O PATRIMÔNIO INDUSTRIAL E OPERÁRIO DA
COMPANHIA BRASILEIRA DE CIMENTO PORTLAND PERUS
Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Débora Gubeissi Dias dos Santos Orientador: Prof. Dr. José Geraldo Simões Junior
São Paulo, 2018
“Estávamos no Comando da greve quando, no dia 26 de outubro de 1958, fomos chamados à presença do Governador Jânio Quadros, que antes já demonstrava a sua simpatia pela ‘greve diferente’. Mas dessa vez estava apreensivo. Forçava um acordo nosso com o Grupo Abdalla. A proposta nos parecia baixa. Jânio nos advertiu. - Numa luta entre panela de ferro e panela de barro, sempre quebra a panela de barro. - A nossa é de cimento, governador. Diante da nossa firmeza, Jânio voltou à posição anterior.” Mario Carvalho de Jesus em “40 anos de ação sindical transformam velha fábrica em Centro de Cultura Municipal”
AGRADECIMENTOS Agradeço a todos aqueles que fizeram parte da minha formação acadêmica dentro da Universidade até aqui. Principalmente ao orientador deste trabalho, Prof. José Geraldo, pela compreensão e pela orientação. Falando em formação acadêmica, agradeço a todos que de alguma forma fizeram parte dos meus intercâmbios, inclusive aos alemães que não podem ler este agradecimento. Sem os olhos que adquiri no Vale do Rio Ruhr e na TU Dortmund, eu não enxergaria a possibilidade deste trabalho. Deixo aqui meu muito obrigada ao programa Ciência sem Fronteiras! Agradeço a Perus e aos seus personagens. Ao Movimento de Reapropriação da Fábrica, pelas poucas conversas, mas que me fizeram ver e enxergar. Aos operários da Companhia de Cimento Portland Perus, seus filhos e netos pelos relatos ricos e poderosos. A todos os moradores de Perus pelo acolhimento da forasteira que queria tanto conhecer a sua história – e ainda quer. Agradeço a Patrícia Barbosa, que encontrei de modo inesperado e sem cuja ajuda não seria possível começar o TFG. Agradeço também ao Dr. Elcio Siqueira, que me forneceu material, além do já disponível, sem o qual seria difícil trabalhar. Agradeço aos meus colegas e aos meus amigos, com cujo apoio pude continuar e chegar aqui. À companheiríssima Fernanda, que dividiu várias histórias de TFG comigo, desde o Jabaquara até Perus (e claro, muito obrigada pelas fotos). À Mariana, que me compreendeu como ninguém poderia. Ao Vinicius, pela infinita paciência e pela motivação de sempre. Por fim, agradeço aos meus pais por me darem vida – em todos os sentidos que essa expressão pode ter. À minha avó, pela esperança e sabedoria – e pela força que demonstra todos os dias. Aos meus irmãos, por me fazerem rir nas horas difíceis de achar o sorriso. A toda minha família, nas lições constantes. Obrigada a todos por enxugarem tantas vezes as lágrimas deste TFG!
SUMÁRIO 9 13
INTRODUÇÃO HISTÓRICO: ASCENSÃO E QUEDA DA COMPANHIA BRASILEIRA DE CIMENTO PORTLAND PERUS
14 PRIMEIRA ADMINISTRAÇÃO CANADENSE (1926 - 1951) 15 O BAIRRO DE PERUS: ENCONTRO DE ESTRADAS 19 A FERROVIA PERUS-PIRAPORA E A USINA DE GATO PRETO 25 A FÁBRICA DE CIMENTO
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A SEGUNDA ADMINISTRAÇÃO: GRUPO JJ ABDALLA (1951 -1987)
31 ASPECTOS ECONOMICOS E ADMINISTRATIVOS 37 O MOVIMENTO OPERÁRIO
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OS PROCESSOS DE TOMBAMENTO
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CONDEPHAAT: A ESTRADA DE FERRO PERUS-PIRAPORA
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CONPRESP: VILAS OPERÁRIAS; FÁBRICA DE CIMENTO E ESTRADA DE FERRO
A ESPACIALIDADE DO NÚCLEO FABRIL: ENTRE CAJAMAR E PERUS
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FORMAÇÃO E USOS
61 PEDREIRAS, PRODUÇÃO DE CIMENTO E FERROVIA 67 MORADIA E VIDA OPERÁRIA
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SITUAÇÃO ATUAL
EXEMPLOS DE INTERVENÇÕES EM EDIFÍCIOS INDUSTRIAIS
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IBA EMSCHER PARK / ZECHE ZOLLVEREIN, ESSEN, RENÂNIA DO NORTE-VESTFÁLIA, ALEMANHA
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CENTRO DE EDUCAÇÃO E CULTURA KKKK, REGISTRO, SÃO PAULO, BRASIL
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LUMIÈRE CINEMA MAASTRICHT, MASTRIQUE, LIMBURGO, PAÍSES BAIXOS
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LIÇÕES APRENDIDAS
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INTERVENÇÃO PROJETUAL
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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BIBLIOGRAFIA E LISTAS DE IMAGENS E TABELAS
INTRODUÇÃO A formação do bairro de Perus, na zona norte de São Paulo, se deu a partir da construção e funcionamento da ferrovia Santos-Jundiaí. A estação entre a Luz e Francisco Morato, que na verdade servia para reabastecimento de água das locomotivas, garantiu a existência de um pequeníssimo povoado próximo ao Pico do Jaraguá. A região essencialmente de agricultura de subsistência inicia sua conversão industrial já quando, no final do século XIX, começou a funcionar em Perus uma Usina de Pólvora, que junto a mais outra, eram as principais fornecedoras da República Velha. Todavia, em 1920, quando a Fábrica de Cimento Portland começou a funcionar, a Usina de Pólvora foi desativada. A partir de então, a ocupação da região foi intensa, por causa, principalmente, dos operários que trabalhavam na fábrica. Desde sua fundação em meados dos anos 1920 até seu fechamento em 1987, a Companhia de Cimento Portland Perus teve atividade muito importante dentro do mercado brasileiro, destacando-se o período desde a década de 20 até a década de 60 – época na qual podemos salientar a atuação dos Queixadas: operários que se revoltaram com a nova gestão da fábrica, de José João Abdalla. Aqueles, então organizaram uma greve que durou sete anos, exigindo que a gestão da fábrica fosse cooperativa, entre o Estado e os próprios operários, e que o consórcio dono da Companhia pagasse o que devia aos seus funcionários. A greve, ao seu final, garantiu aos operários seus direitos, e inspirou outras greves a nível nacional, como, por exemplo, a Greve dos Metalúrgicos no final da década de 1970. A Companhia de Cimento Portland Perus faz parte da memória e imaginário coletivos do bairro de Perus, na periferia de São Paulo – para além disso, dentro do Brasil, quando pensamos em movimento operário. O abandono do espaço afetou os ex-operários e suas famílias. Desde os anos 90, os moradores e frequentadores do bairro se organizaram em prol da reapropriação do espaço, para que ele se tornasse um Centro de Lazer, Cultura e Memória do Trabalhador. Mais recentemente, o movimento tem também reivindicado uma Universidade Livre e Colaborativa e centros de pesquisa para agregar o conhecimento comunitário, que de certo modo já tem lugar no bairro– com atividades da FAUUSP e FFLCH no CEU Perus, mas que tem como “sede simbólica” a antiga Fábrica de Cimento. O cerne desta pesquisa é compreender as dinâmicas em que estava envolvida a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus, objeto de pesquisa, ao longo de sua história, desde a formação do sítio no qual está inserida, o extremo-norte da Região Metropolitana de São Paulo, até a atualidade; de que forma a indústria do cimento ocupa o espaço atualmente e no passado: tanto no que diz respeito ao lugar quanto aos indivíduos. E fazer uma proposta de intervenção arquitetônica no parque industrial que remeta a estas dinâmicas: através de análise de exemplos construídos em outros locais e com um projeto específico para Perus, desenvolvido ao longo desta investigação, reforçando, resgatando e respeitando a memória e a identidade do lugar. O objetivo geral é compreender a formação e transformação arquitetônica que o complexo da companhia passou através de sua existência, além da dinâmica socioeconômica que aconteceu naquele espaço: as administrações da cimenteira e a lutas operárias envolvidas. E, após sua desativação, quais os processos que o lugar sofreu junto aos órgãos competentes do Estado ao longo das décadas de 1980 e 1990. Para que o objetivo geral fosse atingido, traçaram-se objetivos específicos, tais como: pesquisar e descrever o histórico da Fábrica de Cimento, desde suas políticas econômicas até greves e ocupações da Fábrica; fazer um levantamento de to-
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das as existências físicas da cimenteira através dos anos de funcionamento e depois de sua desativação; entender qual é a importância do conjunto, ou seja, o que os edifícios compõe no imaginário dos ex-operários, seus decentes e os habitantes de Perus; entender se há relevância arquitetônica no conjunto e qual é ela; compreender como a região foi ocupada e quem a habitou, quem a habita hoje – e como habitam e habitaram; entender qual é a real demanda desses habitantes, de forma a fazer com que o novo espaço seja de real empoderamento dos moradores, não de eventuais e seletos frequentadores de outras regiões; compreender a identidade e memória operárias deste lugar através do levantamento histórico para que pudesse haver resgate dessa memória através de uma intervenção arquitetônica; de que forma seria possível respeitar a identidade de forma que a conversão não afete a região de modo negativo. A bibliografia consultada foi principalmente voltada para o levantamento histórico local. Inicialmente foram consultados os processos de tombamento do CONPRESP, para dar ponto de partida à pesquisa: que consistiu não apenas na consulta de documentos, mas no levantamento dos próprios edifícios da Fábrica em Perus. Após várias tentativas e alguns êxitos de visitar o sítio da fábrica – e com isso, conseguir um levantamento fotográfico -, o trabalho voltou-se para o levantamento histórico em si, principalmente pautado na pesquisa já realizada pelo CONPRESP e na dissertação de mestrado em economia de Elcio Siqueira, de 2001. Outra obra que foi importante para o desenvolvimento deste trabalho foi o doutorado defendido em 2016 de Vanice Jeronymo, esta sim em arquitetura: foi determinante para entender os espaços da cimenteira e como eles se articulavam a partir da ferrovia Perus-Pirapora. Todos os três documentos são fontes secundárias. Como fonte primária, e esta não de ordem acadêmica, vem o caderno produzido por Mario Carvalho de Jesus sobre os sete anos da greve dos trabalhadores da Companha. Ele vem para dar entendimento da relação dos operários com a gestão Abdalla. Como a companhia cimenteira é extensa, a pesquisa se concentrou principalmente no complexo da Fábrica em Perus e na sua inserção no bairro. O trabalho procurou introduzir a fábrica temporalmente, e, após a pesquisa, se organizou dividindo esses tempos em dois, logo no primeiro capítulo: o primeiro tempo é a formação da Companhia de Cimento e sua primeira gestão; o segundo tempo se refere à gestão Abdalla – esta dividida entre seus aspectos econômicos e seus aspectos de luta operária. O segundo capítulo diz respeito a outro tempo, não inserido no período de funcionamento da Fábrica. Refere-se aos tombamentos em âmbito Estadual e Municipal. Para tratar acerca do espaço da Companhia, vem o terceiro capítulo, sobretudo descritivo. Ele se divide em dois tempos: o ontem, com os espaços de outrora, tanto em Perus quanto em Cajamar; e o hoje, fazendo um levantamento sobre os habitantes de Perus e sobre o espaço da fábrica. Dividindo desta forma, foi mais natural entender o processo que levou a Companhia ao auge nos anos 1930 e à falência nos anos 1970. O quarto capítulo busca estudar outras intervenções arquitetônicas, e como elas influenciaram no resgate da memória local. Foram vistos três casos de projetos executados em pré-existências industriais, todos introduzindo novos usos culturais. O estudo deles foi usado de inspiração para a proposição projetual deste trabalho, que se encontra no quarto capítulo.
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HISTÓRICO: ASCENSÃO E QUEDA DA COMPANHIA BRASILEIRA DE CIMENTO PORTLAND PERUS
HISTÓRICO: ASCENSÃO E QUEDA DA COMPANHIA BRASILEIRA DE CIMENTO PORTLAND PERUS
1.1. A primeira administração canadense (1926 – 1951)
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IMAGEM FONTE: ACERVO PEDRO BEZERRA
A PRIMEIRA ADMINISTRAÇÃO CANADENSE (1926 -1951)
1.1.1 O Bairro de Perus: encontro de estradas A origem de Perus está rodeada de lendas urbanas, algumas as quais têm algum fundamento. Essas lendas começam já fazendo referência à progênie do nome do bairro. A razão para uma delas foi a descoberta de ouro no ano de 1590 no Pico do Jaraguá e no Córrego Santa Fé que levaria muitos a acreditar que foi a primeira região onde foi descoberto ouro na Colônia Portuguesa e que, dali, partiam grandes quantidades para a Europa – fato que apelidaria a região de “Segundo Peru” ou “Peru do Brasil”, fazendo alusão à colônia espanhola. Todavia, há registros de que apenas 930 arrobas teriam saído da região, o que não corrobora com a lenda. Outro fato importante a ser mencionado seria o de que esse ouro teria acabado antes mesmo de chegar à Coroa Portuguesa (SIQUEIRA, p.8 e p.9, 2001; MOREIRA, GOULD, p.24, 2013) Outra lenda que se escuta no local é a de que haveria uma fazenda na região onde hoje se encontra o bairro, da Dona Maria dos Perus, na qual se hospedariam os viajantes da Estrada Santos-Jundiaí e serviria carne de peru – ainda há os que dizem que, na verdade, ela não serviria carne de peru, e sim “peruas”, fazendo alusão a uma possível casa de prostituição. O fato é que, de 1590 – da descoberta do ouro – até 1867, há um vazio no que diz respeito a citações de Perus na história de São Paulo, há no máximo referências a fazendas locais, como a Fazenda dos Pires e a Fazenda Ajuá. O maior marco, inclusive na paisagem, que se tem dessa época em Perus, é a Estrada São Paulo-Jundiaí. A Estrada surgiu como parte dos 500 quilômetros de estradas que ligavam Santos ao resto da capitania de São Paulo na época no Ciclo Paulista do Açúcar, a partir de 1765 (SIQUEIRA, 2001).
Imagem 1: as principais estradas no Estado de São Paulo na época da independência, todas convergindo para a vila de São Paulo. A estada que passa por Perus é a que vai de Santos a Franca. Fonte: SIQUEIRA, 2001.
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Pela estrada, passaram algumas figuras ilustres que relataram por escrito o que viram pelo caminho. Uma dessas figuras foi Luiz d’Alincourt, oficial de engenharia português, que descreveu o trajeto centro-bairro. É possível ler em seu relato que, as atividades dos atuais Freguesia do Ó, Pirituba e Perus, eram predominantemente de agricultura de subsistência e de produção de aguardente – sintoma da atividade açucareira do período. Fazendo o percurso no sentido contrário, o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire descreve paisagens devastadas ou tomadas por plantas exóticas aos seus habitats; também há no seu relato vestígios da agricultura de subsistência e do ciclo econômico vivido na capitania. Ambos fazem observações sobre o ouro do Pico do Jaraguá (SIQUEIRA, p.17, 2001), o que mostra que a lenda ainda tão depois da descoberta do ouro em Jaraguá tinha força. São Paulo começa a ganhar real importância econômica apenas com o surgimento do ciclo do café – que toma lugar no Vale do Paraíba e no Oeste Paulista. Com essa economia do café crescente no interior no estado, o transporte até o Porto de Santos, por onde seria exportado, era essencial. A demanda faz com que as estradas de ferro surjam – como alternativa seis vezes mais barata que o transporte terrestre de tropas de mulas (FAJARDO, p.28, 2011). Organizada como empresa em 1858 na Inglaterra, a São Paulo Railway Company inaugura a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí no ano de 1867, a qual liga o porto de Santos a Jundiaí, passando pela Estação da Luz, no centro de São Paulo e pelo pequeno povoado de Perus. A história do bairro de Perus, assim como a cidade de São Paulo, está ligada ao crescimento promovido pelo entroncamento de caminhos que passavam por ela.
Imagem 2: Mapa das estradas de Ferro em São Paulo na década de 1940. Em destaque, a estrada e ferro Santos-Jundiaí, da São Paulo Railway. Fonte: estacoesferroviarias.blogspot
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Os registros de 1856 da Paróquia da Nossa Senhora do Ó diziam que havia, na região de Perus, 17 proprietários de Terras. Depois da inauguração da São Paulo Railway, e da estação “dos Perus”, entretanto, esse número aumentou, por causa da facilidade de acesso (SIQUEIRA, p.21, 2001). A estação “dos Perus”, inaugurada junto à ferrovia em 1867, foi inicialmente projetada para reabastecimento de água das locomotivas. E de lá, pouco tempo depois, era possível ver o início da industrialização da região norte da atual Metrópole de São Paulo. Aí sim, Perus começou a deixar de ser uma vila distante do bairro da Freguesia do Ó para ser de fato um lugar na cidade de São Paulo (MOREIRA, GOULD, p.24, 2013).
Imagem 3: Estação “dos Perus”, em data desconhecida, da Estada de Ferro Santos-Jundiaí, da São Paulo Railway. Aquela dará importância maior ao bairro, apesar da estação servir mais para abastecimento de água para as locomotivas. Fonte: Comércio de Perus.
Os conjuntos industriais que surgiram nessa época tardia do segundo Império Brasileiro, se estabeleceram às margens das ferrovias paulistas, principalmente quando tratamos de São Caetano do Sul e Santo André. Na Zona Norte, temos principalmente o estabelecimento da Companhia Melhoramentos – cujas caieiras darão nome ao município no qual se encontra -, uma fábrica de Pólvora, e algumas décadas depois, a Companhia de Cimento, objeto desta pesquisa. É importante ressaltar que o crescimento populacional nessa área foi tímido, tanto por causa da topografia da Zona Norte, tanto por causa das extensões de terra destinadas às indústrias (FAJARDO, p.29, 2011).
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De um lado a Melhoramentos, que destinava grandes áreas dos municípios de Cajamar, Caieiras e Franco da Rocha ao cultivo de pinheiros e eucaliptos – áreas que posteriormente se tornariam um limitador de crescimento urbano, como citado, para toda a região. Do outro, a Fábrica de Pólvora do Sr. Hedwiges Dias... “cujo bom desempenho permitiu que o cavalheiro construísse, por volta de 1894, um palacete a pequena distância dali, às margens da São Paulo Railway, bem como outro no bairro de Campos Elíseos. Há que se assinalar que, junto com a Fábrica Ipanema, a usina de pólvora de Perus foi a principal fornecedora de munição para o sistema de defesa do Porto de Santos durante os episódios conhecidos como Revolta da Armada, em 1893-1894”. (DPH/CONPRESP, 1992, p. 21-2; Bento, 1996, p. 61 apud SIQUEIRA, p. 24, 2001)
Imagem 4: Fábrica de Monjolinho, em 1925, da Companhia Melhoramentos, na época parte do município de Santana do Parnaíba. As caieiras, ao fundo da imagem, da fábrica darão origem ao nome do município onde a companhia hoje se encontra. Fonte: estacoesferroviarias.blogspot
Com a instalação da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus, foi desativada a Fábrica de Pólvora e a família do Sr. Hedwiges Dias mudou-se do palacete, por consequência da poluição que o pó lançado pelos fornos na atmosfera gerava – incomodo que perduraria por anos na região até a desativação da indústria.
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1.1.2 A Ferrovia Perus-Pirapora e a Usina de Gato Preto Em contexto de início de industrialização no país, no qual vários grupos estrangeiros olhavam com interesse para o Brasil, principalmente por causa das vantagens oferecidas, inicia-se o processo de exploração de calcário da região extremo norte de São Paulo (BEZERRA, p.4, 2009). “Em 1909, via o processo 39-7-1909 da Secretaria de Agricultura e Obras Públicas do Estado de São Paulo” (SIQUEIRA, p.24, 2001) foi solicitada por empresários a construção de uma ferrovia que ligasse Perus à “Villa de Pirapóra”, com a justificativa de atender a uma demanda religiosa: uma romaria que se dirigia ao município de Pirapora do Bom Jesus – e que ainda hoje existe. Também foi cogitada a possibilidade de se construir um prolongamento posteriormente, até “Parnahyba” e Jundiuvira, próximo ao Rio Tietê à jusante de Pirapora. O Governo do Estado concedeu então “aos referidos cidadãos [Clemente Neidhart, Mário Tibiriçá e Sylvio de Campos], ou à empresa que os mesmos organizassem, licença para construção, uso e gozo” do ramal da Ferrovia São Paulo Railway, denominado Companhia Industrial Estrada de Ferro Perus-Pirapora (CIEFP), mais tarde Estrada de Ferro Perus-Pirapora (EFPP). Na região compreendida entre Caieiras e Cajamar, hoje cortada pela Rodovia Anhanguera, a concentração de calcário é razoável e, no início do século XIX, começou-se uma exploração dessa matéria prima para a obtenção de cal. A exploração e obtenção eram feitas no bairro de Gato Preto, pela família Beneducci – a qual, em 1910, junto aos empresários que solicitaram a permissão para a construção da EFPP, formou uma empresa mista para a produção de cal e seu transporte até a Estação Perus. Isso se dá em pleno início da expansão da capital paulista, quando o produto começava a ser usado em larga escala para as construções (MARTIRE & RODRIGUES, 2000 apud SIQUEIRA, p. 26, 2001). “Após a concessão organiza-se a Companhia Industrial e de Estradas de ferro Perus-Pirapora, com o capital de R$ 400:000$000 em obrigações de 100$000 cada uma, com o fim de explorar a antiga Fabrica de Cal Beneducci e as Caieiras Gato Preto e Bocaina, no bairro do Gato Preto, assim como a estrada de ferro” (MARTIRE & RODRIGUES, 2000 apud SIQUEIRA, 2001).
