronze que parecia como um gigante cálice dourado. Seu aro ficava na altura do meu queixo e sua tigela era tão grande em diâmetro que uma piscina de criança caberia lá dentro. Chamas gravadas lambiam toda a superfície da haste, que era tão grossa quando minha cintura. E circulando a haste do meio para cima havia uma série de círculos do tamanho de pires, cada um deles decorado com um objeto diferente. — Como vocês podem ver, há sete símbolos — Explicou Sr. Gold — O primeiro da série é o signum bardia, que foi a indicação de que esta era uma peça associada aos revenants. E a última da série, se vocês seguirem o círculo ao redor para a esquerda do signum, obviamente representa fogo — Ele disse, indicando um círculo com apenas uma chama gravada dentro. — Uma faca com gotas de sangue — Disse vovô, gesticulando para outro círculo — E perto dela, um abanador — Ele apontou para um símbolo de uma vara com várias penas unidas a uma extremidade. — Isso parece como algum tipo de vaso ou jarro — Eu disse, tocando uma imagem de um vaso de cerâmica com duas alças aos lados. — Uma ânfora ou um pote — Vovô disse. — Este é o símbolo do meu povo — Disse Bran, apontando para o círculo que mostrava a mesma mão que estava pintada nas tumbas da caverna: palmas para frente, dedos esticados, e uma pequena chama acima de cada dedo. Faltava um símbolo. Era uma caixa aberta, sua caixa deslizada para um lado — O que é este? — Perguntou Jules, que estava assistindo silenciosamente. — Uma caixa — Vovô disse e deu de ombros — Eu não a reconheço como um dos típicos temas antigos. Bran tinha pegado um lápis e estava copiando os símbolos em seu livro — O signum e o símbolo dos dedos de fogo devem indicar que o objeto foi usado em uma cerimônia que incluía revenants e o meu povo — Ele disse — Tendo isso em conta, ainda temos cinco símbolos para decifrar: o pote, a faca com o sangue, o abanador, a caixa e o fogo. — E quanto a água, sangue, ar, espaço e fogo? — Eu perguntei, traçando os dedos com os dedos. — Historicamente, o símbolo do pote de barro significa argila ou terra — Sr. Gold disse — Sangue pode tomar o lugar da água como líquido. Então é apenas a caixa que não se adéqua aos quatro elementos. Bran parecia pensativo — Isso me faz lembrar de uma coisa. Alguma coisa que está na ponta da minha língua, mas eu não consigo dizer — Eu olhei para vov^, esperançosamente.


— Por que não o deixamos pensar? — Sr. Gold sugeriu — Ou você pode dar uma volta pela sala para ver se alguma outra coisa não te faz lembrar. Bran assentiu distraidamente, e se sentou no chão ali mesmo onde ele tinha ficado parado, olhando para o gigante queimador de incenso como se esperasse que a resposta caísse em seus braços. Vovô pediu licença e começou a caminha excitadamente de peça a peça, balbuciando fatos e datas enquanto caminhava. Jules estava balbuciando também, mas em seu caso eu podia dizer que os murmúrios eram parte de uma conversa. — Theodore — Jules disse — Vincent e eu estávamos dizendo que você parecia familiar. Nós já o encontramos antes? Sr. Gold sorriu — Sim. Eu estava em Paris um pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Era setembro de 1939. Eu fui até lá para ajudar na evacuação das coleções do Museu do Louvre. Meus colegas franceses e eu empacotamos todas as obras de arte e as enviamos para várias localizações na França, para protegê-las das invasões do exército alemão. Foi nesta época que eu conheci o seu líder, JeanBaptiste. Mesmo que isso soasse como uma conversa particular, eu estava intrigada e tinha me aproximado um pouco mais para ouvir. Jules assentiu — Vincent está dizendo que ainda não estava em Paris. Você voltou para lá desde então? Uma sombra cruzou a face de Sr. Gold — Na verdade, sim. Eu voltei para a França alguns anos depois, quando os bardia de Paris estavam em uma guerra de larga escala contra os numa. Alguns de nós americanos fomos para ajudar. Eu fui o único de minha tribo que não foi destruído. — É isso — Jules disse — Você era um dos americanos que viviam na casa de JB em Neuilly — Sr. Gold assentiu, sua expressão séria — Vincent me disse que você e JB estão distantes desde então. Não que isso seja da nossa conta — Jules disse, instantaneamente parecendo arrependido de ter falado as palavras de Vincent. Sr. Gold parecia realmente perturbado agora. Ele enfiou uma mão no bolso e esfregou sua testa com a outra — Sim. Há... Alguns infelizes eventos que aconteceram — Ele disse hesitantemente, mas suas palavras foram cortadas por um grito de Bran. — Eu me lembrei! — Ele exclamou. Todos nós corremos para onde ele estava pulando animadamente em volta do thymiaterion, traçando os símbolos com os dedos enquanto entoava uma espécie de cântico. Seus grandes olhos varreram nosso pequeno grupo, excitadamente — É uma canção de ninar que minha mãe me ensinou, e que o seu pai a tinha ensinado. — Por favor — Incitou Sr. Gold — Prossiga. — É assim — Bran disse, e depois começou a cantar: Homem de barro para homem de carne Sangue imortal e sopro de humano Traços para a ligação de um espírito Chamas dão ao fantasma corpo e mente.


— “Carne” e “Sopro” não rimam — Murmurou Jules. — Rimam em Bretão antigo — Bran respondeu secamente — Vejam, o pote é o barro, há o sangue, o abanador lembra o sopro, e tem as chamas, é claro — Ele disse, e depois, apontando para a caixa, admitiu — Mas eu ainda não sei para que isso serve. — O que o poema significa, exatamente? — Eu perguntei. A expressão de Bran foi de excitada para melancólica em uma fração de segundo — Infelizmente, eu não tenho ideia.


Capítulo 25 — Barro para carne — Eu repeti, meus pensamentos de repente se filtrando com uma memória que eu não conseguia situar. E então eu me lembrei onde eu tinha visto estas palavras — Havia uma inscrição em Latim abaixo de uma das pinturas das paredes no arquivo de sua família que mencionava argilla e pulpa — Eu disse a Bran — Mostrava uma figura enrolada deitada no que eu imaginei ser um tubo... Mas agora que eu vi o thymiaterion, eu tenho certeza que era isso! Você deve saber do que eu estou falando — Eu incitei. Bran balançou a cabeça — Durante a minha única visita, eu fiquei lá somente o tempo suficiente para colocar minha mãe em seu túmulo e notar os livros e os objetos que estavam lá. Não tive tempo para estudar as pinturas. Eu de repente me lembrei da foto que eu tinha tirado — Eu tirei uma foto com o celular — Eu comecei avidamente, e depois, vendo a expressão sombria na face de Bran, eu hesitei — Eu sinto muito. Mas eu não ia mostrar isso para ninguém. Ele considerou, mas ainda parecia chateado. — Bem, vamos dar uma olhada — Disse vovô. Quando eu procurei pela minha bolsa, meu humor mergulhou — Está em meu casaco, na casa do Sr. Gold — Eu disse — De qualquer forma, eu tirei a foto da parede toda. Eu duvido que a inscrição seria legível daquela distância. — Você lembra qualquer outro detalhe da pintura? — Sr. Gold perguntou. — Sim — Eu disse, olhando para Bran, por sua aprovação. — Vá em frente, criança — Ele disse, suspirando — Eu posso permitir a divulgação dos segredos de minha família em uma emergência como essa. Tranquilizada, eu disse — Pelo que eu posso lembrar, havia um guérisseur dedo de fogo nela, assim como vários revenants, e parecia que eles estavam fazendo um procedimento mágico. Definitivamente havia fogo — alguém segurava uma tocha. E um revenant tinha cortado seu braço e estava sangrando na tigela do thymiaterion. — Eu acho que tenho algumas urnas funerárias com o mesmo tipo de imagem — Disse Sr. Gold, esfregando o queixo — Há tantas cerimônias místicas cujos significados se perderam com o tempo. A urna em questão mostra uma delas, sobre a qual eu sempre me questionei — Zumbindo de excitação, ele nos levou do thymiaterion até uma mesa que suportava dezenas de contêineres de pedra, cada uma do tamanho de uma caixa de correio. — Estas são a versão romana antiga das urnas funerárias, usadas para armazenas as cinzas depois de uma cremação — Ele explicou — Aqui está uma que mostra o que eu suspeitava ser um golem, que se encaixaria em sua descrição de uma figura curvada — Ele disse, apontando para um contêiner gravado com uma cena assustadora.


— Golems! — Vovô exclamou — Kate e eu estávamos falando sobre golems no outro dia. Isso faz muito sentido! — Ele disse. Nós chegamos mais perto para inspecionar a gravação. Quase idêntica à pintura da parede da caverna do guérisseur, ela mostrava uma figura que parecia uma boneca sem cabelo ou expressões faciais, curvada dentro de uma tigela circular, do mesmo tamanho da tigela do thymiaterion do Sr. Gold. Próximo a ela, uma figura com auréola ardente cortava seu braço com uma faca e deixava o sangue pingar na boneca, se espalhando pela corcunda do golem. Outra mulher — esta sem nenhuma auréola — se inclinava com sua boca perto da cabeça da figura. Seus lábios estavam enrugados em forma de “O” e parecia estar soprando na face do golem. Ao lado dela, um homem segurava as mãos acima das pernas da criatura. Cinco chamas tremeluziam acima de sua cabeça bem como no final de cada dedo, e acima de sua mão pairava uma nuvem de fogo. Uma quarta figura sem auréola visível estava parada atrás deles, segurando uma caixa em uma mão e uma tocha em chamas na outra. — Parece um passo a passo de como dar a um espírito errante — Eu apontei para a nuvem de fogo — um corpo. Meu coração estava batendo tão rápido que eu me sentia como se fosse ter um ataque se não me acalmasse. Nós poderíamos realmente ter encontrado a resposta. Eu acho que você pode estar certa — Vieram as palavras de Vincent. Por seu jeito de falar, sem fôlego, ele parecia igualmente excitado. Bran começou a balbuciar nervosamente — Apenas de olhar para essa imagem, algo está despertando em mim. Alguma coisa primitiva. Acredito estarmos na pista certa. Eu olhei para Jules, e vi que seu olhar carrancudo tinha sido substituído por um de esperança. Encontrando os meus olhos, ele vacilou em minha direção e apertou minha mão — Eu pensei que estávamos perseguindo o incerto — Ele sussurrou — Não que eu me importasse, com a viagem de graça para Nova York e tal. Mas agora eu acho... — E pela forma como seus olhos se acenderam com excitamento eu pude terminar a frase por ele — isso poderia realmente funcionar. — Homem de barro — Citou Bran, que estava inspecionando de perto a urna com vovô e Sr. Gold — Eu acho que isso significa que nós precisamos criar um golem como este de barro e o colocar no thymiaterion — Ele apontou para a coisa em forma de banheira com alívio, e eu notei pela primeira vez que ele tinha sido levantado do chão, talvez na altura da cintura das figuras que ficavam em pé. A mulher soprando na figura estava em pé numa caixa para conseguir alcançar. — “Sangue imortal” significa que um revenant deve despejar seu sangue no homem de barro — Sr. Gold adicionou, apontando para o bardia que sangrava. — Este seria eu — Jules se voluntariou, olhando em dúvida para a imagem — Parece um monte de sangue lá — Ele olhou em volta para nós — Sem problemas, é claro. Foi só um comentário — Ele disse, defensivamente.


— Eu posso fazer a parte de soprar — Eu disse. Eu tinha me sentido completamente inútil até este ponto, então eu pulei na chance de ser envolvida. — E parece que eu farei a transferência da aura de Vincent para o corpo de barro — Bran concluiu, olhando da caixa para um ponto no ar perto de minha cabeça. Então é aí que ele está, eu pensei com emoção. Ele esteve perto de mim todo esse tempo. — Estou imaginando que o golem deve ser aceso pelo fogo — Comentou Sr. Gold — É o que está por último na lista de símbolos do thymiaterion, e explicaria a tocha que ele está segurando — Ele disse, indicando o homem ao fundo. — Ainda temos a caixa misteriosa — Afirmou vovô, apontando para a outra mão do revenant que segurava uma tocha. — O que poderia ser? — Eu meditei. — Caixas podem representar todos os tipos de coisas, desde a tentação até o espaço vazio e à prisão — Vovô disse, olhando para Sr. Gold, que assentiu em concordância. — Eu detesto interromper todos estes pensamentos profundos — Jules comentou, o novo propósito animando sua voz — mas Vincent acabou de me lembrar que estamos trabalhando dentro de um tempo apertado, que termina quando nossa ilustre inimiga decidir estalar os dedos e chamar o seu espírito de volta. Vamos começar a fazer a escultura de barro, enquanto pensamos sobre as outras coisas. — Certo — Disse Sr. Gold — É uma sorte que o thymiaterion esteja aqui no museu. O estúdio de restauração no andar superior tem um suprimento de argila. Jules pode me ajudar a trazer algumas caixas aqui embaixo com um carrinho de mão. — Mas e quanto ao símbolo da caixa? — Eu perguntei. O Sr. Gold puxou um pesado conjunto de chaves de seu bolso e começou a procurar entre elas. Encontrando a que ele queria, ele olhou para cima e encontrou os meus olhos — Sem uma pista para o que a caixa significa, teremos que tentar a chance e trabalhar sem isso. — Mas... — Eu comecei, e depois parei quando ouvi as palavras de Vincent: Mon ange, estamos correndo contra o tempo. Enquanto nosso grupo se dispersava, eu não podia deixar de pensar mais sobre a caixa misteriosa. Mesmo que tivéssemos todos os “ingredientes”, eu imaginei se o ritual realmente funcionaria. Estávamos improvisando aqui. Fazendo conjecturas, como poderíamos esperar que uma coisa tão complicada desse certo? Eu coloquei as minhas dúvidas de lado. Era a nossa única esperança. O que doeria tentar? Era quase duas horas da manhã quando finalmente estávamos reunidos em círculo em volta do thymiaterion. Mesmo que a coleção fosse muito bem isolada do resto do museu, Sr. Gold estava preocupado quanto a acender algo tão grande quanto um golem com fogo. Ele tinha caminhado ao redor, desligando todos os detectores de fumaça que pôde encontrar.


Vovô e Bran tinha estado ocupados olhando os livros de referências do museu enquanto eu ajudava Jules e Sr. Gold com o barro. Meu avô se juntou a nós com uma expressão frustrada — Eu não pude encontrar nada sobre o símbolo da caixa — Ele disse, lamentosamente. Assumindo seu lugar, ele pecou a tocha que Sr. Gold tinha montado a partir de um cabo de vassoura com um pano embebido em querosene numa das extremidades. Jules riscou um fósforo e, cuidadosamente, a acendeu, e ela se inflamou tão violentamente que ele e vovô cambalearam para trás, surpresos. A tocha chamejante projetava grandes sombras, animando o exército de estátuas que estavam estacionadas em volta da sala. O homem de barro jazia curvado dentro da tigela do queimador de incenso, com a pele lisa e careca. Sr. Gold tinha feito as mãos e os pés com simples formas de pá, apontando que o golem gravado na urna funerária não tinha dedos nas mãos e nem nos pés. Mas Jules teve um ataque quando viu isso e insistiu em ser o mais realista possível. Ele disse que ofendia suas sensibilidades artísticas ver seu amigo representado de forma tão injusta. Ele começou a trabalhar com a coisa toda e, quando terminou, a escultura se assemelhava a Vincent de uma forma genérica. Mesmo que a figura tivesse uma aparência estranha, parecia fragilmente humana, como uma criança dormindo. E o pensamento de que o espírito de Vincent poderia entrar naquilo e o trazer à vida mexeu comigo de forma visceral. Eu o alcancei e esfreguei sua superfície lisa e fria com os dedos. Bran tinha tirado seus óculos. Ele disse que, para o tipo de visão que ele precisaria, eles não seriam necessários. Sem eles, ele parecia mais frágil, mais humano e menos desenho animado. Ele parecia como qualquer outro homem de meia-idade, e sua face parecia assustadoramente magra agora que seu olhos não estavam tão grandes. — Estamos prontos? — Ele perguntou, olhando cegamente ao redor da sala. — Vince, você está pronto? — Eu perguntei. Eu não poderia estar mais pronto, meu amor — Ele disse. Eu assenti para os outros. — Então, por favor, vamos começar — Respondeu Sr. Gold. Bran levantou suas mãos para o cálice e as posicionou acima das pernas do golem, focando seu olhar sobre ele, onde eu suspeitei que Vincent estava. Ele ficou daquele jeito por um minuto ou mais, e depois olhou para Jules — Vá em frente — Ele incitou. — Você não vai dizer nada? — Perguntou Jules, confuso. — Como o quê? Um encantamento? Eu sou um curandeiro, não um feiticeiro — bufou Bran. — Tudo bem, então — Jules disse, parecendo nervoso. Ele colocou seu braço por cima do cálice e o raspou com a perigosa face de esculpir. Cerrando os dentes, ele olhou para mim. Eu levantei minhas sobrancelhas — O quê? — Ele disse, defensivamente — Tudo bem, eu não me importo em me machucar pelos outros, mas não estou acostumado com auto-mutilação. — Eu poderia tomar o seu lugar se você preferir — Ofereceu Sr. Gold.


Jules balançou a cabeça — Vince, você me deve muito por isso — Ele disse, Depois, segurando a respiração, ele cortou rápida e profundamente seu antebraço. Segurando-o acima da figura de barro, ele deixou o sangue pingar sobre ela, enquanto proferia uma série de palavrões. Eu pisei no degrau da escada que tinha sido empurrada perto da taça. Inclinando-me, eu franzi os lábios e soprei como se estivesse jogando um beijo para a boca do homem de barro. Você é tão sexy quando sopra em mim — As palavras vieram. Eu balbuciei — Pare de me fazer rir, Vincent, ou você voltará para a vida sem pulmões — Se esta cerimônia bizarra realmente funcionar, eu pensei. Tentei forçar o pessimismo para fora da minha cabeça e soprei novamente em direção ao Vincent de Barro. — E agora o fogo — Disse Sr. Gold. Jules e eu recuamos quando vovô deu um passo para frente e tocou a tocha flamejante no barro. — Agora provavelmente não é a melhor hora para dizer que barro molhado não pega fogo — Murmurou Jules enquanto as chamas crepitavam onde vovô tinha encostado no sangue. Então, de repente, o fogo começou a queimar. — Está funcionando — Eu engasguei, meu coração batendo forte enquanto eu me inclinava para trás para evitar as chamas. — Eu posso ver sua aura se expandindo e se levantando pela sala — Bran disse excitadamente — Agora ela precisa descer para habitar o corpo — Ele disse, colocando as mãos o mais perto das chamas que podia. — Venha, Vince, vamos fazer isso — Murmurou Jules, enquanto apertava seu ferimento para estancar o fluxo de sangue. Kate — Eu ouvi. — Sim, Vincent? Alguma coisa está errada. O medo em sua voz fez meu sangue gelar — O quê? Alguma coisa está acontecendo. É como se eu tivesse me transformado em pequenas partículas que estão se dispersando uma da outra. Está errado. Estou desaparecendo. PAREM! — Eu gritei — Algo está errado! Eu pulei da escada e peguei o balde de água que o Sr. Gold tinha insistido em ter por perto, para o caso de o fogo sair do controle. Joguei a água sobre a parte superior do cálice e as chamas se extinguiram com um som de assobio. — Vincent! — Eu gritei — Você ainda está aqui? — O que aconteceu? — Bran perguntou. Ele parecia aturdido. — Vincent disse que estava desaparecendo. Que ele estava se espalhando. — Dispersão — Disse Sr. Gold. Bran virou a face para encarar o revenant — Dispersão do espírito errante. O terceiro dom dos dedos de fogo. Você disse que nunca tinha ouvido sobre isso. Bem, acho que acabamos de descobrir como isso funciona.


Capítulo 26 — O que diabos é dispersão do espírito errante? — Eu perguntei, minha voz estridente pelo pânico. Eu estava tremendo e me senti como se fosse vomitar — O que aconteceu com Vincent? Vovô apareceu do meu lado e envolveu seu braço em volta de mim, protetoramente. — Há duas formas de cuidar de um espírito errante — Eu ouvi Sr. Gold dizendo — Você pode reincorporá-lo ou dispersá-lo. Não são todos os revenants que lidam bem com esta história de viver para sempre. Atualmente, alguns até mesmo optam pelo suicídio. Mas guérisseurs dos tempos antigos possuíam o dom de fazer com que o espírito de um bardia fosse embora enquanto ele estivesse volante, essencialmente dispersando-o para o universo. — Então Vincent foi... Dispersado? — Eu fiquei imóvel, enquanto as lágrimas inundavam meus olhos — Como nós fazemos para trazê-lo de volta... Do universo ou o onde quer que ele esteja? — Eu estava tão paralisada que não podia nem sentir o meu corpo. Se vovô não estivesse me segurando, eu poderia ter caído no chão. Não, mon ange, eu ainda estou aqui — A voz de Vincent veio à minha mente. Estava fraca e passou pelo meu cérebro como um sussurro. — Oh, graças a Deus. Ele ainda está aqui — Eu anunciei. Minhas lágrimas caíam sem parar e eu deslizei para o chão, colocando a cabeça nos joelhos. Eu me sentia como se tivesse sido presa, sacudida e solta no chão, meu choque e o meu alívio era intensos. Vovô pegou um lenço do seu bolso e se inclinou para me entregar. Bran cambaleou para trás e se sentou no chão e o Sr. Gold juntou-se a ele, colocando um braço em volta de seu ombro e dizendo — Está tudo bem, monsieur Tândorn. Ele ainda está aqui. Jules se sentou no chão ao meu lado, segurando uma toalha em seu braço. Vendo seu sangue, eu esqueci sobre minha própria tensão — Deixe-me ajudá-lo — Eu ofereci, e pegando o estojo de primeiros socorros que Sr. Gold tinha trazido para este propósito, eu limpei e fiz um curativo em sua ferida. — Bem, isso foi um grande sucesso — Jules disse, respirando profundamente — Eu não só perdi uma imensa quantidade de sangue como quase tive um ataque do coração. — Nós não vamos desistir — Eu disse, ignorando o pensamento horripilante que estava girando profundamente em minha cabeça: Você chegou muito perto de perder Vincent para sempre — Apenas temos que descobrir o que fizemos de errado. Eu aposto que isso tem a ver com o símbolo da caixa. Estamos esquecendo de alguma coisa.


Vovô falou — Eu entendo que estamos correndo contra o tempo. Mas agora que sabemos quão perigoso esse procedimento pode ser, não seria melhor dar uma pausa por esta noite e repensar em tudo com calma? Todos concordaram. Assustava-me o fato de que, quanto mais tempo passasse, maior era a chance de Violette chamar Vincent de volta. Mas seguir em frente sem as informações adicionais era muito perigoso. — Você está bem, companheiro? — Jules disse para o ar e, ouvindo, deu um sorriso fraco — Ele disse que é a segunda vez em uma semana que ele esteve próximo da destruição permanente. Ele está se acostumando a isso. Só mesmo Vincent poderia ter senso de humor numa situação como essa. Eu sabia que ele estava apenas tentando fazer com que os outros de nós se sentissem melhores. Ele deve ter ficado extremamente assustado. Eu pensei por um momento, depois me virei para o Sr. Gold — Eu gostaria de ver se aquela citação que estava pintada na parede está visível — Eu disse — Era mais comprido do que o verso que Bran nos falou. Talvez ele possa nos dar uma pista. — Eu reservei quartos para vocês num hotel a alguns quarteirões de distância — Ele responder — Mas se você quiser usar meu computador para aumentar a imagem... — Eu trouxe o laptop comigo — Vovô respondeu — Podemos dar uma olhada de manhã. — E para você, Jules, eu alertei a alguns de nossa espécie, que moram numa casa que está localizada no Brooklyn, que você poderia ficar lá — Sr. Gold disse — Eu achei que você preferiria isso a um hotel, já que você me disse que conheceu vários deles alguns anos atrás na convocação de Londres. Jules assentiu fracamente — Isso parece perfeito. — Bom. Então eu vou ligar para que um médico vá até aquela casa para cuidar de seus ferimentos. Quando deixamos o museu, Sr. Gold chamou um táxi para Jules. Então, parando primeiro em seu apartamento para pegar nossa bagagem, Bran, vovô e eu seguimos Sr. Gold pelas ruas até um pequeno hotel na Park Avenue. Eu estava tão cansada a este ponto que eu me senti como se estivesse sonâmbula. Agora que a urgência de nossa tarefa tinha passado, meu corpo estava de repente consciente de que havia ficado acordado por um dia e meio. Eu cambaleei para dentro do quarto do hotel, arranquei as roupas e caí na cama. Vincent ficou comigo durante a noite, sussurrando um sério Je t’adore enquanto eu adormecia e me cumprimentando com um Bonjour, mon amour quando eu abri os olhos de manhã. Eu olhei para o relógio no criado-mudo. Não eram nem seis horas da manhã e eu já estava desperta. Eu já te disse como você é fofa quando acorda? Eu gemi e rolei na cama, puxando as cobertas para minha cabeça — Eu não me sinto fofa. Eu me sinto confusa pelo fuso-horário — Eu disse como sono, e depois, lembrando do que tinha acontecido na noite anterior, eu me sentei, instantaneamente alerta — A pergunta é... Como você se sente?


Se eu tivesse um corpo, eu diria “fraco”. Mas é mais como se eu me sentisse disperso. Não unido. Eu acho que você poderia dizer desvanecido. — Oh, meu Deus, Vincent, aquilo realmente me assustou na noite passada. Eu quase perdi você. Mas não perdeu — Ele insistiu — Eu ainda estou aqui. E nós vamos pensar sobre tudo para tentar de novo. Eu sabia que ele estava tentando me confortar, mas tudo o que eu podia sentir era medo. Se nós tentássemos de novo e ele se dispersasse... Bem, então seria o fim. O que não seria justo. Porque nós estávamos apenas começando. Eu sabia que nós não duraríamos para sempre; minha própria mortalidade colocaria um limite no tempo em que tínhamos juntos. Oitenta anos — ou qual fosse a expectativa de vida agora — sempre tinha me parecido como um bom tempo, antes de eu conhecer os imortais. Não agora. Havia tantas coisas que Vincent e eu ainda não tínhamos feito. Mais do que nunca, eu queria me conectar a ele. Apertá-lo em meus braços, se abraçada por ele, e ficar o mais próximo que duas pessoas podem ficar. Dar a ele tudo de mim e pegar o que ele me oferecesse. E, julgando pelas formas que as coisas se desenrolaram na noite passada, isso podia nunca acontecer. Vincent rapidamente mudou de assunto, como se pudesse ver meus pensamentos sombrios — Seu avô e Bran já estão tomando o café da manhã lá embaixo. Eles passaram um bilhete por baixo de sua porta. — Eles não precisariam deixar um bilhete. Poderiam ter deixado uma mensagem com o meu serviço imortal de respostas — Eu disse. Muito engraçado. — Vire-se. Ou saia. Ou o que quer que seja — Eu disse, jogando as cobertas para cima e rearrumando minha camiseta — Eu tenho que me vestir. Não estou olhando — Vincent me assegurou. — Sim, certo — Eu disse, conscientemente tirando minha camiseta e colocando roupas limpas que estavam em minha mala — Quantas vezes você me viu nua? — Era algo que eu sempre tinha imaginado mas nunca tinha tido a chance de perguntar. Eu sou um cavalheiro — Vincent disse — Não um perseguidor. Eu sempre te aviso quando estou com você. — Quantas vezes? — Eu insisti. Eu juro pra você, Kate. Eu nunca tiraria vantagem numa situação como essa. Pode ser um pouco ultrapassado de minha parte, mas eu não quero ver você até que você me convide. Eu não pude evitar rir. Vincent era tão cavalheiresco. Eu duvido que a maioria dos garotos de minha idade deixaram passar uma oportunidade de ver uma garota pelada, se a garota certamente nunca iria saber. Cavalheirismo: uma das vantagens de namorar um adolescente que tem estado pelo mundo há muito tempo. Havia um silêncio. Não que não seja tentador.


— Vincent! Posso olhar agora? — Sim, eu estou vestida — Eu disse. Você conhece a frase “Um rien te va”? — Vincent me perguntou. — Não — Eu confessei. Significa que você fica linda de qualquer jeito. Eu acho que você parece ainda mais sexy quando acorda quando passa horas se arrumando. Meu sorriso tomou meu rosto todo — Eu acho que está é a coisa mais doce que um garoto me disse. Só estou dizendo a verdade — Vincent disse. — Você tem sorte por eu não poder pular em você agora mesmo — Eu comentei. Eu discordo — Ele disse. Eu já tinha sentido um desejo ardente pelo corpo de Vincent. Mas nunca quando ele não estava disponível para que eu o tocasse. E agora eu queria tocá-lo mais do que nunca. Queria que ele me tocasse. Talvez fosse porque aquilo era impossível, mas eu sentia que era mais do que isso. Nós tínhamos esperado para fazer amor porque eu não me sentia pronta ainda. Mas este encontro com a morte — com a possibilidade da desaparição eterna de Vincent — tinha feito com que eu me desse conta que aquele tipo de conexão com Vincent era o que eu queria. Se eu tivesse a oportunidade de novo, desta vez eu diria sim. Tentando limpar minha mente dos sonhos impossíveis, eu peguei minha bolsa e a chave do quarto e comecei a caminhar em direção à porta quando de repente lembrei do meu telefone. Eu nem mesmo o tinha tirado de minha mala quando cheguei porque eu não tinha certeza se tinha serviço internacional. Além disso... Quem iria ligar? — Espere um segundo, Vincent. Eu só vou checar aquela foto — Eu disse, sentando de novo na cama — Eu nem sei se consegui tirar, já que a caverna era tão grande e meu flash é super fraco — Eu cliquei no ícone da câmera e lá estava: a última foto que eu tinha tirado. Tinha funcionado. Mesmo que estivesse escura nos cantos onde o flash não alcançava, o meio da parede pintada estava claramente visível... Eu expandi a imagem com os dedos... E enfoquei — Oh, meu Deus, Vincent! Você vê? Sim! — Ele disse — É difícil ler neste tamanho, mas se carregarmos a foto no laptop do seu avô, eu acho que pode ficar legível. — Vamos, então — Eu disse. Vovô e Bran estavam sentados atrás de xícaras vazias de café, estudando um pedaço de papel. Vendo-me chegar, vovô serviu uma xícara com um jarro que estava na mesa e colocou ao lado do lugar que ele estava. — Não tenho tempo para o café! — Eu disse — A foto da parede. Deu certo! Precisamos do seu laptop, vovô. Meu avô entregou a chave de seu quarto e eu voltei com o laptop em poucos minutos. Conectando o meu telefone a ele, eu esperei um segundo até que a


imagem carregasse, então selecionei a figura sobre a reincorporação e excluí todo o resto. — A imagem é muito similar àquela da urna de Theodore — Vovô concordou. — Podemos ver as palavras de mais perto? — Bran perguntou, inclinando-se em direção ao computador. Eu aumentei o zoom e a inscrição encheu a tela. Enquanto vovô traduzia o texto em Latim, Bran os escrevia num pedaço de papel. Um homem de argila é apenas lama Até que seu irmão derrame seu sangue. Sopro mortal irá animar Cinzas do próprio morto, recriar. Uma vez que estes elementos se combinem As chamas frias irão entrelaçar O espírito da forma inanimada Com o espírito errante que renascerá. — As cinzas do próprio morto? Isso significa as cinzas de Vincent? — Eu perguntei, uma onda fria de alarme se despejando sobre mim. — Isso é o que parece estar sugerido — Vovô disse. Ele limpou a garganta e pareceu desconfortável — Existe alguma forma de conseguir as cinzas de Vincent? — Eu duvido seriamente — Eu disse — Faz dias que Vincent foi queimado — Eu me senti mal. Eu não podia acreditar que tínhamos vindo tão longe apenas para cair num problema sem solução. — Talvez Violette tenha mantido algumas de suas cinzas. Para algum tipo de uso? — Bran sugeriu, em dúvida. Não — Eu escutei Vincent dizer — Para ambas as sugestões. Eu estava lá. E eu vi um dos empregados de Violette varrendo minhas cinzas e jogando-as no lixo. Foi uma das coisas mais horríveis que eu já experimentei. Eu transmiti isso para vovô e Bran, e eles ficaram em silêncio. — Cinzas — Eu disse, pensando — Isso deve ser o que o símbolo da caixa representa. Vovô assentiu — E você se lembra da imagem gravada na lateral da urna funerária de Theodore? O homem com a tocha segurava uma caixa na outra mão. Isso faz sentido. Cinzas eram colocadas em caixas de pedras, como a urna que parecia uma caixa apresentada na cena da reincorporação. Eu peguei um muffin da cesta de pães e comi em silêncio enquanto os homens estudavam a figura — Bran, você pode dizer o seu poema de novo? — Eu perguntei. Ele virou o papel para mostrar o verso já transcrito na outra página: era isto que ele e vovô estavam estudando quando eu cheguei. Eu li em voz alta: Homem de barro para homem de carne Sangue imortal e sopro de humano Traços para a ligação de um espírito Chamas dão ao fantasma corpo e mente.


Eu estudei aquilo por um minuto e disse — Onde o poema do vovô menciona “cinzas”, o de Bran menciona “traços”. — Bem, eu traduzi a palavra Bretã original como “traços”, mas ela também significa “restos” — Bran disse, interesse piscando em seus olhos. — Cinzas. Restos — Eu disse, meu cérebro trabalhando em velocidade dobrada — A cerimônia precisa de alguma coisa de Vincent para ligar seu espírito à figura de barro. De outra forma, seu espírito será disperso — E então, eu me dei conta — Eu tenho uma coisa! — Eu gritei, ficando em pé e mexendo no colarinho em volta de meu pescoço. De dentro de minha camiseta, eu puxei o pendente que eu nunca tirava: o signum e o memento mori que Jeanne tinha me dado. Os homens me olharam questionadoramente enquanto eu segurava o medalhão para eles — Isso tem uma mecha do cabelo de Vincent. Adrenalina queimou em minhas veias, fazendo com que eu quisesse correr para o MET, arrastando vovô e Bran comigo, para tentar o ritual mais uma vez. Eu não podia acredita que eu estava usando a peça que faltava em meu pescoço, durante todo o tempo — Onde você conseguiu isso? — Vovô perguntou. — Jeanne me deu isso. Ela mantém mechas de cabelos de todos os revenants que estão sob seus cuidados nestas pequenas caixas. — Que estranho — Comentou Bran. — Sua mãe fazia isso e sua avó também. É como uma tradição de família. Vovô socou a mesa em excitação — O que, muito provavelmente, começou por causa de alguma coisa como essa — Ele disse — Jeanne nem sabia o que estava fazendo ao manter o costume, e talvez nem sua mãe e nem sua avó. Mas em algum lugar pelo caminho, uma tutora dos revenants começou com a tradição para o caso de isso ser necessário para o procedimento de reincorporação. Fascinante! — Então nós encontramos! — Eu disse, tocando a mão de vovô e convidando-o a vir comigo — Encontramos a solução. É melhor irmos até o Sr. Gold para contar isso a ele. — Eu tenho o seu telefone — Disse vovô. Ele pegou seu celular e começou a discar. Dentro de meia hora, todos nós estávamos reunidos em volta do queimador de novo, Jules tinha chamado um táxi no momento em que Sr. Gold o ligou. Um grande exaustor estava sugando a fumaça da tocha. Agora que estávamos à luz do dia, Sr. Gold estava preocupado que pedestres na rua de cima ou no museu, que estava aberto, pudessem sentir o cheiro de fumaça. Toda a bagunça da água misturada ao barro que foi feita no dia anterior tinha sido limpada durante a noite. Eu suspeitava que tinha sido um trabalho do Sr. Gold. Eu me sentei próxima de Jules, que estava parecendo distintamente verde — Você está vem? — Eu perguntei. — Não estou animado sobre cortar o meu braço de novo — Ele disse, usando uma pequena tesoura para cuidadosamente retirar os curativos que tinham sido feitos na noite anterior — Vincent merece isso, é claro. Mas, eu vou tentar cortar o


mesmo lugar para não ter duas grandes feridas para recuperar quando estiver dormente em algumas semanas. — Como foi a noite passada com a tribo de Nova York? — Eu perguntei. — Bom — Ele disse, me olhando com uma expressão que dizia que ele não queria falar sobre isso. — Você conhecia alguém da casa? — Eu persisti. — Sim. Havia alguns caras que tinham ido para a Europa numa convocação, uns dez anos atrás — Ele suspirou e olhou para seus curativos, retirando outra parte — Na verdade, foi realmente bom. Eles fizeram uma festa americana de boas vindas para mim, que durou do momento que o médico tratou de meu braço até quando eu saí esta manhã. — Eu estava completamente fora de mim — Eu admiti — Isso deve ser uma grande vantagem de ser um zumbi: sem jet lags. Jules sorriu. Um sorriso verdadeiro de Jules. Era muito bom ver aquilo. — Tudo bem, precisamos começar, pessoal, antes que os empregados cheguem — Solicitou Sr. Gold. — Que alegria! — Vincent disse secamente. Ele ficou em pé e estendeu seu braço bom para me ajudar. Eu peguei o meu lugar no degrau da escada e olhei para dentro do thymiaterion, para o Vincent de barro. Jules ficou à minha direita, e Bren diretamente em nossa frente enquanto vovô preparava a tocha. Um silêncio nervoso se espalhou em nosso grupo. Bran tinha suas mãos para cima, e Jules estava levantando a faca quando eu ouvi Vincent dizer — Não! — O que está acontecendo, Vincent — Eu perguntei. Todos congelaram. Violette está me puxando de volta. Eu me sinto sendo sugado para longe daqui. — Lute contra isso, Vincent — Eu incitei. — O que foi? Sr. Gold perguntou. — Violette está tentando puxá-lo de volta. — Ele ainda está aqui? — Gritou vovô. — Sim, mas eu posso vê-lo sendo puxado para cima, mesmo que pareça que ele está resistindo. Nós temos que ser rápidos — Disse Bran e esticou suas mãos em cima da figura de barro. Abrindo o medalhão, eu peguei a mecha de cabelo de lá de dentro e fiquei parada, pensando o que eu deveria fazer com isso. Então, tomando uma decisão rápida, eu a pressionei seguramente ao lado do ombro do homem de barro com o meu polegar. Eu não vi Jules cortar o seu braço pela segunda vez. Eu não podia assistir. Mas lá estava ele, sangrando profusamente de novo, em cima do golem, enquanto eu me inclinava para frente para soprar suavemente em sua face. Eu vi Bran olhar para cima para a alma — invisível para mim — de Vincent. Ele fez um movimento como se estivesse arrastando-a e colocando-a no corpo de barro. Kate — A voz de Vincent veio — Eu não sei se posso lutar contra...


Sua voz desapareceu — Ele ainda está aqui? — Eu chorei, olhando com os olhos arregalados para Bran. Bran olhou para cima e balançou a cabeça — Não. Ele foi embora. Vovô baixou a tocha. Sr. Gold ficou parado perto do balde de água, parecendo sem saber o que fazer. Jules abaixou o braço sangrando para descansá-lo nas bordas do thymiaterion e levantou a outra mão para sua testa. Eu não podia acreditar nisso. Estávamos tão perto de trazer Vincent de volta, e Violette tinha escolhido este momento crucial para chamá-lo de volta. Um ódio como eu nunca tinha sentido antes inflamou todo o meu corpo. Ela não faria isso. Violette não tiraria Vincent de mim. Este não seria o fim. Fúria e choque pelo que tinha acabado de acontecer se juntaram como ferro em meu peito. Motivada por alguma coisa maior e mais velha que eu — alguma coisa primitiva — eu ordenei: — Volte, Vincent. Agora! — Minha voz ecoou pela sala cavernosa. E depois, tão alto que era como se um megafone estivesse posicionado perto de minha orelha, eu ouvi — Eu voltei. Mas não por muito tempo. Façam isso rápido! — Ele voltou! Vão! — Eu gritei. Vovô foi para frente e segurou a tocha para a figura de barro. Enquanto o ar em volta explodia em chamas azuis, Jules pulou para trás e eu caí da escada para o chão. — Vincent! Não vá embora — Eu gritei, me arrastando para ficar em pé. Com o coração batendo violentamente, eu peguei a borda da taça de metal e arfei enquanto olhava. As chamas ficaram mais altas, formando uma bola gigante, que depois entrou em erupção com um barulho sibilante e alto como um vento forte, deixando que pequenas brasas azuis lambessem a lateral do corpo como um queimador de parafina. Bran esticou suas mãos tentativamente em direção ao fogo — Frio. As chamas são frias, como estava escrito... “Chamas frias”... na inscrição você encontrou, Kate — Ele disse, olhando para mim — Deve estar funcionando. Enquanto ele falava, as bordas do homem de barro começaram a brilhar, como o ar faz quando o calor é muito intenso, e a forma de barro foi ficando cada vez mais parecida com um homem. — Algo está acontecendo — Eu chorei. Eu estava paralisada pelo choque e pela esperança — Por favor, permita que isso funcione. Volte, Vincent. Você tem que voltar — Eu sussurrei, implorando. O barro vermelho se tornou uma pele em tom de oliva, e na cabeça careca começaram a surgir ondas de cabelo negro. Na face que Jules tinha cuidadosamente esculpido surgiu um nariz real, e boca e olhos, fechados como se ele estivesse dormindo. Mas o corpo estava lá, sem movimento, até que, focando no ar logo acima, Bran gritou — Venha, espírito bardia, habite este corpo! — Ele fez um gesto final, como se estivesse puxando a alma para baixo, e tocou seus dedos na lateral do corpo. Os olhos se abriram e Vincent arfou por ar, como se tentasse capturar todo o oxigênio da sala.


