Golpe Civil Militar e Ditadura na Paraíba

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Políticas no Século XX e do Grupo de Pesquisa História Política - Culturas políticas na História. Atualmente, é presidente da Comissão da Verdade da Paraíba. rodrigo Freire de Carvalho e Silva é doutor em Ciências Sociais pela UnB, com estágio de doutorado-sanduíche na Universidad de Chile. É mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e licenciado em História pela Universidade Federal da Paraíba. É Professor Adjunto de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais da UFPB, participando do grupo de pesquisa “Partidos Políticos e Eleições”. É docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas (PPGDH / CCHlA) e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRoDEMA), ambos da UFPB. Atualmente, é vice-diretor do Centro de Ciências Humanas, letras e Artes (CCHlA) da UFPB e integra a Comissão da Verdade de João Pessoa. o presente livro é uma contribuição ao debate sobre os 50 anos da instalação da ditadura civil-militar de 1964 no Brasil. Mais especificamente, trata da repercussão desta ditadura no estado da Paraíba, com a repressão que então se instalou desarticulando um cenário de mobilização social democrática, atingindo diversos atores sociais e inaugurando um período violento, de ampla violação dos direitos humanos. Nos últimos anos, como tentativa de superar este triste legado autoritário, a sociedade brasileira tem conseguido vários avanços no sentido da construção de uma cidadania democrática. Dentre estes, destacamos a instalação das diversas Comissões da Verdade e do marco legal da transparência pública, que também são temas deste livro. os artigos que compõem este livro são todos de pesquisadores dedicados a estas temáticas, que são aqui trabalhadas sob os vieses de distintas disciplinas. Acreditamos que, com esta publicação, contribuímos para construir uma memória democrática sobre este período triste da História do Brasil. Para que nunca mais aconteça.

ISBN: 978-85-237-0862-7

9 788523 708627

Golpe Civil-Militar e ditadura na paraíba

História, memória e construção da cidadania

História, memória e construção da cidadania

Golpe Civil-Militar e ditadura na paraíba

Eder Dantas Paulo Giovani Antonino Nunes Rodrigo Freire de Carvalho e Silva Organizadores

Éder da Silva dantaS, Historiador, Mestre em Ciências Sociais e Doutor em Educação pela UFPB. Professor Adjunto do Departamento de Psicopedagogia/UFPB e ex-coordenador do curso. Professor do Mestrado Profissional em Políticas Públicas, Gestão e Avaliação da Educação Superior – MPPGAV, compondo a linha “Políticas Públicas de Gestão e Avaliação”. Membro do Grupo de Estudos em Processos de Aprendizagem e Diversidade e do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Políticas Públicas. Pesquisador na área de gestão da educação. Ex-dirigente da Associação Nacional de Política e Administração de Educação - ANPAE/ PB e do Fórum Estadual de Educação - FEE/PB. Ex-dirigente da Escola de Gestores da Educação Básica - MEC/ UFPB. Atualmente é Secretário Especial da Transparência Pública do município de João Pessoa/PB. Presidente do Conselho Municipal de Transparência Pública e Combate a Corrupção da mesma cidade e membro do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente - CMDCA.

PAUlo GioVANi ANToNiNo NUNES, Pós-Doutor em História pela UFMG , Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco, Mestre em Ciências Sociais, Bacharel em História e Comunicação Social pela UFPB. É professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em História, bem como na graduação em História, da UFPB. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em História do Século XX (GEPHiS20), na linha de pesquisa Estruturas Econômicas e Culturas

Eder Dantas Paulo Giovani Antonino Nunes Rodrigo Freire de Carvalho e Silva (Org.)


Golpe Civil-Militar e ditadura na paraíba:

história, memória e construção da cidadania


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Eder Dantas Paulo Giovani Antonino Nunes Rodrigo Freire de Carvalho e Silva (Organizadores)

Golpe Civil-Militar e ditadura na paraíba:

história, memória e construção da cidadania

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Golpe civil-militar e ditadura na Paraíba: história, memória e construção da cidadania / Elder Dantas, Paulo Giovani Antonino Nunes, Rodrigo Freire de Carvalho e Silva, organizadores.- João Pessoa: Editora da UFPB, 2014. 344 p. ISBN: 978-85-237-0862-7 1. História - Paraíba. 2. Golpe civil-militar – Paraíba. 3.Ditadura – memórias – Paraíba. I. Dantas, Elder. II. Nunes, Paulo Giovani Antonino. III. Silva, Rodrigo Freire de Carvalho.

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SuMÁrio apreSentaÇÃo ................................................................. 07 SeSSÃo 1: GOLPE CIVIL-MILITAR E RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA 1

pedro GondiM: UM GOVERNADOR ENTRE DEUS E O DIABO Monique Cittadino ......................................................................... 13

2 o antiCoMuniSMo no “A IMPRENSA”: IGREJA .............. CATóLICA E GOLPE CIVIL-MILITAR nA PARAíbA ............... Dimitri Sobreira ............................................................................. 33 3

o partido CoMuniSta braSileiro na paraíba: LUTA DE MASSAS ENTRE A DEMOCRACIA E O AUTORITARISMO Rodrigo Freire de Carvalho e Silva .........................................62

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Golpe Civil-Militar na paraíba: REPRESSãO E LEGITIMAÇãO Paulo Giovani Antonino Nunes ................................................78

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priSÃo e deSapareCiMento de pedro ...................... Fazendeiro CoM o Golpe Civil-Militar de 1964 Janicleide Martins de Morais Alves ..................................... 119

6

CaMpina Grande (1964-1968): UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO CAMPINENSE Érica Lins Ramos......................................................................... 140

7

MeMóriaS da ditadura Militar: O MOVIMENTO bRAsILEIRO DE ALFAbETIzAçãO (MObRAL) COMO ........ REFERênCIA (1967-1985) Mª Elizete G.Carvalho, Mª das Graças da Cruz Barbosa e Luciana Martins Teixeira dos Santos .............................. 173


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a HiStória Contada pela MúSiCa Ruy Leitão ......................................................................................... 202

6

ConStruindo a iMportânCia polítiCa: ..................... MOVIMENTO ESTUDANTIL EM JOãO PESSOA nO COnTExTO DA REDEMOCRATIzAçãO (1976-1979) Talita Hanna Cabral Nascimento .......................................... 242

SeSSÃo 2 ACESSO à INFORMAÇãO, DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA 1

ditadura Militar na paraíba: DOCUMENTOS E MEMóRIAS Lúcia de Fátima Guerra Ferreira .......................................... 263

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MeMória, deMoCraCia e aCeSSo a inForMaÇÃo .. Éder Dantas ................................................................................... 289

3

arquivo e deMoCraCia inForMaCional Josemar Henrique de Melo ..................................................... 308

4

oS 50 anoS do Golpe Civil Militar de 1964 e a eFetivaÇÃo doS direitoS HuManoS, .................. eConôMiCoS, SoCiaiS, CulturaiS e aMbientaiS Alexandre Guedes ....................................................................... 316

5

a eduCaÇÃo para a Cidadania eM direitoS .......... HuManoS CoMo inStruMento para uMa ................ deMoCraCia partiCipativa Maria José Béchade .................................................................... 327


apreSentaÇÃo Em 2014, completam-se os cinquenta anos do Golpe CivilMilitar de 1964, que implantou uma ditadura de 21 anos no Brasil. No ano que “comemoramos” – no sentido etimológico da palavra, de “lembrar juntos” – esta data, muitos seminários acadêmicos serão realizados, além de eventos políticos de protestos e infelizmente até alguns de apoio. Também será lançada uma vasta bibliografia sobre o tema, com as mais variadas abordagens e enfoques. Se muito já foi escrito, o avanço da pesquisa histórica, a atuação recente das Comissões da Verdade, a progressiva abertura de novos arquivos e as descobertas de documentos até então indisponíveis ao público, no Brasil e no exterior, vêm aprofundando a compreensão historiográfica e política sobre o período. Mesmo assim, em se tratando do acesso à informação – principalmente de arquivos e documentos escritos, mas também de história oral –, muito ainda há que ser feito para se construir uma memória histórica sobre a ditadura instalada no Brasil de 1964 que seja adequada à sociedade democrática que estamos construindo. Desta forma, a pesquisa sobre a Ditadura CivilMilitar no Brasil ainda é um tema em aberto, sujeito a descobertas e inovações, e que está na ordem do dia do debate acadêmico e político. Visando colaborar com a reflexão político-social sobre o tema, necessária ao aprofundamento da democracia e das práticas de transparência e acesso a informação no âmbito de nosso município, a Secretaria Especial da Transparência Pública de João Pessoa, através da Coleção Transparência, publica esta coletânea. O lançamento da Coleção Transparência, já em seu terceiro número, cumpre o papel de oferecer um conjunto de documentos oficiais e publicações referentes às políticas públicas, no intuito de assegurar aos cidadãos e cidadãs o acompanhamento das ações do poder público e o debate democrático em torno de questões

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fulcrais de nossa sociedade. O bom debate, com certeza, fortalece a esfera pública. Sobre o Golpe e a Ditadura no estado da Paraíba, a bibliografia ainda é escassa, assim como também documentos referentes à atuação de diferentes atores políticos e sociais no estado. Esta lacuna está sendo parcialmente preenchida com a criação da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória, que através de Termos de Cooperação trouxe e segue trazendo uma série de documentos para o estado. Mais recentemente, foi criada a Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa, cujos trabalhos ora se iniciam. Outras comissões relacionadas com o tema, seja no âmbito municipal, de autarquias, associações de classe ou sindicatos, serão sempre bem vindas. O presente livro – dentro do espírito da Coleção Transparência – pretende contribuir, juntamente com outros que serão lançados, para suprir essa escassez bibliográfica sobre o tema na Paraíba. Do ponto de vista acadêmico, representa uma agregação de trabalhos desenvolvidos por pesquisadores dedicados ao período, assumindo, assim, múltiplos enfoques. Mas é um livro que traz ainda o compromisso político de, nos termos do Plano Nacional de Direitos Humanos, contribuir com a construção da memória histórica sobre a Ditadura Civil-Militar na Paraíba. Acreditamos que, desta forma, estaremos contribuindo para fomentar o civismo democrático no país, de forma a evitar que períodos de arbítrio, como o retratado neste livro, nunca mais aconteçam. Os textos foram organizados em duas sessões: Golpe CivilMilitar e resistência democrática e; Acesso à informação, direitos humanos e cidadania. Na primeira parte, teremos textos sobre: o anticomunismo da Igreja Católica e o golpe (Dimitri Bichara); a dubiedade do Governo Pedro Gondin (Monique Cittadino); atuação do Partido Comunista Brasileiro na Paraíba (Rodrigo Freire); o golpe, a repressão e o apoio de setores da sociedade civil ao mesmo (Paulo

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Giovani A. Nunes); trajetória, prisão e morte do líder camponês Pedro Inácio de Araújo (Janicleide Alves); atuação do movimente estudantil na cidade de Campina, entre os anos de 1964 e 1968 (Érica Lins); do movimento estudantil em João Pessoa, na época da distensão (Talita Hanna); o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, experiência educacional desenvolvida no Brasil no período da ditadura civil-militar (Maria Elizete G. Carvalho; Maria das Graças da C. Barbosa e Luciana M. T. dos Santos) e uma análise das mensagens das músicas de protesto compostas e cantadas durante a ditadura militar (Rui Leitão). Na segunda parte, teremos textos sobre: a discussão da importância do acesso a documentos e a informação e um diálogo com os documentos existentes na Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS-PB e registros audiovisuais de depoimentos de militantes de esquerda na resistência à ditadura, gerados a partir do Projeto de Extensão da UFPB, “Compartilhando Memórias” (Lúcia Guerra); as políticas de acesso a Informação pública, arquivos públicos, memória e democracia no Brasil recente e, especificamente na cidade de João Pessoa (Eder Dantas); a relação sobre política de direito a informação produzida pelo Estado e a democracia (Josemar Henrique de Melo); a reflexão sobre o legado do Golpe Civil-Militar para a efetivação dos direitos humanos (Alexandre Guedes); e finalmente a discussão sobre a educação para os direitos humanos como um instrumento da construção da democracia participativa (Maria José Bechade). Eder Dantas Paulo Giovani Antonino Nunes Rodrigo Freire de Carvalho e Silva

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SeSSÃo 1

GOLPE CIVIL-MILITAR E RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA



pedro GondiM: UM GOVERNADOR ENTRE DEUS E O DIABO Monique Cittadino1 A discussão do regime militar na Paraíba não pode prescindir da análise da figura do governador Pedro Gondim e do seu papel diante dos acontecimentos desencadeados com o golpe militar do ano de 1964. A bem da verdade, para tal tarefa, obrigatoriamente devemos recuar para o início da década de 60 e discutirmos a conjuntura da sua chegada ao governo paraibano, bem como faz-se mister entender a construção da sua trajetória na política paraibana. Pedro Moreno Gondim nasceu em Alagoa Nova, em 1º. de maio de 1914, filho de um pequeno proprietário rural que, por força de circunstâncias financeiras, perde seu engenho e é incorporado ao funcionalismo público federal (Gondim, 1978, p. 2-3). Gondim fez o curso primário em Alagoa Nova e o secundário em João Pessoa, onde morava com umas tias. Ingressou na Faculdade de Direito do Recife e, com pouco mais de 2 anos, inicia a prática advocatícia como rábula, atuando no brejo paraibano, sobretudo em Areia e Alagoa Nova, para, em 1938, concluir o curso. No momento da redemocratização de 1945 já era bastante conhecido na região, sendo assim convidado por Ruy Carneiro, líder do PSD (Partido Social Democrata), para disputar uma vaga na chapa de candidatos à Assembléia Legislativa Estadual, reelegendo-se em 1950 (Gondim, 1978, p. 12-18). Nesta ocasião, José Américo de Almeida, eleito governador do estado, convida-o

1 Profa. do Depto. de História da UFPB, mestre em Ciências Sociais pela UFPB e doutora em História Econômica pela Universidade de São Paulo.

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para assumir a Secretaria de Agricultura, Viação e Obras Públicas,2 pasta estratégica para o funcionamento da indústria da seca, onde permanece por apenas 7 meses, quando volta para a Assembléia e conclui seu segundo mandato. neste momento, já começam a se definir os grupos sociais que configurarão a base política de sustentação do gondinismo - a classe média e o operariado – e o teor do seu discurso: Acho mesmo que a nossa palavra, os nossos protestos democráticos, a nossa forma de agir sensibilizavam mais a classe média e o proletariado [...] que precisavam mais de cobertura e exaltação democrática, imprimir [sic] uma consciência de cobertura e de exaltação democrática, imprimir [sic] uma consciência de libertação de certos costumes, de certos condicionamentos, levantar um pouco a opinião pública contra a forma de mando, onde o operário, o homem de classe média só tem o direito de ouvir e não de dialogar, de responder (Gondim, 1978, p. 53).

A política populista que, na definição originária de Francisco Weffort (Weffort, 1980, p.63), caracteriza-se não apenas pela perspectiva da existência de um componente manipulador exercido pelas classes dominantes sobre as classes populares, nem pela sua configuração como um mero instrumento através do qual aquelas classes exercem seu domínio sobre estas, mas sim como um modo de expressão das demandas populares e da incorporação de tais grupos aos jogos políticos convencionais, dos

2 A respeito do assistencialismo e do funcionamento da indústria da seca no governo José Américo, vide BARBOSA, Jivago Correa. Política e assistencialismo na Paraíba: O governo de José Américo de Almeida (1951-1956). João Pessoa, Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal da Paraíba, 2010.

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Sessão 1: Golpe Civil-Militar e Resistência Democrática

quais até então eram excluídos, fica nitidamente contemplada na fala de Gondim: E ficava o povo de cada município obrigado a só ouvir, sentir e saber o pensamento e o querer de cada chefe local, sem haver um intercâmbio. Nós também pregávamos a necessidade deste porejamento, desta circulação, fazendo com que a palavra, o pensamento, a mensagem, o comportamento, a crítica pudessem ser não o patrimônio de alguns, só restrito ao meio universitário, ou às grandes cidades, mas que todas estas populações viessem, aos poucos, se integrando nesta forma de ser, de dizer, de criticar, de decidir, de participar pelo bom voto (Gondim, 1978, p. 55).

O fato é que o espaço de atuação política criado após a redemocratização de 1945 foi, para as classes populares paraibanas, muito estreito, para não dizer, inexistente. Diante da adversidade da conjuntura econômico-social paraibana, que excluía as classes trabalhadoras do mercado de trabalho e obrigava-as a uma sujeição absoluta frente ao bloco agro-industrial, as possibilidades de sua organização e de sua incorporação aos quadros da política partidária convencional mostravam-se extremamente limitadas. Em contrapartida, se afastadas da participação política via processo partidário, restava ainda, naquele momento, um outro espaço possível de atuação para as classes trabalhadoras, qual seja, a política populista. A emergência de uma política populista em um estado eminentemente agrário como a Paraíba, onde as atividades industriais eram extremamente incipientes, é, aparentemente, um paradoxo.3 Entretanto, analisando-se os dados relativos ao aumento da população urbana entre 1940 e 1960, percebe-se que o de3 A respeito da evolução conceitual do termo populismo, sua caracterização, bem como a crítica feita pela historiografia a este conceito, vide FERREIRA, Jorge (Org.). O populismo e sua história. Debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

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senvolvimento do populismo na Paraíba não foi um fenômeno excepcional. O que foi excepcional é que o populismo na Paraíba não foi movido, como nos estados do centro-sul, pelo avanço do processo de industrialização que atraía uma ampla massa de trabalhadores para os centros urbanos. Aqui, onde a participação da população trabalhadora em atividades industriais ao longo dos anos 40-60 praticamente não sofre alterações, o populismo só pode ser entendido a partir das transformações processadas no campo que impulsionaram o êxodo rural levando, desta forma, à constituição de núcleos urbanos periféricos e marginalizados. Assim sendo, o desenvolvimento das massas urbanas e, consequentemente, a possibilidade de surgimento de uma política populista no estado deu-se, portanto, em função das transformações verificadas na estrutura social do campo que acompanharam o processo de modernização do espaço agrário e não em torno de um crescimento do nível de industrialização do estado. Em 1955, por ocasião das eleições para o governo do estado, as principais lideranças políticas paraibanas, congregadas no PSD e na UDN (União Democrática Nacional) promovem a chamada “pacificação”, com a apresentação de uma chapa única formada por um integrante de cada partido. Assim, no momento em que conclui seu segundo mandato como deputado estadual, Pedro Gondim foi indicado pelo PSD para a vice-governança, enquanto que a cabeça da chapa ficou nas mãos da UDn, na pessoa de Flávio Ribeiro Coutinho, tradicional proprietário rural da zona do Várzea do Paraíba, de idade já avançada e saúde deteriorada. Desta forma, em janeiro de 1958, em consequência do impedimento do governador Flávio Ribeiro de permanecer à frente do cargo por motivo de agravamento do seu estado de saúde, Gondim assume a chefia estadual, aí mantendo-se até março de 1960, momento em que deixa o governo a fim de não se

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ver impedido de candidatar-se ao mesmo cargo nas eleições que ocorreriam em outubro daquele ano.4 Ao deixar o governo, Gondim deixa também o PSD. O fato é que a chefia partidária, então exercida pelo senador Ruy Carneiro, tinha como candidato ao governo seu próprio irmão, o deputado Janduhy Carneiro, o que não abrigava, portanto, as aspirações gondinistas. Em consequência destas posições inconciliáveis, o partido decide pela expulsão de Gondim de suas fileiras, ao que o ex-governador responde com a célebre frase “prefiro ser expulso por rebeldia a ser condecorado por subserviência”, que se transformará em um dos principais slogans de sua campanha. Incorporado ao discurso de campanha do candidato Pedro Gondim, a ideia de ruptura era explorada de forma ostensiva, sempre associada a representação de coragem e resistência. As “célebres” palavras proferidas no telegrama enviado por Gondim ao partido, em resposta a sua “expulsão”, transformam-se em um slogan de efeito para sua candidatura. Efeito principalmente no que diz respeito ao simbolismo que desencadeia, visto que a contestação aos abusos e aos desmandos produz a evocação de valores pertencentes a sociedade e já cristalizados em seus códigos morais e culturais. A frase de Gondim: “Prefiro ser expulso por rebeldia a ser condecorado por subserviência”, convidava todos os paraibanos a posicionarem-se contra o PSD, contra Janduhy e Ruy, e, rebeldemente, demons4 Os fatos ocorridos na política paraibana entre 1955 e 1958 podem ser vistos em RIBEIRO COUTInHO, Marcos Odilon. Poder, alegria dos homens. João Pessoa: Gráfica A Imprensa, 1965; GONDIM, Pedro Moreno. Pedro Gondim (depoimento; 1978). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas: CPDOC, 1989; SYLVESTRE, Josué. Nacionalismo e coronelismo. Fatos e personagens da história de Campina Grande e da Paraíba (1930-1945). brasília: senado Federal-Centro Gráfico, 1982; ZENAIDE, Hélio. “Pedro Gondim: ascensão e declínio de uma liderança popular”. IN SILVA, Pontes da; MELLO, José Octávio de Arruda; SANTOS, Walter (Orgs.) Poder e política na Paraíba. Uma análise das lideranças. 1960-1990. João Pessoa: API/A União, 1993, pp. 131-164; CITTADINO, Monique. Populismo e golpe de estado na Paraíba (1945-1964). João Pessoa: UFPB/Idéia, 1998.

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trarem sua força e altivez no pleito de outubro (Araújo, 2009, p. 36).

Vitorioso nas eleições que se configuraram em um dos pleitos mais disputados e agitados da história republicana paraibana, é num momento de extrema crise política e de grande agitação popular que se inicia o segundo governo Pedro Gondim. A mobilização popular, crescente ao longo dos anos 50, radicalizou-se a partir do final da década, quando as forças populares na Paraíba se aproveitaram dos espaços da política populista para mobilizar-se em função de seus reais interesses. Indiscutivelmente, coube ao movimento camponês a vanguarda neste processo, que teve como marco inicial a organização dos primeiros núcleos das Ligas Camponesas no estado.5 Em 1958, após o fracasso da tentativa ocorrida em 1954, criou-se, na cidade de Sapé, a Associação dos Trabalhadores e Lavradores Agrícolas da Paraíba, conhecida como Liga Camponesa de Sapé, que passou a ser um foco irradiador do movimento camponês na Paraíba. De Sapé, as Ligas irradiaram-se pela região do Agreste, atingindo o Litoral e perfazendo um total de 15 entidades com cerca de quarenta mil sócios. A Liga de Sapé foi a mais poderosa do Brasil, chegando a perfazer um total de 13.000 membros, seguida pela de Mamanguape, com 10.000. A respeito da mobilização popular urbana, observa-se, desde o final dos anos 50, uma articulação envolvendo grupos políticos como a Seção Paraibana do Movimento Nacionalista Brasileiro, criada em 1957; associações estudantis secundaristas e universitárias, a exemplo da União dos Estudantes da Paraíba (UEEP) e da Associação dos Estudantes Secundaristas da Paraíba (AESP); trabalhadores urbanos 5 Para a análise sobre as Ligas Camponesas na Paraíba, nos centramos nos trabalhos de AUED, Bernadete W. a vitória dos vencidos. Partido Comunista Brasileiro e Ligas Camponesas (1955-64). Campina Grande: Dissertação de Mestrado, 1981 e BENEVIDES, Cezar. Camponeses em marcha. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

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que, aproveitando-se do clima geral de mobilização social e política, avançaram em sua organização classista, chegando a levar até o interior do estado o processo de sindicalização, com a transformação em sindicatos de diversas associações profissionais existentes; e integrantes da sociedade civil paraibana a exemplo da Associação Paraibana de Imprensa (API). Grupos distintos, mas que tinham como núcleo articulador as bandeiras do movimento camponês. Contando, portanto, com a participação de estudantes, intelectuais e jornalistas, de operários e líderes sindicais urbanos, de profissionais liberais e políticos de esquerda, vinculados às teses nacionalistas e reformistas, o movimento camponês selará, no estado, a aliança política popular, congregadora de todas as forças progressistas do estado. E o ano de 1962, em grande parte sofrendo as repercussões e os desdobramentos da morte de João Pedro Teixeira6 , uma das principais lideranças das Ligas Camponesas, marcará o clímax da mobilização e tensão social na Paraíba, inserindo o estado no contexto de efervescência nacional dos primeiros anos da década de 60. Portanto, nessa conjuntura local de grande agitação popular, rural e urbana, observamos que durante a fase inicial (1961-1963) do governo (que se estende de 1961 até janeiro de 1966), Gondim permanece fiel aos princípios populistas através dos quais foi eleito chegando, inclusive, a permitir o avanço desse populismo em direção ao meio rural paraibano. Podemos dizer que o marco inicial deste processo se dá em 1962, ano extremamente agitado na Paraíba, e que ficou marcado pela ocorrência de numerosas mobilizações sociais, sobretudo as evidenciadas no campo. Diante desse crescendo da mobilização camponesa, Gondim manteve uma posição de tolerância e compreensão e seus pronunciamentos a respeito da questão agrária 6 A respeito do episódio do assassinato de João Pedro Teixeira, ocorrido no município de Sapé, por ordem de latifundiários da região, e das consequências para os integrantes de sua família, vide o documentário “Cabra marcado para morrer”, do cineasta Eduardo Coutinho, de 1985.

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no Nordeste revelam claramente um aspecto de identificação com as reivindicações dos trabalhadores rurais, por ele consideradas legítimas, e de condenação da estrutura agrária então vigente. Isto pode ser percebido pela leitura do trabalho sobre a economia paraibana, apresentado pelo governador no ciclo de estudos do INES (Instituto Nacional de Estudos Superiores), realizado em janeiro de 1962, oportunidade em que condenou o latifúndio no Nordeste: “O atual regime da terra é um convite à agricultura extensiva, à baixa produtividade, à ação predatória do homem e, pior do que tudo, às relações de trabalho tipicamente feudais, semi-escravistas e desumanas”. Pedro Gondim, ainda neste trabalho, apresenta dados sobre o crescimento da concentração fundiária no estado, sobre as péssimas condições de vida e de trabalho dos trabalhadores rurais e conclui mostrando as conseqüências disso em termos de organização das Ligas Camponesas: Na Paraíba, mais de 14 mil lavradores e trabalhadores rurais já buscaram a incipiente organização das ligas camponesas como forma associativa de condução da defesa de seus interesses. E essas sociedades civis não se transformaram em faces de agitação subversiva porque a política do Governo tem sido, até agora, a de admiti-las dentro de uma filosofia realista nas limitações permitidas pelo grau de maturidade social e política, como grupos de pressão democraticamente formados. Na verdade não se poderá cuidar dos agudos problemas do Nordeste sem tratar primeiro de incorporar à força do trabalho de uma legião desventurada de famintos, retirados de qualquer participação na vida da comunidade brasileira. Não devemos deixar que eles permaneçam nessa remota idade político-econômica

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quando, no Brasil, São Paulo já vive, felizmente, todo o fulgor do século industrial moderno. (a união. João Pessoa, 28 de janeiro de 1962, p.8).

Este pronunciamento reflete bem a concepção do governador acerca das Ligas Camponesas: um instrumento legítimo para a organização classista dos trabalhadores rurais. Em março de 1962, após o conflito registrado no Engenho Miriri (Mamanguape), envolvendo camponeses e vigias da propriedade e que resultou em três mortos e vários feridos, sendo dois dos mortos vigias dos proprietários (Mello, 1976), Gondim em uma entrevista a um programa de televisão, afirmou que considerava as Ligas Camponesas um fenômeno natural decorrente de uma luta entre o legal e o justo: “...o legal ao lado dos proprietários de terras amparados pela lei; o justo no que reivindicam os camponeses. Resta o Congresso dar o legal ao justo”. (a união. João Pessoa, 23 de março de 1962, p.3). Esta mesma concepção está presente em uma entrevista dada ao jornal A Gazeta de São Paulo em dezembro de 1963: Em princípios, não temos porque vislumbrar em qualquer movimento, amplo e sistemático de organização de classe, objetivo ou prenúncios revolucionários. Deve representar, antes, consciência de posição e processo de autodefesa [...] A discriminação para excluir ou cercear, nos operários rurais ou camponeses, o direito de representação, arregimentação e defesa classista, não teria sentido legal nem explicação humana. Obrigá-los a ficar parados e mudos, desassistidos e aflitos, meros portadores de direitos naturais ou potenciais, como elementos de observação e de estudos de terceiros, no aguardo de que um dia as demais classes, prévia e integralmente

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atendidas, deles se lembrem, por eles falem e para eles legislem, seria exigir ou mesmo subestimar demais, sabido, sobretudo, que nenhuma assim se comportou, nesse estado contemplativo, quase sobrenatural de expectativas e de confiança (Gondim, 1964, p. 211-212).

Assim sendo, a atitude inicial de Gondim frente à ocorrência dos primeiros conflitos mais sérios envolvendo camponeses e proprietários pautava-se na concepção de legitimidade das Ligas e, neste sentido, caracterizava-se pela rejeição ao uso da repressão e da violência contra o movimento. Essa postura de Gondim também é expressa pelo jornal A União, cujo editorial do dia 24 de fevereiro de 1962, intitulado “O Governo e o Problema Agrário”, reproduz a resposta dada por Gondim aos representantes das classes patronais, no início de sua gestão à frente do Governo. Segundo o editorial, Gondim disse que: o problema da mobilização camponesa excluía-se das atribuições policiais, representando efetivamente, um estado de tensão social, cuja solução, que não pode ser da alçada repressiva da polícia, mas de medidas mais radicais que venham reformar em termos sociais o inquietante problema. (A União. João Pessoa, 24 de fevereiro de 1962, p.1).

Nesse mesmo editorial, o jornal enfatiza que, por iniciativa de Francisco Julião, a Assembléia Legislativa de Pernambuco deu um voto de aplauso a Gondim pela isenção policial em relação às Ligas e à ocorrência de um movimento de ocupação de terras devolutas do Estado pelos camponeses e, “...compreendeu democraticamente como uma simples conseqüência de um problema social de raízes profundas, cujo tratamento jamais

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deverá ser tentado pela repressão miliciana”. (A União. João Pessoa, 24 de fevereiro de 1962, p.3). Os sucessivos editoriais de A União, ao longo do ano de 1962, expondo a linha de análise do jornal não deixam margens a dúvidas sobre a tendência do governo.

O Equilíbrio da Miséria: [...] Ninguém pode cogitar do desenvolvimento econômico do Nordeste, da valorização efetiva de seu potencial humano, da implantação de novas e melhores condições de vida, sem a coragem de proclamar que, antes de tudo, estamos precisando de um plano audacioso capaz de modificar a estrutura da situação, com vistas à construção de uma ordem inteiramente nova. A questão não é só de reparos. Só um balanço geral da situação, a aceitação entusiástica de uma concepção mais avançada de problemas sociais, poderão dar ao Nordeste um processo humano e democrático de crescimento econômico, conjugando novas forças ao invés de associal [SIC] debilidades que acabaram instituindo um verdadeiro sistema equilibrado e autônomo de misérias. (A União. João Pessoa, 13 de janeiro de 1962, p.3). Há Governo na Paraíba: [...] O homem do campo tem tanto direito a lutar por melhores condições de vida, para si e para sua família, quanto os operários e trabalhadores urbanos, já amparados pelas leis trabalhistas e pela Previdência Social. A luta é, portanto, legítima e legal. Ninguém lhe pode negar o direito sagrado de reunião, de associação, de sindicalização, de unificação de classe, para a reivindicação e conquista dos benefícios coletivos e do

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amparo social, que lhe garantam melhores condições de existência. Reforma social, reforma agrária, direito de sobrevivência e de subsistência, luta reivindicatória por melhores condições de vida, não se combatem com espancamentos, com violências, com chacinas, com o derramamento de sangue de irmãos, numa fabricação inconsequente e macabra de vítimas e de mártires. (A União. João Pessoa, 13 de setembro de 1962, p.3).

Vinculado, portanto, a essa postura de rejeição ao uso da violência contra as manifestações dos camponeses, o Governo procura adotar a difícil posição de relativa imparcialidade na qual a resolução dos conflitos se desse através de medidas judiciárias, ou seja, pelo respeito às leis. Por exemplo, em conseqüência das repercussões do conflito registrado entre camponeses e vigias do Engenho Miriri e das acusações lançadas pelos proprietários rurais de omissão por parte do governo, o secretário Sílvio Porto é obrigado a ir à Assembléia Legislativa prestar declarações sobre a posição do governo. Lá ele reafirmou que: o poder público, na Paraíba, especialmente o setor da Segurança Pública, não se tem distanciado, nem se omitido, nas alterações e lutas desencadeadas entre as Ligas Camponesas e os Proprietários Rurais.[...] As questões da terra, como estão se processando em todo o nordeste e em vários estados do sul, estão afetas ao Poder Judiciário, escapando à alçada policial [...] Não serão, portanto, medidas policiais e de força que possam resolver os ingentes problemas dos camponeses sem terra e dos proprietários rurais [...] A ação do Governo deve merecer os aplausos de todos os paraibanos, pois a nossa polícia não está fuzilando, nem desrespeitando o direito dos cidadãos, mas colo-

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cada numa posição de equidistância, para garantia e manutenção da ordem e da legalidade. (A União. João Pessoa, 20 de março de 1962, p. 3 e 7).

Na verdade, a posição do Governador, não muito demarcada e definida, em uma tentativa de manter-se como árbitro entre as classes litigantes, como ele mesmo define (Gondim, 1978, pp. 144 e 171), deve ser analisada tendo-se em vista a composição populista que o elegeu, assim como a sua disposição em governar no centro dessa política populista. Gondim, ao sair do PSD, lança-se candidato pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), ingressando posteriormente no PDC (Partido Democrata Cristão). Contudo, foi feita uma composição com a UDN, partido de feições nitidamente conservadoras e que naquele momento não tinha condições de lançar um candidato próprio capaz de derrotar o esquema pessedista e que apela para a aliança com o populista Gondim a fim de chegar ao poder. Assim, a UDN indicou o nome do vice-governador, André de Paiva Gadelha, grande proprietário do sertão paraibano, bem como contribuiu com toda sua força junto aos currais eleitorais do interior do estado. E como Gondim não dispunha de uma máquina partidária capaz de assegurar sua vitória aceita o apoio udenista. Entretanto, mesmo contando com o apoio partidário da UDN, ele não poderia prescindir do apoio das forças populares e de esquerda, que se tornaram a base de sua campanha e que irão desempenhar um significativo papel ao longo da fase inicial de seu governo. Usando uma expressão popular que reflete a ambigüidade da posição populista de Pedro Gondim, Joacil de Brito Pereira assim caracteriza o governador: “Ele acendia uma vela a Deus e outra ao Diabo.”7

7 Depoimento de Joacil de Brito Pereira à autora, em 05 de janeiro de 1995. Uma expressão similar também foi usada pelo ex-governador Clóvis bezerra para definir a posição de Gondim, em depoimento à autora em 3 de fevereiro de 1995.

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O fato é que Gondim exerce seu governo encurralado entre a crescente pressão dos trabalhadores rurais e das forças de esquerda e os compromissos com os grupos agrários tradicionais do estado, o que fazia com que a margem de conciliação de Gondim fosse extremamente reduzida. A impossibilidade de atingir este difícil ponto de equilíbrio reflete-se nas respostas dadas pelos seus interlocutores (tanto os grupos de esquerda quanto os latifundiários) que ora o aplaudem e ora o criticam. As forças políticas vinculadas às esquerdas, em diversas vezes expressaram-se reconhecendo a posição do Governador do Estado frente às suas propostas: a Federação das Ligas Camponesas, a API e o PSB aplaudem Pedro Gondim por ele ter enviado a Jango e Tancredo mensagem de que se realizassem, com urgência necessária, esforços no sentido da adoção das reformas de base (A União. João Pessoa, 28 de abril de 1962, p.1); os trabalhadores de Brasília enviaram mensagens de aplauso a Pedro Gondim pela sua posição em relação ao problema camponês na Paraíba (A União. João Pessoa, 12 de junho de 1962, p. 8); a Liga Camponesa do Cruzeiro em Campina Grande comunicou estar satisfeita com o pronunciamento corajoso de Jango e com o discurso sincero de Gondim por ocasião da visita do Presidente à Paraíba (A União. João Pessoa, 3 de agosto de 1962, p.7) e, em comício no ponto de Cem Réis, já no final de 63, líderes do movimento operário-camponês-estudantil na Paraíba, exaltaram a posição do governador por ter-se recusado de transformar a polícia em instrumento de opressão contra o direito da livre manifestação dos trabalhadores no campo. Nesse comício, todos os oradores repudiaram os ataques que ele vinha recebendo na Assembléia. (A União. João Pessoa, 21 de dezembro de 1963, p.3). Entretanto, em diversas outras ocasiões, estas mesmas forças tecem severas críticas, acusando Gondim de cumplicidade com os grandes proprietários ao deixar que os seus grupos -26-


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de capangas agissem livremente. Por exemplo, por ocasião do espancamento de Assis Lemos e Pedro Fazendeiro, em 11 de setembro de 1962, em Itabaiana, por membros da família Veloso borges, José Joffily acusa Gondim: “Admite-se tolerância com inépcia administrativa, porém jamais com a violência perpetrada com a complacência ou cumplicidade da suprema autoridade do estado”. (A União. João Pessoa, 23 de setembro de 1962, p.8). Por outro lado, os grandes proprietários criticavam o governo por não estar policiando devidamente as áreas em conflito, permitindo que ocorressem movimentos armados dos camponeses. Segundo Hélio Zenaide, diversos representantes da UDN, insatisfeitos com as declarações e os direcionamentos de Gondim em relação ao problema agrário, procuraram afastar-se do governador, isolando-o politicamente.8 Na Assembléia Legislativa Estadual, registravam-se queixas contra a posição de Gondim: Alguns deputados mais exaltados estendiam as suas críticas às autoridades federais e estaduais responsabilizadas pelo apoio que vinham dando às ligas, consideradas por muitos como instrumento de agitação social, em permanente pregação esquerdista, com sérios perigos para as instituições democráticas (Mariz, 1987, p. 146).

Se a posição de equidistância tentada por Gondim ao longo dos anos 61-63 demonstrou ser de difícil concretização, com os acontecimentos verificados entre o final de 1963 e início de 1964, tal situação inviabilizou-se por completo. Os conflitos sociais, após terem permanecido latentes durante o ano de 1963, voltaram à cena com redobrada força, dando uma idéia dos níveis da tensão sócio-política presente no estado às vésperas da eclosão 8

Entrevista de Hélio Zenaide à autora, em 23 de maio de 1994.

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do golpe. Foram conflitos que se iniciaram em novembro de 1963, com uma manifestação envolvendo estudantes secundaristas e universitários que reivindicavam o respeito ao abatimento nas passagens de ônibus, mas que, com a repressão policial que se abateu, resultou num sério embate com o governo estadual. Em seguida, nos primeiros dias de 1964, registrou-se um sangrento conflito envolvendo camponeses e proprietários na região do brejo, num episódio que ficou conhecido como a “Tragédia de Mari” e que teve como desfecho a morte de 11 pessoas e a presença de diversos feridos. Logo após, um novo conflito em torno da notícia da visita do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, envolvendo estudantes e grupos de esquerda e membros das classes conservadoras, tomou lugar na Praça João Pessoa e na Faculdade de Direito, o que exigiu a intervenção tanto do Exército quanto da Polícia Militar. Estes três episódios são emblemáticos da transformação que já vinha se processando no relacionamento entre o Governo e as forças de esquerda e que se consolida a partir dessas ocorrências: eles funcionam como um marco decisivo do esgotamento do populismo gondinista, o que se consubstancia no afastamento de Gondim das forças populares e de esquerda do estado e no seu aprisionamento absoluto às classes conservadoras. Diante desse quadro de radicalização social, marcado pelo crescimento das manifestações de insatisfação popular e pela feroz intolerância dos grupos conservadores e, considerando-se a fragilidade genética do seu partido, o PDC, incapaz de propiciar-lhe sustentação e apoio nesse momento de (in)definições, Pedro Gondim percebe a impossibilidade da manutenção de um esquema político próprio, que o permitisse manter-se independente e soberano em relação à pressão das classes sociais e faz, intuitivamente, uma opção que talvez fosse a única capaz de garantir a sua sobrevivência política e, quiçá, sua -28-


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segurança física, (não podemos esquecer que governadores no campo da esquerda, a exemplo dos nordestinos Seixas Dória e Miguel Arraes foram não só destituídos do governo, como também presos): rompe definitivamente com as forças de esquerda, isolando-se daquela que foi, durante algum tempo, a base de apoio capaz de garantir-lhe sua autonomia política, independência sua posição de líder emergente, conquistada nas eleições de 1960 e vê-se jogado em uma situação de profunda fragilidade política, na qual a única perspectiva vislumbrada é a acentuação e o aprofundamento de suas ligações com a UDN e a submissão às pressões exercidas pelas classes proprietárias, tornando-se um refém dos seus interesses. Percebe-se tal movimento já com as medidas tomadas pelo governador em consequência do episódio em Mari, quando Gondim desencadeia um forte esquema repressivo aos camponeses, com o envio de tropas da Polícia Militar, sob o comando do coronel Luiz de Barros para a região entre Sapé e Mari, o que terá como resultado o completo aniquilamento das Ligas Camponesas na Paraíba. Ainda, o governo impede a realização de outras manifestações contestatórias que estavam sendo anunciadas para João Pessoa e outras cidades e reprime de forma exemplar os manifestantes envolvidos com o episódio da Faculdade de Direito. Finalmente, impõe uma radical mudança no aparelho repressor do estado, com a nomeação de oficiais nitidamente anticomunistas para os principais órgãos de segurança do estado. Tais medidas são claros indicativos do novo direcionamento político adotado pelo governo, voltado agora para as forças sociais mais conservadoras. Muito mais do que apenas o reforço da vinculação com as classes conservadoras, o que se percebe a partir desse posicionamento de Gondim é o estabelecimento, anteriormente ao 31 de março, de uma franca sintonia do Governo do Estado com os interesses -29-


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e com o pensamento das Forças Armadas em consequência dos acontecimentos dos primeiros meses do ano. Essa sintonia do governo da Paraíba com o ideário militar vitorioso em 64 torna-se cristalina com a leitura da declaração dada pelo Cel. Bandeira, do serviço secreto do IV Exército sobre a situação da Paraíba: A Paraíba, com a sua região canavieira altamente infiltrada, vinha causando preocupação até o princípio deste ano. Contudo, com o incidente de Mari houve uma mudança. O Governo do Estado teve de agir e, empregando a valorosa Polícia Militar, sob o comando do Coronel Luiz de barros, foi o suficiente para restabelecer a ordem no Estado. De forma que a 31 de março, a Paraíba era um estado pacífico. não havia mais problema. (Correio da Paraíba. João Pessoa, 2 de julho de 1964, p. 1).

Com a eclosão do golpe militar, Pedro Gondim continua à frente do governo concluindo seu mandato em janeiro de 1966, quando transfere o cargo para seu sucessor, João Agripino, da UDN, eleito com seu apoio. Contudo, se a guinada em direção às forças conservadoras da política local e nacional garantiram a sobrevivência política e a integridade física do governador no ano de 1964 e ao longo dos anos imediatamente seguintes, quando chegou a ser eleito deputado federal pela UDN, em 1966. Já em 1968, com a radicalização do perfil repressivo do regime militar, ele cairá nas malhas do AI-5 (Ato Institucional Nº 5), perdendo seu mandato e tornando-se o único governador paraibano a ser cassado pelo regime militar.

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o antiCoMuniSMo no “A IMPRENSA”: IGREJA CATóLICA E GOLPE CIVIL-MILITAR nA PARAíbA Dimitri da Silva Bichara Sobreira1

1 INTRODUÇãO Este texto é fruto do Trabalho Acadêmico de Conclusão de Curso (TACC) de mesmo título que discute o posicionamento da Igreja Católica contra a ideologia comunista, que ganhava espaço no Brasil na década de 1960, através das publicações do jornal A Imprensa, de responsabilidade da Cúria Metropolitana da cidade de João Pessoa. Desta forma entendemos o anticomunismo como uma cultura política, conceito que, segundo Rodrigo Patto Sá Motta (2009), seria: Conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas, partilhado por determinado grupo humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece inspiração para projetos políticos direcionados ao futuro. (2009, p.21)

O anticomunismo na década de 1960 é fundamental para entender o golpe civil-militar dado em 31 de março de 1964. Naquele ano, o então presidente João Goulart, o Jango, dava margens, através de suas ações e discursos, para que os setores mais conservadores da sociedade acreditassem que estava em execução um plano de tomada de poder pelos comunistas no país. Durante todo seu governo, os grupos de esquerda tiveram uma 1

Aluno do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

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grande liberdade para agir, criando organizações (ou fortalecendo as já existentes) e realizando ações como greves, passeatas e comícios, gerando uma perturbação na ordem social e política existente até então. Diante de toda a movimentação da esquerda brasileira que, junto com as propostas de Reformas de Base2 de Jango, ganhavam adesão de uma significativa parcela da população, a direita conservadora passa a atuar no sentido de desqualificar as propostas esquerdistas, relacionando-as com o comunismo, ideologia que dividia o mundo junto com capitalismo no período da Guerra Fria. Não podemos negar que a grande maioria desses grupos recebia influência do comunismo ou da teoria marxista, mas o que será relatado neste texto é um discurso de desqualificação desses grupos de esquerda feita de uma forma simplista, maquiavélica e mal fundamentada. Na Paraíba na década de 1960, os principais grupos de esquerda a serem combatidos eram os sindicatos, os estudantes (secundaristas e universitários), organizações educacionais como a Campanha de Educação Popular (CEPLAR), os membros da própria Igreja Católica, políticos do extinto Partido Comunista Brasileiro (PCB) e as Ligas Camponesas. Veremos como o periódico católico de posiciona perante cada um, fazendo do discurso cristão uma crítica a um posicionamento político. No primeiro tópico discorreremos sobre os grupos urbanos e a organização política do estado. Já na segunda parte faremos um relato sobre o discurso católico contra os movimentos sociais do campo, em especial às Ligas Camponesas.

2 Foi o nome dado à uma série de projetos elaborados pela equipe de governo de Goulart que propunham mudanças na estrutura organizacional brasileira, principalmente nos setores político, fiscal, agrário e educacional

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2 O AnTICOMUnIsMO nA PARAíbA: TRAbALHADOREs, PADRES ESqUERDISTAS E ESTUDANTES Para analisar o anticomunismo na Paraíba na década de 1960 é preciso retroceder um pouco mais no tempo e discutir a situação política que o estado vivia. Segundo Monique Cittadino (1998) no final da década de 1950, Pedro Gondim assume interinamente o governo do Estado. Diferente de seu antecessor, Flávio Ribeiro Coutinho, usineiro, ligado aos grupos latifundiários e filiado à União Democrática nacional (UDn), Gondim coloca em prática um novo estilo de governo, com novas diretrizes mais ligadas ao povo. Cresce então na Paraíba um movimento que era tanto popular como elitista de preferência à candidatura de Pedro Gondim ao governo do Estado nas eleições de 1960, denominado “queremismo”. Com a possibilidade de falecimento do governador afastado, Gondim assumiria o cargo não mais como interino, impossibilitando-o de concorrer às eleições estaduais. Diante dessa situação ele abandona o cargo para concorrer nas próximas eleições. Gondim era a maior revelação política dos últimos tempos na Paraíba, porém sua candidatura pela sua agremiação, o Partido Social Democrático (PSD), não estava certa, visto problemas com o principal líder do partido na Paraíba, Ruy Carneiro. Com a rejeição de seu nome pelo PSD, Gondim se desliga do partido. Filia-se ao Partido Democrático Cristão (PDC), mas mesmo com o apoio do movimento “queremista”, não tinha força política e financeira o suficiente para ganhar uma eleição. Assim, alia-se à União Democrática Nacional (UDN), que, na Paraíba, estava passando por uma crise interna e não tinha condições de lançar um candidato pelo partido.

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Ao longo do seu mandato como governador interino e em campanha pelo pleito estadual, Gondim fez uma série de visitas à fabricas e sindicatos, dialogando com os operários, desempenhando um papel de intermediário entre os trabalhadores e seus patrões, visando o cumprimento das exigências do proletariado. Isso gerou uma identificação das esquerdas com o Gondim. Com sua vitória nas eleições de 1960, o governador eleito estava politicamente alinhado entre as principais forças conservadoras do estado e de uma classe trabalhadora cada vez mais organizada. E diante dessa organização dos trabalhadores e do medo de que isso resultasse em mudanças na estrutura política paraibana, a classe conservadora passou a agir no intuito de desconstruir as lutas da esquerda organizada. Servindo aos interesses da classe conservadora, o A Imprensa segue seu plano editorial de acordo com o plano elaborado pelos 50 principais jornais católicos brasileiros, apresentando “[...] fatos, incoerências, falhas, insucessos do comunismo. Confrontará os países democráticos com os países dominados pelo marxismo.” (A Imprensa, 17 de junho de 1962). Antes de ser um problema paraibano, o comunismo é um problema mundial. Para poder desclassificar os movimentos populares que surgiram no Estado, o jornal cria uma imagem negativa do sistema. Desenhou-se uma linha maniqueísta entre o bem e o mal. Os bons defendem a democracia e a liberdade para os povos do mundo, liderados pelos Estados Unidos, e os maus estão do outro lado da cortina de ferro, junto à URSS. Segundo relato de uma porto-riquenha transcrita pelo A Imprensa, Cuba antes de Fidel Castro “era feliz”. Para ela, na época de Fulgêncio Batista, o país tinha o nível de vida mais alto da América Latina, onde havia abundância na alimentação. “Hoje em dia Cuba não tem alimentos nem água. Nem medicamentos para os doentes, e lá só existe fome, pobreza, miséria, ditadura e paredão.” -36-


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(A Imprensa, 15 de julho de 1962). Segundo o jornal o comunismo seria a vertente totalitária da esquerda3 . Esse comunismo totalitário de atitudes radicais cria elementos nocivos à sociedade. Seus adeptos “são comunistas por maldade, por inveja, porque não podem ver os outros contentes” (A Imprensa, 3 de novembro de 1963). A maldade e a inveja comunista que em 1959 entrou em Cuba, estavam agora entrando no Brasil através dos movimentos populares que cresciam em todo o país. Para o jornal eles se infiltram nas organizações populares e progressistas, “[...] ficando nos bastidores a manejar como fantoches os “soi-disants” socialistas, nacionalistas, progressistas, avançados – quais inocentes (nem sempre) úteis (sempre) do imperialismo russo.” (FERNANDES. A Imprensa, 6 de maio de 1962). Como hábeis espiões, os comunistas se infiltram nas organizações sindicais do país, estudando o contexto econômico e social brasileiro para poder agir. As esquerdas, que tanto defendiam a soberania nacional, para o jornal eram falsos nacionalistas. Faziam uso dos órgãos estatais para o interesse dos comunistas de fora. A Petrobrás transformou-se em casa de emprego e aos nacionalistas não importa nada mais. Depois inventaram a necessidade das relações diplomáticas com a União Soviética e eles se aproximam dos cofres que lhes financiarão as novas mazorcas. [...] Eles querem reformar o rosto da nação, os mascarados. (SCHIMITT, A Imprensa, 11 de março de 1962)

não só a Petrobrás estaria infiltrada pelos comunistas, mas vários sindicatos na Paraíba partilhavam dessa ideologia 3

a imprensa, 06 de janeiro de 1963.

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esquerdista de buscar melhores condições de trabalho. Os principais sindicatos no estado estavam se articulando. Essa organização gerava a quebra da ordem social, como era classificado pelos anticomunistas. Os principais líderes sindicais, que antes exerciam sua representatividade política através do extinto PCB, passaram a atuar em outros partidos. Apesar de importantes figuras da política da Paraíba, como José Américo de Almeida, criticarem a cassação do registro do PCB, para o periódico: “O que quer o comunismo ao organizar-se em partido “legal” é manipular os sofrimentos coletivos como quem usa a matéria prima para obter os mais variados produtos.” (A Imprensa, 13 de maio de 1962, p.1). Com os políticos comunistas atuando nas demais legendas, coube ao padre M. Batista de Medeiros alertar ao eleitor católico sobre os candidatos comunistas: Pode um católico votar em candidatos apoiados por comunistas? Para que não pensem que estou agindo sob influxo de paixão partidária, transcrevo para aqui e na íntegra, um documento pontifício emanado há quatro anos, da sagrada Congregação do santo Ofício: “Foi consultada esta suprema Congregação se é lícito aos católicos, na escolha dos representantes do povo DAR SEU VOTO àqUELES PARTIDOS OU CANDIDATOS QUE, EMbORA nãO PROFEssEM PRInCíPIOs OPOsTOS à DOUTRINA CATóLICA e até mesmo se digam cristãos, todavia, de fato, SE UNEM AOS COMUNISTAS e, pelo seu modo de agir, os favorecem (re tamen comunistis sociantur et sua agendi ratione iisdem favent)” (MEDEIROS, A Imprensa,18 de agosto de 1963, p. 1)

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A Igreja Católica não era unânime no combate a influência comunista na política brasileira. Crescia dentro da instituição grupos de católicos engajados nos movimentos populares. Os “padres comunistas” eram de conhecimento da Arquidiocese paraibana, que procurou desqualificar a atuação desses indivíduos. Os que pertencem a Cristo, não lutam contra si mesmos. [...] Sentem com a Igreja. Agem com a Igreja. Só conhecem e praticam uma doutrina única: a dos Evangelhos, segundo os ensinamentos da Igreja. Catolicismos misturados com comunismo, é apenas um disfarce da tática nova, de propagar um erro marxista de uma forma indireta, através dos que dizem pertencer... (TELLES, A Imprensa, 14 de novembro de 1962, p. 6)

Para os conservadores, não havia possibilidade do catolicismo estar junto ao comunismo. O leitor, segundo o jornal, deve ficar atento aos padres que professam a fé em nome do comunismo, pois eles não falam pela Igreja4 . Mas o jornal não emitia apenas opiniões conservadoras radicais. O periódico procura ponderar a atuação desses clérigos junto aos movimentos populares. Esses indivíduos querem apenas um mundo mais igualitário, justiça social que o capitalismo não pode dar. Eles, os padres, não são comunistas, e agem, cremos, com a melhor das intenções. às vezes porém, na luta contra o capitalismo maloquiano, tubarônico, parecem considerá-lo o pior de todos os males, a causa única da miséria que campeia no mundo – ocultando inconsientemente de certo, os males que provém do comunismo materialista, totalitário, algoz de todas as liberdades. (LIMA, A Imprensa, 23 de junho de 1963)

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a imprensa, 7 de abril de 1963, p. 2.

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Diante do crescimento de vertentes sociais cristãs, a Igreja em determinados momentos busca uma posição de cautela ao abordar esses grupos esquerdistas católicos, diferente dos membros mais radicais, ligados diretamente à organizações conservadores, como partidos ou grupos de latifundiários. O comunismo não estava “camuflado” apenas na Igreja ou nos sindicatos. A classe estudantil sofria, segundo o jornal, grande influência da ideologia comunista. Idealizando-se nas principais figuras comunistas da época, como Fidel Castro e Che Guevara, os estudantes comunistas eram identificados primeiramente pela aparência. J. Barreto relata uma experiência em um estabelecimento de ensino paraibano: Outro dia estávamos em um estabelecimento de ensino, quando entrou um efebo, com a barba crescendo à Fidel Castro. Não o conhecíamos. Procuramos a sua identificação, devido à singularidade do seu gosto e o porteiro que o tinha coberto com um olhar de repugnância e revolta, nos respondeu bem azucrinado: “É um comunista... que vive aqui fazendo propaganda. Ele e Fulana de Tal”. (BARRETO, A Imprensa, João Pessoa, 23 de junho de 1963, p. 1)

Os estudantes, como os demais militantes de esquerda, eram estereotipados. Suas vestimentas, a barba por fazer ou as palavras que utilizavam eram dignas de alguém que idolatrava os comunistas de fora. Além de ser necessário mencionar que a estereotipização do comunista não era prática apenas no colunista, uma figura da classe média, tal prática estava no porteiro da escola, o que mostra como o anticomunismo estava presente entre as classes populares. A aparência dos estudantes comunistas gerou uma comparação com os estudantes norte-americanos. Segundo o

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jornal, o movimento estudantil norte-americano é engajado nas causas que dizem respeito ao seu país, o perfil do estudante daquele país é de um aluno primeiramente preocupado com os estudos, o que difere do estudante brasileiro, que primeiro milita depois estuda. O movimento estudantil nacional é formado por indivíduos que tem excessiva ligação com a política, tornando-o imaturo: Movimentos e expansões que tem como ponto de partida uma falsa incompleta noção dos problemas. que se deflagram na base das emoções. Que são inspiradas e atiçadas pela demagogia. que fogem ao cumprimento do dever estudantil. que só enchem o balão dos “direitos” e esvazia-os das “obrigações”. que perturbam a ordem pública. que servem de trampolim à vaidade e ambição pessoal de certos líderes estudantis. que desrespeitam a propriedade pública. que fazem questão de dar provas de irresponsabilidade, má conduta e agitação barulhenta. que são agitadas por estudantes “perpétuos”. que revelam inspirações comunizantes. Tais movimentos são provas de imaturidade e fuga ao dever essencial. E são um grande contrassenso, ridículo em grande estilo, quando envolvem globalmente pré-adolescentes a adolescentes imaturíssimos. (FRANTZ, A Imprensa, João Pessoa, 07 de outubro de 1962, p. 4)

Esses estudantes esquerdistas não estariam preocupados com a situação da classe trabalhadora, ou dos menos favorecidos da sociedade, como aponta o autor, encaixando-os no perfil do comunista padrão, aquele que só se interessa pelo caos social. Mas a preocupação anticomunista não se limitava aos estudantes universitários ou secundaristas que engrossavam as passeatas dos movimentos sociais. Existiam os programas de educação popular que cresceram na década de 1960 no Brasil.

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A Campanha de Educação Popular (CEPLAR) aqui da Paraíba, desempenhou papel fundamental na educação de jovens e adultos no estado. Segundo Maria das Dores Paiva de Oliveira Porto e Iveline Lucena da Costa Lage (1995) a CEPLAR surgiu a partir da atuação da Juventude Universitária Católica (JUC) na crítica ao assistencialismo do governo estadual. Traçou-se um plano de ação junto aos cursos da Universidade Federal da Paraíba, ficando os estudantes da Faculdade de Filosofia engajados na questão da educação dos bairros mais pobres da capital. A partir dos questionamentos sobre a sociedade brasileira e da ação junto às comunidades carentes, surge a CEPLAR no ano de 1961. Tal entidade é fruto da junção de dois fatores: a atuação dos estudantes e da JUC e do projeto lançado pelo governo do Estado para a criação de um movimento de educação popular. Apesar do financiamento por parte do governo, a CEPLAR sempre se manteve independente das questões administrativas do Estado, tendo suas atividades realizadas por estudantes. Com a adoção do método Paulo Freire, a CEPLAR ingressou no Plano Nacional de Educação, do ministro Darcy Ribeiro, que visava melhorar o ensino primário no Brasil. Com o aumento do financiamento, a entidade cresceu e trouxe para si os olhos dos conservadores que eram contra a política social do governo federal. Sua atuação junto às comunidades colocou seus membros em contato com associações de trabalhadores e grupos religiosos, todos voltados para a melhoria da condição de vida do povo. Classificada como comunista, agitadora e deturpadora da ordem social pelo A Imprensa, a CEPLAR atuava junto à classe trabalhadora através da educação. Ligando os movimentos de educação popular com as experiências revolucionárias em Cuba e nos demais países comunistas, o periódico buscou desqualificar o método -42-


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educacional utilizado pela CEPLAR, pois era um meio de levar as ideias marxistas para as camadas sociais mais baixas. Por lá [Cuba] o movimento começou com as “educações populares”. E este ensinamento das primeiras letras ia se fazendo – pouco a pouco – a difusão das sentenças comprometedoras do regime democrático. As frases todas rumadas para o desencanto com as instituições livres, para que todos fossem chegando à compreensão de que o problema econômico do povo, pelo menos, só teria solução com o comunismo. E essa convicção tanto se espalhou que o povo caiu nas malhas da bolchevização, quase de olhos fechados. (A Imprensa, João Pessoa, 23 de junho de 1963).

Visto o perigo para a democracia nacional dos movimentos de educação popular como a CEPLAR, o jornal mostra uma alternativa para a sociedade, o trabalho de educação dos párocos do estado. O Instituto Don Adauto ou o trabalho dos padres da cidade de Alagoa Grande são exemplos de como não se precisa do método do Paulo Freire para fazer um trabalho de educação de jovens e adultos das camadas mais baixas da sociedade. que nosso povo veja o trabalho de alfabetização dos padres, e se disponha a ajudá-los mui generosamente. A classe abastada deve prestar todo o amparo às atividades dos srs. vigários, neste sentido. Devem prestarlhes toda a cobertura, como se vem dizendo na linguagem administrativa. Os Inimigos da Fé – os desafetos de Deus – estão agindo mui empenhadamente. E sabemos quais são as metas visadas pelo alto comando que os dirige. (BARRETO, A Imprensa, João Pessoa, 27 de outubro de 1963)

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O apelo para a “classe abastada” me faz considerar o quão é necessário buscar a unidade de todos os grupos anticomunistas contra os comunistas, inimigos da democracia. Uma cultura política como o anticomunismo estava presente primeiramente na classe conservadora, aquela que resguarda para si o poder econômico e político de um Estado. Uma cultura política para sobreviver em uma sociedade precisa de força não só na classe social em que se tem hegemonia, ela tem que ser legitimada entre as demais classes no intuito de servir como base para conter movimentos que quebre a hegemonia desse grupo. E essa força não se dá apenas no discurso, as práticas cotidianas, como a educação, são fundamentais para consolidar a cultura política e dar ainda respaldo para a classe dominante no poder. Na Paraíba, a classe social que detinha a maior parte do poder econômico e político, ou seja, maiores cadeiras nas Assembleias Legislativas ou Câmaras de Deputados, maior número de prefeitos eleitos pelo Estado, era a elite agrária. Os latifundiários, que concentravam a maior parte da terra produtiva da zona rural, eram contra os movimentos sociais no campo que eclodiam com as Ligas Camponesas. E para poder conter o crescimento desse movimento era preciso também desclassificá-lo.

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3 O ANTICOMUNISMO CONTRA AS LIGAS CAMPONESAS EM FAVOR DA PAZ AGRÁRIA Conta-se que o rei Alexandre certa vez prendeu um pirata e perguntou-lhe com que direito vivia infestando os mares. “Com o mesmo direito, respondeu o prisioneiro, com que V. M. vive devastando o mundo inteiro. Mas porque faço isso num pequeno navio, sou chamado salteador; V. M. porque o faz com armada e exército, é considerado imperador”. O dinasta limitou-se a rir, sentindo-se desarmado para castigar o pirata, e o deixou em paz. (BARRETO, A Imprensa, João Pessoa, 10 de junho de 1962, p. 1)

É com essa analogia que o colunista descreve a situação agrária na Paraíba na década de 1960. Os piratas seriam os proprietários de terra, “Todo o mundo vive com as vistas sôbre êsses homens. Tôda a acusação de exploradores para eles.” (BARRETO, A Imprensa, João Pessoa, 10 de junho de 1962, p. 1). E Alexandre, O Grande, representaria os camponeses, trabalhadores rurais assalariados, que “Ninguém lhes aponta os males. Ninguém se apercebe do que vivem praticando. O dinheiro lhes chega às mãos (Deus sabe como), e não há quem diga que são exploradores.” (BARRETO, A Imprensa, João Pessoa, 10 de junho de 1962, p. 1). Pode parecer sem nexo colocar nessa analogia o poderoso conquistador macedônico representando os camponeses, que lutavam não só por um pequeno pedaço de terra para a sobrevivência, mas por igualdade e justiça nas relações de trabalho no campo. Porém é assim que o discurso anticomunista do jornal vai ser pautado no âmbito rural. A força que os camponeses estavam ganhando dentro do Estado deixava os grupos latifundiários em alerta, se mostrando necessária uma desconstrução da luta dos trabalhadores rurais em benefício -45-


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da manutenção da estrutura agrária excludente em que vivia a Paraíba. Assim, no meio da luta agrária, colocava-se o grande latifundiário como vítima do camponês. Numa tentativa de desvirtuar a interpretação do leitor que passou a ver o camponês como um inimigo que o governo reformista de Goulart estava criando. O problema agrário no Estado é polarizado pelas Ligas Camponesas de um lado e nos proprietários de terras, mais especificamente no chamado Grupo da Várzea ou bloco agroindustrial, do outro. Esse último era um grupo políticoeconômico formado pelos latifundiários e usineiros da chamada zona da várzea, ou zona da mata. Suas atividades econômicas estavam estreitamente ligadas à exportação de produtos como a cana-de-açúcar e seus derivados, abacaxi e à pecuária extensiva. A principal zona de influência desse grupo eram os municípios de Sapé, Marí, Mamanguape, Araçagi, Pilar, São Miguel de Taipu, Santa Rita, Cruz do Espírito Santo e Caldas Brandão. De acordo com Cesar Benevides (1985), a década de 1960 foi de mudanças na estrutura agrária. Houve o início da mecanização do trabalho rural e o aumento da quantidade de terras destinadas à prática da pecuária extensiva. O morador, que antes trabalhava no latifúndio para poder morar e usufruir de um pequeno pedaço de terra, era, como relata o autor, substituído pelo trabalhador sazonal. Passou a predominar na zona da mata paraibana a morada, o forro e a renda como principais relações de trabalho. Na morada, o camponês tinha um pequeno pedaço de terra, o sítio, onde matinha uma lavoura de subsistência, e era obrigado a trabalhar nas terras do proprietário. No forro, o camponês arrendava um pequeno lote de terra, pagando uma quantia anual em dinheiro para poder utilizá-la; sendo obrigado a prestar serviço obrigatório dois ou três dias na semana. E a renda ocorria quando o camponês -46-


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acordava com o proprietário uma porção de terra por uma determinada quantia em dinheiro ou em produtos, deixando-o dependente dos resultados de sua colheita. Assim, as relações entre trabalhador e empregado no campo não eram semelhantes às dos centros urbanos, pois a legislação trabalhista não havia chegado ao âmbito rural. Antes da organização das Ligas Camponesas, as discursões políticas não eram pautadas junto aos trabalhadores rurais. A falta de organização dos trabalhadores rurais era um fator que contribuía para o atraso do campo. O Grupo da Várzea controlava a máquina administrativa do estado em favor da manutenção de uma ordem no campo que favorecesse seus interesses. A falta de organização dos trabalhadores rurais dava margem ao controle dos camponeses pelos latifundiários fazendo deles dependentes econômicos e controlados políticos. Esta organização social ficou conhecida como paz agrária. Era uma prática: [...] garantida pelo jogo entre o Grupo da Várzea e o Estado populista, fundamentava-se na exploração máxima do campesinato, na medida em que a oligarquia tradicional mantinha o monopólio do estoque de terras através do coronelismo, que representava a dominação de uma classe sobre a outra. (BENEVIDES, 1985, p. 32)

A paz agrária englobava os dois principais partidos na Paraíba, o PSD e a UDN. As duas agremiações sempre se entendiam quando era necessário manter seus interesses comuns, na chamada “conciliação conservadora”. Porém, de pacifica, essa organização rural não tinha nada. Todo o aparato repressivo do Estado era utilizado para assegurar ao latifundiário o controle da terra e a subordinação do camponês. Indivíduos comprometidos -47-


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com a manutenção da ordem pública estavam a serviço dos principais grupos oligárquicos gerenciadores da agroindústria. O camponês se encontrava em uma situação de completo desamparo social por parte do governo, que ainda agia contra sua integridade física sempre que era considerado necessário. Devido essa situação de marginalidade social do trabalhador rural, grupos de trabalhadores rurais nordestinos de organizaram nas Ligas Camponesas5 . A tomada de consciência de classe pelos camponeses trouxe para o debate não só as relações de trabalho entre os camponeses e latifundiários, mas toda uma estrutura agrária elitista. A luta do camponês tomou grande repercussão no meio urbano. Suas reinvindicações foram incorporadas por estudantes, jornalistas, membros da igreja, trabalhadores sindicais, profissionais autônomos (advogados, por exemplo) e seguimentos da classe política (principalmente os membros do extinto PCB). Não só as lutas camponesas foram incorporadas pelos seguimentos urbanos, as barbaridades cometidas contra os camponeses, como os assassinatos, também foram motivos de protestos pelos segmentos citadinos engajados nas lutas agrárias. Toda essa movimentação surgida a partir das Ligas fez com que o Grupo da Várzea entrasse em estado de alerta. O governador, que estava politicamente localizado entre os trabalhadores organizados e os grandes latifundiários (UDN), precisou se decidir por um lado, optando pelos conservadores. Isso resultou numa intensificação do aparato repressivo contra os camponeses. Mas a violência sobre o camponês não era só física. Muito se falava a respeito da situação do campo. A imprensa passou a 5 As primeiras Ligas Camponesas foram organizadas pelo Partido Comunista Brasileiro em 1947, mas foram desativadas devido o partido ter sido colocado na ilegalidade. Mais tarde, no final da década de 1950, as organizações camponesas voltam em Pernambuco, no Engenho da Galiléia, tomando grandes proporções por todo o nordeste.

