PERSPECTIVA N째 01 JULHO 2015
Julho de 2015 Edição 1/2015 – N°01
PERSPECTIVA Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
PERSPECTIVA
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília – FAU-UnB
Julho 2015 REDAÇÃO Diretora de Redação: Maria Fernanda Derntl Editoras: Ana Luísa Oliveira, Dayane Costa, Débora Guedes, Fernanda Reis e Vanessa Cardoso Editora executiva: Dayane Costa Conselho editorial: Ana Luísa Oliveira, Dayane Costa, Débora Guedes, Fernanda Reis e Vanessa Cardoso Equipe editorial da revista: Ana Luísa Oliveira, Dayane Costa, Débora Guedes, Fernanda Reis e Vanessa Cardoso Coordenação editorial: Vanessa Cardoso Editora de imagens: Débora Guedes Revisão editorial: Fernanda Reis Revisão Ortográfica: Ana Luísa Oliveira PUBLICIDADE Diretor de Publicidade: Fernanda Reis Projeto gráfico e diagramação: Ana Luísa Oliveira, Dayane Costa, Débora Guedes, Fernanda Reis e Vanessa Cardoso
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Imagem da capa: azulejo português
A revista Perspectiva é uma publicação mensal da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB. Impressão: Papel Couchê
Editorial
Perspectiva: a arte de figurar no desenho as distâncias diversas que separam entre si os objetos representados. Eis uma definição que retrata uma prática muito usada na arquitetura para expressar projetos, conceitos e ideias. Mas a perspectiva também definida como o modo a partir do qual se concebe ou se analisa uma situação específica. E é a partir desse último aspecto, sobretudo por meio da expressão escrita, que o arquiteto passa a entender e a questionar de forma mais ampla questões ligadas. A Revista Perspectiva traz na sua primeira edição a apresentação de artigos produzidos por um grupo de cinco alunas da FAU-UnB, ao longo da disciplina Arquitetura e Urbanismo do Brasil Colônia e Império, que buscam mostrar os pontos de vistas em torno de diferentes problemas e indagações de temas da época Colonial e Imperial do Brasil. Casa, Costumes e Caminhos. É a partir dessas três questões centrais em que a revista se estrutura. Na seção Casa será possível conhecer desde ambientes externos como o jardim residencial, e sobre elementos interiores como o papel da cadeira no cotidiano familiar. Na seção Costumes será abordada a evolução da dança no Brasil e do exercício de práticas religiosas no Brasil Colônia. Por fim, a seção Caminhos trará um artigo acerca do papel da legislação e do direito na estruturação de territórios das minas na corrida do ouro. Ao final da revista se encontra uma seção especial com um trabalho de análise acerca das fachadas das igrejas de diferentes ordens religiosas em Ouro Preto. Nessa última seção será possível entender como a ideologia de ordens religiosas distintas em uma mesma cidade se refletiu no objeto construído. Boa Leitura!
Julho de 2015
Sumário
Edição 1/2015 – N°01
CAMINHO COSTUMES
CASA 8 - Função e Estética: Cadeira na casa Brasileira dos Séculos XVII E XVIII 16 - O jardim residencial no Rio de Janeiro do século XVI ao XIX
42 - O Direito como agente de estruturação de territórios das minas na corrida do ouro no Brasil Colônia
24 - Dança de salão e suas origens: Da Europa ao Brasil 34 - Como a prática do catolicismo europeu foi executada na América Portuguesa
48 - Perspectiva Indica Seção especial: análise das fachadas das igrejas de diferentes ordens religiosas em Ouro Preto.
C A S A 7
Função e Estética
Cadeira na casa Brasileira dos Séculos XVII E XVIII RESUMO
Por Fernanda R. Ribeiro*
Este trabalho busca traçar a evolução das cadeiras como mobiliário integrante do cotidiano doméstico durante os séculos XVII e XVIII. O móvel destinado ao sentar foi responsável pela configuração de uma série de hábitos e costumes no interior das residências coloniais, desempenhando um papel de destaque na configuração de espaços e na diferenciação de classes sociais e econômicas. Focalizou-se nesse estudo o modo como os tamboretes, bancos, redes e cadeiras, inicialmente com uma grande função prática, passaram a adquirir um maior apelo estético e uma produção realmente brasileira, principalmente com a consolidação da sociedade e a fixação de povoadores em vilas no século XVIII. Para a elaboração desse artigo foram consultados estudos, teses e livros já consagrados sobre o mobiliário brasileiro, além da análise de desenhos e pinturas realizadas por viajantes estrangeiros ao Brasil nos séculos XVIII e XIX. Desse modo, procurou-se mostrar o móvel de assento não apenas de uma forma descritiva, em termos de modo de produção e materiais constituintes, mas de como a cadeira, e seus precedentes, atuaram de forma a caracterizar e estruturar os costumes da sociedade brasileira no período colonial. Palavras-chaves: Móveis brasileiros coloniais. Cadeiras. Assentos. Evolução do mobiliário colonial. Século XVII. Século XVIII. INTRODUÇÃO Quando se apresentavam em público, para ida a missa ou passeio na cidade, os brancos da sociedade brasileira dos séculos XVII e XVIII, quase sempre esbanjavam o luxo e o requinte de suas vestimentas, joias e escravos. Apesar de toda essa riqueza se mostrar em evidência externamente, o interior de suas casas era predominantemente simples, sem grande aparato de móveis ou supérfluos. O mobiliário se restringia ao mínimo e não era considerado parte integrante da fortuna dos senhores, assim como eram as joias, as terras e os animais. Apesar de não serem numerosos, diversas peças destinadas ao assento assumiram um papel significativo no interior das residências brasileiras da época. Em forma de cadeira, tal qual conhecemos hoje, ou não, as peças que visavam suprir a necessidade de sentar sempre estiveram presentes nos ambientes domésticos, e desempenharam um importante papel no entendimento da estruturação das diferentes classes e na caracterização dos espaços. Inicialmente, a análise se deterá sobre o diagnóstico das peças predominantes na casa da maioria dos brasileiros do século XVII, como esteiras/ estrados, bancos simples, tamboretes e redes. As cadeiras eram utilizadas geralmente nas sedes de edifícios religiosos e governamentais e não se conformavam como uma peça de uso doméstico comum. Essa função inicialmente prática, da cadeira e seus precedentes, passa a adquirir valores estéticos, principalmente com a mudança de políticas governamentais e passa a crescer em quantidade nos cômodos das residências.
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*Graduanda do 5º semestre de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília
Para este estudo foram coletados dados em fontes escritas importantes como em uma das primeiras visões do conjunto histórico do mobiliário no Brasil, feita por Lúcio Costa em “Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro”, publicado pelo SPHAN em 1939, e livros como “Móvel no Brasil: origens evolução e características” de Tilde Canti, “Mobiliário: As artes plásticas no Brasil” de José Wasth Rodrigues, “Mobiliário Baiano” de Maria Helena Ochi Flexor, entre outros. Na busca bibliográfica dos livros citados, entretanto, não se buscaram informações quantitativas acerca de materiais de fabricação ou proporção das peças constituintes, muitas vezes encontradas. A análise se baseou em informações referentes ao modo como os moradores da casa colonial se relacionavam com a mobília de assento e buscou traçar a forma e o porquê, esta foi adquirindo feições diferenciadas ao longo do tempo. Como complementação, buscou-se obter informações em pinturas de viajantes estrangeiros ao Brasil no século XIX, como de Jean Baptiste Debret e Johann Moritz Rugendas. Apesar do recorte temporal das imagens retratadas estarem fora do período de análise (séculos XVII e XVIII), as representações dos viajantes ainda revelam muito de como era vida no ambiente doméstico e sobre como acontecia o modo de utilização e a disposição de tamboretes, redes e cadeiras nos espações internos das casas.
OS PRECEDENTES “Do Pensador de Rodin à criança que estreia nos bancos escolares, é muitas vezes necessário sentar para pensar; e é imprescindível sentar para escrever. O primeiro gosto de gentileza para uma pessoa que chega à nossa casa ou ao nosso escritório é convidar para sentar. Receber de pé é manifestação certa, e tantas vezes grosseira, de indisponibilidade. A gente senta para comer, para descansar, para ver televisão para namorar. A cadeira é tão importante em nosso dia-a-dia que até o astronauta tem a sua, embora precise dela apenas como referência psicológica.” (BORGES E PARSCHALK, 1994, p. 9)
Figura 1: DEBRET, Jean Baptiste. Família Pobre em Casa.
Presença marcante em nosso cotidiano, a cadeira se tornou uma peça indispensável no mobiliário por possuir uma grande variedade de funções. Se hoje ela é parte integrante de quase todos os cômodos de uma residência, no século XVII, por exemplo, a maioria das casas brasileiras não possuíam cadeiras, ou mesmo tamboretes. Ao invés dela, era mais comum o uso de esteiras ou estrados dispostos no chão. Algumas poucas casas, com melhor condição econômica, fugiam a essa regra, apresentando um pequeno número de tamboretes, chamados vulgarmente de “pau”, que eram fabricados em madeira branca comum e não possuíam ornamentação ou motivos decorativos. Apenas no fim do século XVII, os estrados ganharam pés, que poderiam ser altos ou baixos. As pinturas feitas por Jean Baptiste Debret em sua viagem ao Brasil no século XIX, mostram claramente a maneira com a qual as pessoas se relacionavam com as esteiras e estrados. A casa pobre, provida de pouca mobília, possuía poucos objetos quase sempre dispostos ao chão. Vasos, cestas, recipientes com alimentos e utensílios do dia-a-dia se dispunham ao redor dos estrados, que forneciam certa delimitação de espaços, ainda que pouca, já que a própria casa não possuía uma divisão detalhada dos cômodos. As esteiras e os estrados caracterizam e protagonizam o hábito comum de sentar-se ao chão. Era a partir do chão, na maioria das vezes sentado sobre as esteiras, que as tarefas domésticas e cotidianas eram realizadas.
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Fig. 3: Tamboretes, ambos do século XVIII.
O tamborete, do francês tambouret ou tabouret, são cadeiras desprovidas de braços e espaldas ou encostos, que também desempenharam uma presença marcante no interior das casas brasileiras no século XVII (figuras 2 e 3). O uso dessa peça era tão significativo que até o início do século XVIII, as próprias cadeiras (com braços e espaldar) também eram chamadas, no vocabulário popular de tamboretes. Muitas vezes esse era o móvel presente em maior número nas casas coloniais do século XVII com mais posses. Provavelmente por ser de fabricação simples e rápida, era produzido em grande quantidade pelos artesãos e artificies da colônia. O uso de madeiras comuns e populares e a falta de decoração e ornamentos também é um fator que pode justificar o grande uso dessa peça no interior das residências. Outra peça de enorme utilização na colônia, a rede era largamente empregada como forma de suprir a necessidade de se sentar. Ao contrário do mobiliário de madeira, fortemente influenciado por estilos europeus, a rede se demonstra como uma peça verdadeiramente brasileira. Derivada da cultura indígena, a rede se adequou a vida doméstica colonial. O artefato se tornou uma solução e um costume generalizado, principalmente por se adequar ao clima quente da colônia e por não sobrecarregar, ou “atarracar” os ambientes. De início era feita de cipó, palha e liana ¹, e depois, a partir da vinda dos portugueses, passou a ser fabricada de algodão e a ser decorada com estampas.
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Figura 2: RUGENDAS, Johann Moritz. Família de Fazendeiros.
Figura 6: DEBRET, Jean Baptiste. Uma senhora brasileira em seu lar.
As figuras 4 e 5, retratadas praticamente no mesmo período, anos 1820, demonstram que tanto os habitantes de uma casa “do baixo povo” quanto o sábio de um gabinete do Rio de Janeiro utilizavam a rede para realizar suas atividades cotidianas. Isso evidencia a grande propagação da rede como um objeto de uso comum e cultural por toda a colônia. No ambiente doméstico havia uma clara distinção na forma como os móveis eram utilizados. Os assentos no interior das casas, principalmente as cadeiras com encosto alto, providas ou não de braços, comuns no início dos setecentos, eram destinados aos brancos, e as esteiras estendidas no chão, aos escravos. A figura 6, retrata de forma evidente essa diferenciação entre tipo de assento e posição social: os senhores brancos se acomodam nos assentos de madeira e os escravos realizam suas tarefas sobre estrados ao chão.