— Vincent — Eu disse, meu coração na garganta. Seus olhos voaram para os meus. Ele esticou o braço em minha direção, e eu peguei sua mão e a pressionei em minha bochecha. Sua pele estava queimando, como se ele estivesse com febre. Eu beijei seus dedos, e sua pele tinha cheiro de fogo e terra encharcada pela chuva. Como o garoto que eu pensei que nunca mais iria tocar.


Capítulo 27 Não foi até que Jules e Sr. Gold ajudaram Vincent a descer do thymiaterion que nós percebemos que tínhamos esquecido de em elemento essencial para um espírito que renasceria em um novo corpo. Roupas. Esta era uma primeira vez para mim. O máximo que eu tinha visto de Vincent até agora era ele nu, após o treino, mas com uma toalha enrolada na cintura. Mas notando o olhar de vovô em minha direção, eu virei e cruzei os braços, esperando até que os outros o envolvessem com um cobertor que servia para embrulhar pratarias, antes de me jogar nele. — Kate — Ele disse, cambaleando um pouco, e depois me puxando mais apertadamente para ele e beijando o topo de minha cabeça. Eu levantei a boca para ele, para beijá-lo de verdade, e seus lábios foram como uma revelação. Era como se aquele fosse o nosso primeiro beijo, mas cem vezes melhor. Vincent sorriu fracamente para mim, e então seus olhos se fecharam enquanto sua cabeça caía para frente e ele se colapsava em meus braços. Agora eu é que estava cambaleando, enquanto segurava todo seu peso. Jules correu para me ajudar a abaixar o corpo inconsciente de Vincent no chão. Eu levei sua mão para o meu colo enquanto Sr. Gold checava sua pressão sanguínea — Como fomos estúpidos — Ele repreendeu — Deveríamos ter planejado trazer comida e água para ele. Ele está provavelmente em um estado similar àquele quando acordamos da dormência, terrivelmente fraco e com necessidade de se nutrir. Vamos levá-lo para casa rapidamente. — Nós não podemos levá-lo nu pela rua — Vovô disse. Jules tirou sua camiseta e eu o ajudei a passá-la pela cabeça e pelos braços de Vincent. Colocando o suéter que ele tinha tirando enquanto sangrava, Jules disse — Dême suas chaves, Theodore. Eu vi alguns macacões de operários no estúdio de restauração onde pegamos o barro. Dentro de dez minutos, estávamos caminhando para o enorme hall, contornando passagens até alcançarmos a pequena porta de serviço onde não havia nenhum guarda para testemunhar um Vincent inconsciente sendo carregado por Jules e Sr. Gold. Nós conseguimos atravessar a rua com ele e entrar no prédio de Gold com apenas alguns olhares curiosos dos pedestres que caminhavam de manhã. Uma vez dentro da segurança do apartamento, Jules e Sr. Gold deitaram Vincent no sofá — Oh, estou sangrando de novo — Jules disse simplesmente, olhando para o sangue que escorria em seu braço. Nosso anfitrião saiu rapidamente e voltou com uma faixa. Ele a enrolou apertadamente em volta da ferida de Jules antes de levá-lo para o outro sofá e persuadi-lo a deitar. Vincent estava respirando, mas ainda estava inconsciente.


Bran se sentou perto dele e estudou sua face pálida como papel — Sua aura está muito fraca — Ele comentou. — Rápido. Pegue alguma coisa para ele comer. A cozinha é por ali — Sr. Gold vociferou do lado de Jules. Vovô e eu corremos pelo corredor e começamos a vasculhar a impecavelmente branca e limpa cozinha em busca de comida e bebida. Eu peguei uma bandeja do balcão e a enchi com uma tigela de amêndoas, algumas bananas, alguns potes de iogurte, e uma fatia de pão integral, e vovô adicionou uma caixinha de suco de laranja e uma garrafa de água que ele pegou da geladeira. Quando voltamos à sala de estar, Sr. Gold estava ao telefone, dizendo ao seu médico que viesse imediatamente; era uma emergência. Eu me sentei no sofá perto de Vincent e, inclinando sua cabeça para frente, coloquei um pouco de água pelos seus lábios. Assim que o líquido caiu em sua garganta, ele balbuciou e se sentou, abrindo os olhos e olhando ao redor com os olhos arregalados — Onde eu estou? — Ele perguntou, e depois vendo meu rosto, ele imediatamente relaxou. E finalmente, agora que a crise tinha passado, foi como se um interruptor tivesse sido ligado e a sala explodiu em um frenesi de alegria — Nós fizemos! — Sr. Gold exclamou, fazendo uma dança de celebração. — Graças a Deus — Jules disse parecendo extremamente aliviado e caiu de volta no sofá. Vovô começou a bater palmas, o que encorajou o Sr. Gold a adicionar um pequeno chute no final de sua dança antes de correr atá Bran e o puxar para seus braços, batendo em suas costas firmemente — Você fez isso! — Sr. Gold aplaudiu. Bran ficou parado, parecendo tímido, mas seus olhos brilhavam com a vitória — Eu nem posso acreditar — Ele disse — Minha primeira ação como um guérisseur foi a reincorporação de um espírito errante. Se apenas minha mãe pudesse ver isso. — Toda a linhagem de guérisseurs anteriores a você ficaria orgulhosa, e aqueles que vierem depois, falarão deste evento com espanto — Sr. Gold disse. Bran conseguiu parecer ferozmente orgulhoso quando, ao mesmo tempo, parecia que tudo o que ele mais queria era encontrar um lugar para se esconder. Eu apenas me sentei radiante de alegria e alívio, meu amor transbordando quanto toquei na face de Vincent e em seus cabelos — Como você se sente, mon amour? — Eu perguntei, roubando o apelido que ele usava para mim. — Minha visão está muito embaçada — Ele disse, piscando — Estamos de volta ao apartamento de Gold, certo? — Certo — Eu confirmei — Estamos de volta ao apartamento de Gold e eu estou tocando seus cabelos e olhando em seus olhos e ouvindo sua verdadeira voz e... Eu mal posso acreditar nisso — Enquanto eu me inclinava para frente para esfregar meus lábios contra os dele, meu coração parecia estar pegando fogo. — Eu não sou médico, mas eu imagino que ele precise de mais sustento do que beijos — Provocou Sr. Gold. Corando, eu segurei o copo de água para Vincent enquanto ele bebia, depois peguei algumas amêndoas da tigela e as coloquei em


sua mão. Jogando-as na boca, ele deitou a cabeça em meu colo enquanto mastigava, nunca tirando os olhos de mim. Ele apertou minha mão como se tivesse medo de ser arrastado de volta para o estado em que se encontrava antes. Usando minha mão livre, eu dei a ele uma banana e mais água, e um pouco de cor começou a se espalhar por suas bochechas. Depois de esperar um pouco, Bran perguntou — Você pode falar? — Ele e vovô tinham puxado cadeiras para perto de Vincent e o olhavam curiosamente. — Talvez você devesse esperar — Eu sugeri, mas Vincent apertou minha mão. — Está tudo bem — Ele disse. — Então, o que exatamente aconteceu quando a anciã tentou puxar você de volta para ela? — O guérisseur perguntou. Vincent ficou o olhar no teto, tentando se lembrar. Ele exalou profundamente — Eu estava lá acima de você, apenas flutuando — Ele disse — Depois, de repente, eu estava sendo puxado. Arrastado pela cidade em direção ao Oceano Atlântico. E então eu ouvi a voz de Kate — Ele disse, desviando o olhar para mim — E eu de repente tive forças para diminuir o movimento, e então pará-lo, e comecei a me mover na direção oposta até estar de volta a vocês. — Talvez a grande distância física entre você e Violette tenha reduzido o poder da ligação — Sugeriu vovô. — Talvez — Vincent disse — Ela não poderia saber que eu estava a meio caminho do outro lado do mundo quando ela me chamou de volta. — Em todo caso, você está de volta — Disse Sr. Gold, deixando o lado de Jules — E nós realizamos uma coisa que não tinha sido feita, até onde eu seu, por séculos. Um evento inovador na renovada relação entre os bardia e os dedos de fogo — Ele disse, direcionando a última afirmação para Bran. — Obrigado... Todos vocês — Vincent disse, olhando em volta da sala — Pela sua ajuda e — Ele olhou para Jules — pela sua devoção. Eu teria me aninhado a ele naquele momento e naquele local se meu avô não estivesse sentado na nossa frente. Além do mais, eu estava com medo de machucálo. Ele estava tão fraco... — Você não precisa agradecer — Sr. Gold disse — Estamos nisso juntos. Agora precisamos focar em sua recuperação e descobrir quando você estará forte o bastante para retornar a Paris. Mas, vamos por partes — Ele pegou o telefone e discou. — Gaspard — Ele disse depois de esperar um pouco — Sim. É o Theo. Eu tenho ótimas notícias. Você quer falar? — Sr. Gold disse, apenas mexendo os lábios para Vincent, que assentiu e pegou o telefone. — Gaspard? Sim. Sou eu. Uma exclamação de surpresa foi audível do outro lado da linha. — Eu espero que você mencione o meu sacrifício extremo — Gritou Jules do outro lado da sala.


Enquanto Vincent começou a recontar a história para Gaspard, vovô aproveitou a oportunidade para fazer sua própria ligação — Emilie chèrie, a cerimônia de reincorporação que eu te falei noite passada? Bem, nós tentamos de novo agora, e funcionou — Ele sorriu largamente para mim — Sim, estamos extremamente aliviados. É claro que você pode falar com ela. Vovô me passou o telefone, que eu peguei com uma mão porque eu não queria soltar Vincent por um segundo — Querida, que ótimas notícias! — Exclamou minha avó — Quando vocês voltam? — Um médico está a caminho agora — Eu disse quando a campainha tocou — Estamos apenas esperando para saber quanto tempo vai demorar até que Vincent esteja forte o suficiente para viajar, e então estaremos de volta. Enquanto eu falava, um homem com bolsa de médico entrou. Eu não estava surpresa em ver que ele tinha toda aquela coisa de aura bardia em volta dele: eu duvidava que Sr. Gold chamaria um médico mortal para atender Vincent. Eles trocaram um aperto de mãos e o médico se dirigiu a Jules primeiro — Eu não te costurei ontem? — Ele perguntou consternado. — Sim, bem, vamos chamar isso de “transtorno de estresse repetitivo” — Jules replicou, depois fez uma careta quando o médico lhe deu uma injeção bem no local da ferida. — Eu tenho que ir, vovó — Eu disse. — Eu vou falar a novidade para Georgia, e nós mal podemos esperar para ver você e Vincent de volta aqui em casa. Dê um abraço nele por mim. Eu desliguei o telefone, confusa. Um abraço em Vincent... De vovó? O gesto em si me lembrava o quanto ela me amava. Eu não conseguia parar o sorriso que se espalhou pelos meus lábios, e vendo isso, Vincent sorriu de volta para mim. Mas desde que ele tinha falado com Gaspard, havia alguma coisa a mais em seus olhos: preocupação. Eu estava prestes a perguntar o que Gaspard tinha dito para ele quando o médico interrompeu. — Então, o que temos aqui? — Ele perguntou. Vincent levantou uma sobrancelha para Sr. Gold, que respondeu: — O Vincent aqui estava dormente depois de uma morte violenta, e não recebeu sustentação por um bom tempo depois que acordou. Não era completamente uma mentira. Eu suspeitava que a história da reincorporação não era algo que o Sr. Gold queria espalhar. Quem sabia quais conexões Violette ainda tinha no mundo dos revenants? Fazia apenas alguns dias que a sua traição tinha sido descoberta. Eu me levantei para que o médico pudesse se sentar e aferir a pressão sanguínea de Vincent. Bran se moveu ao redor da sala e começou a tomar notas em um dos seus livros de couro. Adicionando um evento inovador aos relatos dos dedos de fogo, eu pensei. Sr. Gold e vovô ficaram perto de uma janela, conversando — Durante o tempo que nós precisamos esperar até que Vincent se recupere, eu ficaria encantado em voltar ao museu e mostrar a você a coleção com mais detalhes, agora que não


temos mais problemas para serem resolvidos rapidamente em nossas mentes — Sr. Gold estava dizendo enquanto eu caminhava até eles. — Isso seria uma honra que eu nem poderia expressar, Theodore — Vovô disse. — Por favor, me chame de Theo. Você também, Kate — Ele disse, piscando para mim. — Só se você me chamar de Antoine — Disse vovô, e pegou no braço de Theo calorosamente. — Você ficará bem — Eu ouvi o médico dizer para Vincent — Mas eu recomendaria que você ficasse na cama por alguns dias. — Dois dias? — Theo disse. — Dois ou três — O médico esclareceu, reunindo os instrumentos e colocandoos dentro da bolsa. Vincent esperou até que Theo fechasse a porta antes de falar. — Isso não vai ser possível — Ele disse, tentando se sentar. — Por que não? — Theo perguntou, parecendo surpreso. Vincent inclinou sua cabeça de volta para a almofada do sofá e disse com uma voz fraca — Porque em Paris, a guerra começou.


Capítulo 28 — O que isso significa? — Perguntou Theo, horrorizado. Ele andou a passos largos e se sentou no braço do sofá. — Gaspard acabou de me informar que o numa chegaram em Paris em grande número. Nosso povo de toda França reportou que eles estão deixando a própria cidade e indo em direção à capital. Não há sinal de Violette, mas ninguém questiona o fato de que ela está orquestrando uma ofensiva contra os bardia — A voz de Vincent se desvanecia. — Tudo bem. Eu vou ligar para Gaspard de novo para coletar mais detalhes dos acontecimentos em Paris. Mas você não seria ajuda nenhuma neste estado. Você tem que se recuperar antes de sequer pensar em entrar num avião. Vincent nem tentou discutir com Theo. Ele não tinha energia para isso. Jules tinha se sentado depois de ouvir as notícias de Vincent. Theo perguntou — E quanto a você? Está se sentindo melhor? — Ainda estou fraco, mas nada que um bom sanduíche não possa curar — Ele disse, mesmo que ele parecesse um pouco tonto em minha opinião. Theo pegou o telefone e fez um pedido numa delicatessen. Depois ligou para Gaspard para perguntar sobre o estado dos negócios em Paris. Quinze minutos depois, estávamos todos cavando uma variedade de sanduíches enormes, picles crocantes e batatas fritas salgadas. Vincent parou depois de algumas mordidas — Eu estou muito exausto para comer — ele me disse — Mesmo que eu não queira tirar os olhos de você nem por um segundo, eu vou precisar de um descanso, mon amour — Ele disse, seus olhos em chamas enquanto ele tocava minha bochecha com as pontas dos dedos. Eu girei uma mecha dos seus cabelos negros em meus dedos e sorri para ele, sentindo-me como se dezessete Natais, aniversários e pedidos a estrelas cadentes tivessem sido combinados neste presente momento. Eu era a garota mais sortuda na Terra. — Sinta-se à vontade para usar meu quarto — Ofereceu Theo. — Estou muito exausto para caminhar, também. O sofá está ótimo — Respondeu Vincent. E depois ele virou de lado, encarando o sofá e fechou os olhos. Eu o cobri com um cobertor que Theo tinha trazido, depois deixei minha cadeira perto do sofá para me juntar aos outros à mesa perto da janela. — Diga-me o que aconteceu com Violette — Theo estava perguntando para Jules, que mergulhou na história começando no momento em que Violette e Arthur se mudaram para La Maison e continuando até quando eu descobri que ela estava traindo os bardia o tempo todo e que tinha se tornado a líder dos numa. — Ela disse a Kate, aqui — Jules disse, apontando para mim — que seu plano era derrubar Jean-Baptiste e sua tribo usando a força dos numa e roubar o poder


do Campeão, que ela acreditava ser Vincent. Ela já o estava preparando para a destruição, porque ela o tinha convencido que seguir o Caminho da Escuridão ajudaria a amenizar a dor de resistir à morte, quando isso na verdade o estava enfraquecendo até o ponto em que ela poderia facilmente derrotá-lo. — E você tem certeza de que Vincent não é Campeão? — Theo perguntou a Bran. — Cem por cento — Bran afirmou, segurando os picles crocantes e estudandoo cuidadosamente antes de mordiscar uma ponta. Ele fez uma careta e colocou aquilo o mais longe possível em seu prato. — Como você pode ter tanta certeza? — Vovô perguntou, mas depois ficou envergonhado por ter se metido em uma discussão sobrenatural. Theo balançou a cabeça — Você agora carrega o signum, Antoine. Você participou de uma das mais místicas cerimônias dos revenants que eu já testemunhei. E sua neta é a amada de um bardia. Você tem o direito de perguntar. — Obrigado — Disse vovô. — É por causa de sua aura — Bran respondeu — Ele tem a aura de um revenant, que os dedos de fogo descrevem como “uma aura como o fogo de uma floresta”. Mas nossa profecia diz que a aura do Vitorioso brilha como uma estrela. A aura de Vincent não é diferente da de Jules. Ou da sua — Ele disse, apontando para Theo. — Então como nós podemos saber que o Vitorioso está realmente aqui? — Theo perguntou. — Ele não está aqui. Ele está para chegar — Bran disse, empurrando seu prato com um breve gesto. — Mas você não ia deixar Jean-Baptiste reunir todos os bardia de Paris em sua frente para que você pudesse checar? — Eu perguntei — Por que você faria isso se tem certeza de que o Vitorioso ainda não surgiu? Bran deu de ombros — Isso foi uma sugestão dele, não minha. E ele me pareceu muito determinado. — Mas como você sabe que o Vitorioso está chegando? — Theo insistiu. — Porque eu sou o Vidente do Vitorioso. Eu não teria me tornado isso se em breve não fosse ter um Vitorioso para ver — Bran replicou, irritado. Um silêncio se espalhou pela mesa enquanto todos olhavam para Bran. Ele parecia desconfortável. — Como você sabe que é o Vidente do Vitorioso? — Jules perguntou, inclinando-se para frente nos seus cotovelos e juntando as mãos. — Eu senti isso acontecer quando toquei a mão do seu líder. Naquele momento, eu recebi o dom. Eu sei que eu o tenho quase tão claramente como minha mãe sabia que ela não tinha — Ele disse simplesmente, como se fosse a coisa mais óbvia no mundo. — Então é assim que você sabe que o Campeão aparecerá durante a sua vida — Eu disse — Mas por que Violette tinha tanta certeza de que ele viria em breve?


— A profecia dos revenants é a mesma da dos dedos de fogo — Bran respondeu — É o calendário dos revenants da Terceira Era, e tem sido desde a Revolução industrial. Então ela obviamente tem esperado desde aquele momento. Ela deve ter visto características do Campeão em Vincent. — Minhas orelhas estão queimando — Chamou Vincent do outro lado da sala — Assim como a minha garganta. Alguém pode me dar um pouco de água, por favor? — Eu me levantei e puxei a mesa de café com os refrescos para perto do sofá de Vincent para que ficasse a uma distância em que ele poderia alcançar. Os homens ficaram em pé e Theo começou a limpar a mesa — Nós deveríamos realmente deixar Vincent descansar em paz para que ele possa se recuperar o mais rapidamente possível — Ele disse. — Eu quero ficar com ele — Eu insisti. — É claro, minha querida — Assegurou Theo — Mas o resto de vocês gostaria de me acompanhar para um tour mais expansivo da coleção dos revenants no museu? Vovô e Bran rapidamente concordaram, mas Jules caminhou de volta para o sofá e se deitou — Agora que minhas responsabilidades de sangue acabaram, eu acho que posso ficar aqui também — Ele disse, fechando os olhos. Quando os outros homens saíram, eu me sentei, observando Vincent por um tempo. Sua respiração era superficial e, embora eu soubesse que ele não estava dormindo — ele não poderia dormir... até sua próxima dormência — parecia que ele não estava exatamente aqui. Eu o deixei descansar e fui até a estante de livros de Theo, contentando com um livro de mesa de café sobre Edith Wharton Nova York. Eu não estava surpresa quando vi Theodore Gold mencionado, e sorri quando o avistei entre uma multidão de pessoas na sociedade da bola, usando rabo de cavalo e um boné. Eu continuei checando Vincent, mas depois de algumas horas sem que ele se movesse, eu coloquei o livro do lado para olhar pelas janelas. Eu escutei um movimento do outro lado da sala e me virei para ver Jules me observando do sofá. — O quê? — Eu perguntei, de repente me sentindo consciente demais. — Oh, nada — Ele respondeu — É só que você veio de tão longe para casa e vai passar o dia todo presa em um apartamento. É meio deprimente, não é? — Bem, eu também vi uma coleção secreta de arte relacionada a seres sobrenaturais, que está escondida no porão do MET. Isso não é tão ruim — Eu respondi com uma careta. — Quer dar uma volta? — Jules disse, levantando do sofá e caminhando em minha direção — É a minha primeira vez em Nova York, e se eu não morri pela perda de sangue, eu gostaria de ver um pouco da cidade. Você me daria a honra de ser minha guia? — Mas eu não devia sair... — Eu comecei. Ele pegou minha mão e me puxou em direção à porta — Vincent se curará mais rápido sem que você esteja flutuando ao redor dele e o deixando preocupado. Certo, Vince? — Jules chamou enquanto pegava nossos casacos.


Vincent murmurou — Mostre Nova York para Jules, Kate, ou eu nunca vou deixar de ouvir isso — E puxou o cobertor mais para cima de sua cabeça. — Viu? — Jules disse para mim, e abriu a porta para o corredor — Descanse, cara — Ele disse para Vincent, sua voz completamente séria agora — Acabamos de trazê-lo de volta. Agora precisamos que você fique mais forte.


Capítulo 29 — Nós vamos deixar Vincent somente por algumas horas, certo? — Eu perguntei quando entramos no elevador, de repente com medo de que ele pudesse desaparecer quando eu estivesse fora. — É tempo demais me levar até o Empire State Building? — Jules perguntou. Eu estudei sua face para ver que ele estava brincando — Você realmente quer ir ao Empire State Building? — Eu perguntei — A coisa mais turística para fazer em Nova Your? Ele assentiu timidamente — Eu sei. Mas como posso não fazer isso? Eu vi o King Kong original de 1933 e quero conhecer o local desde então. — Então o seu interesse é puramente de um ponto de vista cinematográfico — Eu o provoquei. As portas do elevador se abriram e Jules apontou galantemente com a mão para que eu saísse primeiro — É isso — Ele disse, mais uma vez confidente — Assim como o fato de que eu sempre sonhei em ficar no topo do Empire State Building com uma linda garota. Quando Jules e eu voltamos para o apartamento de Theo, todos já estavam reunidos para jantar. Vincent tinha colocado algumas almofadas atrás dele e estava sentado — Para você! — Eu disse, segurando uma enorme sacola de roupas e sapatos que nós tínhamos comprado na Macy depois que nos cansamos de agir como turistas. — Um presente especial para um cara morto em recuperação especial — Jules brincou, visivelmente aliviado por ver que seu amigo parecia mais forte depois de apenas algumas horas — Nós pensamos que você poderia querer trocar os macacões em algum momento, e eu gostaria de ter minha camiseta de volta. — Logo que eu tomar banho — Vincent disse — Eu fico tirando pequenos pedaços de barro de meus cabelos. Não estou brincando — Ele correu os dedos por suas mechas pretas e fez uma careta. Ele soava como o velho Vincent de novo, não o Vincent fraco que parecia próximo da morte nesta manhã. — Você comeu? — Eu perguntei, sentando ao lado dele no sofá. — Não ligue para a comida. Venha aqui — Ele disse, e pegando minha face em suas mãos, beijou minha testa e depois os meus lábios, olhando ao redor da sala para ver se vovô estava olhando. Ele estava. Então o beijo foi curto e doce — Mais tarde tem mais — Ele sussurrou. — Você deveria ficar aqui esta noite, Vincent — Disse Theo, que estava espalhando uma grande variedade de menus de entrega na frente de vovô e Bran — Mesmo que você esteja se sentindo mais forte, eu não acho que você deveria ir para o hotel até amanhã. E eu programei para que seu avião parta na manhã seguinte.


— Vamos ficar aqui por mais um dia e meio? — Vincent perguntou, surpreso — Eu realmente acho que Jean-Baptiste vai precisar de mim e de Jules antes disso. — Na verdade — Theo disse severamente, cruzando os braços — esta manhã, Gaspard disse-me por telefone que Jean-Baptiste não permite que você retorne antes disso. Ele disse que precisa que você esteja forte, não que volte neste estado frágil. Ele me pediu para que eu pessoalmente garantisse sua saúde, então eu temo ter que tomar estas decisões por você. Bran segurou alguns menus e disse — Estou intrigado com estes menus de — Ele olhou mais de perto para eles — Fat Sal’s e Burritoville. E o que é esta comida chamada... Bagel? Vovô, Bran e eu voltamos para nosso hotel depois do jantar, dormindo antes das nove horas da noite. Estávamos todos exaustos pelos eventos do dia. E, no meu caso, jet lag estava mostrando sua cara feia. Quando chegamos ao apartamento na manhã seguinte, Theo e Vincent estavam esperando por nós — Por que demorou tanto? — Vincent murmurou enquanto passava o nariz pelo meu pescoço — Você poderia ter tomado o café da manhã aqui. — Na verdade eu nem comi — Eu disse, rindo e depois tremendo quando ele esfregou seus lábios em meus cabelos — Vovô e Bran sim, mas eu usei a meia hora extra para dormir. Eu teria vindo mais cedo se soubesse que você estava de pé. Ele se inclinou para trás e sorriu para mim — Eu fiquei de pé durante a noite toda. — Eu não quis dizer acordado — Eu disse, revirando os olhos — Eu quero dizer de pé, no sentido literal. Você parece totalmente normal de novo. Como está se sentindo? — Eu me sinto ótimo. Sério. Eu poderia voltar para Paris hoje. Mas Theo insiste que eu fique aqui por outras vinte e quatro horas apenas para garantir. E também há o fato de que eu adoraria ver um pouco de sua cidade natal enquanto estamos aqui — Ele alisou a parte de trás do meu cabelo, por cima do ombro — Você está linda! — Ele disse. — Deve ser o ar de Nova York — Eu respondi, sentindo minhas bochechas arderem. — Então, a poluição cai bem em você, ma chérie — Ele replicou. — Jules recebeu uma proposta de caminhar pela cidade com nossa tribo hoje. E Antoine, Bran e eu iremos para o museu mais uma vez — Theo anunciou. Virando-se para Vincent, ele perguntou — Você tem certeza de que quer sair hoje? Eu posso te dar meu conjunto de chaves de reserva se você precisar voltar para descansar. — Obrigado, mas eu devo ir para o hotel — Disse Vincent, pegando a sacola da Macy e pegando minha mão enquanto todos nós caminhávamos para o corredor. — Bem, você tem o meu número se precisar de alguma coisa — Theo disse, trancando a porta atrás dele.


Vovô e Bran pareciam completamente alegres por passarem mais um dia no museu, e eu podia dizer pelas suas conversas, que Theo estava adorando a oportunidade sem precedentes de mostrar sua coleção para “estrangeiros”. Quando saímos pela porta, Theo disse — Nós nos encontraremos para o jantar no final do dia. Sabe aquele restaurante da esquina? — Ele apontou para o restaurante italiano um quarteirão para baixo de onde estávamos — Que tal às oito horas da noite? Mas eu quero que você volte para o hotel e descanse durante algum momento do dia — Ele pediu a Vincent. Vincent pegou minha mão e me levou na direção oposta a dos homens — Primeira parada: hotel — Ele disse. Ele estava cheio de energia, saltando e brincando com os meus cabelos enquanto caminhávamos — Então você não quer sair pelo Brooklyn com Jules e os outros de sua espécie? — Eu perguntei, maliciosamente. — E ficar um bairro todo longe de você? — Ele disse, franzindo as sobrancelhas com uma expressão falsamente horrorizada — Está tentando me matar de novo? Uma vez no hotel, Vincent alugou um quarto e então segurou sua sacola de roupas — Eu só vou deixar isso no quarto e nós sairemos para comer. Eu quero comer uma daquelas enormes refeições caseiras, como aquelas que você vê nos filmes americanos. Eu ri — Isso é chamado de “comfort food” e eu sei exatamente o lugar para ir.


Capítulo 30 Meia hora depois e aproximadamente setenta quarteirões ao sul, nós estávamos sentados em um dos meus lugares favoritos, o Great Jones Café. Vincent estava terminando um prato de Bolo de carne Yankee envolto em calda e eu tinha uma tigela de Louisiana jambalaya, que era picante o bastante para que meu nariz escorrer. O que me ajudou a encobrir uma crise de choro que de repente me atingiu, até que eu me engasguei tentando engolir a comida. Alertado por minhas lágrimas, Vincent abaixou o garfo e pegou minha mão — Kate. Acabou. Eu estou aqui agora. Violette não pode me pegar mais. — Eu sei — Eu disse — Mas até o segundo que você começou respirar, eu realmente não sabia se o veria de novo. Eu tinha esperanças, mas eu não acreditava... Se você entende o que eu quero dizer. Os lábios de Vincent se curvaram em um sorriso — Eu sei. Mas você teve esperança o suficiente por nós dois. Agora pare de pensar e coma sua bagunça, ou o que quer que isso seja. Eu ri, e com aquilo eu tinha desabafado. Eu era capaz de empurrar o horrível passado para longe e deixar o futuro incerto de lado para focar com todo o meu coração em aproveitar o presente. Com o meu namorado que estava vivo e respirando. — Isso é tão bom — Vincent disse, dando uma mordida em um pão de milho jalapeño — Eu não sabia se iria comer de novo, e eu posso te dizer, os gostos são coisas de que você realmente sente falta quando não pode ter. Eu ri — Então você sentiu falta da comida. Do que mais você sentiu falta? Ele levantou uma sobrancelha e, dando-me um sorriso sexy, colocou seu garfo no prato — Eu senti falta disso — Ele disse, deslizando as pontas dos dedos para cima e para baixo de meu braço, fazendo-me estremecer. — Sim. Eu meio que senti falta disso também — Eu disse, tentando parecer indiferente enquanto tomava um gole de chá gelado. — Apenas meio que? — Vincent provocou. — Tudo bem, muito! — Eu admiti com um sorriso malicioso. — Vamos sair do tópico sobre mim e minha incapacidade para satisfazer sua luxúria — Minha boca se abriu e ele riu — Não, sério. Como é estar de volta à sua cidade natal? — Bem — Eu disse, considerando a questão. Eu coloquei o meu copo na mesa e cruzei os braços, olhando em volta da sala e absorvendo o que me cercava — Na verdade é incrivelmente surreal. Eu estive fora por um ano e meio, mas parece uma vida toda. Eu não me sinto a mesma pessoa mais. A vida em Paris é a minha realidade agora. É como se a vida em Nova York tivesse sido um sonho. Eu me sinto... Deslocada.


Vincent colocou sua mão em cima da mesa. Eu desenrolei os braços de meu peito e coloquei minha mão na dele. Ele esfregou minha palma com as pontas dos dedos — O que você pode fazer para se reconectar? — Ele perguntou suavemente. — Eu tenho pensado sobre isso — Eu confessei — Havia uma coisa que eu estava considerando fazer. Mas você não tem que vir comigo se não quiser. Eu disse a ele o que era, e seus olhos ficaram arregalados. Ele se inclinou para trás em sua cadeira e balançou sua cabeça, maravilhado — E você só precisou da minha ressurreição para ser convencida disso. — Eu, na realidade, tenho pensado nisso há um tempo — Eu disse. E pegando meu telefone, eu fiz a ligação que tinha imaginado fazer por meses. Uma hora depois, estávamos parados no alpendre de um brownstone do Brooklyn. A porta se abriu e minha amiga Kimberly ficou parada lá, sem se mexer com um olhar selvagem em seus olhos antes de gritar e se jogar pra cima de mim — Kate! — Ela guinchou — Eu nunca pensei que veria você de novo! — Nós ficamos ali paradas, apertando uma a outra por um bom minuto antes de ela me soltar e dar um passo para trás. Limpando as lágrimas de seus olhos, ela olhou para Vincent — Bem, bem... O que temos aqui? — Ela perguntou. — Eu sou o Vincent — Ele disse, aproximando-se para apertar as mãos de Kimberly. — Uh-uh. Eu acho que não — Ela disse, colocando as mãos no quadril e olhando para ele ceticamente — Você é a razão por Kate ter ignorado seus amigos desde que chegou à França? — Não. Ele é a razão de eu ter coragem de entrar em contato com vocês depois de tanto tempo — Eu respondi por ele. — Tudo bem, então — Ela disse, quebrando-se em um sorriso — você ganhará mais do que um aperto de mãos — Ela passou os braços em volta dele e, enquanto o apertava em um abraço de morte, olhou por cima de seu ombro e falou apena mexendo os lábios — Oh, meu Deus. Ele é maravilhoso! — Eu gosto das suas amigas — Vincent disse, pegando minha mão enquanto caminhávamos pela rua ladeada de árvores imponentes e brownstones, cada uma aninhada atrás de seu próprio quintal. Mas Vincent não estava olhando ao redor. Ele estava me estudando com um brilho estranho nos olhos. — O quê? — Eu perguntei. — Oh, eu estou me deleitando com o fato de que acabei de testemunhar um lado seu que eu ainda não tinha visto: a Kate Histórica. O que você era antes de eu te conhecer. Eu sorri, observando nossos pés trilhando um caminho pelo mesmo pavimento no qual eu tinha caminhado... Desde que eu comecei a andar — Minhas amigas gostaram de você também — Eu respondi — Mas isso era meio óbvio. — Eu não tenho certeza se elas se sentiriam da mesma forma se soubessem o que eu sou — Ele replicou.


— Acredite em mim, não faria diferença para elas — Eu disse, olhando para cima para aferir sua expressão. Vincent levantou uma sobrancelha cética — Eu quero dizer, uma vez que elas se recuperassem do choque e do horror, é claro — Eu disse, com falsa seriedade. Nós tínhamos passado a tarde indo da casa de uma amiga para a casa de outra, até que tínhamos acumulado uma legião de seis pessoas e, em seguida, fomos para um café local, que era o nosso lugar preferido de antigamente. Eu nem tive que me preocupar sobre Vincent se sentir deixado de lado. Ele era tão educado e interessado em todo o mundo que minhas amigas o adotaram imediatamente. Parecia que eu nunca tinha partido. E ao mesmo tempo, tudo tinha mudado. Minha vida era na França agora, com meus avós. E Vincent. — Você acha que voltará para cá? — Kimberly tinha me perguntado. E pela primeira vez, eu realmente tentei imaginar isso. Eu percebi com tristeza que, com a exceção de minhas amigas, eu não tinha nada mais para o que voltar. Quando Vincent e eu finalmente decidimos ir embora, todas prometeram que iriam me visitar — se seus pais deixassem — durante o verão. Mas assim que as minhas amigas tinham ido embora, minha mente se desligou do mundo delas — um mundo de tarefas e bailes e decisões sobre as faculdades — para o meu próprio. Um mundo no qual a minha segurança estava em risco por causa de uma adolescente zumbi medieval malvada. Pela centésima vez, eu tive o estranho sentimento de que eu estava vivendo em um romance. Em uma história de terror ou suspensa da qual eu não podia imaginar como seria o meu fim. — É aqui — Eu disse, quando paramos em frente a uma bonita brownstone, três quarteirões para frente de onde eu tinha deixado minhas amigas. Eu parei em frente ao portão e olhei para minha casa. A casa aonde eu tinha crescido. Depois da morte de meus pais, meus avós não quiseram vender nossa casa de infância, então eles a estavam alugando até que Georgia e eu decidíssemos o que fazer com ela. Mas os inquilinos anteriores tinham se mudado no mês anterior, e ela estava fazia, as janelas escuras. Eu tinha desejado entrar. Agora que eu estava aqui, eu não tinha certeza se queria encarar a evidência material de que minha família como era antigamente não existia mais. — Se você não quiser entrar, você não precisa fazer isso — Vincent disse suavemente, sentindo minha hesitação. Encorajada por sua voz calma e forte, eu abri a trava do portão de ferro fundido e o puxei para o quintal junto comigo. Mas, em vez de subir os degraus até a porta da frente, eu fui até um banco de teca na parede do jardim. Eu me sentei e puxei meus joelhos para perto do meu peito, abraçando-os. Inclinando-me para trás, eu fechei os olhos e fui transportada para o quintal de minha infância. O mesmo cheiro de pedra molhada e madeira. O barulho de fundo dos carros dirigindo nas avenidas movimentadas em cada um dos lados da minha rua. Eu tinha dez anos de novo e estava completamente absorta em Anne of Green Gables, curvada em meu banco: minha própria máquina do tempo.


— Mon ange, desloque-se só um pouquinho — Eu escutei, e abri meus olhos para ver Vincent logo acima de mim. Eu me movi para frente e ele se entalou no banco atrás de mim, permitindo que eu pudesse me inclinar contra ele e envolvendo-me com seus braços. E sentada ali, encapsulada no corpo de Vincent, eu me senti segura o suficiente para revisitar minhas memórias e dizer um último adeus aos meus pais.


Capítulo 31 No caminho de volta para o hotel, Vincent e eu paramos uma livraria e gastamos a próxima meia hora procurando por livros em inglês. Era o intervalo perfeito entre a emoção de visitar a minha casa e a formalidade do jantar com o resto do grupo. Quando chegamos ao restaurante, Theo estava sentado sozinho numa mesa do canto. Eu me sentei na frente dele — Então, onde está todo o mundo? — Eu perguntei, enquanto Vincent pegava a cadeira entre nós. — Se avô e Monsieur Tândorn pediram desculpas, mas estavam muito cansados para se juntarem a nós. E Jules decidiu não vir jantar para ficar com a tribo — Explicou Theo — Ele se encontrará com vocês amanhã no aeroporto. Assim que nossa comida estava em nossa frente e o garçom saiu, Theo começou a falar sobre os negócios — Para ser completamente honesto, Vincent, eu pedi para que os outros não viessem esta noite. Eu preciso falar com você em particular, e eu imaginei que você gostaria que Kate estivesse com você. Vincent pareceu curioso, mas não preocupado, mesmo que eu tivesse sinos de alerta soando por todos os cantos de minha mente. O que Theo poderia dizer para Vincent e que os outros não poderiam ouvir? Julgando pelo segredo e por sua expressão preocupada, não era um mero “parabéns por estar vivo”. Theo pegou seu guardanapo e o torceu ansiosamente por um momento antes de passá-lo suavemente pelos lábios. Ele evitou nossos olhos enquanto suor se formava em sua sobrancelha. Finalmente ele falou — Eu prometi a Jean-Baptiste que não falaria com você sobre isso, mas eu não posso mandar minha tribo para uma guerra com os numa sem tirar isso do meu peito. Ele respirou fundo e começou — Eu disse a você que fui para Paris depois da Segunda Guerra Mundial quando vocês e os numa estavam batalhando. — Sim — Disse Vincent — Você foi o único do grupo Americano que sobreviveu. — Exato — Afirmou Theodore — E o conflito entre os numa e os bardia terminou antes que eu voltasse — Ele se inclinou para frente, com as mãos juntas e descansando os cotovelos na mesa — O que você sabe sobre como a guerra acabou, Vincent? — Bem, nós infringimos mais danos aos numa do que eles a nós. Eles pediram um cessar-fogos. Jean-Baptiste passou uma ordem de que não caçaríamos um numa propositalmente. Isso seria apenas uma forma de agravar a situação, o que poderia resultar em outra guerra. Ele recentemente revogou esta ordem, depois que Lucien acabou com o tratado de paz, invadindo nossa residência e tentando me destruir.