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difundir ideias contra os camponeses, desqualificando a causa agrária como “agitadora” e “baderneira”. O fato dos camponeses reivindicarem uma nova organização da estrutura agrária, alicerçados pela proposta de Reforma Social do presidente João Goulart, levou as classes conservadoras, inclusive à alta cúpula da Igreja Católica, a acreditarem que as Ligas Camponesas eram um dos meios de infiltração de ideologia subversiva no brasil, visando uma Revolução Comunista, ou mesmo porque elas eram uma forma de derrubar a paz agrária. A desconstrução do A Imprensa contra as Ligas Camponesas começa a partir da situação agrária dos países comunistas. Em uma comparação com os Estados Unidos, é debatido o custo de vida e a produção do trabalhador comunista, o jornalista escreve: Enquanto o trabalhador soviético consegue três ovos, 215 gramas de açúcar, 1400 de pão misto, 80 de manteiga, 200 de carne e dois litros de leite, e na américa do norte 20 ovos, 4300 gramas de açúcar, 2500 de pão, 650 de manteiga, 1000 de carne e 5 litros de leite.[...] De 1959 a 62, a produção agrícola diminuiu até 20% em todos os países comunistas. Menos na Polônia, que descoletivizou suas fazendas. Na Alemanha Oriental faltam gêneros de primeira necessidade. Já quis pedir empréstimo de bilhões a Bonn. Em Cuba a safra de açúcar baixou 30%. Alimentos, objetos higiênicos, tudo foi racionado e distribuído pelo governo. “Estamos envergonhados por não termos cumpridos nossas promessas” – declarou Fidel Castro à nação. Na China houve progresso; muito menor, porém do que se prometeu. A fome mata milhões por ano. E milhares por mês fogem para Hong Kong e Macau. – O quadragésimo propósito soviético de alcançar a produção ocidental – e nunca conseguido – mostra a superioridade do sistema livre sobre o comunista. (A Imprensa, 1 de julho de 1962, p. 6).

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Esse discurso serve como desmotivação para o trabalhador camponês não se engajar nas Ligas. A partir desses dados, o camponês tende a não se interessar por uma luta que, supostamente, só trará malefícios para sua vida, preferindo manterem-se alheios, já que o comunismo não trará benefícios para sua produção. A reforma agrária, tão defendida pelas Ligas, não era condenada por completo pela Igreja Católica. Só a partir do momento em que ela se vincula à ameaça externa comunista o jornal passa a criticá-la. Ele demonstra em alguns pontos ser bastante simpático às causas trabalhistas camponesas, apenas criticando o modo como eles estão agindo. O jornal procura debater como pode ser feita uma reforma agrária pelos órgãos federais sem dar margem a ideologias subversivas, e cobra uma atitude, pois: “As fôrças do mal se congregam, disciplinadas e terríveis, e não lhes oferecemos um potencial de resistência, suficiente para inutilizar-lhes o ímpeto e poder destruidor.” (A Imprensa, 25 de fevereiro de 1962). Como então resolver o problema do camponês sem dar margem à atuação subversiva? A Igreja Católica, mais especificamente a Confederação nacional dos bispos do brasil (CNBB), a partir do estudo da Encíclica “Mater et Magistra”, aponta meios de como essa pode ser utilizada no meio rural: 1) Ação Católica Rural (JAC e Movimentos de Adultos) capaz de preservar e desenvolver a doutrina cristã entre os urbanizadores do campo. 2) Sindicalização rural visando dar aos lavradores o direito de fazerem suas justas reinvindicações. 3) Frentes Agrárias, a exemplo das experiências do Paraná e Rio Grande do Sul. 4) Movimento de Educação de Base (MEB) para dar melhor formação aos jovens e adultos, pois não basta

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uma simples recomendação econômica e técnica. (A Imprensa, 25 de fevereiro de 1962, p. 8)

A Igreja tinha uma ligação com o problema no campo, apoia e mostra meios para a sua organização. Ela tem apreço pela reinvindicação do trabalhador rural quanto às melhorias de salário e das condições de trabalho em geral. O grande problema da questão agrária é quando os camponeses vão reivindicar mudanças através de modos classificados como “violentos”. A solução cristã que a Igreja propõe (que ela chama de “reforma agrária”) não pode dar margem a atitudes como a invasão das terras dos latifundiários, que, segundo eles, é uma ação de violência e desrespeito à ordem pública, que é inspirada nas ações de violência que instalaram o comunismo em Cuba6 . A reforma agrária verdadeira seria aquela que modificasse a mentalidade retrograda de alguns proprietários. E que lhes desse senso de justiça fundamentado na caridade cristã. Por aí chegaríamos às metas da reforma satisfatória para as duas classes. (BARRETO, A Imprensa, 2 de junho de 1963, p. 1)

Ou seja, para os católicos, toda a reivindicação camponesa deve ser feita desde que não modifique a estrutura agrária vigente, que é excludente, elitista e violenta, mas altere o comportamento e o pensamento do proprietário. quando as lutas dos trabalhadores do campo são pautadas para o fim do latifúndio, elas perdem toda a sua legitimidade. E as Ligas Camponesas são contra o latifúndio. O problema não são os trabalhadores rurais, sim as Ligas, formadas pelos agentes comunistas infiltrados. Mas o que neste trabalho classifico como um sistema excludente, elitista e violento, o jornal entende como ordem. As 6

a imprensa, 18 de fevereiro de 1962, p. 2.

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invasões de propriedades na luta pela democratização da terra, propostas que são direcionadas ao benefício da sociedade como um todo, são consideradas apenas agitação e desordem: Já estamos fardos dessas incursões das ligas camponesas, pelas propriedades alheias. O ideal que o agitador Julião prega, não é de reforma pacífica. nada de reinvindicações de direitos por meios legais, como devem ser as nossas vitórias democráticas. O que o preocupa, em todos os momentos, são os expedientes violentos. A confusão de quem espera tirar algum proveito aos seus planos eleitoreiros. Eis o que é o programa das ligas camponesas no nosso Estado e nos Estados vizinhos. (BARRETO, A Imprensa, 14 de janeiro de 1962, p. 1)

Julião, ao qual o autor se refere é Francisco Julião7. Ele é colocado como o personagem que mais incentiva a desordem das Ligas Camponesas, pregando a ideologia comunista. Para o jornal, “quer Deus para si e o diabo para os outros” (A denúncia... 15 de abril de 1962, p. 8), pois prega a divisão das terras, mas é dono de uma vasta propriedade rural. Nas comemorações de primeiro de maio o autor vai descrever como Julião desvirtua o homem do campo para seus interesses particulares, modificando todo o sentido de uma data comemorativa. O interesse de Julião é fazer da classe camponesa massa de manobra para suas pretensões políticas comunistas. Que confiança nos pode merecer a massa numerosa, guiada pela bandeira de um Julião? Certamente ele não falará nessas comemorações de 1º de maio. Aqui 7 Foi um advogado e parlamentar pernambucano filiado ao Partido socialista brasileiro (Psb). Um dos maiores responsáveis pela organização das Ligas Camponesas naquele Estado. Era favorável à atuação das Ligas em favor da reforma do sistema agrário brasileiro. Com o golpe de 1964 teve seu mandato cassado se exilando no México em 1965. (Fonte: CPDOC Fundação Getúlio Vargas: http:// cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/biografias/francisco_juliao Acesso em: 07 de jun de 2013)

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ou ali estará presente, não para mostrar as possibilidades do nosso progresso, com o trabalho dos operários; mas para pregar as suas ideias revolucionárias, de agitador maníaco e desorientado para que os que dele se querem aproveitar. E para dizer que o caminho da salvação nacional é o da escravização soviética, sob as leis draconianas, ora em vigor na infeliz república cubana. (MENDONÇA, A Imprensa, 29 abr 1962, p. 1)

Desqualificar a figura de Francisco Julião era um dos meios de desarticular as Ligas Camponesas, porém, em alguns momentos, seu discurso fica muito focado na figura do político pernambucano. Não há, a partir do que era exposto nas páginas do jornal, como analisar o motivo de nenhum membro ligado às Ligas Camponesas paraibanas ser exposto no mesmo tom que se falava de Julião. na verdade, nenhuma figura de liderança das ligas na época, como o deputado Francisco de Assis Lemos ou o camponês João Pedro Teixeira, é criticada pelo jornal. Sobre esse último, apenas após a sua morte se manifestaram. quando ocorreram manifestações de organizações populares em João Pessoa devido seu falecimento, o jornal mandou sua palavra de piedade. Mantendo a linha de repúdio à violência, o clero paraibano falou sobre o assunto após essas organizações populares que protestavam contra o assassinato de João Pedro questionarem de que lado a Igreja Católica estava. Infelizmente esqueceram um ponto essencial, em suas acusações. Quando condenaram fortemente (e o fizeram muito bem), o sacrifício de uma vida, pelo fato de discrepância ideológica, deixaram de se recordar os fatos mais horripilantes, da mesma natureza, praticados recentemente, pelo barbado de Cuba. Lá o monstro pode matar, porque certamente para esses seus admiradores e partidários meridionais, predomina a

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mesma convenção dos antigos batavos, que infestavam as nossas terras: para lá da linha equinocial não existe crime!... O paredon de Fidel Castro é apenas o patíbulo da legalidade, para perder a quantos se tenham recusado a ser “patriotas”... (A Imprensa, 8 de abril de 1962, p. 1)

O jornal procura, de alguma forma, justificar um crime, ou desqualificar o protesto dos grupos populares de esquerda, como trabalhadores sindicalizados, jornalistas, estudantes, políticos e artistas, que protestavam contra o assassinato do camponês. A linha antiviolência seguida pela imprensa católica perde sua sustentação com uma declaração em que a morte de João Pedro Teixeira não é nada perto do que acontece no “paredon” de Fidel Castro. Junto com o aumento da repressão do Estado aos camponeses, o jornal reforça sua linha editorial favorável aos grupos latifundiários. Ela procura criar uma afinidade política dentro da classe trabalhadora do campo com o grupo agroindustrial. Criando uma separação de ideias entre o camponês comum e as Ligas Camponesas. J. Barreto conta em uma de suas colunas, sobre um depoimento que escutou de um agricultor da cidade de Guarabira sobre um latifundiário da cidade. [...] colhi as mais interessantes revelações, da franqueza bem característica do nosso matuto. Falou ele sobre o dr. Abdon Miranda, respeitável senhor rural do município de Guarabira. Um cidadão bom e muito compreensivo, ante as necessidades do pobre. Suas terras sempre estão prontas para os que desejam trabalhar. Não há restrições para pessoa alguma. Se mais tivesse mais serviria. Não explora a necessidade de quem quer que seja. Cobra o arrendamento de conformida-

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de com a produção do ano. Se o matuto nada fez, essa situação ingrata é levada em conta – cristãmente – podemos dizer por aquele cidadão de alma larga e sentimentos profundos de humanidade. (BARRETO, A Imprensa, 5 de agosto de 1962, p. 1)

É enaltecido o espírito de caridade cristã que deve prevalecer nas relações trabalhistas e políticas. Aquilo que o “matuto” vê como bondade, uma análise mais afastada daquela relação entre o trabalhador-patrão, é entendida como exploração. O discurso católico prega o clima de paz entre os indivíduos no campo. Muitos problemas precisam ser resolvidos na relação entre trabalhador e empregado no meio rural, mas sem dar margem aos agentes do comunismo. Devendo ser vistos de cima para baixo. A classe dominante tem de reavaliar suas atitudes e reformular sua relação com a classe trabalhadora. O clima de agitação que os comunistas provocam não vai levar às verdadeiras mudanças que o campo precisa. Para o jornal, os comunistas não desejam a reforma agrária: O que lhes interessa é a confusão. que o país continue nessa insatisfação, com as classes agitadas, vivendo a convicção amarga de interesses prejudicados. Porque só há proveito para os planos marxistas com a luta de classes. Num clima de tranquilidade, o comunismo está morto. Sem qualquer motivo a que se possa pegar, para os avanços premeditados. (A Imprensa, 16 de junho de 1963, p. 3)

A paz agrária, neste momento (1963) já está estava em crise. A atuação das Ligas Camponesas colocava toda a classe conservadora em estado de alerta. A elite nacional já começava a flertar com aqueles que sempre que necessário mostravam-

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se dispostos a frear o avanço dos progressistas que pautavam mudanças sociais no Brasil: os militares. Chegado o ano de 1964 na Paraíba, uma tragédia ocorrida na cidade de Marí, na zona da mata paraibana, colocou novamente a violência no campo em discussão. O episódio que ficou conhecido como “chacina de Mari”, ocorreu no dia 15 de janeiro e envolveu no conflito camponeses e jagunços quando os primeiros teriam invadido uma propriedade dos Ribeiro Coutinho, importante grupo usineiro do Estado. Cesar Benevides (1985; 120) narra o ocorrido, mostrando que aqueles camponeses não haviam invadido a propriedade dos Ribeiro Coutinho, eles estavam fazendo o preparo da terra na propriedade de um senhor, Nezinho de Paula, na estrada que liga Mari à cidade de Guarabira, quando um grupo invadira a propriedade em um jipe agindo com agressão contra os camponeses. Entre as pessoas envolvidas na invasão estavam o chefe de uma companhia agroindustrial de Sapé e membros da polícia militar do Estado. Do conflito resultou uma série de mortes que abalou o Estado, em sua maioria homens ligados aos grandes proprietários rurais. Seguindo a linha dos principais jornais, o A Imprensa, condenou o ocorrido, jogando a culpa da tragédia para o camponês, além de aproveitar o incidente para renovar o discurso anticomunista no meio rural. Não sei se estão olhando para essa vanguarda vermelha que se levanta organizada pelos campos. Trata-se dessa nova forma de organização comunista segundo o plano geral que deu bons resultados na China. O plano de aproveitar toda a gente disposta a um movimento de renovação, para sublevar as massas, em direitura ao ponto final, onde seja possível os sobas da russificação assumirem as rédeas do governo. [...] Reparemos bem na organização que se forma, aqui ou acolá. Os

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comunistas de primeira linha – de real confiança para o partido, ou de gabarito, como se diz – não aparecem. Ficam de fora, na direção geral, tangendo as massas para ganharem terreno. Não vamos pensar que Julião ou outros agitadores desse estofo tenham prestígio para o partido comunista. São apenas elementos de choque que prestam bons serviços para a causa da russificação, mas sem nenhum compromisso dos mandões soviéticos para serem aproveitados, depois de preparado o banquete. É o contrário do que podemos dizer. Serão os primeiros sacrificados. Irão para a depuração, na certa. Consideramos esse trabalho das ligas a serem formadas no interior. Nem um elemento do partido comunista propriamente dito se acha filiado ao quadro dos novos componentes. Fazem tudo – esses inspiradores vermelhos – mas nada de figurarem no fim. Isto quer dizer que os nossos pobres rurícolas são entregues à sua própria sorte, para todas as eventualidades da causa que abraçaram. Serão apenas tropas de ocupação, mas o resultado do fim ficará pra os comandantes colocados na retaguarda bem distante do fogo. [...] O nosso Exército – estamos certos – está bem a par deste expediente de comunização na América Latina. O grande movimento dirigido pela sagacidade da rapôsa mestra do Kremlin. (BARRETO, A Imprensa, 26 de janeiro de 1964)

Diante do ocorrido em Mari, dois pontos importantes sobre o texto do autor é passível de debate. O primeiro é como é colocada a ideia de manipulação dos camponeses por parte dos supostos “agentes comunistas” através das Ligas Camponesas. O colunista não tem noção (ou finge não ter) da consciência de classe que o trabalhador rural tomou nos últimos anos. A classe camponesa mais uma vez é vista como massa de manobra de alguma força superior, a dos agentes comunistas, que quer -57-


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desvirtuar sua luta. E o segundo ponto vem para reforçar um fato que já era pauta no periódico católico: a necessidade da presença dos militares para resolver a crise no país. O ocorrido em Mari repercutiu por meses nos meios de comunicação do Estado. no final do mês de março o governador Pedro Gondim reforçou o aparato policial na Zona da Mata, área de grande conflito entre camponeses e jagunços, no intuito de intimidar a atuação das Ligas. J. Barreto, que se tornou o porta-voz oficial do anticomunismo do A Imprensa, vai novamente defender a estrutura agrária em favor dos latifundiários, acusando de comunistas aqueles que subvertem essa ordem: Diante da gravidade da situação, o governo do Estado tinha de fazer que lhe ditava a sua consciência de principal responsável pela ordem pública. Urgia o cumprimento de um dever sagrado, depois de uma extremada tolerância que infelizmente resultou em prejuízo do povo. Das partes litigantes. De outra maneira seria a caminhada apressada para a anarquia – clima apetecido pelos agentes comunizantes, que não estão reparando nos meios a serem usados, para chegarem ao fim de seus planos. Quanto mais confusão, tanto melhor para eles. A Paraíba – no plano geral, de sovietização nacional – seria a cabeça da ponte, para a arrancada final por todo o país. (bARRETO, A Imprensa, 22 de março de 1964).

Com o golpe civil-militar de março de 1964 os membros da Igreja foram comemorar a tão aguardada intervenção militar que colocaria ordem no Brasil. Nos arquivos da Cúria Metropolitana não constam exemplares do jornal católico pós-golpe, porém é sabido que na Paraíba houve as Marcha da Família com Deus pela Liberdade que agregavam todos aqueles que temiam pelos rumos que o país tomaria com Jango e os comunistas. E restou aos -58-


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camponeses a desarticulação política e a submissão às práticas oligárquicas oriundas da república velha que existem até hoje.

4 CONSIDERAÇõES FINAIS A cultura política anticomunista serviu para criar uma afinidade da sociedade civil com as forças armadas para que ocorresse a retirada do presidente João Goulart do poder. Após o golpe civil-militar de 1964 os comunistas foram perseguidos ao longo de todo o país sob as ordens do novo Estado de Segurança Nacional. O exército invadiu as organizações esquerdistas, prendeu seus membros e revirou seus arquivos. O poder legislativo passou a cassar todos aqueles (políticos e funcionários públicos) que de alguma forma estavam ligados a qualquer organização de esquerda. A Igreja Católica e a população foram às ruas festejar a tomada de poder dos militares e a restituição da ordem social do país, nas chamas Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Em cada pequena cidade da Paraíba houve uma movimentação como essa, em agradecimento às forças armadas por afastar o perigo comunista do Brasil. A fé e os valores morais, como a família, estariam salvos do comunismo, classificado como ateu e intolerante pela direita conservadora. Além de afastar o perigo de uma suposta “ditadura comunista”, os militares fortaleceram ainda mais o poder das elites locais, desarticulou as organizações sindicais e subjugou ainda mais os camponeses às velhas práticas da política oligárquica do início do século XX. Os anticomunistas conseguiram estancar a luta por uma sociedade mais justa e ajudaram a instalar o Estado de exceção mais violento da história do país.

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o partido CoMuniSta braSileiro na paraíba: LUTA DE MASSAS ENTRE A DEMOCRACIA E O AUTORITARISMO1 Rodrigo Freire de Carvalho e Silva2

1 INTRODUÇãO: O LUGAR DO PCB NA HISTóRIA BRASILEIRA O Partido Comunista brasileiro (PCb) foi o mais influente partido da esquerda brasileira até o início dos anos 1980. Originário da República Velha e herdeiro direto da Revolução Russa e da sua influência sobre a esquerda mundial, o PCb esteve presente nos principais momentos políticos da história brasileira do século XX, em muitas ocasiões, ocupando relevante protagonismo. Dialogando com a literatura especializada, podemos afirmar que, até o surgimento do PT, o PCb foi o único partido da esquerda brasileira que pode ser analisado de acordo com os tipos teóricos propostos pelos cientistas políticos Maurice Duverger – “partido de massas” – e Sigmund Neumann – “partidos de integração social”. Estes dois tipos ideais foram construídos tomando por base os grandes partidos da Europa Ocidental da segunda metade do século XX – principalmente, os partidos da esquerda socialdemocrática –, ou seja, partidos políticos que funcionavam não apenas como “máquinas eleitorais”, mas que tinham vida própria entre as eleições, disputavam espaços de poder em outras esferas da vida social que não apenas as instituições estatais, contavam com um grande número de adeptos – envolvidos com 1 Este artigo é uma versão revisada e ampliada de artigo originalmente publicado na revista “Política Democrática” (volume 25, 2009), intitulado “O PCB na Paraíba e a luta de massas democrática no pré-golpe civil-militar”. O autor dedica este artigo à memória de José Anísio Maia, amigo e frequente interlocutor, ex-militante comunista na Paraíba. 2 Professor de Ciência Política na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Licenciado em História (UFPB), Mestre em Ciência Política (UFPE) e Doutor em Ciências Sociais (Unb).

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o cotidiano e com o financiamento da atividade partidária. Por tudo isto, argumentavam Duverger e Neumann, estes partidos se constituíam como uma verdadeira “subcultura” própria no ambiente político nacional, tendo sua imprensa e canais de comunicação exclusivos, desenvolvendo uma atividade social e cultural própria e, inclusive, incorporando símbolos e rituais que lhe destacavam dos adversários. Assim poderiam ser caracterizados os partidos comunistas, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial, quando boa parte deles se constituiu como partidos de massas em democracias ocidentais como a França e a Itália. Como disse o historiador Gérard Vicent (1992) em ensaio sobre o Partido Comunista Francês, o “ser comunista” se constituía numa verdadeira “maneira de ser” também no Ocidente. No caso do PCB, a situação não era diferente. Após a Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil iniciou seu primeiro período democrático-liberal, e até o Golpe civil-militar de 1964, o PCB assumiu uma posição de destaque na vida política nacional, mesmo que tenha vivido na ilegalidade na maior parte deste período. quando esteve legalizado, entretanto, e pode disputar eleições em legenda própria, entre 1945 e 1947, o PCB conseguiu um desempenho expressivo, em um cenário eleitoral dominado pelos grandes grupos políticos conservadores. Nas eleições constituintes de 1945, o PCB elegeu 14 deputados federais, obtendo 8,6% dos votos nacionais para a Câmara dos Deputados. Em alguns estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Distrito Federal, os comunistas tiveram votações bastante expressivas, particularmente, nos dois últimos, onde obtiveram, respectivamente, 16,2% e 20,2% dos votos. Ainda em 1945, o PCB elegeu um senador, Luis Carlos Prestes, e seu candidato a Presidente da República, Yedo Fiúza, teve 9,7% dos votos

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nacionais, atingindo picos de desempenho eleitoral, mais uma vez, em Pernambuco (16,4%) e Distrito Federal (27,5%)3 . Posto na ilegalidade a partir de 1947, o PCB não se absteve de disputar eleições, uma vez que, inspirado pela tradição de participação política dos partidos comunistas da linha soviética, considerava as campanhas eleitorais e os parlamentos democráticos como espaços privilegiados para a propaganda revolucionária. Por isso mesmo, como o PCB estava ilegal, até 1964, muitos comunistas se candidataram e/ou foram eleitos para os mais diversos cargos parlamentares, em todo o país, filiados instrumentalmente a outras legendas. Mesmo assim, a condição de “candidato comunista” ou de “candidato de Prestes” era pública, na maioria das vezes, o que levou diversos analistas a afirmarem que, àquela época, o PCb vivia em uma situação de “semi-clandestinidade”4 . Entretanto, como partido de massas e, mais ainda, como partido revolucionário, o PCB nunca fez da disputa eleitoral seu único front de luta política. Em contrário, o PCB sempre se fez presente na disputa de rumos dos mais diversos movimentos sociais, culturais e políticos do país. Seja no movimento sindical, nas “Ligas Camponesas” ou junto aos artistas e intelectuais, os comunistas procuravam construir espaços de interlocução que, uma vez conquistados, acabaram por tornar-lhes numa das mais influentes forças políticas nacionais do ambiente de “quasepoliarquia” que antecedeu ao Golpe civil-militar de 1964. A análise da história política do PCB, no período compreendido entre 1945 e 1964, passa pela compreensão da contradição central na qual o partido estava então envolvido: ser um partido comunista – e, portanto, marxista-leninista, 3 Todos os resultados eleitorais utilizados até este momento estão disponíveis em NICOLAU (1998). 4

Vide, por exemplo, PANDOLFI (1995) e SEGATTO (1981 e 1995).

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internacionalista, fiel à URss, organizado segundo os princípios do centralismo democrático – sem, por isso, deixar de ser um partido brasileiro. Ou seja, o PCB do pré-Golpe civil-militar buscava construir, no sistema político brasileiro - onde o clientelismo, o patrimonialismo, o conservadorismo católico, o multipartidarismo e o federalismo exacerbado tinham peso decisivo na formação da cultura política – um espaço próprio para sua atuação política revolucionária. Mais ainda, os valores que inspiravam a atuação política do PCB eram frontalmente antagônicos à citada cultura política brasileira. É certo que o PCB não se fez infenso a esta contradição, procurando se adaptar a ela com movimentos táticos que lhe levaram a firmar alianças com diversos setores da política brasileira, notadamente, com aqueles ditos “nacionalistas”. Considerado o federalismo brasileiro, entretanto, que faz com que as realidades políticas dos estados possam ser caracterizadas quase como “sistemas políticos” particulares, distintas das demais – ainda hoje, não raro partidos políticos que fazem parte de um mesmo grupo político nacional são adversários figadais em determinados estados –, o PCb não pode traçar uma política de alianças prioritária com um partido político em todo o território nacional. A preferência de aproximação com os políticos “nacionalistas” – por mais abrangente que este rótulo pudesse ser – conduziu o PCB a alianças, por exemplo, com o PSD em Minas Gerais e com a UDN em Pernambuco. Por isso que se faz tão importante à ciência política brasileira a análise dos sistemas políticos estaduais, e como os partidos políticos - inclusive o PCB daquele período – se posicionam em cada estado específico. nesta perspectiva, passemos agora a um breve estudo de caso sobre o PCB na Paraíba, no período prévio ao golpe civil-militar.

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2 O PCb nA PARAíbA A origem do PCB na Paraíba remonta à década de 1930. Nas eleições parlamentares de 1934, os comunistas apresentaram, junto com segmentos liberais radicais, a chapa intitulada “Trabalhador Vota em Ti Mesmo”, representando a chamada “Liga Pró-Estado Leigo”, fazendo uma alusão à chapa que, no ano anterior, o pernambucano e fundador do PCB, Cristiano Cordeiro, concorreu à deputação naquele estado vizinho5 . O candidato então apresentado pelos comunistas paraibanos foi o advogado João Santa Cruz de Oliveira, importante referência política no estado que, derrotado naquele pleito, logo se incorporou à Aliança Nacional Libertadora, sendo seu líder maior na Paraíba. O período que se seguiu ao fechamento da ANL e à posterior prisão dos seus líderes levou ao cárcere não só Santa Cruz, como também boa parte das lideranças comunistas da Paraíba. Com os primeiros anos da década de 1940 e o início das discussões sobre o combate ao nazi-fascismo, a abertura democrática no Brasil, a anistia de Prestes etc., o PCB passou por um período de revigoramento na Paraíba e, a partir de 1942, 1943, até o primeiro ano da década de 1950, vários foram os militantes comunistas – que posteriormente viriam a desempenhar posição de destaque no partido – a ingressar nas fileiras do PCb. sua origem social estava principalmente na classe média urbana, apesar de também ser notada a presença de militantes comunistas junto aos movimentos operário e camponês estado, o que se refletiria, inclusive, na votação do PCb paraibano durante todo este período. Assim, o PCB integrou-se na vida política legal paraibana plenamente após 1945, apresentando candidatos e 5 A chapa de Cristiano Cordeiro chamava-se “Trabalhador Ocupa Teu Posto”, e serviu de trocadilho para intitular o belo frevo “Coração, ocupa teu posto”, de autoria do compositor e comunista Nelson Ferreira, legenda do carnaval pernambucano.

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fazendo suas campanhas para presidente da República e deputado federal em 1945 e 1946, respectivamente. No ano de 1947, entretanto, o PCB paraibano conseguiu seu maior feito eleitoral daquele período histórico: elegeu João Santa Cruz de Oliveira deputado estadual. A votação de Santa Cruz guarda forte relação com a geografia social e urbana da Paraíba à época6 . Dos 1654 votos de Santa Cruz, 82,22% foram obtidos em três cidades: João Pessoa – a capital e principal centro urbano do estado –, Santa Rita – município da Região Metropolitana de João Pessoa, que então já se consagrava pela concentração industrial e pela presença de usinas de cana de açúcar – e Mamanguape, um pólo industrial impulsionado pelo seu principal empreendimento econômico, a Fábrica de Tecidos Rio Tinto. Maior concentração operária do estado, Mamanguape sufragou 1.101 votos – ou o equivalente a 29,5% dos seus votos válidos do município naquelas eleições – a candidatos comunistas. O primeiro suplente de deputado estadual comunista na Paraíba, nas eleições de 1947, foi o advogado Felix Araújo, radicado na cidade de Campina Grande, o segundo centro urbano do estado, de vocação eminentemente comercial, com industrialização incipiente. Araújo recebeu a terceira melhor votação de Campina Grande dentre os candidatos a deputado estadual naquelas eleições, obtendo mais de 58% dos seus 1.516 votos naquela cidade. O clássico estudo do cientista político francês Jean Blondel (1964) sobre a política paraibana no início da década de 1950 apresenta esta relação entre a figura do eleitor independente da influência dos “chefes políticos” nos maiores conglomerados urbanos no estado, e o voto comunista. Assim, a votação obtida pelos comunistas paraibanos nas eleições de 1947 apresenta bem o cenário social e político onde 6 Os dados eleitorais históricos relativos à Paraíba citados neste artigo estão disponíveis no sítio do TRE – PB na internet, no endereço http://www.tre-pb.gov.br/resultados_eleicoes/online.htm

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o PCb se fez mais influente na Paraíba até o Golpe civil-militar de 1964: entre a classe média urbana, localizada principalmente em João Pessoa e Campina Grande, o que incluía os estudantes, a intelectualidade e os profissionais liberais, tendo ainda alguma expressão junto aos bairros populares, principalmente, em Campina Grande; entre o incipiente movimento operário, mesmo que gradativamente vá perdendo espaço para os trabalhistas – o que pode ser atribuído, inclusive, à ilegalidade imposta ao Partido7; e entre o movimento camponês, principalmente, na região da chamada “Várzea do Rio Paraíba”, polarizada pelas cidades de Santa Rita e Sapé. Posto na ilegalidade, o PCB continuou a apresentar candidatos na Paraíba, tendo inclusive conseguido eleger, por outras legendas, vereadores em João Pessoa e em Campina Grande. Nas eleições municipais de 1955, o PCB elegeu vereadores de João Pessoa e Campina Grande, pela legenda do PST, respectivamente, Luis Bernardo – que ocupava posição de destaque no comitê estadual comunista na Paraíba - e Oliveiros Oliveira. Nas eleições a prefeito de 1959, o PCB da Paraíba decidiu não só participar e lançar seus candidatos ao parlamento, como tradicionalmente vinha fazendo desde a década de 1940, como lançou sua principal liderança no estado, João Santa Cruz, candidato a prefeito de João Pessoa, pela legenda do PSB, com o apoio da UDN. A campanha de Santa Cruz sofreu oposição cerrada da cúpula da Igreja Católica do estado, publicada no seu jornal diário A Imprensa, que circulava em João Pessoa. Através da “Liga Eleitoral Católica”, o clero conservador fez circular um panfleto pela cidade que, sob o título de “Advertência Pré-Eleitoral”, falava de todos os “perigos” que o comunismo oferecia à fé católica, conclamando os pessoenses a repelirem, com seu voto, os 7

Vide, por exemplo, BRANDãO (1997) e WEFFORT (1968).

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“inimigos da vossa Fé, da vossa Família e da vossa Religião” (apud BARBOSA, 1985, p. 69). No dia das eleições, A Imprensa circulou com a seguinte manchete: “Votar em comunistas é trair a religião e a pátria”8 . Santa Cruz foi derrotado por Luis Gonzaga de Miranda Freire, da coligação PSD/PTB, mas obteve a expressiva votação de 40% dos votos válidos9. O PCB lançou ainda José Gomes da Silva candidato a vereador de João Pessoa pelo PSB, que também não foi eleito. Deste período histórico, merece destaque a emergência do movimento camponês no Nordeste, particularmente, através das “Ligas Camponesas”. Oriundas de Pernambuco, na Paraíba as Ligas começaram a ser organizada ainda no final da década de 1950, com forte influência dos comunistas. Após ter se expandido rapidamente por diversos municípios do estado – Santa Rita, Mari, Guarabira, Campina Grande, Mamanguape, dentre outras – em 1961 foi fundada a Federação das Ligas Camponesas da Paraíba. A sua diretoria, presidida pelo agrônomo Assis Lemos – um nacionalista que tinha muita proximidade, ao mesmo tempo, com João Goulart e com o PCB –, era predominantemente comunista, tendo como vice-presidente João Pedro Teixeira, Antônio Dantas como secretário e ainda Leonardo Leal como tesoureiro10 . Dentre os advogados da Federação, estavam José Gomes da Silva e João Santa Cruz de Oliveira. Ao crescimento das Ligas em todo o Estado, correspondeu uma reação violenta dos latifundiários. Em 1962, foi assassinado o líder camponês de Sapé, João Pedro Teixeira, militante do PCB. A orientação de Assis Lemos e do PCB se fez inconteste nas Ligas Camponesas até 1962, quando começou a surgir no 8

Jornal A Imprensa. João Pessoa, 02 de agosto de 1951.

9

TRE – PB. Vide nota 7.

10

ASSIS LEMOS (1996).

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seu meio a influência de Francisco Julião, líder e fundador das Ligas Camponesas em Pernambuco, que começou a cooptar lideranças das Ligas na Paraíba para seu grupo. Dentre estas, uma das primeiras cooptadas foi Antônio Dantas, que havia sido expulso do PCB em virtude das suas posições simpáticas a Cuba e críticas à linha pacifista e reformista dos comunistas11, expressas na chamada “Nova Política” do PCB, adotada a partir de 1958. Dentre outras lideranças a integrar o grupo “julianista”, destacava-se a viúva de João Pedro Teixeira, Elizabeth Teixeira. A divergência entre os dois grupos se dava, sobretudo, quanto à tática política. Enquanto Assis Lemos e os comunistas apegavamse à luta da ocupação dos espaços legais pelos camponeses, os julianistas, através de palavras de ordem como “reforma agrária na lei ou na marra”, defendiam que as Ligas assumissem uma posição revolucionária e, a exemplo de Cuba, preparassem os camponeses para a luta armada. A divergência do grupo julianista com os comunistas e seu aliado Assis Lemos continuou quando, a partir de 1963, estes últimos decidiram por transformar as Ligas Camponesas em Sindicatos de Trabalhadores Rurais, aproveitando-se da nova legislação trabalhista para o campo editada pelo presidente João Goulart. Acusando-os de reformistas, os julianistas recusaram-se a participar do processo de sindicalização rural. Já no movimento estudantil, o PCB e a Juventude Universitária Católica (JUC) eram as principais forças políticas na Paraíba no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, atuando muitas vezes em comum, principalmente, em João Pessoa12 . Por exemplo, Antônio Augusto Arroxelas, presidente da União Estadual dos Estudantes da Paraíba (UEEP) em 1962, que foi 11

Segundo declarou o próprio Dantas, em entrevista publicada em GUEDES (1994).

12 Segundo depoimento de Antônio Augusto Arroxelas ao CPDOC/FGV, e também o depoimento de Antônio Augusto Almeida ao autor. Vide também PORTO e LAGE (1995).

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eleito vereador de João Pessoa em 1963, era considerado um “aliado” dos comunistas. Esta aliança dos comunistas paraibanos com a JUC levou-os a participar ativamente da CEPLAR. A CEPLAR, Campanha de Educação Popular, era uma associação da sociedade civil fundada em João Pessoa no ano de 1961 com o objetivo de, inspirada no método Paulo Freire, promover atividades de educação/conscientização junto às camadas populares da cidade. Foi fundada por estudantes e professores recém-formados, ligados à JUC, na área de educação na então Faculdade de Filosofia (FAFI) da Paraíba. O Conselho Deliberativo da CEPLAR elegia a sua diretoria para um mandato de dois anos, onde estavam representados o movimento sindical, a Igreja Católica, a UEEP e a UPES (União Pessoense dos Estudantes Secundaristas), a Associação Paraibana de Imprensa (API), dentre outros. A CEPLAR oferecia programas como educação de adultos e crianças, cursos de formação política para estudantes, lideranças sindicais e comunitárias etc., além de promover atividades culturais. Tiveram participação direta na CEPLAR comunistas como Antônio Augusto Almeida, Oliveiros Oliveira, o hoje consagrado cineasta Vladimir de Carvalho e, principalmente, o teatrólogo e multimídia Paulo Pontes, que produzia peças, músicas, livros e folhetos para a CEPLAR utilizar nas suas atividades, tendo chegado a ser seu diretor. Ainda de acordo com o então militante comunista Antônio Augusto Almeida13, o PCB tinha uma atuação organizada com relação à CEPLAR, discutindo seus problemas e pensando soluções, que eram levadas àquela Campanha através dos comunistas que nela atuavam. A CEPLAR, rapidamente, conseguiu ampla aceitação social, expandindo-se para diversos outros municípios do estado, como Campina Grande e Sapé. 13

Em seu depoimento ao autor.

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Em Sapé, a CEPLAR chegou através de parceria com a Liga Camponesa14 . Apesar do apoio dos setores progressistas da Igreja, os conservadores católicos não pouparam a CEPLAR, considerando-a um produto dum “materialismo puro e grosseiro”, onde “certamente jamais será ensinado (...) que o homem tem um destino eterno, com que se deve preocupar, evitando quanto se achar proibido na lei divina.”15 O Golpe civil-militar de 1964 pegou os comunistas paraibanos de surpresa, pondo fim a toda esta atividade política e social ascendente e efervescente. Naquele momento, o PCB não só vivenciava uma condição de semi-clandestinidade, como também desfrutava de uma vida pública e transparente na política paraibana, assim como no resto do país. Diversos ex-militantes comunistas paraibanos, entrevistados pelo autor, deixaram transparecer sua indignação com a avaliação de conjuntura então feita pelo PCB, que se considerava praticamente “dentro” do governo João Goulart. Então dirigentes comunistas no estado, Antônio Augusto Almeida e José Anísio Maia se referiram a uma visita que, poucos meses antes do Golpe civil-militar, já no ano de 1964, fez à Paraíba o membro do Comitê Central do PCB, Luís Maranhão, do Rio Grande do Norte16 . Segundo estes militantes, Luís Maranhão transmitiu aos seus companheiros paraibanos a análise do Comitê Central onde, usando uma régua equilibrada como uma balança na sua mão, procurava demonstrar a correlação de forças políticas no país, onde a régua pendia para um lado,

14

Segundo PORTO e LAGE (1995).

15

“Nota do Dia” do Jornal A Imprensa. João Pessoa, domingo, 05 de maio de 1963, página 01.

16 Luís Inácio Maranhão Filho, membro do Comitê Central do PCB, foi assassinado pela ditadura militar na década de 1970, durante o governo Geisel, quando se intensificou a repressão contra o Partido.

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de forma a representar que o Partido Comunista já estava no governo17. Mais ainda, José Anísio Maia18 se queixou por, ao colocar os seus militantes em condição de semi-clandestinidade, o PCB ter acabado por facilitar o trabalho da reação quando do golpe civilmilitar. Além do mais, defendendo a linha pacífica e a estratégia de participar da institucionalidade, segue José Anísio Maia, o partido teria deixado as suas próprias bases impossibilitadas de esboçar qualquer reação mais efetiva ao golpe. Tudo isto, segundo sua avaliação, como produto de uma leitura errada da conjuntura política nacional. “Foi um desastre isso, porque a realidade foi outra, completamente outra. (...) o que a gente tinha, nas nossas conversas sobre a possibilidade de um golpe é que a gente supunha que houvesse uma reação do governo. É natural, a gente tinha contato com a massa. Mas não houve.”19 Da nossa parte, não parece demais lembrar que, a despeito da fragilidade da avaliação dos comunistas brasileiros sobre a conjuntura política no pré-1964, particularmente sobreestimando a capacidade de resistência do governo a uma possível intervenção golpista, a política traçada pelo PCB para a resistência à ditadura, no seu VI Congresso de 1967, baseada na criação de uma frente única democrática e de massas, foi a principal responsável pela efetiva derrota dos militares, tendo influenciado diretamente as campanhas pela Anistia, em 1979, e pelas eleições diretas para Presidente da República, em 1984. A decisão de resistir pacificamente à ditadura civil-militar, através do “trabalho de massas” e da atuação institucional, 17

Segundo depoimentos de Antônio Augusto Almeida e de José Anísio Maia ao autor.

18 José Anísio Maia, no final dos anos 1970, incorporou-se à dissidência aberta por Luis Carlos Prestes no PCB, sendo um dos principais dirigentes do chamado grupo “prestista” na Paraíba na década de 1980. De alguma maneira, sua leitura da posição do PCb nos anos 1960 reflete o radicalismo dos “prestistas” dos anos 1980, com sua descrença com a luta “institucional”. 19

José Anísio Maia em depoimento ao autor.

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apoiando e lançando candidatos pela legenda oposicionista do MDB, não garantiu paz ao PCB. Liquidada a ala armada da esquerda brasileira, os militares passaram a combater mais diretamente o PCB. A chamada “Operação Radar” (GASPARI, 2004) foi organizada pelas forças de repressão, durante a “abertura política” iniciada pelo governo Geisel, contra o PCB, assassinando, a partir de 1974, diversos dos seus militantes e membros do Comitê Central, como Hiran Lima, Orlando bonfim e David Capistrano, além do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho.

3 Pós-1964: O PCb EnTRE O OCAsO E REsIsTênCIA DEMOCRÁTICA O golpe civil-militar de 1964 dizimou o PCB na Paraíba. Se entre 1945 e 1964 os comunistas paraibanos não exibiram o mesmo êxito eleitoral observado em outros estados do país, como o vizinho Pernambuco, o mesmo não pode ser dito com relação à sua influência entre os movimentos sociais e culturais do estado, como vimos. Logo após o golpe, diversos militantes comunistas foram presos ou obrigados a fugir do estado, como o próprio José Anísio Maia, que só retornou à Paraíba no final dos anos 1970. Em abril de 1964, antes mesmo da edição do AI-1, a Câmara Municipal de João Pessoa cassou o mandato do vereador Antônio Augusto Arroxelas e dos suplentes de vereador comunistas Leonardo Leal e José Gomes da Silva, o Zé Moscou. (NUNES, 2013) Ironicamente, a Câmara de João Pessoa era então presidida por Cabral Batista, ex-militante comunista, expulso do PCB nos anos 1950. Os comunistas paraibanos responderam a vários Inquéritos Policiais Militares nos anos 1960 e 1970, motivados pelas suas militâncias antes e após o golpe civil-militar. Nos anos 1970, as acusações estavam relacionadas, principalmente, à distribuição -74-


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clandestina do jornal clandestino “Voz Operária”, órgão oficial do PCB, e às ações de reorganização partidária. Possivelmente, a série de prisões e inquéritos a que foram submetidos comunistas em João Pessoa e Campina Grande a partir de 1973, após os anos de relativa calmaria que sucederam a primeira leva repressiva que se seguiu ao golpe, está relacionada com a onda de repressão nacional deflagrada contra o PCb naquele mesmo período, como vimos. Também naquela década, os comunistas paraibanos atuaram junto ao MDB, particularmente na sua ala juvenil, seguindo a orientação nacional do PCB de aproveitar o espaço eleitoral permitido pelo Estado autoritário para acumular forças na luta de massas democrática contra a ditadura. Entretanto, ao contrário de outros estados – como São Paulo e Pernambuco, que chegaram a eleger deputados comunistas pela legenda MDB –, os comunistas paraibanos só vieram a apresentar candidatos próprios em 1982, quando elegeram vereadores em Campina Grande. Também naquele ano, um dirigente comunista paraibano foi preso pela Polícia Federal20, na invasão do VII Congresso do PCB, realizado na sede da editora “Novos Rumos”, que publicava “A Voz da Unidade”, o jornal oficioso do PCb lançado em 1980. Além do comunista paraibano, todos os presentes foram presos, mas seguiram aproveitando o espaço de tensionada abertura política que então experimentava o país para reivindicar a legalização do PCB21. Esta breve reconstrução histórica de parte da atuação política dos comunistas na Paraíba, ao nosso juízo, serve de subsídio para nossa caracterização inicial do PCB como o primeiro partido de massas da esquerda brasileira. Um partido que, mesmo 20 “DPF CONCLUI INqUÉRITO E qUER ENqUADRAR COMUNISTAS”. Jornal do Brasil, 14 de abril de 1983. 21

FON & SERRANO, 1982.

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em um estado pequeno e de tradição oligárquica como a Paraíba daquele momento, assumiu um papel definidor na agitação social, cultural e política do momento histórico no qual estava inserido. Sem dúvidas, não há como se falar da História do Brasil sem se falar do PCB. REFERÊNCIAS ASSIS LEMOS, Francisco de. nordeste: o vietnã que não Houve. Ligas camponesas e o golpe de 64. Londrina: UEL / Editora Universitária - UFPB, 1996. BARBOSA, João Batista. Santa Cruz e o Jornal do povo. João Pessoa: Santa Marta, 1985. BLONDEL, Jean. as condições da vida política no estado da paraíba. João Pessoa: A União, 1994. BRANDãO, Gildo Marçal. a esquerda positiva. As Duas Almas do Partido Comunista – 1920/1964. São Paulo: Hucitec, 1997. FON, Antônio Carlos e SERRANO, Luís Roberto. Sutilezas do pC. Istoé, 22 de dezembro de 1982. GASPARI, Elio. A ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. GUEDES, Nonato et. al. (Org..). o Jogo da verdade. Revolução de 1964:30 Anos Depois. João Pessoa: A União, 1994. NICOLAU, Jairo. dados eleitorais do brasil (1982-1996). Rio de Janeiro: Editora Revan/Iuperj, 1998.

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NUNES, Paulo Giovani Antonino. repressão e legitimação de parte da sociedade civil no imediato pós-golpe civil-militar no estado da paraíba. XXVII Simpósio Nacional de História. Natal, 2013. PANDOLFI, Dulce. Camaradas e Companheiros. História e Memória do PCB. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Fundação Roberto Marinho, 1995. PORTO, Maria da Dores Paiva de Oliveira e LAGE, Iveline L. da Costa. Ceplar. História de um Sonho Coletivo. João Pessoa: SECPB/ A União, 1995. SEGATTO, José Antônio. breve História do pCb. São Paulo: LECH,1981. ____________________. reforma e revolução. As Vicissitudes Políticas do PCB (1954-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. VINCENT, Gérard. “Ser Comunista? Uma Maneira de Ser.” In. História da vida privada. Da Primeira Guerra aos Dias Atuais. v. 5. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. Pp. 427-57. WEFFORT, Francisco. “O Populismo na Política Brasileira”. In. FURTADO, Celso (Org.). brasil: tempos Modernos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

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Golpe Civil-Militar na paraíba: REPRESSãO E LEGITIMAÇãO1 Paulo Giovani Antonino Nunes2

1 INTRODUÇãO O período do governo do presidente João Goulart foi bastante tenso. Com grande radicalização tanto no campo da esquerda como no da direita política. Este tentou conviver entre as várias forças em conflito, ora tendendo para um lado ora para outro. Mas diante da conjuntura ele finalmente se decide por uma postura mais esquerdista. É no comício da Central do Brasil, no dia 13 de março de 1964, que João Goulart dá de fato uma guinada para a esquerda. Este comício foi organizado pela CGT e pela assessoria sindical de Goulart e visava demonstrar o apoio popular às propostas de Reforma de Base do governo e pressionar o Congresso Nacional no sentido de que este aprovasse rapidamente os projetos encaminhados pelo Executivo. Nele Goulart anunciou a promulgação de dois decretos, o de nacionalização das refinarias particulares de petróleo e o da desapropriação das propriedades de terras com mais de 100 hectares que ladeavam as rodovias e ferrovias federais e os açudes públicos federais. Também prometeu enviar ao Congresso outros projetos de reformas, como a agrária, eleitoral, a universitária e a constitucional. Além disso, anunciou que nos próximos dias decretaria algumas medidas em ‘defesa do povo e das classes populares’. Neste seu 1 Texto originalmente publicado na revista perspectiva Histórica. Dossiê Ditadura Militar, Vol, 2, N. 3, jul-dez, 2012, com o título “Golpe civil-militar na Paraíba: repressão e legitimação de parte da sociedade civil no imediato pós-golpe”. Revisto e ampliado. 2 Pós-doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Departamento de História da UFPB, Campus I, João Pessoa.

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discurso, Goulart atacou a ‘democracia dos monopólios nacionais e internacionais’, a ‘associação de classes conservadoras’, a ‘mistificação do anticomunismo’, a campanha dos ‘rosários da fé contra o povo’ e os ‘privilégios das minorias proprietárias de terras’, etc. (TOLEDO, 1984, p. 95 e segs). Ao mesmo tempo em que ocorria o comício da Central do Brasil, as organizações das mulheres elaboravam manifestações contrárias à realização do mesmo, utilizando-se de símbolos religiosos. Segundo Simões, além de divulgarem na imprensa a idéia de que o comício era comunista e totalitário, “organizaram então um protesto silencioso, mas ideologicamente eficaz, pedindo a todas as famílias da Zona Sul do Rio para acederem uma vela em suas janelas na hora exata do comício” (SIMõES, 1985, p. 93). Ao mesmo tempo que se iniciava o referido comício a entidade que organizava as mulheres em São Paulo, a UFC, rezava o terço na Praça da Sé, pela salvação do Brasil. Depois do comício da Central do Brasil as entidades femininas organizaram passeatas de “desagravo do rosário”, que segundo ela tinha sido ofendido por João Goulart e posteriormente, com o apoio da Igreja Católica e de várias entidades empresariais as “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que foram grandes manifestações contra o governo de Goulart. Também após o referido comício Castelo Branco fez considerações críticas a situação político-institucional do país e a chamada “Revolta dos Marinheiros.”3 Esta sublevação dos marinheiros e a posterior anistia que lhes foi concedida por Goulart levou a um consenso dos militares contra ele. Para completar o quadro de conflito, Goulart comparece a uma reunião 3 No dia 26 de março, mais de 1000 marinheiros e fuzileiros navais reuniram-se no Sindicato dos Metalúrgicos da Guanabara, para comemorar o segundo aniversário da proibida Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil e um contingente de fuzileiros navais, enviado para prender os manifestantes se insubordinaram e se solidarizaram com os revoltosos.

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do Automóvel Clube, onde se estava comemorando o aniversário da Associação dos suboficiais e sargentos da Polícia Militar da Guanabara e denunciou, em discurso, as pressões que vinha sofrendo da direita e afirma que a tentativa de golpe contra seu governo estava sendo financiada pelo imperialismo e pela burguesia associada. Finalmente, na madrugada do dia 31 de março, o gal. Mourão Filho, comandante da IV Região Militar de Minas Gerais, ordenou que sua tropas se movimentassem de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro, com o apoio do governador de Minas, Magalhães Pinto e de São Paulo, Adhemar de Barros e recebeu o apoio do gal. Amaury Kruel, do Rio de Janeiro, que ainda tentou um acordo com João Goulart, para que este se afastasse do CGT e da UNE e de outras entidades “subversivas” que poderia manter poder. Jango recusa, e o golpe é desencadeado. João Goulart resolve não resistir, apesar do apelo de vários de seus aliados, para evitar uma guerra civil no país e se exila no Uruguai. A direita no Congresso aprova a declaração de vacância do cargo de Presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili, foi empossado no cargo (TOLEDO, 1984, p. 103 e segs.) Apesar de o presidente empossado ser o deputado Ranieri Mazzili, quem na verdade dava as diretrizes no governo era o Alto Comando da Revolução, integrado pelo General Arthur da Costa Silva, o Almirante Augusto Radamaker e o Brigadeiro Correia de Mello. Oito dias após o golpe, o referido Alto Comando promulga o Ato Institucional No 1 (AI-1), que entre outras coisas, limita os poderes do Congresso Nacional, do Judiciário, os direitos individuais, lança as bases para os Inquéritos Policiais-Militares (IPMs) e autoriza a cassação de mandatos parlamentares. No dia 15 de abril de 1964 o General Humberto de Alencar Castelo Branco, foi eleito de forma indireta, por um Colégio Eleitoral, presidente da República, inicialmente para concluir o -80-


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mandato do presidente deposto, João Goulart. Castelo Branco, através de decreto-lei institui os IMPs, já previstos no AI-1, dando início a chamada “Operação Limpeza”. Os referidos Inquéritos deveriam investigar as atividades de funcionários civis e militares, de níveis municipal, estadual e federal, para identificar os que estavam comprometidos em atividades “subversivas”. A chamada “Operação Limpeza” se expressou principalmente através da cassação de mandatos parlamentares, de expurgos na burocracia civil, nas Forças Armadas e na perseguição aos movimentos sociais mais ativos no momento anterior ao golpe. Segundo Alves “Manobras militares de busca e detenção foram conduzidas em universidades, sindicatos, ligas camponesas e nos movimentos católicos de trabalhadores, camponeses e estudantes” (ALVES, 1989, p. 66). Neste texto, nos interessa analisar a situação social e política no Estado da Paraíba, no momento que antecede o golpe civil-militar no referido estado e a repressão que se abateu a alguns setores da sociedade no imediato pós-golpe, enquanto que outros setores da sociedade civil procuravam legitimar o novo regime que se instaurava.

2 MOVIMENTOS SOCIAIS E O GOVERNO DE PEDRO GONDIM O final do período trabalhista4 na Paraíba foi marcado por mobilizações dos trabalhadores urbanos e rurais. A intensificação 4 Entendemos que trabalhismo é um conceito que explica melhor que populismo o período da política brasileira entre 1945 e 1964, no sentido que busca compreender as ações dos trabalhadores no período e seu apoio ao projeto que buscava atender de alguma forma suas demandas. O governador do estado da Paraíba, Pedro Gondim, apesar de ser originário do PSD, pelo qual foi eleito vice-governador e depois ter sido eleito governador pelo PDC como o apoio dos conservadores da UDN, teve em vários momentos de seu governo uma postura muito próximo das práticas trabalhistas, formuladas e desenvolvidas pelo PTB, principalmente no governo de Vargas e posteriormente no de Goulart.

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da urbanização, com o avanço do capitalismo no campo, propicia o surgimento de práticas trabalhistas. Na década de 1960, foi criado, a partir da atuação de vários presidentes de sindicatos, a Comissão Intersindical (COSINTRA), voltada para as reivindicações básicas dos trabalhadores. A partir desta entidade sindical, foi criado o núcleo local do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que passou a acompanhar e dar apoio aos diversos movimentos reivindicatórios e grevistas surgidos no período. Também foi criado o Pacto de Unidade e Ação, tendo como base os sindicatos dos portuários e ferroviários de Cabedelo. Além desse avanço do movimento sindical, outras entidades da sociedade civil passaram a atuar de forma mais reivindicativa, principalmente o movimento estudantil secundarista e universitário, e a Associação Paraibana de Imprensa (API). Esta, a partir do momento que passou a ter uma direção mais progressista, sob a presidência de Adalberto Barreto (CITTADINO, 1998, p. 75 e segs.). Outro campo de atuação importante das forças nacionalistas e de esquerda foi a Campanha de Educação Popular (CEPLAR), fundada em 1961, com o objetivo de, inspirada no método Paulo Freire, promover atividades de educação/ conscientização junto às camadas populares. Inicialmente, atuou na cidade de João Pessoa e, posteriormente, expandiu-se para outras cidades do interior do Estado. Foi fundada por estudantes e profissionais da área de educação e assistentes sociais ligadas à JUC (Juventude Universitária Católica). No seu Conselho Deliberativo, estavam representados o movimento sindical, o estudantil, a Igreja Católica, a API, dentre outras entidades. Os comunistas também participam diretamente, principalmente, o teatrólogo Paulo Pontes, que produziu peças, músicas e folhetos para suas atividades (PORTO.; LAGE, 1994, p. 163 e segs.). -82-


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Porém, apesar do avanço do movimento sindical e popular, quem irá dar o tom das manifestações populares deste período é o movimento camponês, através das Ligas Camponesas. A “paz agrária” no campo paraibano era garantida pelo jogo entre o Grupo da Várzea, composto, principalmente, pelas famílias Ribeiro Coutinho e Veloso Borges, e pelo Estado, e fundamentavase na exploração máxima do campesinato. Era possível detectar a relação entre dono da terra e o Estado, este, representado na zona de latifúndio pela força policial sob o comando do delegado. A autoridade, civil ou militar, embora juridicamente designada para garantir a ordem pública, estava a serviço de um dos grupos oligárquicos no poder. O Grupo da Várzea conseguia manter a dominação oligárquica, legitimando o poder político do Estado através do curral eleitoral e do voto de “cabresto”. A questão agrária na Paraíba só passou a ser questionada no final da década de 1950, com as mudanças profundas ocorridas nas relações de produção no interior do sistema latifundiário, que culminaram com a expropriação definitiva do camponês e a sua conseqüente expulsão da terra. Neste momento, os camponeses começaram a resistir, com a criação das Ligas Camponesas e dos sindicatos rurais. A origem das Ligas Camponesas na Paraíba está ligada ao rompimento da luta camponesa com o localismo paroquial e o conseqüente questionamento da estrutura de dominação, representada pelo atrelamento do aparelho governamental ao grupo da Várzea e a própria mobilização dos trabalhadores, através de congressos, e da influência das lutas de Pernambuco (BENEVIDES, 1985, p. 32 e segs.). A primeira Associação dos Trabalhadores Agrícolas da Paraíba, criada em 1958, e que ficou conhecida como Liga de Sapé, era bastante parecida com a Liga da Galiléia, que deu origem à luta social agrária, apesar de diferenças no modelo organizacional. A Liga de Sapé, a exemplo da Liga do -83-


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engenho Galiléia de Pernambuco, procurou desvincular-se da identificação com o comunismo, não adotando o nome de Liga e convidando um pequeno proprietário para ser seu presidente, apesar da direção real do movimento estar nas mãos do líder camponês João Pedro Teixeira. As Ligas espalharam-se rapidamente por várias cidades do Estado, atingindo um total de 15 entidades, com cerca de quarenta mil sócios. A Liga de Sapé foi a maior do Brasil, chegando a contar com 13.000 membros, seguida pela de Mamanguape, com 10.0005, apesar de toda repressão do bloco agroindustrial. Começaram a ser estabelecidas relações entre o campesinato paraibano e o mundo urbano da Capital, passando as Ligas a receberem apoio de parte da imprensa, de parlamentares progressistas, da Frente de Mobilização Popular, do Centro de Educação Popular (CEPLAR), de segmentos da Igreja, de estudantes, das esquerdas e até de elementos liberais da classe média. A divergência interna presente no movimento em Pernambuco, entre os seguidores de Francisco Julião e os do PCB, também se fazia presente na Paraíba. As Ligas na Paraíba se dividiam entre a liderança dos “julianistas”, Elizabeth Teixeira e Antônio Dantas, e dos militantes do PCB. Mas o PCB era majoritário na Paraíba, o que facilitou a tese de adesão à sindicalização no campo, defendida por este Partido. A criação das Ligas Camponesas na Paraíba gerou uma violenta reação de parte dos grandes proprietários. Não satisfeitos com a “petulância” dos camponeses, que ousavam se organizar para lutar por seus direitos, reagiram de forma mais violenta do que a usual no trato com os camponeses, usando a repressão e a violência contra as manifestações. Os latifundiários usaram dois 5 Segundo informações do líder das Ligas Camponesas Clodomir Moraes, citado por AUED, Bernadete W. A Vitória dos Vencidos. Partido Comunista Brasileiro – PCB e Ligas Camponesas (195564). Florianópolis: Universitária/UFSC, 1986, p. 33-34. No entanto, há divergências sobre o número real de associados dessas entidades, outras fontes, como por exemplo o filme Cabra Marcado para Morrer informa que a Liga de Sapé tinha sete mil sócios.

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métodos para intimidar os camponeses. Apelaram tanto para argumentos “sutis” de persuasão, tais como: a ameaça de expulsão das terras; de agressões e de morte; cooptação de lideranças e sua transferência para outras regiões; intimidação através da realização de manobras militares em áreas de conflito, como para o uso da violência efetiva, sob diversas formas: espancamentos, invasão e destruição das residências, prisões irregulares e, por fim, assassinatos de lideranças. Também, tornou-se comum a criação de milícias particulares, fortemente armadas, no interior das propriedades, em áreas socialmente críticas. A escalada da violência teve início no Engenho Miriri, localizado entre os municípios de Sapé e Mamanguape, após um conflito entre membros da Liga e proprietários, que resultou na morte do líder camponês Alfredo Nascimento. Em seguida, houve o assassinato do líder da Liga de Sapé, João Pedro Teixeira (AUED, 1986, p. 25 e 50). Este crime teve repercussão a nível nacional. Foi acusado de mandante do crime o senhor Aguinaldo Veloso Borges, sexto suplente de deputado estadual, que, após uma manobra promovida pelo deputado Joacil Pereira de Brito, na Assembléia Legislativa, assumiu o mandato e passou a gozar de imunidade parlamentar.6 6 A Coligação Nacionalista Libertadora (UND e PL) elegeu onze deputados estaduais na eleição de 3 de outubro de 1958. Destes, um licenciou-se, dando lugar a que os cinco primeiros suplentes assumissem e, em seguida, entrassem de licença, até que chegou a vez dos sexto suplente, Aguinaldo Veloso borges assumir. A trama ficou evidenciada pela Ata da Assembléia Legislativa do Estado do dia 11 de abril de 1962: “Expediente Requerimentos: Do Deputado Clóvis Bezerra requerendo 31 dias de licença para tratamento de saúde. Do Deputado Flaviano Ribeiro, no mesmo sentido. O Sr. Presidente informa que está na ante-sala desta Assembléia o Suplente Aguinaldo Veloso que foi convocado por esta Assembléia e vem assumir o mandato”. (apud BENEVIDES, Cezar. Camponeses em Marcha, p. 99). Este fato levou populares a recitarem o seguinte verso: “Morreu João Pedro, um talento – os capangas que o matou – é pobre/ foi pro relento – quem mandou, como é rico – se escondeu no Parlamento” (Depoimento de Ophelia Amorim – Inquérito Policial Militar. Acervo do Núcleo de Referência de Educação de Jovens e Adultos da Paraíba: História e Memória. Centro de Educação/UFPB).