Figura 4: GUILLOBEL, J. C. Interior de uma casa do baixo povo.
A própria origem da palavra cadeira já denota a posse de uma posição privilegiada, com autoridade, como é o caso, de “cátedra” que explicita a autoridade de um professor, ou um bispo. Maria Helena Ochi Flexor (2009, p. 106) também enfatiza a destinação de cadeiras de braços e encosto alto para as pessoas mais graduadas. No caso da visita do Imperador D. Pedro II à Bahia ela relata: “Na ocasião da visita de D. Pedro II à Bahia, arrumou-se um pavilhão no Arsenal da Marinha e, dentro deste, ao fundo, foram colocados: “sob um pequeno estrado alcatifado de verde [...] três cadeiras de braços com espaldares, de rica obra de talha, as quais eram seguidas de um e outro lado de uma bancada de jacarandá com assentos de palhinha””.
Desse modo, percebe-se que o ato de sentar estava ligado ao uso de bancos, tamboretes, catres, redes e esteiras que possuíam, sobretudo, uma função prática. Entretanto, pouco se notava nessa época uma grande preocupação estética aplicada ao mobiliário.
Figura 5: DEBRET, Jean Baptiste. Sábio trabalhando no seu gabinete no Rio de Janeiro.
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Lúcio Costa, em “Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro” (1939, p.150), atribui essa falta de preocupação estética a não existência de nenhum interesse particular que estimulasse a criação de um novo aspecto de mobiliário, em substituição às formas já consagradas. O autor ressalta também a influência portuguesa nos móveis, que apesar de empregarem material brasileiro, os artificies que os fabricavam eram portugueses ou filhos de portugueses, e quando negros ou índios, o trabalho era sempre supervisionado por um português. Um fator que contribui para a repetição de formas estrangeiras era que o modelo de cadeiras vindo de Portugal era “simples e de fácil produção e vulgarização. De linhas retas, com seção quadrada ou retangular, tinham travessas igualmente retas. O assento e o encosto eram de couro lavrado ou liso e comum. Normalmente utilizou-se o couro sem lavor algum. A ornamentação lavrada, quando aparecia, resumia-se a estilizações de folhagens de acanto e flores em composição múltipla, entrelaçada, de toque barroco, ou com motivos geométricos” (figuras 7, 8 e 9). Por outro lado, Leila Algranti (2012, p. 110, 111) ressalta que a precariedade do mobiliário doméstico pode ser justificada inicialmente pela falta de recursos financeiros e pela ausência de artesãos competentes. Entretanto, mesmo depois da chegada ao Brasil de oficiais mecânicos ainda se notava a falta de conforto doméstico no interior das residências. Dessa forma, a autora relata que essa precariedade pode estar ligada ao modo de vida dos colonos, que, devido a trabalhos esporádicos em diferentes locais, possuíam estadia temporária em suas casas.
Figura 7: Cadeira de sola lavrada. Século XVII.
Figura 8: Cadeira de sola. Século XVII.
Outras hipóteses são que trabalho árduo para a sobrevivência não deixava muito tempo livre para se pensar em requintes na moradia e que havia pouco interesse na vida íntima, já que a sociedade colonial era marcada por formas restritas de sociabilidade doméstica. Sendo assim, é fato que em termos de mobília, a maioria das casas brasileiras do século XVII foi extremamente pobre, principalmente devido às condições de povoamento e pela vida dos habitantes estar voltada para a rua. Até mesmo nos inventários das fazendas paulistas constavam poucas cadeiras, poucas mesas e algumas caixas ou baús.
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Figura 9: Cadeira Rústica. Século XVII.
QUANDO A ESTÉTICA ENTRA EM CENA Por volta do século XVIII, alguns núcleos urbanos passaram a ter uma sociedade mais consolidada, principalmente com a política pombalina de fixar povoadores nas vilas e cidades. Essa política possibilitou “o atendimento ao conforto interno das casas, observando-se então, não só o aumento do número de móveis, como, sobretudo, a utilização crescente de peças especializadas, como as cômodas, guarda-roupas, sofás e mesas de esbarra ou de jogo, inexistentes nos seiscentos, ou a substituição de móveis”. (FLEXOR, M.H.O., 2009, p. 19).Da mesma forma, a assinatura de tratados de comércio e a vinda da família real portuguesa para o Brasil foram fatores decisivos para que os portos de Bahia, Recife e Rio de Janeiro passassem a importar novas mobílias de outros países da Europa e dos Estados Unidos. A mudança econômica e portuária do Brasil contribuiu também para o aumento do número de marcenarias e fábricas que produziam móveis em todos os estilos no próprio país. Assim, a quantidade de cadeiras nas casas, que até a primeira metade do século XVIII era mínima e quase insignificante, foi aumentando ao decorrer do século de seis para doze e chegou a atingir a quantidade de trinta e seis ou quarenta e oito cadeiras em apenas um cômodo, número que se manteve crescente no século XIX. Foi a partir da implantação da palhinha² no Brasil, introduzida em Portugal na primeira metade do século XVIII, que os assentos começaram a ser designados de cadeiras, diferenciando-se apenas pelos complementos: rasa, de braços, sofás, ou simplesmente cadeiras. A cadeira com palhinha passou a ser largamente utilizada, introduzindo um novo caráter de luxo e requinte nos assentos, que também passaram a ser recobertos por tecidos ou veludos. É importante destacar que esses novos materiais de ornamentação não estavam amplamente disponíveis no século anterior, e que seu alto uso no século XVIII se deve sobretudo a importação brasileira. Na mesma época, os assentos passaram a ser pintados de dourado, até mesmo a palhinha, e os móveis antigos passaram a ser readaptados à nova moda de influência estrangeira demandada pela população. Em fins do século XVIII, a sociedade já se encontrava mais estruturada, com artesãos e artificies altamente qualificados. Nessa época, começaram a surgir cadeiras que atendiam a necessidades específicas da nova sociedade como as cadeiras de campanha. Estas cadeiras eram mais leves, possuíam assento flexível, logo eram mais fáceis de transportar, e apareciam em diversos modelos com encosto ou rasas.
Figura 10: Cadeira do artesanato popular. Século XVIII.
Figura 11: Cadeira de Campanha. Século XVIII.
Figura 12: Cadeira de Campanha. Século XVIII.
² Assento feito a por meio de técnica de entrelaçamento de fibras vegetais (Algodão ou Rami).
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No século XVIII, a influência lusitana ainda se nota presente não somente nos na aparência das cadeiras, mas também nos nomes dos três estilos fundamentais da época, que foram retirados da nobreza portuguesa: estilos D. João V, D. José e D. Maria I (figuras 13, 14 e 15). Assim, devido as novas políticas instauradas no Brasil, a fabricação de cadeiras passou a ser mais elaborada. Vários oficiais mecânicos, como marceneiros e correeiros, interferiam separadamente na confecção das peças, cada um com uma função específica: [...] O marceneiro podia acumular a função de torneiro, mas não a de entalhador. O profissional dessa especialidade intervinha no móvel separadamente. Os entalhadores não tinham obrigação de cumprir os preceitos da Câmara, por estarem classificados na categoria dos escultores. (FLEXOR, Maria Helena Ochi, 2009) Desse modo, percebe-se que os assentos do século XVIII, passam a ser produzidos sobre uma nova perpectiva estética, resultado, especialmente, da nova demanda de uma sociedade consideravelmente mais estruturada nas vilas e povoados. Mudança mais significativa ocorrerá no século XIX, quando não só o número de cadeiras, como o de sofás e de marquesas, aumenta de forma significativa, principalmente devido a ascenção de uma nova burguesia, que importava constantemente peças da Europa.
Figura 13: Cadeira de sola lavrada em estilo D. João V.
CONCLUSÃO
A necessidade de sentar é um ação inerente ao ser humano. Apesar de o homus erectus ser, por definição, um ser que fica de pé, quanto mais evolui uma sociedade mais tempo esta tende a ficar sentada. Embora o mobiliário de assento ter sido indubitavelmente simples e presente em pequenos números no interior das casas no século XVII, ele possuía uma função essencial na realização das atividades cotidianas. Era sobre ele, principalmente no caso das esteiras e redes, que se descansava, que se comia e que se realizavam as tarefas diárias. A função prática, intrínseca ao mobiliário, começou a adquirir valores estéticos especialmente no século XVIII, com uma maior consolidação e estruturação da sociedade nos núcleos urbanos. A maior qualificação dos artificies e artesãos certamente influenciou o emprego de ornamentos e revestimentos sofisticados. Entretanto, mesmo com o aperfeiçoamento das técnicas construtivas brasileiras, ainda se nota a grande influência da metrópole portuguesa no modo de produção do mobiliário nacional.
Figura 14: Cadeira em estilo D. José I, de espaldar de tamanho grande. .
A partir da análise realizada neste trabalho se percebe uma evolução não apenas em termos de quantidade de cadeiras e ornamentos no interior das casas dos séculos XVII e XVIII, mas também uma evolução em termos de hábitos e forma de se sentar. Se antes o habitante se agachava, ou ficava de “cócoras”, para sentar nos estrados, tamboretes, a cadeira forneceu ao longo do tempo, a possibilidade de se sentar adquirindo uma postura mais ereta. Figura 15: Cadeira em estilo D. Maria I.
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REFERÊNCIAS Deve-se destacar também, a importância do estudo acerca do mobiliário brasileiro. Ângela Brandão em “Anotações para uma história do mobiliário brasileiro” (2009/2010, p. 44), ressalta, por exemplo, que a classificação do conjunto de mobiliário no Brasil colonial ainda é precária: [...] o móvel português trazido para a colônia; o móvel feito em Portugal com madeira brasileira; o móvel feito no Brasil por artífices portugueses; móveis feitos no Brasil por artífices locais, aprendizes de portugueses ou com modelos de móveis portugueses; o móvel feito no Brasil por artífices locais de modo rústico [...]; finalmente, o móvel feito no Brasil por artífices locais ou não, mas com temas decorativos inspirados na flora e fauna nativas.( BRANDÃO, Ângela, 2009/2010)
Ao buscar uma classificação, autoras como Tilde Canti classificam cadeiras e tamboretes dentro da categoria de móveis de descanso, juntamente com leitos, camas, catres e preguiceiras. Entretanto, não se deve restringir a função ao nome da categoria atribuída. As cadeiras e objetos relacionados, como exposto, apresentavam um papel muito mais abrangente que apenas um local de repouso ou leitura. Diversas atividades domésticas eram realizadas utilizando o móvel. A cadeira e similares, utilizados também como móvel de apoio, adquiriram papel central na residência. Era nela que as mulheres bordavam, teciam, que os moradores comiam, trabalhavam, era por meio dos assentos que as visitas eram recebidas e acomodadas. Portanto, a cadeira era, e ainda é, parte da rotina doméstica. Esse fato se evidencia claramente nas pinturas e retratos dos ambientes domésticos por artistas estrangeiros, em que o móvel de assento é sempre retratado como parte integrante do convívio familiar.
CANTI, Tilde. O móvel no Brasil: origem, evolução e características. Rio de Janeiro: C G De P Machado, 1980. 340 p. OATES, Phyllis Bennett. História do mobiliário ocidental. Lisboa: Presença, 1991. 263 p. ISBN 972-23-1392-4. RODRIGUES, José Wasth. Mobiliário do Brasil antigo: (evolução de cadeiras luso-brasileiras). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958. p. RODRIGUES, José Wasth. Mobiliário: as artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 1952.114p. FLEXOR, Maria Helena Ochi. Mobiliário Baiano. Brasília: IPHAN/ Programa Monumenta, 2009. 176 p. ISBN 978-85-7334-119-5. BRANDÃO, Ângela. Anotações para uma história do mobiliário brasileiro do século XVIII. Revista CPC, São Paulo, n. 9. p. 42-64, nov. 2009/ abr. 2010. MALUF, Marina Kosovski. Leveza e mobiliário no Brasil. COSTA, Lúcio. Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro. Revista do serviço do patrimônio histórico e artístico nacional (SPHAN), Rio de Janeiro, n. 3, p. 149-162, 1939. ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e vida doméstica. História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 4 v. ISBN 9788571646520 (v. 1).