Imagem 5: composição da Estrada de Ferro Perus-Pirapora em funcionamento em Cajamar entre 1920 e 1930. Ao fundo, um dos fornos de cal. Fonte: São Paulo Antiga
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Imagem 6: destaque para o forno do fundo da imagem anterior em Gato Preto, em uma foto tirada no mesmo dia. Fonte: bdtrans
Imagem 7: pedreira em Gato Preto no ano de 1928. Fonte: acervo Família Burke
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A construção da ferrovia foi realizada entre os anos de 1911 e 1914, acompanhando o Rio Juquery e o Córrego Ajuá. Entretanto, contradizendo o que foi requerido junto ao Governo do Estado e o próprio nome da ferrovia, o rumo dos trilhos foi desviado para o norte, em direção ao bairro de Gato Preto – até a Usina de cal da família Benelucci -, em Parnaíba, e jamais passaria por Pirapora. Fica claro que os interesses na Perus-Pirapora divergiam completamente dos requeridos ao Estado. Entretanto, manteve-se o nome original da ferrovia, provavelmente por efeitos legais.
Imagem 8: esquema sem escala do percurso da Estrada de Ferro Perus-Pirapora, indo desde Cajamar, na extração de calcário da Família Benelucci, até Perus, onde se liga à São Paulo Railway. Fonte: CONPRESP, 1989.
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Já em 1914, com o final da construção da ferrovia, os fornos de cal de Gato Preto começaram a funcionar. O cal era transportado pela Perus-Pirapora até a Estação Perus, onde fazia baldeação para ser levada pela São Paulo Railway. Mais tarde, foi construído um ramal que rumava ao bairro de Água Branca, onde hoje se encontra o centro do município de Cajamar (SIQUEIRA, p.25, 2001).
Imagem 9: Fornos em funcionamento na usina de beneficiamento de cal em Gato Preto logo após sua inauguração. Fonte: efperus-pirapora.blogspot 1
Com extensão total de 32,5km e construída em bitola de 600mm , a EFPP era utilizada exclusivamente para transporte de calcário até a São Paulo Railway – para aí ser destinada a onde pudesse interessar (MORARES, OLIVEIRA, p.10, 2013).
Imagem 10: Vagão Tanque da Anglo Mexican no pátio de bitola mista de intercâmbio da São Paulo Railway com a E.F. Perus Pirapora, durante a visita dos canadenses ao Brasil em 1923. Fonte: Acervo Nelson Camargo.
600mm corresponde à distância entre os dois eixos de aço que constituem a composição do trilho da estrada de ferro. Na época, a bitola de 600mm era comum. Hoje, são usadas bitolas maiores, por causa de capacidade e estabilidade das locomotivas. 1
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As possibilidades, mesmo assim, imaginadas pelos empresários iam muito além da Usina de Cal e da Ferrovia. Um documento publicado em 1987 pelo jornal local (Jornal de Perus/Jornal do Jaraguá) comprova que havia desde 1915 a intenção – e possibilidade – de instalar uma usina de cimento nas propriedades da Companhia. A matéria prima era comprovadamente de ótima qualidade (havia sido submetida a análises tanto de centros de pesquisa no Brasil – os documentos citam a Escola Politécnica de São Paulo, a São Paulo Tramway, Light & Power Company Limited, e o Mackenzie College – quanto testes em outros países, como Canadá, Alemanha e Estados Unidos), e havia uma ótima forma de transportar a carga para o principal mercado consumidor – no caso, a ferrovia Perus-Pirapora até a São Paulo Railway e depois até o centro de São Paulo (SIQUEIRA, p.27, 2001). Em agosto de 1923, o canadense Dr. M. M. Smith, da empresa conterrânea com sede em Montreal Drysdale & Pease (MORAES, p.85, 2016), visitou o Brasil com o objetivo de examinar mais minuciosa e completamente a matéria prima do cimento brasileiro. Smith era especialista na química do cimento, e tinha larga experiência em formação de fábricas de cimento Portland nos Estados Unidos, no Canadá, na Espanha e na França. Foi analisado o calcário no estado do Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais, e chegou-se a conclusão de o calcário de Gato Preto era o melhor a ser explorado e a ser transformado em cimento, de todos os pontos de vista – quantidade, qualidade, transporte, localização. Um ano depois, em agosto de 1924, formava-se a Brasilian Portland Cement Company, a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus SA, formada pelos empresários brasileiros que tinham a posse da reserva de Gato Preto e da Ferrovia Perus-Pirapora e pelos canadenses associados a M. M. Smith, que seria nomeado o primeiro presidente da Companhia (documento da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus dos anos 20, reproduzido no n.º 35 do Jornal de Perus/ Jornal do Jaraguá, 1987 ).
Imagem 11: visita dos canadenses às propriedades da empresa mista de extração e beneficiamento de calcário, junto aos donos desta.
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Em 1925, graças à necessidade de energia elétrica na usina – mesmo com a queima de óleo combustível na Fábrica -, foi construído um ramal de linha de alta tensão da São Paulo Tramway, Light & Power Company entre Perus e Caieiras, a partir do tronco Santos-Jundiaí, inaugurado em 1921.
Imagem 12: ramal de linha de alta tensão construído entre Perus e Caieiras para abastecer a Companhia de Cimento Portland. Fonte: SIQUEIRA, 2001.
Há uma coincidência notável da data da intensificação dos contatos entre Sylvio de Campos e os canadenses e uma lei de incentivo á indústria cimenteira no Brasil, a qual previa isenção de taxas aduaneiras sobre o maquinário, além de custos reduzidos ao transporte de matéria prima nas ferrovias federais e pela marinha mercante. Só seriam beneficiados com essa lei “os projetos com capacidade mínima para produzir 30.000 toneladas/ano, que utilizassem somente matérias-primas nacionais, empregassem pelo menos 50% de brasileiros e vendessem 30% da produção para órgãos governamentais” (SIQUEIRA, 2001, p. 31). Essa lei entrou em atividade em 1927, garantindo monopólio à usina de Cimento da Ferrovia Perus-Pirapora até 1933, quando a lei foi revogada.
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1.1.3 A Fábrica de Cimento É importante levar alguns fatos em conta antes de afirmar que a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus foi a primeira a abrir uma fábrica de cimento no Brasil. Na verdade, a usina em Perus foi a primeira fábrica a prosperar. Houve outras tentativas de produção de cimento no Brasil. A primeira Fábrica de cimento brasileira foi inaugurada em 1892, na ilha de Tiriri, na Paraíba, mas a usina funcionou apenas por três meses. Bem como em 1897, na fazenda Santo Antonio em São Paulo, mas que também não vinga e é posteriormente comprada pela empresa A.R. Pereira e Cia. em 1904 – comprada mais tarde por outra firma, que produzirá o Cimento Portland Nacional Rodovalho, que ainda será comprada pela Sociedade Anônima Fábrica Votorantim, e logo após a compra em 1918, a fabricação do Cimento Rodovalho é suspensa. Em 1912 há uma tentativa do Governo do Estado do Espírito Santo de abrir uma fábrica de cimento, em Cachoeiro do Itapemirim, mas ela é fechada logo em 1924. O fechamento dessas usinas se deveu ao fato do setor ter “assumido características oligopolistas na Europa e nos Estados Unidos, o que significa que os primeiros fabricantes nacionais eram confrontados por um produto que era praticamente o mesmo em todo o mundo” (SIQUEIRA, p.62, 2011), ou seja, no Brasil, desconhecia-se técnicas para seguir o padrão do cimento importado e a matéria prima do cimento não era de alta qualidade. Além disso, os custos de transporte dentro do Brasil faziam com que o cimento de fora ainda tivesse preços competitivos em comparação, mesmo com os impostos da alfândega. Então, em 1926, a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus inicia as atividades de sua fábrica de cimento, em seu primeiro ano produzindo 13.382 toneladas de cimento – o que representou 3,26% do consumo nacional de cimento (SIQUEIRA, 2001). O resto não era produzindo nacionalmente, e sim importado, já que não havia outra usina nacional de cimento.
Imagem 13: Fábrica de Cimento Portland em 1928. Mesmo na época era observável a quantidade considerável de fumaça de cimento que a fábrica gerava. Fonte: acervo família Burke.
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Imagem 14: mapa desenvolvido a partir do Sara Brasil de 1932, sem escala. Destaca-se em amarelo a estrada de Ferro Perus-Pirapora e em vermelho a área da a Fábrica de Cimento Portland, com a Vila Triângulo. Fonte: Acervo Pessoal.
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Também é importante ressaltar que, entre as décadas de 1920 e 1940, a população de São Paulo salta de 579.003 habitantes para 1.318.539 habitantes (PRADO JUNIOR, Caio 1989, p. 60; Censos Demográficos de 1960 e 1970 apud SIQUEIRA, 2001): o que significa que a demanda por cimento para construção civil – tanto em grande escala quanto em pequena escala – aumenta vertiginosamente. E a CBCPP 2 produzirá esse cimento com exclusividade, por conta não de outro motivo que não seja a escassez de concorrência. Warren 3 Dean chegou a considerar a Fábrica como uma das principais novas construídas na década de 1920, o que só atesta mais a importância da Companhia. Isso é facilmente comprovado em números: Tabela 1: Produção da CBCPP entre 1926 e 1932 em relação ao mercado nacional. Fonte: ABCP apud SIQUEIRA, 2001.
No sétimo ano de funcionamento da fábrica, ela já é vital no que diz respeito ao consumo nacional. A maior parte do cimento era utilizada na própria capital paulista: segundo a publicidade da CBCPP, a Biblioteca Mario de Andrade, os túneis e viadutos da Avenida 9 de Julho, as obras da Light em Santos e o trecho inicial da Via Anhanguera utilizaram todos o material da companhia. No ano de 1931, quando há um pico de consumo, por causa do salto na produção de pouco mais de 87 mil toneladas por ano para mais de 165 mil. Isso se deve à contratação do geólogo e engenheiro Moraes Rego, que transporá a dificuldade que Perus tinha até então de controlar a irregularidade das jazidas. (SIQUEIRA, p.63, 2001). Isso também influencia na contribuição em números percentuais e absolutos da proveção de cimento no mercado nacional, colocando Perus no começo da década de 30 como a principal fornecedora de cimento no Brasil.
Imagem 15: Túnel 9 de julho em obras na década de 1930 e 1940, resultado da expansão de São Paulo. O marketing da CBCPP utilizou muito como propaganda o fato da construção da via ter utilizado apenas o cimento da companhia. Fonte: São Paulo in foco.
Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus Warren Dean (1932 - 1994) foi um historiador estadunidense, considerado um brasilianista. Escreveu livros como “A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira”, “A Industrialização de São Paulo, 1880 – 1945” e “Brazil and the struggle for rubber: a study in environmental history”. 2 3
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Com esses dados, é possível corroborar à publicidade da companhia que afirmava ser graças à produção dela a viabilização da expansão de São Paulo. Sem esse cimento, seria necessário importar toda a matéria prima do concreto – o que era demasiadamente caro se formos considerar a quantidade de cimento utilizada – e esse fato provavelmente faria com que, desde essa época, mudasse-se o sistema construtivo na cidade de São Paulo ou a cidade se expandisse em um ritmo menos acelerado no período até 1932. Entre 1933 e 1939, outros grupos industriais se juntam à CBCPP na fabricação do cimento, e em 1940 quase a totalidade do material utilizado no Brasil era de procedência nacional. O que contribui também para esses dados – que perdurarão até 1944 – é a Segunda Guerra Mundial e a impossibilidade das potências mundiais de exportarem (e consequentemente do Brasil comprar). Claro que não apenas a indústria cimenteira experimenta esse fenômeno, mas toda a indústria brasileira é impulsionada pela ausência de importações e a necessidade de uma produção da de base no Brasil – a de bens de consumo vem mais tarde na década de 1950. É também nessa data que Perus se emancipa da Freguezia do Ó, transformando-se em distrito de Paz, porque já configurava-se como área urbana, além de ter 3.504 habitantes, dos pouco mais de 1 milhão do município de São Paulo. (SIQUEIRA, p.40, 2001 ;BEZERRA, p.4, 2009)
Imagem 16: Parte do bairro de Perus à beira da São Paulo Railway em 1935. Fonte: Comércio Perus.
Como a Grande Guerra acontecia longe do território brasileiro, a demanda pelo cimento continuava a crescer. Devido a facilidades de financiamento proporcionadas pelo Governo – e um consequente boom imobiliário - e obras do próprio Governo, mesmo após o fim da Guerra em 1945, há um período no qual a capacidade nacional de produção do cimento não é suficiente para suprir a demanda. O efeito é que, de 1944 a 1953, há um período de volta do crescimento da parcela importada em relação ao que era consumido internamente no Brasil. Mas, devido a um programa de ampliação nacional das fábricas existentes, em 1954, as importações caem bastante, como é observável abaixo. (SIQUEIRA, p.40, 2001).
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Tabela 2: Parcela importada do que era consumido nacionalmente de cimento entre os anos de 1944 e 1961 (SIQUEIRA, 2011)
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1.2. A segunda Administração: Grupo JJ Abdalla (1951 – 1987)
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IMAGEM FONTE: CASA DA MEMÓRIA CAJAMAR
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1.2.1 Aspectos econômicos e administrativos José João Abdalla era médico de formação, mas foi vereador, prefeito de Birigui, fez parte da Assembleia Constituinte, foi Deputado Federal, Secretário do Trabalho do Governo do Estado, bancário, agropecuário. Está presente neste trabalho porque foi proprietário de um grande império industrial: o que lhe rendeu o apelido de “mau patrão”, conferido pelo jornal O Estado de São Paulo. JJ Abdalla era investidor e proprietário do Grupo JJ Abdalla, que compreendia cerca de 20 empresas desde o ramo de agropecuária até têxtil (RAGAZZI, 2016). No ano de 1951, o grupo de JJ Abdalla incorpora a suas propriedades a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus – que incluía a Fábrica de Cimento, a ferrovia Perus-Pirapora, as pedreiras de Calcário de Gato Preto e o Sítio Santa Fé – além de terras que cobrem uma área equivalente a 60% do território atual do município de Cajamar (SIQUEIRA, p.78, 2001). Em um contexto de fechamento de outras ferrovias de bitola de 60cm no Brasil, nessa época, recém adquirida pelo capital nacional, a EFPP passa a adquirir material rodante das outras estradas de ferro desativadas, como a Tramway Cantareira, a Fazenda Dumont e a Companhia Paulista. Nessa época, foi autorizado pelo Governo Federal a supressão das pequenas ferrovias com finalidade dirigida, como era a Perus-Pirapora, principalmente por causa do Plano de Metas que estava em vigência, o qual privilegiava o uso de rodovias. No Estado de São Paulo, aproximadamente mil quilômetros de ferrovias de uso similar a da EFPP foram substituídas pelo transporte rodoviário (CONDEPHAAT, 1980 apud MORAES, OLIVEIRA, p.7, 2013; MORAES, p.86, 2016) A nova gestão da Fábrica foi polêmica, o que acabou por tornar, no imaginário operário, a gestão anterior uma espécie de gestão ideal – ou pelo menos mais coerente. Em 1947, ainda sob gestão canadense, traçou-se um plano de ampliação da Fábrica, que incluía dois novos fornos e quadruplicava a produção. Para isso, não apenas os fornos seriam comprados, mas todo o maquinário deveria acompanhar a ampliação. É importante frisar que na indústria cimenteira, pelo menos na época, o tamanho da fábrica necessariamente tem a ver com a capacidade produtiva e tecnologia empregada. E os três fornos que existiam até 1951 não dariam conta de acompanhar o mercado nacional e manter a CBCPP entre as mais importantes tanto na Região Metropolitana de São Paulo quanto nacionalmente falando. Por isso, logo que JJ Abdalla assume o comando da Fábrica de Cimento em 1951, o Forno 4, o mais moderno da fábrica, é adquirido e parcialmente montado – os operários que seriam qualificados para a montagem do forno são dispensados, numa redução de folha de pagamento. O polêmico Forno 4 foi logo colocado em funcionamento. A parcialidade em sua montagem se deve a diferentes aspectos, mas que não influenciavam no funcionamento dele. Em mais uma ação motivada pelo corte de folha de pagamento, JJ Abdalla manda desligar os equipamentos de filtragem do forno. Os problemas de poluição gerados pelo lançamento de pó na atmosfera pela fábrica não eram dramáticos em 1951, o que levou a continuidade de seu funcionamento. No entanto, nos anos seguintes, a poluição em Perus deixa sua marca. Os moradores do bairro que viveram na época contam que, mesmo quando frequentavam a escola, estava na lista de material um plástico para se colocar em cima das carteiras – que toda manhã tinham sua superfície cheia de pó de cimento. O cimento também se depositou sobre a superfície dos edifícios da fábrica, deixando a maior parte deles texturizados.
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Imagem 17: planta canadense de expansão da fábrica sem escala. É possível ver os três fornos já existentes desde a construção original e o quarto forno vindouro. Fonte: Acervo Elcio Siqueira.
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Imagem 18: Forno 4 em funcionamento nos fundos da Fábrica. Data da foto desconhecida. Fonte: Nelson Camargo.
Imagem 19: a superfície do silo, principalmente à direita da imagem, é nítida na foto atual (2017) o depósito de cimento que ocorreu sobre o concreto com o passar dos anos. Fonte: acervo Fernanda Boutros
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O programa de ampliação da capacidade produtiva da fábrica, planejado e iniciado pela primeira gestão e continuado por Abdalla, foi atingida uma produção de 290.000/320.000 toneladas de cimento por ano em 1954 – no terceiro ano da nova administração. Como visto anteriormente, até 1953 houve um crescimento da parcela importada de cimento até 32,85% do que era consumido nacionalmente. Os números serão recuperados apenas através de um programa de incentivo a ampliação de fábricas existentes de cimento e abertura de novas unidades. Esse programa teve grande êxito em números percentuais e absolutos, quando observamos a parcela importada de cimento em relação ao que era consumido: (SIQUEIRA, p.40, 2001). Tabela 3: Parcela importada do que era consumido nacionalmente de cimento entre os anos de 1954 e 1961 (SIQUEIRA, 2011).
Imagem 20: Mapa desenvolvido por sobre o levantamento fotográfico de São Paulo de 1954. Em destaque, a Fábrica de cimento. É visível na foto a fumaça que a fábrica produzia, tornado difícil a visualização da Fábrica. O bairro de Perus a volta é maior do que na foto de 1935 e do que no levantamento do Sara Brasil, muito por causa das atividades da CBCPP.
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É inaugurada a primeira concorrente da CBCPP na Região Metropolitana de São Paulo apenas em 1957, o que garantiu praticamente um monopólio local para a empresa até tal data. Tanto é que, até 1956, a porcentagem do Estado de São Paulo atendida pela Perus girava em torno de 30%, e de 1956 a 1961, ficava por volta de 20%, como na tabela (SIQUEIRA, p.38, 2001). Tabela 4: parcela do atendimento da Perus em relação ao total do que era usado no Estado de São Paulo.
Essas altas porcentagens, como citado anteriormente, coincidem também com o boom populacional pelo qual São Paulo estava passando: de 1920 a 1950, a população de São Paulo cresce mais de 1.000%. Em 1961, no entanto, o BNDE já assinalava que as taxas de crescimento da economia brasileira indicavam que um quadro de equilíbrio não permaneceria no que diz respeito às importações e exportações; por isso, em 1964, o banco sugere um novo programa de ampliação das usinas. Mas os problemas apontados pela instituição não atingiam a Perus, porque se tratavam de, principalmente, dificuldades de transporte do produto para atender seu principal mercado consumidor – a CBCPP tinha a ferrovia. Nos anos de 1963-64, e depois em 1965-67, houve duas quedas de produção: a primeira para 268.000 toneladas por ano e a segunda para 180.000/200.000 toneladas por ano. Mesmo assim, entre os anos de 1968 e 1975, a CBCPP continua com números competitivos, no que diz respeito a produção anual, sempre ficando acima de pelo menos 230.000 toneladas. Nos anos seguintes a 1975, a produção cai em números absolutos para nunca mais voltar a patamares páreos para o mercado, fator que levará a falência da empesa (SIQUEIRA, p.80, 2001). Isso significa que a partir de 1976, a fabricação cai para menos de 200.000 toneladas por ano e após 1979, cai para menos de 70.000 por ano. O que aconteceu aqui foi uma soma de fatores, que se deve principalmente à falta de modernização. Desde a administração canadense, era sabido que a Perus não passaria dos anos 1970: tanto por causa de uma fadiga do maquinário, cuja vida útil só iria até mais ou menos essa data, tanto por causa da falta de ampliação da capacidade produtiva. Era previsto, no projeto de ampliação original, um quinto forno, com a mesma capacidade do forno 4 no que diz respeito à fabricação e dimensões. Entretanto, para que ele fosse instalado, era preciso duplicar todo o maquinário da fábrica, já que, visto o processo de manufatura do cimento, não adiantaria colocar mais um forno, se toda a capacidade produtiva não acompanhasse o aumento. O fato é que não era interessante para a administração Abdalla fazê-lo: seu estilo de gestão era outro. Uma das principais polêmicas administrativas envolvendo o Grupo Abdalla e a fábrica de Perus é sobre a manutenção das máquinas: não havia manutenção preventiva, porque não era economicamente vantajoso para o grupo. As máquinas existentes também não eram corretamente operadas, já que – como visto na instalação do forno 4 – era priorizado o corte na folha de pagamento em detrimento a um procedimento correto. Por causa disso, por exemplo, aconteceu um acidente envolvendo o forno 4 e 40 operários da CBCPP: o forno explodiu devido a instruções erradas de um engenheiro, deixando até as roupas de alguns operários
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em chamas. Alguns operários chegam a alegar que a falência da Fábrica em 1973 se deveu a falta de manutenção e, daí o declínio da produção de cimento. Mas, na verdade, segundo Siqueira, a falência e diminuição produtiva já estavam programadas. Em 1973, então como comentado, a fábrica, a ferrovia e a mineração sofrem intervenção e confisco federal até 1974, por conta de dívidas e impostos não pagos. No mesmo ano de 1973, graças a um movimento de moradores de Perus, o forno 4 é desativado em virtude do pó que lançava no ar. Em 1979 o Sitio Santa Fé, também posse do Grupo Abdalla, foi confiscado pelo Governo Federal e negociado com a Prefeitura de São Paulo. Logo, o grande terreno ao sul de Perus foi transformado parte no Parque Anhanguera e parte no Aterro Sanitário Bandeirantes, que hoje gera energia para o bairro. Apenas em 1980 as outras propriedades que sofreram confisco em 1973 são colocadas à venda em hasta pública, mas são retomadas pelo Grupo – cuja liderança não é mais JJ Abdalla, mas sim seu sobrinho, “Toninho” Abdalla. Em 1983, foram desativadas a estrada de ferro Perus-Pirapora e as minas de calcário em Gato Preto, o que fez com que a fábrica só moesse clínquer para a Cimento Santa Rita. A produtividade da fábrica se elevou de 74.883 toneladas produzidas no ano de 1982 para 180.143 toneladas em 1983. O rendimento vai continuar por volta de 100.000 toneladas ano até 1986 (SIQUEIRA, 2001). Em 1987 a Fábrica de Cimento de Perus foi definitivamente fechada pelo Grupo Abdalla.