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Foram registrados vários casos de espancamentos e mortes de lideranças das Ligas e camponeses a elas ligados. Em diversos momentos, os camponeses reagem às agressões recebidas, desencadeando um processo de enfrentamento que culminou com a ocorrência de vítimas, tanto entre os camponeses, quanto entre as milícias dos proprietários, como foi o caso do confronto que ficou conhecido como “Chacina de Mari”.7 Estas violências chegaram ao auge após o Golpe de 1964, que resultou no total desmantelamento do movimento camponês. O governo de Pedro Gondim, iniciado de forma interina em 1958 e depois continuado através de eleições em 1960, manteve uma boa relação com as forças trabalhistas no Estado. Frente à crescente mobilização camponesa, no início dos anos sessenta, manteve uma posição de tolerância e compreensão, sem chegar a estimular ou apoiar às ações mais radicais. Também se percebe, nos seus pronunciamentos sobre a questão agrária no Nordeste, uma identificação com as reivindicações dos trabalhadores rurais, por ele consideradas legítimas, e de condenação da estrutura agrária então vigente. no final de 1963, as crescentes mobilizações dos setores reformistas e de esquerda levaram a uma ruptura com o governo Gondim. Três acontecimentos levaram a um afastamento entre as forças populares e de esquerda e o citado governo. Primeiro, uma manifestação de estudantes secundaristas e universitários contra o desrespeito à lei da meia passagem, que foi reprimida pela polícia; segundo, a tragédia de Mari, e por fim, a invasão da Faculdade de Direito8 . Essas ocorrências são um marco decisivo 7 Conflito entre funcionários das Usinas são João e santa Helena, vigias e policiais arrebanhados de um posto policial de Santa Rita e camponeses, que resultou em onze mortos, entre as quais o superintendente da Usina São João, Fernando da Cruz Gouveia e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mari, Antônio Galdino da silva. Além dos mortos, quatro pessoas ficaram feridas. 8

Segundo cobertura da imprensa na época, a invasão foi liderada pelo deputado Joacil Pereira

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do esgotamento “gondinista”, que se consubstancia no afastamento do governador das forças populares e de esquerda do Estado e no seu aprisionamento absoluto às classes conservadoras. Esta posição do governo Gondim deve ser analisada, tendo-se em vista a composição que o elegeu, assim como a sua disposição em governar no centro dessas forças políticas. Pois, por um lado, ele foi eleito com o apoio da UDN, partido de feições conservadoras, que, naquela conjuntura, não tinha como suplantar sua popularidade e terminou apelando para uma aliança, como forma de chegar ao poder. E como Gondim, após sair do PSD, não dispunha de uma máquina partidária capaz de assegurar sua vitória, aceita o apoio udenista. Mas, mesmo contando com o apoio da UDN, Gondim não poderia prescindir do apoio das forças populares e de esquerda, que se tornaram a base de sua campanha e que desempenharam um papel significativo na fase inicial de seu governo. Assim, dentro desse pacto, ele fica contido entre duas forças antagônicas que, progressivamente, reforçam a pressão sobre ele, tornando a manutenção do pacto impossível, o que leva à sua ruptura e a uma tomada de posição favorável às forças conservadoras. A guinada do governo, no sentido de sua vinculação definitiva com os grupos conservadores, já se mostra nas conseqüências do episódio de Mari, onde o Governador, além da medida de praxe representada pela abertura de um inquérito para identificação dos culpados, procede à montagem de um forte esquema de repressão aos camponeses, enviando para os de Brito e pelo estudante Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, com o objetivo de desalojar da Faculdade estudantes que protestavam contra a vinda do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, à Paraíba. In: “Grupo anti-lacerdista promoveu, sem motivo, desordens em João Pessoa, Diário de Pernambuco, 05 de março de 1964. (apud RODRIGUES, Cláudio José Lopes. Alienados e Subversivos. A Aventura Estudantil (1950-1999). João Pessoa: Idéia, 2000, p. 15).O ex-deputado Joacil de Brito Pereira nega que tenha invadido a Faculdade. Ver, BRITO, Joacil de. Eu não invadi a Faculdade. In GUEDES, Nonato. et al. (Orgs). O jogo da verdade. Revolução de 64 30 anos depois. João Pessoa: A União, 1994, p. 273275.

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locais de maior tensão um forte aparato policial comandado pelo coronel Luiz de Barros9. O governo também fez alterações no aparato policial, tentando reforçar a comunhão que se estabeleceu entre o Governo do Estado e os representantes das Forças Armadas no Estado, após os desdobramentos dos conflitos de Mari e da Faculdade de Direito, e não permite qualquer tentativa de realização de manifestações contestatórias em João Pessoa e em outras localidades. Estas mudanças de postura do governo Gondim são claros indicativos do novo direcionamento político adotado pelo governo. Muito mais do que apenas o reforço das vinculações com as classes conservadoras, o que se percebe, a partir desse posicionamento do governador, é o estabelecimento, anteriormente ao 31 de março, de uma franca sintonia do Governo do Estado com os interesses e com o pensamento das Forças Armadas. Enquanto Pedro Gondim se aproximava das forças golpistas, dava-se, ao mesmo tempo, um avanço das forças de direita no sentido de conspiração e de sua organização e reação contra as mobilizações das forças de esquerda, ocorridas antes de 1964. Os proprietários rurais organizaram-se na Associação dos Proprietários da Paraíba (APRA), que ficou conhecida como LILA (Liga dos Proprietários). Esta entidade exercia uma atividade paramilitar, voltada para a defesa das suas propriedades privadas. A articulação do golpe de 64 na Paraíba contou com a participação conjunta dos setores civis e militares, membros da UDN, do PSD e jornalistas. Segundo o deputado Joacil de Brito Pereira. Estávamos prontos para enfrentar o pior. Adquirimos armamento e munição em São Paulo. O Coronel Roberto de Pessoa fez nossa ligação com o Governador

9 Um dos mais temidos repressores dos movimentos sociais da Paraíba, posteriormente, durante o regime militar, foi eleito deputado estadual.

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Ademar – e o auxiliar do Governo paulista, ele nos levou no Governador Ademar – e o resto nós fizemos: eu, Aguinaldo Veloso Borges, Antônio Ribeiro Pessoa, João Batista de Lima Brandão, Sindulfo Guedes Santiago, Marcos Odilon, Flaviano Ribeiro Coutinho e Luiz Ribeiro Coutinho. A essa altura, não estavam sós os proprietários rurais. Homens de todas as classes passaram a ajudá-lo, a apoiá-los. Jornalistas como Antônio Barroso Pontes, Archimedes Cavalcanti, Antônio de Arruda Brayner, José Leal e Otinaldo Lourenço formavam decididamente conosco. O General reformado do Exército, Renato Ribeiro de Morais; o dentista Fernando Furtado; o médico João Gonçalves Toscano de Medeiros; o sargento reformado do Exército, Reinaldo de Melo Celani; o Sargento Lira e vários outros, como outro Tenente reformado do Exército, Fontele. Finalmente, uma plêiade de paraibano de todos os segmentos sociais. Em Campina Grande, formamos poderoso núcleo. O Juiz aposentado Manoel Casado Nobre, e empresário Juarez Barreto, o advogado Rui Barbosa, o Dr. Ermírio Leite, os irmãos Paulo e Enivaldo Ribeiro, Luismar Resende e tanto outros cidadãos livres ficaram ao nosso lado. Em Areia, Severino Teixeira de Brito Lira, o Coronel José Maria da Cunha Lima e o seu sobrinho Roberto Cunha Lima, João barreto e seu filho Haroldo barreto, o Professor Manoel Gouveia, o proprietário José Rufino de Almeida e muita gente mais (PEREIRA, 1997, p. 109-110).

As forças civis golpista do Estado da Paraíba, também se prepararam para o caso de uma resistência ao Golpe. Segundo o deputado Joacil Pereira de Brito a pedido do Coronel Plínio Pitaluga - que temia ter que deslocar tropas para Recife, onde existia a possibilidade de resistência do governador Miguel Arraes e por isso necessitava de apoio dos civis – ele arregimentou um contingente considerável de pessoas para esta finalidade: -89-


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Arregimentamos esse pessoal, até as 11 h da manhã. Entreguei ao coronel Plínio Pitaluga uma relação nominal e toda a essa gente foi recrutada. Prometi mil homens, mas oferecemos ao Exército um total de mil e duzentas pessoas. [...]. Trouxeram [as pessoas que estavam apoiando o golpe] toda essa gente das suas fazendas, engenhos e usinas. Colocamos os nossos contingentes nas adjacências da Capital, em lugares de fácil acesso. E uma boa parte devidamente armada pelo Exército. Muitos já estavam nos arrabaldes de João Pessoa, onde moravam. Pertenciam aos esquadrões organizados pelo General Renato Ribeiro de Morais. A maior parte constituída de ex-soldados, ex-cabos e ex-sargentos reformados ou excluídos do Exército e da Polícia. O General os conhecia e tinha os seus endereços. Já os havia preparado para os combates e para as guerrilhas. [...]. Esses contingentes seriam empregados no policiamento ostensivo da cidade, aproveitando-se de preferência reformados do Exército e da Polícia; na ocupação de repartições públicas federais, sempre sob o comando de um sargento ou de um oficial; na ocupação de rádios e jornais locais, se fosse necessário. Recrutamos também os nossos jornalistas, a saber, José Leal, Otinaldo Lourenço, Antônio de Arruda Brayner, Osias Nacre Gomes, Antônio Barroso Pontes, Archimedes Cavalcanti, entre outros.[...] Não foi preciso, porém, utilizar essa gente por nós arregimentada (PEREIRA, 1997, p. 115-117)

Nada indica que o Governo do Estado, a princípio articulado com as práticas trabalhistas, tenha tido alguma participação na conspiração golpista, apesar da sintonia de interesses e de ação que já vinha se manifestando entre o governador e a guarnição federal da Paraíba. O mais provável, é que ele tenha sido tomado de surpresa. Além disso, também não tinha uma posição definida, nem tampouco homogênea, a ser assumida. Pois parte do seu secretariado defendia o rompimento com o Governo Federal e -90-


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a adesão imediata ao golpe; e outra parte pretendia a adoção de uma posição em apoio a João Goulart (CITTADINO, 1998, p. 100 e segs.). No dia do golpe, Gondim sofreu pressão dos militares para aderir, contudo só tomou sua posição no dia seguinte, com a chegada do líder do governo à Assembléia, Antônio Vital do Rêgo. A partir deste momento, percebendo a irreversibilidade do movimento militar, a fragilidade das forças “janguistas” e, principalmente, a importância do momento para sua sobrevivência política, Pedro Gondim, com a colaboração de Antônio Vital do Rêgo e de seu secretário Sílvio Porto, elabora uma nota de apoio ao movimente golpista, que foi lida pelo governador na rádio estatal, a Tabajara, no dia 1º de abril. Afirma Gondim, na referida nota: Não posso e não devo, neste instante de tanta inquietação nacional, deixar de definir minha posição, na qualidade de governador dos paraibanos. Reafirmo, preliminarmente, todos os pronun-ciamentos que expendi em favor das reformas essenciais, por saber que elas constituem instrumentos legais de adequação aos novos problemas do povo. E neste sentido nunca faltei com o meu estímulo e apreço ao governo central. Os últimos acontecimentos, verificados no Estado da Guanabara, envolvendo marinheiros e fuzileiros navais, denunciaram, porém, inequívoca e grave ruptura na disciplina em destacado setor das classes armadas, com desprezo às linhas hierárquicas e completa alienação às prerrogativas da autoridade, sustentáculo autêntico da segurança nacional. O movimento que eclodiu nestas últimas horas em Minas Gerais, com repercussão em outros Estados, não é mais nem menos do que a projeção de acontecimentos anteriores, numa tentativa de recolocar o país no suporte de sua estrutura legal, propiciando clima de tranqüilidade – indispensável ao processo desenvolvimentista que vivemos.

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O pensamento político de Minas Gerais, hoje como em 1930, identificou-se com a vocação histórica do povo paraibano que deseja, neste episodio e sobretudo, o cumprimento das liberdades públicas, consubstanciadas na defesa intransigente do regime democrático. (Apud MELO, 2004, p. 135-136).

Esta decisão garantiu-lhe não apenas a sua permanência à frente do Governo do Estado, como a preservação de sua liberdade, pois, se a decisão tivesse sido outra, ele, provavelmente, teria sido deposto e preso. A partir daí, a adesão de Gondim à “revolução” se dará de forma absoluta e inquestionável.

3 A REPRESSãO NO IMEDIATO PóS-GOLPE O golpe militar também tomou de surpresa as forças de esquerda da Paraíba. Na noite de 31 de março, após as noticias da eclosão do golpe, chegou a ser iniciado um comício no bairro de Cruz das Armas, promovido por entidades ligadas à esquerda – Partido Comunista, CGT, Pacto de Unidade e Ação e Federação das Ligas Camponesas – que foi dissolvido pelas tropas federais. Outra tentativa de reação se deu na cidade de Rio Tinto, onde camponeses e operários, através do sindicato e das Ligas Camponesas e contando com o apoio do prefeito e presidente do Sindicato dos Têxteis, Antônio Fernandes de Andrade, tomaram a fábrica de tecidos, paralisando suas atividades e isolando os pontos estratégicos da cidade com arame farpado. Mas a Policia Militar reprimiu o movimento, o prefeito fugiu o posteriormente se entregou no Quartel do 15° Regimento de Infantaria onde ficou preso por seis meses. Ele também perdeu o mandato de Prefeito de Rio Tinto, como podemos ver neste Projeto de Resolução da Câmara Municipal da referido cidade:

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Câmara Municipal de Rio Tinto Resolução nº35 Art. 1º - Antônio Fernandes de Andrade, eleito prefeito do município de Rio Tinto, e Durval Francisco de Assis, eleito vice-prefeito do município de Rio Tinto, pela legenda do Partido Socialista Brasileiro, em eleição realizada no dia 11 (onze) de agosto de 1963, proclamados no dia 14 do mesmo mês e ano, ficam impedidos definitivamente de exercer os cargos para que foram eleitos, em vista as suas manifestações públicas e atentados contra o artigo 141, parágrafo quinto e décimo terceiro da Constituição Federal, e ainda contra a segurança nacional, o atual regime, constituição estadual e artigo 71 inciso I da lei 311. Artigo segundo – pelos mesmos motivos do artigo primeiro, ficam também impedidos definitivamente os vereadores Alcides Pereira da Silva, Manoel Ferreira Ramos, o suplente Paulo Francisco de Assis e todos os demais suplentes eleitos pelo Partido Socialista Brasileiro. Artigo terceiro – Considerando que o sr. Prefeito municipal, face as suas atitudes ostensivas contra a segurança nacional, e que a frente do executivo municipal, acompanhado do vice prefeito, vereadores e suplentes do Partido Socialista Brasileiro, vem se mostrando incapazes de manter a segurança interna do município, resolve esta Câmara aprovar os impedimentos de caráter definitivo de que trata dos artigos 1 e 2 da presente resolução. [...] Mario Ferreira de Souza – Presidente Edésio de Jesus Fragoso de Albuquerque – Primeiro secretário Celso de Lima Catolé – Segundo secretário (Arquivo da Comissão da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba)

Em Sousa, o prefeito Antônio Mariz realizou um comício em praça pública e também foi preso. Em Campina Grande, o

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prefeito Newton Rique deu declarações dizendo-se contrário ao golpe, sendo depois cassado. A partir daí, as forças golpistas dominaram totalmente a situação. A API foi invadida pelo Exército; a CEPLAR também foi invadida por civis engajados no golpe. Foram registradas várias prisões, efetuadas tanto no setor urbano como na zona rural. Houve o aniquilamento das Ligas Camponesas. A repressão no meio rural, além de ser feita pela Polícia Militar e pelo Exército, contou com a colaboração de capangas e das milícias particulares dos proprietários rurais. A sociedade civil com um todo apoiou o golpe militar. Os jornais publicaram notas de apoio às Forças Armadas, de vários sindicatos e associações. A Assembléia Legislativa, através de seu presidente Clóvis Bezerra (UDN) apóia de imediato o golpe e a Câmara Municipal de João Pessoa, também. Ambas as casas legislativas, antecipando-se às determinações estabelecidas pelo Governo Federal através do AI-1, procederam à cassação dos mandatos de parlamentares supostamente envolvidos com atividades e ideologias consideradas subversivas. A Assembléia Legislativa, através do Projeto de Resolução, 3/64 do deputado Joacil de Brito Pereira, cassou inicialmente o deputado Assis Lemos e Lagstein de Almeida e dos suplentes Figueiredo Agra e Agassiz Almeida, por unanimidade. Art. 1º - É declarada a perda dos mandatos dos deputados Francisco de Assis Lemos e Langstein Almeida e dos Suplentes Figueiredo Agra e Agassiz de Almeida, todos da Legenda do Partido Socialista Brasileiro. Art. 2º - A perda de mandatos declarada no artigo anterior se funda em procedimentos incompatível com o decoro parlamentar, por parte daqueles representantes e suplentes, nos termos do art. 21, § 2º, da Constituição do Estado e no art. 120, do Regimento Interno. Parágrafo Único – Para os efeitos da presente Resolução, entende-se por procedimento incompatível com

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o decoro parlamentar a prática pelos aludidos deputados e suplentes de incitamento ao ódio de classe, a tentativa, por meios violentos, de subversão do regime democrático, para implantação da ditadura, no País, o que constitui crimes previstos na Lei de Segurança (Lei no. 1.802, de janeiro de 1953) Art. 3º - A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogada as disposições em contrário. Sala das Sessões, em 7 de abril de 1964. (Inquérito Policial Militar. Acervo do Núcleo de Referência de Educação de Jovens e Adultos da Paraíba: História e Memória. Centro de Educação/UFPB).

Já a Câmara de João Pessoa cassou o mandato do vereador Antônio Augusto de Arroxelas Macêdo. Segundo o presidente da Câmara Cabral Batista, “após várias reuniões secretas, os vereadores resolveram por unanimidade cassar o mandato do vereador Antônio Augusto de Arroxelas Macêdo, em face do mesmo ter infrigido o artigo 48 da Constituição Federal e o artigo 4º do Regimento interno da casa” (O Norte, 04/04/1964). O ato de cassação se deu através de um Projeto de Resolução: EsTADO DA PARAíbA MUnICíPIO DE JOãO PEssOA CÂMARA MUNICIPAL PROJETO DE RESOLUÇãO NÚMERO ------Cassa mandato de Vereador e dá outras providências CONSIDERANDO que o Vereador ANTONIO AUGUSTO DE ARROXELAS MACÊDO, eleito pela Legenda do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO, defendendo ideologias contarias ao Regime Federativo por que se rege a Nação Brasileira, estando implicado no movimento subversivo que tentava implantar o Comunismo no território Nacional, o que foi evitado pela patriótica ação das FORÇAS ARMADAS e dos Governa-

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dores que se mantiveram fiéis à Legislação Constitucional; CONSIDERANDO que esse ato constitui procedimento incompatível com o decoro da Casa Legislativa a que o mesmo pertence, pois não pode admitir que um Vereador pugne pela implantação de um regime contrário ao que estabelece a Constituição Federal do País; CONSIDERANDO que a omissão da Constituição Estadual e das Leis ordinárias do Estado e do Município, relativamente à perda do mandato por incompatibilidade com o decoro parlamentar, a que se há de aplicar o disposto do Art. 48, parágrafo 2° da Carta Política Constitucional do Brasil, Lei Maior que nos rege; CONSIDERANDO que por isso e tendo em vistas os relevados interesses nocivos à sua estabilidade e aos fundamentos e, tendo ainda em vista o que estabelece o Art. 4° do Regimento Interno da Câmara Municipal de João Pessoa; RESOLVE: Art. 1° - Fica cassado o mandato de Vereador do Sr. ANTONIO AUGUSTO DE ARROXELAS MACÊDO, por ter o mesmo desrespeitado o Artigo 48, parágrafo 2° da Constituição Federal e o Artigo 4° do Regimento Interno desta Câmara; Art. 2° - A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. SALA DAS SESSõES DA CÂMARA MUNICIPAL DE JOãO PESSOA, EM 3 DE ABRIL DE 1.964. JOãO CABRAL BATISTA - Presidente – ALMIR CORREA 1º Secretário EDSON CAVALCANTI 2° Secretário (Inquérito Policial Militar. Acervo do Núcleo de Referência de Educação de Jovens e Adultos da Paraíba: História e Memória. Centro de Educação/UFPB).

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Também foram cassados os suplentes José Gomes da Silva, conhecido como Zé Moscou, e Leonardo Leal. Neste imediato pós-golpe no Estado da Paraíba foram cassados por projetos de resoluções da Assembleia Legislativa e das Câmaras de Vereadores os mandatos de três prefeitos, dois vice-prefeitos, oito vereadores, sete suplentes de vereadores, dois deputados estaduais e dois suplentes de deputado estadual. Pelo Ato Institucional foi cassado o deputado federal e Ministro da Justiça, do governo de João Goulart, Abelardo Jurema10 . A grande maioria dos cassados tinha ligação com as Ligas Camponesas. O setor estudantil também foi muito perseguido. As direções das entidades estudantis, tanto secundaristas como universitárias, sofreram intervenções. Também houve perseguição a professores universitários e expurgos no aparelho estatal. O reitor da Universidade Federal da Paraíba, professor Mário Moacyr Porto, foi afastado do cargo, em seu lugar foi nomeado como interventor o professor de Medicina e ex-oficial do Exército, Guillardo Martins Alves, que depois foi eleito pelo Conselho Universitário, onde exerceu mandatos sucessivos até o ano de 1971. Apesar da repressão ter se estendido a vários setores da sociedade, ela se fez mais forte sobre as Ligas Camponesas, que era considerado uma afronta aos grandes proprietários de terra e uma ameaça de subversão da ordem. O deputado estadual Assis Lemos, presidente da Federação das Ligas Camponesas da Paraíba foi preso no Recife no dia 6 de abril de 1964, onde tinha ido prestar apoio a uma possível resistência do governador de Pernambuco, Miguel Arraes e após vê a impossibilidade de resistir se encontrava hospedado na 10 Segundo levantamento preliminar da Comissão da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba. Após o Ato Institucional n° (AI-5), foram cassados deputados federais, deputados estaduais e prefeitos pelo Conselho de Segurança Nacional.

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residência do ex-deputado paraibano Osmar de Aquino. Segundo Lemos, em relato no seu livro, “Nordeste. O Vietnã que não houve. Ligas Camponesas e o golpe de 64”, após sua prisão: Puseram-me numa Rural Willys [...] e foram me espaçando até o quartel General, no Parque 13 de Maio, em Recife. Pararam no caminho e discutiram se deveriam ou não, levar-me até a praia, para uma sessão de afogamento. Felizmente desistiram (LEMOS, 1996, p. 218).

Posteriormente, o deputado Assis Lemos foi trazido para João Pessoa, para o quartel do 15 RI, segundo ele, neste percurso, as pessoas que estavam no carro que iriam transportá-lo, juntamente com o Coronel Hélio Ibiapina: Iam discutindo qual o melhor caminho a tomar, e resolveram seguir em direção ao bairro de Macaxeira, na periferia de Recife. quando ultrapassaram aquele bairro, o ‘muluto’ disse: ‘Coronel, prá que levarmos este bandido prá Itabaina, quando podemos resolver aqui mesmo? O senhor está cansado e a viagem é longa’. O Coronel concordou e o motorista procurou uma estrada do lado direito da rodovia de Recife, em direção a João Pessoa. Parou o veículo e desceram. Fiquei com o motorista que me apontava um revolver, calibre 45. Logo, em seguida a um sinal de Ibiapina, o motorista mandou que tirasse a roupa ficando eu totalmente nu. Tiraram as cordas e os ferros do jipe, e me levaram a um matagal. Havia apenas uma casa, a cerca de 200 metros. Numa árvore, instalaram o ‘pau-de-arara’, e me colocaram nele. Começaram a espancar-me, com tapas nos ouvidos – a famoso telefones – enquanto o Ibiapina interrogava-me sobre as armas vindas de Cuba. Respondi que não tínhamos armas e desconhecia totalmente que Cuba as houvesse enviado [...]

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Sob o pretexto de que estivesse ocultando alguma informação, colocaram-me um jornal no ânus e tocaram fogo. Era um tipo de tortura chamado de ‘foguete’ ou ‘charuto cubano’ (LEMOS, 1996, p. 220-221).

Apesar das torturas, Assis Lemos ainda teve a sorte de sair com vida, depois de cumprir prisão na Ilha de Fernando de Noronha. Mas o mesmo não aconteceu com outros dirigentes das Ligas Camponesas na Paraíba, com foi caso de João Alfredo, conhecido com “Nêgo Fuba” e Pedro Inácio de Araújo, conhecido como “Pedro Fazendeiro. João Alfredo era sapateiro e camponês, militante do PCB. Foi organizador das Ligas de Sapé (PB). Antes de 1964, esteve preso em várias ocasiões devido o seu trabalho político com os camponeses. Nas eleições municipais de 1963 foi eleito o vereador mais votado do município de Sapé. Logo após o golpe foi preso, torturado e ficou detido até setembro de 1964. Também teve seu mandato de vereador na cidade de Sapé cassado, conforme podemos ver no Projeto de Resolução da Câmara Municipal: Câmara Municipal de Sapé Projeto de resolução nº________ Cassa mandatos de vereador e dá outras providencias Considerando que o vereador João Alfredo Dias, eleito pela legenda do Partido Socialista Brasileiro, defendendo ideologias contrárias ao regime federativo por que se rege a nação brasileira, estando implícito subversivo que tentava implicar o comunismo no território nacional, o que foi evitado pela patriótica ação das forças armadas e dos governadores que se mantiveram fiéis à legalidade constitucional. Considerando que esse ato constitui procedimento incompatível com o decoro da casa legislativa a que o mesmo pertence, pois não pode admitir que um vere-

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ador pede pela implantação de um regime contraditório ao que estabelece a constituição federal do país. Considerando que a comissão da constituição estadual e das leis ordinárias do Estado e do município, relativamente a perda do mandato por incompatibilidade ao decoro parlamentar, a que se há de aplicar o disposto artigo 48, parágrafo 2º da carta política constitucional do Brasil, lei maior que nos rege. Resolve: Art. 1º - fica cassado o mandato do vereador sr. João Alfredo Dias, por ter o mesmo desrespeitado o artigo 48, parágrafo 2º da constituição federal. [...] Manoel Coutinho Madruga – presidente Natanael Irineu da Silva – primeiro secretário Genival Henriques de Andrade – segundo secretário. (Arquivo da Comissão da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba).

Pedro Inácio de Araújo era trabalhador rural, também era filiado ao PCb, militou em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais. Antes de 1964, sofreu ameaças de morte por parte dos latifundiários da região, tendo, em 1962, levado um tiro na perna. Foi vice-presidente da Liga Camponesa de Sapé e membro da Federação das Ligas Camponesas. Foi preso no dia 08 de maio de 1964 pelos órgãos de repressão e levado para o 15º Regimento de Infantaria, João Pessoa, onde foi torturado. Ambos foram soltos do 15º Regimento de Infantaria do Exército, em João Pessoa (PB), “Nêgo Fuba” no dia 29 de agosto e Pedro Fazendeiro no dia 07 de setembro de 1964 e nunca mais foram vistos. São dados como desaparecidos (BRASIL, 2007, p. 69-70). Logo após a soltura e o desaparecimento de ambos, a esposa de Pedro Fazendeiro, Maria Julia de Araújo, fez uma denúncia, através de carta ao Jornal Correio da Manhã, que foi publicada no jornal e posteriormente no livro “Tortura e Torturadores” de Marcio Moreira Alves. Dizia a referida carta: -100-


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O meu esposo, Pedro Inácio de Araújo, conhecido por Pedro Fazendeiro, como delegado das Ligas Camponesas da Paraíba nunca foi comunista somente porque lutava em benefício dos camponeses sofredores nas Uzinas nus engenhos e latifúndios. Porque somos agricultores também, por isso dr. redator meu esposo foi preso no dia 8 de maio pelo Exército. O Grupamento de Engenharia libertou ele no dia 16 de junho por não curpa formada não houve prizão preventiva, porém os inquéritos a esta altura passou a responsabilidade do major Cordeiro do 15 R. I. e este prorrogou a detensão dele pro mais 20 dias e depois mais 20; e assim sucedeu até 7 de setembro. quando fui visitar ele no dia 10 de mesmo mês de setembro fui informada no quartel que ele avia sido sorto a 3 dias e o resultado é que procurei ele em todos os quartéis: de Natal, Recife, João Pessoa, não tendo notícia de espécie nem uma toda apreensiva com o desaparecimento de misterioso. Passo muita fome com meus cinco filhos menores que choram o desaparecimento do pai o comentário do povo é que ele foi assassinado. Confiu em Deus nas autoridades superiores e em V. Excia. E no dinamismo deste grande e combativo jornal que o desaparecimento de meu esposo chegará até aos ouvidos do Sr. Presidente da República e do Ministro da Guerra. (ALVES, 1966, p. 212).

Sobre o referido caso, mesmo o deputado Joacil de Brito Pereira, figura civil ativa no golpe civil-militar de 1964, na Paraíba, e ferrenho adversário da Ligas Camponesas protestou na Assembléia Legislativa, de acordo com matéria divulgada na imprensa. Depois de afirmar que é a sua formação moral e cristã e os seus sentimentos humanitários que impõem traga ao conhecimento da Assembléia Legislativa e às autoridades federais a carta que lhe foi dirigida por vários estudantes pedindo esclarecimentos sôbre o paradeiro dos ex-líderes camponeses Pedro Fazendeiro e Nêgo Fubá, desaparecidos que estão lá mais de três meses,

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o deputado Joacil Pereira (UDN) clamou, em nome do próprio mandato, que o govêrno do Estado manda instaurar inquérito urgentemente, a fim de descobrir a verdade e dá-la ao conhecimento público, e às autoridades federais para que não fique comprometida a honra da Revolução (Correio da Paraíba, 17/12/1964).

Posteriormente, o referido parlamentar se referiu ao caso em suas memórias: Corria a versão de que, naquela noite, avisaram a polícia que eles iam sair da prisão. E policiais os teriam pegado, levando-os para lugar ermo, onde os eliminaram. As autoridades militares apresentaram provas de seus registros de que os dois campônios foram soltos. Mas inquérito não abriram. Nem tão pouco na área do Governo do Estado se tomou qualquer providencia. Até hoje esses homens não apareceram (apud LEMOS, 1996, p. 254).

Diante das discussões abertas na Assembleia Legislativa da Paraíba sobre o desaparecimento dos dois líderes camponeses o secretário de segurança Pública do Estado enviou um ofício ao governador Pedro Gondim no dia 17 de fevereiro de 1965 nos seguintes termos: Exmo. Sr. Governador do Estado: Assunto: Desaparecimento de líderes camponeses [...] Tomando conhecimento do requerimento de deputado Orlando Cavalcanti ao Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Legislativa, datado de 16 e publicado no “Correio da Paraíba” de 17, tudo de fevereriro, item por item, esclareço a V. Excelência: 1) Nos dias da “Revolução de 31 de Março”, por solicitação do Comando Militar do Estado da Paraíba e por intermédio do então Tenente Coronel Luiz Ferreira Barros, superintendente da região Sapé-Mari, foram presos e entregues à Guarnição Federal o líderes cam-

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poneses Pedro Inácio de Araújo, conhecido por Pedro Fazendeiro e João Alfredo Dias, vulgo Nego Fuba. 2) Sim, foi instaurado um Inquérito Policial, inclusive em obediência ao ofício reservado nº 44-IPM de 22 de Abril de 1964, do Gen. Estavão Taurino de Rezende. 3) O encarregado deste Inquérito Policial foi o Bel. Silvio Neves Ferreira, Delegado de Ordem Política, Social e Econômica, conforme portaria nº 645 de 7 d abril, baixada pelo Major Renato Macário Brito, Secretário da Segurança Pública do Estad.: [...] 4 e 5) As autoridades públicas estaduais só tiveram sob sua responsabilidade os citados líderes até a apresentação dos mesmo àquela Organização Militar: - Pedro Inácio de Araújo e João Alfredo Dias, ainda em Abril de 64, tendo este último estado na Delegacia de Ordem Política e Social, entre 5 e 9 de maio para interrogatório, voltando em seguida ao 15 RI nenhum controle teve mais esta Secretaria sobre os mesmo. 6) Consequência do discurso do Deputado Joacil de Brito Pereira no dia 16 de dezembro de 1964, pois, somente naquele dia tomei conhecimento do fato, fiz a V. Excia., logo no dia 17 do mesmo mês, o ofício nº 1085, através do qual sugeri a V. Excia. Solicitar Inquérito Policial e pela Guarnição Federal e Comissão Judiciária pelo Tribunal de Justiça. 7) Até o presente momento é o que sabe, de apurado, esta Secretaria a respeito do destino de Pedro Inácio de Araújo e João Alfredo Dias. Nesta oportunidade, tomo a liberdade, com a devida vênia, de sugerir, que seja solicitada à Assembleia Legislativa a constituição de uma “Comissão Parlamentar de Inquérito” para apuração da grave denúncia. Todo e qualquer esforço desenvolvido neste sentido será importante ao Governo e contará com o absoluto apoio desta Secretaria Ass. Renato Macário de Brito SECRETÁRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA (Arquivo da Comissão da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba)

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Como podemos ver, o governo do Estado que prendeu os líderes camponeses se exime de qualquer culpa de seu desaparecimento, informando que os mesmos estavam sob a guarda do Exército no momento de seu desaparecimento. Com a repressão instaurada, militantes do projeto nacionaldesenvolvimentista, e bastante atuantes nos movimentos sociais do estado, procuram se desvincular do epíteto de comunista, como aconteceu com o deputado estadual cassado pela Assembléia Legislativa Langstein Almeida, que preso em Fernando Noronha, busca provar que não é comunista, conforme carta escrita ao deputado Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, pedindo que encaminhe provas neste sentido. Prezado deputado Marcus Odilon: Estou-lhe escrevendo da ilha de Fernando de Noronha. [..] quem lhe está entregando esta carta é o major Aquino, encarregando do inquérito militar. Êsse ilustre militar me ouviu aqui, na ilha, e a êle pedi para juntar ao inquérito provas materiais de que não sou comunista. Êle, desejoso de apurar a verdade, concedeu-me êste direito. Neste sentido, peço-lhe pedir a papai que faça chegar às mãos do presidente do inquérito os seguintes documentos: discurso publicado no Correio da Paraíba, mais ou menos dia 22 ou 23 de dezembro de 1963; uma opinião minha sôbre reforma agrária publicada no Diário da Borborema; a nota de expulsão do PSB, mais ou menos, publicada entre os meses de setembro e outubro de 1963 e mais algum fato que tenha sido publicado. Confirmo ao prezado homem público que a verdade me fará sorrir finalmente. Estou tranqüilo, porque a revolução não foi feita para alimentar ódios políticos, senão para impor à pátria uma nova ordem. Ninguém me fará ser comunista à fôrça. Reagirei, amparado no meu passado, contra essa marca indevida. Creio profundamente que as Fôrças Armadas não me condenarão sem provas cabais. E isto é o bastante para que permaneça tranqüilo e sereno esperando a hora de meu julgamento pelas

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autoridades. Aqui, deixo-lhe meu abraço histórico e meus agradecimentos antecipados. Fernando de Noronha - 11 - maio – 1964 (Correio da Paraíba, 14/05/1964).

Com a “cultura do medo” que foi se instalando, adversários políticos em espaços regionais procuravam incriminar seus desafetos junto às autoridades militares tachando-os de subversivos, como atesta essa matéria da imprensa, de um fato acontecido na cidade de Antenor Navarro. Mais livros subversivos foram encontrados no telhado da Prefeitura Municipal, desta cidade. Comenta que esses livros são colocados no telhado da Prefeitura Municipal, por adversários do prefeito, que procuram implicá-lo perante as autoridades do IV Exército. Acrescentam, que a Câmara Municipal, desta cidade, irá se reunir dentro de poucos dias para solicitar do comandante da Guarnição Federal em João Pessoa, a instauração de um inquérito para apurar a procedência dos livros, encontrados no telhado da Prefeitura (Correio da Paraíba, 01/05/1964).

Ainda dentro dessa perspectiva também se aproveitava de qualquer fato que pudesse indicar relações de pessoas com membros do Partido Comunista ou mesmo do governo para deposto para tentar incriminá-lo junto aos militares. Com um exemplar da revista “Fatos & Fotos” o deputado Sósthenes Pedro disse que adversários seus exploravam uma foto publicada naquela revista, em que êle aparecia em um palanque juntamente com o sr. Luiz Carlos Prestes. Esclareceu a sua participação, mas tem tempos idos, como repórter de “O Globo”. Ainda na tribuna exibiu e leu documento fornecido pelo Coronel Comandante do 15 RI em que diz nada constar no quartel contra o sr. Sósthenes Pedro (Correio da Paraíba, 21/04/1964).

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Na Paraíba, a exemplo do que aconteceu em todo Brasil, várias pessoas também foram denunciadas nos Inquéritos Policiais-Militares (IPMs) instaurados em meados de abril de 1964, sob o comando do Major Ney de Oliveira Aquino - políticos, lideranças sindicais urbanas e rurais, funcionários públicos etc. - acusadas de subversão e ligações com o Partido Comunista Brasileiro. Os parlamentares paraibanos cassados após o golpe, foram praticamente todos denunciados nos referidos Inquéritos, como foi o caso dos deputados estaduais, Assis Lemos, Langstein de Almeida e os suplentes Figueiredo Agra e Agassis de Almeida, além do vereador pessoense Antonio Augusto Arroxelas e do suplentes José Gomes da silva como podemos verificar na denúncia feita pelo Major Ney ao auditor da Sétima Região Militar, em Recife. Francisco de Assis Lemos de Sousa, brasileiro, com 35 anos, [...] Liderava uma das correntes no Movimento Camponês no Estado, admitindo-se que era executor da política camponesa do Governo João Goulart. [...] É acusado de ser promotor, ou pelo menos, o autor intelectual de invasões de propriedades e depredações. Langstein de Amorim Almeida, brasileiro, 27 anos, [...] Participou de uma reunião conjunta do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e Frente de Mobilização Popular (FMP) destinada a articular um movimento de pressão ao Governo do Estado. Segundo depoimentos comprometeu-se a trazer camponeses de Campina Grande para participar do movimento. Era atuante. Antonio Figueirêdo Agra, brasileiro, com 28 anos [...] Este denunciado, comunista atuante, participou de reunião conjunto no Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e Frente de Mobilização Popular, realizada em 24 de fevereiro de 1964, destinada a articular um

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movimento cuja finalidade era pressionar o Governo do Estado, tendo apresentado a proposta de realização de um acampamento na frente do Palácio do Governo. [...] Era esquerdista que pugnava sem descanso pela implantação das Forças Subversivas no Estado. Agassis de Amorim e Almeida, brasileiro, com 28 anos, [...] Cooperou na coleta de assinaturas em listas do Partido Comunista brasileiro, com a finalidade de obter sua legalização. Solidarizou-se com manifestação subversiva realizada na Faculdade de Direito, em 3 de março de 1964, consoante telegrama incluso nos autos do IPM que instrui esta denuncia. Era um comunista que defendia com ardor o Partido. Antonio Augusto Arroxelas de Macedo, brasileiro, com 25 anos, [...] participou de manifestação subversiva realizada na Faculdade de Direito, em 3 de março de 1964, que produziu alteração da Ordem Pública. Compareceu a reunião conjunta do Comando Geral dos Trabalhadores e Frente de Mobilização Popular, em 23 de fevereiro de 1964, cuja finalidade era articular um movimento de pressão ao Governo do Estado. José Gomes da Silva, brasileiro, com 42 anos, [...] Sublocava uma dependência de seu escritório para instalação e funcionamento do “Centro de Estudos Sócio-Economico da Paraíba, nome falso do Comitê Estadual do Partido Comunista Brasileiro, em cujo local foi apreendido farta documentação que não deixa margem a dúvida quanta à natureza das atividades do referido “Centro”. Foi ele, denunciado, o instigador da greve geral deflagrada em Rio Tinto, na madrugada de 1º de Abril sob o pretexto de apoio ao Governo João Goulart. Era atuante (Inquérito Policial Militar. Acervo do Núcleo de Referência de Educação de Jovens e Adultos da Paraíba: História e Memória. Centro de Educação/UFPB).

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Também foram denunciados lideranças das Ligas Camponesas, como João Alfredo Dias e Elizabeth Teixeira, do movimento sindical urbano como Luis Hugo Guimarães e Antonio Fernandes de Andrade e do movimento estudantil, como José Rodrigues Lopes. João Alfredo Dias, brasileiro, com 32 anos [...] Era um agitador. Desempenhava a função de Orador da Liga Camponesa de Sapé, incitando todos a subversão. [...] Diz-se, abertamente, que fizera cursos de guerrilha na União Soviética e na China, ministrando, em Sapé, essas instruções aos camponeses. Sem qualquer dúvida, era um comunista atuante, agitador violento, a serviço do Comunismo Internacional. Elizabete Altina Teixeira, brasileira, 39 anos, [...] era Presidenta da Liga Camponesa. Assinou como tal uma proclamação de conteúdo altamente subversivo. Participou das atividades da Liga Camponesas da Paraíba, como Presidenta da Liga de Sapé. [...] era comunista convencida. Luis Hugo Guimarães, brasileiro, com 39 anos, [...] exercia as funções de presidente do Comando Geral dos Trabalhadores Estadual [...] Era atuante, a serviço do Partido Comunista Brasileiro, do qual fazia parte como presidente do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Antonio Fernandes de Andrade, brasileiro, casado, com 39 anos, [...] participou em 1º e abril de 1964 da deflagração de uma greve geral na cidade de Rio Tinto, Paraíba, na qualidade de Prefeito e Presidente do Sindicato, tendo inclusive ocasionado a paralização de serviços públicos. Era comunista exaltado. José Rodrigues Lopes, brasileiro, 26 anos [...] Era conhecido por “José Sabino”, como Presidente da União Estadual dos Estudantes da Paraíba (UEEP) participou de uma manifestação subversiva realizada na

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Faculdade de Direito, em 3 de março de 1964, que produziu alterações na Ordem Pública. Compareceu a reunião do Comitê Estadual do Partido Comunista Brasileiro realizada em 14 e 15 de setembro de 1963, conforme ata de reunião apreendida e vários depoimentos. Na sua gestão, como Presidente da UEEP, foi emitida uma “Declaração de Princípios” que contém manifestações de apoio as Repúblicas Populares e ao Comando Geral dos Trabalhadores e outros “princípios” nitidamente comunistas (Inquérito Policial Militar. Acervo do Núcleo de Referência de Educação de Jovens e Adultos da Paraíba: História e Memória. Centro de Educação/UFPB).

Neste Inquérito Policial-Militar comandado pelo Major Ney de Oliveira Aquino um grande de número de pessoas foram indiciados, sob várias acusações, tais como: terem participado da ocupação da Faculdade de Direito; terem assinado carta dirigida ao Comitê Estadual do Partido Comunista Brasileiro (PCB); terem participado de reunião do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e da Frente de Mobilização Popular (FMP); terem participado de reunião do Comitê Estadual do Partido Comunista Brasileiro (PCB); terem assinado manifesto da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN); terem assinado uma proclamação revolucionária do deputado federal e líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião; serem executantes de tarefas do Partido Comunista Brasileiro (PCB); terem participado do Departamento de Educação Fundamental da Campanha de Educação Popular (CEPLAR); terem participado de aniversário do Partido Comunista Brasileiro (PCB); terem freqüentado a sede do Centro de Estudos Sócio-Econômicos da Paraíba (CESE); serem integrantes da Ação Popular (AP) e de terem coletados assinaturas para legalizar o Partido Comunista brasileiro (PCb) (PORFíRIO, 2013a).

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Outro Inquérito Policial-Militar instaurado, este no mês de junho de 1964, foi para apurar participação no chamado “Grupo dos Onze”, organização criada pelo então deputado federal Leonel Brizola, em 1963. Comandado pelo Major José Benedito Montenegro de Magalhães Cordeiro indiciou 83 paraibanos (PORFíRIO, 2013b).

4 LEGITIMAÇãO DE PARTE DA SOCIEDADE CIVIL AO NOVO REGIME Enquanto os setores de esquerda sofriam repressão, outros setores da sociedade civil passam a dar apoio ao novo governo, por exemplo, a Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba, através de seu presidente, o deputado Clóvis Bezerra, congratulouse com os chefes militares do IV Exército e da guarnição João Pessoa pela derrubada do governo constitucional de Goulart, enviando a seguinte mensagem telegráfica: JOãO PESSOA – General Justino Alves Bastos – Comandante do IV exército – Recife – A Assembléia Legislativa da Paraíba firme na atitude que assumiu desde os primeiros momentos ao lado do esquema democrático partido de Minas, congratula-se com vossência pela brilhante vitória das Forças Armadas pacificando segundo a melhor tradição do Grande Caxias a família brasileira livre agora de ameaça comunista. Digne-se o eminente compatriota em estender aos chefes vinculados a esse Comando os aplausos cívicos e veemênte dos legisladores paraibanos. Saudações – Clóvis Bezerra Cavalcanti – Presidente (O Norte, 04/04/1964).

quem também envia telegramas às autoridades se congratulando com a vitória do golpe militar é a alta hierarquia da Igreja católica na Paraíba, através de seu arcebispo Dom Mario

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de Miranda Villas Boas, fato noticiado pelo jornal da diocese A Imprensa, no dia 06 de abril de 1964. Exprimindo os sentimentos altamente patrióticos, ante os últimos acontecimento que resultam em necessária renovação do regime democrático nacional, o Sr. Arcebispo Metropolitano D. Mario Villas Boas telegrafou aos principais chefes deste movimento que podemos o mais firme golpe em todo o plano de comunização do país, próximo a concretizar-se. A palavra de nosso culto e mui virtuosos guia espiritual, é uma segurança para nossas opiniões, na presente conjuntura que atravessa o Brasil. Nestes termos foram redigidos as mensagens telegráficas de sua Exma. Revdma.: João Pessoa, 2 – General Justino Alves Comando do 4º exército. Recife. Na pessoa de Vossa Excia, saúdo nossas brilhantes forças armadas, que defenderam muito oportunamente nosso Brasil. Dom Mario, Arcebispo.; João Pessoa, 2 – Cardela Câmara. Palácio Sumaré. Rio, Gb Admirável vigilância serena Vossa Eminência é uma luz neste momento. Saúdo efusivamente Vossa Eminência. Dom Mario, Arcebispo. João Pessoa, 2 – Governador Pedro Gondim. Palácio da Redenção. Nesta. No dealbar desta aurora de nova paz, saúdo Vossa Excelência cuja colaboração foi muito oportuna presente momento. Dom Mario (Apud PEREIRA, 2012, p. 68-69).

Também na imprensa paraibana, vários colunistas justificam o golpe e externam seu apoio ao mesmo. O colunista Antônio de Barroso Pontes do jornal O Norte, pertencente aos Diários Associados de Assis Chateubriand, que vinha procurando desestabilizar o governo Goulart em nível nacional a partir de todo seu conglomerado, justifica o golpe, devido o clima de baderna havia sido implantado por Jango.

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João Goulart, dentro de pouco tempo conseguiu o que nenhum público conseguira jamais no Brasil, corromper, agitar e por fim desmoralizar inclusive as Forças Armadas do país, que por sinal suportaram muito ao ponto de receberem críticas de parte da opinião pública desenganada com a regularização da ordem e da tranqüilidade (O Norte, 05/04/1964).

Alguns dias depois, o referido colunista congratula-se com os líderes militares da Revolução, que segundo ele, restauraram a normalidade do país, não deixando os “Arrais, Brizolas e Juliões” atacar contra a população democrata. Em vez daquela Revolução dos Arrais, dos Brizolas, dos Juliões, em que o povo democrata estava destinado a sucumbir e os líderes iriam para o ‘paredón’, os proprietários rurais picados a golpes de foice, tivemos graças a Deus que é brasileiro como já se disse, uma das mais providenciais revoluções do mundo (O Norte, 16/05/1964).

O jornal Correio da Paraíba, também publica matéria assinada por Agrimar Montenegro enaltecendo o golpe civilmilitar. Agora podemos dizer que Deus é brasileiro de fato. Por um verdadeiro milagre, com as graças do Altíssimo e a intervenção rápida e enérgica das nossas Fôrças Armadas, não tivemos em nosso país uma autêntica revolução comunista, com massacres, fuzilamentos, roubos e de consequências imprevisíveis. Com apenas 24 horas de antecipação, o Exército de Caxias, sob o comando de seus bravos generais, liderou uma revolução democrática, sem derramamento de sangue, conseguindo libertar o Brasil dos impatriotas. Não estamos escrevendo demagogia, pois os falsos profetas, depois de desmascarados, é que estão confessando a

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trama sinistra, sendo que a imprensa tem divulgado apenas alguns fatos, ficando o grosso e inacreditável, mas verdadeiro, para depois de concluídos todos os interrogatórios (Correio da Paraíba, 10/04/1964).

Com vimos, no imediato pós-golpe, houve intervenção nas entidades estudantis, destituído dirigentes que davam apoio ao governo Goulart e as reformas de base e os novos dirigentes que assumiram as entidades procuraram logo afirmar seu apoio a nova ordem, como foi o caso da direção da União Pessoense dos Estudantes Secundários, que depois de eliminar dos seus quadros sociais e dos cargos que ocupavam na Diretoria os estudantes Geraldo Targino, Marcos dos Anjos, José Flávio e outros, divulgou através dos estudantes José Milton Bandeira, presidente, Antonio senão, secretário Geral a seguinte nota oficial da entidade: A União Pessoense dos Estudantes Secundários, vem em público prestar solidariedade de todos os estudantes de grau médio às nossas gloriosas Fôrças Armadas, à Guarnição Federal de João Pessoa e ao Govêrno do Estado pela relevante ação em prol das instituições democráticas e em defesa das liberdades do povo brasileiro. [...] O Brasil é e continuará livre de qualquer nação estrangeira e saibam que os agitadores comunistas que para o regime de Pequim ou Moscou ser implantado no Brasil será preciso passar por cima dos cadáveres dos estudantes paraibanos (Correio da Paraíba, 05/04/1964).

As “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” - que aconteceram em várias partes do Brasil, nos momentos que antecederam o golpe civil-militar, lideradas por movimento de mulheres conservadoras e com o apoio de entidades que trabalharam para desestabilizar o governo Goulart - e que serviram como justificativa para a intervenção militar, pois estariam atendendo dessa

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forma um apelo da sociedade civil, não aconteceram no estado da Paraíba antes do golpe, mas logo após esse elas se espalharam por várias cidades, com o objetivo de dá apoio aos militares por sua intervenção. Em João Pessoa, aconteceu um dessas atividades no dia 8 de abril, convocada pelo Movimento de Arregimentação Feminina do Estado da Paraíba (MAFEP), e segundo a imprensa local em grande estilo.

Todos os oradores da Marcha da Família com Deus pela Liberdade realizada ontem nesta cidade, foram unânimes em repudiar ideologias estranhas que maus brasileiros intentavam importar para o nosso País, para derrogar as nossas liberdades democráticas. Jamais João Pessoa havia assistido a espetáculo de tanta fé cristã e espírito de patriotismo como na Marcha da Família promovida ontem. Os discursos, aplaudidos pela unânimidade da incalculável multidão, foram vazados numa linguagem de vibração cívica, que, ao lado da confederação ao comunismo, saudava e exaltava a grande vitória da Revolução Democrática de 31 de Março. [...] A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi uma festa cívico-religiosa jamais registrada na Paraíba (Correio da Paraíba, 09/04/1964).

Até mesmo na cidade de sapé, palco de muitos conflitos nos anteriores ao golpe, devido à forte presença das Ligas Camponesas, também ocorreu uma marcha organizada pelas mulheres conservadoras, que segundo a imprensa local, também foi coroada de êxito. A população de Sapé, rejubilada com a vitória da Democracia contra o comunismo, promoveu, domingo último, magnífica passeata em que tomaram parte cêrca de 5 mil pessoas, destacando-se a participação da mulher sapeense. [...] A concentração terminou com uma missa oficiada pelo vigário local no adro da matriz, ouvida por todos os integrantes da “Marcha da Família” (Correio da Paraíba, 21/04/1964).

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5 CONSIDERAÇõES FINAIS Então, como podemos observar, os momentos que antecederam o golpe civil-militar no Brasil, em 1964, o Estado da Paraíba vivia um momento de grande efervescência política e social; com um governo que apesar de aliado das forças conservadoras do estado tinha práticas próximas do ideário trabalhista, desenvolvido em nível nacional pelo governo de João Goulart, com vários setores da sociedade civil bastantes mobilizados, e principalmente com um movimento camponês, expresso através das Ligas, com capacidade de mobilização e de confronto com os grandes proprietários rurais. No entanto esse governo capitulou e aderiu ao golpe civil-militar e a repressão se abateu de forma bastante dura, sobre vários setores da sociedade civil. Ao mesmo tempo que a repressão se abatia sobre setores de esquerda ou de alguma forma ligada ao projeto trabalhista de Jango, vários setores da sociedade civil, muitos já engajados na desestabilização do governo, passaram a dá total apoio a nova ordem estabelecida com a implantação da ditadura militar no Brasil. REFERÊNCIAS ALVES, Marcio Moreira. torturas e torturados. Rio de Janeiro: Cidade Nova, 1966. ALVES, Maria Helena Moreira. estado e oposição no brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1989. ARAÚJO, Railane Martins. o governo de pedro Gondim e o teatro do poder na paraíba: imprensa, imaginário e representações. Dissertação (Mestrado em História) – Centro

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priSÃo e deSapareCiMento de pedro Fazendeiro CoM o Golpe Civil-Militar de 1964 Janicleide Martins de Morais Alves1

1 INTRODUÇãO As Forças Armadas do Brasil, no ano de 1964, implantaram uma Ditadura Civil-Militar, envolvendo o país num clima sombrio que durou vinte e um anos. Esse período ficou marcado pelas graves violações aos direitos humanos, sobretudo, civis e políticos, e pelo uso banal da tortura, que feria o Artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além da tortura, perseguições, mortes e desaparecimentos forçados tornaram-se rotina no regime ditatorial que atingiu a cidade e também o campo. Ao deflagrarem o golpe, depondo o presidente João Goulart, que encaminhava Reformas de Base, os militares rapidamente sufocaram qualquer tipo de resistência ao movimento, fechando sindicatos e associações. A classe estudantil e inúmeros líderes de esquerda, com destacada atuação antes de 1964, foram violentamente perseguidos, presos, ou mortos. Nesse contexto, a zona rural da várzea paraibana destacava-se nacionalmente pela mobilização das Ligas Camponesas, um movimento social que lutava contra a miséria, a violência e a exploração que regia o campo. Foi neste cenário de luta por benefícios sociais e permanência na terra em que plantava que Pedro Fazendeiro atuou até ser detido pelo Exército. Com a metodologia da história oral é possível lutar contra o esquecimento e trazer de volta a fala dos sujeitos silenciados Graduada em História (UFPB). Mestranda em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas (PPGDH/NCDH/UFPB).

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pela história oficial. Dessa forma, e evidenciando a importância da oralidade para a reconstrução da memória e formação das identidades, a proposta deste artigo é resgatar a memória do líder Pedro Fazendeiro, analisando seu percurso na Liga Camponesa de Sapé, Paraíba, até o Golpe Civil-Militar de 1964, quando desaparece nos “porões da ditadura”. Serão avaliadas também as implicações do regime militar sobre os familiares daquele líder. Este trabalho contém fragmentos de uma pesquisa que estamos realizando no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos/PPGDH/UFPB. A discussão principal do texto é composta, quase que exclusivamente, pelos depoimentos da viúva e das filhas de Pedro Fazendeiro que foram recolhidos por meio de entrevistas semiestruturadas,realizadas em 2006, para o nosso Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em História, na UFPB.

2 POR qUE RELEMBRAR? Relembrar é importante para evitar que um passado de horror, torturas, mortes e desaparecimentos forçados como o enfrentado pelos líderes dos movimentos sociais do campo e de grande parte da sociedade brasileira, ocorridos durante a Ditadura Civil-Militar, seja esquecido, mas dialogue com o presente, sem que volte a acontecer. Desse modo, para Delgado (2006) um dos caminhos que nos restam contra o esquecimento é o reavivar da memória, imprescindível para a vida. Seguindo essa mesma linha, Le Goff (2003, p. 471) explica que: “a memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens”. Assim sendo, rememorar o passado das vítimas da ditadura, sobretudo dos mortos e desaparecidos, através dos seus familiares, como no -120-


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caso de Pedro Fazendeiro, não muda o que aconteceu, mas pode direcionar os homens para aquela liberdade descrita por Le Goff. Diante do exposto, cabe ressaltar a importância da história oral para dar voz aos grupos excluídos, que sempre foram as principais vítimas das maiores violências e estiveram à margem da história oficial por muito tempo. Para Ferreira (2007), as experiências desses grupos devem ser lembradas, por mais sofridas que sejam: [...] a escassez de registros e de informações tem levado a grande valorização da memória e, por conseguinte, da sua captação por meio da história oral, que traz à tona o percurso histórico de grupos marginalizados com elementos fundamentais para a construção das identidades. A rememoração das experiências vividas, por quem rememora ou por seus ancestrais, por vezes dolorida, contribui para a elaboração de novos significados no cotidiano das pessoas e dos grupos (FERREIRA, 2007, p. 138-139).

3 qUEM FOI PEDRO FAZENDEIRO E COMO ELE ATUOU NAS LIGAS CAMPONESAS Líder e revolucionário, Pedro Inácio de Araújo era o nome de batismo de Pedro Fazendeiro. Ele nasceu no dia 08 de junho de 1908, na cidade de Itabaiana, Paraíba, e era filho de agricultores. Proibido pelo pai de ir à escola, ajudava-o na lida do campo. Já adulto e casado, comprou tecidos (conhecidos como fazendas naquela época), para vender na zona rural, quando passou a ser chamado de Pedro Fazendeiro. Nas andanças vendendo tecidos conheceu Miriri, região que fica entre Mamanguape e sapé, instalando-se como posseiro na propriedade de Pedro Ramos Coutinho. -121-


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Desde cedo Pedro se incomodou com o desamparo social e os maus-tratos sofridos pelos camponeses, mas iniciou sua militância política no PCB (Partido Comunista Brasileiro), após ser orientado pelo irmão sobre os ideais socialistas. Naquela época (1960), os direitos trabalhistas que vigoravam na cidade não alcançavam o campo, pois nesse prevaleciam contratos de meação e parceria, em que os camponeses plantavam culturas de subsistência, sendo obrigados a cultivar a terra e a dividir a colheita com os proprietários. Além disso, eles eram expulsos das propriedades sem direito à indenização e, ao invés de salários, recebiam vales, que eram trocados por alimentos ou mantimentos de primeira necessidade no armazém, também conhecido por barracão (SOUZA, 1996). Em Miriri, Pedro Fazendeiro conheceu João Pedro Teixeira, do qual se tornou amigo e com quem organizou, no ano de 1958, a Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Sapé, que ficou conhecida como Liga Camponesa de sapé, na qual assumiu o cargo de segundo secretário. Em seguida, por sua coragem e por conhecer bem a geografia da várzea paraibana - da época em que vendia tecidos - ele ajudou a fundar várias Ligas na Paraíba. Sua afetuosidade convencia os mais rudes camponeses. Seguindo o exemplo da Liga do Engenho Galiléia, em Pernambuco, a Liga Camponesa de Sapé prestava assistência social e jurídica aos camponeses, reivindicando o fim do aumento do foro (aluguel da terra) e também a Reforma Agrária. Desse modo, nos municípios paraibanos em que atuaram, as Ligas começavam a conquistar direitos como a eliminação do trabalho gratuito (cambão) e a instalação de postos de Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência (SAMDU). Estava-se diante de um movimento que se consolidava, no entanto, insatisfeito com a ascensão e conquistas das Ligas o Grupo

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da Várzea2, que já usava de violência para intimidar os camponeses, destruir suas lavouras e expulsá-los de suas fazendas, declarou guerra àquele movimento. Nas palavras de Benevides (1985) a paz no campo só existiu enquanto os camponeses se submetiam às vontades dos coronéis, porém isso mudou quando eles se conscientizaram da sua exclusão política e social e da violência até então disfarçada dos latifundiários. Diante disso, a morte começou a rondar a várzea paraibana. João Pedro Teixeira, fundador e presidente da Liga de Sapé, foi assassinado no dia 02 de abril de 1962, a mando do usineiro Aguinaldo Veloso Borges, que por representar o poderio do bloco agroindustrial, não foi preso. Embora impactados com a morte de João Pedro Teixeira, que logo se tornou mártir da luta camponesa, o movimento não retrocedeu e, ao contrário do que esperavam os latifundiários, as Ligas se fortaleceram aumentando o número de associados. Sobre esta efervescência social, Benevides assegura: “Enganavam-se os proprietários na sua lógica. Mal desaparecia um líder camponês, imediatamente despontava outro. Formara-se uma escola rústica de lideranças e os trabalhadores do campo entravam na história do Brasil pelo holocausto de seus mártires” (BENEVIDES, 1985, p. 90). Pedro Fazendeiro não se intimidou com a perda do amigo, nem com a crescente onda de violência que se instalou no campo. Ao lado de Elizabeth Teixeira (viúva de João Pedro Teixeira), de Nêgo Fuba, e de outros companheiros, continuou fundando novas Ligas e plantando roçados destruídos a mando dos latifundiários. Mas, o desempenho e a astúcia desse líder, que entrava nos canaviais, como vendedor de cocadas em busca de associados, colocou-o na mira dos latifundiários. Assim, ele sofre o primeiro atentado, sendo atingido na perna e omoplata esquerdas por duas 2 Grupo de proprietários rurais liderado por Aguinaldo Veloso Borges, que controlava a política na Paraíba.

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balas de uma arma privativa das Forças Armadas, em dezembro de 1961, no centro da cidade de Sapé (SOUZA, 1996). Pedro teve o fêmur fraturado e, após algumas cirurgias, recebeuplatina na perna que lhe resultou em uma deformidade, contudo, as autoridades policiais do estado não penalizaram os agressores, evidenciando a cumplicidade que tinham com os latifundiários. A segunda agressão ocorreu em setembro de 1962, quando o líder estava em companhia de Assis Lemos, na sede da Liga de Itabaiana. Porém, mesmo tendo sido brutalmente espancado, a ponto de ficar imóvel numa poça de sangue, ele resistiu. A resistência, aliás, era o lema de Pedro Fazendeiro que vinha sobrevivendo à prisões, agressões e atentados.

3.1 prisão e desaparecimento Estourando no dia 1º de abril de 1964, o Golpe Civil-Militar não demorou muito para firmar seu novo regime em todo país. Já no início, com o Ato Institucional nº 1, de 09/04/1964, começou a “primeira avalanche repressora, materializada na cassação de mandatos, suspensão dos direitos políticos, demissão do serviço público, expurgo de militares, aposentadoria compulsória, intervenção em sindicatos e prisão de milhares de brasileiros.” (BRASIL, 2007, p. 22). Na Paraíba, de acordo com Cittadino (1998, p. 146), nos momentos que antecederam o Golpe, o Grupo da Várzea “exercia uma atividade paramilitar, voltada para a defesa das suas propriedades privadas”. Também o movimento golpista recebeu apoio da sociedade e da aliança que havia entre o aparelho repressor do Estado e as milícias armadas dos proprietários rurais, que queriam eliminar, definitivamente, as Ligas Camponesas. Estas, que antes enfrentavam os latifundiários,

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tornaram-se presas de um inimigo muito maior: as Forças Armadas. Com a onda de prisão, tortura e morte que caracterizou a Doutrina de Segurança Nacional, acabando com sindicatos e instituições democráticas no país, a clandestinidade foi o caminho encontrado por muitos como forma de escapar. Pedro Fazendeiro não fugiu e tentou abrigar-se por alguns dias na casa de um amigo, que logo o dispensou por medo de também ser preso. Sem saída, e julgando ser mais seguro entregar-se ao Exército do que cair nas mãos do temido Coronel de Polícia Luís de Barros, ele se apresentou no 15º Regimento de Infantaria (RI), acreditando que voltaria para casa como em outras ocasiões em que havia sido preso. segundo Josineide Araújo, filha de Pedro Fazendeiro, aquele Coronel aterrorizava os camponeses e perseguia o seu pai, prendendo-o e agredindo-o inúmeras vezes: Ele foi com as próprias pernas. Por que ele foi com as próprias pernas? Por que o Coronel Luís de Barros, que era o terror contra o movimento dos camponeses, na época, tinha sede no meu pai. Então, o que o meu pai temeu? Temeu cair nas mãos de Luís de Barros e achou que o Exército era mais íntegro. Então, foi ao Exército para se apresentar e prestar esclarecimentos. Foi, ficou e nunca mais saiu (ARAÚJO, J, 2006).

Pedro se entregou no 15º RI, no dia 28 de abril de 1964, seguindo os conselhos da irmã Ligia. Ele não imaginava que aquela decisão daria início ao seu sofrimento e ao martírio da sua família, mas após se apresentar ficou detido, sendo visitado apenas aos domingos. Enquanto esteve preso no 15º RI, sob as ordens do Major Cordeiro, Pedro era submetido a interrogatórios acompanhados -125-


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de sessões de tortura, no entanto, apesar do semblante abatido, não falava sobre o assunto durante as visitas que recebia da família. O líder aguardava a liberdade numa ânsia contida e mostrava otimismo quando indagado pela esposa sobre em que dia sairia da prisão. Porém, na última visita ao marido, Josineide diz que sua mãe fez uma pergunta que costumava fazer para o seu pai: “Pedro, quando é que você vai sair daqui, homem?” E ele, que sempre estava otimista, nesse dia, com ar de desânimo, respondeu: “Eu estou achando que nunca, porque eles querem que eu descubra coisas que eu não sei.” (ARAÚJO, J, 2006). Diante dos inúmeros interrogatórios que procuravam a todo custo incriminálo e para os quais não tinha resposta, o líder já dava sinais de cansaço. Passados cinco meses de sua prisão, no dia 07 de setembro de 1964, Pedro Fazendeiro foi liberado do 15º RI. Eram aproximadamente 19:00h quando um sargento anunciou que ele seria solto. Naquele período, corriam notícias de que em Recife os presos libertos estavam sendo pegos nas esquinas dos quartéis e transportados para outros lugares. Dessa forma, preocupado com a segurança do líder camponês, Antônio Bolinha, ex-prefeito de Rio Tinto, com ajuda de outros presos, deu cinco cruzeiros para Pedro Fazendeiro orientando-o a pegar um táxi na frente dos guardas e ir direto para casa. Sem imaginar o que o aguardava fora do quartel, Pedro respondeu: “Com esse dinheiro aqui eu vou comprar uma galinha gorda para comer em casa com a minha velha e com meus filhos”. sobre o comentário do pai, Josineide desabafa: “Essa galinha ele nunca comeu porque ele nunca chegou em casa!” (ARAÚJO,J, 2006). Maria Júlia Araújo, viúva de Pedro Fazendeiro, ficou sabendo que o marido havia sido solto através da cunhada, Ligia. Preocupada porque ele ainda não tinha chegado em casa, foi procurá-lo no 15º RI, em companhia da filha Josineide. Ao chegar -126-


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ao quartel perguntando pelo esposo, um sargento respondeu-lhe: “O Sr. Pedro foi solto” e, mostrando que ele havia assinado um livro de soltura, foi taxativo: “Se ele não chegou em casa, é por que foi pego pela polícia” (ARAÚJO J, 2006). Preocupadas, Josineide e sua mãe foram outras vezes ao 15º RI à procura de Pedro, pois um dia antes do seu desaparecimento, elas tinham levado toda a sua roupa para lavar, deixando-o de posse apenas de um pijama. Sobre os momentos em que teve coragem de enfrentar o Major Cordeiro para saber o paradeiro do seu pai, Josineide relata: Ele sempre procurava se sair com alguma resposta. Numa das vezes ele disse que meu pai ia aparecer e meu pai nunca aparecia! [...] Numa dessas visitas fui eu e meu irmão Marinardi, que está no Rio, foi embora e nunca mais voltou também. Então eu disse a ele: Major Cordeiro, diga onde está o meu pai. Se o senhor acha que o meu pai tem culpa em alguma coisa, então, ele já não está preso? O senhor fique com ele preso, mas diga onde ele está para que a gente possa trazer o que ele necessita. E ele disse: ‘Seu pai foi para Cuba!’. E eu disse assim a ele: Meu pai não foi embora para Cuba, porque o meu pai não faria uma coisa dessas sem avisar a família. E tem mais uma coisa: se quando a polícia perseguia o meu pai ele sempre dava um jeito de a gente saber onde ele se encontrava, por que agora que ele já tinha sido preso, já tinha pago, praticamente, o que eles achavam que ele devia, por que ele iria embora? (ARAÚJO, J, 2006).