MUSEU DA CASA BRASILEIRA. Cadeiras Brasileiras. São Paulo: Museu da casa brasileira, 1994. MANUAL TORCETEX. Assento de Palhinha para Cadeira. 04 p.
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O jardim residencial
No Rio de Janeiro do século XVI ao XIX Por Dayane Costa RESUMO O artigo tem como foco de estudo os jardins residenciais, e irá demostrar a difusão e transformação desses espaços nas casas do Rio de Janeiro entre os séculos XVI ao XIX. Os jardins sempre estiveram presentes na casa brasileira e ajudaram a construir a história do paisagismo no Brasil. A transformação dos jardins acontece simultaneamente às modificações pelas quais passaram a arquitetura residencial, sendo a casa, um dos principais elementos modificadores desses espaços, que apresentam inicialmente, um ambiente disposto no quintal da casa, de aspecto utilitário e sem ornamentos e passam a ser um ambiente de caráter estético e recreativo, com a presença de elementos decorativos de influencia europeia, que se dispersam do quintal para o recuo lateral e frontal que a casa passa a ter a partir do período imperial. Para isto, adotase como ponto de partida para a compreensão da história dos jardins no Rio de Janeiro, relatos e pinturas de viagem do século XIX e textos da literatura brasileira que retratam a transformação da paisagem brasileira durante o período colonial e imperial. Palavras-chave: Jardim residencial. Jardim colonial. Jardim imperial. Rio de Janeiro. Paisagismo. INTRODUÇÃO O paisagismo sempre esteve atrelado à arquitetura, como prática de organização do espaço, ao mesmo tempo em que configura aspectos estéticos, funcionais e históricos, porém no Brasil dos séculos XVI, XVII e XVIII não é verificada uma preocupação paisagística similar a da Europa. Havia muitos trechos de mata dentro das cidades e nenhuma arborização urbana. Um dos primeiros indícios de paisagismo no país foi, a concepção do jardim, que no período colonial, era representado por hortos, largos, terreiros e quintal, e tinha caráter utilitário, desempenhando o papel de cultivo de frutos, ervas medicinais e flores. O valor estético do jardim foi inserido no contexto urbano brasileiro em meados do século XIX, quando a família real portuguesa foi transferida para o Rio de Janeiro. Esse acontecimento exigiu que partes da cidade carioca fossem remodeladas segundo as influências da burguesia europeia, processo que o escritor brasileiro Gilberto Freyre denominou, no livro Sobrados e Mucambos (1936), de “europeização¹”, que foram as mudanças dos hábitos de vestir, de leitura, de consumo, arquitetura (que começa a apresentar um estilo neoclássico) e a introdução do paisagismo nas cidades brasileiras. A partir de então, desencadeia um processo de formação de passeios públicos, praças e parques, concomitantes à formação de jardins botânicos com viveiros para pesquisa e reprodução de mudas de espécies de valor econômico e ornamental, isso se deve a implementação de profissionais europeus no país, com o objetivo de modernizar as principais cidades brasileiras. A maior parte das obras de arborização urbana que aconteceram
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¹ “ No Rio de Janeiro a europeização dos edifícios públicos e dos sobrados de alguns dos homens mais ricos da Corte começara com a chegada do Príncipe. Com a missão de artistas franceses que veio para o Brasil no tempo de Dom João VI [...] Tudo que era português foi ficando “mau gosto”; tudo que era francês ou inglês ou italiano ou alemão foi ficando “bom gosto”*...] (FREYRE, 2000, p. 336).
nesse período na cidade do Rio de Janeiro é atribuída ao paisagista francês Auguste François Marie Glaziou, que foi responsável pela introdução do estilo do jardim inglês (jardim paisagístico) nos jardins brasileiros. Outra influencia marcante nos jardins das casas cariocas mais sofisticadas, é o jardim francês, com a presença de parterre², chafariz e plantas de origem europeia.
O JARDIM RESIDENCIAL NO RIO DE JANEIRO DURANTE O PERÍODO COLONIAL (SÉCULO XVI, XVII E XVIII) O paisagismo durante os séculos XVI ao XVIII foi marcado pela inserção dos jardins religiosos, os quintais e pomares nas cidades, mas principalmente pelo jardim colonial inserido na casa, que normalmente era térrea, erguida sem recuo frontal ou lateral, sendo simplesmente conformada às ruas estreitas e tortas (figura 1). O professor Nestor Goulart Reis Filho, no seu livro "Quadro da arquitetura no Brasil” descreve o lote urbano colonial: [...] Nossas vilas e cidades apresentavam ruas de aspecto uniforme, com residências construídas sobre o alinhamento das vias publicas e paredes laterais sobre os limites dos terrenos. Não havia meio-termo; as casas eram urbanas ou rurais, não se concebendo casas urbanas recuadas e com jardins. De fato, os jardins, como os entendemos hoje, são complementos relativamente recentes [...] (REIS FILHO, NESTOR GOULART, 2000, p. 22).
No livro, o professor ainda afirma que inexistiam os jardins domésticos, e que somente os pomares se destacavam na residência, assim como José Tabocow (2004), que destaca que ao
Figura 1: Pintura de Jean Debret, Cidade do Bananal (1827), mostra as casas com seus quintais.
longo do período colonial (séculos XVI, XVII e XVIII), não se pode caracterizar um jardim brasileiro tradicionalizado, podendo indicar que, a paisagem artificial embelezadora da vida privada, urbana e rural, é as arvores frutíferas importadas e o pomar. Porém o que constatamos é que o jardim existia, ele ficava no quintal da casa, longe do olhar dos pedestres e tinha caráter utilitário, um misto de jardim de flores – pomar – horta, que até hoje é, em menor escala, a mais difundida e utilizada no país. Os jardins coloniais não eram registrados com muita frequência durante o século XVI ao XVIII, mas despontam com assiduidade nas crônicas dos viajantes que transitaram pelo Brasil durante o século XIX, bem como nas cartas e relatos dos padres e religiosos. Em 1585, o Padre Fernão Cardim³, quando estava no colégio dos padres nas proximidades do Recife, narrou:
² Parterre é um jardim formal de origem francesa, consiste em canteiros de flores e plantas, rodeados de alamedas de passeio, normalmente pavimentadas e dispostas simetricamente. ³ Fernão Cardim foi um jesuíta português que embarcou no Brasil no ano de 1583, como secretário do visitador da Companhia de Jesus. Sua obra, constituída por dois tratados e cartas, foi elaborada ao longo da década de 1580, embora suas obras sejam pequenas, seus relatam são significativos para acompanhar o histórico da realidade geográfica e humana do Brasil. .
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[...] à tarde fomos merendar à horta, que tem muito grande, e dentro nela um jardim fechado com muitas ervas cheirosas, e duas ruas de pilares de tijolo com parreiras, e uma fruta que chamam maracujá, sadia, gostosa e refresca muito o sangue em tempo de calma, tem ponta de azedo, é fruta estimada. Tem um grande romeiral de que colhem carros de romãs, figueiras de Portugal, e outras frutas da terra. e tantos melões, que não há esgotá-los, com muitos pepinos e outras boas comodidades. Também tem um poço, fonte e tanque, ainda que não é necessário para as laranjeiras, porque o céu as rega: o jardim é o melhor e mais alegre que vi no brasil, e se estivera em Portugal se pudera chamar jardim. (CARDIM, FERNÃO, 1939, p. 239-290).
Apesar da citação do padre ter sido feita em Recife, o relato descrevia a realidade dos jardins constatada em várias cidades que surgiam no país no século XVI, inclusive no Rio de Janeiro. Os elementos decorativos dos jardins residenciais nessa época eram escassos, sendo na maior parte das vezes compostos de poço, fonte e/ou tanque. A presença da água, por meio dos poços e tanques, estava associada à condição de ludicidade nos espaços produtivos e contribuíam para o incremento da qualidade vivencial em tais locais. Os jardins eram cercados, dispostos nos fundos das casas (quintal), nas fazendas ou quintas. A vegetação era um elemento de destaque no jardim colonial, pois o plantio de subsistência contribuía para o desenho do espaço, que era composto por hortaliças, legumes em meio às flores, plantas herbáceas, frutas, principalmente os cítricos, como a laranja (Figura 2 e 3). A laranjeira era uma árvore frutífera recorrente no quintal da casa carioca, pois se destacava pelo aroma e pela gama de utilização do fruto na culinária, o que a tornava bastante atrativa. Observa-se nesse espaço plantas com finalidades alimentar, condimentar, medicinal e ornamental, frequentemente organizadas pela criatividade dos moradores locais (nesse período os profissionais do campo paisagístico não eram difundidos no país), sempre atentos às condições favoráveis do plantio.
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Figura 2: Retrata o quintal da casa brasileira. Pintura de Marianne North.
Figura 3: Corte esquemático de uma casa colonial brasileira (REIS FILHO, 1995, p. 29).
Na antiguidade, os jardins egípcios assemelhavam-se aos jardins coloniais, pois eram desenvolvidas nesses espaços plantas e frutos para consumo próprio, como as uvas, romãs, tamareiras, plantas da flora nativa e outras importadas, como maçãs, mirra, palmeira e amendoeira. Nas áreas que tinha a presença da água eram cultivados papiro e lótus. Gilberto Freyre descreve o jardim colonial no livro Sobrados e Mucambos:
O jardim da casa brasileira, enquanto conservou a tradição do português, foi sempre um jardim sem a rigidez dos franceses ou dos italianos; com um sentido humano, útil, dominando o estético. Irregulares, variados, cheios de imprevistos. [...] Eram também característicos dos velhos jardins de casas brasileiras os canteiros, feitos às vezes de conchas e marisco. Várias plantas eram cultivadas neles sem motivo decorativo nenhum: só por profilaxia da casa contra o mau-olhado: o alecrim e a arruda, por exemplo. [...] Outras plantas eram cultivadas principalmente pelo cheiro bom; pelo ‘aroma higiênico’ [...]: o resedá, o jasmim-de-banha, a angélica, a hortelã, o bogari, o cravo, a canela. [...] Ainda outras plantas se cultivavam no jardim para se fazer remédio caseiro, chá, suadouro, purgante, refresco, doce de resguardo: a laranjeira, o limoeiro, a ervacidreira. [...] Muita planta se tinha no jardim só pela cor sempre alegre das suas flores [...](FREYRE, 2006, p. 320).
Além de espaço de cultivo, o jardim também era um ambiente onde, segundo Leila Mezan Algranti (2012), se podia usufrui um pouco de intimidade, que não era muito frequente na sociedade colonial, como senhoras tecendo com suas mucamas, mulheres amamentando em meio a outras pessoas, sem falar nas varandas que se abriam para o quintal, onde o movimento e burburinho das atividades era incessante, tornando o jardim um espaço cada vez mais importante da casa.