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1.2.2 O Movimento Operário “O estilo de gestão na Perus a partir de 1951 teria tido, paradoxalmente, o efeito de estimular o florescimento do saber operário e de forçar os trabalhadores a lutar por medidas tendentes a instaurar uma dualidade de poder dentro da companhia. A hierarquia de comando, provavelmente, ficou tão desgastada pelo cumprimento das “ordens superiores” que as bandeiras da competência técnica e das medidas em prol da empresa teriam passado da direção superior para os operários. A força do movimento viria desse embate, associada à articulação de toda a comunidade operária através da luta feminina e ao efeito multiplicador advindo da postura da liderança construída desde os primórdios da Perus. Liderança que, ainda que empiricamente, foi capaz de dar centralidade e forma política à resistência no cotidiano do trabalho na via da construção de uma prática que se descobriria pautada pelos princípios da Não-Violência muitos anos depois” (SIQUEIRA, p. 149-150, 2001).
Imagem 21: operários trabalhando nos moinhos no início da gestão Abdalla. Fonte: acervo Nelson Camargo
Em 1951, quando a CBCPP foi comprada, foi organizado pelo Grupo Abdalla um grande churrasco para todos os operários da Fábrica, comerciantes de Perus e população local. O próprio JJ Abdalla compareceu, discursou, cumprimentou e conversou com os operários, prometeu hospital para Perus (MOREIRA, GOULD, p.59, 2013) – hospital esse que a região espera até hoje, sem nenhum leito para a população, segundo o Senso do IBGE de 2010, de mais de 82 mil pessoas. Os moradores de Perus que viram o churrasco acontecer se lembram dele saudosos, e comentam que é até estranho pensar que, o cidadão que promoveu esse evento e fez todas aquelas promessas, foi o mesmo que dirigiu a companhia de cimento tão na contramão do que os operários acreditavam que era correto. Não demorou muito para o apelido “mau-patrão” se espalhar, chegando até o Jornal O Estado de São Paulo que utilizou a denominação repetidas vezes, quando se referia a relação entre o sujeito e os trabalhadores da Perus.
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Imagem 22: recorte de reportagem de 29 julho de 1967 do Estado de São Paulo que usa o apelido de mau patrão deliberadamente para José João Abdalla. Fonte: O Estado de São Paulo.
A primeira paralização da Fábrica ocorre em 1958 e é chamada de greve dos 46 dias. A greve ganhou o apoio popular da mídia: os trabalhadores se recusavam a receber o aumento anual de 30%, como o resto das usinas de cimento do país; eles só aceitariam se o valor não fosse passado ao consumidor, elevando o preço do saco de cimento e, caso o fizesse, eles exigiam um aumento de 40% nos salários. Por causa dessa greve, vencida – que garantiu o reajuste de 40% no salário dos empregados da fábrica -, o sindicato do cimento começa a ganhar força e a confiança dos trabalhadores. A partir desse momento era necessário para a contratação na fábrica, passar pelo crivo do órgão (MOREIRA, GOULD, p.74 e p.75, 2013). É ao final dessa greve que surge o apelido “Queixada”: um porco do mato que, uma vez se sentindo ameaçado, se une em grupo contra o agressor, fazendo este bater em retirada. A união desses trabalhadores se tornou tão sólida que surgirá o Sindicato dos Queixadas: que ganhará uma sede construída pelos próprios operários. A luta dos queixadas era baseada no conceito de não agressão, ou não violência – preferiam em Perus a denominação Firmeza-Permanente ou não-violência ativa -, mesmo conceito que Mahatma Gandhi usou em sua luta pela independência da Índia ou os negros americanos na luta pelos Direitos Civis. O conceito é usado pela primeira vez na França no contexto de movimento operário, e quem o trás para o Brasil é um sujeito chamado Mário de Carvalho Jesus, advogado do sindicato. Nas palavras de João Breno Pinto, publicadas originalmente em 1977 no livro A Força da Não-Violência e no caderno 40 anos de ação sindical transformam velha fábrica em centro de cultura municipal...
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A SEGUNDA ADMINISTRAÇÃO: GRUPO JJ ABDALLA (1951 -1987) A Perus é uma fábrica de cimento, e o serviço é bruto. Por isso, o trabalhador de lá, no fundo, é um homem agressivo. Aquele grupo menor tinha consciência de que alimentar a violência era facílimo, mas a gente sabia que não ia dar em nada, porque íamos encontrar uma violência mais organizada das forças de repressão. Os companheiros ficavam até revoltados por a gente não deixar que eles dessem o troco aos policiais e aos traidores. Mas hoje, depois de terminado, nas conversas, a turma reconhece que, embora não entendesse com profundidade a não-violência, o caminho que foram convidados a seguir foi o melhor, porque, senão, não teriam alcançado esse resultado final (JESUS, p. 21, 1992).
A primeira greve foi o que fortaleceu os trabalhadores para continuarem reivindicando seus direitos. No período de 1959 a 1962, os trabalhadores junto ao sindicato tentaram por diversas vezes ajustar suas diferenças com o Grupo Abdalla, sempre encontrando resistência por parte da administração. Na manhã do dia 31 de agosto de 1959 as atividades na Fábrica foram paralisadas em solidariedade aos trabalhadores das outras indústrias do grupo JJ Abdalla, que não recebiam salários – o grupo Abdalla por sua vez, fazia constantes doações a instituições para receber homenagens e passar uma imagem completamente diferente do Grupo -, e também por causa de 80 trabalhadores que, para não ganharem 10 anos de estabilidade na empresa, foram demitidos com pouco mais de 9 anos completos, sem receber os direitos. A administração, no entanto, em um hábito que se tornaria frequente, desembarcou caminhões de trabalhadores na Fábrica, para “furar” a greve. Depois de uma confusão generalizada, e a tentativa de Abdalla de apenas pagar o que devia aos 80 trabalhadores – e estes não aceitarem, porque queriam o emprego de volta -, os operários demitidos foram recontratados pela Companhia (JESUS, p.35, 1992). Foi nesse período reivindicado o salário-família – um direito garantido pela constituição de 1946, que previa salários maiores para trabalhadores cujas mulheres não fossem assalariadas (Cr$1.000) e um adicional para cada filho menor de 14 anos (Cr$500); a moradia próxima à usina – que era provida pela gestão canadense, mas que, com o crescimento da usina e número muito grande de trabalhadores, não conseguia ser fornecida; e prêmio produção crescente – a medida que se ultrapassasse 450.000 sacos por mês, haveria um prêmio coletivo: e a produção realmente aumentou naquele ano, dentro das capacidades produtivas da Companhia. Também em 59 houve uma vitória política dos trabalhadores, com um prefeito e vice-prefeito apoiadores do sindicato e cinco dos nove vereadores de Cajamar sendo operários da Fábrica de cimento (MOREIRA GOULD, p.94, 2013 ;JESUS, p.38, 1992). Ao final de 1961, segundo o relato de Mário de Carvalho Jesus em seu caderno, 99% dos assalariados da CBCPP eram sindicalizados e todos estes participavam ativamente das assembleias. Mesmo assim, nessa época, havia um problema de cisão de pensamento entre os operários: uma porque não havia o que ele chama de “assessoria pedagógica”, outra porque às vezes os trabalhadores viam que o pedido de um dirigente do sindicado era atendido com demasiada generosidade do patrão e isso gerava dúvida e ciúme. Uma divisão assim dentro do sindicato não passaria despercebida pelo gestor. O sindicato chegou a emprestar um milhão de cruzeiros em 1962 para o Grupo Abdalla, que alegava dificuldades financeiras, para que se evitasse uma greve. E por saber que os trabalhadores estavam divididos, houve um descaso por parte da administração em relação às manifestações do Sindicato. Os operários ficavam cada vez mais insatisfeitos, o que foi endossado pelo fato de JJ atrasar no pagamento dos empregados e os dirigentes sindicais de outros três fábricas do Grupo procurarem o sindicato de Perus, por problemas semelhantes aos que aconteciam lá – descaso pelas leis, atraso nos salários, promessas não cumpridas. Foi enviado então pelos órgãos das quatro fábricas do Grupo – Usina Miranda, em Pirajuí, Tecelagem Japy, em Jundiaí, Fábrica de Papel Carioca, em São Paulo, Perus e Copase, e a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus – um ofício que explicava os motivos pelos quais os 3.500 trabalhadores subordinados à essas quatro empresas estarem descontentes. Não houve qualquer resposta até que, na insistência dos sindicatos e de alegarem que iriam
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recorrer à greve, Abdalla desafiar os operários a paralisarem as atividades. O estopim aconteceu no dia 14 de maio e 1962, uma data previamente marcada, quando a polícia ocupou a Fábrica de Cimento em Perus. Os 3.500 trabalhadores das três empresas pararam suas atividades pacificamente e mais 100 lenheiros do horto florestal de Perus. Nos seus primeiros 32 dias, a paralização ganhou simpatia da opinião pública e da imprensa e, durante os quatro processos administrativos na Delegacia Regional do Trabalho, Franco Montoro, então ministro do Trabalho de João Gourlart, tentou mediar a greve, mas sem sucesso. No entanto, no 32° dia de greve, os 2.000 trabalhadores das outras indústrias do Grupo Abdalla fizeram um acordo com o patrão e retrocederam. Tal acordo não foi proposto aos queixadas: Abdalla queria o fim da organização do sindicato de Perus – que correspondia à CBCPP e à Companhia Paulista de Celulose. Abdalla saiu da greve abastado e com prestígio político (JESUS, p.40 a p.42, 1992). Foi desse momento que surgiu a mais ousada reinvindicação dos trabalhadores da CBCPP: a desapropriação da Fábrica. Na edição do dia 7 de agosto, o jornal O Estado de São Paulo publica na íntegra, ocupando praticamente toda a página com o assunto da greve em Perus, incluindo uma carta escrita pelo sindicato acerca dos motivos da greve:
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“Em 14 de maio de 1962, 5 fábricas do grupo industrial do deputado JJ Abdalla pararam, depois de o empregador deixar de cumprir compromissos escritos e de violar sistematicamente a lei. Após 32 dias de justa e pacífica paralização, os trabalhadores de 3 fábricas fizeram honroso acordo, na ‘Japy’, de Jundiaí, na Fábrica de Papel Carioca, de São Paulo, na Usina Miranda, de Pirajuí, com atendimento total das reivindicações, pagando ainda o empregador os dias de greve, sendo 10 como férias coletivas e 22 dias como se os trabalhadores tivessem realmente trabalhado. Além disso, o mau pagador assinou um acordo que autoriza os trabalhadores a pararem o serviço se o pagamento não sair no 12° dia útil. Mas o ‘mau patrão’ não quis fazer acordo com os trabalhadores da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus e da Companhia Paulista de Celulose, num total de 1.400 homens. O tribunal do trabalhado, por 4 votos contra 3, se recusou a examinar as nossas reivindicações, sob a alegação de que nosso acordo salarial só vence em setembro. Porém, em outras ocasiões, tem o mesmo Tribunal apreciado processos semelhantes. Fizemos uma votação secreta, após a decisão ou falta de decisão do Tribunal. O resultado foi o seguinte: • 7 votos em branco; • 19 votos contra o prosseguimento da greve; • 1.257 votos pelo prosseguimento da greve. As nossas reivindicações são pequenas: 1. Pagamento de 5% do nosso salário, retido desde 1° de outubro de 1960, na mão do empregador, a fim de que fizesse o loteamento em Cajamar, para os trabalhadores possuírem suas casas. O relapso empregador não fez o loteamento e, por isso, queremos o pagamento daquela verba, que monta cerca de 17 milhões; 2. Pagamento do prêmio-coletivo de produção a todos os trabalhadores, conforme acordo assinado em 1° de outubro de 1961; 3. Pagamento de 10% relativos à taxa de insalubridade para os empregados contemplados pela Portaria n°31; 4. Registro de 100 trabalhadores que há anos trabalham no eucalipto, abandonados à própria sorte; 5. Contratação de mão-de-obra, em virtude das aposentadorias, dispensas e mortes ocorridas nos últimos 12 meses; 6. Pagamento das horas de espera, após jornada de 8 horas, quando os trabalhadores são obrigados a permanecer na portaria, horas a fio, aguardando pagamento mensal; 7. Antecipação salarial de 20% na forma concedida pelo Tribunal do Trabalho aos trabalhadores da ‘Carioca’. A nossa sorte está lançada: o deputado Abdalla tem o Banco do Brasil à sua disposição; nós temos a fé que nos levou a jurar ‘não voltar ao trabalho como homens derrotados’. Ou o abastado empregador atende às nossas reivindicações ou o gover-
A SEGUNDA ADMINISTRAÇÃO: GRUPO JJ ABDALLA (1951 -1987) no desapropria a fábrica (art. 41§16, da Constituição Federal). Se você não estiver a serviço do rançoso capitalismo, ajude-nos com a sua palavra, o seu protesto, contra o fraudador deputado; mande-nos remédios, alimentos; e leve a sua oração em favor das 1.400 famílias, que sabem que ‘Deus tarda mas não falta’. São Paulo, 14 de julho de 1962. Sindicato dos Trabalhadores da Industria do Cimento, Cal e Gesso de São Paulo e Frente Nacional do Trabalho. ‘A Paz é fruto da justiça’” (O ESTADO DE SÃO PAULO, p.32, 1962).
Imagem 23: página do jornal “O Estado de São Paulo” do dia 7 de agosto em que se explica os motivos pelos quais a greve de Perus acontecia. A carta do sindicato aparece em destaque no centro da página. Fonte: Jornal O Estado de São Paulo.
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HISTÓRICO: ASCENSÃO E QUEDA DA COMPANHIA BRASILEIRA DE CIMENTO PORTLAND PERUS
A SEGUNDA ADMINISTRAÇÃO: GRUPO JJ ABDALLA (1951 -1987)
Esperando vencer os trabalhadores pela exaustão e pela desmoralização frente à opinião pública, Abdalla deixa de produzir quase 600.000 sacos de cimento por mês e mantém a fábrica paralisada. A deputada estadual, Conceição da Costa Neves, se uniu a um grupo de trabalhadores – segundo Mário de Carvalho, estes foram aliciados para tanto – e passou a pedir intervenção no sindicato. Ela chega a, no centésimo dia de greve, comandar um ”furo” junto a cerca de cem trabalhadores da fábrica somados aos de outras empresas do Grupo Abdalla. Além disso, o sindicato era processado por diversos motivos que se provaram infundados mais tarde, inclusive com acompanhamento próprio da deputada Conceição (JESUS, p.45, 1992). Esse grupo de “furadores” de greve ganhará o apelido de Pelegos, grupo que até hoje, mesmo após a desativação da Fábrica, rivaliza com os Queixadas. Mário Jesus e Conceição de Carvalho chegaram a discutir no dia do “furo”: os grevistas haviam formado um piquete na entrada da Fábrica e ambos os grupos completos – queixadas e pelegos – assistiram à discussão (MOREIRA, GOULD, p.102, 2013). Abdalla tentava cercar os queixadas de todos os lados, chegando a inclusive pedir para que os comerciantes de Perus não mais vendessem produtos – principalmente os alimentícios – para os operários sindicalizados. A situação foi ficando muito difícil, chegando ao extremo de dois grevistas cometerem suicídio. Mesmo com as dificuldades impostas pela gestão, os queixadas ainda contavam com doações vindas de todo o Estado de São Paulo e inclusive de outros Estados – o Rio Grande do Sul e o Paraná, cujos governadores eram Leonel Brizola e Ney Braga, mandaram arroz, batata e feijão. Um padeiro da região de Perus emprestou o forno da Padaria por dois meses. O próprio então governador de São Paulo, Sylos Cintra, tenta intervir em favor dos peruenses: mas assim que Carvalho Pinto, seu sucessor, assume, as esperanças se esvaziam (JESUS, p.46 a 49, 1992). A fábrica já havia voltado ao normal de produção, a certa altura, e as esperanças dos queixadas de que suas reivindicações fossem atendidas era cada vez mais distante, principalmente às vésperas do julgamento se receberiam ou não seus direitos trabalhistas. Até que surge a ideia de fazer uma greve de fome, no Largo São Francisco, de frente à Faculdade de Direito, tão longe de onde ficava a Fábrica, onde passaram dezembro inteiro, Natal e Ano Novo. Em janeiro foram obrigados a deixar o local, mas sobre a promessa de que o Cardeal Motta mediaria uma negociação com JJ Abdalla no Palácio do Governo do Estado: reunião à qual Abdalla não atendeu. Dias mais tarde, ele oferece 20% da indenização aos queixadas, proposta recusada por eles (MOREIRA, GOULD, p.130, 2013 ;JESUS, p.50, 1992).
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Imagem 24: passeata dos queixadas no centro de São Paulo. Fonte: acervo do Sindicato do Cal, Gesso e Cimento.
A SEGUNDA ADMINISTRAÇÃO: GRUPO JJ ABDALLA (1951 -1987)
Imagem 25: passeata dos queixadas no centro de São Paulo. Fonte: acervo do Sindicato do Cal, Gesso e Cimento.
A essa altura, a maior parte dos queixadas já trabalhava em outros lugares, em São Paulo, Cajamar, Caieiras – isso também foi decidido em assembleia (MOREIRA, GOULD, 2013). Para eles era sempre muito importante decidir tudo em conjunto, já que ninguém queria abandonar os “companheiros”, como eles se chamavam. A greve perdura. No Golpe Militar em 1° de abril de 1964. O primeiro sindicato de São Paulo a sofrer intervenção foi o de Perus: o presidente passa a ser um homem de dentro do Grupo Abdalla e o órgão a defender os pelegos. Vários membros queixadas do sindicato foram presos – incluindo Mário de Carvalho -, os inquéritos de 1962 são reativados e eles passam a ser apontados como criminosos. A Igreja, que tinha um papel fundamental na greve, cede seu espaço para que os operários se encontrem e entrem em Assembleia. Apenas em setembro de 1965 Jesus voltará ao Sindicato. Foi nesse ano também que se perdeu dois processos que andavam na Justiça contra os trabalhadores da Perus, que deveria pagar aos seus funcionários com reajustes e juros, todo o tempo que ficaram afastados até a data que voltassem ao trabalho (JESUS, p.52 a 53, 1992). O processo então será julgado posteriormente no Rio de Janeiro. A partir de 1964, então, o sindicato defenderá os pelegos – que de forma alguma estavam em melhor situação que os queixadas, apesar de estarem trabalhando. Os salários continuavam atrasando e Abdalla continuava violando leis trabalhistas e tributárias. Em 1965, por conta dos atrasos nos salários, o Grupo é denunciado por jornais e pelo próprio delegado do trabalho. Foi nesse período que os pelegos começaram a organizar uma greve, para que fossem devidamente remunerados (MOREIRA, GOULD, p.135, 2013). Entretanto, ao contrário das reivindicações do grupo e dos jornais, Abdalla, ao invés de pagar, cortou, escoltado pela polícia, a energia elétrica das 200 casas de operários, que pertenciam à Fábrica. E mesmo quando a justiça determinou que a energia fosse devolvida, Abdalla foi à Light – então companhia que geria eletricidade em São Paulo – pedir para que fosse cortada a energia da fábrica e a das pedreiras em Gato Preto, dando impressão de que o Grupo passava por dificuldades. Foi ordenado pela justiça, entretanto, que voltasse a energia nesses locais.