Theodore olhou para ele por um momento, como se estivesse se decidindo se Vincent estava dizendo toda a verdade e, então, assentiu — Esta é a ponta do iceberg. O que aconteceu de verdade não foi tão curto e grosso infelizmente. Foi Jean-Baptiste que estava com medo por seus números, não os numa. Quando sentimos que o nosso povo estava em risco de ser dizimado, ele foi até Lucien para mediar um acordo de paz, deixando que os numa criassem seus termos. Vincent levantou uma sobrancelha e olhou ceticamente — JB... Fez um acordo com Lucien? Theodore assentiu — Jean-Baptiste não queria que nenhum de vocês soubesse o que ele estava fazendo, então ele escolheu a mim, um estrangeiro, para ser o seu segundo. Até hoje, ninguém da sua tribo, nem mesmo Gaspard, está consciente do que aconteceu durante a reunião. Um arrepio se arrastou pela minha espinha, enquanto meus pensamentos passavam de Um acordo de paz com os numa. O que há de errado com isso?, para Negociações com o inimigo mantidas em segredo dos outros da tribo. Isso não é tão bom. Era difícil de acreditar que Jean-Baptiste se encontraria com Lucien e esconderia isso de sua tribo. Ele devia estar realmente desesperado para salvá-los da destruição. Mas, ainda assim... — Eu não sabia para onde Jean-Baptiste estava me levando até que chegamos lá — Theo continuou — Ele me fez prometer guardar segredo depois, dizendo que a sobrevivência dos revenants franceses dependia do meu silêncio. Eu deixei a França no dia seguinte e eu não voltei para lá desde então. Quando Jean-Baptiste me ligou esta semana, eu não falava com ele há décadas. Vincent se encostou, parecendo como se tivesse tomado uma tapa — Eu sinto muito, Gold. Eu apenas não consigo acreditar nisso. — De alguma forma, isso deve parecer verdade pra você, porque você não está bravo. Ou na defensiva — Theodore afirmou, estudando a face de Vincent — Eu acho que você acredita nisso. Você só não quer acreditar. Vincent abaixou sua cabeça para suas mãos — Quais eram os termos do tratado? — Ele perguntou, sem olhar para cima. — Os dois lados concordaram que as residências permanentes não poderiam ser atacadas. Vincent olhou para cima e olhou para Theodore, em dúvida — Mas os numa não mantêm uma residência permanente. — Sim, eles mantêm. Esta era outra parte do acordo. Como parte por se declarar derrotado, Jean-Baptiste deu muitas de suas propriedades para Lucien. A casa em Neuilly. Vários apartamentos no centro de Paris. Um prédio de apartamentos inteiro nas vizinhanças da République. Não. Isso não podia ser verdade. Jean-Baptiste dando suas propriedades para os numa. Não apenas deixar que eles vivessem em suas casas, mas... Escondê-los? Eu podia entender que ele fizesse concessões para salvar seu clã, mas abrigar os inimigos e não informar ao seu próprio povo? Isso ia muito além de meras negociações. Isso parecia mais com traição.


Vincent parecia tão chateado quanto eu estava. Ele pegou seu guardanapo do colo e o amassou em suas mãos — Isso não é verdade — Ele disse, balançando a cabeça em negação — Ele aluga aquelas casas. Theodore sorriu tristemente para Vincent — Quem cuida daquelas locações? Ele manda vocês para checarem os lugares? — Não, ele mesmo controla aquelas propriedades — Replicou Vincent, hesitantemente. — E quando Jean-Baptiste retirou a proibição de que os numa não fossem mortos desenfreadamente, ele mencionou onde eles poderiam ser encontrados? — Não — Afirmou Vincent, balançando a cabeça em derrota — Aqueles seriam os últimos lugares que nós procuraríamos. — Muito compreensível. Ele não iria querer que vocês soubessem sobre seu acordo. É o seu orgulho que está em jogo. Ele se enfiou muito profundamente nesta bagunça e não consegue sair sem se sentir envergonhado. E pelo telefone no outro dia, ele disse que esperava que eu não falasse sobre os “velhos negócios”, coisa que eu tinha feito até agora, mas eu não posso deixar que vocês voltem para Paris sem saber o que aconteceu. — Não é o perigo de os numa terem casas secretas e seguras que me incomoda. É o fato de que vocês estarão seguindo um líder que tem um tratado duplo pelas costas do seu povo. Que não espalhou todas as cartas sobre a mesa para que o seu próprio povo visse, mesmo sabendo do perigo que isso iria trazer a eles — Theo pegou seu copo de água, bebeu um gole, e depois ficou sentado rigidamente. — Um líder que faz acordos secretos com o inimigo não deveria estar em posição de tomar decisões por sua tribo neste momento crucial. Se Violette está determinada a dominar os revenants de Paris, com o poder do Campeão ou sem, ela é um grande perigo. E você precisará de alguém em quem possa confiar suas vidas para liderar a batalha — Ele se inclinou para frente até que Vincent encontrasse seus olhos — Eu sei que Jean-Baptiste é como uma pai para você — Ele disse — Mas eu te peço, Vincent Delacroix, para que passe essa informação para sua tribo. De outra forma, quando chegar o momento e a batalha começar, o sangue deles estará em suas mãos.


Capítulo 32 Nós nos despedimos de Theodore, prometendo atualizá-lo sobre os eventos de Paris, e depois voltamos para o hotel em silêncio. Vincent estava profundamente perturbado pelo que Theo havia dito a ele, e eu podia dizer que ele estava retomando cada detalhe da conversa. — Você está bem? — Eu perguntei quando entramos no lobby do hotel. Vincent me apertou contra ele e beijou o topo da minha cabeça distraidamente — Sim. Eu quero dizer, não. Só é difícil imaginar Jean-Baptiste escondendo alguma coisa assim de nós por tanto tempo. Faz com que eu me sinta como se eu nunca tivesse realmente o conhecido. — Ele estava tentando proteger a todos vocês — Eu disse, interpretando a advogada do diabo, mas não sentindo realmente aquilo. — Eu sei. Mas a forma como ele fez isso e o fato de ele ter oferecido proteção aos nossos inimigos sem nos informar... Eu apenas não entendo. — Sinto muito — Eu disse, pegando ambas as suas mãos com as minhas, e olhando para seu rosto até que ele encontrasse meus olhos. — Não, eu sinto muito — Vincent disse — Você não precisa se preocupar sobre isso. E eu não posso fazer nada sobre isso até voltar a Paris. Mas você precisa dormir se vamos sair tão cedo amanhã — Vincent se inclinou para baixo e esfregou seus lábios contra os meus, despertando um milhão de pequenas borboletas dentro de mim — Eu vou te levar para o seu quarto. Eu senti o cheiro antes de ligar a luz. Lilases. Um enorme vaso de lilases brancos na minha mesa de cabeceira. Sua beleza e perfume transformaram meu simples quarto de hotel em uma cena de uma pintura pré-rafaelita. Eu olhei para Vincent. Um sorriso malicioso se espalhou por seus lábios. — Como você fez isso? — Eu exclamei — Eu estive com você o dia todo. — Eu passei um bilhete e algum dinheiro aos recepcionistas esta manhã — Ele confessou, parecendo excessivamente orgulhoso de si mesmo por ter conseguido manter segredo — Você tinha me dito que amava o cheiro dos lilases. Eu pensei que isso poderia trazes doces sonhos a você esta noite, já que eu não serei capaz de flutuar a sua volta sussurrando poemas de Pablo Neruda para o seu subconsciente. Eu respirei profundamente para sentir o cheiro do perfume floral e limpo. Vincent se inclinou no batente da porta, radiante de prazer — Você quer entrar? — Eu perguntei. Ele balançou a cabeça e me deu um sorriso torto — Eu não aluguei um quarto à toa. Eu não me esqueci sobre o Sul da França e da sua sensata, mas enlouquecedora solicitação para que esperássemos. E à luz daquilo: Você. Eu. Camas. Má ideia. Eu apenas vou pegar isto — Ele levantou vários livros de bolso que estavam na sacola


— E seguir meu caminho. Qualquer coisa para manter minha mente fora de toda essa história de Jean-Baptiste até que eu volte a Paris e possa realmente fazer alguma coisa. — O que você vai fazer? — Eu perguntei, não me importando mais realmente com Jean-Baptiste. Tudo o que eu conseguia pensar era em Vincent ali parada com seus cabelos despenteados e ombros largos quase dentro do meu quarto de hotel. Meu corpo estava vibrando com uma mistura de não tentá-lo muito e o desejo de me jogar sobre ele antes que ele pudesse ir embora. — Eu não decidi ainda — Ele respondeu, esfregando a nuca preocupadamente. Obviamente Vincent não estava no mesmo clima que eu. Ou ele não seria nem capaz de estar falando agora, muito menos de criar uma estratégia. Eu sabia que a decisão que eu tinha tomado no Sul da França não duraria muito tempo. — Bem, boa noite — Eu joguei meus braços ao redor de seu pescoço e dei a ele um longo e lento beijo. Nele estavam todas as emoções do meu dia, tanto as miraculosas quanto as mundanas. Eu tinha quase perdido Vincent e agora eu o tinha de volta. E não apenas ele, mas a minha vida. A antiga vida que eu tinha antes de jogá-la para longe. E agora meu passado e meu presente estavam juntos e eu estava começando a me sentir completa. Vincent pareceu entender o significado por trás do beijo. Isso estava em seu sorriso quando ele tocou meu rosto e depois meus cabelos com seus dedos. Pareceu custar tanto a ele quanto custava para mim, o esforço de se afastar, porque depois de um último beijo apressado, ele praticamente correu para fora do quarto, fechando a porta atrás dele. Eu coloquei uma camiseta gigante e me sentei na cama, revirando as coisas em minha mente: a forma como eu quase o tinha perdido. E poderia perder de novo. A frágil natureza da vida humana: em um minuto estamos aqui e, no outro, fomos embora, como os meus pais. E o desejo de ficar perto de Vincent. De amá-lo com mais do que meu coração e mente. Meus sentimentos daquela manhã retornaram com força total. Minha resolução de realmente fazer alguma coisa se eu pudesse ter Vincent de volta. Eu tinha dito a mim mesma que estava pronta. Que já era o momento. Agora que isso era possível, eu ainda sentia o mesmo? Eu percebi que sim. Eu sabia o que queria. Desta vez eu estava cem por cento certa. Eu peguei o vaso de lilases e a chave do meu quarto, e esperei que ninguém me visse me espreitando com as flores pelo corredor e usando apenas aquela camiseta e a calcinha. Subi um lance de escadas e estava lá, parada nervosamente em frente à porta de Vincent. Eu bati. Ele abriu, uma expressão confusa em sua face — Por que eu estou recebendo esta visita surpresa? — Ele olhou para os lilases e depois de volta para mim, confuso — Você não gostou das flores? Eu passei por ele e entrei no quarto, colocando as flores em uma mesa baixa — Eu não quero mais ficar longe de você — Eu disse. Vincent sorriu tristemente e fechou a porta atrás dele — Eu sei exatamente o que você quer dizer — Ele respondeu — Cinco dias como um espírito errante,


incapaz de tocá-la e pensando que isso era permanente... Eu me sinto como se nunca mais quisesse deixar você sair da minha vista de novo — Ele se jogou na cama e alisou o espaço ao lado dele — Você pode ficar aqui esta noite. — Não, eu quero dizer que eu não quero ficar separada de você. Eu quero estar com você. Realmente estar com você — Eu tive que me forçar a dizer as palavras. Minha voz tremeu porque eu tinha medo que ele dissesse não. Que não fosse o momento. Que nós deveríamos esperar até as coisas se acalmarem. Mas eu tinha me decidido. Nós voltaríamos para Paris no dia seguinte, e Vincent e sua tribo estariam encarando um perigo que poderia destruí-lo. De novo. Ele se apoiou em seus cotovelos e ficou ali parado por um longo tempo, observando-me com uma expressão que eu não podia decifrar — Se você ainda estiver muito fraco, nós podemos ter cuidado — Eu ofereci, pensando se era por este motivo que ele estava hesitando. Rindo, ele balançou a cabeça, e levantando da cama, ele caminhou até mim. Com apenas centímetros nos separando, ele olhou em meus olhos. Parecia que ele estava alcançando a profundidade dentro de minha alma, aumentando a conexão entre nós. Coração. Mente. E então, o corpo. Era o próximo passo e seria agora. Os lábios de Vincent se curvaram levemente. Ele se inclinou para baixo ao mesmo tempo em que eu estiquei os braços para ele e nós nos encontramos na metade do caminho, nossos lábios se tocando primeiro e, então, o restante de nós pressionando deliciosamente contra o outro, puxando o outro o mais perto possível. Precisando. Dando. Tecendo uma tapeçaria de nossos corpos. De nós mesmos.


Capítulo 33 Eu acordei com a sensação dos lábios de Vincent em minha testa, e abri os olhos para ver sua face acima da minha — Bonjour, ma belle — Ele disse em sua voz baixa e sexy. Eu olhei ao redor, sem saber onde eu estava por um momento, e depois o quarto do hotel se focou ao meu redor. Oh, meu Deus. Eu estava na cama de Vincent. E era de manhã. Eu tinha passada a noite na cama de Vincent. E na noite passada nós tínhamos... Minha pele se acendeu com um rubor ardente e um sorriso inevitável possuiu minha face. Eu me inclinei para frente, deixando as cobertas caírem, joguei meus braços ao redor do pescoço de Vincent e o apertei contra mim. Ele riu e se afastou um pouco para conseguir olhar em meus olhos — Este abraço foi pela noite passada? — Eu amo você — Respondi. Ele me puxou de volta para ele e sussurrou — E eu adoro você, Kate Beaumont Mercier. Com um amor que eu nunca pensei que poderia sentir. Com toda a minha alma e com cada centímetro do meu corpo. Que, aliás, está marcado por você para sempre. — O que você quer dizer? — Eu perguntei. Ele se virou para me mostrar uma marca azulada que parecia uma tatuagem em seu ombro — O que é isso — Eu toquei aquilo, hipnotizada. — Não foi aqui que você pressionou a mecha do meu cabelo no meu sósia de barro? — Ele perguntou. Eu olhei mais de perto. A marca tinha um padrão circular e era do tamanho... — É a minha impressão digital! — Eu exclamei, colocando meu dedo perto da marca. Vincent riu — Foi o que eu pensei. Muito atrevido de sua parte; você não apenas me trouxe para a vida como me marcou como sendo permanentemente seu. Eu o agarrei e o puxei para baixo no colchão. Empoleirando-se sobre mim, ele se inclinou para me dar um beijo muito suave no pescoço, perto de minha orelha. Eu tremi e disse — Você é meu! — Eu não tenho argumentos contra isso — Ele admitiu, tirando o cabelo do meu rosto com o dedão — Mas eu também tenho a infeliz notícia de que em exatamente vinte minutos nós nos encontraremos com o seu avô no lobby do hotel. — Hum, meu avô — Eu disse. Meu cérebro de repente deixou a delícia de estar na cama com Vincent e foi dominado por coisas muito mais infelizes. Como... De que forma eu iria arrumar as malas e me trocar em menos de meia hora. Com muita correria, eu de alguma forma consegui fazer isso, e em vinte minutos nós estávamos subindo na limusine de Theodore. Bran repetiu a performance de olhar boquiaberto a cidade, assim como no dia em que chegamos.


Vovô estava ocupado transferindo todas as fotos que tinha tirado da coleção de Theodore no dia anterior, de sua câmera para o seu laptop. Eu deitei minha cabeça no ombro de Vincent e cochilei, acordando quando chegamos ao aeroporto particular. Quando nos reunimos na calçada, eu vi Jules sair do lado do passageiro de um carro estacionado um pouco a frente de nós. Ele caminhou diretamente para Vincent com uma expressão que parecia que seu melhor amigo era a última pessoa no mundo que ele queria ver. — Vincent, cara. Temos que conversar — Ele disse, e os dois homens caminharam uma pequena distância. Vovô e Bran caminharam para dentro do aeroporto com a bagagem, mas eu não os segui. Eu tinha um terrível sentimento na boca do meu estômago enquanto observava Jules explicar alguma coisa e Vincent cambalear para trás, como se Jules o tivesse esfaqueado no intestino. Jules continuou falando, cruzando os braços apertadamente sobre o peito, como se estivesse com dor. Eu olhei para o carro que tinha trazido Jules. O motorista bardia estava sentado lá, com o motor ligado: pelo que ele estava esperando? Eu caminhei na direção deles. Alguma coisa estava muito errada — Você está sendo um idiota! — Vincent de repente gritou, e enfiando as mãos nos bolsos, ele se afastou, batendo na porta giratória do terminal com os ombros, com tanta força que ela paralisou antes de voltar, com um guincho metálico. Jules apenas ficou parado onde estava, olhando enquanto eu me aproximava, com uma expressão pesarosa. — O que está acontecendo? — Eu perguntei. — Eu não vou voltar — Ele disse simplesmente. — Você vai ficar aqui em Nova York? Ele assentiu. — Mas por quê? Jules massageou suas têmporas — Há uma coisa de errado entre Vincent e mim — Ele disse. Eu olhei para ele, confusa — Bem, eu tenho certeza de que vocês podem lidar com isso. — Não, na verdade nós não podemos lidar com isso, Kate — Ele respondeu, cerrando os dentes — Não há uma forma possível de lidar com isso. O único jeito de recuperar isso é se eu ficar longe e deixar vocês dois... — Deixar nós dois? — Eu perguntei, incrédula — O que isso tem a ver comigo? Ele abaixou a cabeça, respirando superficialmente. Tentando se controlar. Quando ele olhou para cima, a dor estava expressa em sua face tão claramente como se tivesse sido escrita em letras garrafais — Você realmente precisa me perguntar isso, Kate? Você não sabe? — Não — Eu disse, e depois de repente entendi. Minha boca se abriu e eu balancei a cabeça em negação. Jules era meu amigo. Ele não podia estar apaixonado por mim. Ele tinha dezenas de belas garotas esperando para que ele as chamasse


para sair. Garotas que não estavam comprometidas... Com seu melhor amigo — Você não pode... Você não pode estar deixando sua tribo por causa de... Mim. Ele suspirou e olhou na direção do seu cinzento de inverno, como se estivesse rezando para que algo descesse e o levasse para longe. Quando ele olhou de volta para mim, seus olhos estavam transparentes. Ele caminhou e pegou minha mão — Kate. Vamos colocar desta forma. Vincent é o meu melhor amigo. Não existe uma pessoa no mundo de quem eu seja mais próximo. Mas por todo o último ano, eu o tenho traído em meu coração todos os dias porque eu quero para mim o que ele mais ama. Eu apertei sua mão com força para lutar contra o torpor que me paralisava. Meus olhos arderam, mas as lágrimas não vieram — Eu não sei o que dizer, Jules. Eu... Eu não... — Eu sei que você não sente a mesma coisa, Kate. Que você nunca sentiu. E nem nunca sentirá. E eu prefiro não viver com esta realidade sendo esfregada na minha cada continuamente. Porque, acredite ou não, mesmo que eu morra pelas pessoas o tempo todo, eu não sou masoquista. Seu sorriso triste me atingiu como um punho — Oh, Jules — Eu disse, e joguei os braços ao redor do seu pescoço. — Não há mais nada para dizer — Ele murmurou, pressionando sua face contra os meus cabelos. E então ele me soltou, caminhando para o carro, e indo embora sem olhar para trás. — Você está bem? — Eu perguntei. Estávamos no meio do Oceano Atlântico e Vincent não tinha dito uma única palavra. Ele passou os braços pelos meus ombros, puxou-me para ele e beijou o topo de minha cabeça. Inclinando minha cabeça em direção ao seu ombro, eu disse — Eu sinto muito sobre Jules. Vincent suspirou — Metade de mim o odeia por ter se apaixonado por você. E a outra metade pensa “Como ele poderia ter evitado isso?” — Ele tirou os cabelos de minha face — O que eu não consigo acreditar, no entanto, é que eu honestamente não percebi isso acontecer. Nós poderíamos ter conversado antes que as coisas chegassem a este ponto. Mas eu achei que Jules estava flertando com você da mesma forma que ele faz com qualquer outra garota bonita — Sua expressão mudou de frustrada para preocupada — Você não sente o mesmo por ele, sente? — Ele perguntou, sua voz subindo uma oitava. Eu balancei a minha cabeça — Não. Eu quero dizer, eu me sinto próxima a ele. E para ser honesta, sua atenção era lisonjeira. Mas, como você disse, eu pensei que ele fosse daquele jeito com todas as garotas. Para mim, ele é o melhor amigo do garoto que eu amo. E um bom amigo para mim, mesmo distante. Mas eu não tenho espaço para dois em meu coração — Vincent pareceu aliviado — Você está bravo com ele por ele tê-lo deixando em um momento tão ruim? — Eu perguntei.


— Não. Um revenant não fará diferença para a batalha que virá. E ele jurou que, se eu precisasse dele, ele pegaria o primeiro avião disponível para Paris. — Você não disse nada a ele sobre JB, disse? — Não — Vincent admitiu, encontrando meus olhos — E eu não vou dizer. Se Jules precisa da distância, não seria justo dizer a ele uma coisa que praticamente o obrigaria a voltar. Ele pegou minha mão e a levantou para os seus lábios, e depois a pressionando em seu peito, ele encostou a cabeça de volta contra o assento e fechou os olhos. — Sinto muito por você ter perdido seu melhor amigo — Eu disse — Eu espero que ele supere isso e volte. Na voz mais suave, Vincent disse — Eu também.


Capítulo 34 Eram dez horas da noite quando nós chegamos em Paris. Ambrose e Charlotte estavam no aeroporto para nos pegar — Eu pensei que nunca te veria de novo! — Guinchou Charlotte quando se jogou em cima de Vincent. — Parece que você não está livre de mim ainda — Ele a apertou forte. — Cara, é bom ter você de volta — Disse Ambrose, batendo no ombro dele antes de se virar para cumprimentar vovô e Bran. Ele olhou para as portas atrás de nós — Onde está Jules? — Ele decidiu ficar em Nova York por um tempo. Disse que precisava de uma mudança de cenários — Vincent disse, jogando-me um olhar de aviso enquanto dizia à sua tribo a mesma história que tinha dito para Bran e vovô no avião. — Ele nos abandonou agora? Quando Violette está planejando dominar Paris? — Ambrose perguntou, parecendo confuso. Quando Vincent assentiu, o grande revenant apenas deu de ombros — Jules em Nova York? Cara, ele vai pirar — Ele balançou a cabeça com o pensamento — Aqui, deixe-me pegar isso — Ele disse, pegando várias malas. — Fizeram boa viagem? — Charlotte perguntou, reunindo-se a mim enquanto caminhávamos em direção ao enorme SUV — Eu quero dizer, conseguiram fazer alguma coisa além da reincorporação de Vincent? Eu sorri — Sim, na verdade. Eu fui visitar as minhas velhas amigas. Ela pegou meu braço e começou a pular — Viva! Estas são notícias fabulosas, Kate. Um passo de volta para o mundo dos vivos — Ela aplaudiu e depois rapidamente adicionou — Eu quero dizer... Não que você precise incluir os humanos no seu círculo social. Mas eu ficava triste em saber que você tinha rompido relações com todos da sua antiga vida. — Eu sei — Eu disse — Eu na verdade me sinto como se um grande peso tivesse sido tirado das minhas costas. — Bem, você está radiante — Ela disse — Parece que a viagem de volta à sua casa fez bem para você. Eu sorri e a abracei fortemente. Uma vez na estrada, Ambrose e Charlotte atualizaram Vincent em relação ao que estava acontecendo. Tínhamos ficado fora por três dias, mas pareciam semanas. Mesmo que Vincent dissesse à sua tribo tudo sobre Theodore Gold e nossa experiência na cripta do MET, ele não mencionou o assunto sobre JB. Então eu tive que esperar até que estivéssemos sozinhos, despedindo-nos na porta da frente, para perguntar sobre isso. — O que você vai fazer? — Falar com JB sozinho — Ele disse, dando de ombros de uma forma desconfortável — Ver o que ele tem a dizer.


— Boa sorte — Eu disse, e fiquei na ponta dos pés para beijá-lo. — Espero que você não se sinta muito sozinha esta noite — Ele sussurrou, e me deu uma piscadela que fez um enxame inteiro de abelhas começarem a zumbir em minha barriga. Eu fechei a porta atrás de mim, e o escutei dizendo pelo vidro — Bonne nuit, ma belle — antes de se virar e desaparecer da minha vista. Durante a noite tudo mudou. Eu fui acordada pelo toque repetitivo de meu telefone. Finalmente eu o peguei e vi que Georgia tinha ligado quatro vezes. Eu disquei de volta. — O que é tão importante para que você me acorde no meio da noite? — São dez horas da manhã, Katie-Bean. — Em Nova York não. — Escute. Estou no La Morgue. Você tem que vir até aqui. Agora — Minha irmã parecia sem fôlego. — O que está acontecendo? — Quando eu cheguei para o meu treinamento de luta, Gaspard tinha ido embora. Ele e Jean-Baptiste partiram. Deixaram a cidade. — Não! — Eu engasguei, sentando reta na cama. — Sim. — Eu já vou para aí — Eu disse. Pulando da cama, eu disquei o número de Vincent enquanto me vestia. — Mon ange. Você está acordada — Ele parecia tão calmo. Eu me perguntei se minha irmã não tinha cometido um erro. — Eu acabei de receber uma ligação maluca da Georgia, que dizia que JB e Gaspard tinham partido. — Sim, eu ia dizer isso para você, mas pensei que você gostaria de dormir. Claramente Georgia não concorda com isso. — Bem, aqui estou eu, completamente acordada. Você pode me dizer agora — Eu disse, equilibrando o telefone entre o ombro e a orelha enquanto vestia os jeans. — Acredite em mim. Não é o tipo de conversa que poderemos ter por telefone — Ele replicou — Eu vou pedir para que Ambrose vá te buscar. Eu deixei um bilhete para vovô e vovó explicando para onde eu estava indo, e corri para descer as escadas. Ambrose já estava lá, parado do lado de fora de minha porta, discutindo alguma coisa séria com Geneviève quando eu apareci — Vocês têm que me dizer o que aconteceu! — Eu disse enquanto eles ficaram cada um de um lado meu. — Não podemos, Katie-Lou — Ambrose disse, procurando pelas ruas por sinais dos numa enquanto caminhávamos em direção a La Maison — Com notícias tão importantes, Vincent vai querer dizer ele mesmo a você. Eu queria pressioná-lo por informações, mas não sabia o quanto Vincent tinha revelado para sua tribo. Ele tentaria encobrir JB? Ou ele tinha contado aos bardia sobre a traição do seu líder?


Chegamos para encontrar a casa cheia de revenants. Parecia um flashback da semana anterior, quando a tribo de Paris tinha se reunido para esperar notícias de onde Violette tinha levado Vincent. Mas em vez da atmosfera grave da reunião anterior, era um sentimento de choque que pairava pesadamente no ar. Algumas faces mostravam incredulidade e outras um imenso desapontamento, e as pessoas falavam aos sussurros. Ambrose me levou para a biblioteca, onde Vincent me esperava. Assim que a porta se fechou, a postura rígida de Vincent relaxou. Ombros caídos, ele passou os braços em volta de mim e enterrou a face em meus cabelos. — O que aconteceu? — Eu perguntei. Não sabendo como confortá-lo, eu retirei suas mechas pretas de seu rosto. — Eu o confrontei. E ele confessou. É exatamente como Theodore explicou. JB fez um trato com Lucien, e tem pagado com a proteção, na forma de suas propriedades em Paris. — Oh, Vincent — Eu disse, minha garganta se apertando quando vi o quão chateado ele estava. — Ele disse que só fez isso por nós. Que ele sentiu que estávamos à beira da derrota. Que as perdas pelas quais tínhamos passado tinham sido muito drásticas e que ele queria proteger o restante da população: alguns dos seus membros da família escolhidos, eu entre eles, os quais ele pensava que poderiam ser o Campeão. Ele pensou que eu me ergueria e lideraria e tribo para uma batalha final e que seu compromisso seria justificado no fim. Ele admitiu que depois de algumas décadas se arrependeu, mas que tinha ido muito longe e não conseguiu dizer isso para nós. — Eu sinto muito — Eu murmurei, envolvendo-o com os meus braços. — Você deveria ter visto Gaspard — Vincent continuou, correndo os dedos distraidamente para cima e para baixo de minha coluna e esfregando o nariz em meu pescoço — Eu acho que ele foi o que mais ficou magoado, ao descobrir que JB tinha escondido algo dele por todos esses anos. Mas ele ficou ao lado dele. Eles partiram para o exílio autoimposto, e JB me nomeou o líder dos bardia — Vincent disse, sem graça. Eu me afastei para olhar em seu rosto — O quê? — Eu exclamei. — Ele me nomeou o líder e Charlotte como minha segunda — Eu não deveria ter ficado tão chocada. Vincent era o segundo de Jean-Baptiste. Era uma conclusão óbvia o fato de que um dia ele se tornaria o líder. Mas tão rápido? E eu nem mesmo tinha considerado que Charlotte seria a próxima na linha hierárquica dos bardia. — Charlotte? — Eu perguntei, olhando para Ambrose, que estava parado, bloqueando a porta com sua figura enorme. Ele estalou os dedos e soltou um sorriso malicioso. — Bem, não seria eu. Eu gosto de lutar, o que, a não ser que você seja Átila o Uno, não é considerada a melhor característica para a liderança. Virando de volta para Vincent, eu perguntei — Você está bem com isso?


Sua expressão era preocupada — Eu não tenho escolha — Ele respondeu — Alguém tem que começar a reunir as tropas. Se Violette ouvir alguma coisa sobra a mudança no comando, ela se aproveitará da oportunidade para atacar antes que nós possamos nos organizar. E nós temos um palpite de onde ela pode estar, então a hora de agir é agora. — O que eu posso fazer? — Mantenha os detalhes em segredo. Eu só disse à tribo de Paris que JB escolheu partir. E Kate... Por favor, fique por perto. Não só eu me sinto melhor sabendo que você está dentro da segurança destas paredes, como ter você por perto me dá maior confiança — Estas últimas palavras foram ditas quase num sussurro. Enquanto eu o observava, meu coração parecia estar se expandindo, crescendo como um balão. Eu esfreguei seu rosto áspero pela barba com os meus dedos — Você foi feito para isso, Vincent — Eu disse — Campeão ou não, você terá o apoio de todos. Eu vejo como os outros te respeitam, e eles o seguirão até o fim. Vincent sorriu pesarosamente — Tudo bem, Ambrose, você pode dizer para que todos subam — Ele disse. Uma dezena ou mais dos mais importantes bardia parisienses encheram a sala — uma fração das pessoas que eu tinha visto na parte de baixo da casa — e se sentaram em fileiras de cadeiras diante da lareira da biblioteca. Vincent e Charlotte pegaram duas cadeiras que ficavam de frente para os demais, e eu peguei uma confortável poltrona de couro no fundo da sala. Vincent resumiu a situação para todos eles, pediu para que os revenants chamassem cada contato que tinham, e ordenou que eles se armassem e esperassem prontos. Eu quase sufoquei quando ele explicou que Violette tinha sido avistada entrando e saindo do Crillon Hotel pelos últimos dias. Só ela mesmo poderia escolher o lugar onde líderes de estado e estrelas de cinema geralmente ficam hospedados. Ela não se juntaria aos seus agentes que se escondiam nas catacumbas ou nas cavernas abaixo de Montmartre ou, como agora nós sabíamos, nas residências protegidas de JB espalhadas por Paris. Vincent convidou uma das revenants a falar. A mulher reportou que tinha novidades de Bordeaux que os numa tinham saído da cidade e vinham em direção a Paris. Outros falaram de notícias semelhantes de outras cidades francesas, confirmando o que tínhamos escutado quando estávamos em Nova York. — Violette está obviamente tentando forçar as coisas para um determinado ponto — Disse Charlotte, falando pela primeira vez. Mesmo que ela estivesse vestida com seus regulares jeans de moleca e camiseta, ela tinha arrumado seus cabelos loiros em um coque, fazendo com que ela parecesse ter mais de quinze anos. — Isso não é uma surpresa. Esta é a Terceira Era que a profecia especificou. De fato, já passou quase um século desde que ela começou — Disse Bran, que eu não tinha notado que estava sentado em uma das extremidades do grupo — É o


momento de o Campeão se manifestar. Ele surgirá, Violette orquestrando uma situação para que ele apareça ou não. — O que a sua profecia diz — Perguntou Charlotte. — Eu comparei meu texto com o de Gaspard: a versão dos bardia e a dos dedos de fogo são basicamente iguais — Ele procurou a página em seu livro, levantou-o a alguns centímetros de seus olhos e leu: — Na terceira Era, as atrocidades humanas serão tantas que irmão trairá irmão e os numa serão mais numerosos que os bardia e uma preponderância de guerras escurecerá o mundo dos homens. Neste momento, surgirá um bardia na Gália que será um líder entre a sua espécie. Ele possuirá incríveis poderes anteriores de percepção, persuasão e comunicação e níveis sobrenaturais de resistência e força. Sua aura irá brilhar como uma estrela. Ele liderará sua espécie à vitória contra os numa e eles serão conquistados. Isso resultará na Quarta Era, que será uma era de paz antes que as nuvens de ódio mais uma vez se reúnam sobre a Terra. Os revenants começaram a sussurrar entre si — Isso realmente soa como você, bro — Comentou Ambrose. — Nosso Monsieur Tândorn assegurou que esta honra não é minha — Vincent respondeu, e depois se dirigiu a Bran — Dentre todos os que você já viu de nossa tribo, você não o identificou? — Não — Respondeu Bran. Vincent começou a distribuir ordens, colocando os bardia presentes como responsáveis pela população hierarquicamente mais baixa que estava no térreo da casa, assim como dos que ainda não tinham chegado. Para uma das equipes, foi dada a tarefa de observar o Crillon, e as outras foram divididas entre grupos de espionagem distribuídos por Paris e seu entorno. As pessoas começaram a se levantar e eu caminhei até Bran — Olá, querida Kate — Ele disse, instintivamente esticando a mão em minha direção, e então recuando desajeitadamente sua mão. Eu sorri. Ele era como um fantasma, tão fraco e afastado que ele se sentia de alguma forma intangível, e evitar o toque humano parecia ser o certo por causa de sua aura de outro mundo. — Você parece cansado — Eu disse. Ele deu de ombros — Foi a minha primeira experiência com o jet leg. É claro que aqueles que não dormem não são afetados — Ele comentou ironicamente, inclinando sua cabeça na direção de Vincent — O que é um pouco injusto. Falando de dormir, se eu não sou mais necessário, eu acho que vou tirar um cochilo — Ele disse com um bocejo, e se esgueirou para sair da sala atrás do outros. Eu senti um braço em volta da minha cintura e me virei para ver minha irmã — Então... Valeu à pena acordar? — Ela perguntou. Eu assenti — Obrigada, Georgia. — Ouvi que o seu namorado é o Rei dos revenants agora. Isso te faz a Rainha dos Mortos? Eu revirei os olhos. E então, notando Arthur atrás dela, eu disse — Oi.


Ele me deu um largo sorriso e colocou seu cabelo loiro para trás da orelha — Obrigado por trazer Vincent de volta — Ele disse — Agora que ele tem um corpo novamente, eu me sinto menos culpado por não ter exposto Violette — Inclinandose, ele me deu beijos nas bochechas e sua barba arrepiou minha pele. — Ow — Eu sorri, esfregando minha face — Nos dê licença, por favor — Eu disse para Arthur — Nós precisamos de uma conversa de irmã para irmã. — É claro — Ele disse, fazendo um esforço para sorrir para mim, mas incapaz de tirar os olhos de minha irmã. Capturando o olhar de Vincent, eu mexi os lábios, perguntando — Você precisa de mim? — Ele balançou a cabeça. Eu puxei Georgia para um canto isolado da biblioteca onde ninguém poderia nos ouvir e nós nos deixamos cair nas poltronas em frente a uma janela. Eu pressionei minha bochecha com os dedos — Como você não fica com a pele irritada por causa da barba? — Porque eu estou trabalhando duro para conseguir que isso aconteça — Minha irmã respondeu. — O quê? Você ainda não o beijou? — Eu olhei para ela até que ela sorriu beatificamente. Eu a encarei com suspeitas — Quem é você e o que fez com a minha irmã? — Deus, Kate, você faz com que eu pareça uma completa vadia — Mas pela forma como ela tinha dito aquilo, parecia que ela considerava um tipo de cumprimento — Ele é medieval. Eu imaginei que deveria agir como uma daquelas donzelas de seu tempo, protegendo minha inocência. Eu explodi numa gargalhada — Georgia, você realmente gosta deste cara, não? — Sim, e agora que Violette o substituiu por outra pessoa, eu acho que não sou sua Inimiga Pública Número Um. — Violette substituiu Arthur? — Eu repeti — Do que você está falando? — Bem, Arthur disse que toda vez que ela foi vista, estava com um cara numa junto dela. — Que seria o Nicolas — Eu disse, gesticulando — Ele era o segundo de Lucien. Isso não é uma novidade. — Não, boba — Disse Georgia — Eu não estou falando sobre o cara do casaco de pele. Este é outro numa. Um realmente jovem. Como um adolescente. Ninguém nunca o tinha visto antes. Eles acham que ele deve ser novo ou um dos recémchegados à cidade. De qualquer forma, Violette não vai a lugar algum sem ele. — Isso é arrepiante — Eu admiti. — Sim, ele é como seu cãozinho pré-adolescente. Eu franzi meu nariz, e Georgia assentiu, concordando com meu sentimento. — De qualquer forma, isso deixa o Senhor Autor Medieval Bonitão para mim! — Ela levantou suas sobrancelhas e se arrumou mais confortavelmente na poltrona — Mas minhas aventuras da terra dos garotos não são importantes. O que eu realmente quero ouvir e... Como foi voltar para Nova York?


Estava escuro quando Ambrose me deixou em casa. Georgia tinha ganhado sua liberdade e saiu com alguns amigos para jantar, amigos que provavelmente não estavam conscientes de serem seguidos por Arthur e outro guarda revenant. Eu entrei em casa — Vovó? Vovô? — Eu gritei, jogando meu casaco em cima da cadeira do hall. O apartamento estava estranhamente silencioso. Na maioria das noites, a esta hora minha avó estava terminando de fazer o jantar e jazz ou algum outro tipo de música a acompanhava enquanto ela cozinhava. Eu hesitei na sala de jantar, sentindo-me um pouco aterrorizada. — Aqui no meu escritório — A voz de vovô surgiu. Respirando aliviada, eu deixei o casaco e caminhei até o escritório. Meu avô estava sentado em sua posição favorita, enfiado em um canto numa antiga poltrona de couro com seu cachimbo aceso em uma mão e um livro na outra. — Onde está vovó? — Eu perguntei, me empoleirando na borda de sua escrivaninha. — Está atendendo a um chamado — Ele replicou, soltando uma nuvem de fumaça enquanto falava. A sala se inundou com o odor cítrico do tabaco do cachimbo de vovô, um cheiro que eu sempre tinha associado a ele. Eu olhei para o relógio de mármore na cornija — Às sete da manhã de uma Quinta-feira? — É um cliente estrangeiro, que está na cidade por alguns dias. Sua avó foi para o hotel em que eles estão hospedados para inspecionar uma pintura que não foi aprovada por um negociante de arte parisiense. — Ela foi para o quarto de hotel de alguém? — Eu perguntei em dúvida, pegando um peso de papel de vidro e inspecionando o besouro iridescente preso eternamente dentro dele — Eu não posso imaginar vovó se encontrando com um cliente num hotel. — Não é apenas um hotel. O colecionador está hospedado no Crillon, então Emilie achou que valeria à pena — Vovô replicou, olhando de volta para seu livro e folheando as páginas. O peso de papel se chocou num estrépito contra o chão de madeira, quebrando-se em cacos e libertando seu prisioneiro, que ficou no chão brilhando à luz da luminária. Vovô se levantou de sua cadeira, o alarme em sua face ecoando o meu — O que foi, Kate? — Ele perguntou. — O Crillon. Você tem certeza? — Sim, Kate. Qual é o problema? — Violette está hospedada no Crillon — Eu disse. Minha voz soou como a de outra pessoa, vazia, como se eu estivesse me ouvindo de fora. — Violette? — Meu avô perguntou, confuso. — Violette. A revenant medieval que destruiu Vincent. — Não — Vovô engasgou, de repente aparentando os seus setenta e dois anos. Do outro lado da sala soou um ringtone de um quarteto de cordas. Vovô correu até a cadeira da escrivaninha, colocou a mão no bolso de seu casaco e pegou seu celular. Sua mão tremia enquanto ele o segurava para ver o nome de quem estava ligando. Ele ergueu o telefone para sua orelha e despencou na cadeira da


escrivaninha com um suspiro de alívio — Oh, Emilie, graças a Deus que você ligou. Kate e eu estávamos... Sua face de repente mudou enquanto ele ouvia, o sangue drenado de seu rosto — O quê? Não! Mas como... Eu pude ouvir o tom da voz de minha avó. Era cuidadoso, comedido e lento. Vovô desligou o telefone e levantou os olhos para os meus. Eu tremi, como se uma lufada de ar tivesse entrado pelo escritório e me envolvido em seus dedos gelados. — Violette gostaria de falar com você e Vincent no hotel. Ela está mantendo sua avó como garantia de que vocês aparecerão.