O JARDIM RESIDENCIAL NO RIO DE JANEIRO DURANTE O PERÍODO IMPERIAL (SÉCULO XIX) Durante o século XIX, desenhava-se nos subúrbios do Rio de Janeiro, uma nova paisagem, devido à burguesia em ascensão. As casas térreas e germinadas passam a se transformar em sobrados, em sua grande maioria, recuados das calçadas, muradas, gradeadas e com entorno ajardinados. Os jardins residenciais do século XIX possuíam ainda, as características do período colonial, o jardim com sentido útil (misto de horta com jardim de fruição), em detrimento do valor estético, pois passam a adquirir ornatos, como estátuas, vasos, chafarizes, azulejos e fontes (na maioria das vezes esses ornamentos tinham como materiais, a porcelana portuguesa e pedras como o granito, mármore e pedra sabão), tornando um espaço de embelezamento. Outras características que acompanha o desenvolvimento dos jardins é o mobiliário, como cadeiras e mesas, que davam a funcionalidade de recreio e descanso, comuns nos jardins de caráter mais funcional, assim como os jardins da antiga Pérsia, que eram conhecidos por terem os seus chamados “jardins paradisíacos” (Figura 4), cujas intenções eram criar um espaço recreativo e de descanso espiritual do visitante. . Esses jardins tinham traçado geométrico rígido, eram constituídos por fontes, plantas e árvores com aspectos ornamentais e simbólicas, como o Cipreste, que era o símbolo da passagem da vida para a eternidade, e as árvores frutíferas, que representavam a vida e a fertilidade. Outras culturas que criaram jardins funcionais e ornamentais foram a grega e a romana. A Grécia assimilou o gosto pela construção de jardins, importando da Pérsia, seus jardins paradisíacos, enquanto que os romanos, na busca de novos territórios de dominação, assimilaram principalmente da cultura grega, a concepção de seus jardins, no qual eram colocados afrescos, fontes e plantas podadas que se integravam com a arquitetura da casa. Com a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, a residência urbana muda, mudando o jardim. A casa era simples,
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normalmente uma casa térrea, de porta e janela, com sala e varanda, ou o sobrado, de dois a quatro pavimentos, que eram desenvolvidas de taipa de pilão ou pedra e cal, construídas sempre com os materiais disponíveis no entorno. A casa que durante o período colonial era construída lado a lado, sem recuo frontal e definição de calçadas, sendo constituída apenas pelo quintal, no lado posterior da casa, passa a estabelecer-se com recuos frontais e laterais, alterando a concepção do jardim, que deixou de estar associado às hortas e pomares, tornando-se essencialmente estético. Os recuos frontais foram ideais para a implantação do jardim em frente à residência, que passa a ter um caráter de embelezamento da fachada, possibilitando um maior contato do transeunte com a casa, tornando-se um elemento de valorização da arquitetura residencial. Os recuos laterais permitiram que, em alguns casos, o jardim circundasse a residência, apresentando um traçado geométrico ou sinuoso, de influencia francesa e inglesa (Figura 5), com misturas de plantas de origem européia e nativas, como flores (rosas e camélias foram bastantes difundidas nessa época) e arbustos.
Como base auxiliadora para a compreensão do paisagismo durante o período imperial no Brasil, devemos voltar ao século XV, época que foi marcada pelo o início do Renascimento na Europa e o início de novas tendências paisagísticas, como o novo conceito de jardim unitário, que relaciona paisagem com a edificação. Surgiram os jardins botânicos e também o comércio de plantas para coleção, resultado da expansão europeia em novos continentes. Na Itália iniciou-se a restauração dos mais belos parques e dos jardins das “vilas romanas”, que serviram como modelo para a construção de novos jardins, que eram constituídos por formas geométricas e formais. Os jardins franceses assemelhavam-se aos medievais, que utilizavam canteiros com flores, ervas e hortas, porém a França recebeu influencia de paisagistas italianos e passou a valorizar os traçados simétricos, rígidos e a perspectiva, que propiciava uma sensação de grandiosidade e tendo o Parterre como elemento significativo no paisagismo francês, um dos
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Figura 4: Jardins Persa/paradisíaco.
de
Taj
Mahal
na
Índia
-
jardim
Figura 5: Jardim residencial durante o século XIX - influencia francesa. Aquarela de José Joaquim Viegas, de 1809.
principais exemplos dessas características é o Palácio de Versalhes, construído em 1688 (figura 6). Na Inglaterra, os jardins eram exaltados pela paisagem natural, ou seja, eram grandes gramados com lagos, rios, pequenos bosques, árvores mortas, plantas podadas, havia uma valorização pelo o estilo mais informal (Figura 7). No final do século XIX, o jardim ganhou mais importância no lote urbano. Nas residências mais amplas, como nos palacetes e chácaras, o jardim lateral foi inserido com a intenção de melhorar as condições de arejamento e iluminação, ligando esses jardins a construção por meio da criação das varandas, que se tronou um dos elementos mais comuns da casa brasileira. Figura 6: Jardins do Palácio de Versalhes.
Figura 7: Jardim inglês.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Hoje, o que se valoriza no âmbito paisagístico brasileiro é o jardim de cunho estético, é o jardim que eclodiu no século XIX, que possui aspecto europeu. As arvores e plantas do jardim não correspondiam, na maioria das vezes, a vegetação nativa ou tropical, eram áreas ajardinadas por rosas e camélias. O jardim colonial, de caráter utilitário, não tem essa valorização, talvez por se julgar um espaço simples, sem técnicas ou por ter sido pouco explorado pelos estudiosos e visitantes do período colonial, porém ele é um aspecto fundamental da casa urbana e rural, pois continua impregnada à paisagem brasileira, sendo marcada por um ambiente de recreio e produtividade. A arquitetura residencial, entre os séculos XVI e XIX, passou por uma série de transformações que modificou os espaços dos jardins. A casa erguida sem recuos, em lotes estreitos e compridos, com jardim ao fundo, passou a ser construída recuada em relação aos limites do lote, com jardim frontal ou lateral. As fachadas das residências mudavam de acordo com as influencias externas, o jardim seguiu esse mesmo trajeto, assumindo características francesas ou inglesas, com um traçado geométrico ou sinuoso. A europeização transformou a paisagem tanto no âmbito privado como no público configurando-se um novo cenário para a cidade brasileira.
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REFERÊNCIAS
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TABACOW,José. Arte e paisagem: conferencias escolhidas/ Roberto Burle Marx. São Paulo: Studio Nobel, 2004.
C O S T U M E S
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Dança de salão e suas origens da Europa ao Brasil
Por Vanessa C. S. Cardoso RESUMO O trabalho proposto apresenta uma discussão sobre a origem da dança de salão na Europa e sua chegada ao Brasil através da colonização portuguesa no século XVI. A partir da consulta de livros, teses e artigos sobre a história da dança de salão ao longo do tempo, seus principais estilos, características e evoluções no período proposto, fez-se uma reflexão acerca do surgimento, desenvolvimento e influências das danças europeias e como sua evolução integrou as classes sociais da época, quebrando o paradigma tanto em relação a mistura dessas classes, quanto no contato físico entre homens e mulheres. Procurou-se analisar também como essas influências vindas da Europa se difundiram na jovem cultura do Brasil após a chegada da família real ao Rio de Janeiro em 1808. Também avaliou-se como a problemática de divisão de classes vinda da Europa se desfez ao chegar em solo brasileiro e como houve a formação das primeiras danças de salão tipicamente brasileiras – o maxixe e o samba de gafieira. Palavras-chave: Dança de salão. Cultura. Período Colonial. Brasil. Europa. INTRODUÇÃO A Dança de Salão é uma modalidade muito praticada no Brasil e vem cada vez mais crescendo com o incentivo e resgate da cultura. De acordo com Hass e Garcia (2006), o termo dança de salão refere-se a diversos tipos de danças, executadas necessariamente a dois, dançadas com músicas e ritmos diferentes, provenientes de uma época e região exclusiva, as quais sofreram modificações culturais ao longo do tempo e são praticadas por lazer, mas também são consideradas como esporte nos países europeus. Este trabalho vem elucidar a importância da dança e suas características na cultura europeia ao longo dos anos e como ela participou da formação da cultura brasileira no Brasil Colônia. O tema partiu da necessidade de informações de como a dança livre praticada pelos povos se desenvolveu e evoluiu até se tornar dança de salão. Logo, escolheu-se esse período de abordagem pelo fato dele ser o mais significativo em relação ao surgimento da dança de salão tanto na Europa quanto no Brasil. Mas, antes de chegar em território brasileiro, como a dança de salão se apresentava? A primeira parte do artigo trata sobre a evolução da dança na Europa, os primeiros estilos dançados, sua finalidade na sociedade e seu modo de integrar a nobreza com a plebe, além da problemática do contato muito próximo entre homens e mulheres. E de que forma as danças vindas da Europa influenciaram a cultura brasileira? Ela foi resultado da miscigenação das culturas europeia e africana? A segunda parte do artigo trata sobre como as influências da colonização no Brasil serviram para a criação de uma cultura e de uma dança brasileira, a partir da mistura entre os ritmos da corte e dos negros. Ao final, percebe-se que a cultura brasileira é única pelo fato de ter se moldado ao longo do tempo através de todas as influências que sofreu.
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SURGIMENTO DA DANÇA DE SALÃO NA EUROPA As primeiras danças de salão surgiram na Europa durante o Renascimento (século XV) com a intenção de servirem como entretenimento nos festejos, casamentos e ocasiões políticas, além de serem um artifício para distrair reis e príncipes. É importante ressaltar o fato de que este foi período no qual [...] aconteceram mudanças importantes e significativas com a libertação nos campos das artes, cultura e política. Todas essas transformações influenciaram no pensamento e no comportamento, na nova forma de viver, havendo uma retomada da valorização do corpo e da maneira das pessoas dançarem; ou seja, de certo modo, a cultura do Renascimento realizava uma aproximação entre a elite e o povo [...] (JOSÉ, 2005, p. 39)
Dessa forma, elas logo tornaram-se muito apreciadas entre a plebe e entre os nobres, sendo que as primeiras danças de salão eram praticadas exclusivamente por nobres e aristocratas nos balés da corte. Essas danças nada mais eram que a representação da nobreza para a nobreza, passando a ser um complemento importante e essencial na vida da corte dos palácios renascentistas. Elas também faziam parte de sua educação – dança como sinônimo de etiqueta - e os diferenciavam das classes mais baixas, os quais dançavam danças folclóricas¹. Entretanto, seu desenvolvimento só foi possível através da junção da dança folclórica com a dança da corte. Pontes (2011) destaca que ela se consolidou baseada em duas vertentes: dança teatral e dança social. A dança teatral refere-se à apresentação, espetáculo e entretenimento. A dança social é voltada para socialização, interação e lazer, em que os praticantes procuram se divertir antes da técnica e da apresentação cênica, além de ser geralmente praticada em ambientes de cunho social, salões e festas.
Segundo Bourcier (2001), quando a prática da dança social começou a ser levada a sério, teve início a organização da dança de salão em si. Além das pessoas que dançavam socialmente também existiam as que dançavam com finalidade competitiva. Foram os ingleses os primeiros que percorreram vários países para encontrar a síntese de cada ritmo, codificando a forma de dançá-los para criarem as primeiras competições.