Para Josineide, o responsável pelo sumiço de Pedro Fazendeiro foi o Exército, que apoiava as ações dos latifundiários, porque dias antes de ser posto em liberdade, ela soube que familiares de Aguinaldo Veloso Borges faziam visitas ao 15º RI para interrogar e intimidar os presos, especialmente Pedro

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Fazendeiro e João Alfredo, conhecido por Nêgo Fuba. Também, não foi comum o horário que seu pai foi solto, ao anoitecer de um pleno feriado de 07 de setembro. Passados apenas três dias da fictícia liberdade do líder camponês, em 10 de setembro de 1964, o jornal Correio da Paraíba publica uma foto de dois corpos carbonizados, que seriam supostamente de Pedro Fazendeiro e de Nêgo Fuba. Com sinais de torturas, os corpos foram encontrados por um vaqueiro à margem da rodovia BR-104 (que liga Campina Grande a Caruaru) no distrito de Alcantil, município de Boqueirão, e o jornal trazia uma matéria responsabilizando o Esquadrão da Morte pela execução das vítimas. A ocultação de crimes era comum durante a ditadura militar, por isso, os órgãos de repressão divulgavam as mortes dos opositores políticos denegrindo a imagem deles, contando versões de tiroteios, fuzilamentos e suicídios que encobriam os mais covardes assassinatos. Teles (2012, p. 2) evidencia que aquele período ficou caracterizado por “práticas que oscilavam entre esconder e mostrar a violência da repressão política, mesclando a intenção de se legitimar, ocultando a tortura institucionalizada do regime, com a necessidade de difundir o medo”. Tão logo aquele jornal chegou às mãos de Maria Júlia, ela acreditou tratar-se do marido desaparecido e sobre esse dia observa: “Era ele. Conheci pelo jeito disso aqui [apontando para o tórax]”. Assim como a mãe, Josineide viu na imagem grotesca daquele corpo carbonizado a hipótese de ser seu pai. Do mesmo modo, outros colegas acreditaram nessa possibilidade, sobretudo pelos restos de um calção de listras, que lembrava o pijama que Pedro Fazendeiro usava antes de ser solto. Contudo, apesar das evidências, os corpos que foram descobertos e enterrados em 1964 nunca foram reencontrados para um reconhecimento oficial. Embora tenham imaginado que aquele corpo visto no jornal poderia ser de Pedro Fazendeiro, a espera e o tormento -128-


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passaram a fazer parte da família Araújo. Por isso, mesmo em condições precárias, mãe e filha ainda tentaram localizar o líder e animavam-se quando surgiam comentários de que ele poderia estar preso em Fernando de Noronha, no estado de Pernambuco. Mas, ao descobrir que as informações eram falsas, o desânimo voltava a angustiar a família. Com relação aos últimos momentos do líder, a filha mais nova de Pedro Fazendeiro, Náugia Araújo, menciona que, desde pequena, ouvia relatos das torturas que o seu pai teria sofrido. Essas histórias chegaram à família através do policial Cabo Chiquinho, ironicamente primo do marido de Nadieje, irmã mais velha de Náugia. Apesar de não ter dito para quem o Exército entregou Pedro Fazendeiro, numa conversa com a tia, esse policial teria descrito as torturas que o levaram à morte. A partir desse relato, as atrocidades aplicadas ao pai são destacadas por Náugia: [...] Ele contou que na noite que disseram que meu pai ia ser liberado, a polícia já estava esperando por ele [...] Pai foi muito torturado. Ele disse que pai foi queimado, enterrado vivo e que furaram os olhos dele. que o amarravam com uma corda e puxavam o corpo dele para o alto de uma árvore e, quando chegava no topo, soltavam e ficavam repetindo essa tortura. Disse também que o castraram! Arrancaram seus testículos e o fizeram engolir, e mesmo assim ele pediu para vir para casa terminar de criar os filhos. Mas continuar a vida para ele não estava mais nos planos desses homens, desses miseráveis, e terminaram de matá-lo (ARAÚJO, N, 2006).

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3.2 o exército e o sofrimento perseguem a família do camponês Como se não bastasse a dor de não saber o destino de Pedro Fazendeiro, sua esposa, filhos e filhas ainda tiveram que enfrentar a perseguição do Exército, que os vigiava e mandava intimações para saber o paradeiro do líder. Mas, se o 15º RI tinha eliminado Pedro, por que perguntavam? Por pressão psicológica, pois esse artifício era muito usado no regime militar como tentativa de encobrir os crimes e intimidar os familiares das vítimas. Sobre a vigilância que os envolvia, mesmo após o desaparecimento de Pedro, Josineide informa: [...] Esse Cabo Chiquinho, chegou a fazer pesquisas perto de onde nós morávamos, procurando saber quem era o filho mais velho de Pedro Fazendeiro. E por coincidência ele foi fazer uma pesquisa exatamente na casa da mãe do esposo de uma irmã minha [...] Então era uma vida muito sofrida, era uma vida de perseguições. Eu trabalhava na Livraria Universal, isso aí eu me recordo bem. Tinha um senhor que sempre ia me perguntar alguma coisa sobre meu pai, depois eu descobri que esse homem também era do Exército, certo? Também fazia parte do Exército (ARAÚJO, J, 2006).

A família de Pedro Fazendeiro foi obrigada a viver sob o olhar intimidador do Exército, por isso Marinardi, filho mais velho do líder que estava ao seu lado em várias de suas prisões, não suportou a pressão, fugiu para o Rio de Janeiro e nunca mais voltou. Desse modo, Maria Júlia não perdeu apenas o marido, mas também o filho, que escapou para não sofrer represálias por ser herdeiro de um líder camponês. -130-


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Além da perseguição do Exército, a fome foi um problema enfrentado pelos filhos e filhas de Pedro Fazendeiro, acostumados a ver a mesa cheia quando o pai era vivo. sobre esse período difícil em que teve que alimentar a família sozinha, Maria Júlia lembra que, quando não tinham o que comer, alimentavam-se com uma planta, uma espécie de bredo, o mesmo que os porcos comiam. Certa vez, tendo acabado o bredo, cozinhou um mato chamado Maria-segunda, ingeriu e, após constatar que não tinha sido envenenada, deu para os filhos comerem. A discriminação também afligiu a família do líder, pois, segundo Náugia, em muitas ocasiões ela e os irmãos foram impedidos de matricular-se nas escolas por serem filhos de comunista. Estas memórias, que Ferreira (2007) aponta como dolorosas quando evocadas, não deixam Josineide se esquecer das privações que sofreu ao lado da mãe e dos irmãos, morando num casebre sem água e sem luz: A vida foi muito difícil! Primeiro os sonhos desapareceram. Então, vieram as lutas para sobreviver. Minha mãe praticamente perdeu a visão numa máquina de costura que foi dada, porque na realidade, nós vivíamos de agricultura! E tudo que nós tínhamos foi destruído. [...] Fomos morar numa casinha de palha, já escorada com um tronco de coqueiro. quando chovia, também chovia dentro de casa. O banheiro era cavado no quintal [...] Nós não tínhamos o que comer, então, eu arranjei um emprego na Livraria Universal, como balconista. Eu tinha quinze anos (ARAÚJO, J, 2006).

As filhas de Pedro Fazendeiro sofreram assédio sexual nos empregos. Segundo Náugia, os patrões não queriam empregar filhas de comunista e também se aproveitavam da situação, com propostas indecentes para elas permanecerem nos empregos. Por

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isso, em várias ocasiões, elas tentavam esconder de quem eram filhas ou abandonavam os empregos.

3.3 indenização não basta: as falhas da lei nº 9.140/1995 Também conhecida por Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), a Lei nº 9.140/1995 foi criada para investigar as mortes e desaparecimentos políticos, que ocorreram entre 1961-1988 (BRASIL, 2007). Fruto da luta de militantes dos direitos humanos, de movimentos sociais, de ex-presos políticos e de familiares de mortos e desaparecidos, ela nasceu depois da Lei da Anistia de 1979, que perdoou os opositores políticos da ditadura, mas beneficiou os autores dos crimes bárbaros desse período. Instaurada a CEMDP, o Estado brasileiro se colocou como responsável pelo desaparecimento e morte de 136 opositores do regime militar, orientando às famílias que organizassem dossiês comprovando a perda de parentes nesse período, em vista disso, Josineide Araújo constatou que o nome de Pedro Fazendeiro se encontrava na lista dos desaparecidos políticos do Diário Oficial de 05 de dezembro de 1995. Então, para garantir a busca, a exumação dos corpos e a liberação do atestado de óbito, prestou depoimento na Assembleia Legislativa, formalizando um processo junto à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, com todos os documentos que pudessem comprovar o sumiço do seu pai logo após o Golpe. Com o processo aprovado, iniciaram-se as tentativas de escavações em Alcantil, onde os possíveis corpos de Pedro Fazendeiro e de Nêgo Fuba haviam sido encontrados e enterrados no ano de 1964. A possibilidade de encontrar os restos mortais de Pedro encheu sua família de esperança, no entanto, nas duas buscas realizadas Josineide lembra, desapontada, que não foram -132-


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utilizadas as ferramentas necessárias. A equipe não se prontificou em levar um detector de metais para o local, mesmo sabendo que Pedro tinha platina numa das pernas, resultado de um dos atentados que havia sofrido. Remetendo-se à frustração que passou naqueles dias, Josineide assinala: Então eles fizeram as escavações. nós acompanhamos o Deputado Zenóbio Toscano, a Deputada Francisca Mota, o pessoal que fazia parte dessa Comissão. Fomos a primeira vez com pessoas que, na época, tinham ajudado a enterrar os corpos, mas não encontramos nada. Havia até uma dificuldade, porque na época em que jogaram o corpo do meu pai e de João Alfredo, lá era uma estrada de barro, depois passou o asfalto e nós não encontramos nada. Depois foi feita uma segunda tentativa e nada. Mas se quisessem continuar e se quisessem encontrar, havia uma forma muito fácil. Eu não sei se estou certa, mas creio que sim. Porque num dos atentados a meu pai, ele botou platina no corpo. Então, eu acho que se o Exército, ou uma firma de Engenharia que o Exército quisesse chamar, qualquer coisa assim, eu acho que através de um detector de metais chegaria pelo menos ao osso dele (ARAÚJO, J, 2006).

Diante do fracasso dos funcionários do Instituto Médico Legal, da Polícia Científica e da Polícia do Estado, os ossos dos camponeses não foram encontrados para a exumação prevista e a decepção tomou conta da família de Pedro Fazendeiro. Faltou interesse por parte do Estado, que poderia ter investido com tecnologias avançadas, como as utilizadas em escavações de outros países da América Latina. Após os procedimentos frustrados de buscas, que inflamaram feridas nunca cicatrizadas da família Araújo, o

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Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba resolve liberar no dia 08 de fevereiro de 1996, trinta e dois anos após o seu desaparecimento, o atestado de óbito de Pedro Fazendeiro. Do mesmo modo, o governo propôs uma indenização, sobre a qual Josineide, inconformada, desabafa: “nem cem mil reais, nem cem milhões de reais valem a vida do meu pai!” (ARAÚJO, J, 2006). Com esta indenização o governo pretendia apagar os anos de escassez, medo, saudade, fome, discriminação e angústia que nortearam a vida dos filhos da viúva do líder assassinado, mas como enfatizou Josineide, dinheiro algum poderia reparar esses danos e suprir a ausência de Pedro. A família havia desmoronado e só o tempo poderia erguê-la novamente. Com o fracasso das escavações, a angústia tomou conta da família de Pedro Fazendeiro, sobretudo de Josineide, que ainda sonhava com o retorno do pai mesmo diante das evidências do seu desaparecimento. Para ela, faltava uma prova concreta que só ocorreria quando os restos do líder fossem encontrados e exumados. Ainda sobre a indenização concedida pelo governo federal, ela explica que a família recebeu por que precisava, mas contesta, pois mais importante do que o dinheiro era ter o pai de volta: [...] Nós pegamos essa indenização porque precisávamos. Minha família é desestruturada em consequência de tudo isso. Eu tenho um irmão que foi embora para o Rio e eu só o vi uma vez depois disso. Ele vive lá e sofreu muito, porque como eu disse a você meu pai sofria perseguições mesmo sem está plantando a roça de um camponês. às vezes ele estava trabalhando, e esse meu irmão que sempre andava com ele na época, presenciou tudo e quando aconteceu tudo isso meu irmão foi embora. Nós pegamos esse dinheiro, mas não que ele pague a vida do meu pai. Se perguntassem: você

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quer esse dinheiro ou quer ter seu pai hoje velhinho, como eu tenho a minha mãe, cuido dela. Eu tenho certeza que ninguém jamais queria esse dinheiro! (ARAÚJO, J, 2006).

Josineide não perdeu apenas o pai. Seu irmão Marinardi também foi vítima da aliança entre os latifundiários e o regime militar, porque após ser preso uma vez, temendo novas represálias, fugiu para o Rio de Janeiro tendo que enfrentar uma nova realidade distante da família que amava. Voltando à Lei 9.140/95, Cecília Coimbra (2006) aponta a existência de entraves nos seus trabalhos, que não aprofundam as investigações dos casos: [...] A Lei 9140/95 que prevê a responsabilização do Estado pelas violências e a elucidação das mortes e desaparecimentos, não tem sido levada a cabo em sua integralidade. Aos familiares foi entregue apenas um documento e uma reparação simbólica. Constituída por esta lei, a Comissão responsável pela tarefa de esclarecimento tem se defrontado com variados impedimentos para a apuração dos fatos (COIMBRA; BRASIL, 2006, p. 10).

A CEMDP, que tinha como meta encontrar os restos mortais dos desaparecidos do regime militar para entregá-los aos respectivos familiares, realizou escavações que, na maioria dos casos, não tiveram êxito. Suas limitações, que encerraram os processos apenas com atestados de óbito e com indenizações, impediram um momento de luto que, para Teles (2012, p. 9), é necessário, pois, “[...] no luto toda energia está concentrada na cicatrização da ferida, é o tempo de reconstituição da identidade/ personalidade depois de uma perda ou um fracasso”.

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As barreiras da CEMDP não concluíram o caso de Pedro Fazendeiro. Desse modo, a esperança das filhas e filhos desse camponês, assim como de outros familiares de mortos e desaparecidos políticos se voltam para a Comissão Nacional da Verdade, criada pelo Estado brasileiro, em 16 de maio de 2012, para apurar as circunstâncias das violações aos direitos humanos, ocorridas de 1946 a 1988(CNV, 2013).Vale salientar que cada Estado tem a sua própria Comissão da Verdade, responsável por apurar os crimes ocorridos contra opositores políticos durante o regime militar.

4 CONSIDERAÇõES FINAIS É possível suprir a lacuna deixada pela história oficial, quando se escuta a voz dos grupos excluídos através da oralidade. Vimos isso com os depoimentos carregados de angústia e de esperança da viúva e das filhas de Pedro Fazendeiro, que comprovam a ideia de Ferreira (2007) de que, apesar de dolorosas, as lembranças são necessárias para o resgate da memória e para construção de novas identidades. Trazer de volta a história de Pedro Fazendeiro é reacender a memória, fazendo o caminho inverso do esquecimento, como salientou Delgado (2006), pois, ao refletirmos sobre o passado, numa perspectiva de que ele não se repita, buscamos impedir que outras famílias, como a desse líder, se tornem vítimas da violência e de um sofrimento constante. Do mesmo modo, com o resgate da memória, esperamos que a luta daqueles camponeses e dos trabalhadores rurais que ainda perdem suas vidas em busca de direitos básicos, de terra e de sobrevivência no campo, jamais seja esquecida. O sofrimento cercou os familiares de Pedro Fazendeiro. Perseguição, fome, discriminação e assédio sexual (contra as filhas), os atormentaram numa demonstração do horror e violação -136-


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aos direitos humanos implantados pelo regime militar, bem como pelos latifundiários. Horror que se prolonga até os dias atuais, porque, apesar dos avanços, a violência e a exploração no campo ainda existem, e a Reforma Agrária não aconteceu. Com a Comissão Nacional da Verdade aprofundando os trabalhos iniciados pela CEMDP, o Brasil se compromete em restaurar e preservar sua memória. Compromete-se, acima de tudo, com a verdade e com sua função de Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, e sabendo que os obstáculos continuarão existindo, a expectativa é que as apurações da Comissão Estadual da Verdade do Estado da Paraíba revelem a farsa do Exército que, para esconder suas ações, obrigou Pedro Fazendeiro a assinar um livro de soltura no 15º RI para entregá-lo não se sabe a quem (provavelmente à Polícia ou aos latifundiários), e fazer daquela noite de 7 de setembro de 1964 um mistério permanente. A voz dos familiares de Pedro Fazendeiro representa outras vozes que gritam por justiça no brasil. são filhas, filhos, maridos, esposas, mães e pais que anseiam encontrar o que restou dos seus entes queridos para, enfim, sepultá-los dignamente, porque velar e enterrar os seus mortos, é um ritual do qual a humanidade precisa e que a acompanha desde os tempos mais remotos, como assinalou Le Goff (2003). Diante do exposto, concluimos que a dor da perda ainda apavora a família de Pedro Fazendeiro. Embora sua esposa Maria Júlia não esteja viva, encontrar vestígios desse camponês, para enterrá-los e superar o luto continua sendo o desejo dos seus filhos e filhas,mesmo após quarenta e nove anos do seu desaparecimento. Pois, apesar da indenização, a ausência desse ritual constituiu um vazio que o Estado brasileiro não conseguiu preencher.

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REFERÊNCIAS BENEVIDES, César. Camponeses em marcha. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. BRASIL. direito à Memória e à verdade: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. CITTADINO, Monique. populismo e golpe de estado na paraíba. João Pessoa: Editora Universitária/Ideia, 1998. A CNV. Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/index.php/ institucional-acesso-informacao/a-cnv>. Acesso em: 30 jul. 2013. COIMBRA, Cecília Maria Bouças; BRASIL,Vera Vital. exumando, identificando os mortos e desaparecidos políticos: uma contribuição do GTNM/RJ para o resgate da Memória. Disponível em: <http://server.slab.uff.br/textos/texto58.pdf>. Acesso em: 18 out 2012. DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. Memória e educação em direitos humanos. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy, et al. educação em direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão. 5 Ed. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 2003. SOUZA, Francisco de Assis Lemos de. nordeste, o vietnã que não houve: ligas camponesas e o golpe de 64. Londrina: UEL/Ed. Universitária da UFPB, 1996.

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TELES, Janaína de Almeida.Os testemunhos e as lutas dos familiares de mortos e desaparecidos políticos no Brasil. In:III Seminário Internacional Políticas de La Memoria. Disponível em: <http://www.derhuman.jus.gov.ar/conti/2010/10/mesa-12/ teles_mesa_12.pdf>Acessoem: 20 out 2012. entrevistas concedidas à autora: Josineide Maria de Araújo. João Pessoa, 24/10/2006. Maria Júlia Araújo. João Pessoa, 24/10/2006. Náugia Maria de Araújo. João Pessoa, 26/10/2006.

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CaMpina Grande (1964/1968): UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO CAMPINENSE Erica Lins Ramos1 2014, meio século, se passou após o golpe de 1964. Muitas pesquisas já foram realizadas acerca desta temática, entretanto, arriscamos dizer, ser impossível um pesquisador conseguir dar conta do universo de acontecimentos que se desencadearam ao longo destes vinte e um anos em que o Brasil foi governado pelos militares, pois, pesquisar sobre os acontecimentos que se deflagraram durante a ditadura militar seria uma proposta muito ampla para um pesquisador, uma vez que os brasileiros vivenciaram experiências múltiplas, conforme as posições adotadas, portanto, não conseguiríamos mapear, em um trabalho os vários grupos atuantes durante este período. Partindo desse pressuposto, direcionamos a nossa pesquisa para o movimento estudantil universitário na cidade de Campina Grande-PB, porque, nas décadas de 1950 e 1960, esta viu surgirem suas primeiras Faculdades. Escolher o movimento universitário campinense como objeto de estudo não significa dizer que ele ocorria isolado do movimento estudantil secundarista, tendo em vista que eles ora lutavam por causas distintas, ora lutavam unidos e, outras vezes, pela mesma causa, pois o estudo sobre o movimento estudantil universitário foi uma escolha, e não, por quaisquer outras razões. O fato de delimitarmos um território e grupo a ser estudado ainda não nos permite analisar os vinte e um anos de ditadura militar, tendo em vista que ela é dividida por vários autores em três fases: a que vai do golpe até o Ato Institucional número cinco 1

Mestre em História pela Universidade Federal da Paraíba.

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(AI-5); a que se inicia depois dele e vai até a liberalização política iniciada no Governo Geisel; e a que segue dessa liberalização política até o Governo de João Figueiredo. (BORGES, N., 2007, p. 22). Nesse âmbito, como toda e qualquer escrita faz parte de uma escolha, optamos pela primeira fase da ditadura militar, já que, depois de ter feito uma pesquisa sobre as produções bibliográficas desse período e nossa temática, não encontramos produções similares à atividade que aqui desenvolvemos. Nas décadas de 1950 e 1960, Campina Grande se destacou em relação à criação de cursos superiores. Todavia, esses projetos nasceram em consonância com alunos, empresários, comerciantes e políticos campinenses. quando pensamos em movimento universitário em plena ditadura militar, somos levados a refletir que todos os universitários militaram contra o golpe, todavia, não queremos defender a tese de que ser estudante, na década de 1960, era ser militante contra a ditadura militar, uma vez que, logo após o golpecivil-militar os novos membros do DA, da Faculdade de Filosofia, fazem um discurso a favor da “revolução”: Solenidade simples marcou quarta – feira última, na Faculdade de Filosofia de Campina Grande, à posse da nova diretoria do Diretório Acadêmico daquele estabelecimento, de ensino superior de nossa cidade. Abrindo os trabalhos falou o padre Maia que teceu comentários sobre a situação a que foi relegada a Escola quando do seu afastamento, e acentuou a não participação na política dos diretorianos. Após a leitura da constituição do novo diretório, usou da palavra, a Presidente empossada, senhorinha Violeta de Lourdes de Castro Dantas. Em seu pronunciamento declarou <<Aqui estamos reunidos para oficialmente, comemorar uma nova or-

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dem, restaurar um clima de paz, trabalho, respeito, disciplina, cordialidade e incentivo. As Fôrças Armadas, como última esperança, retonaram a Pátria ao seu verdadeiro caminho, da liberdade, ao caminho da democracia, pelo seu papel de vanguarda, reestabeleceram o clima de paz, trabalho, e as conquistas sociais. Pretendemos homenagear as Fôrças Armadas pela sua atitude, reintegrando a Nação e sua austeridade administrativa e zelo à coisa pública>>. (EMPOSSADOS MEMBROS DO DIRETóRIO ACADÊMICO DA FACULDADE DE FILOSOFIA DE CAMPINA, JORNAL DB, 10/05/1964, p. 03).

A Faculdade de Filosofia de Campina Grande era administrada pela Igreja, e como a maioria do clero estava a favor da “revolução”, ela influenciava diretamente o corpo discente. Assim, depois do golpe, o DA de Filosofia elegeu novos membros que comungavam com as limitações impostas pelo sistema, já que o padre Maia deixara claro a não participação dos discentes em assuntos políticos, ao mesmo tempo em que a Presidente do DA enaltecia as medidas adotadas pelas Forças Armadas. Todavia, não foi apenas a Faculdade de Filosofia de Campina Grande que, no imediato do golpe-civil-militar, apoiou a ação das Forças Armadas, como enfatiza a reportagem abaixo transcrita, a Faculdade de Ciências Econômicas e a Politécnica, a princípio, também acreditaram nesse projeto: Iniciando o ciclo de conferências, integrante do Plano de Ação Psicológica que esta sendo levado a efeito pela Universidade da Paraíba, visando a esclarecer o povo os objetivos da Revolução de março último, o coronel Otavio queiros, comandante do Batalhão de Serviço de Engenharia, aqui aquartelado, proferirá, amanhã, às 19:30 horas no auditório da Associação Comercial, a primeira palestra do ciclo a ser feita nessa cidade.

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Professores das diversas Faculdades locais também terão oportunidade de expor, em linhas gerais, os objetivos do movimento revolucionário vitorioso a 31 de março e para tais conferências as diretorias da Faculdade de Ciências Econômicas e Escola Politécnica da Universidade da Paraíba estão distribuindo convites a entidades e autoridades campinenses. (CORONEL qUEIROZ, FALARÁ, AMANHã, SÔBRE OS OBJETIVOS DA REVOLUÇãO, JORNAL DB, 02/06/1964, p. 03).

No imediato golpe-civil-militar, as Faculdades de Campina Grande estavam mais preocupadas em garantir o seu funcionamento do que com os acontecimentos políticos. Nesse âmbito, acordos eram buscados, em prol de edificar os cursos superiores existentes na cidade e atender às necessidades dos estudantes a partir do apoio da política vigente. Esse fato é ilustrado na matéria abaixo: O Presidente do Diretório Acadêmico da Escola Politécnica de Campina Grande, estudante João Edvaldo Alves dos Santos, telegrafou ao ministro Flávio Suplicy Lacerda, titular da pasta de Educação e Cultura, apelando para a compreensão do ministro para atribuir urgentemente recursos financeiros ao Restaurante Universitário. Adianta o despacho que o “déficit” acumulado é de quase três milhões de cruzeiros resultando daí as sérias dificuldades em fornecer refeição aos estudantes. Apesar da boa vontade do Reitor da universidade da Paraíba, não há verbas para o serviço. A mocidade estudiosa de Campina Grande acredita que o ministro encontrará uma fórmula de prover o restaurante de meios necessários para alimentar, razoavelmente, os estudantes de cursos superiores. No mesmo sentido o Presidente do Diretório telegrafou ao Presidente Castelo Branco, reforçando, assim, o

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seu apelo ao titular da pasta de Educação. (ESTUDANTES DIRIGEM APÊLO AO MINISTRO DA EDUCAÇãO, JORNAL DB, 14/06/1964, p. 03).

Percebemos, que o DA da Politécnica, naquele momento, mantinha boas relações com o Ministro Flávio Suplicy e com o Presidente da República, Castelo Branco, além de isentar o Reitor Guilardo Martins dos problemas pelos quais o Restaurante universitário vinha passando. Neste momento, os universitários campinenses optaram por um caminho diferente, em suas reivindicações, ou seja, enquanto muitos estudantes reivindicavam seus interesses por meio de passeatas e de outras manifestações públicas, os campinenses optavam pelo diálogo. Entretanto, esta opção não garante a solução dos problemas destas instituições de ensino, e elas continuavam tentando vencer os desafios que lhes eram impostos Nessa caminhada, também estava a Faculdade de Serviço social que, devido às dificuldades financeiras, tentava vincular-se à Universidade Federal da Paraíba: O Reitor Guilardo Martins, da Universidade Federal da Paraíba, acolheu favoravelmente o pedido da Faculdade de Serviço Social de Campina Grande, que deseja integração parcial (agregação) naquela autarquia federal do Ensino superior. (REITOR FAVORÁVEL à PRETENSãO DA FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL, JORNAL DB, 16/07/1964, p. 03).

A Politécnica é a instituição de ensino superior mais antiga de Campina Grande que já contava com alguns convênios e recebia verbas federais. Como a Faculdade de Serviço Social estava, até então, “isolada” e com recursos escassos, sua agregação à Politécnica era pensada pelos universitários como a “salvação”

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da sua instituição. Entretanto, nenhum passo era dado pela Universidade da Paraíba quanto à agregação a essa universidade da Faculdade de Serviço Social. O Jornal DB registrou esse evento, conforme matéria transcrita abaixo: Sobre a necessidade daquela agregação, já se manifestaram a Federação das Indústrias, o Batalhão de Serviço de Engenharia, a Prefeitura Municipal, a Diocese de Campina Grande, a Associação Comercial e inúmeras outras entidades locais e estaduais que se dirigiram a Reitoria da UP, apelando para que o pedido de agregação tenha favorável deferimento. APOIO DE AGRIPINO E ARGEMIRO Agora é a alta representação política paraibana no Senado Federal que vem prestigiar com seu apoio o pleito da faculdade. Em telegrama dirigido à Diretora da FSS, irmã Ângela, o senador João Agripino, acaba de comunicar o seu “total apoio” à campanha pela integração da Escola Superior campinense na comunidade Universitária paraibana. Também o Senador Argemiro de Figueiredo, em telegrama endereçado ao seu irmão advogado Manuel Figueiredo, assegurou que “tudo fará” em benefício da Faculdade. INTERPRETAÇãO Tôda a dificuldade contra a agregação deriva da estrita interpretação do parágrafo 5º do artigo 4º do Estatuto da Universidade da Paraíba que veda a agregação de estabelecimentos de ensino dos quais já existam congêneres na Universidade. Interpretado, porém, “lato sensu” o parágrafo 3º não constitui embargo definitivo a agregação. (sERVIçO SOCIAL NA UNIVERSIDADE: ARGEMIRO E AGRIPINO FAVORÁVEIS, 22/08/1964, p. 08).

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A partir de então, ressalvamos que a luta pela agregação da Faculdade de Serviço Social à Universidade Federal da Paraíba contagiou as autoridades governamentais, industriais, religiosas, dentre outras entidades, mas não provocou uma manifestação pública com o apoio dos universitários campinenses à causa dos universitários de Serviço Social. Identificamos, até o momento, uma luta individual dos universitários por suas causas, todavia, era necessária uma luta conjunta para o desenvolvimento da educação no município. Em 1965, a luta dos universitários campinenses, não se limita mais a uma militância particular, pois, aos poucos, eles começam a interagir com a militância estudantil que vem ocorrendo no país. Portanto, estavam os universitários campinenses ganhando as ruas em busca de suas conquistas, como registrado na matéria publicada no Jornal DB: Ontem pela manhã, cêrca das 10 horas, um grande número de alunos pertencentes a diversos estabelecimentos de ensino de nossa cidade, predominando na sua totalidade do sexo masculino, se prostraram, em frente ao colégio Imaculada Conceição, mais conhecido dos campinenses, por colégio das Damas, localizado na Praça da Bandeira, promovendo uma grande algazarra, inclusive dificultando o tráfego de veículos naquelas mediações. O intuito daqueles alunos era fazer com que as mestras daquela casa de ensino liberassem as moças e meninas, suspendendo as aulas, a fim de que as mesmas pudessem participar das passeatas que os mesmos estavam realizando. Foi quando apareceu no local o delegado Cap. Luiz Gonzaga que se postando na frente dos alunos enfurecidos, invocou a sua condição de autoridade policial e principalmente a de professores em nossos colégios

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procurando fazê-los compreender que os mesmos serão os responsáveis pelo Brasil de amanhã, apelando para que êles demonstrassem compreensão e debandassem saindo imediatamente em passeata por outras artérias da cidade, no que foi aliás, prontamente atendido pelos alunos. Tudo foi finalmente sanado e a paz e o sossêgo restabelecido para a tranquilidade não apenas dos pais dos estudantes bem como professores e transeuntes. (ESTUDANTES APEDREJAM COLÉGIO DAS DAMAS: HOUVE TIROS E CORRERIA, 08/10/1965, p. 05).

A passeata realizada pelos discentes de Campina Grande faz parte de uma série de passeatas que vinham ocorrendo no Brasil, em que os estudantes manifestaram “[...] rejeição às medidas do Governo militar que visam impedir a sua manifestação política”. (MARTINS FILHO, 1987, p. 102). Por outro lado, podemos identificar na reportagem o modo como era representado o movimento estudantil - uma algazarra - enquanto que a polícia agia como aquela que reestabelecia a tranquilidade à população. Nesse contexto, para Scort (2000, p. 04)): “El dominador nunca controla totalmente la escena, pero normalmente logra imponer sus deseos”. Assim, o Governo, mais uma vez, usou o poder que exercia sobre a mídia para manipular a opinião pública contra os estudantes. Entretanto, não podemos inocentar a mídia em suas publicações, pois muitos proprietários de meios de comunicação praticavam a autocensura para agradar ao Governo e obter benefícios, uma vez que, “[...] o Poder Executivo sempre pôde, no Brasil, manipular grandes verbas publicitárias, determinar sindicâncias contra órgãos de imprensa, negar-lhe financiamentos através dos bancos ou, durante a ditadura, apreender toda uma tiragem. nunca foi difícil censura no brasil”. (FICO, 2007, p. 188).

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A partir do momento em que os universitários campinenses passaram a ganhar as ruas, em seus movimentos, o corpo discente desses estabelecimentos começou a receber atenção especial da política autoritária do Governo. Logo, além de anúncios publicados pela mídia institucionalizada, que buscavam atribuir uma identidade pejorativa ao movimento estudantil, começaram as sindicâncias nos núcleos de ensino da cidade: Estiveram ontem na direção do DIÁRIO DA BORBOREMA, o Presidente do Diretório Estadual dos Estudantes (DEE), acadêmico José Ferreira de Andrade, o Presidente da sub-séde do DEE de Campina Grande, acadêmico Israel Fernandes, e Juvino de Souza Lima, tesoureiro do DEE. Vieram da capital do Estado com a finalidade de fazerem um levantamento do material existente na UEEP, entidade extinta por ocasião da revolução de 31 de março. (ESTUDANTES REALIZAM SINDICÂNCIA NA ENTIDADE EXTINTA NA REVOLUÇãO, JORNAL DB, 23/10/1965, p. 05).

A partir de 1965, um grande número de universitários campinenses aderiu ao movimento estudantil, que contestava a política dos militares. Todavia, existiam aqueles que continuavam apoiando a “revolução”, por intermédio do DNE e da DEES. Mas, como a UNE apenas foi extinta por lei, e não, de fato, essas entidades não ganharam força no meio estudantil. Ressalte-se, porém, que não eram apenas alguns alunos que continuavam a apoiar a política das Forças Armadas em Campina Grande, como também e, sobretudo, o apoio a eles vinha dos Reitores que mantinham relações com técnicos da USAID, principalmente por parte do Reitor da Universidade Federal da Paraíba e do Diretor da Politécnica, o Professor Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque:

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Retorna hoje, ao Estado da Guanabara, após uma demora em Campina Grande de quarenta e oito horas, o professor Fernando Bessa Almeida, Secretário Executivo da Comissão Educacional dos Estados Unidos no Brasil (FULLBRIGHT), que veio a essa cidade em visita de intercâmbio intelectual entre aquela instituição americana e a Escola Politécnica de Campina Grande (POLI MANTÉM INTERCÂMBIO COM INSTITUIÇãO AMERICANA, JORNAL DB, 29/05/1966, p. 08).

A luta dos discentes campinenses ia ocorrendo em paralelo às bandeiras defendidas pelo movimento universitário em nível nacional. Assim, os universitários campinenses, mesmo diante das vigilâncias, não deixavam de demonstrar sua indignação com o sistema vigente: Numa homenagem especial a um homem que vem se destacando de há muito como uma das mais atuantes personalidades da vida nacional, especialmente da Igreja Católica, os concluintes da Escola Politécnica dessa cidade elegeram D. Hélder Câmara como paraninfo da turma de 1966. Por outro lado, numa homenagem as classes produtoras da Paraíba, e particularmente de Campina Grande, a turma concluinte da “Poli” pela unanimidade de seus componentes escolheu o banqueiro campinense Newton Rique, para seu patrono, convite igualmente aceito pelo dinâmico homem de nossa terra. (D. HELDER É PARANINFO DOS ENGENHEIROS DE 66: POLI, JORNAL DB, 04/08/1966, p. 08).

Não foi apenas a Politécnica a convidar D. Hélder Câmara para paraninfo, visto que, somente no mês de dezembro, a partir do dia 11, o Arcebispo tinha treze capitais para paraninfar universitários, fora as cidades interioranas, como Campina

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Grande, à qual retornaria no final do mês para paraninfar a turma de Engenheiros da Politécnica. A estadia de D. Hélder na cidade também se deveu ao fato de paraninfar as turmas de Filosofia e Serviço Social da Universidade Regional do Nordeste. (JORNAL DB, 11/12/1966, p. 08). Abrimos aqui um espaço para enfatizar o marco do convite a D. Hélder Câmara e a Newton Rique, um, como paraninfo, e o outro, como patrono das turmas de formandos de 1966. O Arcebispo de Olinda e de Recife não comungava com a repressão imposta aos estudantes pelo governo, como enfoca a matéria publicada pelo Jornal DB: O Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, declarou hoje nessa capital, que os universitários têm uma responsabilidade importante na vida do país porque mais da metade da população tem menos de vinte anos. O prelado acentuou não entender como proibir aos jovens de participar dos acontecimentos nacionais e internacionais, e isso não é só direito, é uma obrigação deles. (DOM HÉLDER: PARTICIPAR DA VIDA NACIONAL É DEVER DOS ESTUDANTES, 20/09/1966, p. 01).

Considerando que D. Hélder era um membro polêmico do clero, por defender as causas estudantis, tê-lo como paraninfo, em uma universidade cujo Reitor não apoiava os movimentos estudantis, demonstrava as correlações de força no universo simbólico entre os estudantes e o Governo autoritário. Esse fator ainda foi ratificado no convite a newton Rique para patrono, que foi cassado no imediato pós-golpe. Nesse contexto, ambos os convites não foram meras coincidências, mas uma tática para repudiar, de forma simbólica, o Governo. à proporção que novos cursos iam sendo criados na cidade e novos universitários iam surgindo, os estudantes campinenses -150-


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se interessavam na luta por seus direitos. Nesse âmbito, veem suas relações com a militância de nível nacional se solidificando. E em 1967, foi realizado um trote pelos universitários campinenses, durante o qual os estudantes demonstraram indignação contra os Reitores das Universidades existentes na cidade - já que tanto Edvaldo do ó quanto Guilardo Martins iniciaram o ano em viagem pelo exterior - e contra a interferência norte-americana na educação e a política das Forças Armadas. O trote dos calouros universitários campinenses, esse ano, se constituiu num espetáculo que arrastou o povo à praça pública, para presenciar e apoia-lo, ao contrario dos anos anteriores. DISPOSIÇãO Na formação do trote as escolas superiores obedeceram essa disposição: Faculdade de Ciências Econômicas e Sociologia, química Industrial, Administração, Filosofia e serviço social, com o carro volante puxando o desfile, sobre o comando do padre João batista, o que levou um observador a comentar “A Igreja lidera a juventude”. CARTAZES Os cartazes exibidos lideram criticas as autoridades, federais, estaduais, municipais, e aos dirigentes de empresas e entidades ligadas a iniciativa privada, apresentando no seu computo geral numerosos restritos a política norte-americana para com os países latino-americanos, especialmente o Brasil. Entre outro, a reportagem anotou esses dizeres: “Guerrilheiros até no Brasil se U.S.A.”; Reitor faz turismo. Estudante passa fome; Brasil-Praça dos três poderes: Exército, Marinha e Aeronáutica; Leite em pó ou talco Johnson?; O problema do latifúndio vem de Adão... A culpa foi de Deus que não aplicou a Reforma Agrária; Sonhos Frustrados: Vejo a terra livre

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(Castro Alves); Libertas quase serás também (Tiradentes) e Independência ou morte (Pedro I). (CAMPINA PAROU PARA VER O ‘TROTE PASSAR’, JORNAL DB, 16/04/1967, p. 01).

Indícios de apoio a movimentos estudantis ocorridos no Brasil que repudiavam a política das Forças Armadas no país vinham sendo observados no meio universitário campinense desde o ano de 1965. Porém, a cidade ainda não havia despertado para um movimento de tamanha proporção, em que se encontravam unidos pela luta das bandeiras próprias das demais Faculdades e do país “universitários de todas as Faculdades em atividades na cidade”. Outro marco desse movimento foi a presença de alguns civis e do clero. Segundo o Jornal DB, essa presença não passou despercebida daqueles que a acompanhavam e provocou comentários do tipo “A Igreja lidera a juventude”. De certo, a maioria do clero, no imediato golpe-civil-militar, defendeu a ação das Forças Armadas, exceção para alguns membros do baixo clero. Campina Grande mesmo realizou a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, e agora membros do clero e civis estavam unidos ao movimento universitário, denunciando em vias publicas a política instituída pelo Governo. Podemos destacar, ainda, a “ousadia” dos universitários campinenses ao criticarem os Reitores das Universidades aos quais estavam vinculados e, em público, as Forças Armadas. Acreditamos ser esse um momento inédito dessa natureza, uma vez que, durante o desenvolvimento da pesquisa, não encontramos nenhum registro documentado que atingisse os brios da política autoritária, como fizeram os universitários campinenses na realização desse trote. Ainda fazendo menção à dimensão do “trote”, eles também não economizaram críticas à abertura de que o Brasil permitiu a interferência da política norte-americana -152-


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no país, em especial, nas instituições de ensino, inclusive nas de Campina Grande, onde foram percebidas essas interferências e registradas em nossa pesquisa o imediato golpe-civil-militar, com a presença de representantes da USAID, aprovada pelos Reitores tanto da Escola Politécnica, quanto da Universidade Regional do Nordeste e pela maioria dos universitários. Assim, os estudantes universitários estavam firmes em suas decisões. Se sentindo fortalecidos estes realizaram novos movimentos contra o acordo MEC/USAID, conforme nota publicada no Jornal DB: GREVE UNIVERSITÁRIA às nove horas de ontem, foi convocada uma Assembleia Geral, em caráter Permanente, sendo definitivamente homologada a greve, universitária campinense, até que seja solucionado o problema da Faculdade de Serviço Social. ACAMPAMENTO Um acampamento foi montado ao lado da Faculdade de Ciências Econômicas, na manhã de ontem, e os universitários, representantes de todas as Escolas Superiores de nossa cidade, permanecem em vigília executando hinos patrióticos. Varias legendas e dísticos estão expostos naquele local, todos alusivos ao acordo MEC-USAID, e concitando os estudantes a permanecerem em greve, até uma solução definitiva ao caso. (EsTUDAnTEs COnTInUAM GREVE E ANUNCIAM MANIFESTAÇõES HOJE, 27/05/1967, p. 08).

Mais uma vez, os universitários se uniram para buscar solucionar problemas de caráter geral e específico, como foi o caso da Faculdade de Serviço Social, que, como referimos, muito lutou, sem o apoio dos demais universitários. Todavia, sua luta, a partir -153-


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de então, por verbas para pagar aos professores e o desligamento da FURNE contavam com o apoio, se não de todos, mas da maioria dos universitários da cidade. Interessante ressaltar que, em um mesmo movimento, os estudantes militavam pela causa da Faculdade de Serviço Social e contra o acordo MEC-USAID e tinham o apoio da maioria dos estudantes de todos os níveis. Porém, o ápice do repúdio ao referido acordo se manifestou com a queima da bandeira dos Estados Unidos pelos estudantes, durante a passeata realizada depois da Assembleia. Conforme enfatiza o trecho abaixo extraído do Jornal DB: qUEIMARAM A BANDEIRA A concentração pública teve o seu encerramento por volta das doze horas e trinta minutos, quando os estudantes ostentaram uma bandeira norte-americana, que recebeu o repúdio da multidão, sendo logo em seguida rasgada e queimada pelos estudantes. E enquanto o símbolo dos Estados Unidos incendiava suspenso por uma vara, tôda a multidão, composta de estudantes e elementos de varias classes sociais, entoavam o Hino Nacional Brasileiro, até a bandeira queimar-se por completo. ACAMPANENTO Sob uma grande tenda armada na Avenida Marechal Floriano numerosos estudantes universitários de todas as Faculdades campinenses, ficaram acampados logo após o termino do comício. (UNIVERSITÁRIOs FAzEM COMíCIO E QUEIMAM bAnDEIRA, 28/05/1967, p. 08).

Convém registrar que, os universitários não desfizeram os seus acampamentos onde permaneceram até o desligamento da Faculdade de Serviço Social, da Universidade Regional do Nordeste, no dia 02 de junho de 1967. -154-


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No ano de 1968, em meios a protestos da população civil que denunciavam a repressão sofrida por aqueles que não compartilhavam com os ideais do governo, o golpe, ou, para empregar o termo utilizado pelas Forças Armadas, a “revolução” ainda é comemorada nas ruas de Campina Grande. Essa assertiva é confirmada na matéria publicada no Jornal Db: Um vasto programa festivo assinalará domingo vindouro, em Campina Grande, a passagem do IV aniversário da revolução democrática de 31 de março de 1964, movimento que devolveu ao país o clima de tranquilidade, paz, e bem estar social. Essa comemoração cívica será realizada concomitantemente em tôdo o território nacional, com a participação ativa das nossas Forças Armadas e do povo em geral. (REVOLUÇãO DE 31 DE MARÇO SERÁ COMEMORADA: CAMPINA GRANDE, 27/03/1968, p. 08).

Esse noticiário tenta incutir aos seus leitores que, a aceitação da política desenvolvida pelas Forças Armadas, no Brasil e em Campina Grande, foi geral, porém, o próprio Jornal, em edições anteriores, divulgou correlações de força entre o movimento universitário e a polícia, e muitas pessoas apoiaram os trotes das faculdades de Campina Grande, que criticavam a política do Governo. Assim, acreditamos em uma participação ativa das Forças Armadas, mas duvidamos de que ela se encontre em igual intensidade em relação à população, como se faz entender o noticiário. Partindo desse pressuposto, o próprio Jornal DB, notícia um movimento universitário, que tem o apoio dos estudantes secundaristas e da própria população um dia depois dos festejos da “revolução”.

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Expressando solidariedade a todos os estudantes brasileiros em resposta ao recente assassinato do estudante Edison Luiz na Guanabara, os estudantes campinenses realizaram ontem às 17:30 horas, na Praça da Bandeira, uma concentração que contou com a participação de grande número de estudantes universitários, secundaristas, e do povo em geral. GREVE Um dos representantes da União dos Estudantes Paraibanos, anunciou uma greve de quarenta e oito horas, visando a uma definição da situação que para êles, “não pode mais continuar”. (ESTUDANTES FAZEM COMíCIO DE DEsAGRAVO nA PRAçA DA bAnDEIRA, 02/04/1968, p. 08).

Segundo Zapata e Soto (2008, p. 71-72), a greve foi decretada, primeiro, pelos universitários e secundaristas que se faziam presentes no velório do estudante. Posteriormente, à proporção que os acontecimentos iam se difundindo pelos noticiários, os universitários e os secundaristas de outros estados iam aderindo à greve. Todavia, não podemos esquecer que a mídia, de um lado, divulgava os preparativos para o 4º aniversário da “revolução” e, de outro, sua repressão presente no primeiro corpo que lhe fugiu das mãos. Pois, o estudante Edson Luís não foi o primeiro nem o último corpo vitimado pela PM, mas esta foi a primeira morte em que os militares não conseguiram conter a repercussão do ato, nem mesmo sobre justificava, conforme enfatiza Valle (2008, p. 28): “Para o Governo, a ‘agitação’, colocando em risco a manutenção da ordem e a tranquilidade nacional, requer a tomada de medidas repressivas”. Nesse sentido, se houve uma morte entre os estudantes, a culpa não seria da PM, mas dos próprios estudantes, que a obrigavam a agir de maneira repressiva. No entanto, o movimento estudantil não reagiu apenas com greve à repressão da PM e, em vista do ocorrido no -156-


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Calabouço, os movimentos estudantis ganharam as ruas, mesmo com a proibição dos órgãos repressores, assim, em Campina Grande, foi marcada a missa de sétimo dia pela alma de Edson Luís: Exceção feita ao Ginásio da Imaculada da Conceição, SENAI, e Ginásio Anita Cabral, que realizaram aulas normalmente, todos os educandários campinenses, além de todas as escolas superiores da cidade, fecharam ontem suas portas, em sinal de solidariedade ao seu colega, estudante morto na Guanabara, vítima da ação da Polícia, que a todo custo tenta dispersar os movimentos estudantis em toda a nação, desde a última semana. Na manhã de ontem estudantes de todas as Faculdades de Campina Grande, estiveram reunidos no pátio da Faculdade de Direito, quando de comum acordo, acertaram a realização, de logo mais às 8 horas na Catedral de Nossa Senhora da Conceição, de uma missa pela alma dos estudantes mortos ultimamente. (MISSA PELO ESTUDANTE ASSASSINADO SERÁ LOGO MAIS àS 8 NA CATEDRAL, JORNAL DB, 03/04/1968, p. 08).

A missa foi realizada na Catedral de Campina Grande, em homenagem ao estudante, sem a interrupção da PM. MISSA E CÂNTICOS No decorre da missa, um dos estudantes cantou dois números da chamada música de protesto [...]. A primeira música cantada foi “Terra de Ninguém2”.

Foi cantada também há meio dia “Opinião3”. Além dos estudantes e dos populares a missa foi igualmente assistida por: oficial do Exército a paisana, investigadores Joaquim Silvestre, Edgar Silva, Severino 2

Música composta em 1965 por Alaíde Costa.

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Música composta em 1964 por Zé Keti – José Flores de Jesus – para a peça teatral Opinião.

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Monteiro e Francisco Honorato, estando presente por igual dois Agentes da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), do Estado. ASSEMBLEIA Terminada a Missa, foi realizada na própria Catedral, uma assembleia, ensejo em que foram discutidos alguns temas do interesse da classe. [...] 2 – A greve de protesto continuara, até novos acontecimentos e enquanto persistirem as perseguições e assassinatos de estudantes; 3 – Foi aprovada a seguir uma passeata ontem, logo após a Missa e dois comícios, um defronte da Catedral, e outro na Faculdade de Ciências da Administração. O primeiro comício foi de fato realizado, fazendo-se ouvir na oportunidade, um só orador, cujo nome não conseguimos identificar. Em seguida em que pese às determinações em contrário das autoridades federais e estaduais, os estudantes desceram em passeata de silêncio, com destino à Faculdade de Administração, seguindo o itinerário das ruas Maciel Pinheiro, Cardoso Vieira, e Praça da Bandeira. O deslocamento estudantil, porém, não chegou ao seu final, pois, quando atingia a confluência da Rua Cardoso Vieira e Venâncio Neiva, foi obstaculado pela Polícia Militar do Estado, sob o comando do Tenente Coronel Joaquim Sinfrônio e o Capitão João Valdevino respectivamente delegados de investigações e Capturas e Vigilância e Costumes. A essa altura o volante policial, após apreender os cartazes conduzidos por alguns manifestantes e efetuar seis prisões, impediu o prosseguimento da passeata, tendo essa deliberação sido recebido pelos estudantes com gritos e apupos, o que veio contribuir para acirrar os ânimos, de parte a parte, sem que ocorresse, entretanto, nenhuma violência. (CAMPINA: ESTUDANTES E POLíCIA nAs RUAs, 04/04/1968, p. 08).

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nessa reportagem, mais uma vez, identificamos o Jornal tentando ocultar a violência da PM sobre os estudantes, visto que há uma grande contradição presente nesta, pois a matéria informa que os policiais apreenderam cartazes conduzidos pelos estudantes, realizaram prisões e impediram o prosseguimento da passeata. Ora, como tudo isso pode ter ocorrido sem o uso da violência, levando em consideração que a realização de manifestações públicas pelos estudantes havia sido proibida, e eles, seguindo um movimento que se deflagrava em todo o país, deram continuidade aos protestos que repudiavam a repressão policial sobre os estudantes. Como podem ocorrer repressão e prisões em atos públicos sem reação? E o que dizer dos gritos e das vaias dos estudantes sobre a ação da polícia? Se esses gestos não representam uma reação dos estudantes contra a violência dos policiais, sobre eles, o que representam então? A Assembleia que foi realizada pelos estudantes não estava programada para acontecer dentro da Catedral, mas ocorrera ali devido ao cerco policial sobre os estudantes, conforme informa o nosso depoente, Simão: Em março no assassinato do estudante Edson Luís no Rio de Janeiro, realizamos muitos movimentos, em Campina Grande fizemos diversas passeatas, acampamentos em frente da Catedral de Campina Grande, a polícia veio e a gente se refugiou dentro da Catedral, fizemos Assembleia, dentro da Catedral de Campina Grande4.

Depois da morte de Edson Luís, os estudantes perceberam que não estavam mais sozinhos na luta contra a política governamental, pois parte da população brasileira os apoiava. Nesse con4 Entrevista concedida por ALMEIDA NETO, Simão de. Em 22/01/2008, a autora Erica Lins Ramos, João Pessoa, 2008.

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texto, os estudantes se sentem fortalecidos e organizaram o XXX congresso a UNE, no propósito de discutir sobre os acontecimentos da política brasileira e para eleger o novo Presidente. Segundo Cacilda, os organizadores do Congresso pensaram em métodos de despistar a polícia, desde a saída dos estudantes de sua cidade até a chegada ao evento: A coisa começou logo na ida. Primeiro a gente viajou como se fossemos casados, fizeram certidão de casamento para a gente, não mudaram os nossos nomes, mas a gente viajou como se fossemos casados. Para evitar suspeitas, compramos alianças e tudo, porque eram muitos estudantes seguindo para lá, e a gente tinha que disfarçar, para não ser pego. De todo o lugar do Brasil foi estudante para lá. Eu cheguei por Taubaté. A gente foi lá para uma igreja, e lá sabíamos que ia ter alguém nos aguardando com uma régua T, ai a gente ia perto dele e dizia algo que não recordo qual foi à frase, mas era uma frase já combinada desde daqui (Campina Grande), e tinha que chegar na hora acordada, se a gente não chegasse já perdia o contato, ninguém podia se atrasar, tinha que ser na hora certa. quando a gente dizia a frase o rapaz respondia outra coisa, que também já era combinado, então quando viu que era a gente mesmo, ele nos levou lá para dentro da igreja, deu novas instruções e nos levou para um lugar que vendia café, lá nos entregou a outra pessoa, e sumiu. Tomamos café, e depois, aquele do café, nos pegou e nos levou para outro lugar. Nos levou para uma mata, minha filha os mosquitos picando a gente pense em uma agonia, e não era só a gente não, quando a gente chegou nessa mata, já tinha muitos outros estudantes, e foi anoitecendo e os mosquitos mordendo, (bate na perna), ai ficou tarde da noite, então foi quando apareceu alguém para nos pegar. Levaram-nos e nos sol-

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taram lá dentro do sítio de Ibiúna, mas, não foi todo mundo de uma vez não, fomos aos poucos, porque nos carros não cabia todo mundo de uma vez. Ai foi quando eu pensei – ai meu Deus, que a coisa estava séria mesmo . Quando a gente chegou ao sítio, logo na frente estavam muitos estudantes todos armados, e começaram a dizer coisas com a gente, focaram lanternas em nossos olhos, e perguntavam se nós éramos dedo duro, e colocavam até o revolver em cima da gente, ai quando viam que éramos de confiança nos deixavam entrar. Foi tudo muito organizado, agora tinha muita lama (marca o meio da perna)5.

Na fala de Cacilda, percebemos o cuidado dos organizadores do Congresso com a segurança dos estudantes que se direcionavam para o evento. Essa preocupação começava desde a saída do estudante da cidade até sua chegada ao local escolhido pelos organizadores, porque era comum agentes do Governo se infiltrarem disfarçados de militantes entre os estudantes. Por outro lado, talvez a excessiva preocupação com a locomoção dos estudantes tenha deixado falhas no local escolhido para acomodálos. Por isso esse aparato de precauções não foi o bastante para evitar que a polícia descobrisse o evento e efetuasse a prisão daqueles que estavam presentes ali. Sobre isso, vejamos o que diz Cacilda: Eu passei duas noites lá, e quando já ia encerrar, a gente ia fazer a votação do Presidente da UNE, e eu já estava pensando – Meu Deus como vamos sair daqui? - estamos todos sentados, eu me lembro que estava sentada de costas, tudo fechado, quando só escutei os gritos – se levantem daí bandos de filhos da puta – chamaram muitos nomes feios com a gente, e quando 5 Entrevista concedida por CAVALCANTE, Cacilda Filomena Castro, Em 26/12/2012, a autora Erica Lins Ramos, Campina Grande, 2012.

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eu olhei para trás, nós já estávamos todos cercados pela polícia, então eu só fiz pegar minha bolsinha. Estávamos todos de pé no chão, porque os sapatos já tinham ficado dentro da lama, e o outro que eu tinha era para a viagem, então o deixei dentro da bolsa. Porque a lama vinha até aqui (marca com o dedo perto do joelho). Ai eles gritaram, - vamos todos logo, fazendo uma fila ai, logo -. E fomos todos, um atrás do outro, andamos nem sei quantos quilômetros para ir pegar o ônibus. quando a gente veio... viemos de carro, carro entrava, mas ônibus não. quando a gente pegou as bolsas. As bolsas estavam todas cheias de folhetos, que a gente ia levar, então era todo mundo tirando os folhetos das bolsas e eles gritando – deixem os folhetos dentro das bolsas, não é para tirar nada, coloca, coloca os folhetos dentro das bolsas -. Eu sei é que eu consegui jogar os meus no chão, e só fiz pegar a minha bolsa e sai. Coloquei a bolsa na cabeça e sai. Ainda bem que nesse dia tinha até um solzinho, que o lugar era frio, no pé de uma serra, e fazia muito frio, tinha até neve lá. Bom ai a gente pegou o ônibus e fomos para São Paulo. Minha filha, quando a gente chegou a São Paulo era tanta gente, esperando a gente chegar que foi apertado para a gente passar, e a gente passando de cabeça baixa, e entrando na prisão. Agora as prisões estavam todas bem limpinhas para nos receber, limparam tudo, e deixaram a prisão sem ninguém, só para colocar a gente. Agora as mulheres eram em um lugar e os homens em outro6.

A partir das duas representações narradas por Cacilda acerca de sua viagem, podemos perceber a angústia e o medo que ela vivenciou como também a veemência do seu rememorar, 6 Entrevista concedida por CAVALCANTE, Cacilda Filomena Castro. Em 26/12/2012, a autora Erica Lins Ramos, Campina Grande, 2012.

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visto que, quando ela narra o percurso da sua viagem, rememora a tal intensidade, que chega a bater em sua perna ao mencionar as picadas de mosquito que sofreu há mais de quatro décadas, o que nos permite sentir as suas sensibilidades, pois, segundo Delgado (2006, p. 43): “As narrativas têm a potencialidade de fazer viajar o ouvinte através da viajem da narrativa”. Por outro lado, parece que os militares sabiam que estavam prestes a realizar a maior prisão de estudantes em uma só vez, visto que, segundo Cacilda, ela encontrou celas vazias, como estivessem esperando por ela – limpas – pois os militares sabiam que a prisão seria divulgada pela mídia e para manter a moral, espaços reservados para homens e mulheres. Os militares também sabiam que a repercussão desse ato se daria em rede nacional, mas mesmo assim o fez. Porém, no jogo político, as coisas não acontecem por acaso, Balandier (1982, p. 18)), enfatiza que: “Os laços sociais estabelecidos com encenação rigorosa faziam de cada encontro público uma representação”. Por essa via, os estudantes representavam a desordem contra o sistema, e agora, o Governo obtinha provas da desobediência deles, de sua má intenção com o sistema, pois, em Ibiúna, estavam reunidos representantes de estudantes de todo o país para “tramar” contra o Governo, e a ação triunfante do sistema também se estabelecia com as centenas de fichas que passavam a fazer parte do acervo do DOPS, o que facilitavam a vigilância sobre eles. Mas, mesmo longe, os estudantes paraibanos não estavam sozinhos, e a prisão deles acarretou uma série de protestos em Campina Grande: Os estudantes campinenses voltaram, mais uma vez, à rua, na noite de ontem, protestando contra a prisão, pela Polícia paulista, dos seus colegas participantes do Congresso proibido da extinta União Nacional dos

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Estudantes (UNE), que se realizava na pequena cidade de Ibiúna, no interior do estado de São Paulo. (ESTUDANTES CONDENAM PRISãO DE COLEGAS EM SP, JORNAL DB, 16/10/1968, p. 08).

Como resultado positivo das manifestações que se solidarizavam com os estudantes presos em Ibiúna, o Governador João Agripino conseguiu que todos os estudantes paraibanos presos no XXX Congresso da UNE regressassem à Paraíba, como mostra esta matéria publicada no Jornal DB: O Governador João Agripino conseguiu, ontem, do Governador Abreu Sodré, de São Paulo, a libertação de todos os estudantes paraibanos, prêsos na capital paulista, após o malôgro do Congresso da UNE. O governador paraibano, ainda, em São Paulo, determinou que os estudantes viajassem ao nosso Estado, em ônibus especial, às expensas do Govêrno paraibano. NOMES Os estudantes paraibanos que foram libertados, em São Paulo, por interferência do governador paraibano, são os seguintes: Everardo Nóbrega de queiroz, Aluizio Muniz de Aquino, Eluisio Jerônimo Leite, Rubens Pinto Lira, José Ferreira da Silva, José de Arimatéia Pereira Lima, Heraldo Fernandes dos Santos, Higino Brito Marinho, Jurandir Machado Bettencourt, Maria do Socorro Pereira, Cacilda Filomena de Castro, Silvio Roberto Teixeira Barreiro, João Roberto Borges de Souza, Ademir Alves de Melo, Antonio Batista da Silva, Cláudio Américo de Figueiredo Pôrto, Vicente Antonio da Silva, Getúlio Bezerra Castro, Luiz Sergio Gomes de Matos Figueira, Williams Capim de Miranda, Maria Nazareth Coelho, Maria do Socorro Morais, Maria de Fátima Mendes, Lêda Rejane P. do Amaral e Maura Pi-

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res Ramos. (GOVERNADOR AGRIPINO LIBERTA ESTUDANTES, 17/10/1968, p. 01).

Embora se tenha divulgado que os estudantes paraibanos presos em Ibiúna seriam trazidos para a Paraíba à custa do Estado, isto não se concretizou, e eles voltaram por conta própria. A matéria publicada no Jornal Db ilustra essa afirmativa: O Secretário de Segurança tinha instruções de receber os estudantes em liberdade, mas ao chegarem ao presídio para essa finalidade, os mesmos já tinham sido libertados esquecendo o diretor do presídio de comunicar que o nosso Estado (a Paraíba) forneceria o transporte. (TELEGRAMA CONFIRMOU ATUAÇãO DE JA EM FAVOR DOS ESTUDANTES PRESOS NO SUL, 20/10/1968, p. 08).

Há que se enfatizar que, se o diretor do presídio se esqueceu, ou não, de informar que o governador da Paraíba havia providenciado um ônibus para conduzir de volta os estudantes paraibanos, não temos como responder. O fato é que os estudantes estavam libertos dos cárceres a que foram levados devido à sua participação do Congresso de Ibiúna. Mas, sem dinheiro, sem conhecer a cidade, aparentemente jogados à própria sorte, apenas aparentemente, porque, segundo Cacilda, [...] as mães de São Paulo estavam sempre com a gente, providenciaram carros e nos levaram para as suas casas, nós dormimos em suas casas e elas não soltavam a gente, com medo da gente depois que fosse solto alguém viesse e nos matássemos, então elas tiveram muito cuidado com a gente. Elas compraram até as passagens da gente e foram nos levar na rodoviária, elas tiveram muito cuidado na gente, e nos deram dinheiro e não foi pouco não, eu

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ainda voltei com dinheiro para casa. Então graças a elas voltamos todos juntos para casa7.

Mas, o governo, diante da articulação dos estudantes com o apoio de muitos civis, não ficou com os braços cruzados e editou o Ato Institucional de Número Cinco. Para Jorge: “O AI-5 foi uma tristeza. Movimento de rua não houve mais não. Os estudantes não podiam mais ganhar as ruas, a repressão era intensa em cima da gente. E logo depois veio o 477, em que eu e muitos amigos fomos atingidos8”. O AI-5 trouxe instrumentos para serem utilizados pelas Forças Armadas, que lhes abonavam respaldo para punirem, conforme julgassem adequado, todo e qualquer cidadão que fosse considerado subversivo. Em outras palavras, que se expressasse contra a política adotada pelo Governo. Nesse sentido, o projeto do Governo não foi pensado apenas para representantes de poderes, mas também para os civis, em especial, estudantes e professores. Então, visando inibir e retirar do cenário acadêmico professores e estudantes que não comungavam com a política vigente, em fevereiro de 1969, o Governo lança o Decreto-lei 477.9 Essa norma repressiva dizia que cometeria “infração disciplinar” o professor, o aluno ou o funcionário de estabelecimento de ensino público ou privado que se enquadrasse em diversos casos, entre os quais os seguintes: aliciar ou incitar à deflagração de movimento que tenham por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participar nesse movimento; praticar atos 7 Entrevista concedida por CAVALCANTE, Cacilda Filomena Castro. Em 26/12/2012, a autora Erica Lins Ramos, Campina Grande, 2012. 8 Entrevista concedida por LEITE, Jorge de Aguiar. Em 03/01/2013, a autora Erica Lins Ramos, Campina Grande, 2013. 9 Muitas matrículas de estudantes foram cassadas, antes do Decreto-lei 477, por diretores e reitores das instituições de nível superior e outros foram desvinculados de suas atividades profissionais.

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destinados á organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados ou deles participar; conduzir ou realizar confeccionar, imprimir, ter em depósito, distribuir material subversivo de qualquer natureza. Se o infrator fosse professor ou funcionário, seria demitido (ou dispensado), e proibido de ser nomeado (ou admitido ou contratado) por qualquer outro estabelecimento de ensino pelo prazo de cinco anos. Se fosse estudante, seria desligado do curso, e proibido de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino por três anos. (CUNHA; GóES; 1989, p. 38-39).