Capítulo 35 Nossa discussão levou apenas um minuto. Vovô não queria que eu fosse. Eu não queria que ele fosse. No final, nós dois saímos do apartamento, jogando nossos casacos e correndo escada abaixo, apressados demais para esperar pelo elevador. Como sempre, não havia táxis à vista — E quanto ao metrô, vovô? — Eu o perguntei. — E arriscar um atraso? Não, obrigado. É quase mais rápido a pé — Ele respondeu. Nós decidimos andar em alta velocidade pela Rue du Bac. O ar frio de Março e as lâmpadas brilhantes dos postes emprestavam à cena um falso senso de segurança, como se tudo estivesse certo no mundo, quando na verdade estávamos em nosso caminho que fatalmente terminaria com alguém ferido. Ou pior. Meu telefone tocou. Eu o peguei em meu bolso e vi que era Vincent — Para onde você está indo? — Ele perguntou. Eu me virei para olhar atrás de mim, mas não vi ninguém me seguindo — Eu perguntei, para onde você está indo sem uma escolta revenant? — Vincent, eu prefiro não te dizer. — O que isso significa? — Ele perguntou, soando mais bravo do que magoado — Dois bardia da casa de Geneviève estão seguindo você e seu avô. Eles me ligaram para checar. Disseram que vocês dois estão caminhando em alta velocidade sem nem mesmo esperar por eles. — Bem, se eles estão nos seguindo, então estaremos seguros. Por que você está me ligando? — Kate, o que está acontecendo? — Vincent perguntou, soando alarmado. — Violette está... Ela está com a vovó... Eles estão no Crillon. Vovô e eu... Estamos indo pra lá — Eu estava tentando falar claramente, mas nossos passos apressados aliados ao pânico por vovó, fizeram com que minha palavras saíssem praticamente ininteligíveis. — Por que você não me ligou e disse isso? Eu teria ido com você! — Não, Vincent! Não venha. Nós não precisamos de você — Eu disse, sufocando de pânico. Houve uma fração de segundo de um choque palpável, e depois — Violette queria que eu fosse, não? — Eu não respondi — Kate, você não pode ir. Pelo menos diga que você esperará até que eu chegue lá — Ele disse. Eu podia ouvir que ele estava se movendo rapidamente enquanto segurava o telefone na orelha. — Meu avô e eu estaremos lá em quinze minutos. Peça para que o pessoal de Geneviève nos acompanhe, mas nós não precisamos de você — Eu disse, tentando encontrar o fôlego. Vovô caminhava em marcha rápida regularmente. Esta noite, eu estava praticamente correndo para acompanhá-lo.


— Ambrose, Charlotte e eu encontraremos vocês no lobby do Crillon — Ele insistiu, ignorando meu pedido — Não suba para o quarto sem mim. Eu não respondi. Eu escutei Vincent praguejando do outro lado da linha quando desliguei. Colocando o celular no bolso, eu aumentei a velocidade para acompanhar a marcha de vovô. Tínhamos que chegar lá antes que Vincent pudesse se reunir a nós. O plano de Violette de atraí-lo para ela ao sequestrar a avó da namorada dele era transparente. Eu não deixaria que ele vencesse a luta desta vez. Vovô e eu encontraríamos algum jeito de salvar vovó sem Vincent ter que se sacrificar de novo. Dentro de dez minutos, estávamos cruzando a Pont de la Concorde e entrando no grande quarteirão. Vovô se jogou no tráfico iminente e eu peguei em seu braço para minimizar a chance de um de nós ser atropelado. Chegamos intactos à entrada do prédio que parecia um museu onde ficava o Hotel Crillon, e diminuímos o passo quando passamos por baixa da monumental entrada de pedra e pelas portas de vidro. — Para onde vamos? — Eu perguntei enquanto olhávamos em volta do suntuoso lobby cheio de arranjos de flores gigantes e columas de mármore. E então eu vi dois homens caminhando em nossa direção de um canto afastado do salão — Tudo bem, aí vêm os numa — Eu disse. — Como você sabe que eles são numa? — Vovô olhou para mim, questionadoramente. — Você não pode ver a flocosidade preta e branca ao redor deles? Como uma aura onde todas as cores tivessem sido sugadas para fora do ar. — Não — Ele disse, olhando para eles e depois olhando de volta para mim, preocupadamente. Eu tenho andado muito por aí com seres sobrenaturais, eu pensei, no mesmo momento em que Vincent, Charlotte e Ambrose irromperam pela porta, vestidos com seus trajes de couro preto de batalha. Os olhos de vovô se arregalaram, mas os funcionários do hotel apenas olharam para eles alegremente como se já tivessem visto isso antes. Juntando os dois numa similarmente vestidos, isso parecia como se uma banda de rock estivesse dando uma festa numa das suítes do hotel. Vincent tomou o caminho mais curto até mim — Você está bem? — Ele perguntou. — Sim — Eu disse, olhando preocupadamente para os numa que se aproximavam — Mas eu não pedi para que você viesse. Vincent ignorou meu protesto — Kate, não diga nada sobre eu não ser o Campeão. Se Violette não descobriu isso, esta é a única carta que ainda temos em mãos. Os numa lançaram olhares mortais para os bardia enquanto ficavam mais próximos — Por favor, sigam-nos — Disse o menor dos dois. Eu vi um brilho de prata embaixo de seu longo casaco preto. — Apenas vocês dois — Disse o segundo, apontando para Vincent e para mim.


— Eu vou com eles — Disse vovô em uma voz que indicava que eles teriam que segurá-lo à força para impedir que ele nos seguisse. — Idem — Disse Ambrose. Charlotte deslizou sua mão para sai cintura para mostrar o contorno da arma que ela tinha escondida entre suas roupas. Os olhos dos numa voaram de um para o outro e depois para a mesa da recepção, voltando para nós — Vocês podem nos acompanhar até a suíte, mas não vão entrar — Curtos e grossos. Eles se viraram e nos guiaram para além do elevador, para uma escadaria, insistindo para que fôssemos à frente. Nosso grupo subiu dois lances de escadas e emergiu num longo corredor com seda escarlate nas paredes e arandelas douradas iluminando a passagem. No final do corredor, um numa com cabelo grisalho, usando um terno caro e uma gravata de seda, estava parado para fora de uma porta dupla. Era Nicolas. Ele enrijeceu quando viu o tamanho do nosso grupo. — Ela verá apenas vocês dois — Ele disse, apontando imperativamente na direção minha e de Vincent. — Não podíamos fazer uma cena no lobby — Explicou uma das nossas escoltas. — E não podemos ficar todos aqui parados no corredor, podemos? — Disse Ambrose com um sorriso perverso — Sendo que é um lugar público e tal. — Vocês os guardarão na antecâmara da suíte — Sibilou Nicolas, dando um olhar para os numa que prometia encrencas assim que eles estivessem sozinhos. — Então, Nicolas — Disse Vincent enquanto o seguíamos pela porta — Você era o braço direito de Lucien e agora está agindo como o segundo de uma adolescente? Nicolas parou ao lado para que entrássemos em um pequeno hall de entrada, com cadeiras e cabideiros para casacos e chapéus. Ele sorriu acidamente para Vincent — No meu mundo, ser o segundo envolve muito menos responsabilidades. E riscos. Porque, olhe para você... Você está de novo em perigo, salvando uma velha senhora, enquanto Jean-Baptiste está seguro, governando o castelo. Charlotte e Ambrose olharam um para o outro e de volta para Nicolas. Os numa não sabiam sobre a partida de JB. Pelo menos tínhamos aquilo ao nosso favor. Violette queria Vincent porque ela ainda acreditava que ele era o Campão. Mas se ela descobrisse que ele também era o líder dos bardia, quem sabe como ela usaria isso para tirar vantagem? — Sentem-se — Comandou Nicolas, gesticulando em direção às cadeiras — Não vocês — Ele disse para Vincent e eu. Abrindo uma porta que dava para outro longo corredor, ele gesticulou para que nós passássemos. — Eu não vou ficar aqui enquanto minha esposa estiver lá dentro — Insistiu vovô. — Oh, sim, você ficará — Disse um dos guardas, tirando seu casaco para mostrar um cinto equipado com muitas facas e uma espada embainhada, além de uma alça de ombro que segurava uma arma. Meu avô franziu a testa.


— Se tudo der certo, sua esposa se reunirá a você imediatamente — Disse Nicolas. — E a minha neta? — Vovô perguntou, elevando o queixo para mostrar que não estava com medo. — Eu ficarei bem, vovô — Eu incitei — Apenas não faça nada para deixá-los bravos. Nicolas nos seguiu de perto pela porta. Eu ouvi os protestos de você serem cortados por uma ordem rude de — Sente-se, velhote! E de repente eu estava tão furiosa que eu senti vontade de voltar e desafiar aquele guarda. Meu ódio espantou o meu medo, pelo menos temporariamente. Eu me virei para encarar Nicolas — Você não machucará meus avós — Eu disse, mandando e não pedindo. — Além de servir como iscas, eles não têm utilidade alguma para nós — Respondeu Nicolas enquanto me incitava a continuar — A porta à sua esquerda — Ele indicou. Vincent virou a maçaneta e, em vez de segurá-la aberta para mim como geralmente faria, entrou primeiro na sala — Ah, aí está você — Eu escutei a voz de menininha de Violette antes de meus olhos a encontrarem, sentada com uma avó numa mesa de chá. Em frente à vovó, uma xícara cheia de café e um prato de pães permaneciam intocados. — Kate! — Ela engasgou quando me viu, mas como estava tremente, não se esforçou para levantar. Eu vi suas mãos curvadas em punhos abaixo da mesa e pude dizer que ela estava tentando controlar a tremedeira. A mesma indignação se levantou dentro de mim ao ver minha forte avó sendo reduzida ao um estado de refém em pânico. Eu queria socar Violette e estrangulá-la naquele momento e naquele lugar, mas me contive quando percebi que havia outras pessoas na sala; dois guarda-costas numa estavam parados contra a parede logo atrás de nós, seus braços cruzados na frente do peito, monitorando a cena. Violette tomou um gole de sua xícara antes de abaixá-la para o pires — É tão bom ver você de novo, Kate — Ela disse, levantando. Em sua cintura, uma faca cravejada de pedras preciosas brilhava em sua bainha de couro — E você, Vincent. Quão surpresa eu fiquei quando minhas sentinelas disseram que você tinha se tornado uma peça só de novo! Eu só posso imaginar que você descobriu o segredo da reincorporação, um método que nós estudiosos temos procurado por séculos. Como você é inteligente! Ela olhou para ele avidamente, como se quisesse arrancar os detalhes diretamente de dentro de sua cabeça — Foi o guérisseur, não foi? — Ela disse enquanto avançava — Ele devia ter esta informação. Eu não poderia imaginar que Gaspard se negligenciaria a me informar sobre uma descoberta tão importante. Vincent ignorou a questão — Deixe a mulher ir, Violette. Eu ainda não podia imaginar porque vovó não tinha se movido um centímetro, até que eu vi que alguém estava logo atrás dela, segurando uma espada às suas costas. Era um garoto. Ele devia ter uns treze anos. Seus cabelos compridos e


castanho-claros caíam sobre suas sobrancelhas, quase escondendo seus olhos escuros. A aura monocromática dos numa circulava seu corpo. Um numa jovem. Este devia ser o novo companheiro de Violette. Ela me viu olhando para ele — Louis, você pode deixar que Madame Mercier saia. As maneiras fazem o homem, como dizem. E mesmo que não sejamos mais oficialmente “homens”, ainda temos nossos códigos a seguir, não é, Vincent? — Você ainda é bardia no corpo — Vincent disse — Mas em sua mente, você já é numa. Além do mais, você não tem nenhum código e eu não acredito em suas palavras. Deixe-me escoltar Kate e seus avós em segurança para fora do prédio e então eu retornarei. — Sim, por favor, deixem minha neta e eu sairmos daqui — Implorou vovó, agora ficando de pé. O comportamento civilizado de Violette explodiu, quebrando em mil cacos de vidro — Vocês todos farão exatamente o que eu mandar! — Ela gritou, seus olhos se estreitando. Todos congelaram e olharam para ela. Os guarda-costas descruzaram os braços e deram um passo em nossa direção antes de receberam um olhar de Violette que os parou. Ela pressionou uma mão no peito, e fechando os olhos, ela suspirou. Então, em uma voz pouco mais alta que um suspiro, ela disse — Nicolas, querido, escolte Madame Mercier para fora. Louis pegou minha avó pelo braço e a fez passar rapidamente por nós, entregando-a a Nicolas. Ele a levou para o corredor, fechando a porta atrás deles. Eu senti uma lufada de seu perfume de gardênia quando ela passou, e meu peito se apertou em dor enquanto eu pensava de novo se algum de nós sairia desta situação vivo. — Agora. Onde nós estávamos? — Disse Violette, e se virou para nós — Oh, sim, Kate e Vincent. É o momento de concluirmos alguns negócios inacabados — Ela caminhou em nossa direção, parecendo uma cobra com seus movimentos suaves de predadora. — Você — Ela disse, apontando para Vincent — Pertence a mim — E pela primeira vez eu notei uma coisa estranha em sua mão direita. Parecia desfigurada. Sem equilíbrio. Um fio de pânico correu para baixo de minha espinha quando eu vi o que estava errado: seu dedo mínimo tinha sido arrancado. Na junta entre a mão e onde deveria estar o dedo, havia uma crosta vermelha irritada, com pontos pretos saindo dela. Este era o sacrifício de carne e osso que ela tinha feito para ligar Vincent a ela. Sem sucesso. Eu olhei para a amputação e tive vontade de vomitar. — Eu nunca pertenci à você — Vincent respondeu, cada palavra gotejando desprezo — Você usou Kate e seus avós para me trazer até aqui. Agora você me tem aqui, e sem surpresa, tem um fogo — Ele apontou em direção ao fogo queimando na lareira de pedra — E aparentemente você descobriu o que fez de errado na última vez. Então deixe Kate ir embora e vamos acabar logo com isso. Violette assentiu para os guarda-costas. Eles caminharam para frente e cada um deles pegou um braço de Vincent. Ele olhou em minha direção, olhos


implorando por minha submissão, enquanto deixavam que eles o carregassem sem se debater. Vincent não iria se sacrificar para me salvar. Um ferro em brasa de fúria perfurou meu coração, impelindo-me a correr em direção a ele — Vincent. Você não pode! Não de novo! — Minha cabeça sacudiu para frente quando eu senti mãos fortes comprimindo meus braços para trás. Eu virei para ver que o garoto, Louis, era o meu captor. E ele era mais forte do que parecia. Seus olhos flutuaram para os meus, e quase sem mover os lábios, ele disse em uma voz quase inaudível — Sinto muito. Suas palavras me confundiram, mas eu virei rapidamente quando Violette parou a centímetro de Vincent. Ela segurava sua faca abaixo de seu queixo enquanto ele olhava desafiadoramente para os olhos dela. — Pegue a mim em vez dele — Eu insisti. Abaixando a faca e dando um passo para trás, ela mudou o seu olhar dele para mim e riu. — Agora, diga-me, Kate. Além do prazer que me dará matar o seu namorado... De novo... Diante de seus olhos, por que diabos você imagina que eu iria querer você? Eu me debati contra o aperto de Louis, e pensando rapidamente, eu me decidi — Eu poderia ser o seu primeiro assassinato de um humano. Não é assim que funciona? Você poderia ser uma numa como quer ser. Apenas não mate Vincent de novo. Deixei-o ir me pegue no lugar dele. — Bem — Disse Violette, uma expressão divertida cruzando suas feições enquanto ela olhava para trás de mim, para encontrar os olhos de Louis — Agora... Isto não é um gesto encantador? Alguém até poderia dizer uma oferenda de sacrifício pessoal. Como você é benevolente, Kate. — Você estava certo, Vincent — Ela disse, focando sua atenção de volta nele. Seus lábios se curvaram em um sorriso doentio — Eu descobri o que fiz de errado da última vez — Seus olhos estudaram o rosto dele, e ela inclinou a cabeça para o lado de um jeito bem feminino — Eu escolhi o Campeão errado. E, investindo para frente, ela mergulhou a faca em meu peito. Seu movimento foi tão rápido que eu não sabia o que tinha acontecido por um segundo inteiro, até que eu olhei para baixo e vi a faca presa em meu peito, ainda presa por seus dedos finos e brancos como porcelanas. Então, segurando o cabo com antes as mãos, ela arrancou a lâmina em um rápido movimento, e eu só tive tempo de olhar na direção de Vincent a ver o terror em seus olhos antes de um som de algo correndo apagar seu grito e a escuridão me afogar.


Parte 2


Capítulo 36 Estou com tanta sede. Minha boca parece estar cheia de areia, mas meus lábios se abrem e eu percebi que é a minha língua inchada que está me sufocando. Eu forcei meus olhos a se abrirem, mas não conseguia ver nada. Meus pulmões queriam explodir. E então minha garganta se abre e eu consigo inspirar o ar, freneticamente levando-o para o meu peito em chamas. Uma mão pega meu queixo e o segura grosseiramente enquanto o líquido é derramado para dentro de minha boca e se espalha pelos meus lábios. Mas eu sou capaz de engolir, e a presença continua em alimentando até que minha boca se fecha e minha cabeça resolve voltar. Minha consciência termina ali. Eu estou com frio, mesmo que sinta o fogo perto de mim. Meu corpo parece como se tivesse sido congelado até ficar sólido e agora estivesse descongelando, agulhas afiadas furando toda a superfície de minha pele. Meus músculos têm câimbras dolorosas e eu sinto meu braço empurrado em meu peito, as juntas de meus dedos em espasmos, transformando minhas mãos em garras. Eu ainda não posso ver, e minha boca está ressequida. Eu escuto passos e a mão está de volta, dando-me água — posso sentir o gosto agora. Alguma coisa se esfrega em meus lábios e é forçada até passar de meus dentes. Eu mordo e sinto o gosto doce do sumo de um figo e sinto sua textura suculenta preencher minha boca. Eu engulo e dou outra mordida, desesperada para colocar alimento dentro de meu estômago dolorido. O figo é seguido por nozes. Três. Eu as engulo, e depois, imediatamente, viro a cabeça para o lado e as vomito, tendo passado do limite de encher o meu estômago. Vomitando, chorando e tremente violentamente. A mão espera até que eu termine, limpa meu rosto, e começa mais uma vez. Água. Figo. Três nozes. Desta vez eu consigo engolir. Os passos caminham para longe e minha mente se desliga mais uma vez. Eu escuto a água lambendo minha cabeça. Meus olhos se abrem. Eu estou encarando um teto de madeira. Eu posso ver. Eu tento me sentar, mas algo me segura. Eu levanto minha cabeça o máximo possível para ver que estou presa numa cama por cordas. Estou vestida toda de preto... Não, não é preto. É vermelho escuro. Vermelho escuro — a ponta do meu dedo se esfrega contra minha perna — e com uma crosta. Com horror, eu percebo que minhas roupas estão saturadas com meu próprio sangue seco. Sentindo pânico, eu tento me orientar. A parede perto de mim é um metal pintado. Eu balanço meu olhar através da sala escassamente mobiliada e para fora de uma janela na minha frente para ver uma extensão de água que se estende até a margem do rio. Estou num barco. Presa a uma cama. — Ah, ela está acordada — Uma voz diz, e eu ergo a cabeça para ver Violette entrando no quarto. Atrás dela, Louis se abaixa para passar pela porta baixa. Eu


recuo quando os avisto. Alguma coisa aconteceu com minha visão. O centímetro de aura sem cor que eu costumava ver ao redor dos numa desapareceu e em vez dela, há halos carmesins circundando suas cabeças. Dentro de mim, alguma coisa nova grita que os numa estão por perto. Como se eu já não soubesse. Uma fúria nauseante se apodera de mim e eu estremeço, sentindo o gosto de bile. Eles param acima de minha cabeça, de cima para baixo, olhando para meu rosto. Louis parece preocupado e Violette triunfante — Bem-vinda à vida após a morte — Ela diz. Eu paro de lutar contra as cordas e olho boquiaberta para ela. Tento falar, mas minha garganta faz um coaxar. — Isso é tão fascinante! — Ela diz, juntando as mãos — Eu nunca tinha testemunhado uma animação antes. Isso nunca tinha realmente me interessado até agora. Eu não entendi sobre o que Violette estava falando por um minuto, e depois — repentina e doentiamente — eu compreendi. Ela tinha me esfaqueado, eu me lembro. Mas eu morri? Não, eu não podia ter morrido. Violette tinha me mantido viva, sofrendo e à beira da morte, para que pudesse continuar a me torturar. Eu me debati contra as cordas, chutando e socando — sem resultado, eu sei — mas eu estou furiosa e a luta faz com que eu me sinta melhor. Eu chicoteio minha cabeça em direção a Violette e tento formar as palavras com minha boca seca. — Você... é... — Eu groso. — Sim, querida? — Ela diz, radiante — Eu sou o quê? — Uma... vadia... psicótica — Eu consigo dizer, colocando todo o meu ódio e o meu medo nas palavras, tentando feri-la com cada gota de energia que eu ainda possuía. — Ownnn. Isso não é fofo? — Ela diz, rindo prazerosamente, e sai da sala com Louis a seguindo de perto — E que apropriado para as primeiras palavras de Kate como revenant — Eu escuto seu comentário enquanto ele fecha a porta — Mostra que ela tem coragem! Isso será mais divertido do que eu pensei — E sua voz vai esmorecendo enquanto eles caminham para longe. Eu fico parada ali, atônita. Sobre o que ela estava falando? Eu... Uma revenant? Eu não posso ser. Mas depois de um momento, eu deixo a dúvida de lado e considero isso. Eu não apenas teria que possuir a predisposição ou gene místico dos revenants ou o que quer que fosse, como teria que ter morrido por alguém. Violette tinha tentado me assassinar. Eu não me sacrifiquei por ninguém. E então, com um arrepio gelado de compreensão, eu me lembrei da cena no quarto de Violette no Crillon quando eu me ofereci para ser a primeira humana que ela assassinaria, para que ela me matasse em vez de matar Vincent. Quais tinham sido suas palavras? Eu as escutei tão claramente como se ela estivesse parada ali no quarto perto de mim — Agora... Isto não é um gesto encantador? Alguém até poderia dizer uma oferenda de sacrifício pessoal. Como você é benevolente, Kate. Violette nos enganou. Ela planejou a coisa toda para que eu morresse por Vincent. Mas por quê? Eu chequei meu corpo para perceber se eu me sentia


diferente, e eu me sentia. Era a forma como o meu coração batia mais devagar e o ritmo lento em que o meu sangue corria pelas minhas veias. Mas aquilo poderia ser porque eu estava morrendo. Sangrando até a morte. Não, mais uma coisa tinha mudado. Mesmo que eu estivesse fraca e ressequida, é como se houvesse um sol — uma bola chamejante de energia — dentro de mim que irradiava por meus poros. Havia a resposta de meu corpo, uma reação de dor física, quando Violette e Louis entraram na sala e que alertaram de que os numa estavam próximos. E então, havia suas auras. A penumbra sem cor que eu costumava ver ao redor dos numa antes de morrer tinha sido substituída por halos vermelhos, assim como os artistas guérisseurs tinham representando ao redor dos numa nas pinturas de sua caverna. Eu vejo as auras como eles veem. Eu mudei. Eu não sou mais humana. — Não! — Eu grito antes que minha voz desapareça. Eu puxo minhas cordas de novo, chutando e puxando e sacudindo minha cabeça, até finalmente desistir e começar a chorar. Não, não a chorar, a soluçar. Lacrimejar. As lágrimas deslizam dos dois lados de meu rosto, e eu tento levantar minhas mãos para enxugá-las antes de me lembrar que estou presa. Alguma coisa belisca meu braço. Com força. Eu obro os olhos para ver o rosto de Violette flutuando sobre o meu — Parece que você desmaiou — Ela diz em uma voz prática — Um sintoma típico da animação depois de uma morte tão violenta. — Por que você está me mantendo aqui? — Eu rosnei. Eu queria que as minhas mãos estivessem livres para que eu pudesse arrancar seus olhos com meus dedos — Você me usou como uma isca para pegar Vincent, ele estava ali parado na sua frente. O que você pode querer de mim? — Por quê? — Ela repete, batendo no queixo com seu dedo — Porque você, Kate, é a Campeã. E eu, Violette, quero o seu poder. É simples assim — Ela vira para Louis — Pegue um pouco mais de água para a Campeã, por favor. Nós não podemos deixar que ela morra antes que ela atinja seu poder total — Louis deixa a sala. Eu tinha pensado em cada possível resposta que ela poderia ter me dado, mas esta era uma que eu não tinha esperado. Eu olhei, incrédula, enquanto Violette puxava uma cadeira para perto da cama e se sentava perto de mim. Ela está louca, eu penso. Mesmo que ela estivesse questionavelmente estável antes, todo aquele poder a tinha deixado completamente insana — Você é mais louca do que eu pensei — Eu digo. — Bem, agora, isso seria um ponto de vista — Ela responde — Outro seria que eu sou muito sagaz. Observadora. Perspicaz, até. Veja, minha aposta de que você era uma revenant já se provou correta. E se Vincent não é o Campeão, o que se provou claro demais quando a transferência de poderes falou tão miseravelmente — Ela inconscientemente esfregou seu dedo amputado com a outra mão, olhos se estreitando quando ela se lembrou que ele não estava lá — Então, havia uma grande chance de que fosse você.


Eu fiquei boquiaberta, sem conseguir compreender, e ela xingou impacientemente — A profecia diz que o Campeão tem poderes anteriores de comunicação, persuasão e percepção. Eu não entendi isso até considerar a palavra “anterior” com o sentido de “antes de se tornar revenant”. Ter os dons quando você ainda é humana. Pensando nisso, a parte da comunicação era óbvia. Eu pensei que Vincent era especial por se comunicar com uma humana quando estava volante, mas o caminho era outro. Era você a especial. Ela gira sua cadeira para poder observar minha reação enquanto fala — Você tinha a tribo de La Maison comendo em sua mão, incluindo Jean-Baptiste, que não lida com qualquer humano que não seja estritamente necessário. Vincent foi contra seu melhor julgamento para te ver, e você trilhou o seu caminho no coração do restante dos revenants de Paris. Eu chamaria isso de poderes anteriores de persuasão. — E então eu me lembrei que na noite anterior da nossa pequena briga em Montmartre, Vincent tinha me perguntado se você poderia possivelmente ter começado a ver as auras dos numa por passar tempo demais com os revenants. Eu disse a ele que não. Mas se você tivesse um senso muito alto de percepção, isso iria explicar. Ela coloca os cabelos para trás, parecendo extremamente satisfeita consigo mesma. Eu quero dizer a ela o que exatamente ela pode fazer com esta teoria ridícula, mas ela ainda não terminou de falar. E eu preciso ouvir isso tudo. Cruzando os braços na frente do peito e batendo o dedo indicador contra seus bíceps tonificados pelas lutas, ela diz — E então há o fato importantíssimo de que a guérisseur Gwenhaël disse aos meus homens, sob muita pressão eu admito, que o Campeão era aquele que tinha matado o líder dos numa. Eu sabia que Vincent tinha possuído seu corpo para matar Lucien, mas foi você que jogou a faca. — Quando eu parei de focar em Vincent e comecei a pensar em você, tudo fez sentido. E então, veja você, aqui estamos nós. Eu não sou uma guérisseur ou uma Vidente, então eu não posso dizer se você tem o halo de estrela do Campeão. Ainda assim, eu vou aproveitar a chance e destruir você quando estiver completamente animada. Como eles dizem isso agora... Eu não ligo o mínimo para isso? — Percebendo o que ela dizia, ela alisou o local do dedo amputado de novo e forçou um sorriso — E não se esqueça que você se ofereceu para mim. Você me deu todos os poderes do Campeão. Não, eu pensei de novo. Ela tem que estar errada. Mas eu continuo em silêncio, recusando-me a dar a ela a satisfação de saber o quanto ela tinha me chocado. Quando eu não respondi, Violette ficou em pé e caminhou até uma mesa, sentandose perto da lareira e, inclinando-se, começou a rabiscar alguma coisa em seu caderno. Eu fecho os olhos e penso sobre o que ela tinha acabado de me dizer. E não acredito nela. Eu não posso. Como eu posso ser o Campeão? O Campeão é um tipo de super-herói zumbi. Tudo bem, então eu me encaixo em uma destas qualificações, eu penso, a dor se espalhando por mim quando, mais uma vez, eu percebo que


sou... Uma não morta. Uma lágrima rola pela minha bochecha ao usar esta palavra para me identificar. Eu tenho que pensar. Toda vez que Bran falava do Campeão, ele usava o pronome “ele”. A profecia que ele leu para nós, usava a palavra “ele”. Aquilo tinha que significar alguma coisa, não? Todo o mundo parecia pensar que o Campeão era um homem. Bran não falaria as coisas de forma diferente se ele soubesse que eu era o Campeão? Não necessariamente, eu penso. Ele poderia não saber. E nem era uma revenant na época. E então eu me lembrei. Logo depois daquele grande evento — quando ele tocou Jean-Baptiste e se tornou o Vidente do Vitorioso — que ele começou a me olhar de um jeito estranho. Eu sempre sacudia os cabelos quando ele me olhava daquele jeito, pensando no que ele poderia estar olhando. Mas e se não fosse o meu cabelo que ele estivesse olhando? E se tivesse sido minha aura? Era um tipo estranho de olhar, eu penso horrorizada. Se a minha aura é tão brilhante como uma estrela, não haveria dúvidas de que ele ficaria com os olhos semifechados cada vez que me observava. Meus pensamentos começaram a se acelerar, cada realização me picando como uma vespa enlouquecida. Havia aquela insistência de que o Campeão ainda não tinha chegado. Ele nem mesmo quisera olhar para os outros bardia para verificar. Era porque ele pensava que era eu. Havia aqueles olhares de soslaio quando o assunto do Campeão surgia. E sua boa vontade em me deixar visitar os arquivos dos dedos de fogo. E então eu me lembrei de suas palavras quando eu voltei da caverna com os livros — Estou feliz por você ter ido — Ele tinha dito — Pode ter sido sua única chance — Por que ele diria isso? Quem carrega o signum bardia pode entrar. Mas revenants não podem. E ele sabia que eu era uma revenant latente. E eu sabia que eu seria o Campeão em breve. Bran sabia durante todo esse tempo. O choque me atingiu como uma onda das marés, rugindo em mês ouvidos e fazendo-me girar e bater nas encostas. Eu continuei ali deitada, sem forças para fazer nada além de assistir a garota que estava determinada a me destruir. — Alguma outra pergunta? — Ela perguntou, fechando o caderno e o deslizando para dentro do bolso de sua jaqueta. — O que você fez para o Vincent? — Ele não tem mais valor para mim — Ela disse, me testando — Eu o teria matado junto com você, mas eu não queria arriscar o seu sacrifício. Você ofereceu sua vida por ele. Eu não tinha certeza se você se tornaria revenant se tivesse falhado em salvar sua vida. Então eu o deixei no hotel. Eu fechei os olhos de alívio. Ele está a salvo. — Sim, agora descanse — Disse Violette, caminhando de volta para a cama e parando diretamente ao meu lado — Demorará pelo menos um dia até que você retome suas forças. Ainda assim, como você pode ver — Ela disse, olhando para as cordas que prendiam meu corpo — Eu não vou te dar nenhuma chance.


Ela começou a caminhar em direção à porta — Violette? — Eu a chamo, levantando a cabeça para vê-la. — Sim, Kate? — Ela pergunta, parecendo curiosa. — Eu espero não ser a Campeã — Eu digo, minha voz extremamente calma — porque eu odiaria dar qualquer outra satisfação à você. Mas se eu for, eu espero que você tenha que amputar uma mão inteira desta vez, além de comer um gato cru para me absorver. E eu espero que você afogue com ele. Seu comportamento assustadoramente calmo finalmente se quebrou. Fazendo um som entre um rugido e um grito, ela corre em direção à cama e bate em minha face o mais forte que pode. Então, virando em seus saltos, ela saiu apressada da sala, batendo a porta atrás dela. Eu deito minha cabeça na cama e sinto o gosto do sangue em minha boca. E sorrio.


Capítulo 37 A porta se abre quase imediatamente, e Louis entra com uma badeja. Mesmo que sua sobrancelha erguida sugira sua curiosidade sobre o que acabou de acontecer entre mim e sua senhora, ele não diz nada. Colocando a badeja para baixo, ele enche um copo de água sem dizer nada. Ele levanta minha cabeça e me ajuda a beber antes de substituir o copo e me alimentar com um gomo de laranja. Minha fúria aos poucos diminuiu enquanto eu o estudava pela primeira vez. Eu via o que deveria ter sido uma garoto esquisito de treze anos ou um pouco mais, antes de ter esta fachada aparentemente carismática que é parte da transformação revenant. Como Vincent me explicou no verão passado, quando os revenants se reanimam, eles se tornam mais fisicamente sedutores do que quando eram humanos. É um superpoder: as pessoas são atraídas para eles, e têm maior probabilidade para confiar neles. No caso dos bardia, isso é uma coisa boa — mais vidas salvas. Mas no caso dos numa, isso significa mais perigo para suas vítimas. Quando os numa querem ser assustadores, é certo como o inferno que são. Mas quando estão em seu modo vigarista, eles podem ser tão venenosamente encantadores como Lucien foi quando enganou minha irmã para que ela se apaixonasse por ele. O que esse garoto fez em uma idade tão jovem para ser reanimado como um traidor em série? Eu pensei. Louis evita meus olhos quanto se levanta para sair. E mesmo que eu saiba que ele só esteja seguindo as ordens de Violette, eu o agradeci enquanto ele deixava a sala. Ele parou na soleira, olhando curiosamente para trás em minha direção, antes de fechar a porta e me deixar sozinha com meus pensamentos. O tempo passa extremamente devagar e meus membros doem tanto que lágrimas vazam de meus olhos. Não estou chorando: é só a resposta de meu corpo à dor intensa. O que faz sentido: meu tecido humano morto está voltando à vida. Eu estremeço com horror. Vincent não tinha me contado esta parte da história. Ele não tinha me contando muitas coisas. Porque ele nunca pensou que eu estaria nesta situação. Nenhum de nós suspeitava que eu fosse como ele. Mesmo que, agora que Violette tinha enumerado as razões, eu tenha me dado conta que deveríamos ter percebido isso. Se não tivesse existido a crença de que Vincent era o Campeão pairando sobre nossas cabeças, provavelmente teríamos percebido. E se nós tivéssemos, bem, as coisas teriam sido diferentes. Não teríamos que ter lidado com os problemas de minha mortalidade e da sua vida eterna. Porque eu teria a chance de me tornar imortal. Esta era uma ironia cruel: agora que eu tinha a possibilidade de passar a


eternidade com Vincent, alguém vai tirar isso de mim. Vai me matar — de novo — e queimar meu corpo. Apenas a deixe tentar, eu penso, meu ódio fazendo com que eu me sinta toda poderosa. Eu me debato violentamente contra as cordas, convulsionando como uma mulher louca em meu desespero, mas o único resultado são braços sangrando. Eu meço o tempo com as batidas lentas de meu coração e a mudança da iluminação fora da janela do barco. Deve ser meio-dia quando Louis entrar na sala e começou a rotina de me alimentar de novo. Comer e beber enquanto estou deitada é difícil, para dizer o mínimo. Mas eu estou tão faminta que eu consigo mastigar e engolir tudo o que ele me dá — e manter em meu estômago. — Quantos anos você tem — Eu disse finalmente. Seus olhos aumentaram de tamanho e depois se estreitaram. Sua mandíbula se apertou e ele balançou a cabeça. Rapidamente recolhendo a bandeja, ele deixou a sala. Eu fechei os olhos e tentei relaxar, mas cada músculo em meu corpo estava pulando. Eu estava desesperada para me mexer, mas apenas meus pés e mãos estão livres para se movimentar. Então, eu trabalho com eles. E então flexiono meus dedos dos pés e das mãos, tentando relaxar. Não há nada mais que eu possa fazer, além de imaginar o que minha família deve estar pensando agora. Eles acreditam que eu estou morta. Eles estão de luto. Outra vez. Meu coração doía fisicamente ao pensar neles, então eu tirei aquela imagem da cabeça e comecei a pensar em um jeito de escapar. Estudei as fechaduras das janelas e memorizei a distribuição de tudo na sala. Eu não sei o que sou capaz de fazer, então é difícil criar uma estratégia. Eu gostaria de ter perguntado mais a Vincent sobre os poderes dos revenants. E se eu for a Campeã? O que Vincent tinha me dito... além dos “poderes anteriores” que Violette tinha descrito. Força. Resistência. Eu imaginava se teria superpoderes. Eu lutei contra as cordas de novo e nada aconteceu. Tudo bem... Eu não sou o Hulk. Eu posso apenas esperar que a parte da resistência seja verdade. Porque, se não for, ficar presa nesta cama vai me deixar louca. Quando o sol fora de minha janela alcançou o topo — meio-dia, eu pensei — meu desespero cresceu. Violette disse que minha força estaria de volta em um dia. Eu tenho que sair daqui antes disso. Maior do que o medo de ser morta de novo era a minha determinação de não ser a chave de virar o combustível-Campeão da supervilã e extinguir os bardia. Eu me lembrei da história sobre o numa que absorveu o poder do Campeão Indiano e a destruição que ele conseguiu fazer antes de ser detido. Violette não precisa de mais persuasão para tentar as pessoas a segui-la. E, além disso, só fico imaginando... Mais que o dobro da força de um revenant, resistência e tudo aquilo, ela poderia ter Paris sob controle sem ter que esperar. Eu não queria ser a heroína dramática de uma história em quadrinhos, mas se eu tinha o destino de Paris... e eventualmente da França ou mais... sob minha responsabilidade, era melhor que eu encontrasse uma maneira de sair daqui.


Louis está de volta, fazendo toda a rotina silenciosa de enfermeiro de novo. Mas desta vez, eu estou determinada a fazê-lo falar — Eu sei que você não pode falar comigo. Mas eu estou imaginando que você não é muito mais jovem do que eu sou. E eu acho que você não queria estar aqui. Eu observei o vazio ensaiado de sua expressão cair por um segundo, quando seus olhos encontraram os meus, e então ele colocou a máscara de volta e continuou a me alimentar. Mas eu tinha visto o que eu estava procurando: tristeza. Desespero. Eu engulo o pedaço de mação que ele está me dando e penso no que dizer. Onde estão aqueles poderes sobrenaturais de persuasão quando eu preciso deles? Eu decidi dizer a verdade — Eu nunca quis isso, Louis. Eu não quero ser a Campeã. Eu nem mesmo quero ser uma revenant. Eu só quero voltar a ser uma garota humana normal e nunca mais ver esta maluca e horripilante medieval de novo. Louis congela, sem saber o que fazer. Minha raiva parece fazer sentido para ele, mas minha honestidade o deixa confuso. Eu posso ver que o que eu disse tocou alguma coisa nele. Ficando em pé, ele caminha para a porta e a fecha cuidadosamente, e depois volta para se sentar perto de mim — Ela não quer que eu fale com você — Ele sussurra — Eu devo dizer a ela assim que imaginar que você está tentando me persuadir a te ajudar. — Bem, eu acho que isso é normal se ela acredita que eu tenho poderes aprimorados de persuasão — Eu digo — Ela deve confiar muito em você para te deixar sozinho comigo. — Confiar? — Ele começa a gargalhar — Por que acha que ela está aqui neste barco, nunca mais do que alguns metros longe de você? Meu nariz está escorrendo, e a única coisa que eu quero mais do que qualquer coisa no mundo é um Kleenex. Eu fungo algumas vezes, tentando limpar o nariz em meu ombro, e Louis pula para pegar uma toalha, limpando minha face. — Obrigada — Eu digo. E então, uma coisa me ocorreu — No quarto de hotel... Por que você pediu desculpas quando em pegou por trás? — Eu pergunto enquanto ele enrola a toalha e a colocou em uma mesa lateral. Ele me observa do outro lado do quarto. Tentando decidir se deve ou não falar. Então, apertando os olhos fechados, ele esfregou a testa preocupadamente. — Eu tinha quase catorze anos quando morri, apenas alguns meses atrás — Ele diz com uma voz tão apertada que parece que sua garganta vai pegar fogo. Exalando, ele caminha para mim — Eu não quis matar ninguém. Tudo bem, sim, eu quis. Mas eu estava apenas temporariamente... Insano, eu acho. Eu odiava demais o cara pelo que ele tinha feito para nós e para minha mãe — Ele estremece e balança a cabeça. É tudo o que ele vai dizer sobre seu passado. — Eu só... Eu sinto muito por tudo isso. Eu não quero ser deste jeito. Ela me achou e fez de mim seu favorito, e tudo o que eu quero é morrer. Mas isso nem é mais possível — Eu não sei o que dizer para ele — Eu tenho que ir — Ele diz, e começa a sair do quarto. — Espere!