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HISTÓRICO: ASCENSÃO E QUEDA DA COMPANHIA BRASILEIRA DE CIMENTO PORTLAND PERUS
A SEGUNDA ADMINISTRAÇÃO: GRUPO JJ ABDALLA (1951 -1987)
Outra manobra que estava em curso do gestor era a de despejar os operários que moravam dentro das dependências da CBCPP. Todavia, o despejo foi também bloqueado pela justiça. Apenas em março de 1967 que o processo trabalhista queixada entrará em julgamento novamente no Rio de Janeiro. Mário de Carvalho elabora um memorando de 164 páginas, com ajuda de tinta e papel de outros sindicatos, chamado “A Greve de Perus nos Tribunais”. Mas, dessa vez, parte do processo foi ganho, garantindo reintegração de 501 trabalhadores estáveis à fábrica, com todos seus direitos pagos. Mas apenas em janeiro de 1969, os empregados não estáveis ganham a causa e 309 trabalhadores estáveis – excluídos os falecidos e os aposentados – voltam às atividades normais na Fábrica (MOREIRA, GOULD, p.135, 2013 ;JESUS, p.54 e p.55, 1992). Os queixadas ganharam enfim uma luta que durou 7 anos contra Abdalla. Ainda sim, este deveria pagar o que devia aos operários. O que não tinha previsão de ser feito. O sindicato apresentou possibilidades de pagamento ao patrão, inclusive a de se pagar por meio da produção. Mas o problema de Abdalla não era apenas Perus. Ele era investigado por gestão fraudulenta na Usina Miranda, a qual faliu em 1967, e era mantido sob vigilância pelo governo – por sonegação de impostos e falta de emissão de notas fiscais. Por causa disso, em 1973 o Ministério Público apresenta denuncia contra todos os responsáveis pelo Grupo Abdalla e o Governo Médici confisca todos os bens da CBCPP e é declarada a falência da empresa. Apenas em outubro de 1974 é decretado pagamento dos grevistas, que foi realizado pelo Governo Federal em 1975, graças ao confisco e falência – a soma do que foi pago era de mais de 18 milhões de cruzeiros (MOREIRA, GOULD, p. 148, 2013).
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OS PROCESSOS DE TOMBAMENTO
OS PROCESSOS DE TOMBAMENTO
2.1. CONDEPHAAT: a Estrada de Ferro Perus-Pirapora
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IMAGEM FONTE: SOPECHINCHAS
CONDEPHAAT: A ESTRADA DE FERRO PERUS-PIRAPORA
Quando tratamos do estado de São Paulo, as ferrovias até meados do século XX tinham um grande papel na interligação entre cidades e localidades. Isso influenciou as dinâmicas espaciais, econômicas e sociais nesses lugares, marcando-os culturalmente. Por esse 4 motivo, o CONDEPHAAT , após a década de 1970, começa a se debruçar sobre os estudos para tombamento do sistema ferroviário paulista e seus remanescentes (MORAES, OLIVEIRA, p.3, 2013). Além desse aspecto, a abertura política no Brasil após a ditadura militar que se dá a partir de 1982 começa a dar voz a classes que antes não tinham tanto espaço de fala. Por isso, mesmo que os membros dos órgãos de tombamento em todos os âmbitos pertencessem a elite, as camadas sociais mais baixas se fazem ouvir e, nesse contexto, suas histórias começam a se tornar escolhas de proteção histórica. Essa mudança foi importante para que fossem reconhecidos os valores das classes operárias e a fim de que seu local, as ferrovias ligadas a ele, as próprias vilas operárias e os núcleos fabris se tornassem patrimônio, principalmente quando falamos de São Paulo e do CONDEPHAAT. É possível observar que, em números absolutos, os tombamentos ligados à ferrovia são mais representativos no estado paulista, causa da quantidade de estradas de ferro que existem do estado: na década de 1950, de acordo com o IBGE, as estradas de ferro paulistas somadas possuíam um total de 7734km, aproximadamente 21% da malha ferroviária brasileira na época. Em termos de bens ferroviários protegidos, até o último mês de 2014, o CONDEPHAAT tombara trinta e seis, sendo a maior parte edifícios de passageiros (JERONYMO, p.88, 2016 ; MORAES, OLIVEIRA, p.2, 2013; MORAES, p.2, 2016) Neste cenário, é encaminhada para o CONDEPHAAT uma solicitação de tombamento da Estrada de Ferro Perus-Pirapora - como dito, a última remanescente de bitola dupla de 5 600mm do Brasil e uma dos últimos exemplares no mundo ; ainda com importância redobrada porque pode ser considerada um modelo do que foi a expansão ferroviária de estradas de pequena escala no Brasil: “[...] Este modelo foi típico de uma época e sua concepção moldava-se de acordo com necessidades momentâneas. Seus trilhos direcionavam-se ‘à cata’ da mercadoria a ser transportada, seus trajetos eram modificados, abriam-se novos e pequenos ramais de acordo com as urgências. Os planos eram montados sobre os objetivos imediatos sem perspectivas mais amplas da exploração da fonte de renda disponível naquele determinado momento. Embora seus objetivos específicos não estivessem ligados à agricultura, a EFPP foi entendida como um representante do momento de multiplicação de ramais e pequenas ferrovias, as ‘cata-café’, ‘puxa-cana’ etc., ocorrido a partir das diversas concessões feitas no período de intensa expansão da malha ferroviária” (Matos, 1974, apud CONDEPHAAT, 1980, apud JERONYMO, p.93, 2016). 6
Com a solicitação efetivada pela ABPF - cuja participação foi fundamental para o resultado positivo ao final do processo no tombamento da EFPP - e a perspectiva de licitação dos bens graças à crise financeira e fiscal pela qual a CBCPP estava passando, a medida foi tratada como urgente. Havia o risco do desmantelamento, sucateamento e saque da ferrovia, já que a Fábrica de Cimento estava praticamente fechada e a estrada de ferro perderia sua função. O patrimônio todo da CBCPP seria leiloado no dia 20 de maio de 1980, por causa das dívidas do Grupo JJ Abdalla e do confisco pelo qual a indústria passava, e a ABPF demonstrou muita preocupação com a venda do material da ferrovia, apresentando então o pedido de tombamento. A EFPP foi considerada um exemplo de remanescente industrial, principalmente por conter exemplares de material rodante de ferrovias de mesmo tipo de trilho – como a Tramway da Cantareira, Ramal Dummont e um dos ramais da Companhia Paulista, e também por ser uma das últimas com finalidade dirigida que, como citado anteriormente, não foi suConselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. As peças para esse tipo de bitola pararam de ser fabricadas, e muitas das estradas no Brasil que rodavam com essa bitola foram desativadas. Isso permitiu que a EFPP fosse abastecida de material de segunda mão, provenientes de vários países e que datavam de um período que ia de 1891 a 1945, o que contribuiu ainda mais para a valorização da EFPP. 6 Associação Brasileira de Preservação Ferroviária 4 5
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CONDEPHAAT: A ESTRADA DE FERRO PERUS-PIRAPORA
suprimida no década de 1950 e substituída pelo transporte rodoviário (JERONYMO, p.91, 2016; MORAES, OLIVEIRA, p.3, 2013; MORAES, p.85 e p.86, 2016). A participação da ABPF, uma associação não governamental, se deu por causa da abertura do conselho à população para indicação de patrimônios de seu interesse, o que permitiu, como citado anteriormente, que o CONDEPHAAT entrasse em contato com esses bens e os pudesse tombar. A principal preocupação da ABPF, como frisado no parágrafo anterior, era a de que o acervo da ferrovia se perdesse, e por isso mandou a solicitação para o órgão estadual. O rumo a ser dado para o conjunto ferroviário a fim de que fosse preservado foi turístico, sugerida pelos solicitantes do tombamento, que foi acatado pelo CONDEPHAAT, graças a outros exemplos semelhantes que estavam ocorrendo no país. Também foi entendido, ao curso da causa, que o conjunto industrial – incluindo as vilas operárias e a própria fábrica de cimento – precisava igualmente de proteção. Entretanto, não houve sucesso na efetivação da proposta. Todo o processo, na verdade, correu lentamente, por causa de complicações judiciais e conflito entre as partes envolvidas. O interesse em tombar a fábrica de cimento também nascia da relevância da área de inserção da Fábrica, na periferia da cidade de São Paulo, em uma área livre e verde. Na época, procurava-se dar valor a áreas assim na Região Metropolitana. Além disso, havia o entusiasmo de transformar o local em um pólo cultural e turístico – que não apenas foi dado como motivo do tombamento da EFPP, mas também era dado como importante manter dentro da metrópole locais que fossem voltados para essas atividades, como “forma de amenizar os efeitos do crescimento urbano sobre a cidade e seus habitantes” (JERONYMO, p.97, 2016). Tanto que, o processo de tombamento no Condephaat ressalta a potencialidade turística e cultural do local, tanto pelo contexto natural e urbano, quanto pela trajetória local. Além do processo de tombamento, foi citada pelo prefeito de Cajamar na época essa importância, pelas arquitetas Silvia Wolff e Mari Cristina Wolff a mesma relevância. É de se dar destaque que, na época que o CONDEPHAAT entrou com o pedido de 7 tombamento, a ferrovia era propriedade da CEIPN , graças ao confisco dos bens do Grupo JJ Abdalla em 1973, já abordado nesse trabalho. Em junho de 1980, apresenta-se por parte do órgão da União um parecer contrário ao tombamento, principalmente porque, por se tratar de uma propriedade federal, não haveria como uma instituição estadual proteger o bem. Esse protesto foi o suficiente para paralisar o processo até 1981, quando a alienação das posses ficou resolvida (MORAES, p. 93 a p.95, 2016). Após o início da análise da viabilidade econômica de se explorar o local turisticamente, 8 a Paulistur apresentou interesse de “incluir o acervo da EFPP em projetos de cunho artístico e turístico em parceria com o Condephaat” (JERONYMO, p.101, 2016), que não foi pra frente por causa das complicações fiscais nas quais a CBCPP estava envolvida. Ainda foi apresentada uma proposta pelos proprietários (indicada pela ABPF) para integrar turisticamente o local ao Parque Anhanguera – em fase de implantação na época -, em uma parceria do Governo do Estado, a Prefeitura e a criação da “Fundação Dr. João Abdalla”. A ideia de reunir o Parque Anhanguera ao acervo da Perus-Pirapora apresentava a vantagem de não tratar a área como um bem isolado, mas dava a perspectiva de um material único e rico. A equipe de áreas naturais do órgão elaborou, então, um trabalho para que fosse considerada a abrangência paisagística do local e que contribuísse para o fim citado, mas não obteve sucesso, mesmo que, desde o início do processo, a integridade do conjunto, tivesse sido uma condição para preservação do conjunto – e que assim, pudesse ser considerado seu entorno (JERONYMO, p.102 a 104, 2016). O que ficou definido na Resolução de tombamento era que os elementos diretamente ligados à ferrovia seriam tombados junto a ela: como estações, oficias e pátios, bem como as Órgão subordinado, na época, ao Ministério da Fazenda, ao qual competia “supervisionar, coordenar, orientar e fiscalizar empresas incorporadas ao Patrimônio Nacional e outros bens que lhe venham a ser jurisdicionados, visando o seguimento, unificação ou alienação desses bens” (MORAES, p.93, 2016). 8 Empresa de turismo da Prefeitura de São Paulo 7
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CONDEPHAAT: A ESTRADA DE FERRO PERUS-PIRAPORA
peças necessárias para a operação da estrada de ferro; isso incluía o pátio de manutenção de Gato Preto, por causa das9 relações estabelecidas entre os elementos e a ferrovia – estes de preservação de nível P2 ; Em Perus, também em nível P2, foram tombados a casa de tráfego, o britador, a ensacadora, o casarão da família Dias, o casarão da ferrovia e a Vila Triângulo (incluindo as moradias, a igreja e a praça triangular). Buscou-se dessa forma viabilizar novos usos comerciais que o proprietário – Grupo Abdalla – pudesse eventualmente propor. Buscou-se também preservar áreas livres ao longo da estrada de ferro, reforçando a 10 legislação do município, do estado ou da federação em áreas como APP ; em outras áreas, apenas a circulação de trens e ocupação do local apenas com fins de manutenção da ferrovia são permitidos. Além disso, buscou-se manter uma faixa desocupada ao redor da estrada, para que houvesse espaço de contemplação. Os usos foram definidos de acordo com as legislações dos municípios em que estão inseridos; a área envoltória foi delimitada de acordo com os contornos vigentes da zona industrial urbana e rural. Nos términos da estrada, foram levadas em conta especificidades locais: foi apontada a perpetuação da várzea do Ribeirão dos Cristais, como área em que nada pudesse ser construído. Em Cajamar, devido à reativação da extração de calcário, a preservação se restringiu ao britador e ao lago remanescente da remoção da matéria prima do cimento, excluindo as vilas operárias (JERONYMO, 2016). A Estrada de Ferro Perus-Pirapora tem sua importância histórica aumentada principalmente por ser a primeira solicitação para tombamento integral, somando os elementos de material rodante e edifícios em São Paulo. Houve uma tentativa de tombamento da EFPP pelo IPHAN, mas que foi rejeitada e arquivada nos anos 2000, em razão da ausência, segundo o órgão, de quaisquer valores que tornassem a ferrovia excepcional, ou que houvesse nela características que a tornassem especial a nível nacional. O processo de proteção da EFPP durou aproximadamente sete anos entre abertura de processo e publicação da resolução de tombamento, publicada em janeiro de 1987. A demora se deveu a problemas com os proprietários – o CEIPN (MORAES, 2016).
A preservação de nível P2 é permissiva a reorganizações internas, mas com obrigatoriedade de preservação de fachada e volumetria. 10 Áreas de preservação permanentes. 9
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OS PROCESSOS DE TOMBAMENTO
2.2. CONPRESP: Vilas Operรกrias, Fรกbrica de Cimento e Estrada de Ferro
FONTE IMAGEM: CONPRESP
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CONPRESP: VILAS OPERÁRIAS, FÁBRICA DE CIMENTO E ESTRADA DE FERRO
O tombamento da Perus tratou-se de um dos primeiros processos de tombamento 11 12 executados pelo CONPRESP , criado em 1985 – sendo o DPH , órgão correlato, criado em 1975. O trabalho de levantamento de bens culturais na área do centro do município de São Paulo começou na década de 1970, e deu origem a delimitação de zonas especiais da cidade – nominadas Z8-200 -, incluídas na legislação de uso e ocupação do solo. Esse processo de reconhecimento expandiu ao passo que se efetivavam tombamentos em âmbito estadual. Começou-se, também, o reconhecimento do patrimônio industrial da cidade: com lugares como Vila Economizadora, do Gasômetro, da Estação do Brás e do Matadouro da Vila Mariana. Em 1983 o IGEPAC-SP começa a ser elaborado, começando pelos bairros que se transformariam mais urbanisticamente, destacando os imóveis de valor arquitetônico, afetivo e de interesse ambiental. Mas, de forma geral, é com o CONPRESP que se iniciam os processos de tombamento no Município. Em conjunto com o Governo do Estado em 1984, o DPH publica a obra Bens Culturais Arquitetônicos no Município e na Região Metropolitana de São Paulo, promovendo a sensibilização para a preservação de bens de interesse cultural. Os dois únicos representantes do patrimônio industrial nessa produção foram a EFPP e os Fornos de Cal da Companhia Melhoramentos. Nessa época, como se discutiu no item anterior desse capítulo, já estava em discussão no CONDEPHAAT o tombamento da Estrada de Ferro da CBCPP (JEROYMO, 2016). A proposição de tombamento da Estrada de Ferro Perus-Pirapora e da Vila operária mais proeminente e significativa do conjunto da Cimento Perus – a Vila triângulo - foi elaborada pelo DPH e acatada pelo CONPRESP no dia 29 de julho de 1989, ficando em tramitação até 1992, período no qual a prefeitura de São Paulo operava sob a noção de “cidadania cultural”, partindo do princípio de garantir cultura como direito de toda a população. A iniciativa foi da administração regional de Perus, com apoio dos ex-operários e da ABPF, para que se tombasse a EFPP e a Vila Triângulo – cujas moradias estavam sendo ameaçadas de demolição pela administração da CBCPP, com escusas de serem criadouros de baratas e escorpiões. A ação do CONPRESP vem como um complemento ao tombamento do CONDEPHAAT, que já tinha protegido a ferrovia e seu acervo e não as vilas operárias, mas estas que faziam parte do interesse da Estada, como cita o órgão. As habitações também tinham uma importância no que diz respeito a forma de se construir: com concreto, o que era pitoresco à época de construção. O DPH, porém, teve muita dificuldade para fazer visitas de reconhecimento ao local e levantamento de documentos, por empecilhos criados pelos proprietários do consórcio Chohfi-Abdalla, o que acarretou em várias paralizações das pesquisas. Apenas em 1991 foi permitido o acesso regular dos técnicos – que já haviam visitado o local em 1990, mas acompanhados do advogado dos donos, sem poder nada registrar - para realizar os trabalhos de cadastramento, levantamento e inventário da propriedade, sempre acompanhados de ex-operários e ex-moradores, a fim de entender melhor o processo de fabricação do cimento Portland e as dinâmicas locais. O processo de tombamento cita como muito interessante o acompanhamento dos cidadãos anônimos, como possibilidade de reconhecer seus testemunhos como fontes fidedignas para a história (CONPRESP, 1989). Foi nessa mesma época, em 1991, que as pressões para que os ex-trabalhadores e suas famílias, que ainda habitavam as vilas operárias, deixassem a propriedade, por parte de seus donos. Por isso, também, o depoimento desses ex-industriários é uma forma de dar-lhes respaldo para conseguir que não fossem despejados imediatamente (JERONYMO, p.135, 2016). O documento do CONPRESP realiza, então, um trabalho de levantamento com relatos para compreender as dinâmicas que a fábrica criou, e acaba analisando que tipo de trabalhador a CBCPP empregava. Os documentos afirmam que é muito forte a relação afetiva da população local com os 11
Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo.
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Departamento de Patrimônio Histórico
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OS PROCESSOS DE TOMBAMENTO
CONPRESP: VILAS OPERÁRIAS, FÁBRICA DE CIMENTO E ESTRADA DE FERRO
espaços principalmente das vilas operárias. Além dos clubes como o Esportivo Portland, onde os operários, suas famílias e os outros moradores locais tinham a possibilidade de se reunir festivamente: algumas festas chegavam a atrair moradores de outros locais. Outro aspecto citado pelos relatos dos cidadãos é o pó que a fábrica lançava. Os moradores citam que o acumulo era tão grande que, quando chovia, os telhados selavam e, por isso, necessitavam de reparos constantes. Não havia possibilidade de cultivo de hortas nas vilas próximas à fábrica. Muitos operários morreram jovens, a exemplo do pai de uma das testemunhas (CONPRESP, p.110 a p.113, 1989). Outro comenta que, além de lamentar sua vista e audição prejudicadas pelo ofício, era comum que os operários adoecessem logo depois de dois meses de trabalho na fábrica. A jornada de trabalho de 12h mais as folgas esporádicas e férias de 15 dias, antes da legislação do trabalho, não contribuíam para a saúde dos operários. Havia muita rotatividade dos funcionários em todos os setores da fábrica, fazendo com que os trabalhadores – que geralmente ficavam lá entre 30 e 40 anos - tivessem experiência nos mais diversos setores da fábrica. O resultado observado em todos os relatos foi os trabalhadores saberem descrever todos os equipamentos da fábrica e o processo de fabricação do cimento. Eles não eram, portanto, alienados, como é comum encontrar em trabalhos industriais normalmente. Para essas pessoas “o trabalho funde-se com a própria vida” (CONPRESP, p. 117, 1989). Essa noção foi importantíssima para compreender de que forma a CBCPP era uma marca forte na vida daquelas pessoas, e continuaria sendo inevitavelmente. Depois de ouvir os depoimentos e fazer os levantamentos iniciais, outra visão começa a se formar a respeito da proteção dos imóveis. Foram ampliados os estudos, porque entendia-se que a Estada de Ferro e a Vila Triângulo, se tombadas sozinhas, seriam parte fragmentada de um todo articulado, que tinha origem e razão igual de existência. A partir daí, então, a Fábrica de Cimento Portland, suas Vilas operárias, os ambulatórios, o traçado de ruas e a Estrada de Ferro seriam alvo da proteção municipal (CONPRESP, 1989; JERONYMO, p.134, 2016). Diferente do CONDEPHAAT, que compreende a EFPP e seus arredores muito mais como um testemunho histórico e único do gênero, o CONPRESP busca assimilar todas as dinâmicas locais e como a ferrovia se articulava e funcionava junto a fábrica de cimento. Com esse entendimento, era mais coerente incluir no tombamento toda a área que estava na memória coletiva da CBCPP dentro do Município, isto é: a Fábrica de Cimento, suas vilas operárias e a estrada de ferro, mas como partes de um único patrimônio.