Com esta ação do governo os estudantes sofreram punições e ficaram decepcionados. Muitos deles, para não ser presos, abandonaram seus familiares e tentaram recomeçar, o que não foi fácil. Vejamos o depoimento de Cacilda a respeito desse fato: Nós que militamos aqui fomos embora, eu quando terminei o curso, não quis ficar aqui não, nós éramos rejeitados, não valíamos nada, era como se fossemos um câncer, uma coisa podre10 (demonstra tristeza em sua fala). Fui embora para Recife refazer a minha vida, lá ninguém me conhecia, foram dez anos maravilhosos, mas também sofri muito. Lá em Recife ainda me chamaram, para saber onde a gente estava, e eu não disse que estava no INSS, eu era bolsista, não tinha carteira assinada, então eu não disse onde

10 Em nossa escrita, demonstramos como aos poucos o movimento estudantil foi ganhando o apoio de vários setores da população brasileira, até o ano de 1968, porém, após o AI-5, o governo desenvolve novos métodos de repressão para com aqueles que não aceitam a política governamental e/ou que apoiam pessoas tidas como subversivas. O país, também passava a vivenciar uma “falsa” sensação de estabilidade econômica, o que de certa forma, propiciava ao governo apoio de vários setores da sociedade civil, ao mesmo instante em que começavam a desprezar movimentos e militantes que contestavam a política vigente, neste contexto, tanto Cacilda como outros militantes passaram a ser rejeitados por parte dos civis, devido ao seu histórico de militância.

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estava. Mas eu ficava assombrada no trabalho, quando alguém dizia Cacilda vem aqui, eu já tinha medo11.

Assim, Cacilda12, Simão e Ana Rita13 deixaram Campina Grande e foram morar em Recife. Sobre isso, Ana Rita relata: Eles prepararam o famoso AI-5 e, nessa época, eu tinha casado. Eu casei em setembro de 68. Logo depois que eu casei meu marido estava na casa dos pais dele, que era bem no centro da cidade de Campina. Apareceu alguém e chegou para ele e disse: “galego vá embora, desapareça que a polícia vai lhe pegar, vai vim aqui atrás de você entendeu”. Isso era novembro. Ele estava acabando o curso de Engenharia e eu terminava o de Serviço Social. Ai ele foi embora para o Recife. E foi tanto que ele abandonou o curso. E eu fiquei aqui, porque eu disse – não eu não vou não, eu vou terminar o meu curso – e nesse tempo a gente já estava com envolvimento político maior. Éramos de AP. Ele montou uma casa e ficou morando lá. Só que eu não passei muito tempo aqui não, então ele foi em novembro e eu já fui no começo de dezembro. Também abandonei o meu curso14.

Deixar a cidade, todavia, não significava ficar em segurança, pois, apesar de estar em Recife, depois de ter abandonado a família, o curso, enfim, de ter deixado toda uma vida para trás, Ana Rita foi presa em fevereiro de 1969.

11 Entrevista concedida por, CAVALCANTE, Cacilda Filomena Castro. Em 26/12/2012, a autora Erica Lins Ramos, Campina Grande, 2012. 12

Cacilda deixou Campina Grande em 1970 e somente voltou em 1980.

13 Simão e Ana Rita se casaram em 28 de setembro de 1968. Saíram de Campina Grande em 1968 e apenas retornaram em 1980. 14 Entrevista concedida por ALMEIDA, Ana Rita de Castro. Em 15/10/2007, a autora Erica Lins Ramos, Campina Grande, 2007.

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Jorge optou por não deixar a cidade: “Eu tive muita vontade de fugir como Simão, que pegou a sua esposa e foi embora, e tantos outros. [...] Mas eu pensava na minha família, e se eu saísse daqui lá fora eu teria que entrar de forma intensa no movimento de contestação armada, então fiquei por aqui mesmo15”. Para Jorge, não fazia diferença ficar na cidade ou sair de lá, pois, se saísse, onde estivesse, teria que se engajar e, talvez, longe de sua cidade, fosse ainda pior. Jorge foi sequestrado por agentes do DOPS, em janeiro de 1973, e libertado em março do mesmo ano. Desta forma, mesmo com o seu aparato repressor, o Governo não conseguiu extinguir os movimentos o que denunciavam, inclusive, aqueles que ocorriam em cidades interioranas: De fato, ao contrário do que se pode supor, os primeiros anos da década de 1970 - marcados pela presença do Ato Institucional nº 5 e pela atuação do Governo Médici -, não foram de paralisia e “vazio” no universo das chamadas esquerdas brasileiras. Na verdade, foram nesses anos que se ensaiaram os primeiros passos de uma trajetória de recomposição organizada que, em poucos anos, acabaria por exercer papel estratégico na eclosão de movimentos sociais focados na defesa dos direitos humanos e anistia, na defesa das liberdades de expressão e livre organização partidária, na reconquista e alargamento das liberdades democráticas, pelo fim da ditadura e instauração de uma “assembléia constituinte soberana e democrática”, entre tantas outras reivindicações. (PELLICCIOTTA, 2011, p. 31).

Portanto, a partir da pesquisa realizada, defendemos a tese de que o movimento universitário campinense durante o ano de 15 Entrevista concedida por LEITE, Jorge de Aguiar. Em 03/01/2013, a autora Erica Lins Ramos, Campina Grande, 2013.

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1964, não estava preocupado com os acontecimentos políticos que se deflagravam no país e na própria cidade. Todavia, a partir de 1965, o movimento universitário campinense começou a se articular. Primeiro, começou a haver diálogo entre os próprios universitários da cidade, visto que as bandeiras defendidas por uma faculdade passaram a ser também bandeiras de outras; depois, o movimento universitário campinense começou a se inteirar da militância estudantil que se deflagrava no país e a apoiá-los, realizando eventos na cidade em solidariedade a eles, quando vítimas da política repressora do Governo. Nesse sentido, a luta contra a política instaurada no Brasil com a gestão das Forças Armadas não se fez pelos universitários aleatoriamente, mas a partir de um propósito que foi ganhando forças entre os universitários, cujo ponto de partida foram as experiências vivenciadas por eles ou por sujeitos próximos a eles. Essas experiências foram se socializando por intermédio de culturas políticas, a partir de valores introduzidos nos sujeitos que por eles são interiorizados e colocados em práticas conforme suas necessidades. Dessa forma, a cultura política de acordo com Berstein (1998, p. 359-360): “É, no conjunto, um fenômeno individual, interiorizado pelo homem, e um fenômeno coletivo, partilhado por grupos numerosos”. Todavia, as limitações de uma pesquisa não nos permitem ir mais além. Entretanto, não finalizamos nossa caminhada, apenas daremos uma pausa para continuar em outro momento, pois, a partir das falas dos depoentes que compartilharam com esse estudo e das experiências vivenciadas no período em que nos dedicamos a essa pesquisa, compreendemos que as correlações de força entre os estudantes e o Governo não cessaram em 1968, pelo contrário, aguçaram novas táticas aos estudantes, com o propósito de vencer as forças repressoras a partir de uma cultura política de esquerda que se fortalecia no meio estudantil. -170-


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REFERÊNCIAS BALANDIER, George. o poder em Cena. Tradução de Luiz Tupy Caldas de Moura. Brasília: Editora Universitária de Brasília, 1982. BERSTEIN, Serge. A cultura política. In. RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. (direção). para uma História Cultural. 1ª Ed. Editorial Estampa, 1998, p. 349-363. BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança e os governos militares. In. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. o brasil republicano: o tempo da ditadura regime militar e movimentos sociais em fins do século xx. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2007, p. 13-42, v. 4. CUNHA, Luiz Antônio; GóES, Moacyr de. o Golpe na educação. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História oral: Memória, tempo, identidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. FICO, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. o brasil republicano: o tempo da ditadura regime militar e movimentos sociais em fins do século xx. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2007, p 167-205, v. 4. JORNAL DIÁRIO DA BORBOREMA, 1964/1968. MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura Militar: 1964-1968. Campinas, SP: Papirus, 1987.

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PELLICCIOTTA, Mirza M. B. Liberdade... e luta: considerações sobre uma trajetória política (anos 70). 2011. 494 p. Tese de Doutorado. Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. VALLE, Maria Ribeiro do. 1968: O diálogo é a violência – movimento estudantil e ditadura militar no Brasil. 2ª Ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2008. sCOTT, James C. Detrás de la historia oficial. In. revista Fractal. Ano 4, n° 16, Vol. 5. Jan/Maç. 2000, p. 69-92. ZAPPA, Regina; SOTO, Ernesto. 1968: eles só queriam mudar o mundo. Rio de Janeiro: ed. Jorge Zahar. RELAÇãO DOS ENTREVISTADOS ALMEIDA, Ana Rita de Castro. Em 15/10/2007, a autora Erica Lins Ramos, Campina Grande, 2007. ALMEIDA NETO, Simão de. Em 22/01/2008, a autora Erica Lins Ramos, João Pessoa, 2008. CAVALCANTE, Cacilda Filomena Castro. Em 26/12/2012, a autora Erica Lins Ramos, Campina Grande, 2012. LEITE, Jorge de Aguiar. Em 03/01/2013, a autora Erica Lins Ramos, Campina Grande, 2013.

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MeMóriaS da ditadura Militar: O MOVIMENTO bRAsILEIRO DE ALFAbETIzAçãO – MObRAL - COMO REFERênCIA (1967-1985) Maria Elizete Guimarães Carvalho1 Maria das Graças da Cruz Barbosa2 Luciana Martins Teixeira dos Santos3

1 INTRODUÇãO A livro O golpe na educação de Luiz Antônio Cunha e Moacyr de Góes, em sua terceira edição, traz na capa uma inscrição de George Santayana que diz: “aqueles que esquecem o passado, estão condenados a repeti-lo” (SANTAYANA, apud CUNHA; GóES, 1985). Com essa inscrição, os autores desejam fazer um alerta para as consequências do esquecimento, para a importância da preservação da memória, para que catástrofes históricas, violações a direitos não se repitam. É nessa perspectiva que trazemos para discussão fragmentos das memórias e da história do Movimento Brasileiro de Alfabetização– MOBRAL, experiência educacional desenvolvida no Brasil no período da ditadura civil-militar.Instaurado com o golpe de 1964, o governo militar violou vários direitos, entre eles o direito à educação de jovens e adultos, na medida em que interrompeu as experiências educacionais dos movimentos de 1 Doutora em Educação. Pós-Doutora em Política Educativa, com fulcro em Educação e Direitos Humanos, pela Universidade do Minho/Portugal. Professora da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Credenciada aos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Direitos Humanos. mecarvalho23@yahoo.com.br. 2 Pedagoga. Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE/ UFPB; e em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas/PPGDH/UFPB.gracacruz25@hotmail.com. 3 Pedagoga. Mestranda em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas/PPGDH/UFPB. lucianamartins.teixeira@hotmail.com.

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educação e cultura popular, vivenciados no início dos anos de 1960. Ao implantar o MOBRAL, o governo militar impôs uma política educacional antidialógica que retirou da alfabetização de adultos o sentido político da educação, a compreensão da realidade e o crescimento dos educandos como sujeitos de Direito. O Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado pela Lei nº 5.379/1967, estava centrado em erradicar o analfabetismo da época, “garantindo no discurso legal” aos alunos jovens e adultos a formação continuada e a preparação técnico-profissional. Para isso promoveu a alfabetização funcional numa perspectiva de preparação/formação de caráter apenas operacional e “estabelecia que a alfabetização de adultos deveria estar vinculada às prioridades econômicas e sociais” (PAIVA, 1973, p. 292). Desta forma seus conteúdos assumiam um caráter alienante/funcional, estando tal proposta educativa vinculada aos interesses e necessidades do mercado, como toda educação pública do período. Como forma de fomentar o direito à memória, propomos reconstituir4 a história e lembranças desse Movimento, discutindo sua concepção de alfabetização e educação, fazendo um estudo comparativo entre a pedagogia mobralense e a pedagogia freireana, na perspectiva de abordar violações a direitos educacionais, tendo em vista a construção de uma cultura da paz. Nesse sentido, estamos contribuindo para a preservação da memória de fatos educacionais que sofreram amnésia coletiva, considerando o direito à memória e o direito à verdade sobre esses acontecimentos, visto que a memória como fonte de pesquisa surge para preencher as lacunas deixadas pelo passado. 4 Reconstituir nesse texto deve ser compreendido nos limites da representação que cada indivíduo ou grupo realiza sobre um acontecimento, um discurso, um ideário, uma prática, que traz vestígios, traços desses acontecimentos, mas não é mais o acontecimento em si, conservado no tempo. nessa nova configuração, o olhar que reconstitui traz também as marcas do presente, a subjetividade do indivíduo. Assim, reconstituir é refazer, reler uma experiência que se apresenta transformada ou marcada pelos elementos e subjetividades do novo tempo.

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Conforme Carvalho (2012b, p.1), “a preocupação com a memória de acontecimentos educacionais pouco lembrados ou não investigados […] aponta para a necessidade de revisitar o passado” buscando esclarecimento sobre os fatos educacionais ocorridos no tempo/espaço, podendo a memória5 ser utilizada, juntamente com outras fontes, como fonte fecunda para o conhecimento de injustiças/ negação de direitos em educação. Nesse sentido, tomamos a memória como direito humano e instrumento social, que aliada à Educação em Direitos Humanos – EDH - é capaz de fortalecer os sujeitos para relembrar o passado de violações de direitos, refletir o presente e inscrever o futuro, contribuindo para a justiça e para a paz social. Na compreensão de Barbosa (2007, p. 163), “é preciso combater o processo de alienação e desconhecimento do passado”, sendo a educação e os “agentes-educadores” instrumentos eficazes nessa empreitada. Relembrar para não mais esquecer os momentos de negação de direitos vivenciados nos anos ditatoriais constitui-se tarefa principal da Educação em Direitos Humanos. No contexto dessa discussão, relembrar para não mais esquecer que a educação para a emancipação do indivíduo, proposta pela pedagogia freireana e pelos movimentos de educação popular do início dos anos de 1960, perdeu espaço para o MOBRAL, modelo educacional que regulava e tolhia as potencialidades do educando jovem e adulto ao restringir a alfabetização à funcionalidade decodificadora. O jovem e o adulto alfabetizandos sofreram violência em seu direito à emancipação pela educação. Assim, impedir a desmemória das gerações e travar lutas contra o esquecimento das atrocidades cometidas pelos regimes 5 A memória é uma fonte capaz de alertar-nos acerca das privações de direitos, violações e exclusões vivenciadas pelos indivíduos, devendo ser compreendida como direito humano à informação e ao conhecimento, tendo em vista que o esquecimento e o desconhecimento são responsáveis pela perpetuação/repetição de atos de violência e desrespeito aos seres humanos.

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autoritários no Brasil perfazem as razões da Educação em Direitos Humanos.“Ter acesso à verdade, preservá-la e formar a memória histórica coletiva são atitudes indispensáveis, como ponto de partida e de chegada em uma educação em direitos humanos”. (BARBOSA, 2007, p. 167). Nesse cenário de relembrar para não mais esquecer, reconstruir as memórias da educação brasileira vivenciada no período autoritário da ditadura civil-militar, além de um retorno ao passado para compreendê-lo ou interpretá-lo, implica lançar olhares para a violação aos direitos educacionais insurgidos em um contexto de desrespeito ao ser humano em seus direitos e em suas potencialidades. Por isso, retomar os projetos educacionais desse período, a exemplo do Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL - enquanto um modelo de “educar para o nunca mais” (CANDAU, 2007, p. 405),constitui-se um dos substratos da educação em direitos humanos. Ora, educar em direitos humanos é também promover o desenvolvimento da consciência histórica de uma sociedade que precisa conhecer seu passado, tendo em vista reescrever as rotas que serão percorridas pelas novas gerações. Ponto de partida e de chegada da educação em direitos humanos, conforme nos ensina Barbosa (2007), a ação de formar e preservar a memória histórica está intimamente relacionada com “os anseios de cidadania” que se firmam e afirmam nesse contato com o passado, e encontram na EDH uma alternativa para investir contra a desmemória histórica. É nessa perspectiva que buscamos reconstituir as memórias do MObRAL, refletindo sobre sua concepção de alfabetização e de educação, considerando que precisamos preservar a memória educacional, para que não corramos o risco de sofrermos uma amnésia coletiva e em algum momento retomarmos essa experiência, gestada sob uma concepção -176-


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autoritária de educação, enquanto modelo a ser efetivado no período ditatorial. Tal trabalho de reconstituição, que se fundamenta na verdade e na justiça,situa-se no âmbito do direito à memória da educação, considerando que “devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens” (LE GOFF, 2012, p. 477). Conforme Bosi (1994), a memória assume uma função social, que é individual e coletiva e “a restauração da memória das violências praticadas na ditadura militar é transcendente no tempo e no espaço” (BARBOSA, 2007, p. 164), sendo que desconhecê-la e/ou esquecê-la pode favorecer a sua repetição em outros momentos e contextos. A EDH contribui para o empoderamento das sociedades e dos grupos vitimizados pelas violações do período ditatorial. Na construção da memória desse Programa educacional, mantivemos diálogos com alguns estudiosos que subsidiaram teórica e metodologicamente esse trabalho, como: Le Goff (2012), Bosi (1994) e Halbwachs (1980); Barbosa (2007) e Ferreira (2007); Jannuzzi (1979) e Freire (2000, 2002, 2004, 2011); Saviani (2008) e Germano (1994), Cunha e Góes (1985), entre outros.

2 MEMóRIAS DA DITADURA: A PEDAGOGIA MOBRALENSE E A PROPOSTA FREIREANA DE EDUCAÇãO Art. 1º Constituem atividades prioritárias permanentes, no Ministério da Educação e Cultura, a alfabetização funcional e, principalmente, a educação continuada de adolescentes e adultos. (Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967)

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Assim era sancionada, em 1967, a Lei que disciplinaria a Educação de Adultos, através do Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, no decorrer dos anos ditatoriais, com princípios e fins que estavam centrados, de forma permanente e prioritária, no desenvolvimento de uma alfabetização funcional. Tratava-se, assim, de um modelo de política educacional que considerava o analfabetismo como resultante do fator econômico. Essa concepção, de viés economicista, acreditava, portanto, que resolveria o problema com ajustes nas técnicas de leitura e escrita e com programas direcionados à erradicação do analfabetismo, apenas o suficiente para a promoção da elevação do bem-estar social do analfabeto, considerando-se a busca de um espaço no mercado de trabalho para o mobralense, como o máximo de motivação para a busca da escola. No entanto, a questão é compreendermos o quanto o analfabeto pode ser resultado de uma educação tecnicista, de um modelo de desenvolvimento econômico distante de uma concepção de educação que valoriza o componente humano aliado à política social. (ESCOBAR, 2007, p. 09).

Configurado nas tessituras de um momento autoritário e violador de direitos, o MOBRAL efetivou-se enquanto política educacional forjada para a educação de adultos. Enquanto proposta educacional estava voltada para a funcionalidade da alfabetização dessa população,não deixando margem para o aspecto conscientizador, antes adotado na modalidade educativa pela pedagogia dos movimentos de educação popular, o que revelava a articulação dos objetivos do MOBRAL com o projeto educacional tecnicista da ditadura civil-militar. Germano (2008) explica a repressão sofrida pelos movimentos e por seus participantes: -178-


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Aqui não sobrou pedra sobre pedra [...]. Escolas foram fechadas, bibliotecas destruídas, professores processados e presos. No Rio Grande do Norte onde ocorreram algumas das mais significativas experiências de educação popular, na época, com a deflagração do golpe, até aparelhos de rádio transmissores foram presos por latifundiários. Eram equipamentos usados pelas escolas radiofônicas mantidas pelo Movimento de Educação de Base, vinculado à Arquidiocese de Natal e à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O mesmo rádio que ensinava a ler e a escrever incentivava também a participação dos trabalhadores rurais nos seus sindicatos. Isso era insuportável para os senhores das terras e para os militares golpistas. (GERMANO, 2008, p. 322).

Assim, destruídos os movimentos e campanhas populares, o governo precisava responder àquela população que ficara sem escolas. Cria-se então o MOBRAL para atender jovens e adultos, mas como investimento, também nesse nível, tendo em vista o aumento da produtividade e da renda. Nesse sentido, pode ser compreendido o significado da alfabetização funcional proposta pela Lei n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967, como explica Escobar (2007): O termo funcional teve origem no estilo de vida norte-americano e, por isso mesmo, é usado numa visão mais complexa do que meramente o conhecimento da leitura e da escrita. O conceito de funcionalidade corresponde a um modo de estar adaptado às exigências da sociedade moderna e de sua relação com o sistema de produtividade e consumo. Com efeito, a comparação entre a funcionalidade na alfabetização e a modernização da sociedade corresponde ao pensamento economicista burguês, na avaliação entre o papel social da alfabetização, e o de uma prática política, que

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influenciou o período do Estado Militar, com a criação do MOBRAL. (ESCOBAR, 2007, p. 10)

Daí, nosso interesse em reconstituir a memória histórica desse Movimento, tendo em vista que esse resgate é parte integrante da atual necessidade que temos em preservar a história e a memória de projetos e acontecimentos educacionais forjados no contexto da Ditadura Militar. Tais experiências correm o risco de não serem lembradas enquanto projetos educacionais violadores de direitos, ou porque, frutos, desses esquecimentos podem ser retomados.O desconhecimento do passado guarda, também, visões distorcidas que transformadas em névoas de memória, perdidas no tempo, impossibilitam o enxergar límpido das gerações futuras sobre um acontecimento histórico. Nesse sentido, percorremos os caminhos da memória e observamos as condições propícias ou desfavoráveis, como os apagamentos ou esquecimentos, provocados ou inusitados, de tornar-se história. Nesse caminhar, observamos também pontos divergentes, mas que tocam num denominador comum: a representação da história através da memória, considerando que enquanto elaborações ou transformações, as memórias ora encontram-se em transbordamento, ora em retraimento, porém em ambos os momentos carregam consigo o caráter seletivo, pois conforme Le Goff (2012), a memória é seletiva, portanto, voluntária ou involuntariamente selecionamos o que lembrar e/ou esquecer. Podemos dizer que a história também é seletiva porque o historiador seleciona os artefatos do passado, o que lhe interessa pesquisar, recuperando assim os vestígios de um acontecimento, movimento social, ideário pedagógico, etc.. É nessa compreensão de história e memória que investigamos o Movimento Brasileiro

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de Alfabetização na conjuntura político-econômico-social que lhe deu origem. O MOBRAL retirou da educação de jovens adultos o aspecto crítico-transformador para impor-lhe uma prática acrítica, e porque não dizermos desumanizante, no sentido de impedir ou não favorecer qualquer ação reflexiva, objetivando fazer da alfabetização um mero instrumento de codificação e decodificação de signos linguísticos. É o que percebemos no Roteiro de Alfabetização do MOBRAL: Figura 1

Tema: Roteiro de alfabetização do MOBRAL,1978 Fonte:http://dominiopublico.mec.gov.br Compreendemos, então, que nesse contexto histórico o governo militar tinha como objetivo controlar os processos de alfabetização, de forma a impor sua ideologia sobre a grande massa de analfabetos existente no. Também, objetivava sufocar os movimentos que reivindicavam uma educação comprometida com o povo.

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Conforme Pa (2003, p. 337), o MOBRAL [...] deveria atestar às classes populares o interesse do governo pelaeducação do povo, devendo contribuir não apenas para o fortalecimentoeleitoral do partido governista, mas também para neutralizar eventual apoioda população aos movimentos de contestação do regime, armados ou não.

Essa situação fica evidenciada no depoimento de professores6 que trabalharam no MOBRAL no Estado da Paraíba e que contribuíram com a educação funcional proposta para o povo. Assim, para essa alfabetização não havia necessidade de pessoas qualificadas, ou seja, pessoas com formação na área de educação. Isso foi comprovado durante as entrevistas, pois ex-professoras do MOBRAL relataram que na época em que lecionaram não tinham formação alguma, como podemos perceber nos depoimentos:“Eu estava na 4ª série, ainda, quando eu ensinava MOBRAL, mas cursando admissão” (SILVA, 2013 p.7). Mas na verdade nós mesmo professores não tínhamos nem muito o que ensinar, porque não houve aquela preparação, eu não era professora, não era formada, não tinha nível superior, num tinha aprendizagem para ser professora não, me pegaram assim: vai e pronto. (SOUZA, 2013, p. 4)

Neste encontro com os resquícios da pedagogia “despedagogizante” do MOBRAL, buscamos impedir que esse modelo educacional tecido no âmbito dos princípios e fins do

6 As entrevistas referidas encontram-se nos arquivos do Projeto de Iniciação Científica “Memórias do Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL - quando o testemunho refaz a história (19671985)”, CE/ UFPB, 2012-2013.

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modelo ditatorial não venha fazer parte da amnésia coletiva de uma sociedade. Figura 2

Tema: A decodificação de signos linguísticos. Fonte: Cartilha Vermelha do MOBRAL - 1978. O que importava nessa prática pedagógica era a aprendizagem da leitura e da escrita sem articulação com a realidade, ou seja, alfabetizava-se sem a reflexão do meio políticosocial-econômico apenas decodificando os signos linguísticos. Vejamos a compreensão de Jannuzzi (1987) sobre a questão: O MOBRAL concebe a educação como investimento, como preparação de mão-de-obra para o desenvolvimento inquestionável, isto é, como estava sendo concebido pelo Modelo de Brasileiro de Desenvolvimento. Assim sendo, o que tem de fazer é realmente usar esse método antidialógico, que em nenhum momento possibilita a horizontalidade com o MOBRAL/ CENTRAL de onde emanam os objetivos a serem atingidos. Então, o processo de alfabetização passa a ser o momento em que a preocupação é com o ensinar a palavra, treinar o aluno para ler e escrever a palavra já que traz o significado adequado. A ênfase na decodificação da palavra, na aprendizagem das técnicas de ler e escrever, facilita o desenvolvimento de habilidades que permitem a apreensão de informações que fazem

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o alfabetizando entrar no grupo de que participam do desenvolvimento. Esse método propõe situações de análise e de síntese relacionando-as com uma palavra que representa a realidade que deve ser alcançada, desejável, onde já estão os grupos que contribuem para o desenvolvimento (JANNUZZI, 1987, 65).

Essa proposta divergia das experiências educacionais anteriores ao MOBRAL, ou seja, das propostas de educação popular surgidas no cenário do início dos anos de 1960. Segundo Lopes (1985), vivenciava-se no Brasil dois acontecimentos novos no campo educacional: a tecnificação, com a introdução da racionalização dos investimentos educacionais, e o surgimento dos movimentos renovadores, principalmente no campo da educação de adultos. Na verdade, a divergência entre o MOBRAL e os movimentos de educação popular da década de 1960 concentrase no aspecto ideológico, pois, enquanto o primeiro propunha o condicionamento do indivíduo para a manutenção do status quo, a educação como investimento, os movimentos propunham uma educação para a emancipação ou uma “educação como prática da liberdade”. Em um país em fase de industrialização, o domínio da leitura e da escrita representava condição necessária para sobrevivência, pois como conseguir trabalho sem saber ler, escrever ou contar? Nessa época apenas as pessoas alfabetizadas podiam votar e uma população analfabeta significava menos eleitores, por isso erradicar o analfabetismo era, também, um dos interesses do populismo político e da mobilização nacional contra o analfabetismo. Sobre o contexto dos primeiros anos da década de 1960, Carvalho (2012, p. 148) esclarece:

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Esses anos são marcados por conflitos ideológicos e políticos tanto no plano internacional como no nacional. O confronto entre capitalismo e socialismo, o processo de descolonização de países da África e da Ásia, a realização do Concílio Vaticano II e a Revolução Cubana são alguns desses acontecimentos a nível internacional. No Brasil, a crise política agravara-se e a insatisfação social dá origem a mobilizações políticas e a movimentos favoráveis a reformas de base. Em meio a tal crise, assume a Presidência da República o Vice-Presidente João Goulart, que apoia políticas sociais de cunho nacionalista e reformista.

Nesse cenário dos anos sessenta, a população encontrou espaço para a mobilização social em prol das reformas de base, organizando-se em movimentos sindicais, estudantis e em Ligas Camponesas, passando a reivindicar melhores condições de vida. Toda essa organização e militância proporcionaram a implementação na educação de ideais reformistas, através de políticas educacionais que privilegiaram a educação e a cultura popular7, e se materializaram nos movimentos e campanhas de educação popular contra o analfabetismo, que despertaram a consciência das massas urbanas e rurais. A força dessa mobilização tornou-se mais expressiva na região Nordeste, onde foram realizadas experiências educacionais, movimentos populares e campanhas de educação, a exemplo do Movimento 7 De acordo com Lopes (1985, p. 58), “No período entre 1947 e 1961, realizaram-se, pois três campanhas de educação de base, por iniciativa do Governo Federal: Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947),Campanha Nacional de Educação Rural (1952) e Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958)”. Destacamos, também, o Movimento de Cultura Popular do Recife (1960), o Movimento de Educação (1961), os Centros Populares de Cultura (1962), a experiência educacional, 40 Horas de Angicos (1963), realizada na cidade de Angicos/RN, a Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler, da Secretaria Municipal de Educação de Natal, a Campanha de Educação Popular (CEPLAR) na Paraíba. Ambas detinham vínculos com o Estado ou Prefeituras municipais, mas realizaram um tipo de educação popular ao promover um espaço educativo para o povo.

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de Cultura Popular do Recife (1960) e da experiência educacional 40 Horas de Angicos/RN (1963)8 , que ganhou destaque por desenvolver a proposta educacional freireana, em que alfabetizar significava conscientizar a população sobre a realidade. Assim, Paulo Freire, junto com sua equipe de voluntários, desenvolveu um trabalho metodológico denominado Círculos de Cultura, os quais consistiam na alfabetização por meio de palavras geradoras, que eram previamente coletadas no universo vocabular dos alunos, ou seja, essas palavras partiam da vida, do contexto cultural, político, social, e econômico dos alunos jovens e adultos. E assim, além das famílias silábicas, os alunos eram estimulados a refletir/questionar esse contexto em que estavam inseridos, num processo articulador entre alfabetização, conscientização e politização. Defensor da emancipação do indivíduo em suas relações com o mundo, Freire (2011), através de sua proposta educacional, enfatizou o caráter político do educar e do educar-se, um processo coletivo em que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 2011, p. 71). Pensou e defendeu a educação como um meio de libertação do povo, que carente de consciência política, desconhecia a necessidade de lutar por esta libertação. Esse processo de reconhecimento e de busca de garantias de direitos incitava o despertar crítico e o desejo de libertação/ autonomia desses sujeitos (jovens, adultos, idosos) diante da realidade apresentada no país naquele contexto. Assim, a palavra 8 Segundo Lyra (1996), a cidade de Angicos, nos idos de 1963, era uma cidade pacata, singela, situada no sertão do Rio Grande do Norte, de economia essencialmente agrícola, desprovida de energia elétrica, possuía na época cerca de 70% de analfabetos. Nessa cidade, foi posto em prática o projeto educacional freireano que tinha por objetivo alfabetizar e desenvolver a consciência crítica da população de adultos da cidade de Angicos/RN, em 40 horas. Foi um projeto educacional piloto que projetou essa proposta educacional a nível nacional, até o momento do golpe de 1964, quando Freire, acusado de desenvolver uma educação subversiva, foi preso e exilado.

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“tijolo”, por exemplo, ao mesmo tempo em que alfabetizava através das famílias silábicas, permitia análises sociais e posicionamentos políticos relevantes permitindo aos alunos pensarem as condições de moradia a que estavam submetidos. Para Jannuzzi (1979, p. 48), “o método adotado para a conscientização é o diálogo, porque capaz de manter tanto educador quanto educando como sujeitos que buscam conhecer e transformar a realidade.” A pedagogia freireana representava uma prática respaldada pela conscientização dialógica entre educador e educando. Para Freire (2011), o ato de educar implica reflexão sobre a práxis social num processo dialógico e isento de neutralidade. Educação delineada por uma concepção pedagógica politizadora e humanizada em que alfabetização significava emancipação dos sujeitos de sua condição de opressão. Essa proposta de alfabetização demonstrava a urgência de uma prática pedagógica que além de alfabetizar os adultos deveria prepará-los para uma tomada de decisão, trabalhando a conscientização das massas em todo o país onde houvesse o desrespeito/ violações/ exclusões das camadas pobres da sociedade. Era uma educação voltada para a “responsabilidade social e política” dos indivíduos. É nesse sentido que a proposta pedagógica freireana e a educação em direitos humanos se complementam, pois, o caráter emancipador da última possibilita a libertação dos sujeitos envolvidos no processo educativo. Ou seja, ambas se orientam para o empoderamento das pessoas para que se tornem sujeitos de direitos. Porém é necessário lembrar que ninguém pode libertar o outro. O ser humano só pode libertar-se a partir da sua busca pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar pela libertação (FREIRE, 2005). -187-


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Alfabetizar-se na perspectiva freireana não é apenas aprender a ler e escrever, memorizando e reproduzindo ideias preestabelecidas, mas “refletir criticamente sobre o próprio processo de ler e escrever e sobre o profundo significado da linguagem” (FREIRE, 2000, p.49). Freire (2000) afirma que a liberdade deve ser conquistada e não constituir-se um ato de doação. Essa educação deve levar em consideração o desenvolvimento completo do ser humano, propiciando a reflexão sobre seu próprio poder de transformação da sua condição de vida, uma vez que “como seres da práxis, transformar o mundo, [...] significa impregná-lo de sua presença criadora, deixando nele as marcas de seu trabalho” (FREIRE, 2000, p. 68). Segundo Jannuzzi (1979, p. 29), “conscientização é o conceito central das ideias de Paulo Freire sobre educação”. Assim, o ato de alfabetizar implicava conscientizar e politizar as pessoas para a transformação da realidade. Entretanto, Saviani (2008, p. 341) alerta que conforme a mobilização popular se ampliava a classe empresarial também se articulava, pois povo politicamente alfabetizado constituía perigo para os interesses do capital. Assim, em 1961, foi criado o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) que dentre suas funções atuava como desarticulador das organizações que assumiam os interesses populares. Na medida em que o IPES incorporava na política educacional, elementos da teoria do capital humano e da formação técnica em prol do desenvolvimento econômico, era tecida a estrutura educacional para o golpe de 1964. Dessa forma, em meados dos anos sessenta, precisamente em 1964, a proposta educacional freireana de alfabetização foi

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interrompida pelo golpe civil-militar9. O novo governo demarcou os caminhos das esferas sociais, políticas, econômicas, culturais, inclusive educacionais, ao adotar reformas, a exemplo da política de alfabetização de adultos, representada pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)10 . Assim, o regime militar propôs o desenvolvimento dos ideais tecnicistas através da educação. De acordo com Germano (1994), a política educacional adotada nesse período “se desenvolveu em torno do controle político e ideológico da educação escolar, em todos os níveis [...]; ênfase na “teoria do capital humano”; descomprometimento com o financiamento da educação pública e gratuita” (GERMANO, 1994, p. 105). Tais eixos permitiram a adequação da estrutura educacional aos interesses políticos e, especialmente, econômicos do regime. Uma afronta e retaliação aos princípios de dignidade e de liberdade do indivíduo. Época tenebrosa que negou a muitos brasileiros o direito à sobrevivência digna e própria vida, rompendo também com os ideais de liberdade germinados pelos movimentos sociais do início dos anos sessenta. De acordo com Silveira (2007), O golpe militar cortou, drasticamente, os fundamentos desse modelo e desse processo de mobilização social ascendente. Rompeu qualquer tipo de aliança com os trabalhadores, colocando-os, ao contrário, como uma das metas repressivas privilegiadas do novo regime, tratando-os como inimigos, na medida em que suas reivindicações atentariam contra o novo modelo 9 A ditadura militar foi instaurada, no Brasil, quando militares e políticos de direita se uniram e depuseram o então presidente João Goulart. A partir de então, o país seria conduzido por normas decretadas em Atos Institucionais (AIs), inclusive a educação que em todos seus graus de ensino passou a servir de instrumento de desenvolvimento e ajustamento de tal regime. 10 Vale salientar que o MOBRAL não foi o único projeto educacional para adultos a funcionar no período, havia outros, como a Cruzada ABC/PB, o Movimento de Educação de Base, etc..

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econômico [...]. Esse novo contexto histórico combina violação de direitos econômicos, sociais e políticos de forma intensa, como o país nunca havia conhecido. (p. 77-78).

Marcada por reformas, a educação foi palco de interesses e acordos elitistas e internacionais. Para termos noção entre os anos de 1964 e 1968 foram firmados doze acordos entre o Ministério da Educação e Cultura e a Agency for International Development, denominados de acordos MEC-USAID. Segundo Romanelli (1983, p. 196), esses acordos “serviram para adequar o sistema educacional brasileiro ao modelo de desenvolvimento econômico que então se intensificava”. Conforme Ghiraldelli Jr (2006, p. 112), a ditadura militar trouxe várias consequências para o campo educacional: “repressão, privatização de ensino, institucionalização do ensino profissionalizante, divulgação de uma pedagogia calcada em técnicas”. Realmente, a ditadura civil-militar produz um cenário de conflitos em que a tecno-burocracia e as aparências do milagreeconômico ganharam destaque, um processo de industrialização, com seu correlato de crescente urbanização, substituía a ideologia do nacionalismo desenvolvimentista. Inaugurava-se a doutrina da interdependência e da Segurança Nacional, considerando que “o nacionalismo desenvolvimentista preconizava o desenvolvimento do país sob a direção da burguesia nacional, encarando as massas como devendo ser guiadas pela inteligência esclarecida”. (SAVIANI, 2008, p. 311). Nesse sentido, à educação foi atribuída a tarefa de desenvolver a nação e para isso deveria estar articulada aos interesses capitalistas de uma sociedade em crescente processo

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de industrialização em que a educação era pressuposto essencial para o desenvolvimento econômico. Nessa perspectiva, devemos compreender o depoimento seguinte, demonstrando que apesar da pequena visão de mundo dos ex-participantes do MOBRAL, em sua maioria, moradores da zona rural, sem formação política, acesso à informação e despolitizados,eles conseguiam ver as facetas do Regime Militar mascaradas no Movimento, e, embora não soubessem afirmar com clareza, sentiam a pressão política do momento. Como afirma Maria Gorete Xavier da Costa, ex-professora na cidade de Patos/ Paraíba: Olhe, eu tô dizendo a você que eu achava que era política. que o MOBRAL era uma política. Eu achava que era o governo fazendo política. Eu fui pelo fato de querer ganhar dinheiro, mas eu achava que era política. não sei se era porque também eu fazia científico naquela época, você era muito jovem, ai você escuta muita história de política estudantil e lá vai aquela história. Apesar de que eu nunca me envolvi e nem pretendo me envolver com política estudantil, mas eu achava que era isso. Ainda hoje eu acho que seja, eu não mudei meu pensamento. Eu acho que era uma política, o governo estava fazendo política com o MOBRAL. Eles queriam comprar, pra mim eles queriam comprar o povo, com os alimentos, que hoje tá todo mundo conscientizados, hoje em dia tá todo mundo consciente que precisa estudar. Naquela época ninguém tava, não tinha consciência de estudo, ninguém tinha consciência. Minha mãe era professora na época, sabe? E, ninguém tinha essa consciência de que precisava estudar para crescer. Ninguém tinha essa consciência, naquela época não. (COSTA, 2013, p. 6).

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E acrescenta: Eu acho que a Ditadura Militar impôs o MOBRAL. Ela não pôde interferir diretamente, vamos dizer, na minha sala de aula, mas ela pode ter interferido diretamente na Prefeitura, porque a sensação de fiscalização que a gente tinha, era como se fosse uma... uma coisa muito pesada. Era uma pressão muito grande. (COSTA, 2013, p. 9).

A partir das referidas vozes, percebemos que a exprofessora conseguia enxergar a ação política que circundava o MOBRAL e sentia, mesmo que de forma imprecisa ou difusa a pressão por parte do governo. Vale salientar que essa colaboradora tinha certa visão de mundo, pois participava de uma família de condição financeira estável e politizada, com acesso a revistas e meios de comunicação que circulavam na época. Considerando a educação de modo geral, a ditadura impôs uma série de reformas, a exemplo da Reforma Universitária instaurada pela Lei nº 5.540/68, da Reforma do Ensino de 1º e 2º graus e da implantação do MOBRAL, o qual legou à educação de adultos um sistema de ensino descontextualizado e despolitizado centrado no desenvolvimento de habilidades para atender interesses do sistema capitalista. Balizada pela teoria do capital humano, a tendência tecnicista ganhava força e impulsionava o desenvolvimento de um ensino profissionalizante, baseado em técnicas e não em críticas.

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Figura 3

Tema: Conceito de trabalho, sem consciência crítica. Fonte: Cartilha Vermelha do MOBRAL - 1978. O aluno deveria encontrar-se apto a atender às necessidades do mercado, situação que requeria da alfabetização e da educação um desenvolvimento rápido e eficiente voltado para o trabalho, daí funcionalidade e aceleração constituíram os princípios metodológicos do MOBRAL, pois conforme Jannuzzi (1979): O MOBRAL concebe a educação como investimento, como preparação de mão-de-obra para o desenvolvimento inquestionável, isto é como estava sendo concebido pelo Modelo Brasileiro de Desenvolvimento. Então, o processo de alfabetização passa a ser o momento em que a preocupação é com o ensinar a palavra, treinar o aluno para ler e escrever a palavra já que traz o significado adequado. A ênfase na decodificação da palavra, na decodificação das técnicas de ler e escrever, facilita o desenvolvimento de habilidades que permitem a apreensão de informações que fazem o alfabetizando entrar no grupo dos que participam do desenvolvimento. (JANNUZZI, 1979, p. 65).

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Orientados por um regime repressor, tais princípios metodológicos desestabilizaram e impediram a continuidade da educação politizadora desenvolvida no início dos anos de 1960, usurpando desse aluno, jovem e adulto, o direito ao desenvolvimento crítico, pois enquanto “Em Paulo Freire, educação é conscientização, práxis social [...]. Para o MOBRAL educação é adaptação, investimento sócio-econômico [...]” (JANNUZZI, 1979, p. 78), em que as “palavras geradoras” utilizadas pelo MOBRAL, São as mesmas para o Brasil inteiro, estudadas pelo mesmo material didático. Justifica essa medida alegando que foram escolhidas palavras que exprimem as necessidades do homem: sobrevivência, segurança, necessidades sociais e auto-realização. (JANNUZZI, 1979, p. 60).

Percebemos que para o Movimento Brasileiro de Alfabetização, a educação era concebida enquanto fator de desenvolvimento econômico e os processos cognitivos consistiam em princípio e fim do processo educativo. O Movimento não estava interessado em formar subjetividades ou em refletir sobre a condição do homem e sua realidade político-social. quanto menos a realidade fosse percebida pelo embotamento do processo, mais próximo o MOBRAL estaria do cumprimento de seus objetivos.

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Figura 4

Tema: Homogeneização da Educação. Fonte: Cartilha Vermelha do MOBRAL - 1978. Observemos que esse modelo divergia da prática pedagógica desenvolvida nos Círculos de Cultura freireanos, em que se alfabetizava para a leitura da palavra e do mundo e para o questionamento da realidade. Nesse sentido, a política educacional de alfabetização de adultos implantada no Brasil pelo Regime Militar, o MOBRAL, refletiu a política autoritária e arbitrária imposta pelo governo, excluindo a possibilidade de conscientização política da população adulta em processo de alfabetização. A educação passou a ser compreendida como modo de homogeneização e controle das pessoas. Essa política fortaleceu o desenvolvimento tecnicista ao estabelecer relação entre a ascensão escolar a uma melhoria na condição de vida, deixando à margem a análise das contradições sociais inerentes ao sistema capitalista. Ou seja, bastava aprender a ler, escrever e contar e estaria apto a participar do mercado de trabalho, e assim a melhorar as condições de vida. Era essa a visão passada na época, porém a realidade mostrou que não era bem assim.

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Com ideais educacionais opostos à Pedagogia Freireana, o MOBRAL assumiu-se como um mecanismo de perpetuação do regime de exceção ao propagar em seu formato alfabetizador uma educação funcional e acrítica11. Ou como afirma Jannuzzi (1979, p. 21): “O MOBRAL sentiu a necessidade de dar continuidade ao movimento nacional de alfabetização, recorrendo, entretanto, a outra proposta pedagógica, o que indicaria a inadequação da pedagogia de Paulo Freire”. Assim, com uma proposta educacional respaldada pela teoria do capital humano em que o desenvolvimento humano estava condicionado ao desenvolvimento de habilidades cognitivas, o MOBRAL buscou capacitar o indivíduo para as exigências de uma sociedade industrializada e tecnicista, enfatizando os princípios de funcionalidade e aceleração. Esse caráter contrapunha-se aos ensinamentos da pedagogia freireana que orientavam o indivíduo para a emancipação em suas relações com o mundo. Para Freire (2011), a educação estava intimamente envolvida com os princípios de conscientização e libertação do sujeito.

3 CONSIDERAÇõES FINAIS Retomando as memórias e a história do Movimento Brasileiro de Alfabetização, percebemos que a ditadura civilmilitar legou à educação de jovens e adultos uma prática pedagógica despolitizada, autoritária e violadora de direitos, na medida em que, substituindo as escolas de adultos criadas pelos Movimentos de Educação Popular do início dos anos 1960, retirou dos educandos o direito a emancipação pela palavra. 11 Em que aprender a ler e escrever restringia-se ao processo de codificação e decodificação das palavras geradoras, denominação adotada para simular semelhança a metodologia freireana de alfabetização, porém avessa aos princípios conscientizadores.

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Assim, reconstituir a memória histórica desse movimento educacional, trazendo à tona violações a direitos educacionais sofridas por educandos jovens e adultos significa tecer ações de resistência ao desconhecimento de um passado marcado por práticas autoritárias e repressoras em educação. Nesse sentido, o avivamento dessas memórias, fundado na verdade e na justiça,contribuem para a EDH, na medida em que se revela como ação educativa em prol do empoderamento dos grupos e das sociedades vitimizadas pelas violações do período ditatorial, tendo em vista uma cultura da paz. O MOBRAL legou à educação de adultos um rompimento com o paradigma libertador da educação/alfabetização freireana desenvolvida no início dos anos de 1960, que de direito a uma educação integral que possibilitava ao adulto a emancipação pela conscientização, passa a direito a uma alfabetização voltada para o mercado de trabalho. Nesse cenário de violação ao direito humano à educação se faz necessário reconstruir e desconstruir a memória histórica dessa experiência educacional, as violações a direitos, para que as lembranças da violência da ditadura não sejam repetidas e/ou caiam no esquecimento.

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a HiStória Contada pela MúSiCa Ruy Leitão1

1 INTRODUÇãO As manifestações artístico-culturais através da música sempre se apresentaram como instrumentos importantes de propagação de idéias em períodos tensos da história. Nas letras das canções se expressam sentimentos de revolta, indignação, protesto, como também convocações à luta, gritos de rebeldia, mas também de esperança. Foi assim no Brasil à época em que vivemos uma ditadura militar a partir do golpe de 1964, que perdurou por mais de duas décadas. Sob forte repressão, os artistas e intelectuais passaram a ser os intérpretes da insatisfação popular em relação ao regime de força a que estávamos submetidos. Subliminarmente os compositores usavam a música como instrumento de reação à ditadura, e o governo, percebendo isso, tratou de reagir impondo um cerceamento à produção cultural. Criaram a DCDP – Divisão de Censura de Diversão Pública, por onde deveriam passar previamente toda e qualquer música. E não havia critérios nessa censura, bastava que os militares suspeitassem de que na sua letra existia uma mensagem que contrariasse o sistema político então instalado no país. Em razão disso alguns artistas, na tentativa de burlar a censura, utilizaram-se de pseudônimos quando apresentavam as suas músicas para análise. Algumas das músicas de Chico Buarque traziam a assinatura de Julinho de Adelaide, e assim 1 Administrador, ex-diretor do IPHAEP, ex-superintendente do jornal A União e da Rádio Tabajara. Atualmente é Secretário-Executivo do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC de João Pessoa.

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foram aprovadas sem cortes. Nas letras, quase sempre, constavam metáforas ou linguagem cifrada para enganar os ditadores. No entanto, a eferverscência cultural do período produziu canções que se transformaram em verdadeiros hinos populares, dos quais algumas continuam sendo cantadas em todas as manifestações de rua com conotação política. Como é o caso de “Caminhando”, do nosso conterrâneo Geraldo Vandré. Por essas músicas, que são símbolos de uma geração, podemos conhecer um pouco do sentimento dominante naquele tempo da nossa história. Elas, de certa forma, têm contribuído para conhecermos melhor o que se passava na cabeça dos que corajosa e inteligentemente enfrentaram a sanha dos ditadores de plantão. Selecionei algumas, das quais procurei interpretar as mensagens nelas contidas, num esforço de resgatar para a geração contemporânea o quanto foi importante esse movimento cívico em defesa da nossa liberdade, da luta pela volta à democracia e dos direitos humanos definidos como princípios de cidadania.

2 “PRÁ NãO DIZER qUE NãO FALEI DAS FLORES” Canção de Geraldo Vandré, nosso conterrâneo, segundo lugar no III Festival Internacional da Canção, em 1968, tornou-se um hino revolucionário. Foi proibida, censurada, durante o período da ditadura militar brasileira. Não há desde então uma manifestação de rua, um movimento de protesto, em que não se cante, em coro, o seu refrão. Nem poderia ser diferente. Na verdade a letra traz em cada verso uma mensagem de ânimo na luta contra as injustiças, de encorajamento no enfrentar os poderosos de plantão, de defesa dos nossos direitos. Vem, Vamos Embora - é o chamamento à luta. Sair da passividade. Caminhar em busca de um amanhã melhor e mais justo. Não ter medo de agir. Descruzar os braços. -203-


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Que Esperar Não é Saber - uma crítica aos acomodados. Faz valer a assertiva de que não há mudança na inércia, no ficar parado, na alienação. Como saber o valor da conquista se não lutar, se não tomar a iniciativa do seguir em frente, a qualquer custo, quando os objetivos, os desejos, os ideais estão determinados? Quem Sabe Faz a Hora, Não Espera Acontecer - afirma a expressão “não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje”. Adiar atitudes ou negligenciar a consecução de algo importante pode ser tarde demais. Temos que ter a noção exata do saber fazer a hora. Esperar que as “coisas” aconteçam é, no mínimo, um ato de covardia, descrença nos próprios ideais e irresponsabilidade para consigo mesmo.

3 “APESAR DE VOCÊ” No período da ditadura militar os compositores brasileiros procuravam registrar, nas canções, suas insatisfações com o regime através de mensagens subliminares, uma vez que predominava um rigoroso sistema de censura às produções culturais. Chico Buarque de Holanda foi um dos inteligentes intérpretes dessas manifestações sociais contra o governo da época. Em 1970, Chico Buarque lançou, em compacto simples, a música “Apesar de você”. Com sua voz suave e mansa encantava a platéia, mas nas entrelinhas lamentava a situação em que o país se encontrava e alimentava a esperança de que melhores dias viriam, ainda que os ditadores persistissem ferindo de morte a nossa democracia. E, sem perder a fé, ele entoava a certeza de que “amanhã há de ser outro dia”, assim como se quizesse dizer a todos que acreditassem nas mudanças, que a escuridão da ditadura teria fim. O sol da liberdade voltaria a brilhar em nossa pátria, passada essa fase negra da nossa história, fato é que a música de Chico continua muito atual.

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Toda vez que, no Brasil, o povo se depara com governos cujas características autocráticas lhes traem a confiança depositada nas urnas e assumem posturas de poder absoluto, surge a oportunidade de cantar o trecho da música que diz: “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Nada é eterno. Não há poder que se perpetue. Existe sempre a expectativa de um novo tempo por vir, fazendo desaparecer a tristeza e o sofrimento, retornando ao Estado o espírito republicano que deve presidir as relações entre governante e governados.

4 “RODA VIVA” O Brasil vivia nos anos 67/68 um clima de muita agitação, com os estudantes e a intelectualidade manifestando a insatisfação de parte da população que percebia com clareza o golpe militar que feriu de morte a nossa democracia. Na música estava a expressão mais inteligente dos protestos e das mensagens de ânimo para enfrentamento da ditadura. No entanto, em razão da forte censura da época fazia-se necessário utilizar-se de metáforas, linguagem figurada, etc. Assim procurava-se driblar os censores. Chico Buarque foi um dos melhores cérebros na produção de composições musicais com letras que exprimiam repúdio ao “status quo” que vivíamos naquele tempo. A música “Roda Viva” foi composta para a peça teatral do mesmo nome, encenada em 1968, ano em que um grupo de anticomunistas invadiu o teatro em São Paulo, destruiu cenário e agrediu atores. Sua letra fala de descontentamento social, de repressão às manifestações artísticas, de saudade da liberdade e das restrições que se impunham à produção cultural, sempre sob o argumento de que tudo afrontava o regime e pregava a subversão da ordem, segundo a ótica dos ditadores. “Tem dias que a gente se sente/como quem partiu ou morreu/A gente estancou de repente/ou foi o mundo então -205-


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que cresceu”. Chico interpreta o sentimento que dominava os brasileiros que não se deixavam enganar pela propaganda da ditadura e enxergavam o regime de força que havia se implantado no país. É como se houvéssemos partido sem saber para onde íamos. Como se os acontecimentos vivenciados representassem a morte, o fim de uma vida onde tínhamos domínio da nossa vontade de ir e vir. Se perguntava: fomos tomados de uma paralisia coletiva ou fomos tragados pelo crescimento do mundo? “A gente quer ter voz ativa/no nosso destino mandar/mais eis que chega a roda viva/e carrega o destino pra lá”. O desejo de gritar, ecoar a voz de reação ao que acontecia de ruim para o nosso povo e a nação, a vontade de se insurgir, rebelar-se, ter controle das nossas vidas, definir o que queríamos, o que fazíamos, o que planejávamos. Mas éramos de repente contidos pela força do poder, imposta sem direito a argumentar, justificar, explicar nossas ações. O nosso destino era guiado pelos que detinham o mando, o governo. Uma desagradável sensação de impotência. “A gente vai contra a corrente/até não poder resistir/ na volta do barco é que sente/o quanto deixou de cumprir”. O entendimento de que era importante enfrentar quem estava nos amordaçando, nos torturando, nos matando, nos oprimindo, nos desrespeitando enquanto cidadãos. Fazer tudo isso enquanto possível. No entanto, novamente Chico acorda para a realidade cruel que vivenciávamos e admite que ao nos depararmos com a violência política experimentávamos a angustiante constatação de que infelizmente não havíamos cumprido o que tencionávamos. Éramos vencidos pela tirania, a prepotência, a injustiça, o absolutismo. “Faz tempo que a gente cultiva/a mais linda roseira que há/mas eis que chega a roda viva/e carrega a roseira pra lá”. O compositor usa simbolicamente a roseira para lembrar a democracia. Rememora todo um esforço histórico de nosso povo -206-


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regando essa roseira, construindo nossa democracia. E, lamenta, que inesperadamente chega a roda viva, o golpe militar, e carrega a roseira, a democracia, pra lá. Perdíamos nossa liberdade. O Brasil havia mergulhado na escuridão da ditadura. Nossa história ganhava uma mancha que até hoje queremos esquecer. “A roda da saia, mulata/não quer mais rodar, não senhor/ Não posso fazer serenata/a roda de samba acabou”. Desaparecia a alegria, a disposição de dançar, o sorriso fácil. Dominava o império do medo, do castigo, da tortura, de sujeição a autoridade dos ditadores. A censura inibia a manifestação artística. Não se podia cantar livremente, só o que era permitido. O samba, ritmo genuinamente brasileiro, acabou. Assim Chico queria dizer que estávamos proibidos até de exercitarmos o ditado popular que diz há séculos de que “quem canta seus males espanta”. O regime não queria que espantássemos o mal que estavam nos afligindo. “No peito a saudade cativa/faz força pro tempo parar/ mas eis que chega a roda viva/e carrega a saudade pra lá”. As lembranças de quando tudo era diferente faziam com que nos esforçássemos para fazer o tempo parar. Tentar estancar o sofrimento do nosso povo. Recuperar nossos direitos humanos e nossa capacidade de agir e pensar livremente. Mas a ditadura nem isso concordava, que alimentássemos a saudade da democracia. Ainda bem que essa tenebrosa noite passou, de triste memória. Saibamos cultivar a “roseira” e não deixar que jamais ela seja levada “pra lá”.

5 “EU qUERO É BOTAR MEU BLOCO NA RUA” O letrista e compositor dessa marcha-rancho, que fez enorme sucesso em 1972, no IV Festival Internacional da Canção, desapareceu do cenário artístico precocemente. O capixaba Sérgio Sampaio era muito ligado a Raul Seixas, que inclusive produziu o -207-


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disco que levou o nome título dessa música. “Eu quero é botar meu bloco na rua” faz parte de várias expressões musicais da era dos protestos à ditadura militar então vigente. É uma exortação à ida do povo às ruas manifestar-se contra o regime autoritário que se instalara no país. “Há quem diga que eu dormi de touca/que eu perdi a boca/ que eu fugi da briga/que eu caí do galho e não vi saída/que eu morri de medo quando o pau quebrou”. Era o desapontamento com a aparente passividade do povo brasileiro. Os ditadores imaginavam que todos nós “dormíamos de touca”, estávamos sem capacidade de reação, sem querermos acordar para a realidade. Acreditavam que desde o AI-5, após as agitações de rua ocorridas em 1968, teríamos enfim nos determinado a “fugir da briga”, baixar as bandeiras de luta, “morríamos de medo” da experiência traumática do “pau quebrando” quando dos protestos e passeatas dispersadas pela brutalidade da polícia. “Há quem diga que eu não sei de nada/que eu não sou de nada e não peço desculpas/que eu não tenho culpa, mas que dei bobeira/e que Durango Kid quase me pegou”. Continua Sérgio sampaio chamando a atenção para a confiança do governo de que nós vivíamos uma situação de alienação, “não saber de nada”, nem se importar em querer saber. que admitíamos a nossa impotência para reagir. Usa da metáfora para dizer que “ao dar bobeira”, quase foi pego por Durango Kid, que simbolizava a polícia. queria dizer que quando procurávamos sair da indolência, éramos pegos como infratores da ordem pública/social. “Eu, por mim, queria isso e aquilo/um quilo mais daquilo, um grilo menos disso/É disso que eu preciso ou não é nada disso/ eu quero é todo mundo nesse carnaval”. A iniciativa de dizer o que queria gritar suas reivindicações, exigir seus direitos. O chamamento a que todos entrem “nesse carnaval”. O povo na rua,

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“todo mundo nesse carnaval”, numa só vontade, vivendo a mesma fantasia. “Eu quero é botar meu bloco na rua/brincar, botar pra gemer/gingar, pra dar e vender”. Sérgio Sampaio usa a brincadeira e a alegria do carnaval para dizer que é preciso colocar “o bloco na rua”. Sair de casa e novamente cantar palavras de ordem na busca da reconquista da liberdade, que nos havia sido subtraída pelo golpe de 1964. bom refletirmos que o momento de colocar “o bloco na rua” não é só por ocasião de uma ditadura militar, mas também quando é preciso demonstrar insatisfação contra governos que traem a confiança do povo e se comportam com despotismo e com práticas de corrupção. Essa música tem mais de quarenta anos, mas a conclamação do ir às ruas nunca perde a atualidade, mudam apenas as circunstâncias.

6 “ALEGRIA, ALEGRIA” Em 1967 surgia um movimento artístico que se intitulava “tropicalismo”, com forte manifestação na música brasileira. Propunha-se sair do convencional, quebrar paradigmas, inovar, contrariar conceitos e ideias da época. Não tinha necessariamente um viés político, pois criticava inclusive à esquerda intelectualizada. Seus principais promotores eram Caetano Veloso e Gilberto Gil. No Festival da Música Popular Brasileira, edição de novembro de 1967, Caetano defende “Alegria, alegria”, que ficou colocada em quarto lugar no certame. Essa canção foi o manifesto primeiro do tropicalismo. Vem a público, cheia de novidades na concepção de sua letra, misturando palavras que podem parecer desconexas, mas que têm muito a ver com o momento. “Caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento”. Começa como Vandré faria em 1968, convocando para a luta, sem -209-


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medo de “ir contra o vento”. Prega o enfrentamento à ordem das coisas imposta pela ditadura militar vigente. Censura a obrigação das pessoas portarem sempre documentos de identificação ao transitarem pelas ruas. Daí sugerir andar “sem lenço e sem documento”. Ao final de cada estrofe repete a expressão “eu vou”, querendo oferecer um sentido afirmativo de resistência, vontade de ir à luta. Sem receio de romper com um estilo de vida até então aceito socialmente. Elementos externos à cultura nacional são citados como determinantes de uma mentalidade alienante: “cardinales bonitas”, “Brigitte Bardot”, “a coca-cola” como símbolo do império capitalista norte americano. A influência estrangeira favorecida pela mídia, que induzia o brasileiro a “entre fotos e nomes/os olhos cheiros de cores/o peito cheio de amores vãos” a ir em frente nem sempre sabendo para onde ia. “O sol nas bancas de revista/me enche de alegria e preguiça/quem lê tanta notícia”. Exulta a felicidade. Muitas vezes produzida por uma propaganda ufanista para esconder a podridão dos porões da ditadura. A imprensa censurada só divulgava o que interessava ao regime. “Sem lenço, sem documento/nada no bolso ou nas mãos/ eu quero é seguir vivendo, amor”. Apesar de todas as proibições, nada impede que “queira seguir vivendo”. Encerra num refrão repetido “por que não, por que não, por que não”. O objetivo cantado nos versos de Caetano nessa música era não se submeter a limites na aventura de viver a liberdade.

7 “SANGRANDO” Gonzaguinha foi um dos principais intérpretes do sentimento de rebeldia contra a ditadura militar. Boa parte da sua obra é inspirada nessa onda de protestos que tomou conta do país na década de sessenta. Passado esse período negro da nossa -210-


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história passamos a conhecer o poeta Gonzaguinha cantando o amor, sua fase romântica. “Sangrando” foi gravada em 1980 e é uma das mais belas canções do seu repertório. Fala do poder da palavra como manifestação de sentimentos. A força na expressão verbal no cantar. Continua de certa forma, com uma conotação política ao valorizar o grito que produz ao soltar a voz. “quando eu soltar a minha voz/ por favor entenda/ que palavra por palavra/ eis aqui uma pessoa se entregando”. Não há forma melhor de dizer o que se sente do que falando, usando o verbo como comunicação das emoções. A voz como ferramenta de expressão, no uso da vontade em exteriorizar o que se pensa e o que se quer. E na entrega do discurso conclamando que se entenda o que se pretende dizer em cada palavra. “Coração na boca/ peito aberto/ vou sangrando/ são as lutas dessa nova vida/ que eu estou cantando”. O coração sai do peito e vai para a manifestação oral. quando as emoções são fortes o espírito sangra. quando as lutas que motivam o “soltar a voz” são complicadas, também o corpo chega a “sangrar”, num sentido figurado. “quando eu abrir a garganta/ essa força tanta/ tudo o que você ouvir/esteja certa/ que estarei vivendo”. A sinceridade como domínio comportamental. A verdade como marca da mensagem para ganhar credibilidade e aceitação. Transmitir a certeza dos sentimentos vividos naquele instante em que “solta a voz” “Veja o brilho dos meus olhos/e o tremor das minhas mãos/e o meu corpo tão suado/transbordando toda a nossa emoção”. O entusiasmo do que fazemos faz com que nossos olhos brilhem, seja por contentamento, seja por acreditar demais no que defendemos. A emoção faz tremer as mãos e suar os corpos, refletindo no físico o que a alma está sentindo. “E se eu chorar e o sal molhar o meu sorriso/não se espante, cante/que o teu canto é a minha força pra cantar”. que o -211-


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seu choro não desanime quem ele convida para acompanha-lo no canto. Renova a tese de que o canto solidário é ânimo para que continue a cantar. quando o “cantar” se faz em coro ganha força. “quando eu soltar a minha voz/ por favor entenda/ é apenas o meu jeito de viver/ o que é amar”. Amar a causa que o faz “soltar a voz”. Amar o sentido do que coloca como desejo de conquista. Amar o sonho que pretende transformar em realidade.

8 “CONSTRUÇãO” A genialidade de Chico Buarque de Holanda produziu “Construção”, no meu modo de ver, a mais bem elaborada letra da Música Popular Brasileira. Composta em 1971, logo após seu retorno da Itália onde esteve exilado. A mensagem da música é toda apresentada em versos do decassílabo que terminam sempre numa palavra proparoxítona. Narra a vida de um operário da construção, numa rotina sem diferença no seu diaa-dia, mecanizada, fria, sem emoções, sem perspectivas. É uma inteligente crítica à exploração do trabalhador em nossa sociedade capitalista, onde ele é visto como objeto, sem ser respeitado como ser humano, visto como mero instrumento de utilidade, apenas para o enriquecimento, dos poderosos. “Amou daquela vez como se fosse a última/beijou sua mulher como se fosse a última/e cada filho seu como se fosse o único”. Começa narrando a repetição monótona do seu dia, quando sai de casa para o trabalho. Como não tem projetos, de vida, faz tudo mecanicamente como se fosse a derradeira vez que fizesse. A relação familiar como se fosse contingência natural do seu viver. beija a mulher e os filhos e parte para a labuta. “E atravessou a rua com seu passo tímido/subiu a construção como se fosse máquina/ergueu no patamar quatro paredes sólidas/tijolo com tijolo num desenho mágico/seus olhos -212-


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embotados de cimento e lágrimas”. Caminha sem se dar, a devida, importância como pessoa, por isso a timidez em seus passos. E ninguém o percebe, é apenas mais um no meio dos transeuntes. Sobe ao local de trabalho como se fosse um equipamento a mais para a construção do edifício. Entretanto é do seu suor, do seu esforço, da sua habilidade no ofício que “ergue no patamar quatro paredes sólidas”. Mas é um construtor anônimo, sem referência nem reconhecimento da sua contribuição. Cada tijolo posto compõe a magia da transformação do nada em alguma coisa concreta. Nas alturas seu olhar só percebe o tráfego que continua no seu curso de normalidade lá embaixo e a incerteza do amanhã, a convicção de que nenhuma novidade acontecerá na sua vida. O cimento embota seus olhos tristes lacrimejados pelo sofrimento resignado. “Sentou pra descansar como se fosse sábado/comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe/bebeu e soluçou como se fosse um náufrago/dançou e gargalhou como se ouvisse música”. O momento da folga, a hora da alimentação. O instante de degustar a “quentinha” que sua mulher havia preparado o “feijão com arroz”. É uma ocasião em que se sente príncipe porque de qualquer forma estava saciando a sua fome. Bebe, soluça, gargalha, dança, numa manifestação momentânea de alegria. “E tropeçou no céu como se fosse um bêbado/e flutuou no ar como se fosse um pássaro/e acabou no chão feito um pacote flácido/agonizou no meio do passeio público/morreu na contramão atrapalhando o tráfego”. Na hora do seu curto e possível lazer não se dá conta de que está a muitos metros de altura e não se apercebe do perigo que corre. Num descuido tal se vê despencando do alto em direção ao chão. Ao bater no solo agoniza entre as pessoas que transitam pelo local. Transformase em espetáculo de uma tragédia. Não há quem se importe em saber quem seja. É apenas mais um que morre sem que -213-


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haja a necessidade de identificação, porque isso não tem muita importância para a vida normal da cidade. Apenas um lamento, a sua queda no meio do passeio público, “atrapalhou o tráfego”. A sua vida andou na “contramão” e a sua morte parou na “contramão”.