A MAIOR EXPRESSÃO DA DANÇA DE SALÃO NA EUROPA: OS BALÉS DA CORTE Os séculos XVI e XVII foram os grandes séculos dos balés da corte. Neles, os nobres se reuniam com o intuito de comemoração e as relações interpessoais aconteciam através da dança, as quais eram elaboradas para o contexto das festividades com a formalidade das normas de sociabilidade e etiqueta. Primeiramente, a dança era feita como forma de entretenimento de monarcas e apresentação de suas influências políticas. Bourcier (2001, p.73) explica que, até o reinado de Luís XIII, a dança de corte era utilizada como “meio privilegiado de propaganda e logo em seguida como meio de afirmação da monarquia e como princípio de cerimônia de adulação da pessoa do rei”. Depois os balés assumiram a função melodramática de interesse pessoal pela dança, chegando ao auge de sua importância. Desse modo, as danças da corte foram um elemento essencial e ativo da sociedade e de extrema importância histórica, pois possibilitaram a criação de novas práticas culturais no decorrer da história das sociedades. Assim, A sociedade da corte se caracterizava por novas formas de comportamento, pelo controle da afetividade, por hierarquias e posições sancionadas pela etiqueta. Consequentemente as danças da corte ocuparam um papel importante na aprendizagem de boas maneiras, servindo para completar a formação da educação dos cortesãos [e impor a afirmação da política]. (JOSÉ, 2005, p.35-36)
¹As danças folclóricas são danças coletivas, ou seja, as danças populares praticadas pelos camponeses, dançadas em roda e de mãos dadas, desenvolvidas em pares e em quadrilhas, em momentos de celebração, descontração e comemoração, as quais foram trazidas para a corte dos castelos feudais da França e da Itália. (JOSÉ. 2005, p.35)
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José (2005) salienta que as danças da corte distinguiam-se uma das outras pela métrica e pela evolução, de maneira que cada uma tinha suas próprias características. A autora ainda expõe que foi nesta época que surgiram os dançarinos e professores de dança nas cortes. Ainda nessa lógica, Mendes (1987) complementa que toda a Europa procurava esses profissionais na França. Os aristocratas queriam cada vez mais se especializar e aprender coreografias para dançar nos balés. De acordo com Bourcier (2001), esses dançarinos – os quais pertenciam ao mesmo ciclo de interações sociais dos príncipes - eram contratados pelos nobres para que lhes ensinassem as danças sociais², que ao chegarem aos salões da corte, ganharam refinamento e status. A partir daí [...] surge o profissionalismo [...] até então, a dança era uma expressão livre; a partir deste momento, toma-se consciência das possibilidades de expressão estética do corpo humano e da utilidade das regras para explorá-los. Além disso, o profissionalismo caminha, sem dúvida, no sentido de uma elevação do nível técnico. (BOURCIER, 2001, p.64)
Essa influência foi um marco para a dança, pois esses dançarinos aprenderam também as danças folclóricas, adaptando a maneira aristocrata de dançar, através da incorporação dos aspectos da dança plebeia. Além disso, os professores também levavam conhecimentos da aristocracia à plebe, revogando o paradigma de que essas classes não poderiam se misturar. Logo, as danças realizadas pelas classes baixas nas suas festas e comemorações chegaram aos salões da nobreza por meio desses professores, os quais proporcionaram uma fusão do estilo nobre (balés da corte) com o estilo popular dos camponeses (danças folclóricas). Além disso, a partir do século XVIII, as danças da corte passaram para os salões e dos salões para os bailes públicos. A criação desses bailes públicos fez com que um grande número de pessoas, das mais diferentes camadas da sociedade, pudessem se divertir conjuntamente, executando as danças com as mais diferentes coreografias. (JOSÉ, 2005)
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AS DANÇAS SOCIAIS E SEUS ESTILOS NA EUROPA Na corte, nunca se inventou dança alguma. A dança praticada nos salões coloniais, ao longo do século XIX foi sempre o resultado da apropriação e adaptação de inúmeras danças populares. Portinari (1989) também salienta sobre a questão das danças vindas de manifestações populares. Por possuírem vestuários de difícil movimentação - por causa de seu peso e volume - e para que esses passos fossem executados na corte, eles foram adaptados de acordo com o requinte do ambiente. Logo, essa expressão popular sempre esteve presente nas danças da corte, de modo mascarado pela adaptação dos trajes e dos passos. Além disso, essas danças representavam a oportunidade de convívio próximo entre os sexos. Inicialmente as danças sociais não eram realizadas a dois, mas sim em grupos formando filas de pares de dançarinos ou geralmente em rodas (figuras 1 e 2), onde damas e cavalheiros dançavam separados na mesma coreografia (PER-NA, 2002). Figura 1: Dança folclórica em fila.
Figura 2: Dança em roda (salões).
²As coreografias apresentadas nos bailes eram previamente definidas, aprendidas e coordenadas por esses mestres de dança profissionais, que viajavam pelas cortes produzindo e ensinando as danças paras as grandes ocasiões [...] (JOSÉ, 2005, p.38)
Toneli (2007) destaca os primeiros estilos surgidos: a pavana (figura 3), a gavota (figura 4) e o minueto (figura 5), sendo este último o de maior sucesso, tanto no seu país de origem (a França) como em outros países da Europa e América. As coreografias veneravam a mulher, a qual era cortejada pelo cavalheiro enquanto executava seus movimentos suaves e graciosos.
Figura 5: Dança estilo Minueto. Casais se tocavam levemente pelas pontas dos dedos e as damas faziam movimentos de giro.
Figura 7: Dança estilo Chacona. Parecida com o minueto, mas era feita com apenas um casal por vez enquanto os outros observavam.
Após essas, surgiram outros estilos de dança como o canário (figura 6), a chacona (figura 7) e a passacale, (vindas da Espanha), o pazzo, a galharda (figura 8) e a volta (vindas da Itália). (BOURCIER, 2001).
Figura 8: Dança estilo Galharda. Outra dança tipicamente folclórica, dançada em pares separados.
Figura 3: Dança estilo Pavana. Casais formando filas um de frente para o outro e sem se tocar.
Figura 4: Dança estilo Gavota. Casais se tocam pelas mãos, mantendo-se uma certa distância.
Figura 6: Dança estilo Canário. Dança inicialmente folclórica e feita em roda.
O estilo responsável por colocar damas e cavalheiros juntos, corpo a corpo, foi a valsa (figuras 9 e 10), derivada da Áustria e Alemanha, que chegou à França no final do século XVIII, tornando-se muito popular nos salões da corte.
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Figuras 9 e 10: Dança estilo Valsa. Corpos mais elegantes e dança mais flutuante.
chamou de ápice da imoralidade Além de dançar próximas dos cavalheiros, as damas eram levantadas por eles na execução de pequenos saltos. Devido a esses movimentos, as longas saias levantavam-se, revelando a parte dos tornozelos e, às vezes, até a dos joelhos, o que ia contra o que diziam os princípios da época. Entretanto, de acordo com Mendes (1987), esse fato não fez com que a dança parasse sua expansão. Ela readquiriu esplendor e autonomia no decorrer dos séculos XVII e XVIII, sendo realizada com mais seriedade, compartilhando interesses comuns entre homens e mulheres, de modo que todo esse contrassenso de dançar em casal passou a ser um exercício natural nos bailes sociais, uma forma de conceber fama e fortuna ao profissionais de ambos os sexos e uma forma de diversão e cortejo entre os pares.
INFLUÊNCIAS DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA NA CULTURA BRASILEIRA
Juntamente com as transformações sociais houveram também mudanças na dança. A principal delas foi o contato físico indispensável ao dançar, o qual escandalizou a sociedade da época. Os bailes na corte começavam com uma dança coletiva, onde os homens e mulheres eram distribuídos em fileiras - homens se alinhavam atrás do rei e as mulheres atrás da rainha. Ambos tocavam-se suave e delicadamente pelas mãos e faziam reverências uns aos outros, mas sempre mantendo a separação física (JOSÉ, 2005, p.37). Com a influência da valsa, da volta e da galharda, a dança chegou ao que se
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A descoberta do Brasil por Portugal, em 1500, e sua integração ao sistema mercantil do período lançou as bases sociais e culturais do Brasil Colonial. Silva (1981) diz que o conceito de cultura era visto como parte da sociedade e como parte do processo de autoformação do homem e seus diferentes modos de vida. Entretanto, após a chegada de Portugal, ele passou a ser um produto proveniente do reflexo das relações materiais, concebido de acordo com a lógica do processo tecnológico implementado. Contraditoriamente a essa ideia, Schelling (1990) defende que, com as mudanças sofridas pela colonização, também surgiu um certo grau de unidade cultural no Brasil, devido ao monopólio português - que isolava o país de contatos com outras nações - e graças às atividades missionárias e catequizadoras da ordem jesuítica. Dessa forma, já na transição entre colônia e império, é possível detectar os sinais deixados pela situação de dependência, em que
[...] a cultura brasileira traz a marca de sua formação heterogênea e altamente estratificada; de um lado havia a cultura europeia dominante e as culturas populares portuguesa e africana subordinadas nas regiões costeiras e de exportação; e de outro lado, a cultura indígena, que predominava na região amazônica e no interior [...] (SCHELLING, 1990, p. 50).
as mudanças em relação à dança na Europa, pois saber dançar significava ter requinte e boa educação. Sobre isso Perna (2002, p.14) afirma que: "A música e a dança eram manifestações de lazer preferidas pela Corte e pela sociedade letrada. A partir de então qualquer evento era motivo para um baile [...]".
Por conseguinte, essa estrutura para a formação de uma cultura literalmente brasileira só foi possível depois da chegada de D.João VI e sua corte à colônia em 1808, quando houveram significativas mudanças no modo de transmissão dessa cultura vinda da Europa. Holanda (1991) afirma que essa tentativa de implantação da cultura em extenso território é o fato mais dominante para o país, porque até hoje não se sabe se há uma cultura literalmente brasileira.
Perna (2002) afirma que o surgimento da dança de salão no Brasil aconteceu no século XVI com a chegada dos portugueses. No entanto, foi somente com a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, que a etiqueta, os costumes, os aspectos sociais e culturais da corte portuguesa - dentre estes a prática de bailes - se difundiram na rudimentar sociedade brasileira. Professores europeus foram trazidos para ensinar dança à nobreza brasileira, fazendo com que esta acompanhasse as mudanças em relação à dança na Europa, pois saber dançar significava ter requinte e boa educação. Sobre isso Perna (2002, p.14) afirma que: "A música e a dança eram manifestações de lazer preferidas pela Corte e pela sociedade letrada. A partir de então qualquer evento era motivo para um baile [...]".
A DANÇA DE SALÃO NO BRASIL Perna (2002) afirma que o surgimento da dança de salão no Brasil aconteceu no século XVI com a chegada dos portugueses. No entanto, foi somente com a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, que a etiqueta, os costumes, os aspectos sociais e culturais da corte portuguesa - dentre estes a prática de bailes - se difundiram na rudimentar sociedade brasileira. Professores europeus foram trazidos para ensinar dança à nobreza brasileira, fazendo com que ela acompanhasse
Segundo Monteiro (2011), o interesse pela dança nos séculos XVI, XVII e XVIII, no Brasil colônia, remete a questões relativas às práticas de dança ligadas à afirmação do poder monárquico, às disputas
de jurisdição e privilégios, ao empreendimento catequético, à educação disciplinar do corpo, à construção de identidades étnicas e à construção da sociabilidade nas colônias. Além disso, as matrizes da dança popular são criadas a partir de questões estéticas, éticas e políticas, de forma a comunicar interesses diversos a partir do caráter eminentemente político dessas comemorações.
FORMAÇÃO DOS ESTILOS DE DANÇA DE SALÃO BRASILEIROS Os processos formativos das danças populares brasileiras são compreendidos como uma mistura das culturas dos primeiros colonizadores com a dos índios, dos negros africanos e imigrantes, propiciando a formação de uma cultura essencialmente brasileira. Seguindo essa lógica, Toneli (2007) ressalta que, no começo, a dança de salão só era praticada pela elite. Paralelamente a ela, os escravos executavam suas danças típicas, que posteriormente influenciaram na ampliação de novos gêneros de danças sociais genuinamente brasileiras. Monteiro (2011) afirma que a dança da corte, tradição francesa exportada para todas as cortes europeias, chegou aos salões da colônia com fortes extensões para os festejos na América Portuguesa. O sucesso das danças europeias
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foi tão grande que qualquer evento era motivo de bailes para a aristocracia. Perna (2002) mostra que a valsa foi a primeira dança realizada em pares enlaçados a chegar ao território brasileiro, com data de 1837. Além desta, também vieram o minueto e a gavota. A partir disso, a dança de salão atingiu seu auge na sociedade brasileira no século XIX, apresentando inúmeros bailes, escolas de dança e anúncios sobre aulas nos jornais. Porém, não só a aristocracia dançava. Toneli (2007) diz que a sociedade menos favorecida – os negros vindo da África - também praticavam suas danças populares. Não eram as danças da corte, mas sim danças cantadas em roda, com movimentos dos pés marcados ao ritmo das palmas e instrumentos de percussão, com movimentos requebrados e extremamente sensuais. Como exemplos tem-se a umbigada (figura 10), o batuque (figura 11) e o lundu (figura 12), que com o tempo chegaram aos salões da alta sociedade e contribuíram para a formação de novas danças. Os dançarinos das classes baixas incorporavam a sensualidade nas danças da corte, fato que não foi bem visto à princípio.
Por volta de 1870, surgiu o maxixe (figura 13), primeira dança de salão brasileira de par unido e enlaçado. Sua coreografia consistia de movimentos amplos, largos, e exagerados, extrema agilidade, mobilidade dos quadris em movimentos requebrados, encaixe das pernas e do rosto colado - inicialmente utilizava-se os passos do batuque e do lundu. O maxixe destacou-se inicialmente como uma dança popular urbana, vinda das camadas populares cariocas, como uma representação da versão nacional da dança europeia junto com a africana, ou seja, um exemplo de hibridismo cultural. Desde o início, esta dança era ligada à noção de imoralidade, vulgaridade e baixa categoria, demonstrando o preconceito vigente. Por muito tempo, foi considerada extremamente imoral para os costumes da época.
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Figura 10: Umbigada. Faz jus ao nome, pois os casais encostam os umbigos na dança.