Imagem 26: perímetro de tombamento definido pelo CONPRESP, que incluía parte da EFPP, a fábrica de cimento e as vilas operárias triângulo, portland e fábrica. Mapa desenvolvido a partir de foto aérea do Google. Fonte: acervo pessoal
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CONPRESP: VILAS OPERÁRIAS, FÁBRICA DE CIMENTO E ESTRADA DE FERRO
Para além da importância histórica de Perus, o bairro se comportava como uma “cidade de interior”, principalmente por causa de sua localização isolada em São Paulo e que, portanto, não fazia parte das dinâmicas da cidade. Por esse motivo, a população não tinha acesso aos grandes equipamentos culturais da metrópole, e a própria região carecia deles: existia, segundo a carta que foi enviada para o DPH pela administração regional de Perus, 13 apenas uma Biblioteca . O tombamento, acreditava-se, garantiria que o local se tornasse um polo cultural regional, além de preservar a história da luta dos trabalhadores da Fábrica de Cimento Portland Perus. A área, em junho de 1992, foi declarada pela Prefeitura como de utilidade pública, para desapropriação e implantação de um centro de cultura operária, como é reivindicado pelos trabalhadores. Aos finais dos trabalhos, também foi encaminhada uma minuta de resolução de tombamento da sede do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Cimento, Cal e Gesso de São Paulo (CONPRESP, 1989). Mesmo com o documento de desapropriação assinado pela prefeita, no entanto, as prefeituras seguintes não deram continuidade à realização do desejo dos trabalhadores de implantar um Centro de Cultura Operária na fábrica. A Perus continuava, então, mas de uma outra forma, a ser um epicentro de disputa. Ao longo dos anos, desde que foi dada entrada com o pedido de tombamento, os imóveis que pertenciam à Fábrica e principalmente às Vilas Operárias começaram a ser demolidos. Hoje, apesar dos edifícios da fabricação do cimento não estarem descaracterizados, a Vila Portland foi quase completamente demolida. A Vila Triângulo perdeu algumas de suas habitações originais também, mas não se descaracterizou. De qualquer modo, segundo a resolução de tombamento 27/92, do CONPRESP, ficaram tombados a Antiga Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus e a Sede do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Cimento e Gesso de São Paulo. Em área isso corresponde aos: conjunto de edifícios, equipamentos e instalações da área de produção da antiga fábrica; conjunto de residências de operários conhecido como Vila Triângulo; conjunto de residências de operários conhecido como Vila Portland ou Vila Nova; conjunto de residências de operários conhecido como Vila Fábrica; conjunto de residências da antiga administração e assistência médica; traçado dos caminhos no s 1 a 14 e das ruas Joaquim de Araújo Leite, Joaquim de Carmelo e Ilha Três Irmãos; traçado atual do Córrego Ajuá. Entretanto, devido à relevância e estado de preservação – já na época do tombamento, alguns edifícios não estavam mais em seu estado original -, algumas construções tiveram nível de tombamento diferente das outras: 14
“I - NP-2 para as edificações n°9 (Refeitório), 10 (Portaria), 11 (Escritório), 15 (Britador), 16 (Oficina Mecânica), 17 (Subestação), 18 (Ensacadora), 19 (Carpintaria), 24 (Depósito de Peças), 25 (Laboratório de Engenharia), 26 (Depósito de Pedras), 27 (Depósito de Gesso) e 28 (Depósito de Clinquer); II - Preservação da estrutura (pilares, vigas e lajes) das edificações remanescentes da área dos fornos e moinhos, indicadas sob nos 29 e 30; III - Preservação integral dos equipamentos de produção de cimento remanescentes no momento de abertura do processo de tombamento, a saber: a. Forno no 4; b. Silos de armazenagem de matéria-prima; c. Moinhos de matéria-prima e de clinquer; d. Resfriador no 4; e. Chaminés; f. Esteira transportadora de matéria-prima do depósito de pedra; g. Esteira transportadora de matéria-prima entre o britador e os depósitos de peHoje, o bairro conta com a mesma biblioteca citada - Padre José de Anchieta –, o CEU Perus, e o Centro Quilombaque – cujos movimentos, como sugere o nome, se voltam principalmente para a cultura afro-brasileira. Todos os três equipamentos contam com atividades constantes e frequência assídua dos moradores. 14 Nível de Preservação 2 (NP-2): preservação das características arquitetônicas externas dos edifícios, admitindo-se reformas internas compatíveis com a conservação das fachadas, cobertura e componentes arquitetônicos externos; 13
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OS PROCESSOS DE TOMBAMENTO
CONPRESP: VILAS OPERÁRIAS, FÁBRICA DE CIMENTO E ESTRADA DE FERRO pedra; g. Esteira transportadora de matéria-prima entre o britador e os depósitos de pedra; h. Britador; i. Ensacadoras” (CONPRESP, p. 2, 1992)
Já as habitações das Vilas Operárias e das casas de assistência médica: Artigo 5° Ficam estabelecidos os seguintes critérios de preservação para a área da Vila Triângulo: I - Preservação da implantação e divisão de lotes; II - NP-2 para as casas nos 50 a 57, 60 a 65, 67 a 71, 73 a 78, 80, 81, 83 a 85, 87 e 87-A; 15 III - NP-3 para as casas nos 58, 66, 72, 79, 82 e 86; IV - NP-2 para a Capela São José, no 49. Artigo 6° - Ficam estabelecidos os seguintes critérios de preservação para a área da Vila Portland ou Vila Nova: I - Preservação do arruamento, implantação e divisão de lotes; II - NP-2 para as casas nos 201 a 220. Artigo 7° - Ficam estabelecidos seguintes critérios de preservação para a área da Vila Fábrica: I - Preservação da implantação e divisão de lotes; II - NP-2 para as casas nos 12, 20 a 23 e 23-A; III - NP-3 para a casa n° 13. Artigo 8° - Fica estabelecido o nível de preservação 2 (NP-2) para as casas nos 1 a 7 na área da antiga administração e assistência médica.” (CONPRESP, p. 2 e 3, 1992)
A Estrada de Ferro Perus-Pirapora é mencionada como ex-officio, por causa do tombamento de 1985 do CONDEPHAAT. São mencionados também a Casa do M e a Casa de Tráfe16 go, ambas tombadas como NP-1 . O documento acrescenta ainda, no décimo artigo, que as duas diretrizes para quaisquer projetos de arquitetura que venham a acontecer seriam: “a. são permitidos acréscimos e reciclagem das edificações tombadas desde que estes se harmonizem com o conjunto preservado e sejam submetidos à aprovação prévia do CONPRESP; b. nenhuma intervenção na área de produção da antiga fábrica poderá impedir ou prejudicar a visualização dos referenciais mais significativos desse conjunto (forno no 4, chaminés, silos).” (CONPRESP, p. 3, 1992)
Nível de Preservação 3 (NP-3): corresponde à definição de características arquitetônicas externas - ritmo de vãos, proporções, inclinação de coberturas, materiais - para reformas em edificações existentes ou para novas construções visando sua harmonização com aquelas classificadas como NP-1 ou NP-2. 16 Nível de Preservação 1 (NP-1): preservação integral dos edifícios, interna e externamente, admitindo-se reparos sem alteração de forma, estrutura, material e demais características arquitetônicas relevantes; 15
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CONPRESP: VILAS OPERÁRIAS, FÁBRICA DE CIMENTO E ESTRADA DE FERRO
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A espacialidade do nĂşcleo fabril: entre Cajamar e Perus
A ESPACIALIDADE DO NÚCLEO FABRIL: ENTRE CAJAMAR E PERUS
3.1. Formação e usos
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IMAGEM FONTE: IFPPC
FORMAÇÃO E USOS
3.1.1 Pedreiras, produção de cimento e a ferrovia Segundo o que Vanice Jeronymo escreve em sua tese em 2016, a ação industrial, desde a primeira Revolução Industrial em todo o mundo, entendia-se como uma “atitude patronal para inicialmente atrair mão de obra para o local e, posteriormente, fixá-la e moldá-la de acordo com as necessidades industriais” (JERONYMO, p.58, 2016). Isso era possível através da construção de moradia operária e equipamentos de uso comunitário – igrejas, clubes, cinemas, escolas etc – e, essas atividades coletivas sempre tinham o objetivo de tornar os trabalhadores favoráveis à produção. Os núcleos fabris, entendidos como vila isolada cuja fábrica cria uma nova cidade e tem capacidade praticamente autossuficiente, começaram a ser construídos na Europa no século XVIII e no Brasil a partir de 1870 – quando a indústria no país se introduz – e vão até 1980. No Estado de São Paulo, é mais intensa no período que vai de 1880 a 1950. Nesse contexto é que surge a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus: assentada em um sítio com grandes recursos em matéria prima, às margens do rio Juqueri e seus afluentes, em meio a quotas de Mata Atlântica – mais tarde substituídas por eucaliptos, a medida que a madeira era usada para abastecimento das locomotivas. Segundo Jeronymo (2016), o complexo fabril foi estruturado longitudinalmente à ferrovia EFPP, que seguia o curso do rio Juqueri, desde Gato Preto, nas pedreiras, até Perus, na fábrica e no final da Perus-Pirapora. Por causa da ferrovia também edificou-se elementos voltados ao funcionamento dela, como reservatórios com decantador e filtro para abastecimento das locomotivas, plataformas de parada, postos telefônicos, postos de controle e passagem e tráfego, edifícios para usos administrativos, além de moradias próximas às paradas (JERONYMO, 2016). A EFPP tinha apenas 2 estações oficiais: a Entroncamento e a estação Perus, ambas inauguradas com a ferrovia em 1914. A Entroncamento serviria como terminal para receber passageiros vindos de Perus. Todavia, os trens entravam em um ramal, faziam uma reversão e seguiam em direção às estações não-oficiais de Água Funda e Gato Preto – esta sim última estação. Havia ainda as estações Santa Fé, Quilômetro 12, Mirim, Campos e Rocha, todas não-oficiais. Segundo Jeronymo: “’Corredor’ era um espaço apenas operacional, de trabalho, composto por um pátio com 4 ferrovias e um posto telefônico, eram muito semelhantes entre si. (...) A estação Santa Fé, localizada nas proximidades da foz do córrego de mesmo nome, era uma parada única, ponto de cruzamento de trens. ‘O Doze’, como ficou conhecida a estação Quilômetro 12,era constituída de uma pequena parada, em local de via dupla e entroncamento de trilhos, da mesma forma como se constituía a estação Mirim. Campos e Rocha foram formadas, cada uma, por uma parada de trem, em cujas adjacências formaram-se agrupamentos de casas, possivelmente, dos trabalhadores da ferrovia. Inaugurada em 1925, com a chegada da fábrica de cimento, a estação Água Fria não era propriamente uma estação, pois o trecho era considerado um desvio estritamente industrial e utilizado, teoricamente, apenas para funcionamento da empresa e carregamento de minérios vindos de Água Fria. A estação Gato Preto encerrava a linha da EFPP. Inaugurada em 1914, foi, segundo Rodrigues, a razão da existência da linha. Além do, já consolidado, complexo industrial do segmento da cal, funcionavam no local as oficinas da ferrovia. O prédio abrigava, também, um armazém e, há informações de que, nos escritórios vendiam-se as passagens”. (JERONYMO, p.69, 2016).
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FORMAÇÃO E USOS
Imagem 27: parada do quilômetro 12 da EFPP, que na verdade era um posto telefônico, visível à direita da imagem. Fonte: acervo Nilson Rodrigues.
Imagem 28: Posto telefônico da parada de Campos em 1976, no cruzamento da estrada Anhanguera-Cajamar. Fonte: acervo Nilson Rodrigues.
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FORMAÇÃO E USOS
Imagem 29: moradia que fazia parte do conjunto de casas que se formou a volta da parada de campos. Foto tirada em data desconhecida. Fonte: estacoesferroviarias.com.br
Imagem 30: Ao fundo, a estação final na pedreira de Gato Preto. Vê-se em primeiro plano o pátio ferroviário e parte do depósito de cal. Foto sem data. Fonte: acervo Nilson Rodrigues.
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A ESPACIALIDADE DO NÚCLEO FABRIL: ENTRE CAJAMAR E PERUS
FORMAÇÃO E USOS
Outra construção notável que pertence à CBCPP é o “Casarão do M”. Foi provavelmente construído na década de 1910 para ser administração da ferrovia. Esse nome aparece para identificar tanto o Casarão quanto o vagão destinado ao deslocamento de pessoas e produtos: “M” está relacionado à palavra “misto”.
Imagem 31: Casarão do M em Perus. Foto tirada em 1989, quando a construção ainda se encontrava em estado razoável de conservação. Fonte: acervo Nilson Rorigues.
Imagem 32: Trem “M” da Estrada de Ferro Perus-Pirapora: composição mista, que levava calcário e passageiros. Data desconhecida. Fonte: efperuspirapora.blogspot
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FORMAÇÃO E USOS
No que tange estilos, por causa do agrupamento de imóveis de diversas épocas e estilos – à exemplo do Casarão do “M”, o Casarão dos Benelucce e o Palacete dos Dias -, dos edifícios industriais e os conjuntos habitacionais, todo o conjunto da CBCPP é de uma expressão arquitetônica diversificada. Havia construções do modo paulista de construir – com pedras, tijolos e telhas de barro -, e construções com materiais que levam cimento na matéria prima – como argamassa e cimento (JERONYMO, p.68 a p.70, 2016).
Imagem 33: Palacete dos Dias – ou casarão da fazendinha em 2014. Fonte: acervo Vanice Jeronymo.
Os edifícios da fábrica de cimento são a maioria de concreto armado, indo na contramão do que era empregado na época na construção de prédios fabris: a alvenaria. Não apenas por uma questão de disponibilidade de matéria prima, mas por uma demanda de segurança – em razão do risco de explosões. Também por causa do material utilizado, o estilo moderno era bastante marcante nas edificações da fábrica e nas moradias (JERONYMO, p.71, 2016) – como na Vila Triângulo, citadas posteriormente neste trabalho.
Imagem 34: depósito de clínquer em funcionamento. Na foto, é possível distinguir sua estrutura, formada por treliças de concreto na cobertura. Fonte: acervo Nilson Rodrigues.
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A ESPACIALIDADE DO NÚCLEO FABRIL: ENTRE CAJAMAR E PERUS
FORMAÇÃO E USOS
Imagem 35: parte do conjunto da fábrica. São vistos com clareza os silos de cimento pronto, no centro da imagem, e os silos de cal a direita, junto às torres dos fornos e aos moinhos. Fica também evidente nessa imagem que grande parte das construções era realmente de concreto.
O conjunto em um geral marca de uma forma incisiva a paisagem em que está inserida, com espaços grandiosos para acomodação do maquinário e área para produção e locomoção, usando muitas vezes mais do que concreto em sua concepção – elementos como madeira, aço e ferro aparecem diversas vezes. As torres dos fornos – duas em alvenaria, uma em aço e outras em concreto -, também eram marcos paisagísticos.
Imagem 36: foto sem data da fábrica de cimento em Perus. Ela é ilustrativa do efeito incisivo que o conjunto tinha na paisagem, quase cravado na montanha em que está inserido.
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FORMAÇÃO E USOS
3.1.2 Moradia e vida operária Como resultado da Fábrica principalmente, Perus começa a ser habitado, sobretudo pelos operários que trabalharão na CBCPP. Como era típico das ocupações industriais no período de 1920 a 1930 – como citado no item anterior -, vilas operárias começam a se formar. Muitas delas foram providas pela própria fábrica, a fim de manter regular o fluxo de mão-de-obra, tanto para as pedreiras quanto para as usinas. Foi ofertada toda a infraestrutura para as moradias – água, esgoto e energia elétrica -, o que na maior parte das habitações da cidade de São Paulo ainda não havia. É importante frisar que a empresa tinha interesse em manter o controle do trabalhador, através da oferta dessas moradias – com regimes de trabalho fora do horário regular (CONPRESP, 1989) - no período não existia legislação formal trabalhista, e sim algumas leis por decreto, mas que não tinham a força da CLT. Há assentamentos que totalizam cerca de 450 moradias ao longo de todo o complexo, todas de baixa ou média densidade. Há referências, segundo Jeronymo, de que o plano e projetos para Água Fria tenham sido elaborados pelo engenheiro Eduardo Alberto Fullen. Há também, segundo ela, registros de vilas operárias pioneiras, que serviriam para fixação de mão de obra. Como menciona Marília Schneider, haveria uma vila próxima às pedreiras, que recebia o nome de Acampamento, que estaria relacionada à Vila Água Fria, segundo Jeronymo, bem como outra vila já demolida no bairro de Pires, em Cajamar, próxima a Gato Preto. Segundo relatos, haveria também outro assentamento operário conhecido como Acampamento, mas na Vila Fábrica, em Perus; este serviria de residência para solteiros – inclusive, as habitações para solteiros geralmente recebiam o nome de Acampamento. Mais tarde, foram construídas as vilas das quais se têm registro e que foram estudadas pelo processo de tombamento: Vila Triângulo, Vila Portland – ou Vila Nova – e Vila Fábrica, dentro das dependências da usina de cimento; e a Vila Água Fria e Vila Nova, próximas às minas de calcário em Gato Preto, onde se distribuíram adjacentes aos fornos cal. Essas habitações em Gato Preto acabaram por se tornar quase que completamente dependentes das instalações da CBCPP, já que, por conta da declividade do território no qual foram instaladas, ficaram muito isoladas da urbanização (JERONYMO, p.60 e p.61, 2016). A Vila Triângulo tinha, como o nome bem descreve, implantação em V, com a Capela São José ao centro. A implantação em V se explica pelo motivo de ter no centro da vila uma mina e bomba d’água, aterrados em 1950, e apenas posteriormente seria construída da Igreja São José. Era executada em alvenaria de tijolos e cobertura em quatro águas de concreto – o que era peculiar e incomum para a época. Algumas das habitações têm uma sobreposição de telhas de barro, o que provavelmente se originou em problemas de infiltração. O centro da implantação, a capela Santo Antônio, foi executada sob mesmo sistema construtivo, sendo sua cobertura em duas águas, e não em quatro Até 1972, o meio de transporte que era utilizado pelos moradores da Vila Operária era a Estrada de Ferro Perus-Pirapora, já que a Vila margeia os trilhos. Na Vila Triângulo as casas eram menores, com blocos de concreto e cobertura e piso de cimento. As casas da Vila Portland, por sua vez, eram maiores, de tijolos e até eram assoalhadas. Estas eram destinadas aos cargos superiores, por serem maiores e construídas de melhor forma (CONPRESP, 1989). Em um geral, a tipologia das moradias erguidas pela CBCPP eram habitações de pequenas dimensões, térreas, dispostas em renque, com porta e janela na fachada, sem recuos, sendo algumas casas geminadas duas a duas e outras são isoladas. A dimensão das casas variava com o cargo dos funcionários da companhia: as mais espaçosas eram destinadas aos administradores gerais e aos patrões; as demais variavam entre cerca de 49m² e 16m², sendo as primeiras reservadas às famílias de funcionários e as outras aos solteiros (JERONYMO, p.61, 2016).
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A ESPACIALIDADE DO NÚCLEO FABRIL: ENTRE CAJAMAR E PERUS
FORMAÇÃO E USOS
Imagem 37: vila triângulo fotografada durante o levantamento de CONPRESP. Em primeiro plano, a capela São José e ao fundo as casas da vila operária. Fonte: CONPRESP,1989.
Imagem 38: exemplar de casa na Vila Triângulo em levantamento do CONPRESP. Eram casas simples de concreto com telhado de quatro águas. É de se notar também o poste de energia elétrica a frente da casa, fazendo jus à afirmação de que as vilas operárias da CBCPP seriam as primeiras da região no início do século XX a ter abastecimento de água e energia elétrica. Fonte: CONPRESP, 1989.
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FORMAÇÃO E USOS
Imagem 39: exemplar da casa do administrador geral, que contrasta bastante com o exemplar das vilas operárias em tamanho e estilo. Fonte: CONPRESP,1989.
A Vila Triângulo estava muito presente na vida cotidiana de Perus, até para aqueles que não viviam nela: era um espaço de convivência e de troca muito grandes. Havia uma relação afetiva muito grande entre os moradores da Vila, e as atividades são frequentemente desenvolvidas coletivamente (CONPRESP, 1989). Talvez esse seja um dos motivos da facilidade de união dos trabalhadores em momentos futuros na história de Perus. Os operários vinham de várias localidades dentro de São Paulo: Lapa, Pirituba, Jaraguá, Água Branca. Como eram lugares distantes, isso explica a formação de loteamos fora do perímetro da fábrica e que não pertenciam à Companhia: a Vila Hungaresa e a Vila Fontão são exemplos delas. E não apenas de outras localidades dentro de São Paulo, mas de outros estados – como Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minhas Gerais, Paraíba – e o contingente de estrangeiros que trabalhavam na fábrica não era pequeno – pessoas vindas da Itália, Alemanha, Portugal, Hungria, Espanha, Argentina, Iugoslávia, Rússia, Inglaterra, Estados Unidos estavam entre os operários, mas a maior quantidade era de pessoas oriundas do Leste Europeu, o que acabou nomeando a Vila Hungaresa. Era notória a divisão pela administração entre os brasileiros, os estrangeiros e os não-qualificados. Ela, inclusive, se tornou espacial: os trabalhadores mais qualificados, como engenheiros, gerentes, funcionários mais graduados, residiam na Vila Portland, bem próxima à fábrica. Na Vila Triângulo, ficavam os operários menos qualificados – a vila que mais precisava de deslocamento. Os estrangeiros em sua maioria moravam fora do perímetro da fábrica. Havia moradia dentro das dependências da CBCPP para aproximadamente 400 empregados. A divisão das casas não era muito transparente, e alguns operários acreditam que era feita de acordo com a boa relação do trabalhador com a empresa.
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FORMAÇÃO E USOS
Imagem 40: exemplar de moradia da Vila Portland em foto de levantamento feita pelo CONPESP em 1989. Fonte: CONPESP, 1989.
A manutenção das casas era também provida pela companhia, que acabavam por ser frequentes, devido à proximidade da Fábrica com as casas: havia acúmulo muito grande de cimento nos telhados das casas, expelidos pelas chaminés da Usina; por causa do pó era impossível, por exemplo, o cultivo de hortas (CONPRESP, 1989). Para mais das moradias e as usinas, foram incluídos equipamentos como escolas, ambulatório – que por muito tempo foi o único serviço de saúde com o qual Perus pode 17 contar, já que a primeira UPA chegou bem depois do fechamento da Fábrica -, restaurante, entreposto, armazéns, oficinas, igrejas, clubes e campos de futebol: os operários chegaram a formar três times: o Cimento Perus, o Sport Club Gato Preto e o Cimento Portland.
Imagem 41: ambulatório em Água Fria em foto tirada em 2016. Hoje é usado como moradia e se encontra em bom estado de conservação. Fonte: acervo Vanice Jeronymo.
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Unidade de Pronto Atendimento
FORMAÇÃO E USOS
As igrejas que existiam – a capela de São José, de 1950 na Vila Triângulo e a capela Sagrado Coração de Jesus, em Gato Preto -, foram edificadas por iniciativa operária. Em 1950, a família Abdalla doou um terreno em Água Fria para a edificação de uma escola, mas isso ocorreu após as crianças da região terem sido educadas por uma escola itinerante e depois pela chamada Casa de Pedra em 1940, onde os professores eram principalmente da iniciativa autônoma, dos operários que tinham graduação, a maior parte deles estrangeiros
Imagem 42: Escola de Pedra em Água Fria em ótimo estado de conservação na foto tirada em 2009. Hoje é utilizada como moradia. Fonte: acervo Vanice Jeronymo.
