Debaixo do Bulcão n.º53 Setembro 2019

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Nยบ 53

Setembro 2019


Poezine – Debaixo do Bulcão Número 53 – Setembro de 2019 Colaboram nesta edição: tEXTOS .Sónia Oliveira .Sarah Adamopoulos .Rui Tinoco .Nuno Garcia Lopes .Nunes Zarel .Luís Meireles .Gilmar Chiapetti .Carolina Matos .Vale Peixoto .António Vitorino .Affonso Gallo .A Dasilva O .Zé Carlos .Francisco Capelo .Francisco Capelo

cAPA

iMAGEM

.Francisco Capelo

.António Vitorino .Francisco Capelo

pAGINAÇÃO

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para ficar perfeita uma parede azul exige muitas demãos de tinta, mais ainda se for rugosa. cobrir de forma homogénea uma parede rugosa e porosa, uma parede que chupa a tinta, exige força e acuidade visual, persistência, bolhas abaixo dos dedos, onde chega o polegar, escaldão nos ombros, se for verão. uma parede rugosa é um mapa topográfico, uma maqueta de mundo que pode ferir, se nos escapar a mão. exige distância. não falta, de longe, quem veja manchas, diferenças no tom, imperfeições. e proximidade. para cobrir cada vertente, cada abismo, cada cume, cada vale, depressão ou cavidade.

Sónia Oliveira

para ficar perfeita uma parede azul exige que cocemos o nariz com as mãos sujas de tinta, que rocemos uma coxa na tinta fresca quando nos levantamos para descansar os joelhos. que nos espreguicemos, longe, com os braços em conta-gotas, antes de nos encavalitarmos no muro para chegar os sítios mais altos. pingos de azul na cara, soprar os cabelos do rosto, à falta de vento, moldar os pés nus às telhas quentes do sol, barro com barro. para ficar perfeita uma parede azul exige minúcia de joalheiro, mas também gestos largos e grosseiros. água, de tempos a tempos, e uma cadeira de plástico por onde trepar e onde possamos regressar.


Coisas que só vistas Sarah Adamopoulos um navio mercante surgiu ali no sítio dele fazia a ligação entre o metro das azinhagas orientais e o comboio para a outra margem. reparei que não havia marujos a bordo estavam todos disfarçados de pessoas sem uniforme a ir para o emprego por conta de outrém. um homem perigoso mostroume o abismo dele e desejei-o (o homem). na minha mochila havia uma cabeça de vitela muito tenrinha era para levar à minha mãe. o homem do abismo dele parecia hesitar entre o mar e a terra como o entendi deixei-o na ligação do metro e ele voltou para o navio pareceu-me ver saudades do amor nos olhos dele

mas se há coisa que ele não devia querer era isso. voltou para o navio caminhando como o Bruno Ganz no cais do Ginjal deixou-me ali com a cabeça de vitela a sangrar para fora da mochila o chão a ficar com pedrinhas de sangue o meu trilho rastreável, perseguido como com cookies. deitei a cabeça do bicho fora e reganhei a liberdade sou ciosa de uma certa independência. uma mulher enorme com olhos muito pintados vendia parvoíces aos turistas hipsters e para os brasileiros e africanos muçulmanos de língua portuguesa malgré eux tinha saquinhos de pano e dísticos em lugares esquisitos a dizer barbaridades que arranjava se eles precisassem como por exemplo virgens para pai - aniversário


o lítio subjaz a qualquer palavra: garimpe-se o Amor, a Ternura, o próprio gemido da Cópula: espalhem-se essas palavras pelo mapa: use-se de todo o acaso possível: instale-se uma mina na sua casa de banho: teçam-se depois obscuras conjuras com a vírgula, a exclamação, o não dito: todas as vilas, bem vistas as coisas, são também palavras: os buracos só existem como metáforas no papel: (um longínquo jornal mesmo perto de si):

Rui Tinoco



Cortaram os trigos

Cortaram os trigos. Agora A minha solidão vê-se melhor. Sophia de Mello Breyner Andresen

cortaram os trigos, guardaram as espigas, ceifaram os sonhos, guardaram os sonos, segaram a fé, espalharam o medo, foiçaram a vida, deixaram o pó. que é feito da pátria do sol e dos trigos? que é feito da terra que em cante me encanta? que é feito de nós que um dia quisemos a crescer papoilas num campo qualquer?

Nuno Garcia Lopes


O Esqueleto Sobreviver no mundo pós-material, Com as tendências rebeldes ao serviço Da humanidade, da paixão e da mensagem.

A Carne Nas aprendizagens fora do sistema encontram-se: O encargo do Vagabundo O dever do Viajante A incumbência do Peregrino.