Figura 11: Batuque. Dança livre ao soar dos tambores Figura 12: Lundu. Dança extremamente sensual e muito criticada na época.
Figura 13 : Maxixe.
Outro estilo de dança de salão tipicamente brasileiro é o samba de gafieira (figura 15). Para Perna (2002, p.31), “o maxixe foi a dança de salão que deu origem ao [...] samba de gafieira”. Ele nasceu derivado das raízes africanas, como o lundu, o batuque e o maxixe. O samba enquanto música nasceu primeiro no Brasil, enquanto que a dança de salão (samba de gafieira) só se firmou na década de 1940 e desenvolveu-se no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX. Foi a partir desse momento que ele passou a sofrer influência de ritmos americanos e latinos, obtendo-se novas formas de tocar o samba com instrumentos de sopro das orquestras americanas, além dos percussão e cordas.
Figura 15: Samba de gafieira.
CONCLUSÃO De fato, a dança sempre foi vista e tratada como uma das importantes formas de expressão dos povos. Através dela, revelam-se conceitos, princípios e valores de uma sociedade, servindo ainda como produto e fator do desenvolvimento social e cultural. Durante a discussão do artigo, foi visto que em seus primeiros anos de nascimento na Europa, a dança de salão tinha a finalidade de entretenimento da nobreza e bajulação dos reis, de afirmação política, diferenciação de classes, educação e etiqueta. Além dessas, também assumiu a função de socialização, interação e lazer como dança social e logo foi despertando o interesse das classes mais baixas. Nesse contexto, foi através dos balés da corte e dos professores de dança que expansão sua pela Europa foi possível, pois houve a fusão das danças folclóricas – praticadas pelos plebeus – com as danças da corte. Assim, com as influências dos plebeus na dança dos nobres, essa divisão de classes chegou a sua decadência lentamente, pois tanto os plebeus sabiam as danças dos nobres como os nobres sabiam as dos plebeus. Logo, ambos poderiam se divertir conjuntamente nos bailes públicos sem pensar primeiramente no aspecto de classes, mas sim na dança como modo de aproximação e diversão. Inicialmente as danças não eram realizadas a dois, mas sim e grupos, para que se pudesse manter o respeito entre os participantes. Entretanto, com a chegada da valsa, houve uma transformação no modo de dançar, pois a dança passou a ser abraçada, o que permitiu mais liberdade e beleza às coreografias, além de agradar a quem dançava. Esse fato se mostra nos dias atuais, em que praticamente todas as danças de salão são dançadas em pares ou em grupos de pares. Assim, viu-se que por um lado, a cultura brasileira viria a ser um mero reflexo da cultura portuguesa; por outro, ela poderia ter um pouco de unidade, tornando-se heterogênea e estratificada. Esse fato predominou também na chegada da dança ao brasil, pois a corte portuguesa trouxe consigo todos os aspectos que estavam acontecendo na Europa em relação à dança de salão. Deste modo, foi como se essa dança da corte se impusesse para a nobreza brasileira, pois para provar educação e etiqueta, era preciso saber dançar. Ainda assim, a formação da cultura e das danças populares brasileiras foi literalmente uma mistura das culturas dos portugueses, dos índios, dos negros africanos e imigrantes. Claro que a cultura indígena foi que teve menos peso, pois as danças dos negros eram mais compatíveis com o que se via na corte em termos de ritmo e coreografia. Logo, foi justamente dessa maior preponderância negra e sua extrema sensualidade que surgiram os dois principais estilos de dança de salão brasileiros. Portanto, a formação da dança de salão no período proposto é de extrema significância, pois traz consigo não só o aspecto artístico, mas também o cultural e político.
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REFERÊNCIAS BOURCIER, P. História da dança no ocidente. 2. ed. Tradução: Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 2001. CORDEIRO, J. Dança de salão e suas origens - da colônia à república. Trabalho de graduação, Centro Universitário Leonardo da Vinci, 2011. Disponível em: <http://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/Dan%C3%A7a-De-Sal%C3%A3o-eSuas-Origens/56080326.html>. Acesso em 18 jun. 2015. HASS, A.; GARCIA, A. Ritmo e Dança. 2 ed. Canoas: Ulbra, 2006. HOLANDA, S.B. Raízes do brasil. 23. ed. Rio de janeiro: J. Olympio, 1991. JOSÉ, A. M. S. Samba de Gafieira: corpos em contato na cena social carioca. Dissertação de Mestrado em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia, 2005. Disponível em: <https://ri.ufs.br/bitstream/123456789/987/1/SambaGafieiraCorpos.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2015.
MENDES, M.G. A dança. São Paulo: Ática, 1987. MONTEIRO, M. F.M. Dança popular: espetáculo e devoção. São Paulo: Terceiro Nome, 2011. PERNA, M. A. Samba de Gafieira: a história da dança de salão brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: o autor, 2002. PONTES, J. B. Das gafieiras para o palco: Um estudo acerca da dança de salão e suas transformações sociais e artísticas. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade do Estado de Santa Catarina, 2011. Disponível em: < http://www.pergamum.udesc.br/dados-bu/000000/000000000012/00001299.pdf>. Acesso em 19 jun. 2015. PORTINARI, M. História da Dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. SCHELLING, V. A presença do povo na cultura brasileira: ensaio sobre o pensamento de Mário de Andrade e Paulo Freire. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1990. SILVA, M.B.N. Cultura no Brasil colônia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1981. TONELI, P. D. Dança de Salão: Instrumento para a Qualidade de Vida no Trabalho. Trabalho de conclusão de curso, Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis, 2007. Disponível em: < http://www.dancadesalao.com/agenda/DS_InstrumentoparaaQualidadedeVidanoTrabalho.pdf>. Acesso em 20 jun. 2015.
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Religião
Como a prática do catolicismo europeu foi executada na América Portuguesa Por Ana Luísa de Oliveira
RESUMO
A vivencia religiosa na América Portuguesa foi marcada por diversos fatores que a diferiram da Metrópole. As práticas trazidas pelos colonos para o território brasileiro, em tese, deveriam seguir aquilo ordenado pela Igreja Católica, pregado por anos e anos no território europeu. Buscou-se manter e ensinar às futuras gerações desde os ritos e celebrações públicos às práticas privadas de religiosidade. A escassa presença de templos no início do Brasil, assim como a recente miscigenação entre europeus, nativos e negros se diferia daquilo que era de vivencia de cada um, assustando-os e fazendo com que fossem construídas espaços privados em suas residências para que se pudessem praticar seus ritos sem que houvesse desconforto. Outros problemas foram enfrentados, como a falta de caráter dos sacerdotes, muitas vezes se aproveitando dos fiéis para satisfazer desejos próprios. Sacramentos comuns e de extrema importância, como a confissão, também foram banalizados ao chegar em território brasileiro, fazendo com que a prática da religião católica na colônia se diferisse cada vez mais daquilo que era ensinado na metrópole portuguesa. Palavras-chaves: religião católica, sociedade colonial, mulher, senhor de engenho, evolução.
PRÁTICAS RELIGIOSAS: INFLUÊNCIAS DA COROA E ALTERAÇÕES OCORRIDAS NA COLÔNIA “Então disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem no chão.” (Gênesis, 1:26)
DIFERENÇAS ENTRE AS PRÁTICAS PÚBLICAS E PRIVADAS Desde os primórdios, foi-se ensinado que, no cristianismo, há um caminho de duas mãos para que se possa atingir a perfeição espiritual, assim como o Reino dos Céus. O exercício individual das orações e meditações, e a prática de atos de piedade, assim como a prática pública e comunitária dos sacramentos são o exemplo de vida que Jesus Cristo pregou à seus fiéis. No Brasil Colônia não foi diferente. Pregava-se a importância da prática de oração individual, assim como
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Luiz Mott, A Inquisição em Sergipe, apud E. C. Almeida, Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar de Lisboa (Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1914), doc. 128, 20/07/1751.
era aconselhado que se participasse das cerimônias e devoções públicas, sendo elas dentro ou fora dos templos. Como os centros urbanos brasileiros ainda eram raros e de frágil tradição, e, se existentes, possuíam estruturas precárias e estavam locados em ruas inóspitas pela poeira do verão, ou pela lama causada pela chuva, assim como a presença de animais selvagens e negros e índios indômitos. Isto fez com que as cerimônias ou fossem realizadas ao ar livre, ou sofrem abandonadas, sendo transferidas aos templos ou ficando restritas à celebração doméstica. A grande questão nesta época se dava graças à grande diversidade de povos e raças presentes. Muitas vezes, nas celebrações, a elite branca – e minoritária - protegia-se da gentalha de cor, se isolando atrás das grandes colunas do altar-mor. A solução para os mais esnobes e elitistas era a construção de locais de culto em suas residências, evitando o tão indesejado convívio com os fiéis de outras raças e estratos inferiores. Havia também quem se opunha a esta divisão religiosa por motivos considerados frívolos, acreditando que a não procura da igreja, mas sim ter seu próprio oratório, era um ato vulgar, e que colocava as igrejas vazias. Os portugueses alegavam que seu desprezo pelos templos advinha, sobretudo, pelas tentações que representavam à pureza e honestidade das mulheres de famílias de respeito. D. José Botelho Mattos, oitavo arcebispo de Salvador (1741-61) dizia que “é impossível que os pais e parentes consintam que suas filhas saiam de casa à missa, nem para alguma função, não só às donzelas brancas, mas ainda às pardas e crioulas que se confessam de portas a dentro”. Este zelo se justificava, em parte, pois nas celebrações públicas a falta de compostura por parte dos participantes e o mau exemplo vindo dos próprios curas e celebrantes chamou muito a atenção dos viajantes e cronistas. Displicência nos trajes, irreverentes olhares e risadas, olhares indiscretos (muitas vezes advindos do próprio clero) e até carícias maliciosas feitas no corpo das mulheres foram observados.
Este tipo de prática era extremamente condenada pelo Clero europeu conservador e exercitador das leis de Cristo. A igreja é a casa de Deus, deputada para seu louvor, devendo haver humildade, reverência e devoção por parte dos fiéis em seu ambiente. Superstições, abusos, tratos profanos, práticas, discórdias e tudo aquilo que causasse perturbação nos ofícios divinos e ofendesse à Divina Misericórdia era abominado. Percebia-se que o colono, transferido da Metrópole Portuguesa, perdia a regularidade e a frequência da vida religiosa tradicional que vivia. Enquanto no Reino o número de templos, sacerdotes e festividades sacras era extremamente maior, enquanto aqui muitos moradores passavam anos sem ver um pastor ou participar de um ritual na igreja, frequentando os sacramentos.
Padre catequizando índios.
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A VIVÊNCIA RELIGIOSA NA COLÔNIA PORTUGUESA Mesmo distantes das igrejas, os católicos mais fervorosos não deixavam de rezar, seja um Pai Nosso ou uma Ave Maria. Como visto anteriormente, a casa era considerado o local mais adequado para realizar suas práticas religiosas, principalmente pela desordem encontrada nos templos precários da época. Esta casa é o local privilegiado para a realização das práticas religiosas privadas dos católicos. As famílias mais abastadas contavam com privilégios, como a benção da pedra fundamental de suas casas por um sacerdote, garantindo um bom futuro religioso do domicílio. Podia-se observar em muitas casas urbanas do Brasil antigo cruzes de madeira pregadas nas portas de entrada, assim como nas zonas rurais era erguido um mastro com uma bandeira de um santo (ver figura 1). Dentro da casa não era diferente, podendo encontrar diversas imagens, quadros e amuletos que sinalizavam a presença do sagrado no espaço privado do lar. Haviam quadros ou gravuras de santos ou de anjos nas cabeceiras, para que, ao despertar, o cristão fizesse o sinal da cruz completo e realizasse suas orações diárias. As famílias mais abastadas possuíam um quarto especial, o quarto dos santos, aonde conservavam suas imagens e demais objetos de devoção. Pertencente a uma “elite branca, acastelada e minoritária demograficamente (MOTT, Luiz. “Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu”. In: Laura de Mello e Souza (org.), o oratório (ver figuras 2 e 3) funcionava tanto como objeto de culto, que se destinava às
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Figura 1: Padre catequizando índios.
Figura 2: Oratório presente em uma Casa de Engenho.