Existam, além das moradias dentro das dependências da CBCPP, as Vilas Operária, Inácio e Hungareza, todas edificadas pela iniciativa operária, já que o número de habitações da própria companhia não era suficiente para todos os trabalhadores. Foram na Vila Hungareza construídos o Grupo Escolar de Perus, a Paróquia de Santa Rosa de Lima e o Templo da Igreja Presbiteriana, todos em 1940 (JERONYMO, p.61 a p.63, 2016). Outra localidade citada como importante no convívio dos trabalhadores é o Clube Esportivo Portland, onde se promoviam reuniões, jogos e bailes que cumpriam um extenso calendário de festas. O Clube não ficava nas dependências da Fábrica, mas muito próximo. Havia também atendimento médico, serviço dentário, farmácia e cooperativa financiados pela empresa (CONPRESP, 1989). O serviço médico da empresa foi muito usado durante os anos de funcionamento da CBCPP. Em termos construtivos, todos os equipamentos, moradias e prédios fabris construídos pela CBCPP, eram diversificados: “tipologias de moradias diversas, tais como casas isoladas, geminadas e em ren18 que ; igreja, restaurante, e entreposto, edifícios ligados à ferrovia, pensão, casas para administração e assistência médica, além do amplo conjunto de prédios ligados diretamente às etapas da produção, como os depósitos de equipamentos e materiais, fornos, resfriadores, oficinas, ensacadoras, tanques, laboratórios, britador, silos e moinhos, entre outros” (JERONYMO, p. 63, 2016). 18
Casas em renque são dispostas em sequência, umas iguais às outras.
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FORMAÇÃO E USOS
Água Fria, por sua vez, foi urbanizada em função das pedreiras. Foram utilizados os mesmos métodos para atração e fixação dos trabalhadores usados no resto da companhia: instalação de equipamentos de uso coletivo (clube, escola, pensão, farmácia). Gato Preto não é diferente do ponto de vista de modo de urbanização; foi ocupada, porém, na parte alta do bairro, a volta da usina de cal, tendo escola e moradia. Perto desse bairro ficava também o “Casarão do Beneluce”, onde moravam os proprietários Beneluce – citados no começo deste trabalho – e Abdalla. Em toda a ocupação da Companhia, as edificações foram dispostas em malha urbana mista. Segundo Jeronymo... “ora apresentam aspectos morfológicos sinuosos, livres de enquadramentos, porém em conformidade aos cursos d’água e acidentes geográficos do terreno (...). Em outros momentos (...) surgiram vinculadas ao enquadramento de terrenos delimitados por ruas e cercas” (JERONYMO, p. 70, 2016).
Portanto, eram ortogonais.
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3.2. A situação atual
FONTE: ACERVO PESSOAL
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A ESPACIALIDADE DO NÚCLEO FABRIL: ENTRE CAJAMAR E PERUS
A SITUAÇÃO ATUAL
Os processos de tombamento não garantiram que Perus tivesse um projeto para seu complexo cimenteiro. O resultado foi o abandono completo das instalações da Fábrica, das pedreiras e da EFPP. Muito do que garantiu que os edifícios continuassem erguidos, principalmente no que diz respeito ao que está no município de Cajamar, foi a permanência dos ex-operários nas casas das vilas operárias, além de outros edifícios – como a escola de pedra e a casa de força em Vila Nova – terem sido convertidos em moradias unifamiliares clandestinamente. Na antiga casa do supervisor das instalações de Cajamar foi instalado o Museu da Casa de 19 Memória , filiado à prefeitura de Cajamar. Os fornos metálicos de Gato Preto conseguiram ser mantidos até as revisões das resoluções de tombamento. As construções além da Rodovia Anhanguera foram parcialmente demolidas: só foram mantidas as que abrigavam famílias de alguma forma vinculadas à CBCPP. Por causa da valorização dos terrenos após a anulação dos níveis de proteção estadual, as casas operárias, o casarão dos Beneluce, escola, oficinas, depósitos e escritórios foram todos demolidos pela própria empresa. Os moradores das casas que estavam ocupadas foram convencidos que se encontravam em área de risco e foram remanejados para outro lugar dentro da propriedade, sem ordem de despejo. Em relação aos edifícios ligados ao funcionamento da EFPP, alguns foram demolidos e outros abandonados. Entroncamento faz parte do primeiro grupo: após ter sido abandonado em 1970, foi demolido. As estações Mirim e Santa Fé, bem como o “Casarão do M” foram abandonados (JERONYMO, 2016). Em Cajamar, apesar do esforço municipal, nenhuma das áreas conseguiu ainda ser declarada utilidade pública. 20 O Doze foi reformado e é utilizado pela IFPPC no trabalho de recuperação da Estrada de Ferro, que se iniciou em 2010. Hoje estão em funcionamento 15km da linha. A maior parte dos funcionários e diretores que garantem o andamento da ferrovia são voluntários, e o blog dedicado à ferrovia informa que a Votorantim e a Natura – que tem suas fábricas na proximidade - contribuem financeiramente para que a ferrovia seja restaurada, além de outras pequenas e médias empresas de Perus, Pirituba e Caieiras. Houve, desde o início do tombamento, uma inércia por parte dos proprietários, de se restaurar o acervo da EFPP. Uma das grandes dificuldades da preservação do acervo da CBCPP foi o crescimento exacerbado de São Paulo desde a década de 1970 nas periferias – Perus e Cajamar inclusas na equação. O número crescente de acentos irregulares e regulares nas duas cidades modifica a paisagem urbana e ocupa até o menor dos espaços, na busca de um lugar de moradia. Até mesmo dentro das propriedades da CBCPP isso ainda é um fato. As periferias de São Paulo são ocupadas por uma população que não tem poder aquisitivo o suficiente para morar próximo ao centro expandido – ou no próprio centro. Em dados 21 22 de levantamento do IBGE de 2013 a PEA do distrito de Perus – que abrange o bairro de Anhanguera e de Perus – é de 72.261 indivíduos, sendo que apenas 7% deles têm carteira assinada. A população de 80.187 pessoas tem renda per capita de 650 reais mensais, abai23 xo do estabelecido como salário mínimo desde 2013 . O que de fato chama a atenção é a falta de infraestrutura no distrito: para as 80 mil pessoas, existe apenas uma UPA, e nenhum leito hospitalar. Como equipamentos culturais – segundo os moradores, muito frequentados e utilizados – existem três, sendo eles o CEU Perus, a Biblioteca Padre José de Anchieta e a casa de permacultura Centro Quilombaque. A atividade econômica principal desenvolvida em Perus, além do setor terciário da economia, é mineradora. 19 Com
o objetivo de despertar o interesse da população de Cajamar por sua história, a prefeitura teve essa iniciativa, que começou com um acervo itinerante e, hoje, tem cede no Museu da Casa de Memória. 20 Instituto de Ferrovias e Preservação do Patrimônio Cultural 21 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 22 População Economicamente Ativa
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De acordo com a guia trabalhista, o salário mínimo em 2013 era de R$678
Imagem 43: mapa desenvolvido sobre o bairro de Perus, mostrando os meios de transporte, com destaque para trem, ônibus e carro. Levantamento de 2017. Fonte: acervo pessoal
A SITUAÇÃO ATUAL
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Imagem 44: mapa mostrando as superfícies ocupadas – e futuramente ocupadas – em Perus. É notável a superfície que a futura área do NESP (novo entreposto de São Paulo) ocupará. O mapa mostra apenas predominância das áreas marcadas, o que significa que o bairro serve predominantemente de dormitório, e tem movimento pendular. Levantamento de 2017. Fonte: acervo pessoal.
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A SITUAÇÃO ATUAL
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Imagem 45: usos do solo notáveis em Perus. O número de instituições de ensino básico e médio públicas é notável. Levantamento de 2017. Fonte: acervo pessoal
A SITUAÇÃO ATUAL
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A SITUAÇÃO ATUAL
Como consequência desta análise, o plano diretor estratégico do município de São Paulo classifica quase que a totalidade urbana do distrito de Perus como Macroárea de Redução de Vulnerabilidade Urbana. O que não é classificado como tal é Macroárea de Estruturação Urbana, nas áreas próximas ao comércio e principalmente próximas à estação Perus. 25 24 O terreno atual da fábrica de cimento é classificado tanto como ZEIS 2 como ZEPAM. O zoneamento, neste caso, não se preocupou, em sua classificação, com a preservação do patrimônio histórico da área em questão, já que ambos zoneamentos dizem respeito a conceitos distintos.
Imagem 46: mapa de zoneamento da região de perus, destacando-se em preto o terreno no qual está inserida a Fábrica de Cimento Portland. Fonte: GeoSampa.
Merece destaque o que foi mostrado anteriormente em mapa. O novo Entreposto de São Paulo – NESP – será instalado nos terrenos imediatamente vizinhos à fábrica, às margens da estrada de Ferro. Serão 2.736.000m² destinados ao entreposto, com áreas de hotel, shopping, estacionamento e áreas com as mesmas funções que o CEASA tem hoje. A Fábrica de Cimento Portland se encontra abandonada desde a desativação em 1987. Ela foi deixada praticamente como se tivesse parado no meio do expediente. Ainda há cimento dentro dos silos e dentro do único forno que permaneceu lá – o forno 4. De uma forma geral, o estado dos edifícios não é péssimo. Algumas estruturas – principalmente as tesouras de madeira dos telhados – desabaram. O concreto começou a cair das armaduras de aço, nas estruturas de concreto armado. Alguns moradores relataram que, antes do processo de tombamento terminar sua tramitação e antes do levantamento dos edifícios serem visitados pelo CONPRESP, os administradores da CBCPP ordenaram que muitas das fachadas dos edifícios fossem derrubadas – principalmente a da construção que abrigava os moinhos, no centro da fábrica. 24 Zona
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Especial de Interesse Social 2 dizem respeito a glebas ou grandes terrenos baldios, e que devem ser destinados em sua construção a 80% de Habitação de interesse social e 20% de habitação de moradia popular. 25 Zona Especial de Proteção Ambiental dizem respeito a terras ou que tenham presença de reservas de mata atlântica ou que sejam ocupadas por povos indígenas.
A SITUAÇÃO ATUAL
Imagem 47: vista panorâmica da fachada do edifício da Oficina Mecânica e ensacadora. É possível notar, logo ao centro, o telhado de duas águas que desabou. Fonte: Acervo Fernanda Boutros
Imagem 48: edifício destinado aos laboratórios, à engenharia e administração. Também perdeu seu telhado com o tempo. Fonte: Acervo Fernanda Boutros
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A SITUAÇÃO ATUAL
Imagem 49: vista lateral do edifício dos moinhos, sobre o qual os ex-operários disseram ter as fachadas derrubadas após o início do processo de tombamento. Fonte: Acervo Fernanda Boutros.
Imagem 50: vista do forno 4, único que ficou ainda na fábrica. Dos fornos 1, 2 e 3 só sobrou o seu espaço de encaixe na estrutura de concreto, como pode ser observado na imagem ao lado. Fonte: Acervo Fernanda Boutros
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A SITUAÇÃO ATUAL
Imagem 51: armadura do concreto armado aparente na cobertura do edifício dos fornos. Fonte: Acervo Fernanda Boutros
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Exemplos de intervenções em edifícios industriais
EXEMPLOS DE INTERVENÇÕES EM EDIFÍCIOS INDUSTRIAIS
Para este capítulo, foram selecionadas obras arquitetônicas de intervenções em pré-existências, que convertessem complexos industriais em equipamentos culturais. Com o objetivo de compreender formas de atuação nesses espaços, esses três exemplos foram escolhidos por diferentes razões: por serem em diferentes países, em conjuntos industriais que serviam para propósitos diversos, e que, por tanto, têm extensões e tamanhos distintos. O primeiro exemplo é no Vale do Rio Ruhr. É dada sua contextualização – o IBA Emscher Park -, e depois um desmembramento dele – a Mina de Carvão Zollverein. Este exemplo foi entendido como o mais próximo ao estudado nesta pesquisa; tanto em tamanho de território, quando comparamos a mina com a CBCPP, quanto em diversidades de patrimônio (há no 26 exemplo alemão, entre outras atividades, mina de carvão, indústria de coquefação , estrada de ferro). Esta primeira escolha também se deveu à experiência pessoal no Vale do Rio Ruhr – que acabou por ser a motivação desta pesquisa. Apesar da experiência do morar ser em Dortmund, não em Essen – de onde o exemplo central foi pego -, ver os marcos na paisagem e a convivência dos atuais moradores com o lugar, mudou completamente a perspectiva de se enxergar o pós-industrial. O segundo exemplo é brasileiro, e provavelmente esta seja sua presença mais importante no trabalho. O trabalho que faz o Brasil Arquitetura, no sentido de “cavar” suas oportunidades de projeto, diz muito sobre o preservar e transformar brasileiro. A finalidade do projeto – um memorial – também influenciou muito na seleção deste trabalho. O terceiro trabalho foi estudado muito mais pelo modo de se fazer arquitetura dentro de um edifício industrial – uma antiga usina termoelétrica. Unindo e criando espaços. O programa, de entretenimento, também influenciou bastante na escolha.
Processo ao qual o minério de carvão é submetido. A hulha (carvão em pedra) é conformada em coque (carvão de alto rendimento) através de calor e pressão em ambiente fechado. Este processo retira grande parte do enxofre do mineral e possibilita que a indústria siderúrgica o utilize mais eficientemente. 26
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4.1 IBA Emscher Park / Zeche Zollverein, Essen, Renânia do Norte-Vestfália, Alemanha
IMAGEM FONTE: MARIO ZIEGLER PHOTOGRAHY
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IBA EMSCHER PARK / ZECHE ZOLLVEREIN, ESSEN, RENÂNIA DO NORTE-VESTFÁLIA, ALEMANHA
O Vale do Rio Ruhr, território que compreende as cidades de Duisburg, Essen, Bochum, Dortmund e seus arredores, a oeste da Alemanha, foi uma das regiões mais ricas em carvão da Europa. O reflexo dessa abundância de matéria prima foi a exploração mineradora e a atividade metalúrgica ostensivas no período que vai de meados do século XIX até a metade do século XX, tornando o local um dos mais populosos do continente europeu no período, além de um dos mais ricos. Outra consequência foi a poluição que geraram as mineradoras e siderúrgicas, tanto atmosférica quanto fluvial – principalmente no afluente do Rio Ruhr que passava em todas as cidades do vale, o Emscher. Entretanto, na década de 1970 o carvão acessível para exploração humana pratica27 mente se extingue, fazendo com o Rurhpott não apenas diminuísse sua população, como sua economia estagnasse com cerca de 20% da PEA desempregada. O resultado foi a inutilização, abandono e sucateamento de várias estruturas de proporções generosas ao longo de todo o vale, que serviam no passado ao carvão e ao aço. Desde minas até estradas de ferro locais para fim industrial. Começa então no final da década de 1980 um esforço tanto do estado de Renânia do Norte-Vestfália quando do Governo da Federação Alemã – na época compreendia apenas a Alemanha Ocidental - de reconhecimento desse cenário pós-industrial que o carvão deixara 27 28 no Ruhrgebiet . Em 1989 tem inicio a Exposição Internacional IBA Emscher Park, que teria seu fim em 1999. Com caráter investigativo e tendo como objetivo impulsionar novas ideias, não era uma exposição propriamente dita, mas uma discussão política e profissional, que atua como moderadora e motivadora de projetos para uma área em transformação. Não existe uma entidade coordenadora de todos os projetos que acontecem nas dezessete comunidades ao longo do Emscher: as intervenções acontecem de forma independente com administrações locais, empresas industriais, ONGs, grupos de pressão e a população da área.
Imagem 52: mapa dos projetos destacando-se as intervenções mais relevantes ao longo do vale do Rio Ruhr. Fonte: acervo Ruhrgebiet Touristik GmbH.
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Ruhrpott e Ruhrgebiet são as duas palavras em alemão para designar a região do Vale do Rio Ruhr.
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Bauausstellung Emscher Park
IBA EMSCHER PARK / ZECHE ZOLLVEREIN, ESSEN, RENÂNIA DO NORTE-VESTFÁLIA, ALEMANHA
Foi feito um concurso de ideias, com mais de 400 participantes. A exigência era considerar a bacia hidrográfica e a paisagem natural como infraestrutura. Além disso, os monumentos industriais... “passaram a ser concebidos conceitualmente como transmissores de uma mensagem subjetiva de cultura, isto é, vistos como signos numa paisagem que se esvaziava de marcos orientadores, e na qual passaram a representar o papel simbólico da presença de uma identidade regional” CASTELLO, 2003.
No mesmo ano do início do projeto, no entanto, o Muro de Berlim cai e começa a unificação da Alemanha. As maiores preocupações do Estado Alemão passam a ser estratégias a nível nacional, visto as heranças demográficas, sociais e econômicas que a República Democrática Alemã deixara. O fato muda completamente a atuação na exposição: os projetos começam a acontecer com praticamente ausência de um plano global e passa-se a promover reformas estruturais sem praticamente modificar-se o sítio – ou seja, não se nega o passado industrial da região, disfarçando ou criando novas paisagens, limpas.
Imagem 53: gasômetro de Oberhausen, em Oberhausen, uma das intervenções mais famosas do IBA Emscher Park. Ainda hoje recebe exposições e concertos. Fonte: acervo DLR Portal.
Talvez o exemplo mais emblemático do sucesso da reflexão proposta pelo IBA Ems29 cher Park seja o Zeche Zollverein . O local se tornou praticamente o centro e referência de toda a exposição e seu principal cartão postal.
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IBA EMSCHER PARK / ZECHE ZOLLVEREIN, ESSEN, RENÂNIA DO NORTE-VESTFÁLIA, ALEMANHA
Imagem 54: coquefação da mina. É possível ver as torres dos fornos e as estruturas em aço em bom estado de conservação. Fonte: ruhrstadtregion.de
A mina de carvão e a indústria de coquefação ao norte da cidade de Essen, bem no centro do Rurhgebiet começou seu funcionamento em 1847, e suas expansões foram dadas por eixos: do I até o XII. Esses eixos marcam, além de industrial e arquitetonicamente falando, a evolução tecnológica da segunda metade do século XIX e do começo do século XX. No começo do ano de 1932 as máquinas do eixo XII – o maior e mais moderno do conjunto - da mina começam a funcionar, em um complexo de grande capacidade, trabalhando de acordo com o princípio americano do Fordismo. Por dia, nos anos de auge da produção, eram extraídos 23 mil toneladas de carvão e trabalhavam lá 8 mil mineiros em vários turnos. Ao final de 1972, o complexo tinha praticamente 1km². Durante seu funcionamento, foram empregados mais de 600 mil operários e extraídos 240 milhões de toneladas de carvão.
Não existe uma tradução exata para todas as palavras, ou um local similar no Brasil ou em países lusófonos que sirvam de exemplo. Zeche quer dizer mina e Zollverein algo como união aduana – esta faz referência a forma dos prédios no eixo XII da indústria. 29
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IBA EMSCHER PARK / ZECHE ZOLLVEREIN, ESSEN, RENÂNIA DO NORTE-VESTFÁLIA, ALEMANHA
Imagem 55: parte do eixo XII da indústria, que recebeu intervenção do escritório de arquitetura Foster + Partners. A maior parte do conjunto foi construída com o estilo da Bauhaus. Fonte: Wikipedia.
Entre 1986 e 1993, o Zeche Zollverein foi tombado como patrimônio histórico do estado de Renânia do Norte-Vestfália – o tombamento se deu em etapas, porque as minas e fábricas foram encerrando suas atividades gradualmente, e no mesmo ritmo foram compradas pela preservação. Logo no início de 1989, com o IBA, a recuperação dos edifícios se inicia, principalmente do complexo do eixo XII, construído na década de 30, como citado, no estilo Bauhaus. Durante as décadas de 1990 e 2000, vários escritórios de arquitetura de atuações diversas realizaram projetos para as diferentes áreas do complexo mineiro. O escritório Foster + Partners interviram entre 1992 e 1997 no complexo construído em 1932, transformando-o em um museu de design – Red Dot Design Museum -, com capacidade para 50 pessoas por vez. O principal trabalho foi o de remover os anexos acrescidos com os anos e revelar a verdadeira forma do edifício.
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IBA EMSCHER PARK / ZECHE ZOLLVEREIN, ESSEN, RENÂNIA DO NORTE-VESTFÁLIA, ALEMANHA
Imagem 56: vista de uma das fachadas do Red Dot Museum, que recebeu intervenções internas do escritório Foster + Partens. Fonte: fosterandpartners.com
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Imagem 57: percurso expográfio dentro do Red Dot Museum. Fonte: fosterandpartners.com
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IBA EMSCHER PARK / ZECHE ZOLLVEREIN, ESSEN, RENÂNIA DO NORTE-VESTFÁLIA, ALEMANHA
O OMA foi contratado apenas em 2001, com o tombamento do Zeche Zollverein pela UNESCO, como patrimônio da humanidade. O escritório interviu no complexo da coquefação. Não de fato construindo ou demolindo, mas desenvolvendo um plano mestre geral para toda a mina. O trabalho foi principalmente de criar um eixo central em todo o complexo, criando vias de pedestres, ciclovias e espaços de permanência, usando a indústria como paisagem. Esses caminhos cominam na indústria de coquevação, onde os visitantes podem fazer um tour de roda gigante para o interior do forno e acima da paisagem da complexo. Em 2007, juntaram-se ao OMA os arquitetos Heinrich Böll e Hans Krabe, para transformar a casa de máquinas no Ruhr Museum, que exibe a história da industrialização do Rurhpott.