A Alma Vive-se a energia universal do Infinito, Sem os impeditivos das fronteiras, Sustentada pelo caos e o acaso.

Nunes Zarel - leci


estĂĄ ali um gato debaixo de um carro chovia muito bebemos um copo os dois ele leite eu vinho a boca ĂŠ que manda os olhos dele fomos comer ao restaurante um peixe muito grande para os dois estava com fome abrigou-se ali era o gato mais velho do mundo

LuĂ­s Meireles



Amarela Amar ela Que pena Não ser fácil Amar ela O azul O dourado É a pena Amarela azulada Como amar ela Sem ter pena De si mesmo

Gilmar Chiapetti


Da Impermanência Morreu num dia bonito O sol brilhava O seu corpo inanimado e frio Descansava sobre o chão Em frente à porta do prédio Passei ao seu lado Há uma serenidade na morte Um abandono O dia mais bonito Fica um pouco mais melancólico É o peso da realidade Da impermanência a que quase nunca nos habituamos Da dureza e doçura de viver Da tragédia e da inevitabilidade de morrer

Carolina Matos


Questões ou dúvidas ? I O Amor A Amora Sexo ou Género ? II Com a polução do género Liquidou-se o sexo ? ou o Polén ? e o Amor ? As concordâncias, mesmo quando líquidas, não liquidam : Geram soluções! III A Amora, como o morango, tem também a forma de coração e a doçura… IV Ah, Amora, sua moranga! … doces cardiopatias, hem!

Vale Peixoto



Rally António Vitorino Novembro 2018 um objecto de forma esférica lançado com uma pancada daquelas que se diz seca mas que afinal era molhada invade o quadrilátero contrário tenso e atento está um macaco dois macacos seis macacos e é o macaco mais tenso que acolhe de braços estendidos o objecto essa esfera que ressalta e flutua mais leve que o macaco outro que no âmago agora eleva um dedicado rendilhar tecido para o maior dos seis macacos que aplica uma pancada desta vez a sério seca projectando a esfera para o quadrilátero contrário onde um macaco dois macacos seis macacos mapeiam territórios e trajectos e o mais rápido mais tenso mais fitado acolhe generoso tal oferta e a partilha com a tribo que a três toques a devolve ao quadrilátero contrário ponto


Soubera eu cantar

estas paisagens há muito habitadas por sucessivas gerações de servos da impávida ternura e seus erros soubera eu cantá-las. soubera eu lembrar as vozes sábias dos que aqui labutaram em seus nervos seus músculos seu sangue seus segredos soubera eu louvá-las. mas eu não canto: eu alinho versos.

Affonso Gallo


Um amor possível

A Dasilva O

Eros visita-me a meio da noite e sobre mim mija o seu suor de puta virgem # Meto o coração dentro da tua vagina E a montanha russa # Ela é uma máquina Ele está ligado à máquina Eutanásia A máquina Que o leva Desta Para melhor.



Inconseguimento

Absolutamente ImpossĂ­vel viver uma Vida por encomenda.

ZĂŠ Carlos

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Me ser Triste de mim Que, ao me ser, vivendo‌

Assim vou existindo‌ Sem estar sendo.

Francisco Capelo


Palavra ao vento

Nada mais hรก aqui Comeรงa em mim

Antes de nascer.. Vivi sem fim

Autor desconhecido


O poezine Debaixo do Bulcão agradece o apoio da Junta de Freguesia de Laranjeiro e Feijó e da colectividade União Futebol Clube “Os Pastilhas”. Sem a vossa colaboração não seria possível mantermos a publicação regular deste poezine, distribui-lo gratuitamente e realizar as ctividades complementares que, ao longo de quase 23 anos, sempre foram “imagem de marca” deste projecto. Bem hajam!

Pontos de distribuição: Almada

Porto

Edifício do Poder Local Rua da Alembrança - Feijó

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UFC Os Pastilhas Escadinhas das Barrocas, 19-B Quiosque Dá Cá Cilhas Largo Alfredo Dinis, Cacilhas Meia Volta de Úrano – Casa das Artes Rua Cândido dos Reis, 49 – Cacilhas

Cadeira de Van Gogh Rua Morgado de Mateus, 41 Gato Vadio Rua do Rosário, 281 Póvoa de Varzim A Filantrópica Rua da Lapa, 1

Vila Franca de Xira Flor do Tejo Bar Cais de Vila Franca

A próxima edição sai em Dezembro de 2019 Enviem colaborações para: debaixodobulcao@gmx.com


Ilustrador convidado:

www.franciscocapelo.net


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