— O quê? — Ele pergunta, virando-se para mim. — Obrigada. — Por quê? — Ele parece suspeitar de mim. — Por falar comigo. Por limpar meu nariz. Apenas... Obrigada. — Eu não fiz nada — Ele diz, estreitando os olhos. E virando-se, ele sai do quarto, fechando a porta atrás dele. Eu fico ali deitada, olhando para o teto. Louis é como Violette. Uma aberração da natureza. Ele deve ter se tornado numa por acidente, da mesma forma que ela virou revenant. E agora ele está fadado a ser seu parceiro, pelo menos até que ela fique entediada com ele. O que, pensando por Arthur, pode durar até quinhentos anos.


Capítulo 38 Um momento depois, eu sinto outra presença na sala — Kate — Ela diz. Estou acostumada a ouvir a voz de Vincent em minha cabeça, mas pela primeira vez não é Vincent. Eu olho pela sala, procurando pela fonte da voz, mas não vendo nada. — Quem é? — Eu pergunto em um sussurro, pirando. É o Gaspard — Diz a voz — E aparentemente você não tem que falar alto. Eu escutei suas palavras antes que você as falasse. Que terrivelmente conveniente. Eu não posso evitar o sorriso. Ele soa em minha cabeça igual ele é na vida real — O que você está fazendo aqui? Eu pensei que você e JB tinham deixado Paris. Nós deixamos. Mas Jean-Baptiste viu sua aura por todo o caminhão desde Normandia, e insistiu para que voltássemos. Todos estão procurando por você. JeanBaptiste seguiu sua luz e trouxe todos para cá. Eu devo dizer, minha querida, que você está absolutamente medonha. Sangue seco espalhado por todos os lugares. Você está praticamente... Uma zumbi. Eu ignorei suas observações sobre minha aparência — Como estão os meus avós? E Vincent? Estão todos bem. Ambrose e Charlotte levaram seus avós em segurança do Crillon e voltaram para resgatar Vincent. Eu suspirei de alívio — Então... Onde estamos? O barco no qual você está aprisionada está fora de Paris, movendo-se para oeste — Disse Gaspard. A voz desapareceu por um momento e depois voltou — Quão forte você é? Eu não sei — Eu admiti — Por quanto tempo eu estive aqui? Violette matou você quase quatro dias atrás — Gaspard diz — Eu não posso ficar muito. Ela e seus homens perceberão que eu estou aqui. Vincent não quer tentar um resgate até saber que você está forte o bastante para lutar por si mesma. Não existe um jeito de se esgueirar por um barco no meio de um rio, mas não queremos dar a Violette o tempo que ela precisa para te destruir. Sua voz desapareceu de novo por alguns bons minutos, e depois voltou — Vincent diz e eu repasso a você “Seja forte, mon ange”. Ele disse que você deve fazer o seu melhor para ficar livre, mas ficar aonde está e fingir que ainda está amarrada. Eu voltarei em algumas horas para checar você. Gaspard? — Eu digo. Sim. Eu sou uma revenant — Eu percebo que aquilo é o eufemismo do século, mas de alguma forma dizer “em voz alta” fez com que eu me sentisse melhor. Eu sei. Parece que você é na realidade um pouco mais do que uma revenant, querida Kate. Eu inalei bruscamente — Como você sabe?


Bem, primeiramente, sua aura é como nada que Jean-Baptiste tenha visto antes. É como um farol para suas capacidades de Vidente. E então, uma vez confrontado, Bran confessou. Ele sabia disso o tempo todo, mas estava preso pelas regras de seu povo de que não poderia dizer quem era o verdadeiro Campeão até que ele se tornasse o Campeão. Minha intuição estava certa. Bran sabia. Eu não sabia dizer se estava grata ou chateada com ele por não ter me dito. Mas de novo... Talvez ele tivesse tentando com todas as suas pequenas dicas. Na única forma que ele poderia me deixar saber “legalmente”. Eu tinha sido apenas cega para enxergar. Apenas tenha cuidado, Kate — Gaspard continuou — Eu voltarei para ver você. Então... Meu estado — tanto de revenant como de Campeã — era agora um conhecimento comum entre os bardia. Eles todos sabem. Vincent sabe. Eu não tenho certeza de como me sinto sobre isso. Há uma angústia no meu coração quando penso se isso mudará a maneira como ele me vai me ver agora. Ele me disse mais de uma vez que nunca desejaria o destino de revenant para mim. Bem, nada disso importará se eu não puder sair daqui. Meu corpo será reduzido a cinzas e meu espírito será absorvido por Violette, deixando-a mais forte. Tornando-a impossível de deter. Apenas o pensamento de me tornar uma parte dela faz com que eu entre em ação. Eu movo minhas mãos para trás e para frente nas cordas. Tudo o que eu consigo é uma queimadura por causa do atrito e mais sangramento. Eu sinto vontade de gritar, mas agora que estou em contato com os outros, eu não quero chamar mais atenção do que o necessário para mim. Eu deito de novo na cama e desejo conseguir dormir. Depois do que parece uma eternidade, Louis volta com outra bandeja. Desta vez, ele deixa a porta aberta atrás dele. Levantando minha cabeça para me ajudar a beber, ele colocou pedaços de fruta e amêndoas em minha boca e espera que eu mastigue e engula. Eu sinto que ele odeia seu trabalho de guarda. Há alguma cosia na forma que suas mandíbulas se apertam quando eu ocasionalmente gemo de dor. E a forma como seus olhos se voam para a minha face a cada poucos segundos para ver minhas reações. Eu tenho sentido uma emoção por ele que eu finalmente percebo ser simpatia. Eu tenho uma suspeita de que ele preferiria estar em qualquer lugar que não fosse aqui, me ajudando a ficar mais forte para que eu seja destruída. Eu aproveito a chance para saber se meu palpite está certo — Louis, por favor, me ajude a sair daqui — Eu sussurro. Ele age como se não tivesse me ouvindo e coloca uma noz em minha boca. Eu mastigo e engulo e imagino se existe um macete para esta coisa da persuasão. Focando no que eu quero dele, eu o imagino levantando, fechando a porta e depois me desamarrando. Eu concentro toda a minha energia no pequeno filme que se passa em minha mente, observando-o fazer o que eu quero de tempos e tempos. Eu sinto outra noz sendo empurrada contra os meus lábios e meus olhos se abrem para ver seu olhar se afastar rapidamente de mim enquanto eu pego a comida de seus dedos.


Ele fica em pé e caminha em direção à porta. Eu sou tomada pelo desapontamento. Ele é minha única chance: a menos que eu fique muito forte em muito pouco tempo, não há uma maneira de sair daqui sozinha. Enquanto eu o observo sair, eu vejo uma coisa que não tinha notado antes. Dentro de sua aura vermelha, algo brilha, como pequenos filamentos dourados. Eu pisco algumas vezes, pensando se ficar deitada por tanto tempo está me deixando com fadiga ocular, mas quando olho de volta, as listras douradas ainda estão lá. Como se me sentisse olhando, Louis para. E então ele vira e volta para perto de mim. Cuidadosamente evitando meu olhar, ele se inclina embaixo da cama e puxa uma das cordas. Sinto uma mordida em meu braço quando a corta gira contra minha pele. Estou petrificada de alarme, imaginando o que ele está fazendo. Sem olhar para trás, ele pega uma única chave e a deixa na janela antes de sair do quarto, fechando a porta audivelmente atrás dele. O que acabou de acontecer aqui? Eu pergunto a mim mesma. Eu levanto minha cabeça e olho para minhas mãos. Ele virou a corda, deixando o nó perto dos meus dedos. Eu deito minha cabeça de volta e fecho os olhos, aliviada. Então, reunindo toda a minha força, eu me obrigo a começar a desfazer o nós com meus dedos. É um nó simples, mas foi tão apertado que na verdade eu tenho que desemaranhar a corda usando a unha do dedão como faca. Eu escuto passos se aproximando da porta e congelo, deitando de novo para que se alguém olhar para dentro do quarto não possa perceber nada errado. Os passos se distanciam, e eu me lanço na tarefa com mais afinco que antes, rasgando a pele de meu dedão para afrouxar a corda. Finalmente eu sinto o nó soltar e me liberto da corta. Há mais três cordas me prendendo: pelos meus ombros, coxas e pernas. Eu trabalho nelas pelos próximos poucos minutos, cada uma sendo mais fácil do que a última agora que eu tenho mobilidade, e finalmente estou livre. Eu considero esperar por Gaspard, mas parece que se passaram horas desde que ele saiu. Eu poderia colocar as cordas de novo em volta de mim, fingindo estar presa para o caso de Violette voltar. Mas se eu precisasse lutar com ela, eu não tenho certeza se posso ganhar. Eu não tenho jeito de julgar minha força. Mesmo que eu não me sinta pronta para uma luta, eu me sinto desesperada para mover meus membros. Talvez até mesmo para tentar escapar. Curiosa, eu toco meu peito, empurrando minha camiseta onde a faca de Violette deslizou para dentro de mim. Estou coberta por uma grossa camada de sangue seco, então é difícil ver a ferida da faca. Eu corro os dedos pelos ossos de meu peito, onde a lâmina entrou. Está liso. Não há ferida. Nem mesmo uma cicatriz. Eu tremo e os arrepios começam em meus braços. Se ainda restasse alguma dúvida sobre minha mortalidade, elas agora tinham sido sanadas. Eu sou inegavelmente sobrenatural. Eu viro as pernas para a lateral da cama e fico sentada, sentindo o sangue correr em minhas coxas. As alfinetadas e agulhadas voltam com força total. Eu tento me levantar, mas caio imediatamente numa posição sentada até finalmente poder sentir os meus dedos dos pés. Eu fico


daquele jeito por outro momento antes de tentar me levantar de novo. Então eu manco com dor para o outro lado do quarto, para a janela. Pegando a chave de Louis, eu a introduzo na fechadura. Ela serve, e eu viro a maçaneta cuidadosamente, com os dentes cerrados, tentando o meu melhor para não fazer barulho. Eu abro a janela lentamente — um centímetro por vez — e depois que nada acontece, atrevo-me a colocar minha cabeça para fora e olhar para baixo. Há um metro e oitenta de altura até o deque principal. Ninguém está à vista. Eu balanço meus braços e pernas, tentando fazer com que a minha circulação se ative antes de passar uma perna meio manca pela janela e a seguir com a outra. Eu pairo sobre a janela com meus cotovelos e depois me jogo para fora até segurar a borda da janela com as pontas dos dedos e me soltar silenciosamente para o deque. Ou pelo menos é o que eu tento. Meus Converses incrustados de sangue fazem uma espécie de som de trituração quando batem na madeira, e o impacto — um do qual eu normalmente me recuperaria — me faz agachar, incapaz de ficar em pé, porque os músculos de minha perna ficaram tempo demais sem serem utilizados. Eu estou presa lá por três segundos inteiros, meu coração batendo como um tambor, com medo de que Violette pudesse aparecer em minha frente antes que eu possa pular na água. Fique calma e pense, eu incitei a mim mesma, e olhei o espaço em volta de mim, procurando alguma coisa que eu poderia usar como arma. Bem na hora. Quando eu me coloco em pé, com esforço, eu sinto uma mão prendendo meu ombro. Eu olho em volta para ver um dos guardas numa do hotel olhando carrancudo para mim.


Capítulo 39 — Ei! — O numa grita. Antes que ele possa alertar aos outros, eu pego um remo de metal preso na parede perto de mim e a balanço o mais forte que posso contra sua cabeça. Ainda estou fraca, mas parece que eu o atingi no ponto certo, porque ele solta meu ombro e cambaleia para trás assim que outro numa chega ao deque e começa a correr em minha direção. — O que está acontecendo? — Eu escuto Violette gritar, e depois eu estou pulando para fora do deque do barco para a água gelada abaixo de mim. Eu nado com movimentos determinados em direção à costa. Se eu sou a Campeã, isso definitivamente não tem me feito mais forte. Estou cansada e fraca, mas o pânico faz com que eu me mova rapidamente pela água. Eu agradeço a minha estrela da sorte por já ser uma boa nadadora quando era humana. Quando eu era humana. Meu peito se contrai e eu vacilo em minhas braçadas. Eu sou um monstro. Não, você é uma revenant, eu corrigi, incitando meu corpo para frente. Eu escuto o barulho de algo caindo na água atrás de mim. E depois mais uma vez. Eu imagino que os guardas numa estão me seguindo, mas eu não perco tempo olhando para trás. Eu luto pela água, meus músculos queimando de dor, indo diretamente para as margens do rio. De repente, alguém está em minha cabeça. Gaspard. Kate, eu estou levando os outros para o ponto onde você vai chegar. Os numa chegarão à terra antes de nossa tribo chegar até você. Você terá que lutar. Você pode prever se eu vou ganhar? — Eu pergunto, lutando para manter a velocidade. Não, eu não posso ver isso. Depois de mais alguns minutos, meus pés tocam o chão. Eu saio da água para a margem. Não há prédios em volta, então nós devemos estar perto dos parques nacionais fora dos limites da cidade de Paris. Ninguém para me ver. Ninguém para quem eu possa pedir socorro, eu penso. Sou só eu contra os numa. Sem olhar para trás, eu tropeço para frente, pingando e deixando um rastro de água sangrenta atrás de mim. Procurando por alguma coisa que eu possa usar como arma, eu agarro um ramo quebrado de uma árvore, arranco-o e tiro seus galhos o mais rapidamente que posso. É quase do mesmo tamanho do bordão que eu treinava com Gaspard, mesmo que seja um pouco mais pesado. Eu me viro para olhar para a água e fico surpresa por um momento. Os dois homens nadando têm o mesmo arrepiante halo vermelho brilhando ao redor deles que eles tinham no barco. Mas agora que eles estavam mais longe, o vermelho iluminava a água escura abaixo deles como e se atirava para cima como um farol. Eu pisco. A luz se apaga enquanto meus olhos estão fechados, mas volta quando eu


foco neles de novo. Na medida em que eles se aproximam, as luzes ficam mais obscuras, até que eles estão perto de mim, saindo da água e o farol desaparece, deixando apenas os halos vermelhos. Agora eu não tenho tempo para pensar no que aquela estranha ilusão de óptica significa. Gaspard estava certo em me alertar: eles estão tão perto que, se eu corresse, eles rapidamente me alcançariam. E eu não tenho ideia de onde estou. Nenhum senso de direção. Seria fácil para mim me perder tentando encontrar um caminho entre a floresta. Apenas cinco segundos tinham se passado entre o tempo em que eu me armei e o momento em que eles se aproximaram de mim, e eu passei esta fração de tempo furiosamente descascando uma das pontas de minha lança. Eu tentei criar uma estratégia enquanto os via se aproximando. O pânico me engolfou quando eu vi suas formas pesadas e me dei conta de que eu não tinha ideia como lutar com dois numa ao mesmo tempo... com apenas uma lança. Não pense. Apenas aja, eu disse a mim mesma. Eu respiro profundamente e tento me colocar naquela zona — o local de minha mente para o qual eu tinha aprendido a entrar depois de meses de treinamento de luta com Gaspard. Eu não tenho tempo de me concentrar. Meus dedos estão sangrando, e uma lasca de madeira está enfiada dolorosamente abaixo de minha unha. Mas a dor me ajuda a entrar em foco. Tropeçando um pouco com o peso do ramo, eu o balanço para cima e os esmago contra o ombro do primeiro numa que chega até mim. Ele não está preparado para aquilo. Perdendo o equilíbrio, ele tropeça e cai pesadamente em cima de um ombro, gritando de dor quando o desloca. O segundo de meus atacantes está na minha frente, e eu balanço desajeitadamente de novo, não acostumada a uma arma tão pesada. Acerto-o mais abaixo, atingindo suas pernas, mas ele está mais bem preparado do que seu parceiro. Mesmo que ele cambaleie, consegue manter o equilíbrio. Ele investe contra mim, e eu desvio para o lado, fazendo com que ele acerte o ar antes de virar para investir contra mim mais uma vez. Meu inimigo que estava no chão voltou a ficar em pé. Eu tenho dois numa vindo para mim ao mesmo tempo, mas estou pronta, sentindo o ritmo da luta agora. Tudo o que eu aprendi volta para me ajudar, e eu estou com o controle. Eu espero, balançando a madeira horizontalmente em ambas as mãos, observando os atacantes me encararem. Parece que os dois não têm nenhuma estratégia além de me pegar individualmente. Como Gaspard tinha me explicado, uma das maiores fraquezas dos numa era a “anarquia na guerra”. A menos que trabalhem sob a liderança de alguém forte, é cada numa por si. Eu tiro vantagem disso e foco em um de cada vez. Meu inimigo ruge e corre para mim, e eu o acerto em cheio no ombro com a ponta cega da vara. Quando ele cai de novo, eu vejo o outro numa vindo por trás. Empurrando a ponta afiada da lança com força para trás, abaixo do meu braço, eu espero até que ele esteja a um metro de distância e o enfio em seu peito.


Oh, meu Deus. Eu sinto a madeira deslizando pela carne e me sinto nauseada, minha garganta tendo espasmos numa reação extremamente humana. Não pense nisso, eu obrigo a mim mesma. Se eu perder tempo sentindo isso, estarei morta. De novo. Os olhos do numa se arregalam e ele solta um grito que mais parece um gemido enquanto coloca as duas mãos em volta da vara saindo de seu peito. Eu tiro a lança dele, e ele cai no chão. Virando a ponta ensanguentada para o lado, eu balanço a vara de volta na direção do meu outro oponente, ao nível da cabeça. Ele a agarra com as duas mãos, arrancando-a de mim. Mas suas mãos deslizam no sangue e, desajeitadamente, a lança cai no chão. Eu estou perto demais para que ele se abaixe para pegar. Furioso, ele ruge. Erguendo os punhos, ele puxa o braço para me dar um soco. Eu ataco primeiro, curvando-me para a esquerda, abaixo da trajetória de seu soco, e o chuto com o pé direito, plantando-o diretamente em seu peito. Ele cambaleia para trás um passo, mas investe para baixo e consegue pegar o bordão improvisado. Mexendo-o como um taco de baseball, ele consegue dar um golpe poderoso em minhas costas, fazendo com que eu voe para frente. Quando minha cara bate no chão, eu sinto meu rosto moendo contra a sujeira e as pedras, e fico ali sangrando e sem conseguir respirar. Eu fico apoiada em minhas mãos e joelhos, ofegante e cuspindo sujeira e sangue. Minha respiração tinha sido nocauteada e eu vejo estrelas, imaginando quanto tempo eu tenho antes de desmaiar. Eu escuto o numa vindo por trás de mim, e rastejo para frente, tentando escapar. Ele me pega pelos cabelos, puxando minhas mechas molhadas e desgrenhadas com uma mão e usando-as para me puxar de pé. Com a outra, ele segura a ponta afiada da lança em meu rosto. Com uma expressão de que irá gostar imensamente do que está prestes a fazer, ele coloca minha cabeça para trás para bater nela no ponto certo. Na fração de segundo antes de morrer, eu vejo a face de Vincent diante de mim mais uma vez. Ele está no cais do Sena, parado no sol, mãos enfiadas nos bolsos dos jeans, dando-me aquele sorriso torto que eu sei que significa “Eu amo você”. Eu também te amo, eu penso, e meu medo desaparece quando engulo ar pela última vez. Mas antes que a lança encontre minha face, eu escuto um som vibrante, e o numa cai para o lado, atingindo pesadamente o chão. Ele se mexe uma vez, mas a flecha que penetrou sua têmpora o matou antes de ele cair. — Kate! — Vincent me chama, e depois ele está me apertando tão fortemente contra seu corpo que eu posso sentir as batidas de seu coração contra o meu peito. Tentando respirar, eu me inclino em sua direção por apoio e deixo que ele leve meu peso enquanto me dou conta de ele está aqui. Finalmente, ele me solta e tira meus cabelos molhados e desgrenhados do meu rosto para poder me ver. Ele limpa a terra e o sangue de minha faca com seus dedos. A emoção em seus olhos faz com


que os meus se encham de lágrimas — Você está viva! — Ele finalmente consegue dizer. — Não realmente — Eu respondo, meu peito ainda ofegante pelo esforço e, então, não posso dizer mais nada porque ele está passando os braços em volta de meus ombros e me puxando para si. — Eu não pensei que veria você de novo — Ele diz. E então ele pega minha face em suas mãos e me beija. É terno. É profundo. É o meu primeiro beijo na minha nova encarnação... já que meu coração parou de bater e começou de novo. Eu sou uma não morta, e ainda assim Vincent está me beijando, e minhas preocupações de que ele não iria me querer deste jeito — que isso iria de alguma forma mudar o que ele sentia sobre mim — desapareceram. Eu o beijei de volta, deixando de lado o restante de meus medos e dúvidas e lamentações sobre o que eu tinha perdido e me permitindo o prazer de tocá-lo de novo. Afastando-me de Vincent, eu me virei para ver Charlotte parada ali perto com um arco nas mãos e um sorriso malicioso na face. Ela está radiante. Não apenas no sentido de muito feliz — o ar em volta de seu corpo está realmente brilhando com uma cor dourada avermelhada, e em volta de sua cabeça, está o halo dos bardia — “uma aura como uma floresta em fogo”, como Gwenhaël tinha dito. Eu olho para Vincent. Ele é igual: com o halo dourado e o ar em volta de seu corpo brilha como fogo. É assim que eu vejo agora, eu penso maravilhada, e imagino se eu vou me acostumar a ver meus amigos brilhando e meus inimigos escorrendo aquela névoa vermelha. Isso é... Se eu viver o suficiente. Eu me lembro que, embora meu objetivo imediato de fuga tenha sido alcançado, ainda estamos no meio de uma guerra entre os numa e os bardia. Violette não vai me deixar sair disso sem se vingar. Ela tentará me pegar de novo, eu penso com uma pontada de raiva. Charlote sibila: — Desculpa por interromper vocês dois, mas o barco de Violette foi embora e os outros estão esperando por nós nos carros. Vincent assente para ela, e depois me puxa para mais um beijo. Ele tira seu casaco e o coloca ao redor de mim, puxando seu telefone. Ele diz para alguém que estamos a caminho e pede para que alguém pegue os corpos dos numa para que sejam queimados. Charlotte me pega pela mão — Eu sei que agora não é o momento de falarmos sobre isso. E que você vai ter muitas coisas para decidir e para pensar, mas... — As lágrimas caíram de seus olhos e ela deixou seu arco cair e jogou os braços ao redor de mim — Bem-vinda parenta.


Capítulo 40 Quatro veículos esperam por nós quando saímos da clareira em direção à estrada. Um deles é uma ambulância. Quando nos aproximamos, dois revenants com uniformes de paramédicos puxam uma maca pela parte traseira e entram na floresta, na direção em que viemos — Estamos levando ambulâncias para todos os lugares aonde vamos agora — Comentou Vincent, apontando para eles enquanto passávamos — Nenhum corpo de numa é deixado para trás. Estamos tentando limpar a cidade. — Como as coisas estão? — Eu pergunto. Eu sei que ele está tentando manter a conversa para que não tenhamos que falar sobre certas coisas. Se é porque ele não está pronto, porque ele pensa que eu não estou pronta ou se há mais pessoas por perto, eu não tenho certeza. Mas eu não me importo, porque estou na verdade morrendo para saber o que aconteceu enquanto eu estava fora. — Não muito bem — Ele respondeu — Nós emboscamos alguns deles nas residências de JB, mas as notícias se espalham rapidamente e eles evacuaram as outras. Agora é como se estivéssemos começando de um esboço, sem ideia de onde procurar. — E a violência na cidade está ficando pior a cada dia — Charlotte interrompeu — De acordo com os contatos policiais de JB, desde que Violette deixou La Maison e se tornou a líder dos numa, em tempo integral, eu quero dizer, os suicídios mais do que triplicaram, relatos de abuso de menores e brigas domésticas dispararam, e os subúrbios estão explodindo com a violência de gangues. Quanto mais numa chegam à cidade, mais incidentes de crimes violentos são denunciados. Nós não conseguimos nem começar a detê-los. — E vocês gastaram o tempo procurando por mim? — Eu pergunto, horrorizada. — É claro — Charlotte diz, como se isso fosse óbvio. Ela caminha para frente, deixando Vincent e eu a sós. Ele para, olhando para o chão por um momento — Você sabe que Bran te identificou como a Campeã — Eu confirmo com a cabeça — Isso faz sentido — Ele diz, seus olhos mostrando preocupação misturada com alguma coisa que eu não posso definir. Medo? Ambrose e Geneviève saltaram e me envolveram num abraço de sanduíche — Você me deixou aterrorizado, Katie-Lou — Ambrose disse. Ele se inclinou para trás e olhou para mim. Eu olhei para baixo e percebi como eu estava: coberta de sangue — o meu próprio e o do numa — misturado com terra, manchas escuras em minhas roupas que mesmo a natação no rio não conseguiram retirar, um corte de faca pela minha


camiseta. Eu ergui minhas mãos, onde meus dedos já não tinham sangue seco incrustado, o sangue fresco saía. — Zumbi Chic — Ele concluiu — Apenas uma Campeã poderia usar isso. — É melhor tomar cuidado, Ambrose. Eu posso fritar você com meus olhos se você me irritar — Eu digo. Ele me olha, em dúvida — Você pode fazer isso? — Honestamente — Eu admito — Eu não tenho ideia do que posso fazer — Eu forço uma risada e Ambrose me aperta contra ele de novo. — Você vai ficar bem, irmãzinha — Ele murmura, e cuidadosamente me coloca no banco de trás. Vincent estava passando informações ao motorista do primeiro carro e agora voltava, dizendo: — Vamos lá! — Ele se sentou perto de mim quando Ambrose tomava o assento do motorista. — Eu vou com os outros — Disse Charlotte quando Geneviève sentou no assento do carona. Eu notei os olhos de Ambrose seguirem Charlotte enquanto ela entrava no carro logo à frente do nosso. Travando o maxilar, ele ligou o motor e colocou o carro na rodovia, fazendo um retorno em U ilegal para ir em direção oposta. — Corrida dos esteroides? — Perguntou Vincent secamente. Ambrose levanta as mãos em negação — Este corpo é cem por cento natural. —Mãos no volante — Pede Geneviève. — Obrigado, mãe — Ambrose replica — Você sabe há quanto tempo em dirijo? — Uau! É bom estar de volta — Eu tento brincar. Vincent se inclina e sussurra — Como você se sente? — Eu estou bem — Eu digo, e depois eu percebo que não estou. Eu tenho tentado me controlar por muito tempo: manter-me viva... escapar de Violette. Eu tinha me obrigado a racionalizar sobre o que acontecia, mas não podia evitar sentir aquilo tudo. Mas agora que eu estou fora do perigo imediato e sob a proteção de meus amigos... minha tribo... Eu estou de repente sobrecarregada pelos eventos dos últimos dias e começo a tremer. Vincent me pega em seus braços e me segura protetoramente. Depois de alguns minutos, minha tremedeira se acalma, mas meus dentes batem e as lágrimas rolam pelas minhas bochechas. Geneviève virou para mim e colocou a mão em meu joelho — Demora um tempo para a maioria de nós nos acostumarmos à nova existência — Ela diz, sua voz mergulhada de compaixão — Normalmente você teria tempo para se adaptar a ser revenant antes de ser colocada no meio das coisas. Eu chorei por duas semanas depois que Jean-Baptiste me encontrou e ajudou a me animar. E foi meses antes de eu estar mentalmente pronta a encarar meu destino. — Eu imagino que Violette não permitirá que eu tenha um tempo para me acostumar com a imortalidade? — Eu pergunto.


— Não — Vincent diz — Nós imaginamos que a única razão para ele ter adiado um ataque direto para cima de nós é porque ela queria o poder do Campeão antes. Agora que você escapou, ela não demorará para se mover. Ele não quer me dizer isso. Chamar-me de Campeã. É por isso o olhar de medo. Vincent não quer pensar em mim desta forma. Eu não quero pensar em mim desta forma. É bizarro demais, e eu nem mesmo sei o que significa. Eu me sinto como uma granada de mão sem pino — prestes a explodir, mas sem ter ideia se vou fracassar ou acabar com tudo a minha volta. — Estamos prontos? — Eu pergunto, forçando o assunto de volta à minha mente. — Nossa primeira prioridade era encontrar você — Vincent disse — Agora que você está a salvo — Sua voz demorou na última palavra — Agora que você está conosco, planejaremos nosso próximo movimento. Eu inclinei minha cabeça contra o assento, sobrecarregada pelo escopo do que vinha pela frente — Temos que proteger meus avós e Georgia — Eu digo — Eles serão os primeiros alvos de Violette agora que eu escapei. — Eles já estão em La Maison — Disse Ambrose, olhando para mim pelo espelho retrovisor — Charlotte e eu os levamos para lá depois de os tirarmos do Crillon. Exceto de voltar ao apartamento para pegar as coisas que precisavam, eles não deixaram a casa. Eu não duvidava que Vincent cuidaria de minha família, mas senti um imenso alívio ao saber que eles estavam a salvo dentro dos muros dos bardia. E então algo me ocorreu e meu estômago deu um nó — Eles sabem... Sobre mim? Vincent vira minha mão para cima e esfrega minha palma com seus dedos — Eu disse a eles. Lágrimas caem de meus olhos, e eu tiro minha mão de Vincent para enxugá-las — Como... O que eles fizeram? — Eu pergunto, minha voz se quebrando. Os olhos de Vincent encontraram os de Ambrose no espelho — Depois de levar seus avós para fora, eu voltei para o quarto de hotel — Ambrose explicou — Vincent tinha sido agredido e estava inconsciente, e Violette e seus numa tinham fugido com o seu corpo. Eu o contrabandeei para fora do hotel, de volta para casa. Quando acordou, ele nos disse o que tinha acontecido. — Quando Bran ouviu a história — Vincent disse — Ele ficou apoplético e confessou que sabia que você se tornaria a Campeã. Você já tinha a aura parecendo a uma estrela, e era tão luminosa que ele não conseguia nem olhar diretamente para você. — Eu passei de pensar que você estava morta para ser informado de que você era, não só uma revenant, como a Campeã, em apenas alguns momentos — Vincent diz, abaixando a voz — Eu fui do luto à consciência de que isso significava que você estava em algum lugar sendo preparada para outra morte nas mãos de Violette. Se eu não tivesse conservado o juízo e me organizado para te procurar, eu teria enlouquecido.


— Ele estava em completo choque — Ambrose interrompeu quando a história de Vincent precisou de um plano de fundo — Eu conheço o cara por quase um século, e eu nunca o vi tão enlouquecido. Arthur e eu tivemos que segurá-lo para que ele não fosse caçar Violette sozinho. Por alguns momentos, o único som era os dos pneus sobre os asfalto — Eu dei a notícia aos seus avós — Disse Vincent, finalmente — E, assim como eu, eles se mantiveram esperançosos de que você tinha sobrevivido. Pensando na dor de minha família, eu fechei os olhos e descansei minha cabeça no ombro de Vincent. Ambrose continuou com a história — JB apareceu alguns dias depois, dizendo que havia algum revenant maluco que liberava uma luz como ele nunca tinha visto, visível por todo o caminho da Normandia. — Foi assim que tivemos a certeza de que você tinha sido animada — Disse Vincent — Esperávamos encontrar você antes que Violette a destruísse. Kate, seus avós vão ficar felizes em te ver de novo. Não se preocupe com nada mais. — Eu vou ligar agora — Geneviève pega o telefone. — Eu não... Eu não posso falar com eles — Eu balbucio — Não por telefone. — Não se preocupe — Geneviève diz — Eu pedirei para que Jeanne dê a notícia. Isso provavelmente será mais fácil para eles — Ela faz a ligação e eu escuto a governanta atender — Estamos com Kate — Geneviève diz — Ela está viva. E... — Ela para, pensando em como dizer — Ela é uma de nós agora. Eu escuto o som do alívio de Jeanne explodir do outro lado da linha em uma confusão de emocionais sílabas francesas antes de ela desligar. — Podemos ouvir uma música — Vincent pergunta. Ambrose liga o rádio e reposiciona o espelho retrovisor, e Geneviève se vira para nos dar privacidade. Nós encostamos a cabeça contra o assento e olhamos um para o outro. Nenhum de nós queria ser o primeiro a falar. Olhando para baixo, Vincent tira um pouco de barro seco de minha mão com seus dedos e diz — Mesmo que isso não seja o que eu queria para você, é melhor do que a alternativa. Você ser imortal é melhor do que você estar morta. — Eu sei — Eu respondo, fechando os olhos e exalando profundamente. Quando eu os abro, seu rosto está perto do meu. Seus dedos apertam meus cabelos molhados, alisando-os para baixo — Não vamos falar sobre isso agora — Eu sussurro — Se nós sobrevivermos a estas próximas semanas, teremos o tempo que quisermos para pensar em tudo. Ele assente. Inclinando-se para frente, ele beija minhas bochechas, minha testa, meus olhos, meus lábios — Mon Kate, qui était à moi, qui n’est plus à moi — Ele sussurra enquanto me beija. E então diz em Inglês — Minha Kate, que era minha, que não é mais minha — Ele cansativamente esfregou os olhos vermelhos — porque agora você pertence ao destino.


Capítulo 41 Quando chegamos a Paris, o céu mudou de um algodão doce cor-de-rosa para alaranjado. Feixes vermelhos finos apareciam em meio às luzes brancas da cidade que começavam a piscar à medida que o crepúsculo se aproximava. Eles pareciam como lasers apontados para as nuvens, e eu me perguntei se o carnaval tinha retornado aos Tuileries Gardens. Viramos em uma esquina e o Sena apareceu, e depois de vê-lo, meu coração se estabilizou como sempre acontece quando eu vejo o rio. É uma bandeira azul de continuidade para mim, simbolizando o fluxo contínuo do tempo numa cidade sem idade. Confortada, eu peguei a mão de Vincent com a minha e fechei os olhos até chegar a La Maison. Os portões se abriram, e eu vi três figuras sentadas na borda da fonte. Elas ficaram em pé quando estacionamos no pátio e eu pulei para fora do carro em seus braços. — Oh, Katya — Disse vovó, puxando-me para si e passando os braços em volta de meu pescoço. — Princesse — Vovô disse, circulando nós duas com um abraço. — Você está bem? — Vovó perguntou, seus olhos encarando meu rosto. — Estou bem, vovó. Só tive uma luta com alguns numa. Mas eu venci — Eu disse, tentando sorrir. — Estávamos tão preocupados, Kate — Vovô interrompeu, e alguma coisa pegou em sua garganta. Com uma rigidez que não parecia natural para ele, disse — Nada importa exceto o fato de que você está aqui agora. Parece como algo que ele praticou. Como se estivesse tentando se convencer enquanto dizia as palavras. Eu percebo sua tensão. Ele está me abraçando — a velha Kate — enquanto recua da ideia de abraçar a nova Kate. A minha versão não morta. Eu não o culpo. Esperançosamente, nós dois seremos capazes de nos acostumar a isso com o tempo. Se tivermos tempo, eu penso, lembrando que estamos entrando em uma guerra e que nada é certo. Georgia fica parada silenciosamente até que meus avós me soltam. Seus olhos estão inchados e vermelhos, e parece que ela não dorme há dias — Kate — Ela murmura. Depois de ver meu avô de luto, meu coração se parte por ver minha irmã assim — Você não parece nenhum pouco diferente — Ela diz, hesitantemente tocando minhas bochechas com seus dedos — E você não parecerá nenhum pouco diferente disso, até mesmo quando eu estiver velha. Até mesmo quando eu estiver morta — Ela sorri pesarosamente — Eu não sei por que estou chorando. Eu deveria estar gritando “Oba, morte!” — Ela gira o dedo em um círculo de celebração — Você é imortal agora, pelo amor de Deus! — Não se Violette puder evitar — Eu respondo.


Ela me estuda por um momento, e depois eu vejo um pequeno brilho de vida atrás de seus olhos verde-pálidos — Ela obviamente não conhece nossas habilidades com luta de espadas — Ela diz, sorrindo com esforço — Teremos apenas que mandá-la para o inferno — E, pegando a minha mão, ela me leva para dentro da casa. Vincent nos segue, caminhando ao lado dos meus avós. Jeanne espera dentro do saguão. Ela limpa as lágrimas, me dá um abraço silencioso, e então se move em direção à sala de estar — Jean-Baptiste e Gaspard estão esperando por você — Ela diz, e depois, olhando na direção de Vincent, adiciona — Eles irão embora logo depois de falarem com ela. Minha avó e meu avô param, incertos se estão convidados para a reunião, mas eu posso dizer que eles não querem sair do meu lado — Venham comigo — Eu digo. Jean-Baptiste se levanta quando entramos, e é estranho vê-lo agir como um hóspede em sua própria casa. Olá, Kate — Diz Gaspard. — Oi — Eu respondo em voz alta, para o benefício dos demais. Mesmo que eu não pudesse ver antes do tempo, eu tinha certeza de que você ganharia daqueles brutos — Ele diz com orgulho. — Graças ao seu treinamento — Eu digo — e à chegada de Charlotte no momento certo com uma flecha certeira. Jean-Baptiste me dá os beijos nas bochechas e depois coloca sua mão em meus ombros, inspecionando-me — Você parece a mesma. Olhos, bochechas, lábios, cabelos... — Ele disse, um pouco contrariado quando seu olhos perceberam meu penteado desgrenhado de terra, sangue e água do rio — Nada se alterou. Tornar-se uma de nós não te mudou nenhum pouco. Incrível. — Por que Kate mudaria? — Disse Vincent, rindo — Eu estava pronto para segui-la até o final do mundo quando ela era humana. Ela não precisa de nada extra para convencer a humanidade a se colocar em suas mãos. Agora que a conversa está se tornando algo sobrenatural, eu olho de volta para meus avós para ver sua reação. Vovô estava olhando para o a porta, e vovó está se remexendo e parecendo desconfortável. Georgia levanta uma sobrancelha para mim. Eu posso dizer que ela também percebeu que esta conversa não está fazendo nada mais fácil para minha família. — Então — O revenant mais velho fala — Nossa Kate é a Campeã. Quando vi a luz que você emitiu de dentro do barco, eu sabia que alguma coisa especial estava acontecendo. Imagine o meu assombro quando descobri que era você, minha querida. Debaixo do meu nariz todo esse tempo, quando eu acreditava que era Vincent o escolhido — Ele se aproxima de mim e toca minha bochecha — Isso tudo faz sentindo, se pensarmos em retrospectiva — Pelo menos agora eu posso perdoar a mim mesmo por te deixar entrar na casa no dia em que você descobriu que Vincent estava dormente. Ser persuadido por uma garota adolescente é uma coisa. Mas ser persuadido pela Campeã... Bem, eu posso lidar com isso.


— Vou tentar levar isso como um elogio e não como um defeito, Jean-Baptiste — Eu disse, sorrindo. — Isso é algo pelo que eu posso me perdoar — Ele admite, uma sombra cruzando suas feições — Minha tribo tem muitas coisas mais para perdoar. O que é minha deixa para partir. Podemos, Gaspard? — Nós nunca pedimos para que você partisse — Vincent disse, bloqueando a porta. — Eu sei disso — Jean-Baptiste replicou. Ele pega sua bengala de dentro de um guarda-chuva e bate na perna de Vincent gentilmente com ela. Vincent para e se afasta para o lado. JB passa por nós, caminhando para o saguão e para abaixo do lustre pesado — Mas eu não devo ficar aqui — O líder anterior doa bardia continuou — no meio de uma guerra entre e o bem e o mal, diluindo o lado bom com minha velhice. O fato de que minhas intenções eram boas não apaga o pecado que eu cometi para ganhar a proteção de minha tribo. E no final, isso não foi nada bom. Gaspard e eu temos que ir. Au revoir — Ele diz, e sai pela porta. Isso parece errado. Vincent não quer que eles partam, e nem eu — Espere — Eu chamo. Jean-Baptiste hesita — Eu quero que você fique — Eu digo. Ele se vira e olha para mim — Eu não concordo que seria melhor para sua tribo que você partisse — Eu continuo — Você tem sido o líder deles por séculos, e agora eles — Eu hesito e depois, pegando a mão de Vincent, continuo — nós estamos encarando um perigo enorme. Fique e nos ajude. — Minha querida, você não me ouviu? — Jean-Baptiste diz tristemente. Com um dedo, ele arruma a echarpe em seu pescoço, como se de repente ela o estivesse sufocando — Com o que eu fiz, é melhor que eu não lidere minha tribo para esta batalha. — Você não tem que liderá-la — Vincent interrompe, deixando minha mão e caminhando na direção de JB — Você me nomeou o líder e eu aceito este papel. Mas só porque você não é o líder, não significa que você não pode ficar e lutar contra Violette ao nosso lado. Eu quero que você fique. Nós queremos que você fique. A rigidez da postura de Jean-Baptiste diminui um pouco, ele caminha para frente e coloca uma mão no braço de Vincent — Meu garoto, eu vou pensar. Dê-me uma hora ou duas para pensar sobre as coisas. Vincent assente solenemente, e Jean-Baptiste se vira e caminha para a porta. À bientôt — Gaspard diz para mim. — Espero vê-lo em breve — Eu respondo. Vincent fecha a porta, e se vira para encarar minha família. Minha irmã franze o nariz — O que foi, Georgia? — Eu pergunto. — Eu não quero estragar a gravidade do momento e nem nada, mas... — Ela para e olha para meus avós, abraçando a si mesma por causa da desaprovação deles — Se você não tomar um banho, as estatísticas me dizem que vou vomitar. Eau de Zumbi não é um bom cheiro para você — Eu tento não rir e meio que soluço em vez disso, e finalmente Georgia começa a sorrir.