Imagem 58: setorização do conjunto feita pelo OMA. Em laranja as atrações turísticas e eventos temporários. Em vermelho, prédios ocupados por empresas. Em verde, vegetação. Em amarelo, linhas de trem. Fonte: OMA
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IBA EMSCHER PARK / ZECHE ZOLLVEREIN, ESSEN, RENÂNIA DO NORTE-VESTFÁLIA, ALEMANHA
Imagem 59: foto de evento de patinação no reservatório de água da indústria de coquefação. Fonte: OMA
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IBA EMSCHER PARK / ZECHE ZOLLVEREIN, ESSEN, RENÂNIA DO NORTE-VESTFÁLIA, ALEMANHA
A última intervenção foi feita pelo escritório de arquitetura SANAA, um edifício anexo ao complexo que recebe o programa de uma escola de design e administração. Sua volumetria consiste em um cubo perfeito de 35m de lado, que contrasta bastante com o resto do conjunto. A faculdade foi desativada em 2012 e o edifício se encontra atualmente em desuso.
Imagem 60: projeto da escola do escritório SANAA. Ao fundo, a indústria de coquefação, em contraste com a forma proposta. Fonte: zollverein.de
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Imagem 61: evento na faculdade. Pode-se observar a forma limpa que foi proposta pelo escritório do SANAA, sem que no entanto de para perceber sua inserção na mina. Fonte: acervo Julia Murakami
IBA EMSCHER PARK / ZECHE ZOLLVEREIN, ESSEN, RENÂNIA DO NORTE-VESTFÁLIA, ALEMANHA
Os projetos, como um todo, atraem por dia cerca de 5 mil visitantes, segundo o site oficial do Zeche Zollverein. Muitas pessoas vão fazer exercícios no local, visitar os museus, passar o tempo. Há, inclusive, pessoas que fazem festa por lá, já que ele fica sempre aberto.
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4.2. Centro de Educação e Cultura KKKK, Registro, São Paulo, Brasil
FONTE IMAGEM: GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
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CENTRO DE EDUCAÇÃO E CULTURA KKKK, REGISTRO, SÃO PAULO, BRASIL
A cidade de Registro, no Vale do Ribeira, interior de São Paulo, teve o inicio de sua ocupação dada pela exploração de ouro, transportado pelo Rio Ribeira até o Porto de Iguape. Era um povoado pertencente à Iguape, até meados do século XX. A chegada dos primeiros colonos japoneses, em 1913, marca o início do crescimento do povoado, na época, o maior produtor de arroz do estado. No mesmo ano, era criada em Tóquio a Companhia Ultramarina de Desenvolvimento Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha (KKKK), que tinha como objetivo dar suporte aos japoneses que imigravam para o Brasil em direção ao Vale do Ribeira. Esse órgão foi autorizado a funcionar no Brasil apenas em 1918, sendo que, quatro anos depois, ganhava uma sede de funcionamento em Registro: um bloco de quatro armazéns inserido em uma área de 2.000m², às margens do Ribeira.
Imagem 62: conjunto do KKKK antes de receber o projeto de restauro. São notáveis os quatro armazéns geminados, a torre de alvenaria e a casa de beneficiamento de arroz, à esquerda da imagem. Fonte: acervo Andréa Sá
Tanto o projeto quanto parte da estrutura são importados do Japão. O KKKK fica ativo até 1942 com sua função original, mas, por causa do início da II Guerra Mundial, a empresa é obrigada a fechar as portas, tanto no Japão quanto no Brasil. O beneficiamento de arroz no Engenho aconteceu ainda entre 1954 e 1989. Se encerram as atividades lá definitivamente quando a prefeitura adquire o complexo em 1989, logo que o conjunto é tombado. Os armazéns possuem planta retangular idêntica, de 264m², geminados dois a dois, separados por um corredor de três metros. São construídos em alvenaria estrutural e encimados por um telhado de duas águas com telhas de barro. O pé direito é de 8m, com sistema estrutural em arcadas, três ao norte e ao sul, o que marca essas fachadas. Nessas marcações das arcadas que se encontram as portas. Há ainda uma edificação destinada ao engenho de beneficiamento de arroz, de três pavimentos, que tem em planta 15m por 14m. No térreo, há um corpo menor, que serviria de administração do beneficiamento. Também é construído em alvenaria estrutural, mas tem estrutura também de ferro – este importado da Inglaterra - encimado por um telhado de duas águas. O conjunto todo ainda conta com uma chaminé e uma caldeiraria em frente ao engenho. O complexo do KKKK foi tombado em 1987 pelo CONDEPHAAT e seus imóveis adquiridos pela prefeitura. Às vezes aconteciam pequenos eventos dentro do KKKK, mas apenas mais tarde ele vai receber um projeto de renovação e recuperação. Na década de 1990 começam os trabalhos de recuperação e readequação do Conjunto KKKK. O escritório Brasil Arquitetura foi convidado informalmente pela Secretaria da Cultura para realizar o projeto, e depois de levantamento fotográfico e arquitetônico e realização de estudo preliminar, houve várias tentativas de viabilizar o projeto em diversos órgãos públicos. A Secretaria de Educação do Estado conseguiu verba e o programa para a intervenção foi
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CENTRO DE EDUCAÇÃO E CULTURA KKKK, REGISTRO, SÃO PAULO, BRASIL
adaptado para um centro de capacitação de professores. Os anexos construídos através dos anos desde a inauguração em 1922 do KKKK foram demolidos para dar mais visibilidade ao conjunto original. Ficou instalado no conjunto, então, um centro de formação para professores da rede estadual, como já citado, um centro de convivência dos habitantes de Registro e o Memorial de Imigração Japonesa do Vale do Ribeira, tudo distribuído nos prédios já existentes. O acervo da exposição é doado pela Associação Cultural Nipo-Brasileira, com quem o escritório faz parceria para organizar a expografia.
Imagem 63: Implantação do projeto. 1. Teatro, 2. Memorial da Imigração Japonesa, 3. Restaurante, 4. Marquise, 5. Convívio e exposições, 6. Centro de formação de professores, 7. Subestação / Casa de Máquinas, 8. Atracadouro, 9. Hospedaria do Imigrante, 10. Praça, 11. Escultura Guaracui, 12. Deque, 13. Lanchonetes, 14. IS Público, 15. Mercado Municipal. Fonte: Acervo Andréa Sá
A estrutura do telhado foi restaurada, as portas redesenhadas conforme as originais e recolocadas. As paredes internas foram demolidas para se dar mais espaço à exposição. Os tijolos originais as estruturas de alvenaria foram recuperados bem como a composição do assoalho de madeira. Criaram-se mezaninos e salas de aula, todos os espaços internos pintados em branco e azul, para se distinguir das estruturas originais. Foi feita também uma marquise de concreto ligando os edifícios originais do KKKK, que se estende por uma das fachadas originais e termina no edifício anexo no qual funciona uma cozinha e um refeitório.
Imagem 64: marquise de concreto que serve de conexão para os galpões geminados e o engenho. Fonte: vitruvius.com
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CENTRO DE EDUCAÇÃO E CULTURA KKKK, REGISTRO, SÃO PAULO, BRASIL
O escritório ainda acrescentou um edifício prismático feito em concreto e fechamentos em alvenaria pintada de branco, que serve de Teatro-Auditório para o conjunto.
Imagem 65: implantação dos quatro edifícios ligados pela marquise e o edifício Teatro-Auditório ao fundo. Font: site Vale do Ribeira
Um elevador foi instalado do lado externo para fins de acessibilidade universal e o volume de estrutura de aço foi pintado de vermelho para se destacar do existente.
Imagem 66: acréscimo de volume do elevador na facahda do engenho, destacado em tinta vermelha. Fonte: vitruvius.com
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4.3 Lumière Cinema Maastricht, Mastrique, Limburgo, Países Baixos
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FONTE IMAGEM: WIKIPEDIA
LUMIÈRE CINEMA MAASTRICHT, MASTRIQUE, LIMBURGO, PAÍSES BAIXOS
Maastricht é uma cidade ao sul dos Países Baixos, às margens do rio Mosa. À beira desse mesmo rio, em 1910, ao norte da cidade – na área industrial – funcionava uma estação elétrica a casa de caldeiras da Fábrica Sphinx. Esse espaço será transformado - como parte do projeto Belvédère Binnensingel, que reurbaniza todo o bairro industrial – em um cinema.
Imagem 67: vista externa da construção já com intervenção do escritório de arquitetura. Fica distinta a relação com o rio da construção, além dos edifícios que compõem a estação elétrica. Fonte: Marcel van der Burg
O complexo conta com quatro construções: o salão de máquinas, duas casas de caldeiras e uma oficina de carpintaria, que liga salão de máquinas aos outros edifícios. Os escritórios JHK Architecten e Verlaan & Bouwstra Architecten foram contratados em 2016 para intervir nos 3750m² do complexo.
Imagem 68: casa de máquinas antes da intervenção arquitetônica. Ela recebera a função de restaurante no projeto. Fonte: Marcel van der Burg
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LUMIÈRE CINEMA MAASTRICHT, MASTRIQUE, LIMBURGO, PAÍSES BAIXOS
Imagem 69: casa de máquinas após a intervenção arquitetônica. O restaurante é a parte mais frequentada do complexo. Fonte: Marcel van der Burg
As caldeiras foram transformadas em seis salas de cinema, que somadas tem capacidade para 500 pessoas. As três maiores salas foram construídas semi-enterradas, deixando um pé direito suficiente para contemplação do sistema estrutural dos telhados. A casa de máquinas foi transformada no espaço do café e restaurante do complexo, cujo primeiro andar abriga as mesas, o segundo andar a cozinha e uma área reservada de bar; o térreo desse restaurante continua por todo o complexo, permitindo que ele se una – o sistema semi-enterrado dos cinemas também permite mais facilmente que isso aconteça.
Imagem 70: corte mostrando em vista as salas de cinema e deixando em evidência o térreo do restaurante (à direita) que permeia todo o complexo, o integrando e tornando-o uno. Fonte: Marcel van der Burg
O complexo sofreu alterações e acréscimos ao longos dos anos, fatalmente ficando com várias áreas técnicas abandonadas. Combinar o térreo de todos os edifícios permitiu que todas essas áreas fossem visitáveis pelo público e recebessem intervenção para uma nova função.
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LUMIÈRE CINEMA MAASTRICHT, MASTRIQUE, LIMBURGO, PAÍSES BAIXOS
Imagem 71: planta do pavimento referente aos cinemas semi-enterrados, logo abaixo do novo pavimento térreo criado pela arquitetura. Fonte: JHK Architecten
Imagem 72: planta do novo pavimento térreo criado, conectando todos os edifícios desde o restaurante. Fonte: JHK Architecten
O que estava construído em alvenaria nos edifícios das caldeiras estava em más condições, e foi substituído e reconstruído de forma que pudesse durar mais durante o processo de restauro. No estando, a estrutura metálica original foi toda mantida.
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4.4 Lições aprendidas
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IMAGEM FONTE: ACERVO PESSOAL
LIÇÕES APRENDIDAS
Não poderia deixar de ser citada, em primeiro lugar, a vivência no Vale do Rio Ruhr antes da produção desta pesquisa. Fez muita diferença no olhar para as experiências em regiões pós-industriais. Os moradores do Ruhrpott costumam a dizer que são nascidos do carvão, mesmo nos dias atuais, quando a produção do aço e extração de carvão ficaram para trás na história. Há um sucesso no que diz respeito à construção de uma identidade local a partir das sombras, sobras e escombros da industrialização do Ruhrgebiet. Muito disso nasce do IBA Emscher Park e de usar as instalações industriais como elementos construtores da paisagem – essas indústrias costumam a se destacar no horizonte, principalmente porque essas cidades estão em uma planície e as edificações da cidade não costumam a ser muito altas. Depois das guerras destruírem mais de 99% do que existia na região, essas estruturas foram o que sobrou para contar história do passado daquela gente: e eles de fato se identificam com os lugares e os usam como parque. O que muito se aprende com o Ruhr é que não é preciso grandes intervenções para tornar o passado vivo e presente. Muitas vezes, só a referência e a lembrança na paisagem são suficientes para deixar a discussão do espaço pós-industrial ativa. Esse debate da paisagem pós-industrial é muito atuante no projeto do OMA para o Zeche Zollverein. Usar as instalações como parque é particularmente inteligente, uma vez que, pela dimensão do local, fosse preciso uma readequação massiva, que poderia não caber e ser mal sucedida. Trazer as pessoas através de uma costura urbana e transformar a indústria – que foi responsável pela poluição de todo o território do Emscher - é mais interessante neste caso, quando a escala poderia se perder facilmente. Além disso, as intervenções do OMA na arquitetura – a escada exterior, que de dia claramente não faz parte do edifício, pelo uso de materiais e estilo (além de ter a implantação em um ângulo não-usual para a construção original), a noite a escada se ilumina. Dentro do edifício, no memorial das minas de carvão, as intervenções também saltam aos olhos – diferente da de Foster. E da intervenção feita pelo escritório Foster + Partners, é interessante ver como se lida com o espaço interno na exposição – através de passarelas, das quais é possível enxergar o espaço industrial e a expografia, e não há necessidade de sair daquele percurso para a contemplação. Foster utiliza para as passarelas aço e vidro, que se mesclam com o interior pré-existente. Provavelmente esta foi exatamente a intenção. É possível enxergar as experiências industriais no Vale do Rio Ruhr como muito próximas à São Paulo, se não formos considerar o fato da “monopotencialidade” alemã em relação ao carvão, e a “multipossibilidade” paulistana em todas as suas regiões pós-industriais – algumas ainda com atividades, mesmo que reduzidas. Nos outros projetos estudados, não estamos tratando de territórios com muita vocação à indústria. Tanto é que não são grandes edifícios e complexos de produção, como é a mina de carvão de Essen e a fábrica de cimento em Perus. Mesmo assim, é muito importante ver como as atuações – por menor que seja sua escala – não se impõe sobre o edifício construído. O que há de mais interessante na experiência de intervenção de Maastricht em primeiro lugar é o programa de entretenimento como chamariz de público para o edifício: no caso, o cinema e o restaurante – que diversas vezes é citado como motivo de frequência de público; e em segundo lugar, a criação do segundo térreo, combinando todos os edifícios existentes e transformando-o em um único. Eles se tornam visitáveis e um só, algo que não fazia parte de sua arquitetura original. Entretanto, com essa intervenção, a construção pré-existente fica mais potente e aparente: conectar os edifícios foi essencial para a mudança de função. O mesmo ocorre na intervenção brasileira, na marquise usada para interligar todos os edifícios. O que há de muito rico para aprender da intervenção brasileira é a forma de se destacar o que foi construído originalmente do que é acréscimo de projeto da arquitetura atual: com diferença de cores e materiais. Além disso, o programa de necessidades atendido é interessante, combinando exposição, auditório e funções como refeitório e salas de aula. O projeto do museu tem o objetivo de concentrar o acervo espalhado sobre a imigração japonesa em um único lugar e esse aspecto é muito interessante – parece a função primordial de um museu, mas que muitas vezes é perdida.
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LIÇÕES APRENDIDAS
Entender e averiguar esses projetos foi essencial para a formulação de uma proposta de projeto em Perus. Primeiro para propor um recorte de atuação, depois para entender como deve ser a ação do projeto de restauro e readequação de um edifício industrial. Os projetos estudados atuam de formas diferentes nas construções industriais, com sutilezas e marcações – até intenções – distintas. Entretanto um marco forte comum a todas é a conexão. Os edifícios industriais nos três casos, bem como em Perus, não tinham conexão entre si. A atuação da arquitetura começa sempre conectando os edifícios e os conectando ao seu contexto. No Zeche Zollverein isso acontece urbanisticamente, com caminhos até o local; no KKKK desenha-se um parque a beira do rio e naquela parte da cidade. A costura do Cinema Lumière é mais sutil, feita pelo prório programa do edifício. Ficou claro, no momento de elaborar um partido arquitetônico para Perus, que seria um caminho acertado tomar: começar pelas conexões e, depois, pensar se seria interessante destacar a intervenção do edifício ou mesclá-la a ele. A escolha de função era igualmente importante. Não deveria ser apenas cultural, mas também precisaria de algum uso que não tivesse diretamente ligado à história da Companhia; como, por exemplo, um restaurante ou um café. O exercício do fazer e pensar a arquitetura se dá muito olhando para exemplos semelhantes. O partido da intervenção projetual nasceu também destes três projetos estudados.
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LIÇÕES APRENDIDAS
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Intervenção projetual
INVERVENÇÃO PROJETUAL
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A primeira dificuldade encontrada no desenvolvimento do projeto de intervenção foi a definição de programa. Perus, como descrito nos itens anteriores, é um território que tem uma série necessidades básicas não atendidas: portanto, quase qualquer intervenção seria bem vinda. Entretanto, o lugar Fábrica de Cimento pede um projeto específico que remeta à sua trajetória – quase como uma metalinguística. E a companhia de cimento tem um território vasto, o que permite que ali se possa instalar mais de um programa. Este estudo de intervenção projetual não pretende fechar a discussão acerca do que se fazer com a fábrica: ele é uma inauguração de discussão espacial, que dá abertura para mais intervenções ao longo da Estrada de Ferro Perus-Pirapora, nas Vilas Operárias, nas pedreiras e fornos de calcário e na fábrica em Perus. Foi escolhido, então, um programa de Memorial, que remetesse principalmente à história da greve dos sete anos. A proposta é de um local que reúna todo o acervo da CBCPP, que acabou se perdendo com o tempo, ou concentrado nas mãos de alguns cidadãos peruenses, que o público não tem acesso. Escolhido o local de intervenção – a Fábrica de cimento - e o recorte – o edifício que originalmente se destinava à oficina mecânica e à ensacadora de cimento -, o segundo grande desafio era ligar o território da Fábrica a Perus de fato. O tempo, a topografia, a rodovia, a linha férrea hoje da CPTM e o córrego isolaram completamente o lugar, quase o transformando numa ilha. Por isso, foram propostos três caminhos distintos para chegar à Perus: de automóvel, por uma via existente a ser pavimentada; a pé, passando também por uma via existente, mas em uma cota mais alta – que antes se destinava aos postos médicos e às casas dos administradores -, de onde é possível contemplar o vale onde todo o bairro está inserido; e naturalmente pela Perus-Pirapora, cujo percurso está hoje parcialmente em funcionamento, mas não dentro do perímetro tombado pelo CONPRESP. Foi julgada a escolha de material como substancial neste trabalho, já que se fala de uma fábrica de cimento, contra cuja administração esses trabalhadores, que são lembrados pelo projeto, lutaram. Portanto, o último material a ser considerado para a intervenção seria o concreto armado. O escolhido foi a madeira laminada colada, que além de ser de construção leve e rápida, se destaca da construção existente, deixando claro o que é existente ou é nova proposta. O percurso a pé tem duas intervenções: um mirante na cota mais alta do caminho, que permite que os pedestres contemplem de uma plataforma o vale, além de um pequeno café. Mais a frente, perto dos tanques de óleo, os pedestres descem entre os silos de cimento, que já estão cota da fábrica, por uma escada. O percurso de carros se dá pela via que hoje é a mais usada para se chegar à fábrica, já que há nela espaço suficiente para fazer uma via de mão dupla. Ao final dela, ao lado da escada, dá-se espaço a um bolsão de estacionamento. O terreno irregular, mesmo no nível da fábrica, desce à medida que se afasta da escada de acesso e do estacionamento. Por isso, com o objetivo de tornar a chegada à intervenção mais fácil, é criada uma passarela, que sai de uma cota e se mantém, passando pelo edifício anexo e adentrando a construção na qual o memorial se encontra. Por sobre a passarela coloca-se uma marquise, esta que não é de madeira laminada colada, para que a fachada de concreto do edifício da fábrica não se esconda. O aço, material escolhido, não chama atenção para si ao contrário da madeira. À beira dos trilhos da EFPP se encontra o edifício anexo, e terceiro modo de se chegar à fábrica. É um edifício plataforma, que além de servir de bilheteria e parada para os trens; é também um pequeno restaurante para recepção dos visitantes. Ele é composto de pilares únicos centrais, com uma viga calha e cobertura em duas águas. Os fechamentos são em madeira e vidro: no restaurante, os vidros cobrem quase tudo, enquanto que na cozinha e nos banheiros, as janelas são bem mais altas. Para proteção contra a insolação são colocados quebra-sóis verticais, já que a construção tem sua fachada norte quase toda em vidro. A passarela para os pedestres continua até chegar dentro do edifício da oficina mecânica, dos disjuntores e da ensacadora, que recebe o programa de fato do memorial. Dentro da construção a passarela se transforma em uma marcação de piso de madei-
ra, que funciona como guia da exposição e como linha do tempo. Ela também será alegoria do percurso dos trabalhadores durante as administrações da fábrica. O primeiro ambiente, onde hoje existem dois pequenos fornos da oficina e algumas máquinas, além de uma locomotiva que se encontra lá estacionada, recebe a expografia destinada a EFPP e parte da primeira administração – canadense - da fábrica. O segundo ambiente, seguindo pelo percurso, é destinado a segunda administração da fábrica. O percurso se divide em dois no momento da cisão entre os trabalhadores da fábrica durante a greve. Há um percurso que se transforma em passarela a 60cm do chão e tem parte da sua expografia elevada, que representa a trajetória dos queixadas. Com a marcação no piso de madeira ainda, e se distanciando mais do percurso elevado, há a caminhada dos pelegos. É possível seguir também a expografia por fora dos percursos, por linhas marcadas no chão – que guiam ainda baseadas na organização de linha de tempo. Os dois percursos cominam abaixo do espaço que era destinado às caixas d’água, que nessa intervenção de projeto se transforma em um pequeno espaço de permanência e estudos. De novo no nível do piso, o percurso entra no edifício dos disjuntores da fábrica, que serve para o foyer o auditório de 132 lugares do edifício da ensacadora. O guarda corpo nessa parte do percurso evita que o público acesse a parte do maquinário dos disjuntores, para que se possa preservá-los. Há saída do edifício tanto pelo foyer do auditório quanto pelas portas já existentes no edifício da oficina mecânica.