9 “TUDO OUTRA VEZ” ”Tudo outra vez” foi composta por Belchior em 1979, ano em que se deu a Anistia no Brasil, quando muitos dos nossos compatriotas retornaram ao nosso país depois de longo período exilado, em terras estrangeiras, por perseguições políticas da ditadura militar que se instalara nos anos sessenta. Conta a história de um estudante nordestino que regressava enfim ao seu torrão natal, após viver vários anos longe de casa, cheio de saudades. “Há tempo, muito tempo que eu estou longe de casa/e nessas ilhas cheias de distância/ o meu blusão de couro se estragou”. Ressalta o espaço temporal em que esteve ausente do país, distante do seu povo. Tanto tempo que o seu velho blusão de couro se estragou. Talvez o blusão seja sua única peça da indumentária da época em que militava na política estudantil, participando dos movimentos de rua em contestação ao regime de força implantado no Brasil. “Ouvi dizer num papo da rapaziada/que aquele amigo que embarcou comigo/cheio de esperança e fé/já se mandou”. Tomou conhecimento em conversas de que o companheiro que com ele partiu para o exílio, com o coração ainda pleno de esperança em mudanças que permitissem seu retorno, já teria morrido. Lamentava que ele não estivesse experimentando a alegria de voltar ao Brasil livre do medo de ser preso.

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“Sentado à beira do caminho pra pedir carona/tenho falado à mulher companheira/quem sabe lá no trópico a vida esteja a mil”. Preparando-se para a viagem de regresso, relata à nova companheira a sua expectativa de como as coisas estejam por aqui, “no trópico”. Imagina que “a vida esteja a mil”, com a democracia reiniciando na nossa vida política. O brasil finalmente se libertando do domínio da ditadura militar. “E um cara que transava à noite no Danúbio Azul/me disse que faz sol na América do Sul/e nossas irmãs nos esperam no coração do Brasil”. É o momento em que toma conhecimento da “anistia”. “Faz sol na América do Sul”, a noite tenebrosa chegava ao fim, e clareava os horizontes do brasil. “nossas irmãs nos esperam”, a afirmação de que familiares e amigos, aguardavam seu retorno. “Minha rede branca, meu cachorro ligeiro/Sertão, olha o Concorde que vem vindo do estrangeiro/o fim do termo “saudade” com o charme brasileiro/de alguém sozinho a cismar...”. Aqui se identifica como nordestino, colocando características de nossa cultura regional e chama o “sertão” para observar o avião que vem do estrangeiro trazendo-o de volta. A saudade vai ficar apenas como uma lembrança triste do seu tempo de exílio. “Gente de minha rua, como eu andei distante/quando eu desapareci, ela arranjou um amante/minha normalista linda, ainda sou estudante/da vida que eu quero dar”. Registra a decepção de saber que enquanto desaparecia, sua antiga namorada o esquecia e “arranjava um amante”. Mas se diz “ainda estudante”, da vida que ele um dia quis lhe dar. “Até parece que foi ontem a minha mocidade/com diploma de sofrer de outra universidade/minha fala nordestina, quero esquecer o francês”. Traz na memória ainda recente a sua mocidade, mas reclama do sofrimento vivenciado na universidade do exílio, e deseja recuperar sua fala nordestina e esquecer o -215-


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idioma que falou nesse tempo em que esteve fora do Brasil. Na verdade tudo o que quer agora é recuperar sua condição de “filho do nordeste” e reencontrar sua cidadania brasileira. “E vou viver as coisas novas que também são boas/o amor, humor das praças cheias de pessoas/agora eu quero tudo, tudo outra vez”. Rever sua gente, conviver novamente com o seu povo, ver a alegria das praças. quer ter tudo isso de volta. “Tudo outra vez”, de forma intensa.

10 “CORAÇãO DE ESTUDANTE” Em janeiro de 1984, num dos memoráveis comícios da campanha das “Diretas Já”, Milton Nascimento cantou essa canção juntamente com mais de sessenta mil vozes. Ele havia composto essa música no final de 1983, em parceria com Wagner Tiso, e se tornava o hino daquele movimento político. No funeral de Tancredo Neves, primeiro presidente eleito após a ditadura, a Rede Globo colocou a música “Coração de estudante” como fundo musical na cobertura jornalística daquele acontecimento, causando comoção nacional. A letra fala, sobretudo, da esperança que tomava conta dos corações de todos os brasileiros, em especial a juventude, que ansiava pela liberdade e pelo retorno à democracia em nosso país. “quero falar de uma coisa/adivinha onde ela anda/deve estar dentro do peito/ou caminha pelo ar”. A canção tem início procurando falar de algo que estava no peito de cada um de nós brasileiros naquele momento da nossa história: a esperança, a vontade incontida de voltar a respirar os ares da liberdade. Havia um sentimento coletivo de entusiasmo, ânimo, coragem de enfrentar os ditadores e clamar por um novo tempo em que voltássemos a escolher nossos governantes.

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“Pode estar aqui do lado/bem mais perto que pensamos/a folha da juventude/é o nome certo desse amor”. Os movimentos de contestação ao regime foram sempre mobilizados pela juventude. Era através dela que a população se manifestava. Era com os estudantes nas ruas, juntamente com intelectuais e artistas, que o povo transmitia seu desejo de por fim aos anos sombrios da ditadura que havia se instalado em nosso país. Daí a canção exaltar que esse amor patriótico que ardia no nosso peito era a “folha da juventude”. “Já podaram seus momentos/desviaram seu destino/ seu sorriso de menino/quantas vezes se escondeu”. Os ditadores sufocaram nossas aspirações, destruíram muitos dos nossos sonhos. Fizeram mudar nosso destino. “O sorriso se escondeu”, a alegria tão própria da juventude, no seu entusiasmo fascinante pela vida, foi transformada em tristezas, preocupações, medo. “Mas renova-se a esperança/nova aurora, cada dia/e há que se cuidar do broto/pra que a vida nos dê flor e fruto”. De repente surgia uma luz no fundo do túnel. O Brasil acordava e ganhava as praças públicas desejando sair da escuridão da ditadura. Era preciso então “cuidar do broto”, fazer germinar aquela vibração contagiante da mocidade empunhando a bandeira da redemocratização. Fazer com que aquela semente produzisse “flor e fruto”. Não perder a oportunidade de fazer a história. “Coração de estudante/há que se cuidar da vida/há que se cuidar do mundo”. A música faz lembrar que está nas mãos da juventude o futuro do mundo, e, por isso, precisamos cuidar sempre do “coração de estudante”, porque nele moram sonhos, ideias, projetos, planos. Basta que ofereçamos nosso estímulo e nossa experiência de vida como contribuição. “Tomar conta da amizade/alegria e muito sonho/ espalhados no caminho/verdes, planta e sentimento/folhas, coração, juventude e fé”. A unidade como elemento determinante -217-


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para as conquistas almejadas, espírito de fraternidade no compartilhamento dos sonhos e das alegrias. Corações jovens alimentados pela fé no amanhã que pretendiam construir. E construíram.

11 “ACENDA A VELA” O sambista Zé Kéti cantou o cotidiano dos morros cariocas na década de sessenta. Em 1965 lançou aquela que seria, talvez, a primeira música de protesto do período da ditadura militar: “Acender as velas”. Nela ele denuncia as condições de extrema dificuldade pelas quais passavam os moradores das favelas do Rio naquela época. Claro que, na realidade de hoje, ainda enfrentando problemas sociais graves, é bem diferente do que havia naquele tempo. “Acender as velas já é profissão/quando não tem samba, tem desilusão”. É marca registrada dos morros cariocas a alegria contagiante do samba. Não obstante as precárias situações de vida, seus habitantes fazem do samba a manifestação de alegria e de festa no seu dia-a-dia. Mas Zé Kéti faz o contra ponto, entre o riso de satisfação e o choro de tristeza. Ele lamenta que, por falta da atenção do poder público, seu povo ficava a mercê da própria sorte e morria sem qualquer amparo social. Eram tão frequentes os funerais nas favelas que o “acender das velas”, em sufrágio das almas, veio a se tornar “profissão” naquelas comunidades. na ausência de motivos para sambar, surgia a desilusão pela perda de um ente querido, um familiar, um companheiro. “É mais um coração que deixa de bater/um anjo vai pro céu/Deus me perdoe, mas eu vou dizer/o doutor chega tarde demais”. Chora o índice elevado da mortalidade infantil, “um anjo vai pro céu”. Ele decide falar porque isso era uma ocorrência corriqueira nos morros, a falta de assistência médica. Não havia -218-


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política pública de saúde para atendimento dos doentes. Os profissionais da medicina não moravam lá e demoravam a chegar quando eram chamados. “Porque o morro não tem automóvel pra subir/não tem telefone para chamar/e não tem beleza pra se ver/e a gente morre sem querer morrer”. Continua a cobrança de atenção do governo. no morro a dificuldade de atendimento médico começava pela impossibilidade de acesso de automóvel. Complicava mais ainda pela inexistência de comunicação, telefone na época era luxo, e isso demorava a convocação do socorro de saúde. O amontoado de casebres, construídos sem planejamento, com escadarias e ruas estreitas não ofereciam beleza que estimulasse alguém a visitar as favelas. Só ia lá quem morava, porque não tinha outra alternativa, ou quem ia por dever de ofício. Termina a estrofe dizendo “e a gente morre, sem querer morrer”. Faz do óbvio, ninguém quer morrer, o grito de desespero, como quem quer dar a entender que aquela gente tem direito a vida e quer viver, como qualquer outro semelhante de classe social mais favorecida.

12 “A BANDA” Em 1966 ainda estava muito recente a ditadura militar mas já havia um desencanto com a situação do país. No Festival da MPB de 1966 Chico Buarque concorreu com uma música que trazia nos seus versos mensagens de amor, mas que no fundo já sinalizava um protesto em relação ao sistema vigente. “A Banda” empatou com Disparada, do nosso conterrâneo Geraldo Vandré, em parceria com Theo de Barros. Chico chegou a ameaçar não receber o prêmio como vencedora a sua canção, porque considerava “Disparada” uma música mais completa em letra e melodia. “Estava a toa na vida o meu amor me chamou/pra ver a banda passar cantando coisas de amor”. Nada mais lírico do -219-


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que uma banda passar. E o amor chamou num momento em que “estava a toa na vida”, sem preocupações, sem determinação do que fazer, sem estabelecer um projeto de viver, para ver o espetáculo que passava na rua. E quando a banda “toca coisas de amor”, o coração se liberta de pensamentos maus, assume um ar de tranqüilidade, de paz, de alegria. “A minha gente sofrida despediu-se da dor/pra ver a banda passar cantando coisas de amor”. O desfile da banda faz as pessoas esquecerem dos problemas, “despedem-se da dor”. Chico começa aí a fazer subliminarmente seu protesto. O efeito alienante da banda passando. quando canta “coisas de amor” ameniza o clima de desesperança que começa a tocar conta do povo brasileiro. “O homem sério que contava dinheiro parou/o faroleiro que contava vantagem parou/a namorada que contava estrelas parou/pra ver, ouvir, e dar passagem”. A banda passou a ter um efeito de paralisia coletiva, todos paravam, e era isso que a ditadura queria, “ver a banda passar” e se deixar de fazer o que era útil e interessante. Há um sentido figurado do marketing diversionista do governo, que procurava desviar a atenção do povo para os problemas do país. Até quem contava dinheiro, o capitalista, parou. Viu que não adiantava querer ditar as regras do que estava acostumado a fazer para ficar rico. Tinha que se submeter às novas ordens e parar “pra ver a banda passar”. Nem aqueles que viviam contando vantagens, nem os românticos, podiam ficar sem ter que interromper o que faziam para “ver a banda passar”. “A moça triste que vivia calada, sorriu/a rosa triste que vivia fechada, se abriu/e a meninada toda se assanhou/pra ver a banda passar cantando coisas de amor”. Como se fosse uma hipnose, até “ a moça triste que vivia calada, sorriu”, ela se desencantou, deixou de ser triste, porque a “banda” fez com que ela acordasse para o mundo, mesmo que por efeito de uma -220-


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influência musical transformadora. Até o que era fechada, a rosa, se abria, nada ficava parado quando “ a banda passava”. “E a meninada” se movimentou, festejou, vibrou, saiu da letargia. Não por conta de uma alegria espontânea, mas porque a banda fazia eles se integrarem na emoção daquele momento. “O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou/ que ainda era moço pra sair do terraço e dançou/ e a moça feia debruçou na janela/pensando que a banda tocava pra ela”. Chico traz como personagens dessa paralisia coletiva, o velho que de repente se animava e se incorporava naquele movimento e a “moça feia” que se enganava “pensando que a banda tocava pra ela”. Fazer despertar o quase parado, o velho, e ludibriar “ a moça” que se iludia como se estivesse sendo homenageada. O importante era fazer o mundo parar para “ver a banda passar” e convencer os incrédulos de que o mundo agora era lindo, apesar dos pesares. “Mas para meu desencanto/o que era doce acabou/ tudo tomou seu lugar/depois que a banda passou”. quando passa o efeito anestésico da banda passando, quando tudo volta a ser como antes, quando a alegria que ela provocou já não mais existe, a realidade reaparece com todas as suas complicações. O que se imaginava um alento se torna um “desencanto”. Afinal de contas a vida não era um mar de rosas como deixava transparecer a alegria da passagem da banda. “E cada qual no seu canto/ e em cada canto uma dor/depois da banda passar/cantando coisas de amor”. Recolhe-se ao “canto” da vida real. A dor ressurge, a consciência do que não é bom, se reaviva. A “banda passou” e não conseguiu anular por completo o drama da vida que, de repente, foi obrigado a viver nosso povo. Chico usa “ a banda”, metaforicamente, como a propaganda oficial que procura fazer a população se desligar do que está acontecendo em detrimento da liberdade dos brasileiros, em razão da força do poder opressor de um governo militar que acabara de se instalar. -221-


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13 “DEBAIXO DOS CARACóIS DOS SEUS CABELOS” A letra da melodia “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos” tem um toque de romantismo que nos leva a imaginar que se trata de uma mensagem para uma namorada que está distante e por quem manifesta sua imensa saudade. Por isso mesmo ela passou tranquilamente pela rigorosa censura da ditadura militar. Subliminarmente Roberto Carlos presta solidariedade a Caetano Veloso, em 1971, após retornar de uma visita que lhe fizera em Londres, onde o compositor baiano estava como exilado político. Como não tinha problemas com o governo, sua inteligente música de protesto não despertou os censores para a verdadeira mensagem nela contida. Em nenhum momento Roberto cita o nome de Caetano na letra, o que fez com que só depois de muito tempo viesse a ser de conhecimento geral que a música era uma homenagem a ele. “Um dia a areia branca seus pés irão tocar/e vai molhar seus cabelos a água azul do mar”. Roberto fala para Caetano que não perca a esperança da volta à sua terra e reviver a alegria de poder pisar a areia branca das praias brasileiras e sentir seus cabelos serem molhados pela água morna do litoral baiano. “Janelas e portas vão se abrir pra ver você chegar/e ao se sentir em casa, sorrindo vai chorar”. Prevê a recepção festiva do seu retorno, o abraço carinhoso dos seus conterrâneos, o Brasil feliz com a sua volta ao nosso cenário musical. Na emoção de se “sentir em casa” de novo, a certeza de lágrimas e sorrisos se misturarão. A felicidade faz, também, a gente chorar. “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos/uma história pra contar/de um mundo tão distante/Debaixo dos caracóis dos seus cabelos/um soluço e a vontade/de ficar mais um instante”. nessa estrofe Roberto começa a identificar o personagem homenageado, fazendo referência aos cabelos encaracolados que Caetano possuía -222-


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na época. O mundo estranho em que estava vivendo, com certeza, produziria muitas histórias a serem contadas. Sem dúvida essas histórias, em sua maioria, não seriam lembranças agradáveis, porque marcadas pela imensa saudade que sentia do Brasil e de sua gente. no choro a manifestação do desejo de “ficar mais um instante”, foi o que sentiu quando se viu obrigado a partir de sua pátria para viver fora dela, sem ter noção de quando voltaria. “As luzes e o colorido que você vê agora/nas ruas por onde anda, na casa onde mora./Você olha tudo e nada, lhe faz ficar contente/você só deseja agora, voltar pra sua gente”. A capital inglesa com todas as cores que dão vida à cidade não dá paz, tranquilidade, contentamento, ao seu amigo distante. Nada daquilo lhe faz feliz, só há um pensamento na sua mente, retornar ao Brasil, o seu torrão natal. “Você anda pela tarde e o seu olhar tristonho/deixa sangrar no peito, uma saudade, um sonho”. As tardes sombrias de Londres contribuem para que aos seus olhos tudo pareça triste. O coração cheio de saudades faz com que viva sonhando com a hora em que estará novamente em solo brasileiro. “Um dia vou ver você, chegando num sorriso/pisando a areia branca, que é seu paraíso”. Roberto finaliza sua canção acreditando que verá em breve o sorriso da chegada do velho companheiro, andando livremente sobre “a areia branca” de nossas praias, onde finalmente se sentirá de volta ao “seu paraíso”.

14 “CÁLICE” Ao retornar do seu autoexílio na Itália, em 1973, Chico Buarque foi convidado para participar do Festival PHONO73, organizado pela Polygram, com os mais destacados nomes da MPB. Em parceria com Gilberto Gil, ele compôs a música “Cálice” onde no seu refrão brinca com as palavras “cálice” e -223-


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“cale-se”, procurando dessa forma fazer o seu protesto contra a censura ainda vigente no país. No momento em que faziam sua apresentação pública, Chico e Gil tiveram seus microfones desligados, mas mesmo assim, ainda que irritados, a cantaram até o fim, acompanhados pelo público presente. Como era muito comum na época da ditadura militar os compositores usavam uma linguagem metafórica para propagarem suas mensagens de denúncias contra as arbitrariedades do regime. “Pai, afasta de mim esse cálice, Pai/afasta de mim esse cálice/ de vinho tinto de sangue”. Logo no início da música eles repetem por várias vezes a expressão usada por Jesus no seu calvário no Jardim do Getsêmani, quando rogava a Deus, em oração, que afastasse dele aquele martírio. Era a forma de chamar a atenção para os verdadeiros objetivos do que queriam manifestar na canção. O apelo quase desesperado de ver finalizado o tempo de opressão a que os brasileiros estavam sendo submetidos desde março de 1964. O vinho tinto trazia o gosto de sangue. “Como beber dessa bebida amarga/tragar a dor, engolir a labuta/mesmo calada, ainda resta o peito/silêncio na cidade não se escuta”. Não dava mais para conviver com aquela situação de forma passiva, sem reação. A dor do sofrimento não podia ser aceita resignadamente. O trabalho do dia-a-dia, a labuta rotineira, teria que ter um sentido mais objetivo de construção de um novo tempo. Ainda que os ditadores continuassem a reprimir qualquer movimento de contestação ao poder, restava “no peito” o amor próprio, a vontade de gritar que era chegada a hora da insurreição contra aquele estado de coisas. Percebia-se que já não havia mais silêncio na cidade, nas ruas, mesmo sem estardalhaços ou alaridos, a voz do povo já se fazia ouvir nas intimidades da convivência social. -224-


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“Do que me vale ser filho da santa/melhor seria ser filho da outra/outra realidade menos morta/tanta mentira, tanta força bruta”. não valia “ser filho da santa”, no sentido de ser um discípulo do bom comportamento, da obediência servil, do cumprimento educado das regras. Era melhor ser “filho da outra”, significando ser rebelde, insubordinado, contrário aos princípios ditados pelos que detinham a força de governo. Era urgente mudar a realidade vivida. A propaganda enganosa tentando vender uma imagem diferente da crueldade que se estabelecia no regime teria que ter um basta. O povo precisava acordar. “A força bruta” não poderia mais impor tanto medo. “Como é difícil acordar calado/se na calada da noite eu me dano/quero lançar um grito desumano/que é uma maneira de ser escutado”. A passividade diante dos acontecimentos ficava cada vez mais difícil de ser consentida, se era sabido que nos porões da ditadura, “na calada da noite”, muitos dos nossos compatriotas estavam sendo torturados, massacrados, assassinados. O grito da revolta tinha que ser ecoado para a tomada de consciência coletiva de que teríamos que reconquistar nossa liberdade e retomar o caminho da democracia. “Esse silêncio todo me atordoa/atordoado eu permaneço atento/na arquibancada para a qualquer momento/ver emergir o monstro da lagoa”. O aparente silêncio, de certa forma, deixava espantado, como que perdidos, sem saber o caminho certo a trilhar, todos os que compreendiam a grave situação então vivenciada. Contudo não se permitiam ficar desatentos, porque “o monstro” continuava ameaçando a qualquer instante “emergir da lagoa”. Os ditadores não recuariam facilmente e poderiam, de uma hora para outra, fazer valer o poder ditatorial que ainda tinham nas mãos, impingindo novas formas de abuso de autoridade e violência para imporem as suas ordens.

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“De muito gorda a porca já não anda/de muito usada a faca já não corta/como é difícil, pai, abrir a porta/essa palavra presa na garganta”. A ditadura começava a perder forças. Os ventos da liberdade já se insinuavam em nossos ambientes. A crueldade contra os que não compactuavam com os ditadores, de tanto ser praticada, já não amedrontava tanto. no entanto, a dificuldade em romper os grilhões do aprisionamento político ainda torturava a todos. Na garganta uma palavra engasgada: liberdade. “Esse pileque homérico no mundo/de que adianta ter boa vontade/mesmo calado o peito, resta a cuca/dos bêbados do centro da cidade”. A embriaguez dominava perseguidores e perseguidos. Os primeiros embriagados pelo poder e os outros sobre o efeito entorpecedor da bebida amarga que lhes obrigaram a ingerir. Situações diferentes. Os “bêbados do centro da cidade”, se não podiam falar o que sentiam poderiam usar a “cuca” nos momentos de sobriedade para arquitetarem formas de dar essência a atitudes de oposição. “Talvez o mundo não seja pequeno/nem seja a vida um fato consumado/quero inventar o meu próprio pecado/ quero morrer do meu próprio veneno”. Não se inibir diante de coisas que acreditavam ser imutáveis. Ousar no agir e no pensar. Melhor pecar por uma causa nobre do que se omitir por receio de contrariar regras. Se o veneno que a própria luta lhe impuser tomar, há de ser por um sentimento revolucionário de conquista do bem comum, que morra por ele. Não há de prevalecer o egoísmo do bem estar individual. “quero perder de vez tua cabeça/minha cabeça perder teu juízo/quero cheirar fumaça de óleo diesel/me embriagar até que alguém me esqueça”. Existem ocasiões em que a loucura tem sentido. É quando se enfrenta loucos maiores. Há um ditado popular que diz: para um doido, doido e meio. quem sabe na insanidade circunstancial, não surja a luz da razão. E assim, os que -226-


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nos oprimiam com suas loucuras terminem por serem abatidos pela coragem dos que cometam a insensatez de enfrentá-los.

15 “SABIÁ” A madrugada do dia 29 de setembro de 1968 ficou registrada como um dos mais importantes acontecimentos da história da música popular brasileira. Era a finalíssima do III Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, e que levou mais de vinte mil pessoas ao Maracanãzinho. Surpreendentemente o público vaiou por dez minutos, dois dos mais expoentes nomes do cenário artístico musical brasileiro, Tom Jobim e Chico Buarque, por ocasião da apresentação da canção “Sabiá”, que o júri colocou como primeiro lugar no certame. A decisão contrariou o auditório, que em protesto manifestou-se por vaia, uma vez que a preferência era pela música de Geraldo Vandré “Pra não dizer que não falei das flores”. O clima de contestação ao regime fazia com que o público preferisse as músicas que trouxessem na sua letra mensagens críticas ao regime e “Sabiá” foi compreendida como fora desse contexto, alienada, desvinculada da realidade nacional. A letra, analisada no momento atual, nos permite enxergar uma visão premonitória de Chico Buarque, autor da letra, pois, meses depois, com a edição do AI-5, ele se veria forçado a viver no exílio, e tudo o que está contido nos versos da música revela a angústia de um exilado que sonha retornar à sua pátria. Foi interpretada pela dupla Cynara e Cybele. “Vou voltar, sei que ainda vou voltar/para o meu lugar/e foi lá e é ainda é lá/que eu hei de ouvir cantar/ Uma sabiá”. A manifestação do desejo de regresso à sua terra natal feita por alguém que se encontra no exílio. quando diz que “é lá que hei de ouvir cantar uma sabiá”, nos remete ao poema de Gonçalves Dias, -227-


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“Canção do exílio”, ao afirmar “minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”. O pássaro se torna símbolo do Brasil. “Vou voltar, sei que ainda vou voltar/vou deitar à sombra de uma palmeira/que já não há/colher a flor que já não dá/e algum amor talvez possa espantar/as noites que eu não queira e anunciar o dia”. Contrariamente a Gonçalves Dias, que no seu exílio exaltava uma pátria cheia de prazeres, Chico vê na distância, com tristeza, sua pátria destruída, destroçada. Não existe mais “a sombra da palmeira” nem “flores para colher”. no sentido figurado quis dizer que a situação do país não permitia viver a calma de quem se deita plácida e tranquilamente à sombra de uma árvore, assim como era impossível ver a beleza das flores, porque elas não tinham mais como nascerem. As flores sumiram, ficaram apenas os espinhos. Mas esse amor cívico talvez ainda lhe desse forças para “espantar as noites indesejadas”, a época de trevas em que a nação vivia, e fazer anúncio do raiar de um novo dia. A esperança de que tudo pudesse voltar ao que era antes, embora não houvesse qualquer sinalização de que isso pudesse acontecer proximamente. “Vou voltar, sei que ainda vou voltar/não vai ser em vão, que fiz tantos planos/de me enganar, como fiz enganos/de me encontrar, como fiz estradas/de me perder/fiz de tudo e nada de te esquecer”. Os planos feitos, muitos deles redundaram em puro engano, mas mesmo assim nada haveriam de ser em vão. Afinal de contas a gente só se encontra ao construirmos nossa própria estrada, ainda que os caminhos que escolhamos possam nos deixar perdidos em alguns momentos. No sofrimento da saudade do seu berço nada do que possa fazer, para minimizar essa dor, consegue levá-lo a esquecer da sua terra. “Vou voltar, sei que ainda vou voltar/e é pra ficar/sei que o amor existe/não sou mais triste/e a nova vida já vai chegar/e a solidão vai se acabar”. Essa última estrofe foi escrita por Jobim, -228-


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à revelia de Chico, que manifestou depois sua insatisfação com o texto. Jobim tentava diminuir o risco da censura em relação à letra, ao admitir que o “amor existe e não sou mais triste”, além de expor a esperança de que logo tudo ia melhorar, “a nova vida já vai chegar”, pondo fim à sua situação de exilado. Chico não.

16 “sOU APEnAs UM RAPAz LATInO-AMERICAnO” No período em que o Brasil viveu sob o regime de uma ditadura militar, havia uma censura muito forte em toda e qualquer produção cultural; principalmente na música. Em tudo se via uma mensagem subliminar de protesto. Por isso Belchior resolveu compor “Sou apenas um rapaz latino-americano”, onde ironiza a situação vigente no país naquela época (1976), e a tentativa do sistema em enquadrar os artistas quanto ao que era permitido compor e cantar. “Eu sou apenas um rapaz/ Latino-Americano/Sem dinheiro no banco/Sem parentes importantes/E vindo do interior”. belchior procura se identificar como um cantor da terra, pobre e sem os sobrenomes que pudessem lhe dar uma importância maior diante dos poderosos do regime. Não era um rapaz da metrópole. Trazia na sua origem a simplicidade de um cidadão comum do interior. “Mas trago de cabeça/ Uma canção do rádio/Em que um antigo/ Compositor baiano/Me dizia/Tudo é divino/ Tudo é maravilhoso”. Faz referência à música de Caetano Veloso, “É proibido proibir”, em que na sua letra fala que “tudo é divino, tudo é maravilhoso”. Claro que isso era uma forma jocosa de Caetano criticar a situação em que se encontrava o país. Na verdade uma gozação, porque nada era divino ou maravilhoso naquele momento. Mas a música ficou na sua cabeça.

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“Tenho ouvido muitos discos/Conversado com pessoas/ Caminhado meu caminho/Papo, som, dentro da noite”. Procurava se informar, entender o que estava acontecendo. Afinal de contas, a mídia estava controlada pelo governo. Era preciso então compreender as mensagens contidas nos discos que eram lançados, conversar com as pessoas para melhor se situar com a realidade. Assim dava curso a sua vida como lhe era possível e de acordo com as circunstâncias. “Caminhar dentro da noite”, entendendo a noite como a escuridão da ditadura em que vivíamos. “E não tenho um amigo sequer/que acredite nisso, não./ Tudo muda!/E com toda razão”. O sentimento era de que ninguém acreditava na propaganda oficial que colocava as coisas como se estivessem na absoluta normalidade. Havia, pois, uma expectativa de mudanças, era necessário plantar essa semente de esperança. “Mas sei que tudo é proibido/Aliás, eu queria dizer/que tudo é permitido/Até beijar você/No escuro do cinema/quando ninguém nos vê”. Ele não aceitava essa definição de que tudo era proibido. Resistia a concordar com isso. Na verdade, apesar das regras impostas, ele queria ser um transgressor, fazer tudo o que desejasse. quando fala que o beijo proibido na namorada seria dado no escuro do cinema, ele tenta dizer que essa violação às ordens determinadas seria feito às escondidas, para que não pudesse ser descoberta. É o estímulo a não se submeter ao império do “eu quero, eu posso, eu mando”, tão característico dos governos totalitários. A reação teria que ser exercida com inteligência, na surdina, estrategicamente disfarçada. “Não me peça que eu lhe faça/Uma canção como se deve/Correta, branca, suave/Muito limpa, muito leve”. Nega-se, portanto, a fazer músicas ao agrado dos ditadores, obedecendo a condições pré-determinadas. Ele queria falar o que sente, sem

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restrições. Exprimir o que o coração ansiava dizer, ainda que pudesse ser considerada pesada, agressiva, contestadora. “Sons, palavras, são navalhas/E eu não posso cantar como convém/Sem querer ferir ninguém”. Não admite ser conivente com o estado de alienação, a que buscavam impor ao povo brasileiro, em especial aos produtores culturais. O seu cantar seria verdadeiro e a realidade das palavras emitidas feria como navalha, aqueles que tentavam enganar sua gente. “Mas não se preocupe, meu amigo/Com os horrores que eu lhe digo/Isso é somente uma canção/A vida realmente é diferente/quer dizer/ A vida é muito pior”. Imagina que suas colocações estejam assustando, pela coragem de falar coisas que normalmente não seriam permitidas. Mas, cumpre de maneira mais incisiva o seu objetivo de chamar a atenção para a gravidade da situação do Brasil, e diz que a realidade é muito pior do que a exposta na canção. “Mas se depois de cantar/Você ainda quiser me atirar/ Mate-me logo!/à tarde, ás três/que a noite/Tenho um compromisso/E não posso faltar/ Por causa de vocês”. Desafia os censores, a ditadura. Diz que vai cantar mesmo as músicas proibidas e se quiserem lhe impedir que atirem nele. Mas façam isso á tarde, porque não quer, por causa deles, faltar o compromisso da noite. “Mas sei que nada é divino/Nada, nada é maravilhoso/ Nada, nada é secreto/Nada, nada é misterioso”. Encerra sua canção com uma manifestação de que nada era do jeito que se propagava. E afirma que nada fica sem que as pessoas saibam. O que acontecia nos subterrâneos da ditadura começava a ser do conhecimento de muita gente. A verdade nua e crua já era percebida por muitos.

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17 “CANÇãO DA DESPEDIDA” Na noite em que foi editado o AI-5, quando a ditadura militar enfim tirou a máscara, Geraldo Vandré e Geraldo Azevedo estavam numa apresentação artística no município de Anápolis, GO e ao tomarem conhecimento de que estavam sendo procurados pelos militares, eles fugiram. Vandré ficou escondido numa fazenda no interior de Minas Gerais, hóspede da viúva do escritor Guimarães Rosa, dona Aracy Carvalho. E foi lá onde a dupla compôs “Canção da despedida”, uma melancólica música de exílio. A censura proibiu o seu lançamento, e só após quinze anos foi liberada e resgatada por Elba Ramalho. No disco não consta créditos à autoria de Geraldo Vandré, porque não foi permitido por ele, aparecendo apenas Geraldo Azevedo como seu autor. Entretanto hoje Vandré e Azevedo, em todas as gravações, são apresentados como parceiros nessa composição. “Já vou embora/Mas sei que vou voltar/Amor não chora/Se eu volto é pra ficar”. É um canto de real despedida. O personagem, na música, fala para seu amor que está indo embora, mas na certeza de que voltará. Pede que sua despedida não seja motivo de choro, porque um dia voltará de forma definitiva para ficar. “Amor não chora/que a hora é de deixar/O amor de agora/Pra sempre ele ficar”. Toda despedida é dolorosa. Fica uma sensação de perda, de um afastamento em que se teme seja terminante o relacionamento. Se a hora é de partir, ele pede que não seja motivo de prantos, porque o amor que existe naquele momento é eterno, “pra sempre há de ficar”. A separação não fragilizará os sentimentos que os une. “Eu quis ficar aqui/Mas não podia/O meu caminho a ti/não conduzia”. As circunstâncias conspiravam contra eles. A situação política do país não permitia que ele ficasse sob pena de ser preso. Tinha que fugir. Infelizmente o caminho que estava sendo -232-


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oferecido, a ele na vida, naquele instante não admitia continuar sendo percorrido junto com ela. “Um rei mau coroado/Não queria/O amor em seu reinado/ Pois sabia, não ia ser amado”. A ditadura, o “rei mau coroado”, o governante imposto pelo golpe militar, não queria que o amor frutificasse em seu “reinado”. Era um tempo em que a violência, as perseguições, as arbitrariedades, substituíam o clima de paz, de compreensão, de liberdade, que o país queria e precisava viver. O regime tinha consciência da rejeição do povo. O governo não era amado, era temido. E quem não ama, detesta ver as pessoas se amando. “Amor não chora/Eu volto um dia/O rei velho e cansado/ Já morria/Perdido em seu reinado/Sem Maria”. Alimentava a esperança de que a ditadura vivia seus momentos finais. Julgava que o governo já não tinha mais força de subsistência por muito tempo, “estava velho e cansado”. O “rei” estava “perdido no seu reinado”, não tinha comunhão com o pensamento e os anseios populares, não encontrava apoio dos seus “súditos”, estava no suspiro da morte. quando coloca “sem Maria” imagino que o personagem retrata uma situação de solidão, sem companhia, sem compartilhamento, sem cumplicidade no que fazia.

18 “AMANHã” Ainda vivíamos o período negro da ditadura militar, quando Guilherme Arantes compôs “Amanhã” (1977). É uma canção de esperança de que dias melhores viriam apesar dos pesares. Uma proclamação de otimismo no futuro, embora o momento fosse de apreensão e incertezas. “Amanhã!/Será um lindo dia/ Da mais louca alegria/que se possa imaginar”. Era o sonho de todo brasileiro, ver o amanhã cheio de alegria. Sairmos daquele estado de medo, opressão, falta de liberdade, em que estávamos -233-


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mergulhados. “Será um lindo dia”, um futuro em que ele acreditava ser outro, completo de tranquilidade, alegria, independência. Tudo o que pudesse imaginar como motivo de contentamento era idealizado. “Amanhã!/Redobrada a força/Prá cima que não cessa/ Há de vingar”. Procura injetar ânimo, coragem, entusiasmo, para a construção desse “amanhã”. Essa força haveria de vingar, redobrada, com todo ímpeto de destemor, para enfrentar os perigos, as ameaças, as pressões, que a ditadura estava impondo à nossa gente. “Amanhã!/Mais nenhum mistério/Acima do ilusório/O astro rei vai brilhar”. A confiança de que os mistérios desapareceriam, os segredos de interesse do governo de força ora instalado no país, seriam desvendados. Um novo sol voltaria a brilhar em nossa terra, claro, transparente, sem enganações ou falsas propagandas. “Amanhã!/A luminosidade/ Alheia a qualquer vontade/Há de imperar”. Acredita que não haveria força que pudesse impedir essa “luminosidade” que estava por vir. O subjugo do poder e da violência estaria por se findar. não poderia mais continuar prevalecendo à força de uma minoria, em detrimento dos desejos de todo um povo. “Amanhã!/Está toda a esperança/Por menor que pareça/ Existe e é pra vicejar.” Carrega nesses versos toda a sua crença em dias melhores. Alimenta a expectativa de que a “esperança, por menor que pareça”, seria regada, e cresceria junto com a disposição de promover a conquista da liberdade, a volta da democracia. “Amanhã!/Apesar de hoje/Será a estrada que surge/ Pra se trilhar”. Estimula a que ninguém devia se abater com as dificuldades que nos eram estabelecidas, não se intimidar com as bravatas do governo, não se acovardar diante dos abusos de -234-


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autoridade e da tirania. Porque só assim o caminho que queríamos percorrer livremente seria construído. “Amanhã!/Mesmo que uns não queiram/Será de outros que esperam/Ver o dia raiar”. Volta a manifestar a certeza de que a energia de uma maioria haveria de vencer as arbitrariedades de uns poucos. A pujança entusiasmada dos que queriam ver um “novo dia raiar”, fortaleceria a luta contra os poderosos de plantão. “Amanhã!/ódios aplacados/Temores abrandados/Será pleno! Será pleno!”. O clima de odiosidade, de perseguições, de torturas, de sanha, estaria próximo de ter seu fim. E assim não viveríamos mais esse ambiente carregado de medo, esse clima de pavor, esse estágio de intranquilidade. Alcançaríamos um tempo de paz, de congraçamento fraterno entre todos os brasileiros, de respeito aos direitos humanos, de justiça social, de entusiasmado sentimento de amor à pátria. “Será pleno!”, completo de felicidades.

19 “BOM CONSELHO” Chico buarque usa da sua inteligência rara para filosofar nas letras de suas músicas. É o caso da canção “Bom conselho”, lançada em 1972. Ele brinca com os ditados populares chamando à reflexão no sentido contrário do que determinam. “Ouça um bom conselho/que eu lhe dou de graça”. Há quem diga que se conselho fosse bom não se dava, vendia. Mas Chico resolve aconselhar de forma inversa ao que indicam os provérbios. E diz que são conselhos gratuitos, apenas com o interesse de chamar a atenção para pensar junto com ele sobre determinadas situações da vida. “Inútil dormir que a dor não passa”. Muitas vezes costumamos dizer que a melhor forma de esquecer algo que nos faz sofrer é procurar dormir. Como se ao acordar não voltássemos a sentir a dor que nos afligia antes de adormecer. Esse -235-


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momento em que estivemos em sono, apenas foi interrompido o padecimento, mas não fez desaparecer a aflição. “Espere sentado/Ou você se cansa”. Existem esperas que são necessárias, de acordo com as circunstâncias. Ocasiões em que não esperar é sinal de precipitação, ato de irracionalidade, imprudência. Pode ser um pensamento coincidente com o que diz: “a pressa é inimiga da perfeição”. Mas essa espera não pode ser estressante, cansativa, extenuante. Por isso a recomendação é sentar, esperar na paz, na tranquilidade sabendo identificar a hora de agir. “Está provado, quem espera nunca alcança”. Se o entendimento é de que não é hora de esperar, que se tomem iniciativas, atitudes. A passividade pode ser o sinônimo de omissão, inércia, indolência, preguiça. E se essa for a postura, nenhum sonho será realizado, nenhum projeto será concretizado, nenhum desejo será alcançado. “Venha, meu amigo/Deixe esse regaço/Brinque com meu fogo/Venha se queimar”. O regaço é um local onde se costuma encontrar abrigo, proteção, acolhimento. O convite de Chico é para ousar, se dispor a enfrentar riscos, tentar o que é difícil ou até o que se pensa inatingível. sem medo de se queimar, afinal de contas as queimaduras podem servir de experiência na vida. “Faça como eu digo/Faça como eu faço/Aja duas vezes antes de pensar”. Podemos sim, fazer o que dizem ou o que fazem os outros, desde que avaliemos as mensagens e os atos observados. Isso é uma questão de maturidade. E o amadurecimento se adquire nas ações. quando ele brinca insinuando que devemos agir duas vezes antes de pensar, entendo que recomenda experimentar bem as coisas para que se possa realmente ter um juízo de valor de tudo o que nos acontece na vida. Conhecer bem para melhor refletir.

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“Corro atrás do tempo/Vim não sei de onde/Devagar é que não se vai longe”. O tempo urge e exige acompanhamento na sua velocidade. Não importa saber como iniciamos determinados caminhos, precisamos conduzir nosso destino. E esse caminhar tem que ser na correspondência da rapidez dos acontecimentos. Não sendo assim, tropeçará na trilha a percorrer, ou perderá o “time”, tendo como consequência o prejuízo nos resultados perseguidos. “Eu semeio o vento/Na minha cidade/Vou pra rua e bebo a tempestade”. O vento dá movimento. As oportunidades de semeá-lo necessitam de serem identificadas. “semear o vento na minha cidade”, quer dizer agitar, sair do marasmo, fazer acontecer, animar o ambiente em que vive, proporcionar condições de mudanças para melhor. “Vou pra rua e bebo a tempestade”, sendo contribuinte da ação do vento que se transformou em tempestade, sair à rua para enfrentá-la, na convicção de que depois virá a bonança. Mas com a consciência de que a tempestade pode ter sido necessária.

20 “DESESPERAR JAMAIS” A dupla Ivan Lins e Vitor Martins é responsável por várias lindas canções da música popular brasileira. Em 1979, quando começava a ganhar fôlego o movimento pela reabertura política no país, essa parceria compôs “Desesperar jamais”, que, como não poderia ser diferente, foi censurada pelos militares por entenderem que se tratava de um incentivo à organização do povo para a derrubada da ditadura. Tornou-se um hino da resistência. “Desesperar jamais/Aprendemos muito nesses anos/Afinal de contas não tem cabimento/Entregar o jogo no primeiro tempo”. Na verdade a intenção era mesmo mandar uma mensagem de encorajamento e dar ânimo. Os anos sombrios em que vivíamos -237-


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sob o regime de força que se instalara em 1964, nos haviam ensinado bastante. Era preciso alterar a nossa história, apagando aquela página negra. Não podíamos continuar inertes, sem reação. Não tínhamos porque baixar as armas, a hora era de irresignação e de luta. Porque “entregar o jogo no primeiro tempo”? Não se deve perder uma partida por antecipação e acovardamento. Era chegado o momento da “virada”. “Nada de correr da raia/Nada de morrer na praia/Nada! Nada! Nada de esquecer”. O convite para o enfrentamento sem medo, com determinação e coragem. O alerta de que “não se deveria morrer na praia”, estávamos avançando em direção à reconquista da nossa liberdade democrática, e por isso nada de pensar em desistir. Tínhamos todos os motivos para não esquecer os horrores vividos sob o regime da ditadura. “No balanço de perdas e danos/Já tivemos muitos desenganos/Já tivemos muito que chorar”. A avaliação dos acontecimentos nos oferecia um saldo negativo, onde as razões de lamentar eram muito maiores do que as de comemorar. O tempo era de “desenganos”, insatisfações, sofrimento. “Mas agora, acho que chegou a hora/De fazer valer o dito popular/Desesperar jamais”. O grito de guerra. A compreensão de que havia chegado o instante da insurreição, de sentir que o desespero não poderia inibir as ações em favor da causa cívica de libertação do nosso povo. “Cutucou por baixo, o de cima cai/Desesperar jamais/Cutucou com jeito, não levanta mais”. Se as bases se movimentassem, a parte de cima, o governo, não se sustentaria, cairia. A força coletiva pressionando para fragilizar o poder do comando autoritário. “Cutucando com jeito”, de forma disciplinada, organizada, os ditadores não teriam como reagir e ganharíamos a batalha, a ditadura cairia por terra e não conseguiria se reerguer. E foi o que felizmente aconteceu. -238-


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21 “ACORDA AMOR” Durante o período da ditadura militar, mais precisamente por ocasião do Governo Médici, o país vivia sob tensão e medo. Tudo era motivo para os militares perseguirem e prenderem cidadãos a qualquer pretexto, desde que desconfiassem discordância do que estabeleciam como ordem social. Chico Buarque já era um artista famoso e conhecido por suas músicas de protesto. Tentando driblar a censura decidiu enviar para análise composições com autoria fictícia. Usou o pseudônimo de Julinho de Adelaide. E deu certo. A canção “Acorda amor” foi uma das que conseguiram passar pelo crivo dos censores sem que desconfiassem que se tratasse de uma composição de Chico. “Acorda amor/Eu tive um pesadelo agora/Sonhei que tinha gente lá fora/batendo no portão, que aflição!”. O personagem da música narra o estado de tensão que vivia e a agonia de acordar na suposição de que sua casa estava sendo invadida. Acorda a companheira para alertá-la do medo que o afligia, mas ainda interpretando tudo aquilo como se fosse um pesadelo, um sonho que inquieta. “Era a dura, numa muito escura viatura/Minha nossa, santa criatura/Chame, chame, chame lá/Chame, chame o ladrão, chame o ladrão!”. Percebe angustiado que não era um sonho agitado, mas a dura realidade que batia à sua porta. Na verdade era a polícia da ditadura que aparecia na madrugada. Normalmente as invasões à nossa privacidade, na intimidade de nosso lar, realizadas à noite, partem de “ladrões”. No caso era a polícia, de quem se esperava proteção. Resolve inverter os papéis, pede para chamar o ladrão para socorrê-lo porque a polícia é que está lhe ameaçando. “Acorda amor/Não é mais pesadelo, nada/Tem gente lá no vão da escada/Fazendo confusão, que aflição!”. Alerta a companheira de que ouve barulho estranho na escada, logo, realmente não se trata de pesadelo mesmo. Compreende então do que se trata, está prestes a ser preso pelos ditadores. -239-


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“São os homens/E eu aqui parado de pijama/Eu não gosto de passar vexame/Chame, chame, chame/Chame o ladrão, chame o ladrão”. Consciente do que está para acontecer, se vê numa situação humilhante, ainda com a roupa de dormir, de pijama. Imagina a vergonha que sentirá a se ver preso, sendo um cidadão de bem, confundido com marginais e bandidos. A quem recorrer e pedir ajuda? Valores invertidos; então só lhe resta chamar o ladrão para enfrentar a polícia em seu socorro. “Se eu demorar uns meses convém, às vezes, você sofrer/ Mas depois de um ano eu não vindo/Ponha a roupa de domingo e pode me esquecer”. Naquela época era comum se ouvir falar de desaparecimentos de presos políticos. Pessoas de quem nunca mais se teve notícias após serem recolhidos em prisão. Por isso o personagem adverte a mulher de que nos primeiros meses, será natural que ela sofra com sua ausência na esperança do seu retorno, mas passado um ano, melhor se preparar para enfrentar notícias piores, prevendo que possa ocorrer com ele o que sabe ter acontecido com muitos em situação igual. “Acorda, amor/que o bicho é brabo e não sossega/Se você corre o bicho pega/se fica, não sei não”. O governo não está para brincadeira, essa a nova mensagem que ele deixa à companheira. Eles não sossegam enquanto não colocam atrás das grades todos os contestadores do regime. A situação é de não saber o que fazer “se correr o bicho pega”, o que quer dizer que de nada adianta fugir, eles sempre alcançarão quem estão querendo encontrar. se ficar também não tem como escapar da perseguição, nunca o considerarão inofensivo, em razão da passividade. “Atenção/Não demora/Dia desses chega a sua hora/Não discuta á toa, não reclame/Chame, chame lá, chame, chame/Chame o ladrão/(Não esqueça a escova, o sabonete e o violão)”. O simples parentesco já seria motivo para sua mulher passar a ser vista como perigo para o sistema, daí ele dizer que deve se manter atenta. Teme

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que poderá chegar a hora em que ela também seja encarcerada. Se isso vier a suceder, faça como ele, chame o ladrão, mesmo sabendo da inutilidade desse chamamento, apenas para dar ênfase a troca de papéis do policial com o bandido. Não tendo nada mais o que fazer, é apanhar basicamente o necessário, escova e sabonete, mas sem esquecer o violão, porque através dele poderá mandar recados importantes para os que estão ainda.

22 CONCLUSãO Apesar de ter sido um momento tenso da nossa história, a música exerceu papel importante na definição do papel político exercido pelos artistas na época. Muitos dos nossos conterrâneos que contribuíram com a riqueza da produção cultural que nos foi legada, foram presos, torturados e expulsos do país, porque tiveram a ousadia de enfrentar os poderosos de plantão. A ditadura, mesmo após o AI 5, em dezembro de 1968, não conseguiu calar a voz dos que se dispuseram a dar o grito de liberdade, enquanto uns desapareciam, surgiram, outros para substitui-los com a mesma coragem e a mesma competência. A intelectualidade brasileira, ligada à música, não se curvou diante da intolerância dos militares, e através das letras colocadas em melodias que se imortalizaram registraram um movimento cívico que nos permitiu alcançar o retorno à democracia. Não fora a persistência e a intrepidez de todos os que acreditavam que a luta pela liberdade não seria em vão, talvez tivéssemos passado mais tempo vivendo a escuridão aterrorizante da ditadura militar. E assim caminha a humanidade, com sua história sendo contada em prosa e verso, escrita ou cantada, mas oferecendo aos pósteros a oportunidade de conhecer acontecimento que nos oferecem experiências que nos permitem refletir sobre nosso comportamento atual.

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ConStruindo a iMportânCia polítiCa: (1976-1979) MOVIMENTO ESTUDANTIL EM JOãO PESSOA NO CONTEXTO DA DIsTEnsãO POLíTICA (1976-1979) Talita Hanna Cabral Nascimento1

1 INTRODUÇãO Neste ano de 2014 faz 50 anos que houve o golpe civil-militar no Brasil. De 1964 a 1985, o regime ditatorial militar não seguiu uniformidade do início ao fim: passou por mudanças constitucionais, legitimação do autoritarismo e repressão através dos atos institucionais para, por fim, desembocar em uma abertura política. Com referência ao período chamado de distensão “lenta, gradual e segura” que iremos abordar neste artigo a participação das movimentações estudantis da UFPB, campus João Pessoa. distensão lenta, gradual e segura O país está suficientemente sofrido. Precisamos acelerar o processo de redemocratização. Mas sem virar estátua de sal, como a mulher de Ló. Não podemos nos perder olhando para trás. Golbery, em confissão a Ulysses Guimarães2, maio de 1975.

Passados dez anos do golpe civil militar, é dado início no ano de 1974 à fase de distensão “lenta, gradual e segura”, postura assumida simbolicamente pelo presidente Ernesto Geisel, seguida 1

Mestranda em História através do Programa de Pós Graduação em História da UFPB.

2 Informações contidas no livro de Luiz Gutemberg “Moisés, codinome Ulisses Guimarães” citado por Elio Gaspari (2004).

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pela “abertura” conduzida pelo general João Batista Figueiredo. A proposta para este momento político era de promover um retorno do país à democracia, permanecendo dentro dos parâmetros de uma “democracia forte”, ou seja, uma democracia que não escapasse ao raio de controle militar. Parafraseando ALVES (2005), a teoria de “distensão” pretendia afrouxar a tensão política associando níveis mais elevados (mas sempre controlados) de participação política com mecanismos representativos elásticos que pudessem cooptar setores da oposição. Desse modo, a ação do Estado destinava-se a desmantelar gradativamente os mecanismos mais explícitos de coerção legal, simbolizados pelo Ato Institucional n° 5. Além disso, foi dado especial atenção ao sistema eleitoral a fim de obter flexibilidade para um processo aparentemente livre de escolha e ainda assim garantir ao partido do governo força eleitoral a longo prazo (Alves: 2005, p. 223-224). Mas o que teria levado os militares a assumir tal posicionamento político? Dois fatores podem ser destacados como possíveis influenciadores da mudança de comportamento político militar. O primeiro fator estaria relacionado a derrocada do milagre econômico. A crise econômica em que o país estava sofrendo teria acelerado o ritmo de abertura política, já que diante da crise a opinião pública se volta contra o regime ditatorial; a segunda justificativa teria sido o apoio que os EUA, após a eleição de Jimmy Carter em 1976, estavam dando aos Direitos Humanos, em contraposição a sua antiga postura de incentivo as ditaduras na América do Sul. Segundo Silva (2007) as décadas de 1970 e 1980 assistiram a derrocada das ditaduras militares pela América Latina. Tais mudanças estariam atreladas a nova postura dos EUA quanto às relações internacionais.

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O anticomunismo primário, a crença numa desastrada teoria do dominó, bem como anos seguidos de apoio às ditaduras mais liberticidas do mundo [...] mostrarase não só ineficaz como ainda danoso para os objetivos de longo prazo dos Estados Unidos. (SILVA, 2007, p. 250)

Segundo Gaspari (2004), baseado no arquivo privado de Golbery do Couto e Silva e de Heitor Ferreira, a derrota eleitoral do partido do governo (Arena) para o MDB no ano de 1974, já teria deixado margem para o grau de descontentamento nacional e, além disso, foi gerado no governo o temor de que a experiência da Grécia3 reverberasse no Brasil. Geisel também temia que os jovens oficiais brasileiros, influenciados pelo exemplo dos capitães portugueses que destituíram o salazarismo, passassem a acreditar que a situação nacional não estava bem devido a velha junta governativa de “velhos ultrapassados” (Gaspari, 2004, p. 24). Em meio a todo esse estado de coisas, há uma retomada da sociedade em torno de um projeto comum: a democratização política do país. As alteridades dentro e fora de cada espaço de movimentação civil de alguma forma entraram no consenso acerca do que não mais poderia ser sustentável para os rumos sociais, políticos e econômicos do país. Contudo, embora a ideia de redemocratização alimentasse a esperança dos brasileiros, principalmente daqueles que integravam movimentos de oposição mais acirrados ao regime, a repressão permaneceu até revogação do AI-5 em fins do governo Geisel. Movimentos sociais urbano e camponês enfrentaram repressão, enquanto que outros puderam participar das atividades políticas. Estes últimos foram os considerados “elite oposicionista”, representada pela Ordem dos Advogados do Brasil 3

Os coronéis foram presos após um fracassado golpe no Chipre.

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(OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dentre outros. O Estado, portanto, não seria apenas um detentor da coerção, mas também do consenso na medida em que os militares no poder percebem que já não estavam sendo vistos de bom grado por setores da sociedade que anteriormente os haviam apoiado, tomando por decisão encaminhar a política nacional por vias que pudessem ser reconhecidas como mais democratizantes. Gradativamente a sociedade civil dá mostras mais visíveis de atuação, muitas delas agindo em conjunto na busca por um objetivo em comum: o fim do governo ditatorial e a democratização política do país. Um desses movimentos foi o estudantil, objeto deste artigo. Mas por que o movimento estudantil em João Pessoa e no período de redemocratização? Impedidos de atuar nas ruas, os estudantes acadêmicos passaram a adotar outras medidas de ação oposicionista: alguns aderiram a luta armada, outros passaram a atuar nas próprias instâncias deliberativas das universidades, de modo que no período de distensão, as notícias públicas sobre um movimento estudantil combativo (ao menos na Paraíba), se dá de maneira muito tímida. É possível que por este motivo, até então não se tenha um estudo exaustivo acerca das movimentações estudantis acadêmicas de 1976 a 1979 em João Pessoa. Alguns estudos indicam que não houve expressividade nas movimentações estudantis acadêmicas no período que vai de 1970 a 1979, ao menos na Paraíba. Não é de se julgar: os clássicos dos estudos sobre movimento estudantil, Arthur Poerner (1995) e Guilhon Albuquerque (1977), alegavam que o heroico movimento estudantil brasileiro havia chegado ao fim com a adesão de muitos estudantes na luta armada. É possível que esta ideia de desmantelamento do movimento tenha tornado o tema (neste período cronológico) de poucos atrativos. Segundo Poerner -245-


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(1995), não havia mínimas condições para a sobrevivência do movimento estudantil mediante a repressão pós AI-5, embora nunca tenham deixado de existir tentativas e ações isoladas ou pontuais.4 Para Albuquerque, o perfil partidário de alguns estudantes foi devido a características assumidas pelo movimento estudantil brasileiro entre 1930-1968: uma dinâmica articulada dentro dos critérios de organizações sindicais e partidárias5, que conferem aos estudantes um papel político e social de destaque. Porém, apesar de Poerner (1995) esclarecer que o movimento estudantil esteve entre 1968 a 1975 engajado parte na luta armada e outra de pouca expressividade enquanto movimento organizado, e de Albuquerque (1977) alegar que a persistência estudantil durante a ditadura militar, inclusive na luta armada, só se fez devido ao caráter sindical e partidário do movimento estudantil, estas prerrogativas não esclarecem por completo a participação dos estudantes durante estes sete anos. Dúvidas tem surgido com relação a esta atuação e estudos tem sido desenvolvidos na tentativa de preencher lacunas.

2 MOVIMENTO ESTUDANTIL DENTRO E FORA DA UFPB Os direitos eliminados dos estudantes em luta no Brasil vieram praticamente no imediato pós golpe civil-militar. A lei 4 Em pequenos grupos ou em ações relâmpagos houve no Brasil, dentre outros, protestos contra a presença de Nelson Rockefeller, em 1969; segundo aniversário da morte de Edson Luís, em 1970; manifestação contra as arbitrariedades e a morte do estudante Alexandre Vannucchi na USP, em 1974. Já meados de 1974 – 1975 ocorrem diversas greves pelas universidades públicas do país. 5 Para o referido autor, um traço essencial do movimento estudantil brasileiro foi o monopólio institucional da representação. Oficializado segundo o modelo dos sindicatos, o movimento estudantil se estruturava verticalmente e tinha reconhecimento legal: o Centro Acadêmico era órgão oficial da Faculdade; a filiação dos estudantes era automática e os estatutos reconhecidos pela Congregação. As suas entidades maiores, UNE e Uniões Estaduais, contavam, ao menos até o golpe civil-militar, com verba governamental.

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Suplicy de Lacerda, que entra em vigor em novembro de 1964, colocou as entidades representativas dos estudantes a cargo do Ministério da Educação, dessa maneira desestruturando a organização estudantil. A União Nacional dos Estudantes (UNE), União Metropolitana dos Estudantes (UME), União Brasileira de Estudantes Secundários (UBES), as Uniões Estaduais de Estudantes Secundários (UEEs), e outras representações estudantis foram substituídas por Diretórios Acadêmicos (Das), Diretório Central dos Estudantes (DCE), Diretório Estadual dos Estudantes (DEE), enfim, por diretórios universitários e estaduais controlados pelo Ministério da Educação. Centralizar as instituições de representação estudantil significava obter controle sobre as ações dos estudantes. Ainda assim, eram as ruas os principais meios de opor-se a ditadura e de mostrar os problemas nacionais aos incrédulos ou mal informados. Estudantes buscavam novas formas de atuação política na medida em que as mudanças eram instituídas pelo regime. Alguns deles aderiram as ideias e partidos de esquerda no Brasil, visto como meio efetivo de oposição ao regime. Segundo Benevides (2006), a aproximação dos estudantes ao pensamento e práticas da esquerda coincide com o chamado ciclo de gerações, dos quais os velhos modelos já não se adequavam a realidade. “Talvez por isso as ideologias de esquerda que pregavam o fim do antagonismo de classe [...] soaram mais inovadoras aos ouvidos de muitos estudantes.” (Benevides, 2006, p. 77) Após decretado o Ato Institucional n°5, pensar e fazer política para o movimento estudantil, naquele momento, era um grande desafio. Primeiro devido à repressão, que punia aqueles que pensassem e agissem em oposição a ordem vigente; segundo, consequência do primeiro, o receio de muitos em ser presos, ter seus direitos cassados ou até mesmo serem mortos. De maneira geral, os estudantes no Brasil enveredaram por duas vertentes: -247-


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na luta armada ou nas instancias de representação estudantil autorizadas pela ditadura. A necessidade de construção de novas perspectivas de luta acadêmica e política levam a uma fragmentação da vanguarda revolucionária, e esta fragmentação acompanhou a retomada do movimento estudantil na década de 1970/80. Segundo Pellicciotta (1997), vários aspectos estão interligados ao movimento estudantil dos anos 70/80: aspectos acadêmicos, culturais e políticos. A referida autora, ao estudar o caso da Universidade de São Paulo, menciona que a partir dos anos 70 as concepções militantes deixam de se dar apenas em território partidário e muitas das proposições políticas afastam-se desta perspectiva para produzir uma multiplicidade de propostas de organização e ação política. (Pellicciotta, 1997, p. 32) Nesse sentido, tendo por base pesquisa em jornais6 , é possível perceber que o movimento estudantil na UFPB utilizou, ao menos nos primeiros anos de distensão do governo Geisel, a cultura como meio de burlar a repressão na tarefa de aglutinar os estudantes, trazendo-os cada vez mais ao campo da consciência política. Tais atividades se davam, inicialmente, dentro do espaço acadêmico. Ao menos nos jornais pesquisados, entre 1974 a 19757 não há registros de atividade contestatória no meio estudantil acadêmico. Já de 1976 a 1979 há registros de algumas atividades estudantis em torno da cultura, rumo a vias mais amplas: O Momento publicou, na edição 113 de fevereiro de 1976, o lançamento do jornal Gênese8 , que tinha por intuito divulgar os 6

Período de 1975 a 1980: A União e O Momento; de 1975 a 1979: O Berro e O Movimento.

7 Também temos que levar em conta que só em 1975 chega ao fim a censura prévia a imprensa escrita, instituída desde o Ato Institucional N° 5 (AI-5) e, desta forma, possíveis contestações dos estudantes não poderiam ser publicadas pelos jornais. 8 Apesar de estar ligado ao DCE “diretório não participativo dos processos eletivos”, seus editores (Paulo Tavares, Romero Antônio e Carlos Tavares) alegam que é um jornal independente. Edição 113

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problemas sócio-político e econômico do nordeste brasileiro e das universidades. Neste mesmo ano, o jornal A União registrou na edição de 18 de julho de 1976, a realização de ciclo de debates sobre arte e cultura realizado pelo DCE-UFPB, em conjunto com diversos diretórios acadêmicos. Realizados semanalmente, eram debatidos temas ligados a música, teatro, cinema e literatura. Neste mesmo ano de 1976, o teatrólogo paraibano Paulo Pontes viajava e concedia entrevistas por todo o país devido ao sucesso da peça “Gota D’Água”, em conjunto com Chico Buarque. Vladimir de Carvalho teve seu documentário “O país de São Saruê” (de 1971)9 interditado e sob a censura da Divisão de Censura de Diversões Públicas. São fatos que provavelmente tenham engrossado o caldo de ideias entre os estudantes acadêmicos de João Pessoa, sobretudo também alinhados as novas tendências reivindicatórias entre os estudantes do Brasil. Se nas ruas estava difícil expressar seus descontentamentos acadêmicos e com relação a política nacional, era através da arte e cultura que poderiam mudar os rumos do país. No ano de 1977 houve novamente a proibição de passeatas estudantis por todo o Brasil. O ministro Armando Falcão tomou medidas para que todos os estados brasileiros impedissem “manifestações coletivas que comprometessem a normalidade, imprescindível à preservação do processo de desenvolvimento do país.” (A União, maio, de 1977). Assim recomenda: Passeatas, concentrações de protestos em logradouros públicos, assim como outras demonstrações contestatórias, são distúrbios de fundo e fim subversivos, não do jornal O Momento – 23 a 29 de fevereiro de 1976. 9 Documentário sobre a vida de lavradores, garimpeiros e outros moradores do nordeste brasileiro, da área conhecida como polígono das secas (Paraíba, Pernambuco e Ceará). Foi censurado devido ao teor de denúncia contra a exploração dos trabalhadores pelos donos de terra, sendo oficialmente lançado em 1979, quando acabou premiado pelo júri do Festival de brasília.

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podendo em consequência ser toleradas. Mostra-se aconselhável que sejam tomadas de preferência medidas preventivas, oportunas e eficazes, para resguardo da tranquilidade geral que a nação exige acima de tudo.” (Trecho de recomendação do ministro Armando Falcão registrado no jornal A União, maio de 1977)

No mesmo mês é publicado no jornal o posicionamento do MEC com relação as atitudes estudantis. Apesar das medidas de proibição a manifestações em vias públicas, as mesmas vinham ocorrendo no meio universitário. Segundo a notícia, as mobilizações e manifestações dentro do espaço acadêmico “burlava regulamentos e estatutos regimentais das instituições de ensino superior”. As recomendações do ministro Armando Falcão dão continuidade: “Caso os órgãos de representação estudantil não obedeçam aos critérios prescritos no decreto lei 223 de 1967, os órgãos serão suspensos ou dissolvidos pelos Conselhos Universitários” (A União, maio de 1977). Fundado em 1893, A União é um jornal ligado ao governo da Paraíba e seus registros, até então, dão prioridade aos atos positivos do governo do estado e nacional em contraposição aos deslizes cometidos pelos partidos oposicionistas. Não é de se admirar que não haja praticamente notícias sobre movimentos contestatórios. No dia 20 de maio de 1977, parte do pronunciamento do deputado Tarcizo Telino na Assembleia Legislativa vem impressa na capa de A União10 . Ao contestar o pronunciamento feito pelo deputado do MDB Bosco Barreto em solidariedade às movimentações estudantis, Telino pronuncia: Os estudantes paraibanos devem se omitir dessas agitações que ora se verificam nos estados de são Paulo e Rio de Janeiro, pois elas não representam os interes10

Título: Deputado pede que os estudantes paraibanos não apoiem agitações.