Figura 3: Oratório de embutir, século XVIII.
orações, como de altar, equipado com objetos litúrgicos. Este último requeria uma autorização de um membro apostólico, aonde percebiam-se as influências familiares e políticas, assim como as forças cabedais perante bispos e cabidos de cada região. localização do oratório não impedia que a mulher assistisse às cerimônias religiosas, por meio das grades ou treliças dispostas nas laterais da acomodação. Isto mostra a influência da sociedade patriarcal até mesmo na prática da religião, assim como a pouca influência da mulher neste período da sociedade. Apesar de os oratórios e os santos serem bentos e abençoados por um vigário ou missionário, os moradores nem sempre seguiam as normas estabelecidas pela ortodoxia católica em suas relações com o objeto. Alguns tinham o costume de separar Jesus de Nossa Senhora antes de se deitarem, pois acreditavam que o deviam fazer para que Ele não a beijasse e não tivessem filhos. Também existem relatos de crianças utilizando o objeto para celebrar missas como os sacerdotes o fazem. Apesar de os oratórios e os santos serem bentos e abençoados por um vigário ou missionário, os moradores nem sempre seguiam as normas estabelecidas pela ortodoxia católica em suas relações com o objeto. Alguns tinham o costume de separar Jesus de Nossa Senhora antes de se deitarem, pois acreditavam que o deviam fazer para que Ele não a beijasse e não tivessem filhos. Também existem relatos de crianças utilizando o objeto para celebrar missas como os sacerdotes o fazem. Nestas casas mais abastadas também podiam ser encontrados cômodos dedicados à uma capela ou à ermidas em seus quintais, aonde o sacerdote prestava assistência religiosa aos moradores da fazenda, tanto senhores quanto escravos e agregados, sendo esta uma questão de status e cumprimento das obrigações religiosas. Estas capelas geralmente estavam localizadas do lado de fora das residências, podendo também estar inseridas dentre os cômodos internos (ver figura 4), próximas ao alpendre e à recepção, e longe de ambientes que podiam ter funções consideradas promíscuas, de fácil acesso aos
Figura 4: Planta de opulenta casa grande baiana, onde a capela e a sacristia acham-se integradas ao corpo principal do edifício
residentes e àqueles que estavam apenas transitando pelas redondezas. Ali também era espaço de reunião social, celebrando casamentos, batizados e primeira comunhão em seu ambiente. Serviam, também e com frequência, de cemitério para as famílias. Havia uma sala lateral à capela, ligada a esta por uma grande janela, aonde mulheres e alguns membros da família grande assistiam às celebrações sem serem notados.
CONFISSÃO DOS PECADOS: A PENITÊNCIA E O PERDÃO A prática da confissão, um dos principais sacramentos do catolicismo, foi mantida firme ao longo dos séculos. O confessionário, também chamado de tribunal da penitência, foi previsto pelos arquitetos católicos como um espaço que, ao mesmo tempo, era privado e público, pois estava destinado a manter o diálogo do pecador com o sacerdote extremamente secreto, devendo também estar estrategicamente localizado, de modo que fosse visível por
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todos os circunstantes, evitando as tentações de intimidade entre o confessor e o penitente, assim como as murmurações dos maldizentes. Este, então, devia ser o local mais privado dentro da Casa do Senhor. De acordo com o Concílio de Trento, foi estabelecido que todos os fiéis cristãos, de ambos os sexos, são obrigados a confessar seus pecados (tendo eles idade para começar a se conscientizar de seus pecados, e, principalmente, para pecar, seja qual for este), fazendo um exame prévio de consciência para analisar seus atos errados antes de expô-los ao sacerdote. Apesar de todas as recomendações para este recinto, o tribunal de confissão representava um dos espaços aonde os sacerdotes resvalavam na disciplina eclesiástica com maior frequência, desobedecendo às Constituições e às condutas sacerdotais, ouvindo suas penitentes dentro da sacristia, no alpendre das casas, sentadas de modo indecente ou em locais inapropriados. Para que a prática da confissão se tornasse mais fácil e segura, a teologia moral, juntamente com o código canônico, estabeleceram a regra do sigilo neste sacramento. Este era uma obrigação, não devendo o confessor manifestar os pecados que lhe foram confessados, e procede do direito natural, divino e humano. Na colônia era comum que os clérigos descumprissem esta fundamental regulamentação, tornando público o que, em sigilo, lhes foi confessado. Para o católico, abrir seu coração e expor seus maiores desvios, contar suas intimidades e segredos era algo que exigia muito de seu interior, exigindo elevada dose de confiança e humildade que aquele que lhe está ouvindo guardará em absoluto segredo aquilo que lhe foi confiado. Um dos maiores problemas, já brevemente citado, era o fato que que os sacerdotes muitas vezes se aproveitavam do momento de confissão para a realização de práticas imorais. Aconteciam, no espaço
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considerado mais privado do Templo de Deus, desvios morais por parte do confessor com relação às donzelas que iam expor suas culpas em busca da remissão de seus pecados. Estes sacerdotes, levados por desejos carnais, empurravam estas mulheres para perdição ainda maior, ao invés de traze-las de volta ao caminho correto. Elas recebiam convites indecentes, ou até mesmo eram vítimas de assédio sexual, e muitas vezes, por serem residentes de pequenas vilas aonde só havia um sacerdote, ficavam impossibilitadas de ser absorvidas de seus pecados, e, consequentemente, de participar da sagrada eucaristia. Havia também uma parcela de falsos sacerdotes, que se passavam por tais por possuírem desejos secretos pelas donzelas, solteiras ou casadas, ou também por impostura, desejando locupletar-se das benesses clericais. Para que a prática da confissão se tornasse mais fácil e segura, a teologia moral, juntamente com o código canônico, estabeleceram a regra do sigilo neste sacramento. Este era uma obrigação, não devendo o confessor manifestar os pecados que lhe foram confessados, e procede do direito natural, divino e humano. Na colônia era comum que os clérigos descumprissem esta fundamental regulamentação, tornando público o que, em sigilo, lhes foi confessado.
Ilustração de padre batizando indígenas.
A IGREJA CATÓLICA NO BRASIL IGREJAS NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS CONSTRUÇÕES ÀS GRANDES EDIFICAÇÕES (UM BREVE RESUMO)
Padre fazendo a missa com indígenas.
Para o católico, abrir seu coração e expor seus maiores desvios, contar suas intimidades e segredos era algo que exigia muito de seu interior, exigindo elevada dose de confiança e humildade que aquele que lhe está ouvindo guardará em absoluto segredo aquilo que lhe foi confiado. Um dos maiores problemas, já brevemente citado, era o fato que que os sacerdotes muitas vezes se aproveitavam do momento de confissão para a realização de práticas imorais. Aconteciam, no espaço considerado mais privado do Templo de Deus, desvios morais por parte do confessor com relação às donzelas que iam expor suas culpas em busca da remissão de seus pecados. Estes sacerdotes, levados por desejos carnais, empurravam estas mulheres para perdição ainda maior, ao invés de traze-las de volta ao caminho correto. Elas recebiam convites indecentes, ou até mesmo eram vítimas de assédio sexual, e muitas vezes, por serem residentes de pequenas vilas aonde só havia um sacerdote, ficavam impossibilitadas de ser absorvidas de seus pecados, e, consequentemente, de participar da sagrada eucaristia. Havia também uma parcela de falsos sacerdotes, que se passavam por tais por possuírem desejos secretos pelas donzelas, solteiras ou casadas, ou também por impostura, desejando locupletarse das benesses clericais.
A primeira igreja construída em território brasileiro foi erguida por frades franciscanos que chegaram na expedição de Gonçalo Coelho, em Porto Seguro, no ano de 1503. A Igreja de São Francisco de Assis do Outeiro da Glória se manteve em sua configuração original até um massacre indígena no povoado fazer com que esta tivesse de ser reconstruída. Com o passar dos anos, outras igrejas foram construídas no litoral do país, mas têm-se pouco registro destas. Graças à interiorização do país, estes edifícios de grande significado à população católica foram sendo erguidos nas cidades em ascensão. O início do catolicismo no Brasil foi marcado por diversos empecilhos. Primeiro, foi marcado por uma dura imposição dos jesuítas aos índios e negros. Alguns se revoltavam e destruíam igrejas, pois lhes estava sendo imposta uma religião que não os pertencia, que não fazia parte de sua cultura. Também havia o fato de não haverem grandes recursos para a construção desses templos, sendo estes erguidos de forma precária no começo da colonização. Estes em nada lembravam as grandes igrejas europeias, pomposas e convidativas, e mesmo que cheias de simplicidade, ainda eram ordenadas e acolhiam bem seus fiéis. Com a chegada dos jesuítas, a presença da igreja católica se intensificou ainda mais, pois estes intensificaram a construção de vilas e cidades, sendo São Paulo um exemplo. Com o tempo, essas construções foram adquirindo novas formas, tornando-se mais próximas às presentes na Europa.
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Igreja velha e Igreja do período barroco.
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Diversas manifestações de religiosidade pública e privada foram manifestadas na América Portuguesa. Várias das práticas trazidas da coroa foram alteradas, de acordo com as condições do local, ou pelos próprios colonos, sacerdotes ou fiéis. Houve uma grande dificuldade de cristalização da religiosidade pública e eclesial, graças às grandes distâncias territoriais, aos perigos do transporte interno e à insignificância da vida urbana, além do reduzido número de ministros e templos, e da própria comunidade cristã, haja visto que o deslocamento da metrópole à colônia foi gradativo, e os nativos e negros possuiam suas próprias práticas religiosas.
RUSSO, Silveli Maria Toledo. O Oratório como Documento do Exercício Religioso Doméstico no Brasil Colônia. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP, 2010. História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa / organização Laura de Mello e Souza – São Paulo : Companhia das Letras, 1997. - (História da vida privada no Brasil: 1) http://www.historia-brasil.com/colonia/primeirasigrejas.htm
C A M I N H O S
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O Direito
como agente de estruturação de territórios das minas na corrida do ouro no Brasil Colônia Por Débora Guedes Anacleto
RESUMO Este trabalho apresenta algumas características da formação dos arraiais, vilas e cidades, no âmbito da corrida do ouro, na época do Brasil Colônia. Visa apontar aspectos dessa formação no contexto da legislação portuguesa acerca da exploração das minas e metais. Conclui-se que essa legislação voltava-se para proteção dos interesses fiscais da Coroa em detrimento da ordenação do território das minas. Tal politica, entretanto, mostrou-se inadequada para conter a ocupação irregular e desprovida de planejamento desse território. Palavras-chaves: Brasil Colônia. Corrida do Ouro. Formação das Vilas e Cidades. Legislação Portuguesa.
INTRODUÇÃO Em plena época de colonização portuguesa do território brasileiro1, mais especificamente no ano de 1551, um castelhano denominado Francisco Bruza de Espinhosa se ofereceu a Tomé de Souza, primeiro governador-geral do Brasil, para adentrar o sertão em busca de minas (ABREU, 1963). Essa foi a primeira expedição por riquezas no território sertanista, atualmente conhecido por Minas Gerais, pois, até este momento, a colonização portuguesa era bastante restrita a costa brasileira, salvo exceções. Depois da expedição Navarro-Espinhosa, muitas outras expedições ocorreram. Diversos bandeiristas paulistanos se aventuraram pelo território das minas gerais, na promessa de encontrar riquezas e, entre eles, o mulato, citado por Antonil (ANTONIL, 1837) encontra um ouro de cor escura em um riacho, no meio de montanhas; foi a primeira descoberta de ouro no território, atualmente conhecido, de Ouro Preto. Dentro deste contexto, o estudo visa descobrir a relação do direito à exploração do ouro com a estruturação de territórios, uma vez que houve um grande afluxo de pessoas para o interior da Colônia em busca de riquezas. O enfoque do estudo é sobre a influencia do direito português, como agente de estruturação de territórios, a fim de se encontrar respostas para perguntas como “em que medida as normas editadas pela Coroa Portuguesa interferiram no processo de interiorização do Brasil Colônia e como tais normas afetavam a formação do território luso-brasileiro?”. 1
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O período historicamente denominado de Brasil Colônia – em que o Brasil esteve sobre o domínio e jurisdição de Portugal – compreende os anos de 1500 a 1822.