Vovô balança a cabeça. E de repente no lugar do meu avô forte e capaz está parado um velho e cansado homem. Ele me dá um abraço, batendo em minhas costas, e depois se afasta — Eu amo você, Kate, e eu estou indescritivelmente aliviado por você não ter ido embora para sempre. Mas eu não posso falar sobre o que aconteceu ou o que acontecerá. Você precisa me dar licença. Precisa me dar um tempo. — Vamos para a biblioteca, vovô — Georgia diz, e colocando um braço em seu ombro, ela o leva escada acima. Vovó espera até eles desaparecerem antes de falar. Ternamente tocando meu rosto como se reassegurasse de que estou realmente aqui, ela fiz — Tudo o que eu quero fazer agora é levar você para casa e trancar as portas e ficar lá dentro pelas próximas semanas protegendo você do mundo. Mas eu entendo que esta não é mais a nossa realidade. Nós nem podemos ir para casa. De fato, pelo que Bran nos disse, é você quem nos protegerá. — Vovó, eu prometo que não vou fazer nada desnecessariamente... — Shh, Katya. Pare — Ela me deu um olhar triste — Assim como seu avô, eu não quero pensar sobre isso. A ideia de você estando em perigo é algo que eu não posso suportar. Mas você precisa saber que nós a apoiamos e amamos você da mesma forma de antes. Vamos nos preocupar com detalhes depois — Ela me dá um apertado beijo na bochecha antes de me soltar — Jeanne me prometeu chá — Ela diz simplesmente, e caminha em direção à porta no corredor de trás. — Você está bem? — Vincent pergunta, agora que estamos sozinhos. Ele está sendo extremamente cuidadoso, esperando para que eu faça um movimento. Observando para ver o que eu quero. Eu o pego pela mão e o puxo para fora do saguão aberto, para a privacidade da sala de estar, fechando a porta atrás de nós. Ele aperta meu cabelo embaraçado com seus dedos e olha para mim de cima a baixo — Charlotte está reunindo todos para um encontro, e tanto você quanto eu somos necessários lá. Não que eu não ache que você fica linda cheia de barro — Ele diz, sorrindo — Mas, antes que você veja todo o mundo você pode querer tomar aquele banho que sua irmã sugeriu. — Eau de Zumbi? — Eu pergunto com um sorriso. — Na verdade, você cheira bem — Ele diz, sorrindo — Está mais para Eau de Água de Rio. — Eu tenho tempo para um banho? — Eu pergunto, puxando-o para perto até que seu rosto esteja a centímetros do meu. — Um pouco — Ele responde. — Quanto? — Eu pergunto. Ele engole — O suficiente para um banho. Não o suficiente para fazer o que você está pensando — Ele responde, roucamente. — Dez minutos — Eu digo — Vamos precisar de dez minutos. Ele olha para os meus lábios e fecha os olhos. Quando os abre, sua expressão é de desejo.


— Kate, eu não quero dez minutos. Dez minutos não são suficientes. Eu quero dias. Se começarmos alguma coisa agora, eu não vou parar. Eles terão que me arrancar de sua cama para ir para a guerra. — Um beijo, então? — Antes que eu possa terminar a pergunta, seus lábios estão pressionados contra os meus. Eu seguro sua cabeça em minhas mãos e o beijo como tanto tinha desejado. Eu perco os sentidos. Eu perco a noção do tempo. Tudo o que existe somos Vincent e eu e a experiência de amaramos um ao outro. Olhos fechados, sem o sentindo da visão para aumentar o sentido do toque. Olhos fechados, olhando para poços de azul salpicados de ouro. Olhos fechados, a pressão de sua boa contra a minha me consumindo. Olhos abertos, observando suas pálpebras estreitas de desejo. Olhos fechados, sentindo seu corpo rígido contra o meu. Sabendo que o tempo não é nosso hoje, e imaginando se algum dia ele será. Enquanto minha banheira se enche com água quente, eu cruzo os braços na frente do peito, abraçando a mim mesma enquanto meço a circunferência do quarto que Vincent me apontou. Eu olho para a coleção de objetos preciosos e admiro as pinturas até notar um padrão. Uma pintura da Pont des Arts. Um pequeno barco a remo de madeira vermelho em uma estante perto de uma Torre Eiffel de cristal. Um par de antigos óculos de ópera. Um cartão postal vintage da Villefranche-sur-Mer. Um menu do restaurante aonde nós tomamos o café da manhã em Nova York. Eu me aproximo de uma pequena pintura cubista pendurada perto da janela, do tamanho de um livro de capa dura. Eu me inclino para admirar a pequena cena retratada de um copo em uma mesa de café, e quando vejo a assinatura, eu inalo tão profundamente que isso me faz tossir: Vincent colocou um Picasso em meu quarto. E então eu vou até a banheira de pés antigos e noto pela primeira vez que há um enorme vaso cheio de flores brancas ao lado dela, no chão. E meu cérebro de repente registra o delicioso perfume que eu tenho sentido desde que entrei na sala: são lilases.


Capítulo 42 — Eu escutei o que você está dizendo, mas eu não concordo — Charlotte diz. Vincent a corta — De acordo com as nossas fontes, dezenas de numa chegaram em Paris nas últimas vinte e quatro horas. Não temos ideia de onde eles estão se reunindo. Nossa incursão para as propriedades alugadas de Jean-Baptiste dois dias atrás só nos renderam oito numa. Mas aquela pequena vitória nos custou muito, já que eles evacuaram imediatamente os outros apartamentos. Agora nós não temos ideia de como achá-los. Então, se alguém tem uma sugestão produtiva — Ele olha para Charlotte que levanta as mãos em rendição — Por favor, sinta-se livre para falar. Eu não consigo focar. Eu tenho me sentido progressivamente mais forte à medida que as horas passam, e a última coisa que meu corpo quer é ficar parado numa longa reunião. Na verdade, eu meio que estou desejando uma corrida ao redor do bairro. O que é muito estranho para mim. Meus olhos vagueiam para a janela da biblioteca enquanto Vincent e os outros se debruçam sobre um mapa de Paris aberto em uma mesa. Eu não posso ajudar na estratégia de qualquer forma. Eu não sei nada sobre os numa de Paris ou sobre onde eles estão localizados. Depois de tentar prestar atenção por meia hora, eu desisto e deixo meus pensamentos se devanearem. Eu noto Ambrose sentado em um dos lados, obviamente tão distraído quanto eu. Mas seu olhar não está para fora da janela. Geneviève está sentada à mesa em frente a nós, tão encantadora quando no dia em que eu a vi pela primeira vez com Vincent no La Palette: cabelos longos loiro-platinados, olhos tão claros que são quase cinza. Eu olho de volta para Ambrose e sigo a linha de sua visão até o objeto de sua atenção: Não Geneviève, mas Charlotte, com seus cabelos loiro-trigo e suas bochechas rosadas. Ela morde o lábio enquanto traça uma linha no mapa de uma marca para outra. E eu o vejo vacilar quando ela olha para ele e depois, com igual atenção, para cada uma das pessoas em volta da mesa enquanto explica a estratégia. Eu caminho para me sentar perto dele — Você parece meio distraído, Ambrose — Eu sussurro. — Sim, bem, eu não sou muito de planejar. Estou aqui principalmente pelos músculos — Ele responde, conseguindo arrancar os olhos de Charlotte. Ele flexiona os bíceps e pisca — Eles apenas me usam pelo meu corpo. Eu rio e quero abraçá-lo, mas me controlo — Então, é bom ter Geneviève e Charlotte de volta, não é? Os olhos de Ambrose voltam para Charlotte e ele assente — Ela mudou, não? Charlotte, eu quero dizer.


— Hum, além do cabelo mais comprido, ela não parece ter mudado muito para mim — Eu digo, tentando não sorrir — Por quê? — É só que ela parece... Responsável. Eu quero dizer, ela sempre teve isso, mas desde que voltou ela parece mais confiante ou algo assim. E agora que ela é a segunda de Vincent... Eu acho que sempre pensei nela como uma irmãzinha. Você sabe, o tipo do qual você quer cuidar. Mas agora que eu a vejo trabalhando com ele e assumindo o controle... Eu quero dizer... A garota é feroz! A face de Ambrose brilha com respeito e um tipo de admiração curiosa, e eu tenho que me segurar para não pular e aplaudir para o fato de que isso finalmente aconteceu. Ele finalmente notou o que estava logo abaixo do seu nariz. A questão é... Ela ainda sente o mesmo por ele? Eu inclino minha cabeça em seu ombro, e olho ao redor da sala, sentindo uma profunda alegria em saber que o meu destino está irrevogavelmente atrelado a estas pessoas que eu amo. Mais uma vez, minha atenção é capturada por uma luz fora da janela — Então, está acontecendo algum tipo de festa Francesa acontecendo? — Eu pergunto a Ambrose. Suas sobrancelhas levantam — Não — Ele diz — Não que eu saiba. Por quê? — São só aquelas linhas de luz que eu continuo vendo. Como aquela ali — Eu gesticulei na direção da janela. — Eu não vejo nenhuma luz — Ele diz, olhando para fora da janela. — Veja, está ali de novo. São duas. Ele olhou ceticamente — Uh, não. — Oh, vamos lá, Ambrose. São como dois lasers vermelhos apontando diretamente para o céu, logo no final do quarteirão. Não me diga que você não consegue ver. Ambrose pega minha mão e me leva até a janela — Aonde você os vê? — Bem ali — Eu digo, apontando para as duas muito óbvias luzes — De fato, elas parecem bem maiores que lasers. São como colunas de fogo — Eu digo, minhas palavras vacilando enquanto eu tinha um flashback das margens do rio. As luzes eram da mesma cor que eu tinha visto projetadas dos dois numa que estavam me seguindo. A luz que eu vi quando eles estavam distantes desapareceu quando eles ficaram mais próximos. Alguma coisa se encaixou. Poderes aumentados de percepção. Eu posso ver alguma coisa que os outros não podem? — Você não vê? — Eu pergunto a Ambrose mais uma vez. Ele olha pela vista escura fora da janela e então olha para mim, preocupado. — Eu acho que já descobri como vamos encontrar os numa — Eu digo em direção à mesa, e todos viram para mim. Dez minutos depois, o grupo inteiro está fora nas ruas encarando duas sentinelas de Violette. Charlotte caminha até ficar em frente a eles, sua mão no cabo da espada escondida abaixo de seu casaco — O que vocês estão fazendo aqui? — Ela pergunta.


Um dos numa se atreve a responder — Observando — Ele diz simplesmente, seus olhos se estreitando quando vê Ambrose parado atrás de Charlotte, com o dobro de seu tamanho. — Onde está sua líder agora? — Pergunta Vincent. — Mesmo que eu soubesse, por que diria a você? — O numa responde. — Porque nós podemos poupar suas miseráveis vidas e deixá-los ir — Diz Ambrose. — Não, vocês não vão — O numa disse desafiadoramente, e ele e seu companheiro rapidamente pegaram suas espadas. Ambrose pulou na frente de Charlotte — Você está certo. Eu não vou — Ele diz, e enfia sua espada com força pelo peito do numa. Um segundo se passa antes que ele deixe a forma manca cair no chão. O outro numa está morto quase tão rapidamente, e Vincent limpa sua espada no casaco do homem antes de guardá-la em sua bainha. — Vamos tirá-los da rua — Ele diz. Eu estremeço quando Ambrose coloca um dos corpos sobre seu ombro. Dois bardia que nos acompanharam pegam o outro corpo entre eles e nós caminhamos até La Maison. O perigo se foi. Eu os sigo. Mas algo parece errado em mim. Não é como se minha tribo tivesse matado os numa sem provocação. Eles estavam armados e queriam lutar. Mas ainda havia um sentimento que não se assentava na boca de meu estômago. Não era piedade, era alguma outra coisa. Incapaz de apontar minha emoção, eu foquei em Charlotte, que caminhava atrás de Ambrose. — Você sabe, existem algumas outras formas, como prender as pessoas para questioná-las — Ela diz, nitidamente. — Sim, mas veja, eu meio que esqueci no calor do momento — Ele replicou, sorrindo apologeticamente. Ela sacode a cabeça impacientemente e corre para alcançar Vincent, que está abrindo os portões. Ambrose encontra meus olhos — Como eu disse, ela é feroz! — Ele diz, balançando a cabeça em admiração.


Capítulo 43 Nosso grupo olha pela cidade através do ponto vantajoso do terraço no teto de La Maison. Paris mais uma vez me faz pensar numa grande senhora. Esta noite ela usa um vestido negro de veludo e pérolas brilham das janelas de seus prédios. Mas, para mim, a visão é cheia de linhas vermelhas ardentes. Algumas do nosso lado do rio aparecem como grossas colunas, enquanto as que estão mais distantes, na direção de Montmartre estão mais finas, como linhas vermelhas. — Quantos você vê? — Vincent fica ao meu lado, segurando minha mão gelada na sua, quente. — Muitos! — Como algumas dezenas? — Ele pergunta. — Como mais de uma centena — Eu respondo. O silêncio caiu sobre nosso pequeno grupo enquanto todos estudam o horizonte por algo que não podem ver. — Há um grupo naquela direção — Eu digo, apontando para a Chinatown — Outros ali, do outro lado da Bastilha — Eu indiquei uma floresta de lasers vermelhos a nosso oeste — Mais na direção de Montmartre. Vincent olha para o chão em seus pés por um momento, e depois vira para o nosso grupo — Precisamos de mais bardia — Ele diz — Se contarmos toda nossa tribo em Paris e diretamente ao redor dela, não somos mais do que quarenta. Podemos pegar os numa aos poucos, contanto que eles não formem grupos. Mas se eles fizerem, estamos perdidos. Quem mais podemos chamar para se juntar a nós? — Jean-Baptiste disse que ele e Gaspard se juntarão a nós assim que Gaspard se reanimar esta manhã — Arthur diz. — Não vai demorar um tempo para ele se recuperar? — Eu pergunto. — Não — Arthur responde — Ele não estava machucado quando ficou dormente. Nós, caras velhos, nos levantamos assim que despertamos da dormência. São vocês, mais novos, que têm dificuldades pela manhã — Ele diz com um sorriso. Arthur está em um humor realmente bom considerando que estamos à beira da guerra, eu penso, e imagino se é porque nós logo vamos lutar contra Violette, ou alguma outra coisa... Como minha irmã, por exemplo. — Eu fiz uma ligação para o povo de Nova York algumas horas atrás — Vincent admite, tocando atrás de minha mão. Eu olho para ele, surpresa — Jules? — Eu pergunto esperançosamente. — Não, eu conversei com Theo Gold. Mas ele ficou de passar a mensagem. Eu pedi para que Jules trouxesse um contingente para cá o mais rápido possível. Os outros assentiram em dúvida. Com o tempo que demoraria para Jules trazer um grupo de Nova York, a guerra já poderia ter acabado.


— Faz uma semana desde que falei com Charles, e eu deixei um milhão de mensagens dizendo que precisamos dele — Charlotte diz — Eu tentei contatá-lo de novo hoje. Nenhuma resposta. Ele e sua tribo “hippie profundamente em contato com seus sentimentos” provavelmente ainda estão nas montanhas, meditando sobre folhas ou algo do tipo. Eu continuarei tentando, mas eles nunca chegarão aqui a tempo se começarmos a guerra hoje — Ela está tentando aparentar calma, mas eu sei que ela quer o irmão ao seu lado para ir à batalha. Vincent assente — Tudo bem, vou chamar todos os revenants da França. Para qualquer um que vocês conheçam a uma distância razoável, por favor, entrem em contato. Isso vai acontecer nas próximas vinte e quatro horas. Se esperarmos mais, suas forças podem apenas crescer e suas defesas serão mais fortes. Temos que atacar primeiro. E começaremos esta noite enquanto eles ainda estão dispersos em grupos pequenos. As pessoas pegam seus celulares enquanto descem as escadas. Vincent coloca os braços ao redor de minha cintura, pressiona os lábios em minha testa, e se inclina para trás, para me olhar nos olhos — Você vai ser capaz de fazer isso? Você nem precisa lutar. Se você apenas puder nos levar até os grupos já vai ser o suficiente. — Acredite ou não, eu estou morrendo por um pouco de ação. Eu me sinto como se pudesse correr uma maratona inteira. — Isso não me surpreenderia nem um pouco — Vincent diz, seus lábios formando um sorriso — Mas você não está se sentindo fraca? Você foi animada há menos de um dia. — Eu me sinto totalmente ligada — Eu admito, elevando-me na ponta dos pés. Pegando sua face em minhas mãos, eu o puxo para perto e lhe dou um beijo. — Sim, eu estou meio que sentindo a mesma coisa — Ele diz, com um sorriso sexy — Vamos apenas tentar controlar estes pensamentos até derrotarmos os numa. Nós nos beijamos de novo e sua expressão se torna séria — Eu realmente não quero você no centro da ação, Kate. Mesmo que você seja forte, você também é nova. E, sim, como uma revenant, você é difícil de destruir. Mas não pense por um segundo que Violette desistiu de te capturar. Você é o prêmio dela, e cada numa lá fora estará tentando levar você de volta à líder. Eu confirmo com a cabeça — Eu entendo. — Só porque você é a Campeã não significa que você tem que agir como uma — Vincent diz com um esboço de sorriso. — A profecia diz que eu os liderarei para a vitória — Eu provoco. — Se você nos levar para cada numa de Paris, eu diria que isso mais do que a qualifica para o que a profecia diz — Vincent opina. — Mas a vitória pode ser medida de várias formas. Se qualquer um de nós vai sobreviver a esta guerra, não é de todo certo. Eu quero ver meu povo seguro, sem perdas. Especialmente você.


Bran está esperando por mim quando descemos pela escada do alçapão — Kate! — Ele exclama, e se aproxima como se quisesse me abraçar, antes de mudar de ideia e deixar os braços caírem ao lado do corpo. Eu o abraço, seu corpo de estrutura magra em meus braços — Desculpa, minha querida. Sua aura já era difícil de ser observada quando você era humana. Agora, ela simplesmente me deixa cego — Ele desvia os olhos para o chão. — Bran, por que você não me disse antes? — O que poderia ter acontecido se eu dissesse? Você poderia ter se colocado em perigo apenas para descobrir se eu estava certo. Ou talvez Jean-Baptiste teria feito isso. Ele é um bom homem, mas estava desesperado para encontrar o Campeão — Bran tenta de novo me olhar no rosto, sem sucesso — Agora nós sabemos o motivo. Ele precisava de alguém para ajudá-lo a sair da bagunça na qual ele se meteu. Para destruir os numa. Então, ele não seria eternamente lembrado por sua vergonhosa barganha. Eu toquei seu braço pensativamente — Você sabe quais são meus poderes, Bran? — Eu pergunto. — Eu não tenho nenhuma informação além daquelas que estão na profecia. Mas você já desempenhou um dos papéis mais importante: você conseguiu reunir os dedos de fogo com os bardia depois de séculos de distanciamento entre os dois. Este papel em si salvou Vincent. Quando eu dominar os dons de cortar os sofrimentos dos bardia e da dispersão, nossa aliança contínua no futuro só pode ser benéfica. Com esforço, ele levanta os olhos diretamente para os meus. Sua face adquire uma expressão ilegível: alguma coisa entre tristeza e esperança — Tenha cuidado, Kate — Ele diz. E se inclinando para frente, ele me dá um estranho abraço, batendo as mãos em minhas costas. Charlotte está esperando em meu quarto quando eu chego. Ela trouxe meu uniforme de luta da sala de armas, e já está vestida com a dela, pronta para ir. Ela se senta ao lado de uma mesa baixa, segurando uma bandeja de comida. Eu jogo um queijo gougère em minha boca e sinto o seu sabor maravilhoso enquanto puxo uma cadeira — Estou faminta! — Eu admito. — Quando foi a última vez que você comeu? — Ela pergunta. — No barco. Violette estava me alimentando para que eu ficasse forte e completamente animada. Parece que isso funcionou bem demais para o gosto dela! — Eu penso mais uma vez no estranho e triste garoto numa, Louis, e alguma coisa me pica por dentro. Charlotte mastiga um pedaço de maçã, parecendo pensativa. — No que você está pensando? — Eu pergunto. — Ambrose — Ela responde — Ele está agindo de uma forma realmente estranha ultimamente. — Estranha boa ou estranha ruim? — Eu pergunto, jogando uma bolinha de melão na boca.


— Estranho louco — Ela replica, parecendo preocupada — Ele fica me olhando. Eu fico imaginando se ele não está questionando JB sobre a decisão de me nomear como a segunda. Talvez ele esteja esperando que eu desista ou algo assim. — Hum — Eu digo, incapaz de impedir que meus lábios se curvem nos cantos. Por sorte, há uma batida na porta e Arthur coloca a cabeça para dentro do quarto — Quinze minutos — Ele diz. Meu coração bate descompassado e eu percebo que estou nervosa. Das outras vezes em que eu lutei, a luta veio até nós. Eu nunca tive tempo de pensar sobre isso com antecedência. — Cara, ele está realmente caidinho por sua irmã — Charlotte diz depois que ele sai — Mas ela realmente está bancando a difícil. — Isso pode ser porque vovô e vovó ficariam malucos se pensassem que outra de suas netas está apaixonada por um revenant. Charlotte dá de ombros — Seus avós estão envolvidos agora, querendo eles ou não. Você é uma de nós. Não é como se eles pudessem te empacotar e te levar para casa. Eu penso sobre vovó e vovô e suas respostas ao me verem: alegria e alívio misturados com horror e desespero. Meu coração dói. Em algum momento eles poderão olhar para mim da mesma forma que antes? Eu mudo de assunto — Como é ser a segunda de Vincent? — Como se eu tivesse nascido para isso. Como se eu tivesse esperado por este papel em meus últimos cinquenta anos — Ela sorri — É hora de você se vestir. Eu espero por você no saguão — Ela fica em pé e se vira para sair. — Charlotte? — Sim. — Por favor, não vá. Ela olha para mim curiosamente, e então volta para perto e coloca os braços em volta de mim — Isto é assustador, não é? — Ela pergunta. — Sim. Ela me dá um apertão e depois caminha até a cama e as calças de couro. Eu me livro dos meus jeans e pego a calça que ela está segurando. — O timing de Violette realmente é uma porcaria — Ela diz — Você não deveria ter que pular diretamente nisso antes de ter tempo de se testar. Mas estaremos nisso juntos. Você, eu, Ambrose, Vincent, e o restante de nosso povo. Nós nunca trabalhamos sozinhos. Você sempre será parte de um grupo. Juntos nós podemos vencer esta guerra. Tenho certeza! A coragem de Charlotte é contagiosa. Enquanto coloco várias camadas de roupas protetoras, eu começo a me sentir encorajada, e um senso de propósito faz com que minha vontade solte faíscas. Eu sou uma bardia. Sentindo-me preparada ou não, eu nasci para isso.


Capítulo 44 É uma hora da manhã quando saímos. Estou feliz por ser tarde. Meus avós não terão ideia de que eu saí. Esperançosamente, estaremos de volta antes que eles acordem e eles não terão tempo para se preocupar. O grupo de luzes mais próximo está ao nosso norte, onde eu vejo três claros feixes vermelhos disparando para o céu da noite. Cruzamos a Ponte Carrousel e caminhando pelo pátio do Louvre, passando pela brilhante pirâmide de cristal e passávamos pelo arco monumental. Vincent caminha ao meu lado, checando de tempos em tempos para ter certeza de que os outros estão mantendo a posição. Estamos sendo seguidos por cinco grupos de revenants altamente armados, e nos dirigindo na direção de três numa. Então por que o meu coração está batendo tão forte? Finalmente nós viramos para baixo numa pequena rua lateral e eu aponto na direção de um grande portão aberto no meio do quarteirão à direita — As luzes vêm de lá de dentro — Eu digo. — Eu conheço aquele local — Diz Charlotte — Está coberto com um telhado de vidro e forrado com lojas em ambos os lados. As lojas estão todas fechadas, mas há apartamentos acima deles no segundo andar. — Tudo bem — Diz Vincent, e liga para o grupo atrás de nós — Arthur. Nossos alvos estão dentro da Passage du Grand Cerf. Traga seu grupo para o lado da Rue St. Denis e mantenha a saída segura. Coloque outros grupos para guardar a rua. E chame uma ambulância para nos encontrar aqui. Teremos três corpos para serem coletados. — Vamos apenas prendê-los e matá-los? — Eu pergunto a Vincent quando nos aproximamos do portão arqueado. — Kate, eles são numa. Eles são assassinos. E se nós não os matarmos, eles nos matarão. Eu afirmo com a cabeça, mas ainda me sinto estranha sobre isso. Todas as vitrines das lojas estão escuras, mas algumas luzes estão acesas nas janelas do segundo andar. Quando nos aproximamos, uma delas pisca e passos podem ser ouvidos vindos das escadas. Uma porta no meio da passagem se abre, e dois homens saem por ela. Seus sapatos clicavam ocos contra os azulejos pretos e brancos. — Fique aqui — Vincent me coloca para trás enquanto ele e os outros vão rapidamente para frente. A luz se espalha pelos rostos dos homens: Nicolas e Louis. O segundo de Violette e o seu favorito no mesmo lugar! Eu penso. Nós chegamos a um lugar importante. Vendo o jovem numa, eu não posso evitar seguir Vincent e os outros. Quando fico a alguns metros deles, as luzes vermelhas desaparecem, como fizeram quando


os numa ficaram perto de mim nas margens do rio, sobrando somente as auras vermelhas. Eu não vejo feixes dourados saindo das auras dos bardia, eu percebo. Há apenas uma razão para que o Campeão tivesse esse dom: caçar os numa. Eu vejo as listras douradas dentro da aura de Louis, e parece para mim como se um pequeno pedaço de esperança tivesse se materializado como luz e estivesse lutando para libertar-se do frio brilho carmesim. Algo puxa em minha memória e eu tento pensar onde eu já tinha visto isso. E então eu me recordo: os arquivos dos guérisseurs. A pintura do numa com o dourado em sua aura, aquele que estava cruzando o riacho e sendo recebido pelos bardia. Aquela cena era sobre redenção, eu percebo de repente. Eu penso mais uma vez sobre como Louis tinha sido simpático comigo no barco, e como ele me ajudou a me soltar. Ele na verdade, me ajudou a escapar, o que, mesmo considerando o meu superpoder de persuasão, era algo incrível para um numa ter feito. A cor de sua aura deve significar que ele é como o numa que eu vi na pintura. É possível que um numa mude seu destino? Que ele mude de lado? Vincent me disse que não era, mas e se ele estivesse errado? Violette cruzou para o outro lado. O que evitaria que um numa pudesse fazer o mesmo? — Nicolas — Chama Vincent, e o numa se vira e pega sua espada. — Por favor, não me diga que vocês estão todos querendo fazer compras a esta hora da noite — Diz o numa mais velho secamente, mesmo que ele seja incapaz de esconder o seu choque. — Não — Diz Ambrose — Estávamos apenas rondando a região e pensamos ter sentido cheiro de lixo aqui. Nicolas o ignora, mantendo os olhos em Vincent — Então você é o novo líder dos bardia? Eu imaginei que você estaria mais interessando em caçar nossa líder do que seguir o seu segundo em comando. — Havia três de vocês. Onde está o outro? — Vincent pergunta. Os olhos de Louis voam na direção do apartamento de onde eles acabaram de descer. E então, percebendo o que fez, ele nervosamente segura a espada com ambas as mãos como se pudesse proteger a porta de todos os dez de nos. — Olhem para aquela porta! — Ordenou Charlotte, e Ambrose foi até a porta, com a espada nas mãos. — Vocês querem morrer lutando ou nós devemos ficar a noite toda aqui conversando? — Pergunta Vincent, e os revenants dos dois lados da passagem seguram suas espadas. Eu vejo o medo na face de Louis, e meu coração dói por ele. Você não quer estar aqui, não é mesmo? Assim que as palavras cruzam minha mente, seus olhos se arregalaram, e ele olha em volta como se tentasse localizar um espírito volante. Não, eu pensei em descrença. Eu acabei de me comunicar com Louis? Eu podia contatar a mente de um numa? Só havia um jeito de descobrir. Louis, aqui é a Kate. Você me contou o seu segredo. E eu quero te salvar. Você está disposto a passar para o nosso lado? A virar as costas para os numa e ajudar os bardia? — Ele fica parado lá, confuso, até me localizar parada atrás de Vincent e Charlotte. Ele olha diretamente para meus olhos, os seus próprios arregalados de


medo. — Você quer escapar dos numa? Você virá com a gente? — Eu pergunto de novo. Nada. — Bem, VOCÊ QUER? — Sim! — Ele grita. Deixando a espada cair, ele coloca as mãos para cima. — O que diabos você está fazendo? — Pergunta Nicolas, olhando para Louis de cima a baixo. Vincent pega meu braço quando eu dou um passo para frente dele. — Kate! O quê... — Ele começa. — Anistia — Eu digo aos numa — Estou oferecendo anistia a ambos, se concordarem em abandonar seu povo e vir para o nosso lado. Nicolas começa a rir, mas mantém a espada em posição. — Kate, o que você está dizendo? — Sibila Charlotte. Minha tribo olha para mim em choque. — Estou dizendo que, como qualquer um, eles merecem uma segunda chance antes de serem assassinados. E que talvez, se tiverem a oportunidade, eles podem mudar o que são. — Kate — Vincent implora — Isso nem é mesmo possível. — Violette era uma bardia e se tornou numa. Isso deve ser possível — Eu insisto. — Aquela regra estava escrita em nossos textos. Nunca tinha sido testada realmente, até onde eu sei, até que ela fez isso. Mas isso não pode acontecer do outro lado. Isso... Isso é impensável. — Você sabe — Nicolas diz — Eu acho que sua Campeã tem um ponto — E ele começa a abaixar a espada. — Pare aí mesmo — Diz Geneviève com uma voz fria, dando um passo para pero dele — Não se atreva a se mexer. Mantendo os olhos em mim, Nicolas a ignora e, ficando de cócoras cuidadosamente, coloca sua espada no chão. Então, endireitando o corpo, ele levanta as mãos diante de si, mostrando que elas estão vazias — Eu tenho esperado por este dia. O dia em que alguém finalmente me perguntassem o que eu queria. Louis segura a respiração surpreso e olha boquiaberto para seu parceiro numa — E finalmente, foi a Campeã quem teve que perguntar isso. Você acha que eu gosto de trabalhar para Violette? Aquela miserável, obsessiva e egoísta ex-bardia? É claro que não. Então quando me perguntaram se eu preferia morrer à serviço dela ou me juntar a vocês, para ajudar a derrotá-la, minha resposta é... E suas mãos se moveram para dentro de seu casaco, voltando tão rapidamente que eu nem sei o que aconteceu até olhar para Geneviève e ver a faca presa em seu pescoço. Ela fez um barulho de gorgolejo e caiu no chão. Ambrose rugiu e correu na direção de Nicolas, que abaixou e evitou sua espada. Quando eles começaram a lutar, Vincent correu para frente e jogou Louis no chão, segurando-o ali com seu pé. Ele levantou sua espada contra as costas do garoto, pronto para enfiá-la em seu peito — Vamos ver você tentar o mesmo truque nesta posição — Vincent rosna. Enquanto Charlotte vai até o corpo de Geneviève, eu corro para perto de Vincent — Não — Eu grito, pegando seu braço. Minha resolução vacila por um


minuto quando vejo Charlotte abaixando o corpo morto de Geneviève para o chão. Eu me viro de volta para ele — Vincent, você tem que acreditar em mim. Eu sei que estou fazendo o que é certo. Ele aperta os olhos fechados. O grupo de Arthur está correndo em nossa direção. Tomando uma decisão de última hora, Vincent grita para eles — Vamos levar este aqui vivo. — O quê? — Arthur diz, incredulamente. Vincent tira os pés das costas de Louis, e Arthur se abaixa para levantar o garoto — Quem está lá em cima? — Vincent exige. — Só... Só outro numa — Louis gagueja — Estávamos encontrando armas para Violette. Ela está armando os numa que estão chegando à cidade. Vincent e Arthur abrem aporta e correm escada acima. Um grito vem de dentro do apartamento. Sons de lutas começam e de repenta param. Eu olho para o lado e vejo que Nicolas está no chão, seu corpo é uma pilha sob o casaco de pele, deitado numa poça de sangue escuro. Uma janela se abre e Vincent se inclina — Nós o pegamos, mas ele estava ao telefone. Chamem os outros grupos e os avise que os reforços do inimigo estão a caminho. — Os reforços já estão aqui — Uma voz veio atrás de nós. Dezenas de numa estavam parados na abertura do corredor.


Capítulo 45 Eu não os tinha visto se aproximar. Eu queria me chutar por não ser mais atenta, mas meu foco estava em salvar Louis e não em proteger minha própria tribo. Eu olho em volta para ver quantos somos. Ambrose, Charlotte, Vincent, Arthur, e os quatro revenants do grupo de Arthur. Comigo, estamos em nove. Dez se Louis lutar junto com a gente. Os outros grupos, outros quinze bardia, estão em algum lugar lá fora. Ou pelo menos estavam. Eles podem ter sido derrotados ou poder vir para nos ajudar. Em qualquer caso, no momento eles estavam com o dobro de nosso número. Mas por alguma razão isso não me assustou. Apenas alimentou minha determinação. Respirando profundamente, eu peguei minha espada e a virei em meus dedos, adrenalina correndo em minhas veias. Estou pronta para isso, eu penso, e corro para o primeiro numa que vejo, atacando-o antes que ele possa me pegar. Eu o pego de surpresa e corto o braço com que ele segura a espada antes mesmo que ele possa levantá-lo. Ele deixa sua arma cair e se abaixa para pegá-la. Quando ele se levanta, eu invisto. Minha espada entra em seu peito. Eu a afundo e depois rapidamente a tiro de volta. Ele olha para mim, olhos bulbosos. Apertando seu peito, ele tosse um pequeno coágulo de sangue e cai para frente, sua espada no chão ao lado dele. Eu não posso acreditar que acabei de matar alguém. Eu esperava ficar mal como me senti nas margens do rio, mas em vez disso, eu me senti alegre. Éramos nós contra eles: bardia contra numa em uma luta justa. A morte neste caso é para o bem maior, eu digo a mim mesma. Mas com uma pontada de percepção, eu sei que estas palavras são para confortar a velha Kate. A nova Kate tem mais numa para matar. Charlotte está lutando como uma mulher louca. O corpo de Geneviève foi puxado para o lado do corredor, para fora da briga. Arthur e os seus quatro estão lutando costa a costa com a gente, lutando com os numa que chegam do outro lado do corredor. Louis está parado ao meu lado, desarmado. Você está conosco? — Eu pergunto silenciosamente. Assentindo, ele coloca os longos cabelos castanhos para trás das orelhas. Eu pego sua espada de onde Vincent a tinha chutado para o lado, e olhando eu seus olhos, a entrego para ele. Com o menor dos sorrisos, ele se move para o meu lado e nós avançamos para os dois numa — O que...? — Diz aquele que está logo na minha frente, engasgando quando vê Louis ao meu lado. As habilidades de Louis com a espada não são muito boas, mas graças à fração de segundo de surpresa que ele causou aos dois numa quando eles registraram sua deserção, ele teve a vantagem e, juntos, nós acabamos com nossos adversários. Quando mais deles tomam o seu lugar, eu vejo que duas pessoas do grupo de


Arthur estão caídas. Ambrose esmaga um oponente com um braço, o outro caído inútil ao seu lado. Nós formamos um pequeno círculo voltado para fora para combater os numa que estão em duas vezes o nosso número — O que fazemos? — Eu grito para Vincent quando bato em um numa de pele morena e com bigode. Ele retira uma segunda espada de seu cinto — Fazemos o nosso melhor — Ele responde — E, se morrermos, esperamos que nossos reforços cheguem para resgatar nossos corpos. Eu me apronto para o próximo oponente quando, de trás da linha dos numa, eu vejo a pior coisa possível: mais lutadores se aproximando. Outros dez pelo menos. Minha boca se enche com um sabor metálico. Eu posso sentir a nossa derrota. Estamos perdidos. Estes recém-chegados são diferentes de todos os numa que eu já vi. Seus cabelos punks são arrepiados e pintados de todas as cores possíveis, e suas peles são cobertas de tatuagens. Enquanto eles caminham a passos largos pelo portão arqueado, o barulho da batalha é drenado em uma onda de speed metal. Um deles na realidade carrega uma boom box em seu ombro, que ele abaixa e coloca perto da entrada do corredor. Ele para, aumentando o volume da música para o máximo antes de caminhar e se posicionar com seus compatriotas, mãos nas cinturas, em toda a largura da entrada. A luta para enquanto todos olham para a sua direção. E então eu noto as suas auras. Não são vermelhas. Douradas. Eles são bardia! Eu percebo com assombro. Eles pegam suas armas, e um deles dá um passo para frente. Seus cabelos longos são pretos com faixas vermelhas, e colocados para cima como uma juba de leão. Sua sobrancelha e seu lábio têm piercings e seus olhos estão delineados com lápis. Ele olha para os lutadores até avistar Charlotte, e um dos lados de sua boca se entortam em um sorriso — Ei, irmã — Ele chama. Charlotte está atônita, sua espada ao lado do corpo e seus olhos abertos com choque — NÃO ACREDITO! — Ela grita, e então com um grito de alegria ela volta à ação, batendo em seu inimigo com tanta intensidade que decapita o numa distraído de uma vez só. O caos diminui. A tribo de Charles grita algum tipo de grito de guerra, balançando sabres curvados e machados de batalha. Os numa que estão encarando Arthur e seus homens lutam ferozmente por outro minuto, empurrando-nos para frente em uma faixa apertada e agitando membros e armas. Mas, na medida em que nosso círculo defensivo aumenta, a confusão toma conta. Alguns numa correm na direção da saída. Eles são rapidamente seguidos por outros deles, um ou dois puxando um numa ferido com eles, mas a maioria pensando apenas em escapar. Em cinco minutos, está acabado. A música estridente mistura-se aos gemidos de nossos inimigos feridos, que são rapidamente despachados. O dono da boom box marcha e desliga a música. Ele dá de ombros quando me vê olhando — Ei, poluição sonora incita menos ligações para a polícia do que gritos e sons de batalha. Pelo menos, este é o caso de Berlim — Ele diz.


— Você está bem? — Vincent pergunta, e vendo que minha pior ferida é um corte no ombro, beija-me rapidamente. Nós nos reunimos para avaliar os corpos. Dez numa estão mortos no chão. Alguns dos outros foram carregados por aqueles que escaparam. O corpo de Nicolas ainda está aqui, seu casaco de pele uma bagunça sangrenta, banhando em sangue. Três do time de Arthur estão mortos. E Ambrose se senta encostado a uma parede, seu braço sangrando profusamente enquanto Charles e Charlotte o atendem. Está faltando alguém, eu penso alarmada. Olhando para o corredor mais uma vez, eu grito — Geneviève! Onde está Geneviève? — Nosso grupo se embaralha ao redor, procurando por ela — Ela estava bem ali — Eu digo, apontando para o lugar onde vi seu corpo pela última vez. Charlotte levanta as mãos para a boca com horror — NÃO! — Ela grita, e corre para o final do corredor com Charles em seu encalço. Eles procuram freneticamente pela rua no outro lado, mas está claro que, quem quer que tenha levado Geneviève, está longe. Os gêmeos ficam juntos, silhuetas escuras abaixo do arco negro, seus corpos iluminados por trás pelos postes da rua. Quando Charlotte começa a chorar, seu irmão a envolve com seus braços.