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ses da classe estudantil e, sim, atendem aos interesses de uma minoria política e subversiva. (A União, 20 de maio de 1977)

Para Tarcizo Telino, não seria esse o momento de apoiar as manifestações estudantis, pois “a classe estudantil não sabe o que quer”. Segundo o deputado, os estudantes deveriam protestar contra o sistema de ensino, pois essa deveria ser a causa de protestos por aqueles que ainda não tinham chegado a etapa profissional. Lutando contra os erros do sistema de ensino, receberiam o apoio do governo. O jornal O Momento nos demonstra um outro posicionamento com relação às movimentações estudantis. Fundado em 1973 por Jório de Lira Machado, era de oposição às autoridades constituídas e não contou com nenhuma ajuda das frentes bipartidaristas (MDB e Arena). As publicações demonstram para seus leitores que não há intenção de agradar políticos que fazem frente ao governo federal. Em março de 1977, O Momento informa que o DCE, presidido por Severino Dutra, promove a inauguração do Cineclube-UFPB, que priorizava a exibição de filmes paraibanos. Em conjunto com a inauguração do cineclube houve a campanha pela construção e publicação do Caderno de Poesia Marginal, com intuito de incentivar os estudantes a expressarem suas angustias a partir da poesia. Há também notícia sobre o ciclo de debates ocorridos na Universidade Federal da Paraíba, campus João Pessoa, promovido pelo DCE-UFPB. Contou com a participação de jornalistas dos jornais alternativos O Movimento, O Pasquim e Versus: Jaguar, o cartunista Henfil, Antônio Carlos Carvalho e Marcos Faernann fizeram parte de uma roda de debates como parte da calourada.11 Esses são registros 11 Semana de arte e cultura promovida por entidades de representação estudantil acadêmica, como parte da recepção aos novos estudantes acadêmicos, ou chamados feras.

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que não devem passar despercebidos, em se tratando de ações que visavam aglutinar estudantes a refletir e agir para além dos interesses estudantis e profissionais. Em junho de 1977, tomam posse novos dirigentes no DCEUFPB. A entidade passa a ter como representante Walter Oliveira e a partir deste momento percebe-se os primeiros passos de atuação estudantil fora do eixo acadêmico-cultural. Há manifestação pela manutenção da meia passagem a partir do ano de 1977, contra a campanha da Associação dos Transportes Coletivos pela extinção da meia passagem estudantil. Esse movimento recebe o apoio da Arquidiocese da Paraíba, noticiado pelo O Momento em sua edição 188, de agosto de 1977. Contudo, é a partir de 1979 que o movimento estudantil acadêmico de João Pessoa toma a iniciativa de atuar em conjunto com outros setores da sociedade civil paraibana.12 O DCE-UFPB apoia os agricultores de Coqueirinho e Cachoeirinho, no município de Pedras de Fogo na Paraíba, que estavam sendo violentamente despejados pela Usina Central Olho d’Água no ano de 1979. Também foi neste mesmo ano que há participação dos estudantes pessoense no 31° Congresso da UNE, realizado na Bahia. Evento tão aguardado pelos estudantes de todo território brasileiro: a retomada da União Nacional dos Estudantes. Seu último congresso havia sido em Ibiúna, no ano de 1968, da qual houve forte intervenção militar e vários de seus participantes foram presos. O 31° Congresso da UNE unificou ainda mais os estudantes, em se tratando do nível nacional e a inserção partidária tornou-se mais significativa.

12 Atuam em conjunto com o Centro de defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese da Paraíba, Diretório Acadêmico 11 de agosto de Campina Grande, ADUF-PB, setor jovem do MDB-PB, Movimento Feminino pela Anistia-PB.

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3 MOVIMENTO ESTUDANTIL E OS PARTIDOS No ano de 1979 há sinais de transição no movimento estudantil pessoense, na verdade não só na capital paraibana. Pellicciotta (1997) classifica as características estudantis no brasil desse período em duas faces. A face denominada de “oficial” diz respeito às movimentações estudantis consideradas de maior visibilidade, levadas a frente pelos diretórios. São desempenhadas atividades de discussão, participação e articulação com o espaço acadêmico ou universitário. São essas representações que tem participação nas reuniões de Conselho Universitário. A face denominada “clandestina” diz respeito à reconstrução do movimento estudantil baseado na recuperação do diretório enquanto instância política e representativa dos estudantes. Essa seria uma maneira de trazer à tona o papel social do movimento. Em João Pessoa, espaço acadêmico e face clandestina foram se fundindo a partir da segunda metade do ano de 1979. Na edição 294 de O Momento foi divulgada uma matéria informando sobre os políticos paraibanos contrários à Emenda Antônio Mariz.13 Segundo o deputado federal Antônio Mariz, a época pertencente a dissidência da Arena na Paraíba: O veto a restauração da UNE arma desnecessariamente uma crise próxima e cria os elementos de um confronto inútil e traumatizante, pois, afinal, ninguém ignora que a UNE acaba de ser reinstalada em Congresso Universitário realizado na Bahia, com o apoio das autoridades estaduais e ampla cobertura da imprensa. (O Momento, edição de 12 a 18 de agosto de 1979) 13 Emenda que permitia a restauração e funcionamento da UNE. Não chegou a ser incorporada ao projeto de lei porque o quórum foi quebrado com a retirada dos deputados: Wilson Braga, Joacil Pereira, Ademar Pereira, Antônio Gomes e Ernani Sátiro. Informações na edição 294 do jornal O Momento: agosto de 1979.

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Na UFPB, os estudantes faziam greve. O Momento noticiou em sua edição de número 300 o resultado do balanço feito em assembleia com relação a greve pelo congelamento dos preços no restaurante universitário. Walter Luiz, membro do Comitê Geral da Greve afirmou que as movimentações em torno da greve foram importantes porque transformaram-se em um meio de discussão e questionamento das taxas de serviço pagas14 na UFPB e também porque proporcionaram “a mudança de atitudes dos estudantes, pois o medo e o silêncio imposto a todos foi rompido.” (O Momento, 23 a 29 de fevereiro de 1979). Aos poucos os partidos foram sendo novamente inseridos nas movimentações estudantis sob a forma de tendências. Para entender a variedade de tendências partidárias no movimento estudantil acadêmico é preciso fazer um breve resgate de atuação. As principais tendências do movimento estudantil brasileiro da época – para citar algumas - eram as seguintes:

4 AçãO POPULAR (AP) – REFAzEnDO A Ação Popular surge nos anos 60 como uma organização alternativa ao reformismo das organizações de vanguarda, em específico o PCb. Para os comunistas do “partidão”, o brasil deveria avançar para o caminho da revolução burguesa. O intuito era abandonar as estruturas agrárias consideradas pelos comunistas como principal obstáculo ao estágio de desenvolvimento das forças produtivas capitalistas.A organização reuniu os setores mais progressistas da Igreja Católica, em específico grupos como 14 Os estudantes pagavam pela alimentação oferecida pelo restaurante universitário, mas a luta era mais ampla. Nacionalmente os estudantes mobilizavam-se contra a Reforma Universitária de 1968, que delegou, dentre outras coisas, as universidades privadas o excedente de estudantes que não tinham espaço no ensino público. Para melhor entender a reforma de 1968, ler artigo de Carlos Benedito Martins “A Reforma Universitária de 1968 e a abertura para o ensino superior privado no Brasil”, disponível em HTTP://www.cedes.unicamp.br

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a Juventude Universitária Católica (JUC), a Juventude Estudantil Católica (JEC) e a Juventude Operária Católica (JOC). Na segunda metade da década de 1970, a AP atua no movimento estudantil através da sua tendência Refazendo. Surgida em 1975, durante o processo de reorganização do DCE-livre “Alexandre Vanucchi Leme” em São Paulo, a Refazendo inicialmente defendia um movimento alicerçado nas entidades estudantis de representação de base pela defesa das lutas por melhores condições de ensino e pelas liberdades de organização e expressão. (ROMAGNOLI; GONÇALVES, 1979, p. 68). Após 1977, a AP passa a defender a inserção estudantil nas lutas de âmbito nacional, tais quais pelo fim da ditadura, pela liberdade democrática e a luta educacional ganha amplitude através da defesa pela democratização da universidade, ou seja, pelo acesso da maioria da população ao espaço acadêmico. Na Paraíba passa a ter maior atuação na década de 1980.

5 ORGAnIzAçãO sOCIALIsTA InTERnACIOnALIsTA (OsI) – LIBELU A OSI surge em 1976 com o objetivo de resgatar e reorganizar a tradição de atuação dos trotskistas no Brasil. Agindo também no sentido de reatar laços políticos internacionalistas, a OSI estava relacionada ao Corqui – Comitê de Reconstrução da quarta Internacional, um grupo latino americano de diversas organizações trotskistas. (Andrade: 2009, p. 68) A fundação da OSI, portanto, está relacionada ao histórico de lutas dos trotskistas no Brasil e seu objetivo agora era de procurar levar à frente os verdadeiros objetivos trotskistas. Para tanto, a OSI esteve intimamente relacionada à organização e emancipação do movimento operário, mas não só isso: a força jovem era reconhecida como uma das maneiras -255-


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existentes no país para derrubada do governo militar, e sua aproximação às organizações estudantis se deu através da Liberdade e Luta (Libelu). Formada em 1976, a Libelu avaliava que o governo militar estava prestes a cair, daí a adesão ao lema “Abaixo a ditadura”, tornando-se pioneira nessa perspectiva de luta no meio estudantil. Ao contrário de algumas tendências que defendiam a participação dos estudantes nos órgãos colegiados das universidades como forma de democratização, a Liberdade e Luta considerava as instancias de representação estudantil acadêmicas espaços criados pela ditadura para manter o controle dos estudantes e implantar a política educacional do governo. Na Paraíba a Libelu foi fundada por Walter Aguiar e Carlos Alberto Dantas, sendo muito atuante na cidade de João Pessoa.

6 COnVERGênCIA sOCIALIsTA – nOVO RUMO Em 1975, a Liga Operária decide concentrar forças no movimento operário e estudantil e empreende um deslocamento de militantes de origem estudantil para o trabalho em fábricas, com o objetivo de influir no movimento operário e formar oposições sindicais às direções reconhecidas por “pelegas”. (Silva, 1987, p. 185) A Liga chegou a apoiar candidatos que defendiam posições consideradas socialistas dentro do MDB. Em 1977, em uma conferência, a organização resolveu denominar-se PST (Partido Socialista dos Trabalhadores) e lança o movimento Convergência Socialista. No meio estudantil, a Convergência Socialista foi representada pela tendência Novo Rumo, criada na USP em 1978. De São Paulo, passa a atuar em diversos estados, inclusive os que são enquadrados em geral fora do eixo Rio – São Paulo – Minas Gerais: Pernambuco, Paraíba e Brasília. No meio universitário, a Novo Rumo defendia uma perspectiva de combate à ditadura e na -256-


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resolução dos problemas enquanto setor estudantil e enquanto setor em conjunto com as causas do povo “[...] é preciso que os trabalhadores, os demais setores explorados e os estudantes se aliem numa unidade muito forte.” (Peregrino apud Romagnoli; Gonçalves: 1979, p. 72)

7 PARTIDO COMUnIsTA DO bRAsIL (PC DO b) - CAMINHANDO No ano de 1978/79 é criada a tendência Caminhando. Tal tendência foi uma das mais fortes nas universidades de São Paulo em defesa das liberdades democráticas, anistia e constituinte. Defender a constituinte nesse período significava estar vinculado ao MDB, portanto o PC do B via tendência Caminhando, no meio estudantil, era criticado pelas demais tendências por ter um projeto político de alianças com a burguesia progressista. No espaço universitário, a Caminhando defendia, enquanto representação estudantil, a defesa de uma universidade democrática, produção acadêmica voltada para a maioria da população, aglutinar para a luta estudantil o máximo de estudantes, método que poderia trazer a unificação das demais tendências. A ideia era conscientizar os estudantes e avançar junto com eles as etapas de conscientização política e social no sentido de apoiar as lutas nacionais defendidas pela organização pelo fim da ditadura. na Paraíba, a Caminhando tinha lideranças nas cidades de João Pessoa, Campina Grande e Pombal. As primeiras eleições diretas para representação estudantil na UFPB foi entre 1978/79 e a Caminhando foi a chapa vencedora. O presidente eleito para o DCE foi Valter Dantas. As demais tendências políticas atuantes entre os estudantes acadêmicos na Paraíba eram: Unidade, mais atuante

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na cidade de Campina Grande, e Correnteza, oriunda do Partido Comunista Revolucionário e mais atuante nas pastorais.

8 CONSIDERAÇõES FINAIS As pesquisas vem demonstrando que o movimento estudantil universitário em João Pessoa não esteve desarticulado no pós 1968. No contexto político de distensão, as movimentações estudantis foram gradativamente inserindo-se nas lutas de oposição ao regime ditatorial dentro do quadro de contestações da sociedade civil, uma vez que abriram mão de suas próprias reivindicações – acadêmicas ou visando o futuro profissional - para fazer voz às demais contestações da sociedade em torno de projetos mais amplos. De 1976 a 1978, os estudantes da UFPB encontraram nas expressões culturais meios para que suas reivindicações chegassem ao conhecimento das pessoas sem tantas intervenções por parte da censura. A partir de 1979, as formas de atuação estudantil vão assumindo caráter mais partidário e combativo nas ruas, sempre em contato com as demais movimentações estudantis pelo Brasil, principalmente após a retomada da União Nacional dos Estudantes, através do 31° congresso nacional da entidade estudantil, assumindo pautas de lutas mais gerais. Incomodados com o autoritarismo militar tanto no ensino como nos hábitos comportamentais, para parte da sociedade paraibana era difícil entender o porquê e pelo que os estudantes da UFPB lutavam. Como atores principais da trama, os jovens almejaram transformar a sociedade que viviam, tanto do ponto de vista político quanto comportamental. A depender da ação do Estado, a juventude rearticulava suas ações políticas ou até mesmo formas alternativas de luta, como os movimentos clandestinos que participaram luta armada ou contraculturais. -258-


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REFERÊNCIAS ALBUqUERqUE, J. A. Guilhon Org. Classes médias e a política no brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. ALVES, Maria Helena Moreira. estado e oposição no brasil (1964-1984), editora Edusc, 2005. ANDRADE, Everaldo de Oliveira. A liberdade nasce da luta: o surgimento da OSI na crise da ditadura. In: SANTOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaína de Almeida (Orgs.) desarquivando a ditadura: memória e justiça no Brasil. Volume I. São Paulo: Ed. Aderaldo e Rothschild, 2009. ARAÚJO, Fátima. História e ideologia da imprensa na paraíba. João Pessoa: Editora A União, 1983. BENEVIDES, Sílvio Cesar Oliveira. na contramão do poder: juventude e movimento estudantil. São Paulo: Annablume, 2006. FICO, Carlos. além do Golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura Militar. 2° ed. – Rio de Janeiro: Record, 2012. GALEANO, Eduardo. dias e noites de amor e de guerra. Tradução: Eric Nepomuceno. Porto Alegre: L&PM, 2008. GASPARI, Elio. a ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004; P. 90. GREEN, James N. “Restless Youth”: The 1968 Brazilian Student Movement as seen from Washington, In: FICO, Carlos; ARAÚJO, Maria Paula (org.).1968: 40 anos depois-história e memória. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.p. 17-62.

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NUNES, Paulo Giovani Antonino. Golpe civil militar na Paraíba e a repressão no imediato pós golpe. In: anais do XXvi Simpósio nacional de História – anpuH. São Paulo, julho de 2011. PELLICCIOTTA, Mirza Maria baffi. uma aventura política: as movimentações estudantis dos anos 70. 1997. 282 p. Dissertação de mestrado: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. POERNER, Arthur José. o poder jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros. São Paulo: Centro de memória da juventude 1995. ROMAGNOLI, Luiz Henrique; GONÇALVES, Tânia. A volta da UNE: de Ibiúna a Salvador. História imediata. São Paulo: Alfa Ômega, n. 5, 1979, p. 4-95. SILVA,Antônio Ozaí. História das tendências no Brasil: origens, cisões e propostas. São Paulo: edição do autor, 1987. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974-1985. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília (orgs). o tempo da experiência democrática (O Brasil Republicano vol. 4) RJ: Civilização Brasileira, 2003.

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SeSSÃo 2

ACESSO à INFORMAÇãO, DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA



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ditadura Militar na paraíba: DOCUMENTOS E MEMóRIAS Lúcia de Fátima Guerra Ferreira1 “É graças a essa dialética – compreender o presente pelo passado e, correlativamente, compreender o passado pelo presente – que a categoria do testemunho entra em cena na condição de rastro do passado no presente”. (RICOUER, 2007, p. 180)

1 INTRODUÇãO O direito à memória, à verdade e à justiça no Brasil ainda está em processo de construção, com um longo caminho a percorrer. O Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH 3, no seu Eixo Orientador VI: Direito à Memória e à Verdade, e na “Diretriz 23: Reconhecimento da memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado”, orienta e propõe ações para “o esclarecimento público das violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política ocorrida no brasil no período fixado pelo artigo 8º do ADCT da Constituição” (BRASIL, 2010, p.173). Para a implementação das questões postas pelo PNDH3 faz-se necessário, entre outras ações, o acesso à documentação referente ao período de 1946 a 1988. No Estado da Paraíba destaca-se a documentação da Delegacia de Ordem Política e 1 Formação em História, graduação na Universidade Federal da Paraíba, mestrado na Universidade Federal de Pernambuco e doutorado na Universidade de São Paulo. Professora Associada do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas, e membro do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba. sócia do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e integrante da Comissão Estadual da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba.

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Social – DOPS-PB. Mais precisamente do que restou dela, tendo em vista o quantitativo documental e o período a que se referem. Além dos registros documentais oficiais, merecem destaque os registros memoriais já publicados em livros, e em especial em registros audiovisuais de depoimentos de militantes de esquerda na resistência à ditadura. Esses dois eixos estão contemplados em projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos pelo Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba, a partir dos quais desenvolvemos o presente texto.

2 ACERVO DOCUMENTAL DA DELEGACIA DE ORDEM POLíTICA E sOCIAL – DOPs-Pb O contato com a documentação da DOPS-PB fomentou várias indagações sobre os seus significados como registros de uma dada realidade. A postura crítica é fundamental diante de qualquer conjunto documental, mas a sua importância se avoluma diante do contexto no qual esses documentos foram produzidos. Esses registros trazem a verdade sobre o passado da Ditadura? A realidade está posta e basta a presença do pesquisador desvendá -la? Em primeiro lugar, temos clareza que esses documentos da DOPS-PB2 constituem resquícios, ou mesmo vestígios, do que foi a ação dessa Delegacia no período da Ditadura Militar. E, portanto, são insuficientes para recompor o quadro da realidade paraibana à época. Em segundo lugar, as condições de produção dessa documentação precisam ser contextualizadas: encontram-se tanto registros a partir de informações precisas, como de suspeitas 2 Parte dessa documentação encontra-se digitalizada e acessível no site da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba http://www.cev.pb.gov.br.

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fundadas ou infundadas dos agentes de informação, no intuito de apresentar produção ou mesmo pelo exagero em ver subversão em ações que passariam despercebidas em outras ocasiões; alguns depoimentos em processos, registrados sob tortura, também podem não corresponder à realidade. Estas são apenas algumas das questões que essa documentação suscita. Marc Bloch tratando do oficio do historiador alerta para a relação entre as fontes documentais e as forças que estão luta pelo domínio da memória e da história: A despeito do que às vezes parecem imaginar os iniciantes, os documentos não surgem, aqui ou ali, por efeito (de não se sabe) qual misterioso decreto dos deuses. A sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em tal solo deriva de causas humanas que não escapam de modo algum à análise, e os problemas que sua transmissão coloca, longe de terem apenas o alcance de exercícios de técnicos, tocam eles mesmos no mais íntimo da vida do passado, pois o que se encontra assim posto em jogo é nada menos do que a passagem da lembrança através das gerações. (BLOCH, 2001, p. 83).

Encontrar os conjuntos documentais do período da Ditadura Militar no Brasil, que retratem todas as ações dos agentes do Estado, comprovando as violações aos direitos humanos, os crimes de lesa humanidade, a localização de restos mortais de militantes desaparecidos, não se constitui em tarefa fácil para a sociedade brasileira. Os interesses em jogo, pelo controle da história e da memória, criaram um campo de forças para a manutenção do ocultamento de alguns fatos e invenção de outros. Mas, história é movimento, e algumas ações da sociedade civil e dos gestores públicos estão mudando esse rumo. -265-


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O momento porque passa o Brasil é da maior relevância para a produção do conhecimento sobre a história recente do país. A abertura dos arquivos está proporcionando o questionamento de verdades divulgadas pela história oficial, como por exemplo, a comprovação de assassinatos nos cárceres do aparelho repressivo ao invés de propagados suicídios. Nesse sentido, a Lei Nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida com a Lei de Acesso à Informação (LAI), manteve três categorias de acesso, extinguindo a categoria “confidencial”3 e promoveu a redução dos prazos de restrição ao acesso, sem direito a renovação: ultrassecreta, 25 (vinte e cinco) anos; secreta, 15 (quinze) anos; e reservada, 5 (cinco) anos. (BRASIL, 2011, Art. 24). Vale ressaltar que a desconstrução de uma cultura do segredo e do sigilo ainda se encontra em fase inicial, pois, apesar dos avanços dessa Lei, alguns órgãos não estão liberando o acesso, dando justificativas como a inexistência de documentos devido a expurgos realizados, embora não apresentem a comprovação. Além disso, para o acesso às informações pessoais foi mantido o prazo da legislação anterior – 100 anos, embora com avanços, pois assegura o “respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais” (BRASIL, 2011, Art. 31), desde que não prejudique processos “de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância” (BRASIL, 2011, Art. 31, § 4o). No estado da Paraíba, o acesso aos documentos produzidos e acumulados por órgãos de inteligência e informação durante o período da Ditadura Militar no Brasil foi autorizado por meio 3 A legislação anterior definia as seguintes categorias e prazos: ultrassecreta, 30 anos; secreta, 20 anos; confidencial, 10 anos; e reservada, 5 anos, todos renováveis por igual período. (bRAsIL. Decreto n° 5.301/2004).

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do Decreto n. 31.816, de 29 de novembro de 2010, assinado pelo governador José Targino Maranhão. Esse decreto abrange a documentação oriunda de órgãos ligados à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado, às unidades de inteligência das polícias Civil e Militar do Estado e às assessorias de informação dos órgãos e entidades da Administração Pública Estadual. Conforme seu Art. 1º, o acesso às informações contidas nesses documentos justifica-se “por serem fontes importantes de interesse público e geral para o resgate da memória, para defesa dos direitos dos cidadãos e dos direitos humanos e para recuperação de fatos relevantes da história contemporânea brasileira”. (PARAíbA, 2010) neste decreto, o estado procura eximir-se da responsabilidade sobre possíveis danos causados pelo acesso a informações, até então classificadas em diversos graus de sigilo: Parágrafo 1º. O acesso se dará mediante cadastramento e aceitação do termo de responsabilidade de uso e divulgação de informações sobre terceiros, no qual o usuário se responsabilize por eventuais danos oriundos do uso inadequado do documento e de informações nele contidas. Parágrafo 2º. A aceitação do termo de responsabilidade, conforme o decreto, eximirá o Poder Público de ônus por eventuais danos morais ou materiais causados a terceiros pela divulgação de informações obtidas nos referidos acervos. (PARAíbA, 2010, Art. 4º).

Mesmo com a manutenção de algumas restrições quanto ao acesso de informações pessoais, a discussão está posta no sentido de considerar se o direito à privacidade está sendo violado, com esta liberação do acesso. As vítimas podem não querer a

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divulgação de acontecimentos e situações degradantes, que passaram durante as torturas. Tais fundos documentais, portanto, podem ser entendidos como “arquivos sensíveis”, expressão mais comum em outros países que viveram graves violações dos direitos humanos. Em se tratando de um processo histórico que envolveu grande dose de violência – sobretudo a prisão arbitrária de pessoas, seguida quase sempre de tortura e, várias vezes, de morte –, a ditadura militar brasileira pode ser pensada em conjunto com outros “eventos traumáticos” característicos do século XX, o que situa esse tema no contexto dos debates teóricos sobre a História do Tempo Presente. (FICO, 2012, p. 44)

Parte dessa documentação, especificamente a produzida pela extinta Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS-PB, é constituída por fichas e processos que foram transferidas da Secretaria de Segurança Pública para o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão– CEDDHC4, por meio do Decreto n. 15.237, de 27 de abril de 1993, assinado pelo governador Ronaldo Cunha Lima e pelo secretário de Segurança Pública, Marcos Benjamin Soares. Em 2006, foi iniciada uma parceria com a Universidade Federal da Paraíba para o tratamento desse acervo, que por isso encontra-se sob a guarda temporária do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB para a sua organização, digitalização e elaboração de um catálogo. Tanto o Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos como a Gerência Operacional de Arquivo e Documentação do Arquivo Público do Estado da Paraíba assinaram, separadamente, termos 4

Atualmente denominado Conselho Estadual de Direitos Humanos – CEDH.

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de cooperação com o Arquivo Nacional, que é gestor do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964 -1985) - Memórias Reveladas, passando a integrarem a Rede Nacional de Cooperação e Informação Arquivísticas– Memórias Reveladas. Informações gerais do acervo DOPS-PB já se encontram disponíveis no banco de dados do Memórias Reveladas, inseridas pelo NCDH/UFPB. Este arquivo é composto por 6.583 fichas cadastrais e 679 processos, em sua maioria tratando de brasileiros e estrangeiros considerados suspeitos ou subversivos, incluindo aqueles referentes às rotinas administrativas da delegacia. Essa documentação está concentrada na década de 1980, embora se tenha documentos esparsos das décadas anteriores. Para as décadas de 1960 e 1970, conta-se com poucos registros, levando-nos a pensar em descartes, ou transferência dessa documentação para lugar não identificado. Muitos registros eram de caráter preventivo, ante a possibilidade de passagem pela Paraíba de pessoas procuradas em outros Estados, a exemplo de Dilma Vana Rousseff Linhares, vulgo “Stella”5, Gilney Amorim Viana6 e Eleonora Menicuccide Oliveira7, datados de 1969; ou como a ficha de Luís Inácio da silva (Lula) registrando a sua vinda para comício de lançamento do Partido dos Trabalhadores no Estado, em 1980. Entre os paraibanos fichados estão estudantes secundaristas e universitários, padres, sindicalistas, advogados, jornalistas e camponeses, entre outras categorias. Em1980, a DOPS-PB foi extinta, sendo criado outro órgão, que assumiu algumas das suas competências, o CIPS – Centro de 5

Atual Presidenta da República Federativa do Brasil.

6 Atual Coordenador do Projeto Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil. 7 Atual ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República do Brasil.

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Informações Policiais e de Segurança. Entre os 17 órgãos da nova estrutura organizacional básica da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Paraíba, o CIPS tem por competência: I - Assessorar o Secretário da Segurança Pública, nos assuntos pertinentes, a coleta busca e processamento de informação, com vistas ao combate à criminalidade, corrupção administrativa, podendo articular-se com os órgãos do Sistema Nacional de Informações. (PARAíbA, 1980).

Do total de processos existentes no arquivo DOPS-PB, cerca de 90% é da década de 1980, ou seja, produzida e acumulada pela CIPS. A partir desse dado, pode-se inferir que a documentação das décadas de 1960 e 1970 desapareceu, ou pode estar sob a posse de alguém, tendo em vista que não se justificam tão poucos registros neste amplo espaço temporal, justamente o de maior atividade de vigilância e repressão aos movimentos oposicionistas da Ditadura. As lacunas documentais são perceptíveis, como também a existência de documentos incompletos, especialmente sem os anexos, com fotos retiradas, entre outras intervenções. Além disso, as fichas pessoais fazem referência à prontuários que não se encontram no acervo. O grande temor à época era ser “fichado” nos órgãos de segurança. no que tange às fichas da DOPs-Pb que restaram, muitas são pobres em informações, pois apresentam apenas o nome da pessoa, sem registro complementar algum. Em percentual menor estão aquelas com informações detalhadas, comprovando o acompanhamento das atividades das pessoas, ou pelo menos o registro de uma atividade considerada relevante. Os itens presentes na ficha eram os seguintes: um cabeçalho: Delegacia de Ordem Política Social, Serviço de Informações; -270-


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na lateral: segurança Política. A ser preenchido estavam: nome, filiação, data de nascimento, naturalidade, residência, profissão, número do prontuário, data de abertura ou autuação, histórico e local para fixar foto. Outras fichas traziam além desses itens, outros: nacionalidade, estado civil, instrução e caracteres. Para exemplificar apresentamos as informações contidas nas fichas de dois paraibanos, com representativa atuação na resistência ao regime militar: José Adeildo Ramos8 e José Emilson Ribeiro da Silva9, ambos presos na ilha de Itamaracá, em Pernambuco, por cerca de 10 anos. A ficha de José Adeildo Ramos deve ter sido datilografada na década de 1980, embora a data de abertura seja 10 de junho de 1970. Afirmamos isso porque no item “Profissão”, consta “Acadêmico (História e Engenharia Mecânica)”, situação essa quando entrou no curso de Engenharia em 1980 e, em 1981, no curso de História, ambos na Universidade Federal da Paraíba (COSTA, 2008). Essa ficha apresenta as seguintes informações no “Histórico”: Elemento subversivo procurado nesta área conforme INFO N. 183-E/2 do 1º.Gpt E Cnst10 de 07-06-71. Procurado pelo CODI I Ex conforme INFO Nº. 177-E/2 do 1º Gpt E Cnst de 10-06-70. Conforme INFO Nº. 046E/2 de 06-03-81 do 1º Gpt E Cnst, o nominado foi eleito Presidente da nova diretoria do PMDB Jovem, em eleição realizada na sede do CDDH/AEP11, de acordo com notícia publicada no jornal “O Norte”. Publica ainda o jornal que o novo presidente é estudante de História e Engenharia Mecânica; ex-preso político pas8 Atualmente é professor aposentado, do curso de História, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - UERN. 9 Atualmente é ativista da cultura popular, com assessorias a grupos e gestores públicos nessa área. 10

1º Gpt E Cnst - 1º Grupamento de Engenharia e Construção, localizado em João Pessoa-PB.

11

CDDH/AEP – Centro de Defesa de Direitos Humanos da Arquidiocese do Estado da Paraíba.

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sou 10 anos em prisões de Itamaracá e Rio de Janeiro, ex-marinheiro expulso da Marinha por não ter concordado com golpe militar de 1964, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional; também acusado de tentativa de organizar partido político na clandestinidade. Fugiu em 1969 da penitenciária Lemos de Brito, no Rio de Janeiro e ao ser capturado foi torturado.

Nestas informações merecem destaque o papel do 1º Grupamento de Engenharia e Construção e dos jornais locais, neste caso “O Norte”, para o serviço de informação, subsidiando a DOPs-Pb; e o registro incomum nos documentos oficiais – a ocorrência da tortura de um preso, após ser capturado de uma fuga. A ficha de José Emilson Ribeiro da silva se apresenta com mais informações: além do nome completo, a filiação: Francisco Ribeiro da Silva e Rita Teresa Ribeiro; data de nascimento: 07 de abril de 1934, naturalidade: Serraria-PB; residência: Rua napoleão Crispim, 134 – Cidade dos Funcionários; profissão: Estudante, funcionário do Jornal A União; número do prontuário: 980.1049.1083; autuação: 23-09-68; nacionalidade: Brasileira; com foto colada no verso da ficha. no “Histórico” apresenta as seguintes informações: Antecedentes na 2ª. Sec/1º Gpt E: 1968 Informação – Presidente da extinta UPES12, órgão subsidiário da UBES13, aluno do Colégio Estadual de J/Pessoa14. Responsável por diversos pichamentos na cidade de J/ Pessoa, como membro da AP15; Tomou parte ativa nos 12

UPES – União Paraibana dos Estudantes Secundaristas.

13

UBES - União Brasileira dos Estudantes Secundaristas.

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Uma das denominações do Liceu Paraibano.

15

AP – Ação Popular, que surgiu a partir dos militantes da Ação Católica Brasileira (ACB).

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movimentos estudantis de março/abril com grave perturbação da Ordem Pública, sendo um dos elementos de cúpula daquele movimento; etc. Revisor do Jornal A União. Durante sua gestão houve intervenção na Instituição. INFO N. 024-E/2 do 1º.Gpt E de 11-01-74.

Vale ressaltar que essa ficha apresenta informações apenas da ação inicial de José Emilson Ribeiro da Silva, em João PessoaPB, não fazendo referência a sua trajetória posterior tanto na Paraíba como em outros estados16 . Nesse sentido, os arquivos públicos de Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo contam com acervos de grande volume documental, das antigas DOPS e de outros órgãos similares, com informações até mais completas sobre a Paraíba ou sobre paraibanos. Isso ocorre tanto pela migração de paraibanos para atuação em outros territórios, como pela própria rede de registros montada pelos órgãos de segurança e informação. E, sobretudo, pela preservação desses registros.

3 MEMóRIAs DA REsIsTênCIA À DITADURA nA PARAíbA Para conhecer mais profundamente os acontecimentos do período da Ditadura Militar, as fontes documentais produzidas e acumuladas pelos órgãos de repressão se mostram insuficientes, entre outros fatores pelas limitações já mencionadas. Por isso, a memória das pessoas que participaram da resistência ao regime militar e foram perseguidas, se constitui em fonte de grande relevância. Mais uma vez, se apresenta de forma marcante, a complexidade da produção do conhecimento histórico a partir do coteja16 De algumas pessoas constam mais de uma ficha, mas, se existiam outras fichas em nome de José Emilson Ribeiro da Silva, não foram encontradas.

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mento das informações registradas nos documentos oficiais e as informações registradas na memória dos protagonistas dessa história. O NCDH desenvolve projetos de resgate dessas memórias17, a partir do reconhecimento das limitações dos registros encontrados no arquivo DOPs-Pb, e da pequena produção historiográfica sobre o período da Ditadura na Paraíba. Estudantes secundaristas e universitários, professores, advogados, artistas, sindicalistas passaram a ser convidados para compartilharem suas memórias, diante de um público predominantemente universitário. Com o registro em audiovisual, está sendo possível “arquivar” essas memórias, pois, como afirma Paul Ricoeur, o arquivamento dos testemunhos é fundamental para o trabalho do historiador (2007, p. 170), ampliando as fontes de pesquisa. O Projeto Compartilhando Memórias já realizou 12 sessões e produziu 11 DVDs com o registro das sessões. A riqueza temática é visível, tendo em vista a diversidade de experiências, a exemplo das lutas estudantis, da repressão aos camponeses, da educação alternativa junto à classe trabalhadora, da ação cultural, da vivência em partidos clandestinos, das ações armadas, a vida nas prisões, o exílio. As marcas do tempo e dos sentimentos ficam presentes nos testemunhos, influindo na rememoração dos acontecimentos, ora com informações seguras e precisas, ora com a expressão da dúvida quanto a um local, data ou nome de pessoas pertinentes àquele relato. Apresentamos, a seguir, a listagem nominal18 dos participantes do Compartilhando Memórias, agregados por sua 17 Projetos Acervo e Memória da Repressão na Paraíba e Compartilhando Memórias, desenvolvido pelo NCDH, com apoio da SESU/MEC, Programa de Apoio a Extensão - PROEXT, em 2010 e 2011, e com continuidade em 2014. 18 Todos que participaram desse projeto, atualmente residem no estado da Paraíba, exceto Jomard Muniz de Brito que é professor aposentado da UFPB e reside em Recife-PE.

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atuação principal, ou elemento marcante nas suas vidas. Essa categorização não é exclusiva, pois vários deles atuavam em diversas frentes. Quadro 1 –Testemunhos no Projeto Compartilhando Memórias CATEGORIA NOMES Carlos Antônio Aranha de Macedo (músico e estudante universitário) Flávio Tavares (artista plástico e estudante secundarista) Artistas Jomard Muniz de Brito (poeta e professor universitário) Fernando Teixeira (diretor de teatro). Zezita Matos (atriz, PCB) Camponesa Elizabeth Teixeira (presidente das Ligas Camponesas, em Sapé-PB) Ariosvaldo da Silva Diniz (PCB, PCBR, ALN) Estudantes Fernando Moura (PCB) secundaristas José Emilson Ribeiro da Silva (PCB, PCBR, ALN) Ana Rita Castro de Almeida (Serviço Social) Jader Nunes de Oliveira (Engenharia) Estudantes Maria de Lourdes Meira (Filosofia, JUC, AP, PCB) universitários Rubens Pinto Lyra (Direito) Simão Almeida (Engenharia, PCdoB) Vilma Batista de Almeida (História, JUC) Maria da Soledade Leite (Sindicato Rural) Sindicalistas Samuel Firmino de Oliveira (Operário, bancário, preso em Itamaracá, PCB, PCBR) Agassiz Amorim de Almeida (professor do curso de Direito e advogado das Ligas Camponesas) Docentes Maria Salete Van der Pöel (professora secundarista com atuação na Campanha de Educação Popular - CEPLAR) Elisa Mineiros (professora do curso de Serviço Social) Presos em José Adeildo Ramos (Marinheiro, PCB, PCBR) Itamaracá * José Calistrato Cardoso Filho (PCB, ALN) Anita Leocádia Pereira (filha do líder sindical José Peba Pereira) Familiares Ludmila Gomes da Silva (filha do advogado das Ligas Camponesas de militantes José Gomes da Silva) Waldenice do Nascimento Silva (filha da líder sindical rural Maria da falecidos Penha do Nascimento Silva) * Penitenciária Barreto Campelo, na ilha de Itamaracá, em Pernambuco. Fonte: Relatório do Projeto Compartilhando Memórias. UFPB, 2012.

Destes depoimentos, apresentaremos uma pequena, mas representativa, mostra que trata das trajetórias de José Emilson -275-


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Ribeiro da Silva e de José Adeildo Ramos. O primeiro apresenta elementos interessantes para a compreensão do movimento das duas forças: repressão e resistência, e vice-versa. Ele relata a atuação na diretoria da UPES e a movimentação nas ruas com passeatas, protestos e greves. Em uma das vezes que foi levado para depor, lembra que foram buscá-lo no próprio colégio onde estudava: Contei com a paciência solidária do Diretor Ivan Guerra que me acompanhou na DOPS e no Grupamento de Engenharia, onde fui interrogado mas não sofri tortura alguma, embora outros colegas da UPES que lá foram interrogados o Major Fernandes obrigou a engolir piolas de cigarro acesas. (FERREIRA e FERREIRA, 2012a)

Fazia parte do seu trabalho político, a ação cultural, que se tornou uma marca na sua vida até os dias de hoje: Antes de entrar na clandestinidade, eu participava do trabalho da Cultura Popular com José Nilton, depois professor de Folclore da Universidade. quando eu voltei retomei essas atividades, com a participação de Unhandeijara Lisboa, artista plástico, e Martinho Campos fundamos o Centro Popular de Cultura, para dar visibilidade a cultura popular, ao boi de reis, ciranda, e outras expressões. (FERREIRA e FERREIRA, 2012a)

Diante das perseguições na Paraíba, José Emilson resolveu ir para Recife, dar continuidade à luta em outro ambiente. Fez todo o trajeto à pé, e a partir dos contatos prévios foi abrigado pelos irmãos maristas no que foi denominado depois Palácio Vermelho do Pontal, por um tortura-

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dor do Recife. Fiquei lá escondido e depois ganhei outros rumos. A mesma sorte não teve o colega Eraldo, que ficou em uma casa de freiras, em Apipucos, que foi preso por denúncia de uma freira de outra casa. (FERREIRA e FERREIRA, 2012a)

quando estava na clandestinidade, a sua família sofreu pressões para informar o seu paradeiro: Um irmão foi preso para dar conta onde eu estava, uma irmã minha que era casada com um sargento do exército, por sinal a linha dura, quando foi tirar a carteira de motorista e lá foi presa. Tudo isso são pressões sem levar em conta a vigilância na porta da minha casa, na esquina... (FERREIRA e FERREIRA, 2012a)

Comenta as discussões internas nos movimentos, os rachas, a criação de novos. Ele mesmo teve uma trajetória passando por vários grupos: movimento estudantil, Partido Comunista Brasileiro - PCB, Partido Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR e Aliança Libertadora Nacional - ALN. Sobre as prisões e tortura sofridas, José Emilson relata detalhes: Fui preso em Recife na Estrada dos Remédios (...) por Sérgio Fleury, o famigerado Fleury, (...) onde fui jogado numa Kombi, sem o banco do meio, e em plena rua, fui torturado com choques elétricos, coronhada nos testículos, em cima dos rins, até chegar ao quartel onde passei 30 dias sendo torturado, sem tomar um banho todo cheio de sangue, fezes, urina, o meu cabelo grande que eu usava todo cheio de sangue pedrado, fezes, sangue, fezes, urina... só com uma cueca, pois a roupa me foi arrancada. Fiquei preso por 30 dias no IV Exército e só depois fui levado ao DOPS de Recife,

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quando entrei a fase legal. Foram abertos vários processos contra mim, porque eles desmembravam uma ação com vários processos por ser autor intelectual, por ter providenciado as armas, por ter participado da ação. (...) Fui acusado de ter morto um taxista, e até hoje vocês podem encontrar no TERNUMA19, eles ainda divulgam que eu matei o taxista. No julgamento apresentaram uma testemunha, que era um policial, e me descontrolei e falei alto e disse: essa é uma testemunha de plantão que aparece em todos os processos (...) quem havia matado o taxista foram policias que namoram com a moça que trabalha onde o taxista foi morto. Fui absolvido por unanimidade nesse processo. (FERREIRA e FERREIRA, 2012a)

Entre os fatos marcantes no longo período em que esteve preso em Itamaracá, apresenta as greves de fome e as torturas como “cobaia”: Primeira de greve de fome, a primeira de 5 dias e a última foi de 25 dias. Alguns companheiros a fome afeta de forma maior do que a outros. Tinha companheiro em se manifestava escorbuto e a gengiva estourava, ficava aquele mau-cheiro, outro inchava os joelhos...

(...) Certo dia me levaram para depor, eu e José Calistrato Cardoso Filho, que reside em João Pessoa, José Adeildo Ramos, ex-marinheiro, guerrilheiro, e Claudio de Sousa Ribeiro, ex-da Marinha (não me lembro bem), para servir de cobaia em aula de tortura, nas vésperas da comemoração do aniversário do Golpe, presenciada pelo ministro da aeronáutica, da época. (FERREIRA e FERREIRA, 2012a)

19 Grupo Terrorismo Nunca Mais, criado em 1998, no Rio de Janeiro em contraposição ao Grupo Tortura Nunca Mais - <http://www.ternuma.com.br/>

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quanto a José Adeildo Ramos, paraibano nascido em Prata, à época distrito de Monteiro, cuja ficha na DOPs-Pb já apresentamos, era marinheiro no Rio de Janeiro em 1964, e participou da sublevação liderada pelo cabo Anselmo20 em favor de João Goulart. Nesse movimento, foi alvejado com um tiro no pé, ficando preso no hospital navalpor dois meses. Quando saiu do hospital, foi expulso da Marinha e processado por aliciamento à indisciplina e ao amotinamento. Ficou no presídio naval e depois foi transferido para a penitenciária Lemos de Brito, no Rio de Janeiro. Fiquei preso lá. Dois anos de prisão. Aquilo pra mim foi... Olha, um dos piores momentos da minha vida. Dois anos, eu imaginava “pelo amor de Deus, quando é que eu vou sair”. E mandaram a gente pra lá, oito ex-marinheiros, (...) no meio dos presos comuns. Nos jogaram junto deles, dos piores marginais do Rio de Janeiro. (...) Não tinha nada contra eles, mas... Eram marginais. E foi um período muito difícil. Muito difícil. Mas aí foram chegando os outros, e foi aumentando o número, e aí eles temiam também, e a gente também começou a fazer uma política de ganhá-los, de mostrar pra eles a situação nossa, e a deles também. (...) Então só existia uma saída pra eles se engajando no movimento revolucionário junto com a gente. E a gente foi ganhando as pessoas, foi ganhando. (FERREIRA e FERREIRA, 2012b)

20 José Adeildo Ramos faz o seguinte comentário sobre o cabo Anselmo: “É uma figura polêmica, tanto que eu não quero entrar muito nesse particular aí do cabo Anselmo. Uns dizem que ele já era espião a serviço do CENIMAR, que era o serviço de inteligência da Marinha, outros dizem que não. Eu estive no Rio do Janeiro, recentemente, e encontrei com vários marinheiros que foram diretores da associação, e eles alegam que não, que Anselmo tornou-se realmente um traidor, mas isso aconteceu depois”. (FERREIRA e FERREIRA, 2012b)

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Esse período na penitenciária Lemos de Brito marca a aproximação entre os presos políticos e os presos comuns, com grande presença de sargentos da Marinha e da Aeronáutica, resultando na formação do Movimento Armado Revolucionário, o MAR. José Adeildo relata a fuga da cadeia, embora não entre em detalhes do processo: E aí eu, condenado a dois anos de prisão, eles condenados a mais, seis, sete, oito anos. Eles disseram “companheiros, vocês estão aqui pensando que vão sair daqui por fim de pena? Podem tirar o cavalinho da chuva, não sai ninguém não.” Eu estava terminando minha pena, faltavam mais seis meses pra eu terminar, aí nesse período o STM, o Superior Tribunal Militar, revisou minha pena de dois pra cinco.Isso já estava em 68. Em 1968, uma agitação muito grande, principalmente da estudantada, a revolução está aí e a gente precisava sair. Eu comecei a trabalhar no setor jurídico, e a partir daí... Organizamos a fuga, fugimos pela porta da cadeia... Fugimos e fomos diretamente para um sítio que o movimento que a gente tinha criado já tinha comprado, e a gente foi para lá para treinar para fazer guerrilha rural. (FERREIRA e FERREIRA, 2012b)

Ele informa que nessa ocasião ficaram apenas no treinamento na Serra do Mar, não chegando a agir, pois foram descobertos e, no enfrentamento com a repressão, a tentativa de uma guerrilha rural foi desarticulada. O depoimento apresenta a sua trajetória em vários Estados: No Rio de Janeiro, a nossa organização terminou entrando pra outra, e se fundindo com o PCBR, e aí eu passei a militar no PCBR. Pouco tempo depois, o PCBR começou também a ser destruído. O partido me tirou do Rio de Janeiro, me mandou pra Bahia. Eu passei um

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ano na Bahia, depois houve quedas na Bahia, eles resolveram me tirar de lá e me mandaram para o Ceará. Passei um ano no Ceará, até que a Polícia Federal me detectou em Fortaleza, e houve um tiroteio lá entre o grupo que eu estava e a Polícia Federal. Eu tive que sair de Fortaleza, vim pra Recife, me mandaram para Caruaru, morei um ano em Caruaru, e de Caruaru fui pra um encontro da organização em Vitória de Santo Antão. Só que um colega nosso tinha sido preso e barbaramente torturado, não suportou, abriu o local da reunião, que era em Vitória de Santo Antão. Aí eu fui pra reunião, entrei no local, quando sentei, a cidade de Vitória praticamente já estava dentro da ratoeira. (FERREIRA e FERREIRA, 2012b)

José Adeildo comenta os primeiros momentos na prisão, com torturas, e depois o cotidiano nos anos seguintes: Então, fui preso em Vitória de Santo Antão, passei um mês sob tortura, quando eu digo sob tortura não era tortura só não, levava tortura, pau de arara, choque elétrico, afogamento, aquele negócio. Voltava pra cela, trazia outro, botava pra ser torturado. O cara abria alguma coisa que eu sabia, mas não falava, vai buscar lá, me colocavam na tortura de novo. Então, um mês desse jeito. Passada essa fase, me mandaram pra penitenciária Barreto Campelo, na ilha de Itamaracá. (...) Lá, nós tivemos que, pra manter a nossa dignidade, tivemos que lutar dentro da penitenciária. A luta não terminou não, dentro da prisão. Porque os diretores, a maioria dos diretores eram sempre oficiais da Polícia Militar, e tinha uns que parece que tinham um prazer, um prazer mórbido de torturar, de perseguir. Por que nós éramos os melhores presos que poderiam existir. Não existia problema de tóxicos, nem de homossexu-

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alismo, nem de briga. Nós éramos os melhores presos, não dávamos trabalho a eles, até a comida, eles não precisavam fazer. Nós trabalhávamos, produzíamos artesanato. (...) Nós trabalhávamos, eles não tinham com o que se preocupar. Limpeza, tudo, éramos nós que fazíamos. Acho que qualquer diretor sonharia em ter um presídio igual àquele, como o nosso setor dos presos políticos lá. (FERREIRA e FERREIRA, 2012b)

Vale destacar o relato das greves de fome que os presos políticos de Itamaracá realizaram e suas motivações 1ª. greve: Mas tinha um diretor, um tal de major Siqueira, que o cara era fascista, e ele gostava de perseguir. Acho que era um prazer, uma certa doença. Chegou um momento que eles proibiram a gente de ter livros lá. Não podia ler. A questão da leitura pra nós era essencial como comer. E eles sabiam disso. Aí tirou os jornais, os livros, e a gente fez greve de fome. Greve de fome. Só voltamos a comer depois que devolveram os nossos livros. Essa primeira greve durou uns cinco dias ou seis. E aí devolveram os livros da gente. 2ª. greve: Aí teve uma vez o seguinte: um guarda, um torturador, torturava os presos comuns. A gente não, eles não tinham coragem. Mas os presos comuns, era direto. E eles torturavam assim, numa salinha vizinha às nossas celas. Eles faziam, eu acho que era de propósito. Traziam o preso, massacravam, desciam o cacete. O cara algemado, e cinco ou seis guardas com o braço deste tamanho, cada um com um chicote, um chicote de cavalo, batendo no cara. Eu não sei como é que existe ser humano que gosta de fazer isso. Sinceramente. Aquilo pra gente era um horror. (...) Aí a gente tinha combi-

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nado que ninguém come. Cela fechada, ninguém come. (...) O resultado: doze dias de greve de fome. Eles queriam testar a gente, ver se a gente aguentava mesmo. Doze dias... 3ª. greve: Depois, dois companheiros botaram separados numa cela, por que alegaram que eles tinham a pena alta, botaram separados. Poxa, o cara é condenado a ficar o resto da vida, a pena que eles impuseram foi isso. Dois caras trancados numa cela! Aí greve de fome. Resultado: vinte e oito dias de greve de fome. Os primeiros dias são os piores, depois a gente até que se acostuma. Depois do décimo dia que a gente vai definhando, perde todo dia meio quilo. No vigésimo oitavo dia, olhe, a situação é extremamente difícil. E eles faziam tudo pra nos torturar de outra forma, botando comida... A comida que eles botavam pra gente era a pior possível. Mas quando a gente estava em greve de fome, botavam a bandeja com galeto assado, cheirando... (FERREIRA e FERREIRA, 2012b)

A estratégia de greve de fome foi também utilizada por presos políticos em outros presídios. Em 1979 ocorreu uma greve de fome, articulada nacionalmente, em reforço ao movimento pela anistia e em apoio aos embates no Congresso para a aprovação do projeto de Lei de Anistia. A greve terminou quando a lei aprovada, em 28 de agosto de 1979, considerada como uma vitória política, embora se tendo claro o caráter restritivo, a exemplo do dispositivo: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.” (1979, art.1º, § 2º), impedindo a libertação de vários presos de Itamaracá nessa data.

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4 CONSIDERAÇõES FINAIS A abertura de arquivos dos órgãos de segurança e informação, até recentemente secretos, está proporcionando novas análises sobre as ações da ditadura e da resistência. Contudo, dois aspectos merecem destaque: primeiro, a existência de grandes lacunas documentais resultantes do descaso com a preservação ou da destruição ativa dos documentos; segundo, a especificidade da produção de muitos desses documentos ser realizada sob tortura, e de registros com informações contraditórias. Carlos Fico aborda essas questões nos seguintes termos: Com a liberação dos documentos sigilosos, houve alguma transformação, ainda pouco perceptível, do conhecimento histórico sobre o período. Seguramente, não podemos atribuir a tais papéis o poder de revelar a “verdade”, numa descabida revivescência do fetiche historicista pelo documento. Porém, a sua importância é evidente, e não apenas dos “documentos secretos”, mas igualmente dos papéis administrativos rotineiros, que aos poucos também vão sendo revelados. (2008, p. 76)

Várias iniciativas no sentido de localizar acervos referentes ao período da Ditadura Militar, produzidos pelos agentes de estado e pelas organizações da resistência, estão sendo efetivadas. Tanto organizações da sociedade civil quanto do governo brasileiro estão investindo nessa área, com o trabalho de identificação, organização e disponibilização, especialmente em meios eletrônicos. Contudo, nem todos os acervos dos órgãos de repressão e inteligência foram encontrados, ou os seus detentores procuram retardar o acesso aos documentos. O caso da documentação no

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estado da Paraíba, não é uma exceção à regra. Vários Estados brasileiros também possuem pequenos acervos, tanto da DOPS, como de outros órgãos que faziam parte da rede de inteligência e informações, a exemplo das assessorias de segurança e informação existentes nas universidades e em outros órgãos públicos. Merece destaque a parceria entre o governo brasileiro, por meio da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, e a Fundação Lelio e Lisli Basso, com sede em Roma, Itália, que resultará na digitalização21 do acervo do Tribunal Bertrand Russel II, que promoveu várias sessões, na década de 1970, sobre as ditaduras na América Latina, com destaque para o Brasil. No que tange às fontes testemunhais, também vale ressaltar as ações de registro, quer sejam por meio de documentários, entrevistas, audiências públicas ou outras formas, que estão produzindo novas fontes para pesquisas e dando visibilidade às lutas de resistência e enfrentamento à Ditadura Militar por meio da voz dos seus protagonistas. Muitas histórias de vida ainda precisam ter visibilidade, muitas pessoas ainda não romperam o silêncio sobre as suas atividades clandestinas, ou não conseguem verbalizar os sofrimentos e angústias daquela época. A vida intensa sob pressão, com medo, e o desafio cotidiano para atuar na luta política e não ser preso, não são apenas lembranças de um tempo distante pois deixaram marcas que estão bem presentes nos dias de hoje. Nos depoimentos, o exercício de rememoração é doloroso. São poucos os casos em que a pessoa olha para o passado e só apresenta lembranças do pitoresco, das alegrias que também vivenciou com os companheiros de luta. Assim, as iniciativas em curso precisam de continuidade, contribuindo para que a sociedade brasileira não esqueça o que foi a experiência de um estado autoritário. 21 O Memorial da Anistia, em construção em Belo Horizonte-MG, receberá todo o acervo do TBR II, digitalizado.

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REFERÊNCIAS BRASIL.Lei n. 6.683, de 28 de agosto de 1979. Concede anistia e dá outras providências ______. decreto n. 5.301, de 9 dedezembrode2004. Regulamenta o disposto na Medida Provisóriano228, de9dedezembrode2004,quedispõesobrearessalvaprevista na parte final do disposto no inciso xxxIII do art. 5o da Constituição, e dá outras providências. <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 10 jul. 2007. ______. programa nacional de direitos Humanos - PNDH 3. Brasília: SEDH, 2010. ______. lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. COSTA, Geraldo Adjailson de Lima. em defesa da liberdade: A história de vida de José Adeildo Ramos. João Pessoa: Editora da UFPB, 2008. FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra. relatório do projeto Compartilhando Memórias. João Pessoa: UFPB, 2012. ______ e FERREIRA, Carmélio Reynaldo (Orgs.) Compartilhando Memórias. Repressão e Resistência na Paraíba. Vol. 2 – Simão almeida e José emilson ribeiro. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012a.

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______. Compartilhando Memórias. Repressão e Resistência na Paraíba. Vol. 4 - José adeildo ramos e Samuel Firmino de oliveira. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012b. FICO, Carlos. A Ditadura Documentada. Acervos desclassificados do regime militar brasileiro. In: acervo. Rio de Janeiro, v. n. 2, jul./ dez.2008, p. 67-78. ______. História do Tempo Presente, eventos traumáticos e documentos sensíveis o caso brasileiro. varia Historia, Belo Horizonte, vol. 28, nº 47, p.43-59, jan/jun 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/vh/v28n47/03.pdf> LE GOFF, Jacques. História e Memória. 3 ed. São Paulo: UNICAMP, 1994. PARAíbA. lei nº 4.216, de 17 de dezembro de 1980. Dispõe sobre a estrutura organizacional básica da Secretaria de Segurança Pública e dá outras providências. ______. decreto n. 15.237, de 27 de abril de 1993. Transfere para o controle direto do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão o Acervo Documental da extinta Delegacia de Ordem Política e Social, e dá outras providências. ______. decreto nº 31.816, de 29 de novembro de 2010.Dispõe sobre o acesso aos documentos produzidos e acumulados por órgãos de inteligência e informação, especificamente aqueles relacionados ao período do regime militar no Brasil, no âmbito do Estado da Paraíbae dá outras providências. RICOEUR, Paul. a memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.

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SILVA, Marcília Gama da. informação, repressão e Memória: A construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). Tese de Doutorado, Programa de PósGraduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2007.

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MeMória, deMoCraCia e aCeSSo a inForMaÇÃo Éder Dantas1

1 INTRODUÇãO No ano em que o Brasil vive o cinquentenário do golpe civil-militar de 1964, reuniões de todo tipo, audiências públicas, debates e outros espaços públicos se tornam reveladores do drama em que nosso país emergiu a partir de uma rebelião orquestrada nos bastidores das Forças Armadas, articuladas com segmentos políticos conservadores, elites empresariais e agrárias e que contou com o suporte efetivo da embaixada dos Estados Unidos e demais órgãos de segurança daquele país. O governo de viés desenvolvimentista e trabalhista encabeçada por João Goulart, agropecuarista gaúcho, foi apeado do poder não por seus defeitos e sim, por suas virtudes. Um fato significativo disso é o conhecido episódio em que o então Marechal Castelo Branco acompanhou o presidente Jango numa visita a um dos projetos de alfabetização desenvolvidos pelo professor Paulo Freire (num país de alto índice de analfabetismo), voltado a trabalhadores rurais, na qual questionado por este sobre o que achara do projeto, o militar vaticinou de pronto: “o senhor é um homem perigosíssimo”. Alfabetizar trabalhadores rurais com um método voltado ao conhecimento da realidade e a construção da cidadania era uma ação vista como perigosa por parte de membros de uma elite forjada na superexploração da mão-de-obra camponesa e que, ao longo de séculos, negou direitos básicos como o direito à educação ao povo. Do mesmo jeito temas como a reforma agrária, controle 1 Historiador, mestre em ciências sociais e doutor em educação. Professor do Departamento de Psicopedagogia da UFPB. Secretário Especial da Transparência Pública do município de João Pessoa.

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de evasão de divisas e a reforma universitária, embora já tivessem sido enfrentados pelos países do capitalismo mais avançado, eram vistos como temas perigosos aos grupos que viviam no topo da pirâmide social. Vinte e poucos anos de censura, tortura, castração das liberdades conseguiram atrasar, mas não barrar o processo histórico. Eis que cinquenta anos depois o país fora governado por um membro das “classes infames” (usando as palavras do historiador Décio Freitas), o presidente-operário Luiz Inácio Lula da Silva, que foi sucedida por uma mulher cuja militância política tem origem na luta armada, a economista Dilma Vana Roussef. A defesa do regime militar é feita apenas por um deputado folclórico do Rio de Janeiro. Diferente do “totalitarismo” a que o país seria submetido diante da ameaça do “comunista” Jango e sua “república sindicalista”, é exatamente neste cinquentenário em que que o Brasil vive seu mais longo e sólido momento de democracia. Claro que a democracia não é um regime perfeito e muito há por se fazer para aperfeiçoá-la. Todavia, tirando alguns saudosistas, a ampla maioria dos brasileiros aprova (como aprovava em 1964) a democracia e rejeita o golpismo. Dentre os avanços da democracia nos últimos anos em nosso país podemos destacar a liberdade ampla de expressão, a sólida legislação que se expande no país no tocante à garantia do acesso à informação pública e, mais especificamente, as ações de resgate da memória através de ações como a formação das Comissões da Verdade, nacional, estaduais e que começam a ser implantadas nos municípios, que visam investigar violações de direitos humanos ocorridas entre 1954 e 1988, por agentes do estado. neste texto pretendemos promover uma reflexão sobre as políticas de acesso a Informação pública, arquivos públicos, -290-


Sessão 2: Acesso à Informação, Direitos Humanos e Cidadania

memória e democracia no brasil recente e, mais especificamente, identificar o estado da arte na cidade de João Pessoa, que tem avançado na construção deste caminho. Aqui vamos resgatar um pouco o processo de abertura dos arquivos da ditadura e a instalação da Comissão Nacional da Verdade, da Comissão Estadual da Verdade e da Comissão Municipal da Verdade em João Pessoa. Pretendemos refletir sobre a luta entre dois modos de ver a temática do acesso a informação: a cultura do sigilo no âmbito da administração pública resistindo à cultura do acesso, no contexto de uma cultura política oligárquica e patrimonialista, fortemente presente na região Nordeste. A Lei de Acesso a Informação (12.527/2011) e a política nacional de dados abertos tem contribuído e muito para colocar o Brasil como um dos países de vanguarda na temática atualmente. Da mesma forma, a cidade de João Pessoa tem avançado na construção de uma política municipal de acesso a informação, especialmente a partir de 2013, cujos pontos chaves são a Lei Municipal 12.645/2013, resultado de uma consulta pública, votada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito Luciano Cartaxo e a Política Municipal de Arquivos Públicos e Privados, em construção a partir de um seminário realizado com a presença de profissionais e da academia e de intenso debate no Conselho Municipal de Transparência Pública e Combate a Corrupção. neste momento de reflexão sobre os cinquenta anos do golpe, cabe resgatar a história, homenagear aqueles que lutaram pela liberdade e construir caminhos que apontem para a transparência pública, a participação cidadã e o fortalecimento da democracia em nosso país, uma democracia que não seja só da elite mas que reconheça o legítimo direito do povo em participar.

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2 A ABERTURA DOS ARqUIVOS DA DITADURA E AS COMISSõES DA VERDADE A luta pela abertura dos arquivos dos regimes militares foi uma bandeira significativa, desde os anos 1980, dos movimentos pela redemocratização de países como Argentina, Chile e Brasil que viveram longo período de regime fechado. Entidades científicas como a Associação nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH, movimentos de familiares de desaparecidos políticos, intelectuais e políticos perseguidos vaticinaram pela abertura dos arquivos no sentido de revelar os crimes realizados pela “redentora” contra ativistas políticos e sociais, bem como cidadãos comuns, acusados de “subversivos”. Embora boa parte dos documentos históricos do período militar tenha sido destruída, a investigação do período faz parte de uma disputa em torno da memória. A história oficial procura expressar o regime militar como um período de ordem e prosperidade. Esta ordem teria sido garantida por um governo forte que, tirando o Brasil de um estado de “desordem” (atribuído ao período do governo Jango, de muitas lutas sociais), teria agido contra “terroristas” e outros criminosos à serviço do “comunismo internacional” e que teriam querido implantar uma ditadura no país. O jornal Folha de São Paulo, aliado envergonhado dos governos militares, chegou a adjetivar a ditadura brasileira de uma ditadura “branda”, caracterizada por uma repressão seletiva, diferente da barbárie cometida por militares argentinos e chilenos, por exemplo. As investigações em torno da “Operação Condor” (articulando os regimes militares em ações comuns como atentados e assassinatos) desmentiram a versão da chamada “ditabranda” na medida em que os militares brasileiros cooperaram efetivamente com as demais ditaduras. Na medida -292-


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em que o acesso a documentos avança, a ideia de que a prática de tortura foi uma “exceção” no regime, feita por milicos “barrapesada”, perde força. Foi, na verdade, uma ação sistêmica, ampla e de conhecimento das altas autoridades das Forças Armadas, com apoio na sociedade civil, inclusive no grande empresariado do nosso país. O tema do resgate da memória dos perseguidos e desaparecidos políticos foi, durante muito tempo solapado por dois caminhos plantados pelos militares: A Lei da Anistia (1979), que buscava esvaziar as campanhas pelas anistias das vítima do regime e a destruição de documentos. A abertura dos arquivos dos Departamentos de Ordem Política e Social – DOPS, a partir dos anos 1990, em diversos estados do país representou um dos primeiros grandes momentos de acesso aos arquivos da ditadura militar. No ano de 1996 foi instalada a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, instituída pela Lei n. 9.140/95. O projeto apresentado pelo governo foi considerado tímido pelas famílias dos desaparecidos e outros segmentos e segundo seus críticos possuía um caráter meramente indenizatório. As investigações encontraram inicialmente muita resistência dos segmentos militares. A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012, pela presidenta Dilma Rousseff. A CNV tinha por objetivos apurar graves violações aos Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1964 e 5 de outubro de 1988. Seu foco principal era apurar casos de desaparecidos políticos. Foram mais de 150 casos de opositores do regime militar que desapareceram após serem presos ou sequestrados por agentes do Estado. Não há registro da prisão destas pessoas em nenhum tribunal ou presídio. Os -293-


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seus advogados não foram notificados e seus familiares até hoje procuram esclarecimentos a respeito de onde estão os corpos das vítimas. Em seu balanço, oficialmente publicado a CnV identificou a prisão de cerca de 50 mil pessoas somente no ano de 1964.

3 CULTURA DO SIGILO X CULTURA DO ACESSO: A LEI DE ACEssO A InFORMAçãO – LAI E DADOs AbERTOs A Lei 12.529/2011 foi o marco legal sem o qual não estaria assegurado o amplo acesso aos dados públicos na conjuntura atual. Trata-se de uma legislação específica para regulamentar o direito de acesso a informações públicas previsto na Constituição de 1988 e que demorou bastante para ser colocado em prática. Com o ato, nosso país passou ser o 89º a ter esse tipo de regra no mundo e o 19º na América Latina. O projeto tramitou durante dois anos no Congresso Nacional. Composta de 45 artigos, a Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso à informação pública. Subordinam-se ao regime desta Lei todos os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. As disposições da LAI também se aplicam, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres.