METODOLOGIA A metodologia utilizada para tal estudo baseou-se na analise de algumas fontes primárias, tais como documentos manuscritos, documentos históricos e cartografia, e em teses sobre a formação das cidades na época citada e sobre a política jurídica portuguesa durante a corrida do ouro.
Corrida do ouro nas minas gerais
A escolha destas fontes primárias foi devida a possibilidade de entendimento mais profundo sobre o assunto tratado, buscando uma descrição dos fatos históricos de maneira mais objetiva. A seleção de teses como incremento à pesquisa ocorreu em função de abranger perspectivas diferentes, em campos de conhecimento diferentes – direito e arquitetura –, no âmbito do objeto de estudo. Mineração de ouro nas minas gerais
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APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS O direito como elemento provedor e modificador do processo de estruturação do território luso-brasileiro em razão do aumento da mineração no interior do país. Sob a ótica legal, toda a estrutura jurídica portuguesa estava reunida nas Ordenações.
Três grandes compilações formavam a estrutura jurídica portuguesa. O primeiro a ordenar uma codificação foi D. João I, que reinou de 1385 a 1433. A elaboração atravessou o reinado de D. Duarte, a regência de D. Leonor, sendo promulgadas pelo recém-coroado Afonso V, que, apesar de nada ter contribuído para a obra, deu-lhe nome: Ordenações Afonsinas, que vigoraram de 1446 a 1521, ano em que D. Manoel promulgou a que levou seu nome: Ordenações Manoelinas, fruto da revisão das Afonsinas e da recompilação das leis extravagantes[2]. Depois das Manoelinas, Duarte Nunes de Leão recompilou novas leis extravagantes, até 1569, publicação muito conhecida por Código Sebastiânico, apesar de não ter havido participação ativa de D. Sebastião. Uma nova revisão das Ordenações foi encomendada pelo rei Filipe II a grupo de juristas chefiado por Damião de Aguiar, que as apresentou e obteve aprovação, em 1595, somente impressa e entrada em vigor em 1605 com o nome de Ordenações Filipinas. (CARRILLO, 1997, pp. 37-38).
Durante a descoberta do ouro no sertão da colônia, vigiam as normas das Ordenações Filipinas, que seriam revogadas apenas na República pelo Código Civil de 1916, art. 1807. É importante anotar que estas últimas fixaram as regras básicas do processo de exploração dos minerais, tendo como pressuposto que as riquezas do subsolo pertenciam à Coroa e não ao proprietário da terra, que seria indenizado pelo dano da exploração. O direito de lavra era amplo2, pois, de acordo com o Livro Segundo, Título XXXIV: Das Minas e Metais3 : “Havemos por bem, toda a pessoa possa buscar vêas de outro, prata e outros metaes”.
A legislação do reino estabelecia também o procedimento básico para a atividade mineradora: 1) pedir licença ao Provedor dos Metaes”; 2) avaliação e pagamento do dano aos donos das terras, pelo Juiz do lugar; 3) Registro pelo “Scrivão da Camera”; 4) confirmação pelo “Scrivão da Fazenda” e 5) demarcação pelo Provedor de Metaes em medidas específicas4, que asseguravam ao detentor da certidão ou mandado a exclusividade da lavra. Cumprido todo o procedimento, ainda existia a obrigatoriedade da fundição do ouro e o pagamento do quinto à Coroa. Convém esclarecer ainda que o disciplinamento jurídico do tema ocorria por extenso número de atos legislativos editados sobre mineração, especialmente depois da descoberta das minas auríferas no Brasil. Dentre as quais se destaca os Alvarás de 27 de outubro de 1733 “prohibindo a abertura de novos caminhos ou picadas para as minas já́ descobertas, ou que para diante se descobrirem”. Significa, que a Coroa Portuguesa se valia da norma escrita para tentar conformar o processo de estruturação de territórios em face do fenômeno da descoberta e corrida do ouro a fim de assegurar a cobrança de impostos.
2A
expressão deve ser interpretada dentro do contexto restritivo do Brasil Colônia. Ordenações Filipinas. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l2p452.htm. Acesso em: junho de 2015. 4 30 varas de cinco palmos por diante do lugar e 30 por detraz, quarto varas de largura para a banda direita e quatro para a banda esquerda, que se estenderá ao longo da vêa, por onde ella fôr. 3
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A formação dos territórios luso-brasileiros em vilas e cidades, como agentes de estruturação de territórios, pode ser dividida em dois momentos distintos; o primeiro, decorrente do processo evolutivo natural em que a aglomeração de pessoas, num determinado território, evolui ao longo de um determinado intervalo temporal, sem regramento especifico. Sérgio Buarque de Holanda acentua que:
Ordenações Filipinas
A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra ‘desleixo’.
O pensamento acima reforça o raciocínio de que o desenvolvimento urbano, principalmente na interiorização da Colônia, não recebia da Metrópole o devido tratamento, em termos de planejamento de ocupação. O segundo e mais relevante, decorre de um acontecimento extraordinário, como a descoberta de ouro no interior da Colônia, capaz de transformar, em curto lapso de tempo, um determinado arraial em vila, cidade e capital de província. A descoberta de ouro em Vila Rica5, abstraída a discussão exata quanto ao ano e ao seu desbravador, tem como data de fundação do arraial, por volta de 1698. O processo de adensamento humano teve como um de seus catalizadores a política da Metrópole de concessão do direito de exploração da mina (VASCONCELOS, 1977, p. 16). Saint-Hilaire descreve o processo de exploração:
Em toda a parte eram pesquisadas as areias dos ribeiros e a terra das montanhas e, quando encontravam algum terreno aurífero, construíam barracas em suas vizinhanças, a fim de explorá-lo. Estas espécies de acampamentos (arraiais) tornavam-se pequenas povoações, depois vilas; e foi assim que os paulistas começaram a povoar o interior da terra, incorporando à monarquia portuguesa regiões mais vastas do que muitos impérios (p. 17).
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Vários autores, Padre João Antônio Andreoni, José Joaquim da Rocha e Cláudio Manuel da Costa, atribuem a primeira notícia do ouro em Minas a Antônio Rodrigues Arzão (1693), enquanto Paulo do Santos, aponta para o Pe. João de Farias entre 1694-5 (VASCONCELOS, 1977).
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Significa que uma política de incentivo à exploração do precioso mineral terminou por influenciar a criação e o desenvolvimento de vilas e cidades como agentes de estruturação do território brasileiro. Vasconcelos esclarece que a importância do descobrimento do ouro resultou num afluxo tão avassalador de pessoas destinadas às Minas, cerca de 800 000 pessoas deixaram Portugal entre 1705 a 1750, afetando o processo natural de ocupação do sertão do Brasil Colônia, o que resultou numa recomendação real de restrição à entrada de pessoas nas Minas em 1709, 1711, etc. (TAUNAY apud VASCONCELOS, 1977, p. 17). Atenta ao grande afluxo de pessoas e riquezas, a Coroa recomenda ao governador, sediado no Rio de Janeiro, que estabelecesse a justiça e regulamentasse a arrecadação dos quintos reais (VASCONCELOS, 1977, p. 20). Esse acontecimento resultou num processo de legalização das posses das minas à Antônio Dias, do Pe. Faria, de Félix de Gusmão (PassaDez) e de Francisco Silva Bueno e, com estas posses, fundam-se os respectivos arraias (VASCONCELOS, 1977, pp. 20-21).
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Barra de ouro fundido pela Casa de Fundição – Forma de controle da exploração pela Coroa Portuguesa.
A compreensão do direito reinol como instrumento catalizador da aglomeração urbana tem como pressuposto a ideia de que “o subsolo pertencia ao rei, que podia cedê-lo a particulares, com ressalva de sua quota-parte nos lucros obtidos (quinto)” (SILVA PONTE apud VASCONCELOS, 1977, p. 21). Ou seja, a delegação da exploração do subsolo da colônia brasileira, pela Coroa Portuguesa, incentivou a formação de vilas e cidades em razão dos resultados da lavra. Interessante notar, no entanto, como assinala (ABREU, 1963, p. 293), que as vilas da serra, com a descoberta das minas, ficaram exaustas pelo excesso de migrantes e, por conseguinte, houve o povoamento de novos territórios, mais ao interior, tantas vezes talados pelas bandeiras”. Decorre do exposto, que a exploração do território colonial brasileiro viu, primeiramente, nas bandeiras a formação e o desenvolvimento gradual dos arraiais e vilas no sertão. A exploração mineral, surgida na corrida do ouro, subverte esse processo histórico e transforma-se no grande condão dinamizador dessa formação e desenvolvimento urbano. Portanto, a política real de estímulo à exploração mineral, em especial a concessão do direito de exploração do subsolo, resultou numa explosão demográfica com a proliferação de arraiais, vilas e cidades. No entanto, sem o cuidado de atentar para os comandos estabelecidos pela Corte Portuguesa. CONCLUSÃO
Por meio das análises dos documentos históricos, podemos perceber que, diferentemente das tentativas da Coroa Portuguesa de restringir o domínio do ouro e controlar a formação das cidades mineradoras, garantindo a inspeção de todo o processo, foi falha. O crescimento das vilas, futuras cidades, não ocorreu de forma ordenada; devido ao grande afluxo de pessoas que migraram para o interior da Colônia em busca de riquezas. Nota-se ainda que, mesmo diante da política centralizadora portuguesa de criar uma legislação no reino, estabelecendo o procedimento básico para a atividade mineradora, essa lei não era fiscalizada na colônia o suficiente para conter o avanço do povoamento das regiões mineradoras, em detrimento das normas estabelecidas. Assim, percebe-se que o modelo histórico de normas gerais e centralizadoras, para conformar a realidade social, mostraram-se inadequadas para possibilitar a ocupação do território brasileiro de maneira planejada e ordenada.
REFERÊNCIAS ABREU, João Capistrano de. Brasília: Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil. Brasília: Editôra Universidade de Brasília, 1963. ANTONIL, André́ João. Cultura e opulência do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. Imp. E Const. de J. Villeneuve e Ca, 1837. BARROS, Stella Teixeira de. Pinacoteca Municipal. São Paulo: Banco Safra 2005. BUENO, Eduardo. Brasil: uma História - a Incrível Saga de um País. São Paulo: Ática, 2003. pág. 107. CARRILLO, Carlos Alberto. Memória da Justiça Brasileira. Salvador: Tribunal de Justiça, 1997. REIS, Nestor Goulart. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001. SALGUEIRO, Ângela dos Anjos Aguiar. CAMPONÊS, Jorge Filipe Bandeiras de Oliveira. ALMEIDA, Maria Amélia Dias Figueiredo de. COSTA, Sandra Patrícia Bernardo. DIAS, Sara Marisa da Graça. Ordenações Filipinas. Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l2p452.htm>. Acesso em: 15 jun. 2015. VASCONCELOS, Silvio de. Brasília: Vila Rica. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977. -------------------. A Mineração no Brasil Colonial. Disponível em: <http://www.coladaweb.com/historia-do-brasil/amineracao-no-brasil-colonial>. Acesso em: 30 jun. 2015.
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SOBRE AS IMAGENS DAS SEÇÕES As imagens e ilustrações representadas nas páginas das sessões da revista Perspectiva, demostra a essência da proposta da revista, que aborda diversos temas decorrentes da história colonial e imperial vivenciada pelo Brasil entre os séculos XVI e XIX. CASA: sessão dedicada a artigos inerentes ao interior e exterior das residências. A imagem representa uma varanda e quintal de uma casa colonial. IMAGEM DA CAPA DA SESSÃO DISPONÍVEL EM: http://casadecorr.net/casa-colonialantigua/ COSTUMES: sessão dedicada a temas relacionados a praticas sociais e culturais da sociedade colonial. A ilustração representa uma dança de gala imperial. IMAGEM DA CAPA DA SESSÃO DISPONÍVEL EM :http://www.dancaempauta.com.br
CAMINHO: sessão que aborda sobre as legislações impostas durante a fase da exploração do ouro e de territórios. A imagem representa escravos em uma mina de ouro. IMAGEM DA CAPA DA SESSÃO DISPONÍVEL EM: http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2624
visões Imagens se encontram nas páginas: 7, 23 e 41
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