Capítulo 46 Dentro de cinco minutos, uma ambulância chega ao corredor e os corpos são carregados — Não, cara, eu não preciso de uma ambulância — Diz Ambrose, resistindo aos esforços de Vincent de colocá-lo junto com os mortos e feridos. — Bem, você não pode caminhar para casa assim, e você vai sangrar por um táxi inteiro — Vincent diz, ajudando-o a ficar em pé. — Eu vou com você — Diz Charlotte com uma voz baixa. Ambrose olha para onde ela está parada com o braço de Charles em volta de si. Ela sorri um sorriso triste para ele, e ele assente com a cabeça, derrotado — Sim, tudo bem. Vincent vira para onde eu protejo Louis com meu corpo quando o clã germânico de Charles olha para ele com suspeita — Você ainda está aqui — Ele diz, sombriamente. — Eu estou — Diz Louis. Ele levanta o queixo, mas parece um adolescente apavorado, mesmo com toda sua bravata. — Kate, você pode, por favor, me dizer o que aconteceu lá — Vincent pergunta. Parece que os revenants volantes não são os únicos com os quais eu sou capaz de me comunicar telepaticamente — Eu dirigi o pensamento para ele, e ele avançou surpreso. — Tudo bem — Vincent disse, balançando a cabeça em confusão — Então você telepaticamente ofereceu anistia a este numa? — Louis me contou sua história no barco, Vincent. Violette não era a única infeliz com seu status. E Louis ainda é novo. — Seis meses — Louis esclarece. Ele está olhando para os sapatos, seu rosto ficou vermelho. — O que ele fez parece errado — Eu digo — mas ele não quer seguir este caminho. Vincent olha para o teto como se a solução estivesse logo acima do teto de vidro — Kate, o que você espera que eu faça? Eu não entendo o que você está me pedindo. — Nem eu entendo — Eu admito — Mas acolhê-lo é a coisa certa a fazer. Você tem que confiar em mim. Vincent olha para mim, não sabendo o que responder — Kate. Eu confio em você. Mas eu não confio nele — Ele diz, lançando seu olhar na direção de Louis, que faz uma careta e coloca as mãos nos bolsos. — Eu assumo toda a responsabilidade por ele — Eu digo. Vincent levanta as mãos para a cabeça, como se quisesse arrancar os cabelos. Um som estrangulado sai de sua garganta enquanto ele caminha para longe. Ele diz alguma coisa para Arthur quando passa por ele.


Arthur caminha em nossa direção — Pediram para que eu ficasse com você como uma cola — Ele diz para Louis e espera, deixando claro que não vai sair do lado do numa. Enquanto caminhamos para a saída, Arthur está obviamente observando Louis. — O quê? — Louis pergunta finalmente. — Então você é o novo consorte de Violette — O revenant mais velho diz, divertido — Você está com ela há seis meses e quer fugir? Tente ficar por quinhentos anos — A mandíbula de Louis cai. Eu os deixo para seguir Vincent, que está falando com a líder do grupo de Charles — Ficaremos por quanto tempo vocês precisarem — Diz a garota com um inglês de sotaque alemão. Ela parece a irmã mais nova de Lisbeth Salander, seu corpo magro pintado com tatuagens, rosto pontuado com piercings, e cabelos azuis bem curtos e arrepiados como se ela tivesse tomado um choque para deixá-los daquele jeito. — Não temos espaço em La Maison para dar um quarto a todos vocês, mas do outro lado da cidade... — Começa Vincent. — Nós não precisamos de camas — A garota diz — Ninguém estará dormente esta semana. — Mas o espaço para colocar suas coisas... — Nós dividimos tudo, incluindo o espaço pessoal — Ela diz, divertindo-se com a preocupação de Vincent — Sério, é melhor manter todo o mundo junto. Além do mais, você disse que a grande batalha está para começar. Bem... Apenas considere que somos inseparáveis — Ela diz, cruzando seu dedo médio com o indicador — Reagrupando na casa dos Franceses — Ela grita para seu grupo em inglês e então repete em alemão. O grupo estava ocupado limpando o corredor, estivando armas caídas e enxugando sangue com camisetas que eram jogadas fora nas latas de lixo. Quando partimos, parecia que nada tinha acontecido naquele espaço. A tribo de Charles descobriu os peitos pintados, exibindo-os como medalhas debaixo de seus casacos de couro, empurrando uns aos outros e brincando em alemão enquanto caminhávamos para casa. Fizemos duas paradas no caminho para nos reunirmos ao nosso grupo que tinha sido atacado pelos numa. Não tinham ocorrido mortes entre eles. Se era pelo fato de que eles estavam num lugar muito exposto para lutar ou porque os numa estavam apenas distraindo-os para que eles não fossem nos apoiar, eu não sabia, mas eles tinham chegado rapidamente e depois fugiram. Enquanto Vincent coletava todos os grupos e os levava conosco para casa, a líder alemã se manteve perto de mim, estudando-me descaradamente por baixo de seus spikes azuis. — Eu não sei o seu nome — Eu disse finalmente, olhando-a diretamente nos olhos. Ela não piscou, parecendo gostar de receber atenção direta — Uta — Ela diz — Você é a Campeã.


— Acho que sim. Não que eu tenha feito muita coisa boa esta noite — Eu admito — Estou feliz por Charles ter recebido as mensagens de Charlotte. De outra forma, estaríamos fritos. — Charles não recebeu as mensagens de Charlotte — Uta disse, levantando uma sobrancelha com piercing — Pelo menos não até que estivéssemos a meio caminho daqui. Estávamos num retiro motivacional. Não tínhamos serviço de telefone. — Então... Como vocês sabiam que deveriam vir? — Eu pergunto, confusa. Ela ri abertamente — Eu sou uma Vidente. Eu vi a sua luz. Mais brilhante do que qualquer coisa que eu já tinha visto. Era possível ver há quilômetros de distância. Eu sabia que tinha algo que precisávamos checar. Demorou só um pouco para chegarmos aqui. Uta riu de minha expressão aturdida — Deve ser estranho ser a Campeã — Ela diz — Quais são os seus poderes? Eu me sinto envergonhada. Como se ela tivesse me pedido para listar as coisas que eu mais gosto em mim mesma. Eu foco nas coisas que mais me preocupam — A profecia diz que eu devo ter “níveis sobrenaturais de força”. Não tenho certeza se você notou, mas eu não sou mais forte do que ninguém. Uta assente e pensa por um segundo — Talvez no seu caso não seja força física. Parece que você tem bastante aqui — Ela diz, batendo em seu peito com os punhos — Não é sempre que os músculos decidem quem é mais poderoso. Eu penso sobre o rótulo de “hippie profundamente em contato com seus sentimentos” que Charlotte tinha usado para a tribo de Charles, e tento não rir. — Sabe? Nós tivemos um Campeão na Alemanha — Ela continuou — Algumas centenas de anos atrás. Havia muita carga de lutas políticas e sociais, muitas chances de traição. Os numa tinham tomado o lugar. O Campeão apareceu. Ele liderou uma batalha contra os nossos inimigos. — O que aconteceu? Como ele fez isso? — Eu pergunto, minha pulsação acelerando. Esta é a primeira vez que eu escuto sobre o Campeão da Alemanha. Uta dá de ombros — Eu não sei. Ele teve sucesso. Eu quero dizer, os numa foram dizimados e a nossa região começou como um lugar limpo. Mas como ele fez isso? E que tipos de poderes ele tinha, eu não posso dizer a você. — Por que não? — Eu pergunto. Uta hesitou e depois disse — Porque ele não sobreviveu à batalha final. Eu tento manter o rosto sem emoções. Não é à toa que Vincent não quer falar sobre o que eu sou. Ser a Campeã não significa que eu vou ganhar. Uta acabou de me confirmar isso. Mas eu não me ressinto pelo que eu me transformei. Eu poderia estar morta agora. Se eu não fosse uma revenant latente quando Violette me esfaqueou, eu teria acabado ali mesmo. Esta é uma segunda chance, não apenas para mim, mas para os bardia de Paris e para sua população humana. Eu tento imaginar como a cidade seria se os numa a dominassem. O mal iria reinar supremo. Imagens do Nazismo Alemão, do Fascismo Italiano e do Franquismo Espanhol vieram à minha mente. Dos países do Terceiro Mundo


governados por ditadores ou generais que esgotavam os recursos e deixavam sua população morrer de fome. Genocídios. Era isso que poderia acontecer se a balança entre o bem e o mal é desequilibrada. Pensando nisso, parece impossível para mim, fazer a diferença. Mas eu tinha tido a oportunidade de ver meus avós e Georgia de novo. Sem mencionar Vincent. Eu olho para onde ele está conversando com Louis, e seus olhos encontram os meus antes de retornarem ao jovem numa. Até mesmo quando ele está envolvido em alguma outra coisa, a atenção de Vincent nunca me deixa. Eu sei que sou sortuda por ter mais tempo com ele. E eu decido que, se isso é tudo o que eu tenho, se todos podemos morrer hoje, então estes preciosos minutos extras terão valido à pena. Pedindo licença à Uta, eu corro para alcançar Vincent. Sem diminuir o ritmo de seus passos, ele coloca um braço em volta de meu ombro e me puxa para perto dele, abaixando-se para beijar o topo de minha cabeça antes de continuar conversando com Louis. Quando o recém-formado numa termina sua história, Vincent parece preocupado. — Tudo o que eu tenho desejado desde que me transformei neste monstro é voltar ao passado e apagar o que eu fiz. Voltar o tempo para poder fazer as coisas de forma diferente. Eu quero sair — O garoto conclui. — Não existe como sair — Vincent diz alto o suficiente para que apenas eu escute. — Ainda assim, você deveria saber que eu vou fazer qualquer coisa para escapar do destino — Louis diz, ardentemente. Quando passamos do Louvre e da ponta para cruzar o Rive Gauche, Vincent assente para Arthur, que pega Louis pelo braço. Eles se afastam para nos deixar sozinhos. — Tudo bem, Kate. Eu percebi porque este garoto te fez pensar — Disse Vincent — Mas isso não muda o fato de que ele é um numa. Seu destino foi decidido, e nada pode mudar isso. — Vincent, eu sei que não faz sentido, mas tem alguma coisa diferente nele. Não apenas o sentimento que eu tenho sobre ele, mas sua aura é diferente. — Sua aura? — Vincent diz, incredulamente — Ele não tem aura de numa? — Sim — Eu admito — Mas não é igual. Há aquelas faixas douradas que brilham dentro dela. Eu acho que isso significa alguma coisa. Como se tivesse algo de bom nele. Alguma esperança. Eu sei que isso vai contra tudo o que você aprendeu, o que você acredita que é certo. Mas... Louis tem que vir com a gente. Vincent diminui os passos e então para, me encarando, enquanto os outros fluem ao nosso redor como uma maré. Ele toca minha face, e depois enrola seus dedos em meus cabelos. Ele me segura daquela forma por um minuto inteiro, estudando minha face como se eu fosse um livro escrito em uma língua estrangeira. Então, ele se inclina para frente e pressiona os lábios nos meus. Quando ele se afasta, o brilho retornou aos seus olhos de safira — Tudo bem — Ele diz. — Então, você concorda comigo? — Eu pergunto.


— Não. Mas... Bem, Kate, você é quem manda — Ele pega minha mão e nós voltamos a andar, ficando no final da procissão. — Sim, certo — Eu estalo — Você é o líder da tribo Francesa. — Sim, mas você é a Campeã — Ele diz com um sorriso torto — E eu nunca vi um fluxograma de liderança, mas eu presumo que isso significa que você é a minha chefa. Minha boca se abre em um desânimo divertido — Eu não quero ser a chefa de ninguém. — Tarde demais — Ele diz com falsa irreverência — Você já está falando diretamente com os cérebros das pessoas, persuadindo o inimigo para que ele te liberte enquanto está em cativeiro, e atraindo ajuda de todos os lados da Alemanha com sua aura de um bilhão de Watts. Não é como se você pudesse desistir disso e se tornar uma revenant comum. Ele está fazendo o seu melhor para brincar, mas eu sei que ele está tão sobrecarregado pelo que eu me tornei quanto eu mesma. — É uma pena que eu não peguei tudo o que era prometido. Eu me dei bem lá atrás, mas alguma superforça seria bem adequada — Eu digo. — Profecias são sempre irregulares, no mínimo — Ele diz — Talvez um pouco mais de força vá aparecer mais tarde — Ele me puxa para mais perto, como se a sua proximidade pudesse me proteger do que estava por vir.


Capítulo 47 Jeanne está esperando quando nós voltamos para La Maison — Está todo mundo bem? — Ela pergunta enquanto caminhamos pela porta. — O que você está fazendo aqui? São três horas da manhã — Vincent coloca uma mão em seu ombro e ela olha para ele, envergonhada. — Eu não consegui dormir — Ela admitiu — Alguma coisa está acontecendo. Eu posso sentir. E eu estive com vocês por bastante tempo para saber que posso confiar em minha intuição. Eu coloquei alguns pães no forno e fiz um ensopado. Agora, alguém ficou ferido? — Ela pergunta, escondendo sua emoção atrás da praticidade. — Ambrose precisará de atenções médicas — Vincent diz. E depois em uma voz mais baixa, admite — Geneviève foi morta e levaram seu corpo. As mãos de Jeanne voam para sua boca — Não — Ela engasga, lágrimas escorrendo de seus olhos. Vincent assente sombriamente, de repente parecendo cansado. Somos distraídos pela ambulância aparecendo nos portões. Jeanne limpa seus olhos e se move propositadamente em direção ao veículo. Charlotte pula do assento de passageiro e abre a porta para que Ambrose e Charles saiam. — Eu não me importo se eles estão em sacos — Ambrose diz — Esta é a última vez que eu ando atrás de uma ambulância, com meia dúzia de corpos — Ele estremece e segura seu braço ferido enquanto pula para o chão — Eu não me importo em matá-los, mas eu não quero me aproximar deles quando o trabalho está feito. Charles pula para baixo e Jeanne olha para ele curiosamente por um momento antes de uma luz aparecer em seus olhos. Ela corre para baixo e se joga nele — Mon petit Charles, você está de volta! — Ela murmura, ficando na ponta dos pés para beijar energicamente suas bochechas — Estou tão feliz em ver você. — Idem — Charles diz com um amplo sorriso. — Apenas olhe para você — Ela diz, inclinando-se para trás e o inspecionando através de suas tatuagens e seu cabelo punk — Você sabe, eu nunca acreditaria que diria isso, mas esta aparência combinou com você. É claro que se eu não tivesse cuidado de você por tanto tempo quanto cuidei de meu filho, você estaria me assustando pra valer. Mas você sempre será mon petit Charles à moi — Ela o abraça mais uma vez e vira para Ambrose — Quão mal está isso, querido? — Ela pergunta. — Mau o bastante para precisar de um médico — Charlotte responde, retirando as armas do cinto e da alça de ombro de Ambrose. Ela entregou um machado de batalha para Charles e eles saíram para guardar tudo na sala de armas. — Eu só preciso de alguns pontos — Ambrose disse.


— Mostre-me — Jeanne comanda, e ele segura sua jaqueta aberta. Adulando-o, ela ordena — Você vai diretamente para o seu quarto. Eu ligarei para o Doutor Dassonville e então irei limpá-lo. Todos os outros — Ela grita para o saguão completamente cheio — Armas guardadas lá embaixo na sala de armas. Há uma estação de primeiros socorros lá se alguém mais precisar. Do contrário, vão comer na cozinha. No meio da confusão em massa, um celular toca. Louis puxa o telefone de seu bolso e olha para o número da tela. Sua face fica pálida. — Quem é? — Arthur pergunta. — Ela — Ele diz, pressionando a tecla para mandar a ligação para a mensagem de voz. Um segundo depois, o telefone de Vincent toca. Ele liga o viva-voz e segura o telefone para cima para que todos possam ouvir. — Oui — Ele diz. — Você matou o meu segundo e sequestrou o meu consorte — A voz furiosa de Violette apareceu. — Eu me declaro culpado em uma das coisas, mas da outra... Louis veio para nós por livre e espontânea vontade — Respondeu Vincent. Louis estremece e cruza os braços protetoramente sobre seu peito. — Isso é uma mentira — Violette cospe — Deixe-me falar com a sua lamentável Campeã. — Estou aqui — Eu digo. — Eu dou a você uma hora para me encontrar na Arènes de Lutèce. Traga-me o meu consorte e eu darei o corpo de Geneviève em troca. — Por que a arena? — Eu pergunto — Por que você não vem aqui? — Não há um espaço grande o suficiente — Ela replica — Eu não vou tolerar qualquer trapaça. Encontre-me no centro da arena. Em uma hora. Nossa transação termina ao nascer do sol — Houve um clique e então um silêncio estático. — É uma armadilha — Arthur diz. — É claro que é uma armadilha — Vincent concorda — Violette levará os seus homens. E ela sabe que Kate jamais iria sozinha — Ele vira para me olhar — Ela quer outra chance com você, Kate. — O que devemos fazer? — Pergunta Charlotte. — Nós não podemos ir. Todos seremos mortos — Arthur diz. — Mas nós temos que trazer o corpo de Geneviève de volta — Argumenta Charlotte. — Não, na verdade, vocês não têm — Veio uma voz acima de nós. Bran estava descendo as escadas, agarrando o corrimão de mármore enquanto isso — Pelo menos não é o que Geneviève iria querer — Ele diz. — Como você sabe disso? — Pergunta Charlotte, horrorizada. Bran permanece em silêncio até finalmente estar entre nós — Porque ela me disse — Ele responde simplesmente. — O que você quer dizer com ela te disse? — Vincent pergunta.


— Geneviève veio até mim quando voltamos de Nova York — Bran explicou — Ela disse que você tinha explicado para ela sobre como os dedos de fogo trabalham. E ela me pediu se existia alguma maneira de eu dispersar seu espírito enquanto ela estivesse dormente. — Por que ela iria pedir por isso? — Eu pergunto. — Ela me disse que sem o seu marido, ela não queria existir. Que tudo o que ela desejava era ir para onde quer que ele tivesse ido. Ela sentia que já tinha feito o suficiente em sua vida como revenant. — Mas... — Charlotte começa. — Ela estava muito determinada a seguir por este caminho — Bran diz — Eu ainda não decidi o que fazer, mas agora parece que a decisão foi tomada pro nós. E eu aconselho que nós a deixemos ir. Todos ficaram em silêncio, processando a história de Bran. — Ainda precisamos pegar o seu corpo para queimá-lo — Disse Vincent finalmente — Isso é, se isso não for apenas uma fraude e Violette realmente levar o corpo com ela. Em qualquer caso, Kate não irá. — O que você quer dizer com eu não irei? — Eu exclamei. — Não estou dizendo isso para proteger a você, Kate. Estou dizendo isso para proteger a todos nós. O objetivo de Violette não mudou Ela quer enganar você para pegar os poderes do Campeão. Com as coisas da maneira como estão agora, ela poderia nos derrotar sem força extra. Seus homens representam pelo menos o dobro dos nossos. Mas, para ela, o desejo supera o senso comum. Ela quer você e arriscará uma batalha desorganizada e in loco para pegar você. Você não pode ir. Eu balanço a cabeça, furiosa — Você não pode tomar esta decisão por mim — Eu digo. — Você poderiam nos deixar a sós, por favor? — Vincent pede laconicamente. Ele está determinado a ter o que quer. Pena que eu também esteja. A sala se esvazia até que sejamos apenas Vincent e Charlotte parados na luz manchada do lustre de cristal. — Se vamos tomar uma decisão tática, eu preciso estar aqui — Charlotte explica apologeticamente. Nós paramos num triângulo solene. Não mais amantes ou amigos. Nossos sentimentos não importam mais. Temos que ser racionais; uma decisão precisa ser tomada. Uma que afetará todos que conhecemos. — Eu sou uma de vocês agora — Eu começo — E eu não vou me esconder para me proteger. Eu me tornei a Campeã por uma razão. E o que quer que a profecia realmente signifique, se eu vou liderar os bardia contra os numa correndo perigo de morte ou se vou ser vitoriosa e conseguir sobreviver, eu sei que preciso fazer isso. Eu tenho que encarar Violette. Eu sinto isso aqui — Eu digo e coloco a mão em meu peito, inadvertidamente pressionando o signum em minha pele. Eu olho para tristes olhos azuis — Vincent, eu nunca me senti mais certa sobre alguma coisa. Ele continua a olhar para mim, como se esperasse que eu mudasse de ideia. E então, de repente, seus ombros caem e sua cabeça abaixa. Ele fecha os olhos e toca


a testa com as pontas dos dedos — Você venceu — Ele murmura, sem olhar para mim. E então, virando um homem de negócios, diz — Charlotte, chame todos para ficarem juntos. Diga a eles para ligar às pessoas que eles contataram esta noite. Todos se reunirão, completamente armados, no canto nordeste do parque que circula a arena — Charlotte assente e vai informar aos outros. Vincent e eu somos deixados sozinhos no saguão. Ele olha para mim como se eu fosse uma estranha. Como se ele estivesse me vendo pela primeira vez. Os noventa centímetros entre nós parecem como um quilômetro — Isso pode ser o fim, Kate. Pode ser o fim de todos nós. Pode ser o seu fim. — Eu sei — Eu digo, levantando o queixo. Ele está quieto — Meu primeiro sentimento quando eu ouvi que você estava sendo animada foi de alegria — Ele diz finalmente — Eu pensei que esta era a resposta para todos os nossos problemas. Que nós poderíamos ficar juntos para sempre. Mesmo que eu me ressentisse pelo fato de que você seria forçada a seguir um caminha difícil, eu achei que juntos nós poderíamos fazer dele alguma coisa boa e bonita. — Vincent, eu... — Eu começo, mas ele levanta uma mão para cima, pedindo para que eu o deixe terminar. — Então, Bran nos disse que você era a Campeã. E eu perdi aquela alegria. Porque eu sabia que você nunca poderia ser você de novo. Você sempre carregaria uma grande responsabilidade — a sobrevivência de nosso povo assim como a proteção da cidade. Do país. Isto é... Você carregaria esta responsabilidade até o dia em que fosse chamada à ação contra os numa. E eu sabia que quando este dia chegasse, a vitória para a qual você nos levaria poderia significar uma tragédia para você. Para mim e para sua família. Você pode ser destruída tão facilmente. Você é o alvo. Eu respiro fundo, sabendo que ele está certo — Meus avós e minha irmã sabem o que é um revenant e os perigos que vêm com isso. Eles tiveram alguns dias para aceitarem isso — Eu paro — É como se o meu país estivesse em guerra e eu fosse defendê-lo na guerra. Vovó e vovô nunca iriam querer que eu fosse um soldado. Mas agora que eu sou, eles terão que entender qualquer sacrifício que eu faça. — E eu? — Vincent pergunta — O que eu sinto conta alguma coisa? A garota que eu amo está se oferecendo como... — Ele suspira, parecendo miserável enquanto procurava pelas palavras — Como uma virgem a um dragão. — Não, a garota que você ama não está se oferecendo ao dragão. Esta virgem — um sorriso se forma em meus lábios quando digo a palavra — está saindo para chutar alguns dragões, não para desmaiar e perecer. Vincent se joga em mim, me envolvendo em seus braços — Sem autossacrifício — Ele respira em meus cabelos — Você não morrerá por nós. — Não de propósito — Eu prometo — Além do mais, Vincent, eu não vou a lugar nenhum sem você. Se nós morrermos, morreremos juntos — Eu me inclino para trás e tento sorri.


Seus olhos estão vermelhos e transparentes — Juntos — Ele concorda, e se inclina para me beijar. — Você não vai a lugar algum — Vincent diz, quando Ambrose luta para sair da cama. — Eu tenho um braço bom — Ambrose replica, e então grunhe de dor quando Charlotte o puxa para baixo. — Viu? Você mal pode se mover — Ela diz — Você será apenas uma responsabilidade. — A luta da década, talvez até mesmo do século, e eu não vou estar lá? Vocês devem estar brincando comigo — Ele geme. O médico se inclina sobre Ambrose e lhe dá uma injeção anestésica — Vamos esperar alguns minutos até que você sinta adormecido — Ele diz, e vai para o outro lado do quarto para procurar entre seus instrumentos. — Eu sou o seu líder e digo não — Vincent insiste, e deixa o quarto. Charlotte começa a se levantar, mas Ambrose pega sua mão antes que ela possa sair do quarto — Espere — Ele implora. — Você não vai me convencer — Ela diz, dando a ele um olhar de aviso. Ele olha para mim — Katie-Lou, fale para mim a verdade. Este é o verdadeiro negócio, não é? O que é para acontecer com Violette vai acontecer agora, não é? Eu encontro os olhos de Charlotte, e ela me dá um sutil aceno com a cabeça. Eu solto o ar — Sim. — Oh, cara — Ambrose geme e, fechando os olhos, ele deita a cabeça contra o travesseiro. — Escuta, Ambrose — Diz Charlotte — Nós vamos fazer o melhor que pudermos para recuperar o corpo de Geneviève, se é com isso que você está preocupado. Você vai apenas nos atrasar se for junto. Eu prometo que faremos tudo o que precisarmos. Os olhos de Ambrose se estreitaram — Você acha que eu quero ir por causa disso? — Ele pergunta — Por causa de Geneviève? — Charlotte dá a ele um olhar confuso — Escute, querida — Ele esfrega o polegar nervosamente para baixo e para cima da mão dela — Vocês estão indo para a luta mais perigosa que nós já enfrentamos. Esta pode ser a luta. Além de ser extremamente enervante saber que eu não vou participar disso, eu vou ficar louco por saber que você está lá, com a possibilidade de ser morta. Possibilidade de ser destruída. — Vincent e eu... — Charlotte começou a argumentar. — Eu não estou preocupado com Vincent — Ambrose diz, cortando-a — Estou preocupado com você. Aqui vai, eu pensei, e sorrindo, eu saio lentamente em direção à porta, para que nenhum deles perceba que estou fugindo da cena. Não que eles fossem perceber; eles estão totalmente presos um no outro. — Eu posso lutar tão bem como o restante de vocês — Charlotte replica, colocando a mão para longe dele e colocando-as no quadril.


— Eu nunca disse que você não pode — Ambrose insistiu. — Então por que... Ele a interrompe de novo — Eu vou ficar sem reclamar... — Você não tem escolha! — ... Se você fizer duas coisas — A provocação tinha deixado sua face. Ele está completamente sério. Eu deveria sair, mas não posso. Eu sei que vou testemunhar um evento histórico, e eu fico perto da porta, meus olhos grudados em Charlotte e Ambrose. — Tudo bem — Charlotte diz, percebendo a gravidade. — Prometa que você vai voltar — Charlotte fica em silêncio — E me dê um beijo de despedida. — O quê? — Charlotte diz abruptamente. — Você me ouviu. Ela fica completamente imóvel por vários segundos antes de levantar a ponta dos dedos à boca. Seus olhos brilham com lágrimas enquanto ela se senta de novo ao lado da cama dele. E pegando sua mão boa, ela se inclina e lhe dá um beijo. É um beijo lento. É um beijo prolongado. É o beijo pelo que ela tem esperado por anos.


Capítulo 48 Georgia está esperando no corredor quando eu saio do quarto de Ambrose — O que está acontecendo? — Ela pergunta, fazendo com que eu pare um passo no meio. — Eu não vi você aí — Eu digo, levando a mão ao meu coração acelerado. — Então, aonde é a festa? — Ela cruza os braços na frente do peito. — Por que você está acordada? — Eu pergunto. — Eu não consegui dormir. E então olhei pela janela e vi os Sex Pistols estacionando seus carros na garagem. Então eu imaginei que estava acontecendo alguma coisa. Eu olho para Georgia, a condição “desarrumada por causa da cama” de seus cabelos curtos loiro-morango a deixava ainda mais bonita. Eu percebo que há uma chance de que, depois desta noite, eu não a veja de novo. Jogando meus braços em volta de seu pescoço, eu a aperto contra mim. Ela bate em minhas costas — O que foi, Katie-Bean? O que está errado? Eu quero dizer, além do fato de que você é supostamente a Mulher Maravilha Zumbi ou algo do tipo... Eu quero dizer, é por isso que você está chorando? — Eu não estou chorando — Eu digo, fungando e furtivamente limpando minhas lágrimas antes que elas rolem por minha face — Eu só quero que você saiba que eu a amo. Os olhos de Georgia se estreitam e ela olha para mim com suspeita antes de apontar o dedo para mim — Vocês vão fazer alguma coisa perigosa. O que é? — Não é nada com o que você precise se preocupar, Georgia. Ela faz um som de nojo e diz — Oh, não me fale isso. Você não estaria agindo desta forma a menos que estivesse preocupada de que poderia não voltar. É por isso que Jeanne está aqui no meio da noite e metade dos punks de Berlim estão espalhados ao redor da casa, como se fosse algum tipo de ponto de encontro dos zumbis? Certo? — Eu apenas olho para ela e mordo a língua — Tudo bem, eu vou perguntar para Arthur — Ela diz e sai de perto de mim. Charlotte sai do quarto de Ambrose e fecha a porta atrás dela. Seu rosto brilha e as suas bochechas naturalmente rosadas estão escarlates. Ela pega minha mão e nós caminhamos para baixo das escadas — Você sabia? — Ela me pergunta. — Sim — Eu admito — Mas apenas recentemente. Eu acho que Ambrose só amou Geneviève quando ela não estava disponível. Uma vez que isso se tornou algo possível, eu acho que ele percebeu que não era ela quem ele queria — Ela sorri como uma garota cujo desejo de cinco décadas finalmente foi realizado e, descendo o restante dos degraus, vai em direção à sala de armas. De volta ao meu quarto, eu jogo um pouco de água na cara e penteio os cabelos, arrumando-os em um rabo de cavalo. Depois, pegando um pedaço de papel e uma


caneta da minha escrivaninha, eu me sento para escrever um bilhete para vovó e vovô. Minha caneta flutua sobra a página enquanto eu penso no que dizer. Mas antes que eu possa escrever alguma coisa, há uma batida na minha porta. Vovó coloca sua cabeça para dentro e pergunta — Podemos falar com você? — Sim — Eu digo, cobrindo o recado não escrito com minha mão e, depois, vendo sua expressão preocupada, desisto de minha pretensão. Pode ser a última vez que eu vejo meus avós, e eu estou grata por eles terem me procurado — Eu estava escrevendo um bilhete para vocês, mas estou feliz por vocês estarem aqui. Eu prefiro falar com vocês pessoalmente. — Onde você está indo — Vovô pergunta, entrando no quarto e ficando atrás de minha avó. — Estamos indo para a guerra contra Violette — Eu digo honestamente. — E você planeja voltar? — Vovó pergunta, sua voz falhando por um segundo antes que ela pare e coloque a máscara de avó corajosa. Eu me levanto e caminho para eles. Meus avós. Além de Georgia, eles são os últimos remanescentes de minha família, e eu os amo ferozmente. Mas nossa luta contra os numa não é só por causa deles como pessoas, como residentes de uma cidade que pode ser facilmente dominada pelos não mortos do mal, mas por que eles são os alvos de Violette. Se eu falhar, eu sei que ela não hesitará em procurar por eles. Ela não resistirá a uma chance de vingança. — Isso é algo que eu preciso fazer — Eu responde, desviando da pergunta de vovó. — Nós sabemos disso. Reassegure para mim, no entanto, que você é realmente difícil de destruir — Vovô diz com um sorriso forçado. — Eu sou uma revenant agora, vovô. Se eu morrer, posso ser ressuscitada — A menos que os numa tenham uma fogueira gigante queimando no local da batalha ou sequestrem meu corpo morto e o levem para algum outro lugar para queimá-lo. Eu não falo este pensamento em voz alta, mas eu não tenho que fazer isso. Vovô sabe as regras tanto quanto eu. Vovó me dá um abraço — Eu os trouxe de seu guarda-roupa — Ela diz e me mostra as alianças de casamentos dos meus pais — Você sabe a importância que dou a estes símbolos. Leve-as com você como um lembrete do amor e apoio dos seus pais. Eles estariam muito orgulhosos de você agora, Katya. Meus olhos se encheram de lágrimas, eu peguei meu colar e adicionei os anéis ao signum e ao medalhão vazio que eu tenho mantido mesmo sem propósito. Jeanne pegou mais um pouco dos cabelos de Vincent quando voltamos de Nova York, e eu dei a ela um pouco do meu depois do meu banho de hoje. Era uma pequena segurança, para o caso de o pior acontecer. Eu deslizo o cordão para dentro de minha camiseta e bato nos anéis para saber que eles estão lá — Obrigada, vovó — Eu sussurro. Ela assente e sorri, limpando uma lágrima e se movendo para o lado para que vovô pudesse ter a sua vez. Ele me aperta fortemente em seus braços e sussurra — Cuide de si mesma, ma princesse.


— Eu irei, vovô — Eu prometi, agora engolindo as lágrimas. Meus avós me deram uma última olhada, assentiram orgulhosamente, e depois saíram. Eu peguei um lenço do criado-mudo e demorei alguns minutos para me recompor. Quando estava saindo do quarto, eu vi um relance de meu reflexo num espelho de corpo inteiro e, não reconhecendo a mim mesma, parei. Naquelas calças de couro pretas, botas na altura dos joelhos, a fina armadura de cota de malha sobreposta por um top de camurça preta, e o comprido casaco de couro, eu parecia como uma heroína de um filme de ação. Minhas bochechas estão vermelhas pelo medo e pela antecipação, mas meus olhos brilham como estrelas escuras e eu pareço mais velha com meus cabelos amarrados. Eu não sei o que vai acontecer, mas eu sei, sem dúvida alguma, que este é o meu destino: encarar Violette. Estou pronta. Quando chego ao saguão, eu vejo Jean-Baptiste e Gaspard caminhando porta adentro — Vocês estão aqui! — Eu grito. — Eu tinha planejado tirar algumas horas para descansar — Gaspard explicou com um sorriso — No entanto, nós recebemos esta mensagem de texto quase indecifrável em nossos celulares... Jean-Baptiste segura seu celular como uma peça de maquinaria alienígena — Eu vou ler: “Caras, vai acontecer agora. Tragam seus traseiros lamentosos para cá agora”. Com um pedido tão eloquente, como poderíamos resistir? — Ele comenta secamente. Mas há um esboço de sorriso no canto de seus lábios, e eu sei que ele e Gaspard não perderiam isso por nada no mundo. — Uh-uh, eu sabia que vocês viriam — Comemora Ambrose do mezanino no topo das escadas. — Você volta para a cama agora — Jeanne repreende, correndo atrás dele e apontando imperiosamente para a porta de seu quarto — antes que você sangre por todo meu carpete limpo. Ambrose ri amplamente e nos lança uma saudação, antes de se virar e ser encaminhado de volta para seu quarto. — Então... Podemos? — Eu digo, colocando as mãos nos braços de JB e Gaspard e caminhando com eles para fora da porta. No pátio, eu vejo muitos carros e motocicletas enfileiradas na frente do portão, motores ligados. Duas figuras estão paradas ao lado da fonte, corpos pressionados fortemente juntos, beijando-se desesperadamente antes de se afastarem e se tornarem Georgia e Arthur. Georgia se afasta dele e, passando por mim sem diminuir o passo, ela diz — É melhor que você volte, Katie-Bean — E entrando na casa, ela bate a porta.


Capítulo 49 É um pouco antes de quatro da manhã quando entramos na vizinhança do Place Monge. Vincent estaciona o carro, e eu pulo para a calçada enquanto Arthur e Charlotte, e Louis saem do banco traseiro. Jean-Baptiste e Gaspard estacionam perto e se reúnem a nós. Meu estômago está cheio de nós. Mas a calma que vem com o foco da luta começa a se assentar sobre mim, infundindo-me com a confiança da qual eu vou precisar. E o fato de que Vincent está pegando em minha mão e segurando-a com força não dói. Algumas figuras escuras do outro lado da rua brilham com as auras douradas dos bardia, e uma delas levanta a mão para cumprimentar. Grupos que se reuniram em Paris pelas últimas horas estavam esperando para que chegássemos. Temos sessenta revenants ao todo. Mas quando eu olho em direção ao parque que cerca a arena Romana, minha visão é ofuscada por pelo menos cem colunas vermelhas e flamejantes que vão em direção ao céu da aurora. Estamos com números inferiores. Como temíamos. Vincent vê isso em meu rosto — Tão mal assim? — Ele pergunta. Eu assinto — Sim. Mais de cem, eu acho. Alguns dentro do parque e outros espalhados pelas cercanias. Ele se vira e cobre meu rosto com as mãos, passando seus dedões em minhas têmporas — Você não tem que fazer isso — Ele diz suavemente o bastante para que os outros não escutem — Podemos levar a luta até eles sem que você tenha que encarar Violette. Você ouviu Bran. Geneviève queria morrer. — Há sempre a chance de que eles a mantenham até que ela esteja volante e então a destruam, como fizeram com você. Ela quer ser livre. Não quer ficar presa como um espírito errante. — Se isso realmente acontecer, Bran pode dispersá-la. — Tudo bem, você está certo — Eu admito — Mas eu tenho que encarar Violette, Vincent. Eu sei disso. Nós dois sabemos. E eu prefiro fazer isso agora, quando sabemos que ela não vai escapar pelos nossos dedos, do que viver nossas vidas imaginando o que ela pode fazer em seguida. — Eu sei — Ele se inclina para me beijar brevemente. Firmemente. Ficamos presos pelos olhares um do outro enquanto pequenos grupos começam a se mover a nossa volta. — Se eu morrer... — Eu começo a dizer. Vincent me corta — Pare, Kate! — E então ele suspira e seus ombros se abaixam. Ele sabe que é desonesto fingir que todos nós conseguiremos ficar vivos. Ele fecha os olhos e, quando os abra, parece resoluto — O que quer que aconteça, lembre-se de que eu amo você para sempre — Ele diz — Mesmo que meu espírito


seja disperso e minha consciência devolvida para o universo... O que restar de mim jamais deixará de te amar. Vincent não me possuirá como fez quando eu lutei com Lucien. E não há sinal da superforça que é mencionada na profecia. Mas eu estou de repente sem medo, sabendo que enfrentarei Violette com uma poderosa, mas invisível arma: o amor. O amor completo e incondicional de outro ser. Que é uma coisa que Violette não tem. Isso não fará com que eu ganhe a batalha contra ela. Mas isso já me fez vitoriosa de meu medo. — Isso não é uma despedida, Vincent. Porque nós vamos vencer — Mesmo que minha voz seja estável, eu não acredito realmente em minhas próprias palavras. Eu pego sua mão e nós caminhamos para o parque. As árvores estão rodeadas por uma grande cerca de ferro, e quando nos aproximamos do portão, vemos que ele é guardado por quatro grandes numa vestidos com uniformes policiais. Eles apontam para Vincent quando nos aproximamos, olhando apreensivamente para as janelas dos apartamentos do outro lado da rua. Enquanto estamos fora do parque, estamos em público. Nada acontecerá aqui. — Apenas a garota vai entrar. Com ele — Um deles aponta para Louis — Nossa tribo está fora da arena e a sua também vai ficar. Vincent balança a cabeça — Você está mentindo. Há um grande grupo de numa que já está dentro do parque. E de forma alguma Kate entrará aí sozinha. O numa olha para ele com suspeita, e um deles faz uma ligação. Ele abafa a voz com a mão e depois desliga — Nossa líder admite que seus guardas de segurança estão dentro do parque. Sendo assim, você pode levar sua tribo para dentro, mas ninguém vai para o anfiteatro da arena, exceto sua Campeã e seu refém. Refém? Eu penso. Vincent disse a Violette que Louis tinha vindo para o nosso lado voluntariamente. E os numa que escaparam da luta na Passage du Grand Cerf com certeza disseram que ele lutou contra eles. Ou ela está em negação ou está fingindo ignorância para protegê-lo de seu clã. Vincent faz um sinal, levantando dois dedos para o ar, e de repente bardia aparecem das ruas laterais, carros estacionados, e becos escuros, se agrupando atrás de nós. Para os meus olhos de Campeã, eles são um mar de chamas douradas fluindo na direção de uma parede de colunas vermelhas. Caminhamos para dentro do portão e passamos por um corredor. Paredes altas de pedra se erguem dos dois lados enquanto nos movemos em massa na direção do antigo anfiteatro Romano, Vincent e Jean-Baptiste liderando a multidão com Charlotte e Arthur flanqueando Gaspard logo atrás. — Não se preocupe, não vamos deixar que eles te peguem de volta — Eu digo — Você só está aqui para que eu possa chegar perto o bastante de Violette para lutar com ela. Assim que for possível, volte e se reagrupe com Vincent e os outros. — Eu não vou desapontá-la — Ele promete. — Eu sei — Eu digo e, pegando em sua mão, aperto-a com força antes de soltála.