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O texto indica que é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão. Este acesso precisa ser assegurado mediante a criação de serviço de informações ao cidadão, nos órgãos e entidades do poder público, em local com condições apropriadas para atender e orientar o público quanto ao acesso a informações; informar sobre a tramitação de documentos nas suas respectivas unidades e protocolizar documentos e requerimentos de acesso a informações bem como a realização de audiências ou consultas públicas, incentivo à participação popular ou a outras formas de divulgação. De acordo com o artigo 10º da LAI qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos públicos, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida. O requerente não precisa explicar o motivo do pedido e as instituições solicitadas tem prazo legal definido para responder aos questionamentos. As respostas insatisfatórias podem gerar recurso. Algumas informações podem ser consideradas sigilosas desde que enquadrem nos seguintes critérios: ponham em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; prejudiquem ou ponham em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; ponham em risco a vida, a segurança ou a saúde da população; ofereçam elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País; prejudiquem ou causem risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; prejudiquem ou causem risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áre-295-


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as de interesse estratégico nacional; ponham em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou comprometam atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. Os dirigentes de órgãos públicos que se negarem a fornecer informações ao público podem ser punidos na forma da lei. A Lei de Acesso a Informação não se constitui em um movimento isolado, oriundo do Congresso Nacional e do Poder Executivo. Trata-se de uma manifestação de uma tendência internacional desenvolvida desde os primeiros anos do novo milênio, que defende a abertura dos dados governamentais em todos os aspectos. segundo a definição da Open Knowledge Foundation, dados são abertos quando qualquer pessoa pode livremente usá-los, reutilizá -los e redistribuí-los, estando sujeitos a, no máximo, a exigência de creditar a sua autoria e compartilhar pela mesma licença. Isso geralmente é satisfeito pela publicação dos dados em formato aberto e sob uma licença aberta. O princípio dos dados abertos pode ser aplicado à música, filmes, livros, imagens e outros materiais. Trata-se de uma filosofia que demanda a disponibilidade de dados para todos, sem restrições de copyright, patentes ou outros mecanismos de controle. Um caráter similar à lógica adotada em diversas comunidades de software de código aberto - movimentos que precisam estreitar ainda mais as suas relações. O Portal Brasileiro de Dados Abertos do governo federal é a principal expressão oficial deste modelo de transparência dos dados. O Congresso Brasileiro de Software Livre e Governo Eletrônico – CONSEGI é o principal ponto de encontro dos diversos ativistas e movimentos que trabalham experiências de governo aberto, baseado em software não-proprietário. O governo federal tem sido o principal campo de experiência das políticas de transparência e dados abertos no Brasil. Es-296-


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tados e municípios tem apresentado obstáculos maiores para assegurar a ampla divulgação dos dados, embora os avanços sejam consideráveis. Segundo a Controladoria-Geral da União – CGU, 19 dos 26 estados mais o Distrito Federal já haviam regulamentado a LAI até janeiro de 2014, o mesmo acontecendo com 17 das 26 capitais. Isto representa 73% dos Estados, 65% das capitais e o Distrito Federal. Com relação aos municípios, acima de 100 mil habitantes, em apenas 24% (incluindo capitais) foi identificada regulamentação da Lei de Acesso à Informação. A fonte é o Mapa da Transparência.

4 JOãO PEssOA: COnsTRUInDO UMA POLíTICA MUnICIPAL DE ACESSO A INFORMAÇãO O tema da transparência pública tem ganho relevância a cada dia, em virtude da convergência entre dois fenômenos: as novas tecnologias de informação e de comunicação (Tic’s) e os movimentos em torno do conceito de “accountability”, palavra de língua inglesa, que denota a necessidade do poder público em prestar contas daquilo que é feito e daquilo que é gasto com os impostos arrecadados dos cidadãos. Neste contexto, as ouvidorias se multiplicam por órgãos públicos e privados, assim como órgãos de controle e ferramentas de participação social, a exemplo dos conselhos. No município de João Pessoa, a Secretaria da Transparência Pública (SETRANSP) foi criada no ano de 2005, através da Lei nº 10.429, atuando para tornar público as ações realizadas pelo Governo Municipal, estabelecer os fundamentos para o conhecimento, avaliação e discussão, por parte da população, das políticas públicas da Prefeitura de João Pessoa. SETRANSP também age contra a improbidade administrativa e a corrupção no âmbito da administração municipal, promovendo o controle social e a participa-297-


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ção popular nas decisões governamentais. A Setransp é composta por diversos órgãos, a saber: a) o Orçamento Participativo, b) o Portal da Transparência, c) a Controladoria-Geral do Município; d) o Sistema Municipal de Ouvidorias, e) o Serviço de Informações ao Cidadão – SIC e; e) o Conselho Municipal de Transparência Pública e Combate a Corrupção. A Secretaria Executiva do Orçamento Participativo – OP foi criada em 2005, inicialmente como Coordenadoria do Orçamento Democrático, e sua atuação se baseia no conceito de democracia participativa, promovendo o diálogo direto com o poder público municipal, sobre o melhor encaminhamento dos recursos públicos do orçamento. Sua função é empoderar a sociedade e fortalece o poder local, fazendo o compartilhamento de poder entre gestão e população, que participa e fiscaliza as ações do governo, além de ajudar na elaboração e implementação das peças orçamentárias: Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO); Lei Orçamentária Anual( LOA) e Plano Pluarianual (PPA). Ferramentas como o OP Online, o Congresso da Participação Social, o OP Criança e Adolescente e o PPA Participativo – PPAP foram criados em 2013 para ampliar a participação e incorporar demandas de outros segmentos sociais. Em 2014, deverá ser criado também o OP Mulher. As reuniões do Orçamento Participativo incorporam mais de 18 mil participantes em 2013, representando um marco importante de participação cidadã na gestão pública da capital paraibana. O Portal da Transparência de João Pessoa obedece a Lei de Acesso a Informação e disponibiliza, através do sitio <transparencia.joaopessoa.pb.gov.br> informações detalhadas sobre as contas públicas do município e as políticas, ações e publicações do governo municipal. Criado em 2012, teve mais de 20 mil visualizações no primeiro ano. No ano seguinte, já com nova formatação e mais informativo e acessível, saltou para mais de 47 mil visualizações. -298-


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Sua manutenção e atualização é feita pela Diretoria de Gestão e Produção da Informação – DPGI. A Controladoria-Geral do Município tem a missão de zelar pelo controle e pela correta aplicação dos recursos públicos, a Controladoria Geral atua estabelecendo ações preventivas no combate à corrupção e à improbidade administrativa. Este importante órgão de fiscalização contábil, financeira e orçamentária do município acompanha e fiscaliza a execução orçamentária e financeira de todas as secretarias e órgãos da Prefeitura de João Pessoa, e ainda, faz análises e emite pareceres sobre a legalidade dos atos dos administradores municipais. São de sua lavra iniciativas como a Lei Municipal da Ficha-Limpa e a Auditoria Patrimonial dos servidores municipais. A Ouvidoria Geral do Município- OGM está administrativamente vinculada à Setransp e foi transformada em Secretaria Executiva no dia 09 de setembro de 2011 através da Lei nº 12.151 / 2011. É uma ferramenta que atua na interlocução da Prefeitura Municipal de João Pessoa com a sociedade para consolidação de uma gestão participativa destinada ao aperfeiçoamento da cidadania. A OGM oferta aos munícipes a oportunidade de externar suas manifestações de agravo ou endosso à qualidade da prestação dos serviços públicos prestados pelas Unidades da Administração Pública Municipal, direta ou Indireta, de respeito à justiça, à legalidade dos atos praticados pela gestão e a valorização da participação popular no processo. O uso da ferramenta Ouvidoria avançou em 2013. Enquanto nos anos de 2005 a setembro de 2012 cerca de 12 mil pessoas utilizaram seus serviços, apenas no ano de 2013 mais de 7 mil pessoas o fizeram. no ano passado, a ouvidoria implantou o projeto “Ouvidoria Itinerante” indo aos bairros e eventos populares para ouvir os pessoenses. Em 2014, serão implantados novos serviços da ouvidoria na Empresa Municipal de Limpeza Urbana – EMLUR, -299-


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Secretaria da Infra-Estrutura – SEINFRA e Secretaria da Mobilidade Urbana – SEMOB. O Serviço de Informações ao Cidadão – SIC funciona no Portal da Transparência e é um instrumento para o que as pessoas, de acordo com as leis nacional e municipal de acesso a informação, se digiram às autoridades municipais no sentido de buscarem informações sobre dados, políticas e documentos da prefeitura. Pouco usado no ano de 2012 mais que dobrou o acesso ao SIC em 2013. Já no primeiro mês de 2014, os acessos indicam uma curva ascendente na utilização desta ferramenta de acesso aos cidadãos. O Conselho Municipal de Transparência Pública e Combate a Corrupção – CMTPCC é um órgão colegiado de natureza consultiva vinculado à Secretaria da Transparência Pública (SETRANSP) do município de João Pessoa, criado pela Lei 11.259/2007, seu objetivo é formular, debater e sugerir medidas de aperfeiçoamento dos métodos e sistemas de controle e incremento da transparência na administração pública municipal, bem como estratégias de combate à corrupção, à improbidade administrativa e à impunidade. Paritariamente, reúne membros do governo e da sociedade civil. Foi de sua iniciativa em 2013 a abertura dos debates em torno da Lei Municipal dos Arquivos Públicos e Privados. Novas ferramentas de transparência e acesso a informação estão em construção no município de João Pessoa, resultado de amplo debate com a sociedade. A Lei Municipal de Acesso a Informação (já em vigor), a Lei Municipal de Arquivos Públicos e Privados (em elaboração), a política de fortalecimentos dos conselhos municipais, a criação do aplicativo para smartphone “Transparência JP” e o Governo Digital (que está sendo montado) são iniciativas que deverão contribuir muito para melhorar o acesso dos cidadãos aos dados públicos em nossa cidade, rompendo a tradição de um Estado impermeável aos cidadãos.

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5 A LEI MUNICIPAL 12.645/2013 Sancionada pelo prefeito Luciano Cartaxo em 25 de setembro de 2013 a Lei Municipal de Acesso a Informação dispõe sobre a política municipal de transparência e acessibilidade à informação democrática e dá outras providências. A lei é composta por 55 artigos e tem como função regulamentar a Lei 12.527/2011, a Lei de Acesso a Informação – LAI, sancionada pela presidenta Dilma Roussef. A chamada LAI municipal resultou de um amplo debate desenvolvido junto a diversos segmentos da sociedade que passou por uma consulta pública realizada através do Portal da Transparência e de um seminário realizado no Paço Municipal, para o qual foram convidados intelectuais e entidades da sociedade civil. Sua tramitação no parlamento ocorreu sem atropelos, sendo votada por unanimidade.

6 LEI DE ARqUIVOS E COMISSãO MUNICIPAL DA VERDADE O município de João Pessoa avançou do ponto de vista da legislação do acesso a informação, com a LAIM, todavia o nosso município ainda carece de instrumentos que construam uma política de gestão documental e de proteção especial a documentos de arquivos, no sentido de apoiar a administração, o desenvolvimento da cultura e da ciência, bem como preservar elementos de prova e de informação aos cidadãos e cidadãs. Para tanto, a gestão municipal, através do Conselho Municipal de Transparência Pública e Combate a Corrupção, órgão consultivo da prefeitura ligado à Setransp, promoveu no ano de 2013 amplo debate em torno da formulação de uma política municipal de arquivos, que se bifurcou em dois eixos: a construção da Lei Municipal de Arquivos e a institucionalização do arquivo público -301-


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municipal. Considera-se arquivo, para os fins deste debate, os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e instituições privadas. quando falamos em gestão de documentos estamos tratando do conjunto de procedimentos e operações técnicas à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para que ocorra a sua guarda permanente. A gestão documental prevê o controle continuado do ciclo de vida dos documentos arquivisticos, bem como procedimentos ligados ao protocolo, classificação, reprodução e acesso, em qualquer suporte em formato. A gestão e documentos é condição preponderante para garantia do acesso a informação. Documentos organizados e acesso regulamentado a eles são peças-chave da política de transparência. Os debates em torno da Lei Municipal de Arquivos estão em fase conclusiva. Iniciaram-se no primeiro semestre de 2013 com a formação de um Grupo de Trabalho especificamente voltado para este fim, que envolveu servidores municipais ligados à Setransp, à Secretaria da Administrativação – SEAD e ao próprio arquivo municipal e da sociedade civil. Posteriormente, as linhas do projeto foram definidas no I seminário sobre Transparência e Arquivo Público, ocorrido no auditório da Câmara dos Diretores Lojistas de João Pessoa, no mês de outubro. Dele participaram profissionais da arquivologia e estudantes e professores dos cursos de arquivologia da UFPB da UEPB. Mais recentemente, o anteprojeto encontra-se sob análise da sEAD a fim de sua conclusão e envio à Câmara Municipal de João Pessoa, ainda este ano. Dentre as inovações que a lei deverá trazer está a criação de um conselho municipal de Arquivos, que deverá funcionar como um órgão colegiado, vinculado ao Arquivo Municipal, e que terá por finalidade definir a política Municipal de arquivos públicos -302-


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e privados, bem como exercer orientação normativa visando à gestão documental e à proteção especial aos documentos de arquivo. Além da criação deste conselho, está se propondo a criação de um Sistema Municipal de Arquivo. Este tem por finalidade implementar a política municipal de arquivos públicos e privados, visando à gestão, à preservação e ao acesso aos documentos de arquivo. Também será constituída pela Secretaria de Administração Municipal – SEAD uma comissão permanente de avaliação de documentos. Esta terá a responsabilidade de orientar e realizar o processo de análise, avaliação e seleção da documentação produzida e acumulada no seu âmbito de atuação, tendo em vista a identificação dos documentos para sua guarda permanente ou sua possível eliminação. Juntamente com a Lei Municipal de Arquivos, compõe o escopo legal da abertura dos arquivos em João Pessoa a Legislação estadual que criou a Comissão Estadual da Verdade, através do Decreto 33.426/2012, do governo do estado, que a criou. O decreto é composto por 14 artigos e tem estabelece para o nível estadual as mesmas finalidades da comissão nacional. A Lei ordinária n. 12.633 de 12 de agosto de 2013 instituiu a Comissão Municipal na Verdade no âmbito do município de João Pessoa, projeto de autoria do vereador Eduardo Fuba, do PT. Aprovada na Câmara Municipal, a lei foi sancionada pelo prefeito Luciano Cartaxo e é constituída de onze artigos. A Comissão tem por finalidade acompanhar a Comissão nacional e Estadual da Verdade nos exames e esclarecimentos das graves violações de direitos humanos praticadas durante o regime militar. A Comissão tem prazo de funcionamento de dois anos para a conclusão de seus trabalhos, contados a partir de sua instalação e deverá apresentadas, ao final, relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as -303-


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conclusões e recomendações. Será integrada por cinco membros, designados pelo município de João Pessoa, sendo considerado serviço público relevante. Para a execução dos objetivos previstos na sua criação, a Comissão Municipal da Verdade poderá receber testemunhos, informações, dados e documentos; requisitar informações dados e documentos de órgãos e entidades do poder público; convocar pessoas que possam guardar relação com os fatos e circunstâncias examinados bem como determinar a realização e perícias e diligências para coleta ou recuperação de informações; promover audiências públicas. quando este texto estava sendo escrito, o governo municipal estava em processo de indicação dos nomes para composição da comissão.

7 CONCLUSõES A luta pela democracia em nosso país prossegue, anos após o fim do regime militar, tendo um de seus caminhos a ampliação do acesso à informação pública e a democracia informacional na perspectiva de permitir às pessoas terem acesso ao passado e ao presente. Embora nosso país tenha sido um dos últimos na América Latina a criar uma legislação de acesso a informação e de resgate da memória dos “anos de chumbo”, temos avançando substancialmente. Na esfera federal já podemos falar com clareza da acessibilidade aos dados públicos, especialmente no poder executivo. Instituições como o Senado e a Câmara também vão pelo mesmo caminho, assim como o poder judiciário. As Forças Armadas seguem sendo um espaço institucional ainda avesso à democratização dos dados oficiais. Nos estados e municípios ainda há muito o que fazer, embora a legislação de acesso a informação pública avance. Na práti-304-


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ca, todavia, permanece a cultura do sigilo. A maioria dos gestores e servidores públicos ainda persistem na visão de que os dados oficiais devem ser escondidos ou, não sendo possível, devem ter sua divulgação retardada. De todo modo, está claro que não poderíamos falar de democracia de verdade com os resquícios da ditadura e do estado patrimonial. Entendemos que o processo de se tornar o Estado brasileiro mais permeável à população passa pela transparência. sem a informação, os cidadãos e as cidadãs dificilmente poderão exercer sua cidadania ativa. A luta pela abertura dos arquivos da ditadura faz parte da luta pelo acesso a informação. Esta, por sua vez, não pode se restringir apenas a alguns segmentos da sociedade que possuem função fiscalizadora. Esta é uma luta que deve ser abraçada por todos os segmentos da sociedade. REFERÊNCIAS Brasil. dados abertos para a democracia na era digital. Brasília, Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. Brasil. lei n. 9.140/95. Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências. Disponível em >http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9140. htm>. Brasil. lei 12.527 de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de

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janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em <http:// transparencia.joaopessoa.pb.gov.br/?page_id=505> Brasil. lei 12.528/2011 de 18 de novembro de 2011. Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. Disponível em <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm>. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. direito à verdade e à memória: Comissão especial sobre Mortos e desaparecidos políticos / Comissão especial sobre Mortos e desaparecidos políticos - Brasília : Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. Controladoria-Geral da União – CGU. Mapa da transparência. Disponível em <http://www.cgu.gov.br/PrevencaodaCorrupcao/ BrasilTransparente/MapaTransparencia/index.asp>. FERREIRA. Lúcia de Fátima Guerra. reflexões sobre os registros da repressão: o arquivo dopS-pb. XXVII Simpósio Nacional de História – Conhecimento Histórico e Diálogo Social. Natal\ RN, 2013. Disponível em <http://snh2013.anpuh.org/resources/ anais/27/1364756101_ARqUIVO_Simposio2013_LuciaGuerra_ ST016.pdf>. João Pessoa. Lei Ordinária Nº 12645 de 25 de setembro de 2013. Dispõe sobre a política Municipal de Transparência e Acessibilidade à Informação Democrática e dá outras providências. Didponível em <http://transparencia.joaopessoa. pb.gov.br/?page_id=510> João Pessoa. lei ordinária n. 12633 de 12 de agosto de 2013. Institui a Comissão Municipal da Verdade no Município de João Pessoa.

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NUNES, Paulo Giovani A. repressão e legitimação de parte da sociedade civil no imediato pós-golpe civil-militar no estado da paraíba. XXVII Simpósio Nacional de História – Conhecimento Histórico e Diálogo Social. Natal\RN, 2013. Disponível em <http:// snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364352433_ARqUIVO_ Anpuh-EncontroNacional-2013.pdf>. Open Knowledge Foundation. Open Definition. Disponível em <http://opendefinition.org/> PARAíbA. decreto 33423 de 31 de outubro de 2012. Cria a Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da Paraíba. Disponível em <http://www.cev.pb.gov.br/index. php/2013-05-09-20-44-22>.

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arquivo e deMoCraCia inForMaCional Josemar Henrique de Melo1 A democracia não significa apenas eleger os nossos representantes ela implica uma série de direitos e deveres, tanto por parte dos governantes como dos governados. Entre estes direitos encontra-se o de ser informado ou permitir o acesso a informação produzida pelo Estado. Neste sentido a relação entre direitos sociais e informação é essencial pois, “Compreende-se assim que “informação” não é somente “o ato de informar” como diz o vocabulário, mas em geral é parte essencial do processo de formação de conhecimentos, de opiniões e, portanto, da própria personalidade do indivíduo: a parte que age mediante a interação do sujeito com o mundo externo. A falta de informação bloqueia o desenvolvimento da personalidade, tornando-a asfixiada”. (FERRARI apud INDOLFO, 2013, p. 6)

Percebemos no caminhar da história que a posse das informações administrativas sempre foi dos reis e governantes de plantão, pois todos os registros documentais do aparelho estatal tinham um caráter privado, fato que se repete nos Estados ditatorias. O marco fundamental da transformação para o acesso às informações foi a Revolução Francesa2, não só pela Declaração dos Direitos do homem em que converte os servos em cidadãos, 1 Professor Doutor do Curso de Bacharelado em Arquivologia da Universidade Estadual da Paraíba 2 Mesmo que a legislação da suécia de 1766 seja definida o marco legal do acesso à informação, a Revolução Francesa pode ser considerada um marco histórico, pois disseminou em outros países a formação de arquivos nacionais e o acesso aos documentos administrativos públicos.

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aureolando-os com direitos civis, mas principalmente com a criação do Arquivo Nacional Francês e o acesso público aos documentos do Estado. Desta forma, sendo o Estado produtor e fonte de informação, cabe aos sujeitos sociais, exercendo seus direitos, requisitar que estes registros sejam tornados públicos para uma coerente e completa noção de democracia, pois como ressalta Araújo (1998, p. 15) “... a construção da cidadania ou das práticas de cidadania passa necessariamente pela questão do uso/acesso de informação.” Portanto, a luta pela democracia passa também pelo direito à informação. Cabe à administração pública permitir aos cidadãos o livre acesso aos registros estatais, num processo de transparência pública como premissa básica para conhecer os atos do Estado, pressuposto este que é uma metáfora da luta do Iluminismo contra o Estado Absolutista. Neste sentido, encontramos em Kant o princípio do poder aberto ao público, trazendo a publicidade como qualidade do que é tornado público: “o cidadão deve saber ou pelo menos deve ser colocado em condição de saber, com base no direito à informação, a fim de participar direta ou indiretamente do processo de tomada de decisões coletivas”. (LAFFER, 2004, p. 36). Em contraposição a transparência e ao direito à informação estava o segredo3 e as práticas políticas, impedindo o acesso pleno a ‘coisa pública’, criando “ (...) uma realidade escondida e outra aparente. Tendo acesso apenas a esta última a sociedade é mantida na ignorância de processos decisórios que lhe dizem respeito”.

3 Fica evidente uma contradição necessária entre política de acesso e a cultura de segredo, pois sob certas características é legítimo a sua utilização em determinadas matérias (segurança da sociedade e do Estado, programas econômicos, assuntos diplomáticos e o respeito à vida privada) não havendo uma total presunção negativa. Porém, o segredo deve ser entendido como exceção principalmente na administração e não como mecanismo de dominação.

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(ALMINO, 1986, p. 106), assegurando a impossibilidade de controle do poder pelos espaços não aberto ao público. Os marcos legais no Brasil que falam sobre os arquivos e a política de acesso vão variar entre um completo descaso, pontuando apenas defesa do chamado documento histórico, ao momento atual onde o direito à informação está garantido não só na Constituição Federal que estabelece no seu art. 5º “é assegurado o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. (...) todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou social que serão prestados no prazo da lei.” Também no artigo 216 parágrafo 2º “Cabem à administração na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear a sua consulta a quantos dela necessitem.” A Constituição viabilizou a entrada de uma verdadeira política de arquivos no Brasil que veio com a Lei de Arquivo 8.159 de 8 de janeiro de 1991 dispõe sobre a política nacional de arquivos público e privados. Nela estava previsto o acesso aos documentos de arquivo e, mais atualmente a Lei 12. 527 de 18 de novembro de 2011 que veio priorizar o acesso à informação como paradigma principal da administração pública, criando uma cultura de acesso, sendo o sigilo a exceção. Mesmo sendo recente os marcos legais sobre o acesso às informações no Brasil, eles vêm consolidar as práticas de controle social e a participação cidadã nos processos decisórios do Estado e seus representantes. Porém, o acesso às informações produzidas pelo Estado está comprometido, a partir do momento em que os arquivos públicos, principais agente de organização e disponibilização dos documentos estão relegados a serem sujeitos secundários nesta relação. -310-


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No processo histórico brasileiro o crescimento desordenado da massa documental, aliado ao desconhecimento das atividades do arquivo e do profissional arquivista gerou um legado com altos tributos: massas documentais sem organização, perda de documentos, descontrole e aumento da burocracia, onerando, por conseguinte, os cofres públicos e o próprio cidadão. Como centros privilegiados das informações produzidas pelo Estado os arquivos públicos estão historicamente em situações, que em alguns casos podem ser considerados desastrosos, sem incentivo financeiros, sem espaços físicos que garantam segurança aos documentos, sem profissionais que possam dar o devido tratamento e acesso. Enfim sem condições mínimas de sobrevivência. Em outros casos inexistem. Boa parte dos municípios brasileiros não tem arquivos públicos municipais e toda a documentação está em depósitos insalubres. Histórico, o descaso ou negligência oficial para com os arquivos pode ser notado também a partir dos relatórios de visitas que arquivistas estrangeiros fizeram ao brasil desde a década de 1960 quando foram pontuados os seguintes problemas: posição inadequada do Arquivo Nacional na estrutura do governo central (fato que acontece em quase todos os arquivos com raras exceções), situação física das instalações, falta de planos ordenados de avaliação, formação de um quadro de funcionários, falta de recolhimento nos arquivos das instituições para o arquivo público, falta de espaço para receber novas aquisições (LOPES, 2009). Ohira (s/d,) também fez um levantamento da situação dos arquivos brasileiros a partir dos diagnósticos realizados para diversas pesquisas no Brasil e pontuou as seguintes questões: a falta de políticas de gestão documental, documentos acumulados e sem identificação, boa parte dos arquivos não tem orçamento próprio, falta de climatização adequada e programas de conservação e preservação para os acervos, distanciamento -311-


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das tecnologias de informação. Hoje o quadro teve pequenas alterações, principalmente com o aumento da formação de arquivistas e sua atuação. Lopes (2009, p. 67) acrescenta ainda que pouca coisa evoluiu desde a publicação do relatório de visita: “verifica-se que vários problemas apontados (...) permanecem vivos ou resolvidos de modo parcial ou fragmentário”. O diagnóstico feito por Sousa (1995, p. 3) discorre sobre os arquivos correntes da administração federal e ressalta que: “As experiências brasileiras de tratamento dos arquivos localizados nos postos de trabalho são muito pequenas e se sustentam em práticas estabelecidas, mas em atuações individuais de alguns profissionais. (...) A organização, quando existe, fundamenta-se no empirismo e na improvisação. (... ) É comum encontrar documentos amontoados” Esta é apenas uma pequena amostra a nível federal, para os estados e municípios (apenas onze das vinte e sete capitais possuem arquivos públicos) a situação tende a piorar, pois os documentos de arquivo, base fundamental da atuação dos representantes do povo, não se encontram dentro das normas arquivísticas próprias. Na ausência destas normas a organização dos arquivos fica, em muitos casos, entregue a critérios pessoais dos responsáveis ou a nenhum critério. Nas capitais que tem arquivo, com raras exceções, a totalidade dos acervos não está totalmente organizada ou descrita, o que impossibilita o acesso. Podemos perceber que entre o idealizado na legislação e a realidade existente há um hiato, um lapso, impossibilitando a operacionalização e o cumprimento das normas, tanto no que toca a organização como no que toca o acesso, não permitindo o avanço da transparência pública, pois o trabalho realizado pelo arquivo é considerado de segunda linha e que as condições de trabalho e o descaso com o acervo reforçam o sentido de arquivo morto, depósito de papéis velhos.

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A falta de apoio aos Arquivos Públicos dificulta a construção da transparência, do espaço público, entendido como comum e visível por todos, pois para além do princípio de publicização estabelecido na Constituição federal – um dos pilares da democracia – existem inúmeras outras informações produzidas e recebidas diariamente pela administração pública que, provavelmente nunca chegaram aos olhos da sociedade, seja por excesso de burocracia, seja pelas péssimas condições de armazenamento ou pela falta de organização e disponibilização que só os arquivos podem fazer. Mesmo amparados por marcos legais importantes que nos dão acesso a res publica nota-se, historicamente a falta de preparo para este acesso, para termos uma democracia em toda a sua totalidade. O Estado deveria manter o máximo de transparência possível, ampliando esforços para inserir o cidadão num relacionamento dialógico, interativo. Entretanto, o despreparo com a organização dos acervos documentais administrativos torna o direito à informação um mito, uma transparência parcial. A possibilidade do direito à transparência ou publicização das informações produzidas pelo Estado tem na legislação atual excelentes fundamentos, porém os Arquivos Públicos ainda não conseguem tornar-se os seus principais atores pela falta de visibilidade e implementação destas políticas não só pelos arquivos, mas também nos diversos setores da administração e junto à sociedade na busca de uma democracia informacional.

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REFERÊNCIAS ALMINO, J. o Segredo e a informação: ética e política no segredo público. São Paulo: Brasilense, 1986. ARAÚJO, E. A. Construção Social da informação: práticas informacionais no contexto de organizações nãogovernamentais/onG’s brasileiras. Tese (Doutorado em Ciência da Informação). Brasília. UNB. 1998. BRASIL. Constituição da república Federativa do brasil. Brasília: Senado Federal. 2012. BRASIL. Lei 8.159 de 09 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política de arquivos públicos e privados e dá outras providências. diário oficial da união. Brasília, v. 29, nº06, 10 jan. 1991, seção 1. BRASIL. Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso à informação e dá outras providências. diário oficial da união. Brasília, seção 3. 2011. INDOLFO, Ana Celeste. O acesso às informações públicas: retrocessos e avanços da legislação brasileira. informação arquivística, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 4-23, jan./jun., 2013. LAFFER, Celso. O Público e o Privado: suas configurações contemporâneas para a temática dos arquivos. In: Seminário Documentos Privados de Titulares de Cargos Públicos. documentos privados de interesse público: o acesso em questão. São Paulo: Instituto Fernando Henrique Cardoso. 2005. LOPES, Luís Carlos. a nova arquivística na Modernização administrativa. Brasília: Projeto Editorial. 2009.

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OHIRA, Maria Lurdes Blatt. arquivos públicos do brasil: da realidade à virtualidade. http://www.udesc.br/arquivos/ id_submenu/619/artigo_arquivo_publico.pdf. Acesso em 02 de fevereiro de 2014. SOUSA. Renato Tarcísio Barbosa de. arquivos ativos e massas documentais acumuladas na administração pública brasileira: busca de novas soluções para velhos problemas. Dissertação (Mestrado em Biblioteconomia e Documentação). Brasília: UNB. 1995.

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oS 50 anoS do Golpe Civil Militar de 1964 e a eFetivaÇÃo doS direitoS HuManoS, eConoMiCoS, SoCiaiS, CulturaiS e aMbiental Alexandre Guedes1 “direitos Humanos são um construído histórico! “ Hannah arendt” O golpe civil-militar deflagrado em 1º. de abril de 1964, descumpriu e violou dispositivos caros à nação brasileira, a Constituição vigente à época, bem como os Tratados, Convenções e Pactos aos quais o brasil ratificou, inclusive o principal deles : a Declaração Universal dos Direitos humanos de 10/12/1948; que em seu preâmbulo prevê: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum.

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão.

1 Advogado, filósofo, educador e militante dos Direitos Humanos, servidor publico municipal. Pós Graduado em Direitos Humanos; Direito do Consumidor, Civil, Administrativo e Gestão Pública.

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A nação brasileira historicamente sempre esteve prenhe por mudanças, porém estas sempre foram impedidas de acontecer durante o período da ditadura civil-militar, e que ainda se encontram postergadas, como as reformas agrária, urbana, tributária entre outras que possam assegurar a igualdade de direitos econômicos, sociais e civis. Apesar das grandes mobilizações sociopolíticas, as lutas além de serem reprimidas , seus líderes foram desaparecidos, exilados ou exterminados pela força do arbítrio tirania e opressão. Ações reacionárias de uma elite econômica e política que sempre quis conservar o status quo, embora que ao preço do sacrifício do pleno funcionamento das instituições que asseguram o Estado Democrático de Direito. Após memoráveis lutas por Anistia Ampla Geral e Restrita, o que se viu foi uma anistia Irrestrita, que incluiu os militares golpistas, torturadores e assassinos, que cometeram crimes reconhecidos no Direito Internacional dos Direitos Humanos como Crimes de lesa humanidade. Durante o período da chamada abertura democrática entre os anos 1985/1988 , houve uma transição conservadora, sem ruptura com a ordem autoritária ainda vigente à época, e que culminou com a convocação e instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte, formada sob as regras herdadas da ditadura, tendo como resultado a preservação de muitas instituições que foram criadas e formatadas pelo regime militar, a exemplo da polícia militarizada, a manutenção da velha estrutura fundiária e o pagamento da dívida pública, com o sacrifício dos trabalhadores através do arrocho salarial imposto pelo Fundo Monetário Internacional - FMI. Hoje pós Constituição Federal 1988, com a efetivação dos instrumentos de Democracia Participativa e Transparência da Gestão Pública; e com o fortalecimento da Sociedade Civil, está nova-317-


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mente sendo colocado em pauta, a necessidade de um plebiscito urgente para que haja uma Reforma Política2 . Porém essa reforma não pode se restringir a uma mudança político eleitoral. É essencial que seja mais abrangente, democrática e participativa e, assim, consolide as bases para nos tornarmos uma nação com plena democracia, através do aprofundamento da democratização das instituições; posto que o nosso sistema político sempre serviu e foi estruturado para atender aos interesses políticos, econômicos, sociais e culturais das elites conservadoras. Apesar dos avanços advindos das lutas sociais, ainda perdura em nosso país uma estrutura oligárquica - machista, racista e excludente; que possa assegurar a participação do jovens, mulheres, das populações negra e indígena, homoafetiva, trabalhadores/ as e pobres nos espaços de poder, garantido a diversidade. Na atual conjuntura, precisamos avançar mais; agora sob a égide da limitada Constituição de 1988, que prevê em seus objetivos: “Construir uma sociedade livre, justa e solidaria”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, etnia, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação”. E que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Neste sentido nosso país precisa de reformas no sistema político para que se avance ainda mais nas reformas estruturantes, que devem ser pautadas pelo interesse público acima do interesse privado, que se tornará uma prova e garantia do amadurecimento definitivo, a exemplo da Reformas agrária, urbana tributária, do judiciário, da educação, da saúde, da democratização dos meios de comunicação. 2 Sobre os documentos da luta pela Reforma Política: http://www.reformapoliticademocratica. com.br/

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Há uma necessidade urgente de se aperfeiçoar a relação entre os poderes Executivo e Legislativo, no que se refere ao processo de elaboração e execução do orçamento, para aumentar a transparência e reduzir as vulnerabilidades que levam a distorções na aplicação dos recursos públicos, bem como o fortalecimento de mecanismos de democracia direta como plebiscitos, referendos e projetos de iniciativa popular, democratizar as regras para validação de projetos de iniciativa popular; assim como o aperfeiçoamento de instrumentos de democracia participativa e controle social. Vivemos um tempo de resgate da memória, da verdade e da justiça e nesta luta observamos o quanto é espantosa a capacidade manipulatória dos saudosistas da ditadura militar (1964/1985) de tentarem, a todo custo, falsear e esconder a memória e a verdade, para evitar a conquista da Justiça. Evitam falar das centenas de mortos e dos milhares de desaparecidos, exilados e assassinados, por defenderem a legalidade, a democracia e a liberdade em nosso país. Tendo boa parcela dos democratas e progressistas que partir para a resistência armada, pela falta de liberdade política, de expressão e organizativa, que foi ferida profundamente pela violação sistemática da Declaração Universal dos Direitos humanos de 1948, como se pode ver a seguir: Artigo II Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

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Artigo III Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo V Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo VI Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.

No período de exceção (que vai de 1964 a 1988), as carreiras de membros do Judiciário e Ministério Público, foram podadas dos poderes inerentes à sua plena função constitucional; além do proposital desestímulo salarial que o executivo impingia a seus membros, que ganhavam salários miseráveis que os impedia de exercer com dignidade o seu múnus público. Tais instituições eram no período 1964/1988 apenas um enfeite na arquitetura institucional criada pela ditadura, que defendia muito mais os interesses do Estado Autoritário do que os interesses da Sociedade e da Cidadania, e que foram com a reconstitucionalização do Brasil, fortalecidos com plenos poderes de uma democracia. Os saudosistas não falam que os Governadores e Prefeitos de capitais eram nomeados por eles e eram todos do partido do poder, que ironicamente era chamado de Aliança Renovadora Nacional - ARENA, para abrigar os golpistas e seus adesistas, oportunista, “dedos-duros”, aproveitadores e traidores, dos mais caros interesses do povo brasileiro. O Regime dos generais fechou o Congresso Nacional e quando reabriram permitiram funcionar apenas dois partidos -320-


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artificialmente formados: AREnA - Aliança Renovadora Nacional) e o MDB - Movimento Democrático Brasileiro, a oposição consentida, também chamada de bloco da resistência democrática. Os golpistas governaram através de Decreto, tendo elaborado nos calabouços de seu regime duas constituições que buscavam legitimar o golpe de estado de 1964. O animus do golpe de Estado foi o velho chavão de combate à corrupção. Porém nunca criaram mecanismos efetivos para combater, evitar e punir os desvios do dinheiro público, que sempre existiu e vai existir em qualquer lugar, pais ou povo; seja no sistema capitalista ou socialista, caso não haja mecanismos de Controle Social e Transparência na Gestão Pública. É preciso ressaltar que não há dados que permitam afirmar que atualmente há mais corrupção do que ontem. A grande diferença é que hoje sabemos através dos mecanismos de controle, monitoramento e transparência, quem pratica corrupção ativa ou passiva , como, onde e quando elas ocorrem(ram). O diferencial de hoje é que construímos estruturas, instituições e entidades que executam Políticas de Estado com medidas educativas e preventivas a exemplo do “Programa Olho Vivo no Dinheiro Público” realizado pela Controladoria Geral da União - CGU, que periodicamente realiza sorteios de municípios que vão receber auditorias em suas contas públicas. Alem da aplicação de medidas punitivas que são realizadas pelo Ministério Público e Judiciário Federal e Estadual) e Ações Judiciais para a devolução do dinheiro público desviado, realizado através da Advocacia Geral da União. Na longa noite da democracia, apesar de ter tanta corrupção como hoje, não se podia denunciar nada, nem falar ou escrever nada, nem direito de reunião era permitido. carta, telegrama ou telefone nem pensar. Hoje é possível saber tudo -321-


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o que ocorre, em tempo real. As informações (verdadeiras ou não) circulam pela mídia tradicional e alternativa; redes sociais e e-grupos virtuais, fazendo com que saibamos do que ocorre na hora em que os fatos acontecem. Já são 26 anos desde 1988 de reconstrução das estruturas que foram destruídas na Ditadura Civil-Militar de 1964/85. Nos dias atuais, fruto dos governos do período reconstitucionalizador, estruturas que foram criadas pela convivência democrática e o esforço comum de articulações interinstitucionais, a exemplo das Controladorias-Gerais, da União, Estados e Municípios e Secretarias da Transparência Pública, no âmbito Federal, Estadual e Municipal, Advocacia Geral da União; Conselhos de Transparência Pública e Combate à Corrupção, e do operoso e diligente trabalho do GAECO - Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado3; e outras que foram fortalecidas: Ministério Público Federal e Estadual – para fiscalizar e defender os interesses coletivos e difusos; e as Defensorias Pública dos Estados e da União – para defender os interesses individuais dos cidadão(ãs). Aqui na Paraíba, criamos de forma pioneira no país duas instituições que muito contribuíram para os avanços conquistados: O Conselho Estadual de Direitos Humanos - CEDH, criado em 1992 e o Fórum de Combate a Corrupção - FOCCO-PB criado em 20064, que é um movimento formado por 22 órgãos públicos, que visa a interação entre os mesmos e o fomento ao controle social como forma de potencializar a prevenção e o combate à corrupção. Foi articulado pela sociedade civil (OAB e Cúria Metropolitana), junto com o 3 GAECO - Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado - : http://www.gaeco. mppr.mp.br/ 4 Fórum de Combate a Corrupção - FOCCO-PB - http://noticias.pgr.mpf.mp.br/ n o t i c i a s / noticias-do-site/copy_of_geral/focco-pb-cria-grupos-de-trabalho-sobre-saude-e-fiscalizacao-decontratos-terceirizados

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Ministério Público Federal e a Controladoria Geral da União, e posteriormente composto por outras autoridades, que pela primeira vez saíram dos seus “feudos burocráticos e institucionais” e se sentaram em uma mesa redonda para um diálogo interinstitucional com troca de informações que visavam primordialmente a defesa intransigente do interesse público e do patrimônio público. Tal trabalho em sua construtiva trajetória, culminou com a I Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social.

A defesa dos direitos humanos – que nada mais é que uma luta em favor da vida e contra a violência, é envidada por pessoas que lutam diuturnamente pelo direito dos marginalizados, empobrecidos e excluídos; pela defesa da lei e pela conquista da justiça para todos e todas. que militam amparados pelos princípios constitucionais da dignidade humana; do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Todos sabemos que dar efetividade/aplicação da lei em nosso país, é uma atitude altamente revolucionária. Porém, e infelizmente, o Estado ainda é o maior violador de direitos, como o foi durante o período de exceção; devendo responder legalmente pelas transgressões de seus agentes com ações punitivas, reparatórias e indenizatórias. Defendemos dar efetividade através de políticas publicas inclusivas, a todos os direitos previstos no Art. 5º da Constituição cidadã de 1988; direito à Saúde, Educação, Habitação, Segurança, Meio Ambiente, Geração de Emprego, Liberdade de organização etc. Garantindo que os direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambiental, sejam realmente universais, indivisíveis, transversais e interdependentes para garantir a emancipação humana.

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A luta ontem como hoje ainda é contra a tortura, a violência contra a mulher (que culminou com a Lei Maria da Penha), Contra o racismo, a homofobia, a xenofobia, o preconceito e violência motivada pela diferença de cor, raça, orientação sexual, credo religioso, concepção filosófica, idade, sexo e ideologia, Porém a visibilidade midiática só visibiliza a luta pelos direitos humanos de forma negativa, principalmente quando atuamos na luta pela aplicação dos direitos dos presos ou seja O principio da dignidade humana e a Lei de Execução Penais. Como parte desse processo de redemocratização do nosso país, emergiu da CF de 1988 a realização das conferências setoriais e temáticas que são organizadas pelo Poder Público com grande participação da sociedade civil e dos movimentos sociais, e que se tornaram um marco organizativo da democracia participativa e um paradigma para outros povos do mundo, a exemplo da conferências de Saúde, educação, direitos humanos, segurança pública, mulheres, negros, LGBT´s, cidades, meio ambiente, trabalhadores rurais, MST, criança e adolescente e juventude , comunicação, transparência pública e controle social . Na esfera dos direitos humanos a ultima conferência realizada foi a XI Conferência Nacional de Direitos Humanos, transcorrida em dezembro do ano de 2008, onde os temas dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambiental foram debatidos com o público alvo, que ensejou a necessidade de atualização do Plano Nacional de Direitos Humanos - PNDH35, que está na sua terceira versão (A primeira foi em 1996, o Segundo atualização foi em 2002 e essa é a terceira) onde tentamos avançar na questão do apoio às vítimas da violência. Ressalte-se que todo o trabalho que é realizado pelos militantes de direitos humanos é voluntário e não remunerado, mas que mundialmente é reputado 5 Plano Nacional de Direitos Humanos - PNDH3 - http://www.brasil.gov.br/cidadania-ejustica/2012/04/PNDH-3-reune-politicas-sobre-direitos-humanos

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de alta relevância humanística e imprescindível para a construção de um mundo mais justo e humano para as futuras gerações. Em 2009 participamos da grande mobilização nacional visando a realização da I Conferência Nacional de Segurança Pública - CONSEG em Brasília, com grande mobilização, municipal, estadual, regional e nacional. Após cinco anos perguntamos: para onde foram os 10 princípios e 40 diretrizes dos eixos aprovados?6 Mais há outra pergunta que não quer calar: O que significou a violência do Golpe Civil Militar de 1964/85? Sendo a violência uma ação ou efeito de violentar, de empregar força física contra alguém ou algo, ou intimidação moral contra alguém, para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência nada mais é do que a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis. Na prática, todo mundo sabe o que é violência, seja por experiência própria ou de outros. Nestes sentido podemos enquadrar no conceito de violência, os atos cometidos pelos usurpadores do poder nos anos de chumbo, que não só usaram da agressão física e tortura contra os resistentes e insurgentes, mas também fizeram uso da violência psicológica, verbal, sexual, moral, política, cultural, entre outras. E que originaram novas expressões que também caracterizam algum tipo de violência, como, por exemplo, o ‘bullying’ e o assédio moral institucional, que é o nefando ato de agredir ou intimidar outro indivíduo incapaz de se defender. São tantas as perguntas que não querem, não devem e nem podem calar. Precisamos todos(as) nos contrapor a essa tentativa permanente dos traidores da pátria de sempre querer falsear a verdade histórica. Temos que ficar vigilantes para que a mentira e a infâmia não prevaleçam e que não retrocedamos à barbárie e 6 Os 10 princípios e 40 diretrizes dos eixos aprovados na I CONSEG, pode ser visto em: http:// www.aspra.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=810:1o-conseg-principios-ediretrizes-aprovados&catid=17:noticias&Itemid=19

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caminhemos a passos largos para uma civilização. E para tanto, se faz necessário que o Estado a serviço de todos(as), invista em mais educação integral para o respeito aos Direitos Humanos, garantindo uma convivência de tolerância, respeito a diversidade e a paz!

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a eduCaÇÃo para a Cidadania eM direitoS HuManoS CoMo inStruMento para uMa deMoCraCia partiCipativa Maria José Soares Béchade1

1 INTRODUÇãO O exercício da cidadania ativa se dá através do processo de crescimento cognitivo e intelectual da pessoa, bem como, do processo de socialização, ético e político, mediante mecanismos oferecidos para o seu pleno desenvolvimento, como explica a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A cidadania só tem espaço de exercício em regimes democráticos, que pensem a democracia e a educação como instrumentos de liberdade e de autonomia. No Brasil, experiências herdadas de longos períodos de colonização gestaram uma cultura subserviente e excludente, fundamentada na escravidão de pessoas, em modelos paternalistas e assistencialistas de gestão do Estado e das políticas sociais. Do ponto de vista de uma nação democrática, como é o caso do Brasil e de outros países da América Latina, que vivenciaram longos períodos de colonização, escravidão e ditaduras, com curtos períodos de regime democrático, o tema da cidadania ativa é posto como demanda dos programas educacionais e como instrumento de promoção e manutenção da democracia, assim como para inibir a violência, a exclusão social, os preconceitos e incentivar o protagonismo social. 1 Jornalista, mestre em Direitos Humanos pelo Centro de Ciências Jurídicas da UFPB e diretora da TV Cidade João Pessoa.

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Mas, como construir cidadãos e cidadãs convivendo com autoritários, se o exercício da cidadania ativa, exige pensar por conta própria, exercer autonomia e capacidade crítica e de criação? Como oferecer processos formativos em educação para a cidadania nas modalidades formais e não formais que promovam uma cultura de respeito aos direitos humanos? Como educar as escolas e universidades para a inserção dos direitos humanos como princípio e conteúdo na gestão, no ensino, na pesquisa e na extensão? Como formar para a cidadania como prescreve a Constituição Federativa do Brasil através de todos os níveis da educação? quais os avanços já traçados ao longo da democracia recém instalada? A tese central que queremos defender neste artigo é que o Brasil precisa oportunizar o acesso a uma educação que desperte no cidadão, na cidadã, o sentimento de se fazer parte e de se sentir responsável por esta mesma educação e pela sociedade em que vive e convive com outras pessoas. Uma educação baseada em valores e na oportunidade de acesso ao conhecimento de seus direitos e obrigações, da oportunidade de se capacitar para realizar uma análise de conjuntura e uma leitura crítica da mídia, de participar de decisões no campo social e político, entre outros fatores que contribuam para o seu empoderamento e para o compromisso de uma convivência democrática, ativa e autônoma. Para o exercício de uma cidadania ativa é mais do que necessário uma visão ampliada e uma educação voltada à construção de pilastras que dignifiquem o homem, a mulher, os jovens e as crianças e que os ensinem a valorizar e viver a cidadania democrática, sem autoritarismo e sem violência. Será através dessa educação para a cidadania que o cidadão e a cidadã brasileira terão o direito de se informar sobre o seu direito a ter direitos, o direito à educação, à saúde, à moradia, à paz, à diversidade e a ser uma pessoa autônoma e livre. -328-


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Uma educação para a cidadania que gere nesses sujeitos de direito a responsabilidade e o compromisso com a coletividade, com o meio ambiente e com valores que contribuam na formação de uma nova consciência, organização e concepção de vida, reforçando a importância da manutenção do estado democrático de direito para o exercício pleno da cidadania.

2 EDUCAÇãO PARA A CIDADANIA E DEMOCRACIA Segundo Bobbio (2000), em seu livro Futuro da Democracia, uma das falhas do sistema democrático é não propiciar ao cidadão o acesso à educação para cidadania como instrumento de participação ativa e democrática. Diz o autor no famoso capítulo “o cidadão não-educado”, dedicado às promessas não cumpridas pela democracia: A sexta promessa não-cumprida [pela democracia] diz respeito à educação para a cidadania. Nos dois últimos séculos, nos discursos apologéticos sobre a democracia, jamais esteve ausente o argumento segundo o qual o único modo de fazer com que um súdito se transforme em cidadão é o de lhe atribuir aqueles direitos que os escritores de direito público do século passado tinham chamado de activae civitatis2 (BOBBIO, 2000, p. 43)

No pensamento de Bobbio, a educação para a cidadania pode ser defendida como ferramenta teórica e prática para uma cidadania ativa e representativa nos governos democráticos. No entanto, muitas vezes essa cidadania não passa de meros discursos apologéticos por parte dos governantes que, em geral, preferem os cidadãos exercendo a sua passividade obsequiosa. 2 Em latim no original: cidadania ativa, direito do cidadão. (N. do T.), Tradução: Marco Aurélio Nogueira.

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Em sua obra, bobbio (2000) faz referência ao filósofo inglês Stuart Mill3 para afirmar que os cidadãos estão divididos entre ativos e passivos: [...] em geral, os governantes preferem os segundos (pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes), mas a democracia necessita dos primeiros. Se devessem prevalecer os cidadãos passivos, ele conclui, os governantes acabariam prazerosamente por transformar seus súditos num bando de ovelhas dedicadas tão-somente a pastar o capim uma ao lado da outra (e a não reclamar, acrescento eu, nem mesmo quando o capim é escasso (MILL apud BOBBIO, 2000, p.44).

Para Bobbio (2000, P. 43 E 44), “a educação para a democracia surgiria no próprio exercício da prática democrática”, o que valeria para o exercício pleno da cidadania, pois a prática cidadã se dá através do protagonismo adquirido na formação e na oportunidade de exercitar esta cidadania, constituindo em si mesmo uma forma ativa de cidadania. Os ideais da tolerância, da não violência, da renovação gradual da sociedade através do livre debate das idéias e da fraternidade são abordagens que devem ser levadas em consideração para a promoção de uma cidadania ativa em um contexto democrático (BOBBIO, 2000). No Brasil, exemplos de cidadania ativa vêm sendo efetivados de forma ainda incipiente através da participação em discussões de orçamentos de Governos, do voto livre e direito, mas com devidas ressalvas no tocante à efetividade e nivelamento da democracia. 3 J.S. Mill, Considerations on Representative Government, in Collected Papers of John Stuart Mill, University of Toronto Press, Routledge and Kegan Paul, vol. XIX, London, 1977, p. 406. (Trad. bras. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982).

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Na Educação, as práticas que incidem sobre a sua democratização, como conselhos escolares, grêmios estudantis, comissões de mediação de conflitos, eleições para gestores, dentre outros, podem ser mecanismos de participação social a serem promovidos. Entretanto, a participação requer investigação qualitativa para examinar o nível de efetivação. Não obstante, o exercício da cidadania depende certamente do acesso à democracia que os civis terão na sociedade, que consequentemente dependerá das políticas públicas implementadas e do nível de participação dado a estes cidadãos e cidadãs por seus governantes. A linha divisória entre a prática democrática e a antidemocrática é o reconhecimento ou a negação da competência política dos cidadãos. De acordo com Giuseppe Tosi (2011, p. 17), “todas as doutrinas para serem democráticas precisam reconhecer algum tipo de competência política dos cidadãos, mas nem todos o fazem da mesma maneira”. Já a pesquisadora Maria Victoria Benevides (2003), em seu livro “A Cidadania Ativa”, discorrendo sobre participação, educação política e cidadania ativa, enfatiza a necessidade de uma educação política para que se possa introduzir o princípio da participação popular no governo da coisa pública, para romper com a tradição oligárquica e patrimonialista, assim como para romper com mentalidades e valores que se opõem à igualdade política e à igualdade de condições de vida. Diz a autora: [...] Os costumes, não há como negar, representam um grave obstáculo à legitimação dos instrumentos de participação popular. Daí sobrelevar-se a importância da educação política como condição inarredável para a cidadania ativa – numa sociedade republicana e democrática (BENEVIDES, 2003, p. 194).

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Para se ter uma educação democrática tem que se levar em conta a relação entre o currículo apresentado e a forma de democracia concebida pelos governos, sendo esta uma via de mão dupla. O currículo poderá servir de instrumento de conscientização para afirmar ou repudiar formas de governos ou a estruturação de uma sociedade e suas regras de convivência. Ao mesmo tempo em que poderá servir de instrumento democrático de um Governo para contribuir com a prática e efetividade da participação popular. Em sua obra “Sobre a Liberdade”, Stuart Mill (1991) discorre sobre a relação entre Estado, indivíduo e sociedade, onde em suas conclusões, no capítulo que trata da “aplicação” atenta para a importância do Estado para a formação da mentalidade do indivíduo. [...] O valor de um Estado, afinal de contas, é o valor dos indivíduos que o constituem. E um Estado que propõe os interesses da expansão e elevação mentais destes a um pouco mais de perícia administrativa nas particularidades dos negócios, ou à aparência disso que a prática dê; um Estado que amesquinha os seus homens, a fim de que sejam instrumentos mais dóceis nas suas mãos, ainda que para propósitos benéficos, descobrirá que com homens pequenos nada grande se pode fazer realmente (MILL, 1991, p. 158).

Uma sociedade livre e autônoma é uma sociedade onde as pessoas possam exercer sua cidadania conscientemente, dotada de valores e de competências4 para exercê-la. O Estado deve ser o provedor de uma educação de qualidade e que permita essa formação qualificada para que os indivíduos possam interagir 4 Falamos aqui em termos de formação da mentalidade e da informação acumulada, do processo cognitivo.

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num espaço de convivência baseado em regras que respeitem a diversidade cultural, as diferenças sociais, étnicas, religiosas e o estado democrático de direito.

3 O DIREITO à EDUCAÇãO PARA A CIDADANIA O direito à educação é parte de vários tratados internacionais como um direito humano fundamental. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, conclama em seu artigo XXVI, que: Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito (deClaraÇÃo univerSal doS direitoS HuManoS, 1948, art. 26).

Baseado no esforço da comunidade internacional pela promoção e defesa dos direitos humanos, o Congresso Internacional sobre Educação em Prol dos Direitos Humanos e da Democracia, realizado pela ONU, em 1993, em Montreal, instituiu o “Plano Mundial de Ação para a Educação em Direitos Humanos”, referendado na Conferência Mundial de Viena, em 1993. Entre os objetivos do Plano estão: a promoção de uma educação em defesa da paz, da democracia, da tolerância e do respeito à dignidade da pessoa humana. (ZENAIDE, 2007). A partir da década de 1980, no Brasil e em outros países da América Latina, a Educação em Direitos Humanos vem trabalhando valores, ideais e procedimentos como forma de inclusão social, de fortalecimento da democracia e da afirmação dos direitos fun-333-


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damentais, entre outros processos. As escolas passaram a abordar em seus currículos as disciplinas que tratam entre outros aspectos, da discriminação racial, de gênero e social, da democracia, do respeito às liberdades, à identidade cultural e à tolerância. Em análise sobre as perspectivas dos Direitos Humanos na América Latina, Vera Candau (2007) destaca três dimensões: a primeira delas diz respeito à formação de sujeitos de direito, a segunda ao favorecimento do processo de “empoderamento” dos atores sociais que, historicamente, tiveram menos poder na sociedade e a terceira dimensão fala do respeito aos processos de mudança, de transformação, que a autora afirma serem necessários para a construção de sociedades verdadeiramente democráticas e humanas e que os chama de “educar para o nunca mais”. Para Candau, “estes três componentes: formar sujeitos de direito, favorecer processos de empoderamento e educar para o “nunca mais”, constituem hoje o horizonte de sentido da educação em Direitos Humanos” (CANDAU, 2007, p. 404 e 405). Afirma Candau (2007) que as experiências de educação em Direitos Humanos têm-se multiplicado ao longo de todo continente latino-americano. No entanto, a abordagem dada na maioria dessas experiências vem sendo da educação não formal, seguindo uma tradição da educação popular, que foi forjada nos anos 70 e 80, durante o período de redemocratização desses países. Em relação ao Brasil, a autora diz: A Educação em Direitos Humanos é introduzida nos anos de 1980, num período de (re) democratização do país, onde é forte o clima de mobilização cidadã e a crença na possibilidade de transformação social e construção de uma sociedade democrática, não somente do ponto de vista político, mas também socioeconômico e cultural (CANDAU, 2007, p.406).

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A pesquisadora observa que a preocupação pelos processos escolares tem aos poucos contribuído para incorporação da disciplinada aos currículos escolares por vários países da América Latina, a exemplo de países como Peru, Chile, México, Uruguai e Brasil (CANDAU, 2007, p. 401 e 402). Todos os países latino-americanos, atualmente, têm legislações orientadas a promover e instituir a educação em Direitos Humanos nos sistemas de ensino. Já em alguns países da Europa, essa educação tem sido identificada através de outras vertentes e propostas, dependendo do contexto e problemas vivenciados em determinadas sociedades. Na Espanha, por exemplo, foi instituída a disciplina “Educação para a Cidadania e em Valores”, que tem como foco principal os valores morais e éticos, a tolerância, a convivência e a quebra de preconceitos por raça, nacionalidade, gênero e religião (EURYDICE, 2005). Seja como Educação em Direitos Humanos, Educação para Cidadania, Educação para a Paz ou Educação contra a Discriminação Racial, essas nomenclaturas refletem uma abordagem que se dá a partir do plano local para o universal e faz referência a um conceito de educação que pretende trazer dignidade para as pessoas e que em sua magnitude ensina o ser humano a ser cidadão livre, autônomo, comprometido, sabedor de seus direitos e cumpridor de suas obrigações em sociedade. Como afirmam os pesquisadores Lodi e Araújo: Aprender a ser cidadão e a ser cidadã é, entre outras coisas, aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não violência, aprender a usar o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que acontece na vida coletiva da comunidade e do país (LODI e ARAÚJO, 2007, p. 69).

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No contexto escolar europeu fazer referência à educação para a cidadania é, segundo a rede Eurydice de informação sobre a Educação na Comunidade Européia: [...] separar o máximo possível o termo cidadania de sua conotação jurídica e adotar um enfoque mais amplo. A educação para a cidadania deve englobar a todos os membros de uma determinada sociedade, independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça, origem social ou nível educativo. [...] Na verdade, pode-se dizer que um dos principais objetivos da escolarização de crianças e jovens é fornecer-lhes conhecimentos, valores e habilidades necessárias para participar na sociedade e contribuir ao bem-estar próprio e desta sociedade (EURYDICE, 2005, p. 59).

Para Marshall, a educação é um pré-requisito necessário da liberdade. “O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança freqüentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado” (MARSHALL, 1967, p.73).

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4 A EDUCAÇãO E A CULTURA DOS DIREITOS HUMANOS PARA UMA NOVA CIDADANIA Com a redemocratização do Brasil, a partir da década de 1980, o crescimento de lutas pelo repúdio à ditadura militar e em favor da consolidação da construção de uma sociedade mais justa e democrática, das políticas públicas apresentadas na esfera governamental, referendadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais nasce um novo debate em torno dos direitos humanos e a formação para a cidadania no País. Amparado pela Constituição Federal de 1988, por novos valores e uma nova concepção de cidadania democrática, ativa e planetária, nasce o entendimento de construção de uma educação vista como direito humano e como meio necessário para a aquisição de outros direitos, ganhando assim, a importância e o redirecionamento ao pleno desenvolvimento humano. Nesse sentido, O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos - PNEDH (2003) do Brasil aparece como instrumento de política pública direcionador de ações educativas, tanto no campo formal como não formal da educação brasileira, tendo como base uma educação que contribui para a criação de uma cultura universal dos direitos humanos, através do fortalecimento do respeito aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano, do pleno desenvolvimento da personalidade humana e senso de dignidade, da prática da tolerância, do respeito à diversidade de gênero e cultura, da amizade entre todas as nações, povos indígenas e grupos raciais, étnicos, religiosos e lingüísticos e a possibilidade de todas as pessoas participarem efetivamente de uma sociedade livre5 . 5 BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos – Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Ministério da Educação, 2003, p. 11.

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Pensar Educação para a Cidadania é unir todas as vertentes da educação em uma só concepção: formar cidadã e cidadãos dignos, comprometidos, ativos, autônomos, solidários, empoderados, sabedores de seus direitos e deveres e preparados para viver em uma sociedade cada vez mais complexa e globalizada.

5 LIBERDADE COMO ELEMENTO DE AUTONOMIA E DE CONSCIÊNCIA PARA UMA CIDADANIA ATIVA Educar para a cidadania é propiciar caminhos para que o indivíduo possa desenvolver um pensamento crítico e dialogar com valores que lhe servirão como ponto de referência para nortear sua vida em sociedade, sabendo distinguir o ético do aético, o moral do amoral. É ter na liberdade o exercício desses valores como elemento de autonomia. Uma educação como direito, alicerçada na democracia e nos Direitos Humanos e que contribua para emergir do estágio de passividade, de apatia, em que se encontra o cidadão/a cidadã perante um Estado que lhe usurpa o direito de exercer direitos e de participar democraticamente dos rumos de sua comunidade, cidade, estado ou nação. É transformar cidadãos e cidadãs em protagonistas de suas histórias através do “ideal da renovação gradual da sociedade através do livre debate das idéias e da mudança das mentalidades e do modo de viver: apenas a democracia permite a formação e a expansão das revoluções silenciosas” (BOBBIO, 2000, p. 52). A construção da liberdade como elemento de autonomia se dá através da independência, da liberdade moral, de opinião ou intelectual da pessoa e do respeito à diversidade. A partir desses valores e conceitos é que o indivíduo terá a base para a formação de uma personalidade autônoma que venha influenciar na sua -338-


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identidade individual e em sua formação para o exercício pleno da cidadania. Assim como a cidadania, a autonomia é construída com a prática, com as experiências e decisões que se vão tomando ao longo da vida com o amadurecimento intelectual da pessoa. De acordo com Paulo Freire, “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.(...) A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si é processo de vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas de liberdade” (FREIRE, 1996, p. 66 e121). No pensamento de Freire, o educador deve ter em conta na hora de ensinar o aluno o alcance de um olhar correto do mundo e o acumulo de elementos para o seu crescimento permanente, já que somos seres inacabados e devemos adquirir consciência de nosso contínuo estado de desenvolvimento. O bom senso, ainda no pensamento freireano, também é outro fator que deve conduzir a prática docente, tendo respeito pela autonomia, a dignidade e a identidade do educando. Freire defende que o educador, pleno de conhecimento que exerce o bom senso, exerça em sala de aula a autoridade que lhe é concedida sem autoritarismo. Do ponto de vista moral, podemos afirmar que a autonomia da pessoa é proveniente de um autoconhecimento, uma autodeterminação e um autocontrole da conduta com algumas influências do meio social no qual ela vive, mas com total liberdade sobre seus pensamentos e ações que julgue corretas. Para Adela Cortina (2005), a liberdade como elemento de autonomia é um dos melhores valores e que melhor pode ser universalizado, “Conquistar a liberdade como autonomia não é fácil, exige cultivo e aprendizagem, mas vale à pena empenhar-se -339-


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em ambos, porque esse é um de nossos melhores valores, um dos que proporcionam maior prazer quando se aprende a apreciálo e que melhor pode ser universalizado, desde que se pratique a solidariedade” (CORTINA, 2005, p. 186-187). Podemos concluir que a Educação para a Cidadania voltada ao conceito de uma Educação em/para os Direitos Humanos pode ser um dos canais que a democracia necessita para que os indivíduos exerçam sua cidadania plena e ativa, levando-se em consideração que um de seus objetivos é fortalecer o Estado Democrático de Direito; assim como formar cidadãs e cidadãos livres e autônomos. REFERÊNCIAS BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. a Cidadania ativa: Referendo, plebiscito e iniciativa popular. Ática: São Paulo, 2003. BOBBIO, Norberto. o futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Paz e Terra: São Paulo, 2000. BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. plano nacional de educação em direitos Humanos. Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Ministério da Educação. UNESCO, Brasília, 2003. CANDAU, Vera Maria. educação em direitos Humanos: desafios atuais. IN: educação em direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. Editora Universitária: João Pessoa, 2007. CORTINA, Adela. Cidadãos do Mundo – para uma teoria da cidadania. Edições Loyola: São Paulo, 2005.

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SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS [sedh]. declaração universal dos direitos Humanos. Assembléia Geral das Nações Unidas, 10 de dezembro, 1948. Disponível em: http:// portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal. htm. Acesso em: 9 de out. 2011 EURYDICE, La Red europea de información en educación. Ministerio de Educación y Ciencia. Secretaria General de Educación. Fareso, S.A.: Madrid, 2005. Disponível em: http://www. eurydice.org. FREIRE, Paulo. pedagogia da autonomia – Saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra: São Paulo, 1996. LODI, Lúcia Helena & ARAÚJO, Ulisses F. Ética e Cidadania – Construindo valores na escola e na Sociedade. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica: Brasília, 2007. MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. (Tradução de Meton Porto Gadelha). MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991. (Tradução Alberto da Rocha Barros). MILL, J. S. Considerations on Representative Government, in Collected papers of John Stuart Mill, University of Toronto Press, Routledge and Kegan Paul, vol. XIX, London, 1977. (Trad. bras. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982) TOSI. Giuseppe. refletindo sobre a democracia e os direitos humanos, a partir de norberto bobbio. UFPB: João Pessoa, 2011.

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Dantas, Nunes e Silva (Org.)

ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares. Introdução, in: educação em direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. Silveira et al, Editora Universitária/UFPB: João Pessoa, 2007. ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares. educação em e para os direitos Humanos: Conquista e direito. Educação em e para os Direitos Humanos: Conquista e Direito. Disponível em: ˂http:// www.redhbrasil.net/documentos/bilbioteca_on_line/modulo4/ mod4_nazare_edh_conquista_e_direito.pdf˃

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Este livro foi diagramado pela Editora da UFPB em 2014, utilizando as fontes Cambria e Helvetica. Impresso em papel Offset 75 g/m2 e capa em papel Supremo 90 g/m2.


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