Emergimos do corredor em um grande espaço aberto. Uma arquibancada de pedras desemboca em um arco quebrado e cerca uma parcela de terra tão grande quanto um picadeiro. Há outro corredor que parece um túnel idêntico àquele do qual acabamos de emergir, do outro lado de onde estamos. E em torno de sua abertura, transbordando para os grupos espalhados nas arquibancadas, há um inferno de numa. No chão da arena em si, Violette está parada sozinha em frente de uma recentemente acesa fogueira, chamas lambendo um lado de uma estaca de madeira tão grande quanto um pequeno caminhão. Ao seu pé, há uma bolsa de corpos, aberta. Os cabelos loiro-platinados de Geneviève se espalham pelos lados. Eu inconscientemente aliso o cabo da espada em minha cintura, reassegurando que estou pronta para a batalha. Vendo-nos aproximar, o rosto de Violette se transforma numa máscara de vitória. Vincent e Jean-Baptiste hesitam, e depois lideram os bardia para longe de nós, colocando-os nas arquibancadas de frente para os numa. Apenas Louis e eu continuamos pelo corredor. Entrando na arena, nós caminhamos pelo chão poeirento até estarmos a um metro e meio de Violette. O fogo aumenta atrás dela. A luz brilhante que vem de trás, dá a ela a aparência de uma adorável pequena demônia, seus olhos como brasas escuras e seus longos cabelos voando por causa do vento da manhã. — Agora, apenas olhe para nós — Ela diz — Que civilizado. Vocês têm o que eu quero e eu tenho o que vocês querem. Então por que toda essa retaguarda? — Violette inclina a cabeça para um lado e cruza os braços sobre o peito como uma criança birrenta. — É pela mesma razão pela qual você tem a sua — Eu digo, apontando em direção aos quarenta numa posicionados nas arquibancadas — Exceto que eu não estou escondendo a maioria dos meus atrás de uma parede. O que é um pouco antidesportivo, eu diria. — Seria se eu estivesse esperando algum tipo de esporte — Diz Violette, com uma calma exagerada. Eu a surpreendi — Eles são meramente meus seguranças — Ela explica — Eu não posso evitar isso, se tenho mais seguidores leais do que Vincent — Ela para, então incapaz de resistir, diz — Você pode ver os meus homens de longe? Eu assinto. — Colunas de aura? — Ela pergunta, intrigada. Eu assinto de novo, reassegurando que ela ainda não conhece todos os meus poderes específicos. Satisfeita, ela gesticula na direção da bolsa de corpos — Aqui está seu corpo, agora me dê o meu consorte. — Eu não quero o corpo. E o seu consorte não irá com você. Ele escolheu ficar com a gente. — O quê? — Violette exclama com fingido choque — Por que mais vocês viriam aqui esta noite? — Para lutar com você.


Um amplo sorriso se espalha por sua face — Eu estava meio que esperando que você dissesse isso. Eu ando querendo uma segunda chance de absorver o poder da Campeã — Ela tira sua capa e a jogo gentilmente no chão. — Eu imagino que é para isso que o fogo está aqui — Eu digo — A menos que isso seja apenas uma forma de nos convidar para fazer marshmallow assado. — Você sempre foi uma garota inteligente — Violette replica — Eu tenho que admitir isso — Seu olhar se move para o jovem numa parado perto de mim — Louis, você tem sido um ótimo garoto. É hora de parar de atuar. Faça alguma coisa útil — Seus olhos voam para mim e voltam para ele. Louis hesita, sem saber o que fazer. Pense rápido — Eu comando — Segure-me e finja que está me prendendo para ela. Faça isso agora! Ele investe em minha direção e me segura pelos braços. Eu me debato, tentando me livrar de seu aperto. Para fazer com isso pareça real. Mas ele está lutando comigo tão duramente quanto eu estou com ele, e dentro de segundos, ele me prende, ambos os braços atrás de minhas costas — Au! — Eu penso e o escuto sussurrar: — Desculpa — Ele diminui o aperto sutilmente. — Louis, como você pôde? Você jurou que estava do nosso lado — Eu falo alto. Ele não diz nada, apenas continua a me apertar, mas seu aperto fica mais forte. E por um segundo eu sinto um pouco de apreensão e penso se ele realmente estava dando uma de agente duplo e que isso tinha sido planejado por Violette — Você ainda está comigo, certo? — Eu pergunto, preocupadamente. Ele responde com um leve aperto em meus braços, aliviando minha dúvida. Eu escuto um rugido das arquibancadas à minha esquerda e vejo Vincent e nossa tribo descendo os degraus em direção à arena. Eles não sabem sobre nossa atuação e pensam que Louis nos traiu — Está tudo bem — Eu penso, olhando para Vincent. Ele assente para mim, parecendo confuso e levanta a mão para parar a tropa. — Parem! — Grita Violette, e cruza o espaço entre nós antes que eu possa pegar minha arma. A ponta de sua espada roça meu pescoço: eu sinto sua borda afiada cortar minha pele e o sangue gotejar pelo ferimento que ela me provocou — Alguém se move e sua Campeã está morta! — Eu sinto o aperto de Louis relaxando e percebo que ele está prestes a me soltar. Não se mexa — Eu ordeno, e ele volta a me apertar, puxando-me mais apertadamente em sua direção. Eu posso sentir os batimentos de seu coração contra minhas costas e sei o quanto ele deve estar assustado — Apenas espere — Eu digo. Violette olha em volta para onde Vincent e os outros congelaram no lugar, depois desvia os olhos de volta para mim — Sua garota estúpida e ingênua. Louis pode se reunir a vocês, mas ele nunca poderá se tornar um de vocês. Numa são amaldiçoados! Eles não podem se tornar bardia. Todos sabem disso.


— Foi o que me disseram — Eu respondo — Mas eu não acredito nisso. Os guérisseurs dedos de fogo reportaram isso como um acontecimento: eu vi isso retratado em uma de suas pinturas. Há um brilho nos olhos de Violette — sua curiosidade foi despertada, eu tenho certeza — mas ela levanta a ponta de sua espada e a coloca abaixo do meu queixo. Ela não está acreditando nisso ou não se importa. — Ainda há tempo para que você mude também, Violette — Eu continuo — Eu não acredito em toda esta porcaria de destino fixo. Temos um guérisseur que pode dispersar espíritos de revenants. Que pode amenizar a dor pelo desejo da morte. E eu acho que existe uma razão para isso. É a forma como as coisas deveriam ser antes de ficarem tão erradas na história dos revenants. Ninguém é realmente forçado a continuar existindo como alguma coisa que não quer ser. Geneviève quer se livrar disso. E ela terá sua paz. — Eu estou por aqui há meio milênio — Violette responde — Acho que seu mais do que você. Você é uma perda para o poder que está dentro de você. — Diga-me, Violette, o que você faria com meus poderes? — Eu pergunto. — Com os poderes de persuasão da Campeã, eu poderia convencer os chefes de estado a me seguirem e comandar grandes exércitos de numa. Se o que você disse sobre ver as auras é verdade, eu poderia ver minha espécie, e talvez até mesmo a sua, de muito longe com poderes aprimorados de percepção. Existiria um jeito melhor de construir um exército numa ou de dizimar a população de bardia? E com a força da Campeã? Bem, isso é a única coisa que parece que eu não vou ter, já que você é uma lamentável e fraca aleijada cheia de compaixão. Ela já terminou de falar e está pronta para lidar com a parte sangrenta. Eu posso dizer pela expressão prematura de vitória em sua face, a flexão de seu bíceps, e seu corpo ligeiramente para trás que ela está prestes a girar para o lado para me atingir com toda sua força. Louis, assim que ela começar a balançar solte-me e saia do caminho — Eu penso. Eu encontro o olhar dela — Você quer os meus poderes, Violette? Você pode vir pegar. Um sorriso perverso curva seus lábios, e ela segura a espada com ambas as mãos. Com minha visão periférica, eu vejo tanto bardia quanto numa descerem das arquibancadas, gritos em erupção enquanto eles começam a batalha. Eu sinto Louis me soltando e me abaixo quando a espada de Violette vem em minha direção, cortando o ar onde meu pescoço estava. Eu tenho apenas o tempo suficiente para saltar de lado e pegar minha própria arma antes que ela se recupere e sua lâmina desça sobre mim novamente. A espada de Violette bate ruidosamente na minha e eu a puxo para cima com todas as minhas forças até que sua lâmina desliza para fora e ela tropeça para trás. Ela finalmente tem um segundo para ver onde Louis foi. Ele está parado a alguns metros de nós, paralisado, observando nossa luta e parecendo perdido — Seu traidor! — Ela grita — Eles não podem mudar o que você é!


A expressão perdida desaparece da face de Louis, substituída por uma de desespero — Não acredite nela — Eu digo. Violette volta a prestar atenção em mim. Estou prevendo todos os seus movimentos, mas escassamente. Se eu relaxar ou fizer algum movimento falso, ela ganhará a luta — Eu sou mais rápida e mais forte que você — Ela cospe enquanto investe em minha direção, mirando no braço em que eu seguro a espada. Eu saio do caminho — Talvez. Mas você não tem um coração — Eu digo, encontrando sua espada com a minha, balançando-a e fazendo que ela dê um passo para trás. Nossos exércitos pararam alguns metros de cada lado nosso, não se atrevendo a mexer enquanto estamos no meio do nosso combate mortal. — Um coração torna alguém fraco — Ela diz, brilhante — Para conseguir a força verdadeira, você tem que ser impiedoso. Ela gira e balança sua espada com as duas mãos em um arco horizontal, passando a centímetros de meu rosto quando eu dou um passo para trás. — Eu discordo — Eu digo, minha respiração irregular — A piedade é a chave. Você pode forçar as pessoas a te seguirem, mas nunca terá seu respeito ou seu amor — Eu começo a balançar, mas Viollete antecipa meu movimento e joga a espada para fora das minhas mãos. Eu vou buscá-la, mas sua lâmina está mais uma vez levantada, ela está perto de mais desta vez, e eu escolho encará-la sem armas em vez de ser cortada enquanto procuro por minha espada. — O amor é para os fracos — Violette diz, sua face distorcida com desprezo. Com um grunhido pelo esforço, ela leva o metal para baixo, para dar o golpe mortal. Meu instinto é me abaixar, mas eu me forço a me ficar no lugar. Agora é a sua vez, Louis — Eu o chamo — Sua chance de controlar seu próprio destino. Há um brilho de metal e Violette está tropeçando para os lados. Ela derruba sua espada e joga suas mãos para frente, evitando cair de cara no chão. Tremendo com o esforço, Violette se apoia em seus cotovelos e vira para Louis, que está cambaleando para trás, olhando-a com horror. — O que você fez? — Ela arqueja, olhando para o garoto, seus olhos arregalados de dor. — A coisa certa. Finalmente — Ele diz, e continua em pé, banindo seu medo. — Você é numa — Ela sussurra — Nós não mudamos de lado. Uma vez que você é um traidor, sempre será amaldiçoado. Caindo, ela rola para o outro lado. E retirando a faca de seu peito, ela a estuda como se nunca tivesse visto um punhal antes. A arena irrompe em muitos gritos de batalha, mas ninguém se atreve a se aproximar. Eu olho em volta de nosso trágico triângulo, e com um lampejo de clareza, eu finalmente estou convencida de alguma coisa que eu suspeitava desde que tinha conversado com Uta. A força do Campeão não é uma coisa física. Não está em meu corpo. Está em meu espírito. É uma força interior, uma que inspira lealdade. Uma que me ajudará a levar meu povo de volta ao lugar onde as coisas deveriam estar antes dos revenants estarem condenados a sofrer enquanto enfrentam seu destino.


E com o dom da percepção — a habilidade de ver auras refletindo não apenas o destino que um numa como Louis, mas que ele tem capacidade de se transformar em até mudar de lados — talvez eu não seja apenas a Campeã dos bardia, mas de todos os revenants. Eu estou repentina e irrevogavelmente certa disso. — Sabe, Violette? — Eu digo, levantando minha espada e agachando-me em uma postura ofensiva — Estou aqui para mudar tudo isso. As chamas se levantaram para sua altura total atrás dela: a fúria em seus olhos ecoa as labaredas. Gesticulando para uma de suas sentinelas numa lutando nas proximidades, ela aponta para Louis e grita — Mate-o! Eu dou um passo para frente, espada abaixada, pronta para rebater. Violette faz um movimento tão rápido quanto a luz; o metal corta o ar, a faça refletindo o vermelho dourado da fogueira, antes de se enterrar profundamente em minha carne. Eu aperto minha espada mais apertadamente em minhas mãos e tento ignorar a faca enfiada em meu outro ombro, balançando de volta o mais forte que posso e dirigindo minha lâmina para o pescoço de Violette. No mesmo segundo, um som sibilante vem da direção do numa. Louis cai no chão, uma flecha enterrada no centro de sua testa. Ao redor de nós, a batalha se intensifica em um tumulto de gritos, corpos se agitando, e sons de metal, mas meu foco está estático em minha inimiga. A dor em brasa no meu ombro me impulsiona a fazer o que eu sei que preciso fazer. Minha lâmina encontra o pescoço dela, cortando-o e Violette cai para trás, morta.


Capítulo 50 Eu fico olhando para a bagunça sangrenta que era Violette, paralisada de horror e alívio. Mas eu não posso me dar ao luxo da reflexão já que tem um machado de batalha balançando perigosamente perto de minha cabeça. Eu saio do caminho e sinto mãos fortes me agarrando. Eu começo a me debater, e depois escuto Vincent dizer — Sou eu — Ele aperta minha mão e nós começamos a correr, saindo da concentrada área de luta para os cantos da arena. Nós nos agachamos perto do fogo, o barulho alto do choque de metal quase nos deixa surdos, e eu solto minha espada ensanguentada no chão. Vincent vira em minha direção e, pegando minha cabeça em suas mãos, beija-me rápida e firmemente. Eu nunca pensei que suor e fumaça pudessem ter um gosto tão bom. — Eu tinha que fazer isso antes — Ele diz com um esboço de sorriso. Ele me vira cuidadosamente para o lado e inspeciona a faca em meu ombro — Dói? — Ele pergunta, enquanto agarra o fim de sua camiseta, rasga uma tira de roupa e a coloca sobre seu braço. — Não, eu nem estou sentindo — Eu admito. — Tudo bem, Kate, feche os olhos e cerre os dentes — Ele diz. Então, segurando meu braço com uma mão, ele usa a outra para arrancar a faca por onde a lâmina entrou em meu ombro e atravessou minhas costas, apenas milímetros fora do colete Kevlar. Eu abafo o grito com a mão, mas isso não importa, é absorvido pelo barulho ao nosso redor. Vincent retira o pedaço de tecido dos braços e o coloca apertadamente em volta da ferida, embaixo de meu braço e em toda a volta, duas vezes — Você pode mexer o braço? Eu tento, e uma dor aguda se espalha de minha mão até meu ombro, fazendo com que eu grite. Vincent tira outra faixa de sua camiseta. Segurando meu braço inútil em frente a mim, ele o coloca em direção ao meu peito — Todas as entradas estão bloqueadas — Ele diz enquanto trabalha — Então eu não posso te tirar daqui sem lutar. — Não vamos embora — Eu digo, escaneando a área. Mesmo que os numa tenham começado com o dobro de pessoas, eles estão sendo derrotados. Os Germânicos estão agindo como equipes de revezamento: lutando com um numa em pares, matando-os e depois rapidamente os jogando no fogo. Eu conto dez corpos em chamas, e o contingente dos punks não está diminuindo. Um apito estridente vem de perto da fogueira e Vincent e eu viramos para ver Uta gesticulando em nossa direção. Ela segura a cabeça de Violette pelos cabelos, brandindo-a como Perseus fez com a Medusa — Vocês são testemunhas — Ela grita, e quando ela assente, um dos seus homens joga o corpo de Violette na pira enquanto ela solta a cabeça nas chamas.


Meus sentimentos se dividem enquanto vejo o corpo de minha inimiga pegar fogo. A menina amarga e magoada se foi e eu sou inundada por piedade e alívio. Vincent aperta minha mão — Você está bem? — Ele pergunta, adivinhando minha emoção. Eu respiro profundamente e afirmo com a cabeça uma vez. Aquela história está acabada. Eu me viro para olhar nossa tribo e avisto Jean-Baptiste e Gaspard lutando de costas um para o outro, seus movimentos tão bem sincronizados que eles parecem ser uma pessoa: o mais mortal dos guerreiros, trazendo a morta para todos que toca. Não muito longe deles, Charlotte se elevou na luta, empoleirando-se com sua balista no topo de uma colina de pedra quebrada em um canto, acabando com os nossos inimigos um após o outro. Sua mão ágil move-se para a aljava, varre as flechas novas, carrega a arma e atira com uma velocidade mortal. Arthur está abaixo dela defendendo sua posição, acabando com a vida de qualquer um que se aproxime. Nós deixamos nosso abrigo atrás do fogo e começamos a caminhar na direção de Charlotte. Mesmo que eu não consiga ver muito da batalha, há menos colunas vermelhas ao redor da área. A maior parte dos nossos inimigos está no chão, e dois bardia com moicanos em forma de espinho passam por nós, colocando outro corpo de numa na fogueira. Um brilho de esperança passa por minha mente. Estamos fazendo isso, equilibrando as possibilidades. Podemos realmente vencer. Vincent e eu estamos a alguns metros de distância de Charlotte quando eu vejo a flecha acertar seu peito. Chocada, ela olha para baixo para o projétil e então se dobra e cai no chão. Vincent olha para o arqueiro e vai atrás dele enquanto eu me jogo na briga para pegar Charlotte. Mas antes que eu a alcance, uma garota numa começa a carregá-la em direção ao fogo. — Solte-a! — Eu grito. A garota olha para cima. Em um instante ela pega sua espada e assume uma postura defensiva. Eu levanto minha espada, mas antes que eu possa me mover, Charles pula na minha frente, balançando sua espada com força contra a dela. — Eu cuido desta — Ele grita — Apenas pegue o corpo de minha irmã e o afaste do fogo. Tentando não olhar para os olhos sem vida de minha amiga e sua boca entreaberta, eu pego seus pés com o meu braço bom e começo a puxá-la em direção à parede da arena. Uma flecha passa zumbindo perto de minha orelha e eu desvio para a esquerda para evitar outros três projéteis que são direcionados a mim. Um barulho irrompe das bordas da batalha, e a luta para, quando todos nós viramos para ver o que está acontecendo. Derramando pelos corredores em ambos os lados da arena, vem uma onda de estranhos armados. Eu reconheço suas auras de primeira: eles são do nosso povo. Meu coração sobe. A vitória é nossa. Ou será em breve.


De repente, Charlotte é retirada de meu aperto. Alguém pegou suas mãos e a está puxando para outra direção — Não a toque — Eu grito, e procuro por minha espada. Balançando em volta na direção de meu oponente, eu me encontro olhando para familiares olhos castanhos amendoados — Jules — Eu arquejo e me jogo em seus braços. — É bom ver você também — Ele responde —, mas este não é o melhor lugar para um abraço — Uma flecha passa perto de nossas cabeças e nós nos abaixamos — Pegue os pés dela — Ele diz. E então, vendo meu braço ferido, ele diz — Apenas pegue um pé — E nós começamos a carregá-la em direção à parede. — Você está aqui! — Eu digo, piscando como se estivesse momentaneamente cega pelo suor causado pelo calor escaldante do fogo. — E você é a Campeã — Jules replica com um sorriso astuto — Desculpe pelo atraso. Dezenas de nós acabaram de chegar de Nova York. Jeanne nos mandou direto para cá. — Apenas dezenas? — Eu olho para a arena, que fervilha com os recémchegados — Mas quem são estes outros bardia? — Eu não sei — Ele admite. Nós chegamos à parede e guardamos Charlotte em segurança abaixo de uma saliência de pedra. Virando, eu vejo o corpo de Louis a apenas alguns metros de distância, jazendo onde ele caiu com a flecha atravessada em sua cabeça. — Ajude-me a trazê-lo aqui com Charlotte — Eu digo, e caminho em direção ao corpo, mancando enquanto corro para evitar uma saraivada de flechas. — Hum, Kate. Este não é um numa? — Jules pergunta, parecendo confuso quando chega perto de mim e vê Louis. — Não... Sim — Eu gaguejo — Eu não tenho tempo para explicar. Apenas me ajude a levar este corpo para a segurança. Jules hesita por um momento, e depois, quando uma bomba de fogo explode perto da gente, ele se inclina para me ajudar. Enquanto puxamos Louis para a segurança, Jules olha para cima e me dá um olhar divertido. — O que foi? — Eu pergunto enquanto chuto para o lado um machado de batalha caído. — Não que eu já tenha conhecido algum revenant antes de ele ser animado — Ele diz, parando para limpar uma gota de suor que estava caindo em seus olhos — mas, Kate, você parece exatamente a mesma de antes — Ele ri. Eu retorno o sorriso para ele e dou a Louis um último puxão quando chegamos à parede externa, então coloco o braço que eu estava segurando gentilmente sobre seu peito. Escutamos um grito de Vincent. Olhamos na direção que ele está correndo. Eu vejo um esquadrão de numa gigantes vestidos em uniformes iguais marchando para a arena. Deve ter uns vinte deles, e eles estão armados até a cabeça — Quem diabos são eles? — Eu grito, meu coração caindo quando eu percebo que o meu otimismo sobre as nossas chances foram prematuros demais. Estes caras parecem letais.


— O esquadrão de elite de Lucien — Jules responde — Estávamos nos perguntando onde eles estavam. Parece que Violette os estava escondendo, mantendo-os frescos para uma rodada decisiva da batalha. Na nossa guerra anterior com os numa, eles sempre eram chamados para fazer a limpeza. Ele aponta para um hulk loiro que lidera o grupo — O capitão deles, Edouard, o último da hierarquia de Lucien, se você pode chamar assim — Eu dou de ombros quando o homem observa o campo de batalha e dita uma ordem que faz seus homens correrem com as espadas erguidas. Eles estão em frente aos bardia rapidamente. Um grupo circulou alguns bardia de Paris e estão acabando com eles rapidamente. Entre os que estão presos no círculo, estão os nossos parentes: Arthur, Jean-Baptiste e Gaspard. Vincent está correndo na direção deles e Jules e eu corremos para nos juntarmos a ele. Quando os numa nos veem, o círculo se desfaz. Os mais próximos de nós se viram para nos encarar: um para Jules e um para mim, quatro para Vincent. Eles não estavam aqui quando eu estava confrontando com Violette, então não me reconhecem. Mas sabem quem ele é: o novo líder Francês dos bardia. O prêmio. Vincent pegou sua segunda espada e a balança poderosamente enquanto luta contra eles sozinho. Ele está em desvantagem e ferido, e os numa com os quais Jules e eu estamos lutando estão intencionalmente nos mantendo longe para não podermos ajudá-lo. O capitão, Edouard, se move para frente. Seus soldados permanecem imóveis, deixando-o avançar. Estou imaginando que ele dará o golpe mortal, e os outros transportarão seu corpo para a fogueira antes que possamos resgatá-lo. É uma estratégia que foi obviamente planejada. Eu não deixarei que isso aconteça. Eu não o perderei de novo. Eu corro em direção a Vincent, mas antes que eu consiga alcançá-lo, outra pessoa o tira do caminho e se coloca no caminho da lâmina que já estava indo diretamente para o peito de Vincent. Jean-Baptiste para, com a espada do numa atravessada em seu peito e saindo em suas costas, a ponta da espada apenas centímetros de atingir o coração de Vincent. Eu escuto um grito de Gaspard e o vejo correr em direção ao corpo de Jean-Baptiste, apenas para ser arrancado por uma parede de numa. Com um rugido feroz, Vincent investe em Edouard, trabalhando agilmente contra o capitão numa, enquanto eu me engajo em uma luta com os dois inimigos à sua direita. Bardia e numa correm dos dois lados, e a batalha se transforma em um borrão febril de metal e madeira e flechas e sangue jorrando e gritos e choros; e eu me esqueci de meu ferimento e estou lutando como uma máquina, sem pensar, até que o frenesi da batalha diminui e os únicos que sobram são os bardia. Os numa que não foram derrotados, fugiram. Eu posso ver listras verticais se movendo rapidamente para longe da arena. Deixe-os correr, eu penso. Será fácil o bastante para mim, encontrá-los depois, e eu percebo que é exatamente isso que eu farei. Liderar minha tribo para destruir qualquer numa que tenha sobrado. Exceto aqueles que são como Louis, eu penso.


Mesmo que esta noite eu não tenha visto nenhuma aura vermelha que continha listras douradas brilhando em esperança, eu suspeito que existam outros. Eu corro para Vincent e ajudo Arthur a levantá-lo do chão — Estou bem — Ele diz. — Você está sangrando como um porco abatido — Eu replico, quando Arthur cautelosamente tira a camiseta dele e a amarra em volta de seu peito para estancar a perda de sangue de um corte profundo em suas costelas. Eu uso a minha mão boa para ajudá-lo a apertar a bandagem improvisada, e ele sorri para mim. — Quem estava cuidando de quem meia hora atrás? — Ele comenta, olhando para minha tipoia. — Estarei bem em, o quê, três semanas? — Eu pergunto, e estranho de novo o fato de este ser meu destino. Um ciclo de vida que nunca termina: morte, cura e despertar. Quando gritos de vitória começam a subir dos sobreviventes, Uta se move para o centro da arena, o sangue e a sujeira em seu rosto fazendo-a parecer como uma guerreira bárbara. Colocando os dedos nos dentes, ela dá outro assobio ensurdecedor — Para Vincent Delacroix, o líder da tribo de Paris, nós reivindicamos vitória! — Ela grita e impulsiona um bastão de batalha de aparência perversa. — Vitória — Grita a multidão, e uma floresta de armas são balançadas no ar da manhã. — E o mais importante, desculpa Vincent — Uta diz com um sorriso brincalhão — Vitória e glória para a Campeã, que mais do que provou sua força esta noite — Ela pressiona os pulsos no coração de novo como se para me lembrar, sua força está aqui. Eu sorri e imitei seu gesto. — Campeãs são raras — Ela continua — E foi uma honra lutar ao lado de uma. À Campeã! — Ela grita, e o lugar fica frenético, com pessoas aplaudindo e dançando em volta. O clã de Charles faz algum tipo de cântico de batalha em Alemão e se jogam um nos outros em abraços de vitória selvagens. Eu estou sobrecarregada — meu coração está em minha garganta quando eu percebo que todos estes seres imortais estão prontos para seguir minha liderança. Para me ajudar a lutar quaisquer batalhas que apareçam no futuro. Quando olho em volta, eu noto uma figura sozinha ajoelhada ao lado da fogueira. Deixando Vincent, eu caminho até ele. Seus cabelos escaparam de seu rabo de cavalo e se arrepiam em volta de sua cabeça como um halo preto. — O que há de errado, Gaspard? — Antes... Antes que eu pudesse pegá-lo... — Ele gagueja, olhando para cima em minha direção com olhos vazios — Os numa. Eles jogaram seu corpo nas chamas antes que eu pudesse chegar até ele. Jean-Baptiste. Ele se foi — Gaspard diz. E abaixando sua cabeça para as mãos, ele começa a chorar.


Capítulo 51 O campo de batalha é uma cena de desolação. Um vento fraco sopra a fumaça acre em uma neblina amarela doentia pela arena. Partes de corpos e armas estão espalhados por todos os lugares, e o chão está pegajoso com barro vermelho escuro. Todos trabalham rapidamente para limpar a bagunça antes que o sol nasça para que não reste nenhuma evidência do massacre que ocorreu no meio de Paris. Tudo o que pode ser queimado, é jogado na fogueira. Quando as ambulâncias começam a chegar, Vincent e Arthur se voluntariam para carregar as bolsas com os corpos dos bardia para os veículos que estão esperando nos portões do parque. Médicos — todos bardia, eu noto — começam a atender aqueles que possuem ferimentos leves. Um médico se aproxima de mim, mas eu aponto na direção de Vincent — Faça o dele primeiro — Eu digo. — Cortesia? — Vincent pergunta, levantando uma sobrancelha. — Não, covardia. Eu detesto agulhas — Eu confesso, com um sorriso. Eu observo enquanto limpar e colocam curativos nos pequenos cortes de Vincent. Os ferimentos maiores dos braços e das costelas são costurados. Ele nem mesmo estremece quando a agulha entre por sua pele, mas me observa calmamente de onde ele está sentado, a alguns metros de distância. Os bardia estão acostumados aos ferimentos, como eu em breve estarei. — Geneviève se foi. Os numa a jogaram na fogueira durante a luta — Vincent diz enquanto o médico trabalha nele. Ele para e parece pensativo — Isso provavelmente soa mal, mas eu estou feliz por não ter que ser forçado a tomar uma decisão. Há uma angústia em meu coração quando olho para o fogo, sabendo que minha amiga está entre as chamas. Mas eu meu coração eu estou aliviada por ela — Ela realizou seu desejo, então. Está com Philippe. Outro médico se aproxima onde estou sentada com o meu braço bom em volta de Gaspard, que parou de chorar e está muito quieto. Seu normal tique nervoso foi substituído por uma calmaria que é mais algo morto do que torpor, como se uma parte dele tivesse ido junto com seu parceiro. Meu braço ferido está parado inutilmente na tipoia feita por Vincent e o sangue ainda sai do ferimento com faca. Ajudando-me a tirar a jaqueta, o médico rasga a manga de minha camiseta e começa silenciosamente a limpar e a costurar o meu ombro. Gaspard reposiciona sua cabeça em meu ombro, aparentemente inconsciente de que a meros centímetros de sua testa alguém está perfurando minha pele com uma agulha e passando uma linha preta por ela.


Meus olhos já estão cheios de lágrimas, e meu coração está tão machucado pelas perdas de meus amigos que a dor de meu corpo não parece nada mais que algo irritante. O médico enfaixa meu ombro, coloca minha jaqueta de volta sobre ele e apoia meu braço em uma nova e limpa tipoia. — Você está machucado, Monsieur Tabard? — O homem pergunta. Gasapard balança a cabeça torpemente, e o médio se move para o próximo grupo de feridos. Vincent encontra meus olhos. Eu sei que ele está me pedindo para cuidar de Gaspard. Eu cuidarei — Eu digo, sem falar alto — Vá fazer o que você precisa fazer — Vincent fica em pé e começa a arrebanhar o restante das tropas, para jogá-las ao fogo. Enquanto observamos as pessoas se reunindo, eu pergunto a Gaspard — Há quanto tempo você estava com Jean-Baptiste? — Cento e quarenta e nove anos — Ele responde. — Eu sinto muito — Eu murmuro. Não há realmente mais nada que eu possa dizer. Eu não posso dizer que sei como ele se sente. Não seria verdade. Eu sei como e perder os pais, tornar-se órfã. Mas eu não posso me colocar no lugar de um homem que perdeu seu parceiro, a quem amou por um século e meio. Todos aqueles anos vivendo as mesmas experiências, conhecendo as mesmas vitórias e as mesmas derrotas, dividindo a vida. Isso o deve estar destruindo. — Kate, Gaspard — Eu escuto Vincent chamar, e nós ficamos em pé para nos reunirmos ao grupo de bardia diante da fogueira. Oito dos doze bardia de Nova York ainda restam, dois sendo levados nas ambulâncias e dois tendo se perdido nas chamas. Charles está em pé com Uta e quatro de sua tribo. Três foram transportados de volta para La Maison e estarão bons quando se reanimarem. Um deles partiu para sempre. E dos outros trinta bardia que lutaram junto com a gente, seis foram lançados ao fogo. Perto das chamas, o ar é pútrido e carregado com o cheiro nocivo de carne queimando. As pessoas seguram suas mãos no nariz e boca enquanto Vincent fica de costas para o fogo, nos encarando. — Não temos muito tempo antes de o sol nascer, e eu quero todos os traços da batalha apagados e a nossa tribo fora do parque com os primeiros raios de sol. Mas antes, nós temos que honrar aqueles que se sacrificaram hoje — Ele encontra meus olhos. Está se segurando para não chorar. Tentando o seu melhor para ficar forte até terminar sua tarefa. — Entre a tribo de Paris — Ele continua — Perdemos nossa amada Geneviève Emmanuelle Lorieux. Ela morreu em 1943, executada por um pelotão de fuzilamento por ter contrabandeado alimentos e medicamentos para os detidos no campo de Drancy. Geneviève foi uma amorosa e dedicada esposa para Philippe Lorieux, que morreu há alguns meses. Sentiremos a sua falta, Geneviève. Vincent gesticula na direção de Gaspard, que dá um passo para frente para nos encarar — Nós nos despedimos de nosso líder de longa data, Jean-Baptiste Alexandre Balthazar Grimod de la Reynière — Gaspard diz em uma voz vacilante


— Ele morreu sacrificando sua vida por outra pessoa na batalha de Borodino, em 7 se setembro de 1812. Jean-Baptiste era dedicado à preservação de sua tribo, capaz de fazer qualquer coisa para assegurar sua sobrevivência. A face de Gaspard se torce com emoção quando ele diz isso, mas ele força seus ombros para trás e levanta o queixo. Ele puxa alguma coisa de seu cinto e eu reconheço a espada preferida de Jean-Baptiste, coberta com a cabeça de dragão entalhada em madeira. Encarando o fogo, Gaspard diz — Meu querido JeanBaptiste. Meu amor. Eu sofrerei pela sua perda até que estejamos reunidos na próxima vida — E ele joga a espada no fogo. Com esta ação, seus braços caem ao lado de seu corpo e sua cabeça para seu peito, e ele começa a chorar de novo. Arthur corre para o seu lado rapidamente. Colocando um braço em volta dos ombros do revenant, Arthur o leva em direção aos veículos que esperam fora da arena. Um por um, os líderes dos outros grupos honraram àqueles que tinham perdido. Finalmente Vincent falou — Nós agradecemos a todos vocês por virem nos ajudar hoje, e oferecemos a nossa assistência em retorno. A reunião se desfaz e um homem de meia-idade que parece ser da idade de Gaspard se aproxima de mim. Ele tem o mesmo ar nobre que Jean-Baptiste tinha. Ele beija minhas bochechas — Eu sou Pierre-Marie Lambert, de Bordeaux. Foi uma honra lutar ao lado da Campeã. Eu faço a pergunta que estava me intrigando desde que sua tribo aparecera — Como você sabia que deveria vir, logo na hora? Ele sorriu tristemente — Eu diria que estávamos na verdade um pouco atrasados. Se tivéssemos chegado antes, haveria menos perdas de nosso povo. — Mesmo assim, como vocês nos encontraram? — Eu sou o Vidente do meu clã — Pierre-Marie explicou — Eu vi a sua luz dois dias atrás. Quando ela persistiu, eu decidi vir com minha tribo. Nós nos encontramos com os outros no caminho — Ele dá um passo para o lado, permitindo que a próxima pessoa se aproxime. Era o que eu tinha pensado. JeanBaptiste e Uta não tinham sido os únicos videntes a receberem o sinal do Campeão. — Esteban Aragón, Vidente do meu clã em Barcelona — Diz um garoto de cabelos escuros, e depois dele um Vidente da Bélgica se apresenta. Todos eles viram minha luz e a seguiram para ajudar. — Se vocês estão aqui, isso significa o começo de uma era — Diz Uta — Seu trabalho apenas começou. Quem sabe nestes dias modernos sua influência não seja limitada apenas à sua região, como nas histórias anteriores dos Campeões? Eu, pelo menos, estou ansiosa para saber o que o futuro trará com a nova Campeã dos bardia. Ela pende a cabeça em um arco brincalhão, enquanto seus companheiros videntes fazem sons de concordância. Vincent pede para que Uta leve todos para La Maison para se lavarem e colocarem roupas limpas. Finalmente, só eu e Vincent e alguns bardia de Paris sobram na arena deserta.


— Onde está Jules? — Eu pergunto, de repente alarmada. Eu não o vejo desde a cerimônia memorial. — Ele foi embora. Ele disse que é doloroso demais ficar com a gente aqui em Paris. Que ele precisa de um tempo longe antes de poder voltar para uma visita. Ou mais — Vincent diz, suavemente. Eu entendo isso, mas não gosto. Eu gostaria que nós pudéssemos ficar juntos como antes: melhores amigos, não estranhos de coração partido. Mas Jules nunca será um estranho. Eu tenho certeza de que ele voltará. Os sentimentos mudam com o tempo — ou, pelo menos, a dor diminui com o tempo; eu sei disso por experiência própria. Eu posso pensar em meus pais agora sem uma tristeza paralisante. Eu consigo me lembrar deles com gratidão pelo tempo que tive com eles, mesmo que o buraco em forma de pais em meu coração nunca seja preenchido. Vincent me leva para longe do fogo. Ele começa a colocar um braço em volta de meu ombro e depois, vendo a bandagem, hesita — Você está bem? — Ele pergunta, tocando meu ombro, cautelosamente. — Eu não sei, estou? — Eu sigo como uma brincadeira. Mas quando as palavras saem, eu percebo seus múltiplos significados, e fico de repente exausta. Estou bem? Alguma vez eu me sentirei normal de novo? Eu quero abraçar Vincent, mas parece que ele não vai me abraçar de volta, e não apenas pelo medo de me ferir. — Vamos voltar para La Maison — Ele diz. E, pegando minha mão, ele me leva pelo corredor das paredes altas e pelo portão. O carro está parado aonde o deixamos. Vincent começa a abrir a porta do passageiro para mim. — Eu não quero ir para casa ainda — Eu digo. Vincent parece surpreso. — Eu quero dizer, nós não temos que ir, temos? — Eu pergunto — Eu acho que eu quero... Não, eu preciso... Caminhar. Meu estômago está com nós e meu corpo está exausto, mas toda essa emoção — o medo e a dor e o desespero seguidos pelo alívio e exultação — da última hora está contida dentro de mim e me faz ter vontade de correr em vez de caminhar. Pressionando minha mão em sua bochecha, Vincent esfrega meus dedos contra sua pele, fechando os olhos enquanto saboreia o meu toque. Ele prende a minha mão na dele e começamos a caminhar. Quando nos aproximamos do rio, o céu se ilumina de um veludo preto para o aço cinzento da madrugada. Nós atravessamos a rua para caminhar ao longo cais, acima da superfície ondulante da água. — Olhe para onde nós estamos — Eu digo, e aponto em direção a Île SaintLouis no meio do rio, logo a nossa frente. O terraço arborizado onde nós nos sentamos e conversamos no verão passado se projeta para as ondas, partindo do Rio Sena em dos rios, um em cada lado da ilha. Dois rios paralelos que se reúnem na outra ponta da Île de la Cité, mais uma vez se tornando um. Eu paro de andar e Vincent olha para mim, centenas de perguntas em seus olhos — Você pode me dizer no que está pensando? — Eu pergunto.


Ele olha para cima na direção da água — Eu estava com tanto medo quando você estava naquela arena com Violette — Ele diz com um tremor na voz — Quando ela te esfaqueou, parecia como se eu tivesse sido esfaqueado. Eu queria proteger você. E então pela primeira vez eu percebi que mesmo que ela tivesse matado você, você voltaria. Contanto que eu mantivesse seu corpo longe do fogo, você seria reanimada. Que você é como nós agora, como eu. Isso foi uma revelação. — Mas você sabe disso há dias — Eu digo. — Eu sei. Mas não tinha caído a ficha até que eu a visse lá, encarando a morte. — E o fato de eu ser como você agora faz com que você se sinta diferente sobre mim? — Sim. Uma pontada de apreensão faz com que eu desvie o olhar para a água — Você acha que isso será um problema para nós? — Não, Kate. Você não entende — Vincent diz, colocando as mãos cuidadosamente em meus ombros — Meus sentimentos por você não estão diferente. Mas todo o resto está. Como eu disse, o que aconteceu com você é algo que eu nunca desejei. Eu não quero que você tenha que suportar os fardos de um revenant. Eu não quero vê-la submetida ao nosso destino, à obsessão, ao desejo, à dor dos ferimentos e à morte. Ele escova para trás alguns fios de cabelo que escaparam de meu rabo de cavalo — Mas isso não importa. É o seu destino. Agora você está aqui. Agora você é uma de nós. E agora que nós estamos bem em nosso caminho para destruir nossos inimigos, graças a você, não há nada em nosso caminho. Eu recebi o desejo de meu coração, e eu apenas não sei o que fazer com isso. Eu estou quase com medo de acreditar que é verdade, e alguém me sacudir e dizer que eu estou sonhando. — Não é um sonho. Eu estou aqui com você — Eu digo — Pelo que parece ser um longo tempo. Sobre os ombros de Vincent, um brilho alaranjado queima na borda do céu. Eu me aproximo dele, até que não há espaço sobrando entre nós e meu peito toca o dele. E enquanto nós nos beijamos, o sol aparece no horizonte e incendeia o rio, suas ondas tremeluzindo em vermelho nas primeiras luzes do dia. A vida muda tão depressa. Há não muito tempo atrás eu estava em luto pela morte de meus pais e pensando se poderia passar para o próximo dia. Agora a eternidade foi dada para mim. E não em uma bandeja de prata, mas em um caminho forrado de dor e derramamento de sangue. Mas eu caminharei por ele com minha tribo. Com esse garoto que eu amo. Juntos, faremos algo digno e bom. Daremos as nossas vidas pelos outros. Repetidamente. Eu não tenho respostas para todas as questões que estão espalhadas em minha frente. Mas Vincent e eu temos tempo para descobri-las. Todo o tempo do mundo.


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