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FONTE MAPA: JERONIMO, 2016
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Considerações
Discutir patrimônio industrial em uma São Paulo que está em transformação, passando de uma fase ostensivamente industrial para uma Era pós-industrial, é essencial. A atividade industrial deixa vários gêneros de cicatriz em uma cidade: não é possível que um território seja palco do segundo setor econômico durante o século XX sem que seus rios, sua paisagem, sua malha urbana, sua estética, sua dinâmica e sua gente não sofram as consequências. A poluição atmosférica, sonora, visual, fluvial; o labor operário, as relações verticais entre patrão e empregado; os aclives que se transformam em declives com exploração de mineiros; as torres de fornos que guiam verticalmente o olhar; as vilas operárias que modificam o jeito de morar. São Paulo, em diversos setores da cidade, foi formada por essas minúcias industriais e moldada com o jeito de viver a toque industrial. Perus, apesar de ser um setor longínquo da cidade, não está isento destas dinâmicas. Inclusive, é um ótimo exemplo delas. Durante o desenvolvimento desta pesquisa, ficou nítido o processo pelo qual Perus passou e ainda passa: o de uma população que já era órfã de uma série de direitos e infraestruturas e que, após o termino das atividades industriais que moldaram o bairro como é, se vê privado de sua própria memória. A abertura da fábrica de cimento Portland aos peruenses, independentemente de uma intervenção arquitetônica acontecer, é um ato de reconhecimento de sua história de trabalho e de luta. No caso estudado – e especulativamente em outros –, o que se vê é uma estagnação do poder público e do poder privado em relação ao patrimônio da companhia. Os imóveis foram tombados para se tornar parte da comunidade de forma ativa e cultural. Entretanto, continuam inacessíveis, mesmo mais de trinta anos após a desativação de todas as atividades. Através dos levantamentos, a importância da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus é evidente. Principalmente quando tratamos da formação regional espacial – e da metropolitana, se formos pensar que, se não houvesse aquela Companhia, naquele espaço de tempo, São Paulo teria demorado mais para ser construída (dado o fato que o sistema construtivo predominante é o concreto armado). Não falar sobre a Perus é esconder um trecho significativo da história da cidade de São Paulo, que tem a ver com a sua formação, apesar de estar nas entrelinhas e não no foco. Sem mencionar a luta operária. A Greve dos Sete Anos é apontada como embrião da Greve dos Metalúrgicos – maior greve já ocorrida no país, que acabou por despontar um personagem decisivo na política brasileira. Muito pouco se fala do movimento operário brasileiro, apesar de sua importância e peso. Para além de questões partidárias ou políticas, tal movimentação faz parte da formação do caráter de um local: seja ele Perus ou ABC Paulista. Muito do abandono do patrimônio da CBCPP nasce da vontade de apagar a história da luta operária peruense. Os donos – agora não mais concentrados na figura de JJ Abdalla, mas no sobrinho e filho - do atual terreno e do patrimônio que deveria ser da cidade tentam transformar o local ou em Shopping Center, habitação, entre outras propostas. Todas sem sucesso. Com o advento do NESP, o valor das terras da Fábrica de Cimento sobe muito e coloca todo o patrimônio material da Companhia em risco - maior ainda. E quando se fala de patrimônio da CBCPP, se fala também dos operários que trabalharam e fizeram história naquele local. Independentemente de quantos projetos o local precise – ou não precise – seria interessante que todos falassem sobre o lugar. Como na intervenção proposta: metalinguísticos. A realidade é que hoje o lugar - a fábrica, a ferrovia e o pouco que sobrou das pedreiras e das vilas operárias - é um cemitério. De intenções, do patrimônio e do cimento. Do próprio movimento operário e sua história. De uma periferia cheia de histórias e que, hoje, para São Paulo e sua grande população, é apenas mais um bairro periférico e carente de uma série de serviços básicos. É preciso discutir e divulgar a história de Perus como uma narrativa válida e importante, para que aos poucos, talvez, o sonho da reapropriação da fábrica e transformação em bem cultural se torne realidade. E que, outros lugares notáveis – mas que não são notados
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em nossa metrópole – possam ter também uma narrativa de sucesso. Uma narrativa de sucesso, com começo, meio e fim, como a do Vale do Rio Ruhr, cujos cidadãos têm orgulho em dizer ser nascidos do carvão. Talvez, um dia, esse bairro de Perus que nasceu das ferrovias e da Fábrica, possa renascer do cimento e da fumaça. E talvez um dia possa ser bonito ser paulistano e ser cinza.
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BibliograďŹ a e lista de imagens e tabelas
BIBLIOGRAFIA A fundamentação jurídica para a desapropriação da Perus. O Estado de São Paulo, São Paulo, p.32, 7 de agosto de 1962. BEZERRA, Pedro Augusto Bertolini. O “bairro” de Perus e suas permanências no processo de metropolização da cidade de São Paulo. USP, 2009. CASTELLO, Lineu. Da sustentabilidade da subjetividade: o projeto IBA Emscher Park. Arquitextos, Vitruvius, 2003. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.042/636> Acesso em: 21 mar 2018. DPH/CONPRESP. Processo nº 1989-0.002.597-0 (tombamento da Antiga Fábrica de Cimento Perus), aberto pela Resolução 27/92 CONPRESP, de 11/09/1992. Prefeitura Municipal de São Paulo. DPH/CONPRESP. Processo nº 1992-0.009.268-3 (tombamento da casa conhecida como “Fazendinha”, em Perus), antigo processo n.º 160087099252, aberto pela Resolução CONPRESP 36/92, de 9/12/1992. Prefeitura Municipal de São Paulo. DPH/CONPRESP. Processo nº 2004-0.094.059-7 (revisão de tombamento da Antiga Fábrica de Cimento Portland Perus), antigo processo nº 1989-0.002.597-0, aberto pela Resolução 19/04, de 30/11/2004. Prefeitura Municipal de São Paulo. DPH/CONPRESP. Resolução 27/92 CONPRESP (resolução de tombamento da Antiga Fábrica de Cimento Perus), de 11/09/1992. Prefeitura Municipal de São Paulo. Estações Ferroviárias. Disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/> Acesso em: 23/03/2018 FAJARDO, Maxwell Pinheiro. Pentecostais, Migração e Redes Religiosas na Periferia de São Paulo: Um Estudo Do Bairro De Perus. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2011. Geschichte der Zeche Zollverein. Disponível em: <https://www.zollverein.de/ueber-zollverein/geschichte/> Acesso em: 14/03/2018 JERONYMO, Vanice. Conflitos, impasses e limites na preservação do patrimônio industrial paulista: o caso da “Perus” (CBCPP)’. Tese de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo. USP São Carlos, 2016. JESUS, Mario Carvalho de. Cimento Perus: 40 anos de ação sindical transformam velha fábrica em Centro de Cultura Municipal. São Paulo: JMJ, 1992. KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: problemas teóricos do Restauro. Cotia, São Paulo. Ateliê Editoral, 2008. Lumière Cinema Maastricht / JHK Architecten + Verlaan & Bouwstra architecten. Disponível em: <https://www.archdaily.com/881397/lumiere-cinema-maastricht-jhk-architecten-plus-verlaan-and-bouwstra-architecten> Acesso em: 14/03/2018
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BIBLIOGRAFIA MORAES, Ewerton Henrique de. Os bens ferroviários nos tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984). Dissertação de Mestrado em Arquitetura. UNESP Bauru, 2016. MORAES, Ewerton Henrique de; OLIVEIRA, Eduardo Romeiro de. E.F. Perus Pirapora: Personagens, Posicionamentos E Conflitos No Processo De Tombamento Estadual (São Paulo/SP). Revista Memória em Rede, Pelotas, v.3, n.8, 2013. MOREIRA, Jéssica e GOULD, Larissa. Queixadas – por trás dos 7 anos de greve. São Paulo: Fapcom, 2013. Movimento pela Fábrica de Cimento Perus. Disponível em: <https://movimentofabricaperus. wordpress.com/> . Acesso em: 27/02/2018 RAGAZZI, Ana Paula. O bilionário mais discreto do Brasil colocou as asas de fora. Revista Exame, 14 de maio de 2016. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/revista-exame/o-bilionario-mais-discreto-do-brasil-colocou-as-asas-de-fora/> Acesso em: 24 nov 2017 SIQUEIRA, Élcio. Melhores que o patrão: a luta pela cogestão operária na Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus. Tese de Doutorado em História UNICAMP, Campinas, 2009. SIQUEIRA, Élcio. Cia. Brasileira de Cimento Portland Perus: Contribuição para uma história da Indústria pioneira do ramo no Brasil (1926-1987). Dissertação de Mestrado em Economia, UNESP Araraquara, 2001.
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LISTA DE IMAGENS Imagem 1: as principais estradas no Estado de São Paulo na época da independência, todas convergindo para a vila de São Paulo. A estada que passa por Perus é a que vai de Santos a Franca. Fonte: SIQUEIRA, 2001. Imagem 2: Mapa das estradas de Ferro em São Paulo na década de 1940. Em destaque, a estrada e ferro Santos-Jundiaí, da São Paulo Railway. Fonte: estacoesferroviarias.blogspot Imagem 3: Estação “dos Perus”, em data desconhecida, da Estada de Ferro Santos-Jundiaí, da São Paulo Railway. Aquela dará importância maior ao bairro, apesar da estação servir mais para abastecimento de água para as locomotivas. Fonte: Comércio de Perus. Imagem 4: Fábrica de Monjolinho, em 1925, da Companhia Melhoramentos, na época parte do município de Santana do Parnaíba. As caieiras, ao fundo da imagem, da fábrica darão origem ao nome do município onde a companhia hoje se encontra. Fonte: estacoesferroviarias.blogspot Imagem 5: composição da Estrada de Ferro Perus-Pirapora em funcionamento em Cajamar entre 1920 e 1930. Ao fundo, um dos fornos de cal. Fonte: São Paulo Antiga Imagem 6: destaque para o forno do fundo da imagem anterior em Gato Preto, em uma foto tirada no mesmo dia. Fonte: bdtrans Imagem 7: pedreira em Gato Preto no ano de 1928. Fonte: acervo Família Burke Imagem 8: esquema sem escala do percurso da Estrada de Ferro Perus-Pirapora, indo desde Cajamar, na extração de calcário da Família Benelucci, até Perus, onde se liga à São Paulo Railway. Fonte: CONPRESP, 1989. Imagem 9: Fornos em funcionamento na usina de beneficiamento de cal em Gato Preto logo após sua inauguração. Fonte: efperus-pirapora.blogspot Imagem 10: Vagão Tanque da Anglo Mexican no pátio de bitola mista de intercâmbio da São Paulo Railway com a E.F. Perus Pirapora, durante a visita dos canadenses ao Brasil em 1923. Fonte: Acervo Nelson Camargo. Imagem 11: visita dos canadenses às propriedades da empresa mista de extração e beneficiamento de calcário, junto aos donos desta. Imagem 12: ramal de linha de alta tensão construído entre Perus e Caieiras para abastecer a Companhia de Cimento Portland. Fonte: SIQUEIRA, 2001. Imagem 13: Fábrica de Cimento Portland em 1928. Mesmo na época era observável a quantidade considerável de fumaça de cimento que a fábrica gerava. Fonte: acervo família Burke. Imagem 14: mapa desenvolvido em cima do Sara Brasil de 1932, sem escala. Destaca-se em amarelo a estrada de Ferro Perus-Pirapora e em vermelho a área da a Fábrica de Cimento Portland, com a Vila Triângulo. Fonte: Acervo Pessoal. Imagem 15: Túnel 9 de julho em obras na década de 1930 e 1940, resultado da expansão de São Paulo. O marketing da CBCPP utilizou muito como propaganda o fato da construção da via ter utilizado apenas o cimento da companhia. Fonte: São Paulo in foco. Imagem 16: Parte do bairro de Perus à beira da São Paulo Railway em 1935. Fonte: Comércio Perus. Imagem 17: planta canadense de expansão da fábrica sem escala. É possível ver os três fornos já existentes desde a construção original e o quarto forno vindouro. Fonte: Acervo Elcio Siqueira. Imagem 18: Forno 4 em funcionamento nos fundos da Fábrica. Data da foto desconhecida. Fonte: Nelson Camargo. Imagem 19: a superfície do silo, principalmente à direita da imagem, é nítida na foto atual (2017) o depósito de cimento que ocorreu sobre o concreto com o passar dos anos. Fonte: acervo Fernanda Boutros Imagem 20: Mapa desenvolvido por sobre o levantamento fotográfico de São Paulo de 1954. Em destaque, a Fábrica de cimento. É visível na foto a fumaça que a fábrica produzia, tornado difícil a visualização da Fábrica. O bairro de Perus a volta é maior do que na foto de 1935 e do que no levantamento do Sara Brasil, muito por causa das atividades da CBCPP.
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LISTA DE IMAGENS Imagem 21: operários trabalhando nos moinhos no início da gestão Abdalla. Fonte: acervo Nelson Camargo Imagem 22: recorte de reportagem de 29 julho de 1967 do Estado de São Paulo que usa o apelido de mau patrão deliberadamente para José João Abdalla. Fonte: O Estado de São Paulo. Imagem 23: página do jornal “O Estado de São Paulo” do dia 7 de agosto em que se explica os motivos pelos quais a greve de Perus acontecia. A carta do sindicato aparece em destaque no centro da página. Fonte: Jornal O Estado de São Paulo. Imagem 24: passeata dos queixadas no centro de São Paulo. Fonte: acervo do Sindicato do Cal, Gesso e Cimento. Imagem 25: passeata dos queixadas no centro de São Paulo. Fonte: acervo do Sindicato do Cal, Gesso e Cimento. Imagem 26: perímetro de tombamento definido pelo CONPRESP, que incluía parte da EFPP, a fábrica de cimento e as vilas operárias triângulo, portland e fábrica. Mapa desenvolvido a partir de foto aérea do Google. Fonte: acervo pessoal Imagem 27: parada do quilômetro 12 da EFPP, que na verdade era um posto telefônico, visível à direita da imagem. Fonte: acervo Nilson Rodrigues. Imagem 28: Posto telefônico da parada de Campos em 1976, no cruzamento da estrada Anhanguera-Cajamar. Fonte: acervo Nilson Rodrigues. Imagem 29: moradia que fazia parte do conjunto de casas que se formou a volta da parada de campos. Foto tirada em data desconhecida. Fonte: estacoesferroviarias.com.br Imagem 30: Ao fundo, a estação final na pedreira de Gato Preto. Vê-se em primeiro plano o pátio ferroviário e parte do depósito de cal. Foto sem data. Fonte: acervo Nilson Rodrigues. Imagem 31: Casarão do M em Perus. Foto tirada em 1989, quando a construção ainda se encontrava em estado razoável de conservação. Fonte: acervo Nilson Rorigues. Imagem 32: Trem “M” da Estrada de Ferro Perus-Pirapora: composição mista, que levava calcário e passageiros. Data desconhecida. Fonte: efperuspirapora.blogspot Imagem 33: Palacete dos Dias – ou casarão da fazendinha em 2014. Fonte: acervo Vanice Jeronymo. Imagem 34: depósito de clínquer em funcionamento. Na foto, é possível distinguir sua estrutura, formada por treliças de concreto na cobertura. Fonte: acervo Nilson Rodrigues. Imagem 35: parte do conjunto da fábrica. São vistos com clareza os silos de cimento pronto, no centro da imagem, e os silos de cal a direita, junto às torres dos fornos e aos moinhos. Fica também evidente nessa imagem que grande parte das construções era realmente de concreto. Imagem 36: foto sem data da fábrica de cimento em Perus. Ela é ilustrativa do efeito incisivo que o conjunto tinha na paisagem, quase cravado na montanha em que está inserido. Imagem 37: vila triângulo fotografada durante o levantamento de CONPRESP. Em primeiro plano, a capela São José e ao fundo as casas da vila operária. Fonte: CONPRESP,1989. Imagem 38: exemplar de casa na Vila Triângulo em levantamento do CONPRESP. Eram casas simples de concreto com telhado de quatro águas. É de se notar também o poste de energia elétrica a frente da casa, fazendo jus à afirmação de que as vilas operárias da CBCPP seriam as primeiras da região no início do século XX a ter abastecimento de água e energia elétrica. Fonte: CONPRESP, 1989. Imagem 39: exemplar da casa do administrador geral, que contrasta bastante com o exemplar das vilas operárias em tamanho e estilo. Fonte: CONPRESP,1989. Imagem 40: exemplar de moradia da Vila Portland em foto de levantamento feita pelo CONPESP em 1989. Fonte: CONPESP, 1989. Imagem 41: ambulatório em Água Fria em foto tirada em 2016. Hoje é usado como moradia e se encontra em bom estado de conservação. Fonte: acervo Vanice Jeronymo. Imagem 42: Escola de Pedra em Água Fria em ótimo estado de conservação na foto tirada em 2009. Hoje é utilizada como moradia. Fonte: acervo Vanice Jeronymo.
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LISTA DE IMAGENS Imagem 42: Escola de Pedra em Água Fria em ótimo estado de conservação na foto tirada em 2009. Hoje é utilizada como moradia. Fonte: acervo Vanice Jeronymo. Imagem 43: mapa desenvolvido sobre o bairro de Perus, mostrando os meios de transporte, com destaque para trem, ônibus e carro. Levantamento de 2017. Fonte: acervo pessoal Imagem 44: mapa mostrando as superfícies ocupadas – e futuramente ocupadas – em Perus. É notável a superfície que a futura área do NESP (novo entreposto de São Paulo) ocupará. O mapa mostra apenas predominância das áreas marcadas, o que significa que o bairro serve predominantemente de dormitório, e tem movimento pendular. Levantamento de 2017. Fonte: acervo pessoal. Imagem 45: usos do solo notáveis em Perus. O número de instituições de ensino básico e médio públicas é notável. Levantamento de 2017. Fonte: acervo pessoal Imagem 46: mapa de zoneamento da região de perus, destacando-se em preto o terreno no qual está inserida a Fábrica de Cimento Portland. Fonte: GeoSampa. Imagem 47: vista panorâmica da fachada do edifício da Oficina Mecânica e ensacadora. É possível notar, logo ao centro, o telhado de duas águas que desabou. Fonte: Acervo Fernanda Boutros Imagem 48: edifício destinado aos laboratórios, à engenharia e administração. Também perdeu seu telhado com o tempo. Fonte: Acervo Fernanda Boutros Imagem 49: vista lateral do edifício dos moinhos, sobre o qual os ex-operários disseram ter as fachadas derrubadas após o início do processo de tombamento. Fonte: Acervo Fernanda Boutros. Imagem 50: vista do forno 4, único que ficou ainda na fábrica. Dos fornos 1, 2 e 3 só sobrou o seu espaço de encaixe na estrutura de concreto, como pode ser observado na imagem ao lado. Fonte: Acervo Fernanda Boutros Imagem 51: armadura do concreto armado aparente na cobertura do edifício dos fornos. Fonte: Acervo Fernanda Boutros Imagem 52: mapa dos projetos destacando-se as intervenções mais relevantes ao longo do vale do Rio Ruhr. Fonte: acervo Ruhrgebiet Touristik GmbH. Imagem 53: gasômetro de Oberhausen, em Oberhausen, uma das intervenções mais famosas do IBA Emscher Park. Ainda hoje recebe exposições e concertos. Fonte: acervo RVR-Fotoarchiv. Imagem 54: coquefação da mina. É possível ver as torres dos fornos e as estruturas em aço em bom estado de conservação. Fonte: ruhrstadtregion.de Imagem 55: parte do eixo XII da indústria, que recebeu intervenção do escritório de arquitetura Foster + Partners. A maior parte do conjunto foi construída com o estilo da Bauhaus. Fonte: Wikipedia. Imagem 56: vista de uma das fachadas do Red Dot Museum, que recebeu intervenções internas do escritório Foster + Partens. Fonte: fosterandpartners.com Imagem 57: percurso expográfio dentro do Red Dot Museum. Fonte: fosterandpartners.com Imagem 58: setorização do conjunto feita pelo OMA. Em laranja as atrações turísticas e eventos temporários. Em vermelho, prédios ocupados por empresas. Em verde, vegetação. Em amarelo, linhas de trem. Fonte: OMA Imagem 59: foto de evento de patinação no reservatório de água da indústria de coquefação. Imagem 60: projeto da escola do escritório SANAA. Ao fundo, a indústria de coquefação, em contraste com a forma proposta. Fonte: zollverein.de Imagem 61: evento na faculdade. Pode-se observar a forma limpa que foi proposta pelo escritório do SANAA, sem que no entanto de para perceber sua inserção na mina. Fonte: acervo Julia Murakami Imagem 62: conjunto do KKKK antes de receber o projeto de restauro. São notáveis os quatro armazéns geminados, a torre de alvenaria e a casa de beneficiamento de arroz, à esquerda da imagem.
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LISTA DE IMAGENS Imagem 63: Implantação do projeto. 1. Teatro, 2. Memorial da Imigração Japonesa, 3. Restaurante, 4. Marquise, 5. Convívio e exposições, 6. Centro de formação de professores, 7. Subestação / Casa de Máquinas, 8. Atracadouro, 9. Hospedaria do Imigrante, 10. Praça, 11. Escultura Guaracui, 12. Deque, 13. Lanchonetes, 14. IS Público, 15. Mercado Municipal. Imagem 64: marquise de concreto que serve de conexão para os galpões geminados e o engenho. Fonte: vitruvius.com Imagem 65: implantação dos quatro edifícios ligados pela marquise e o edifício Teatro-Auditório ao fundo. Font: site Vale do Ribeira Imagem 66: acréscimo de volume do elevador na facahda do engenho, destacado em tinta vermelha. Fonte: vitruvius.com Imagem 67: vista externa da construção já com intervenção do escritório de arquitetura. Fica distinta a relação com o rio da construção, além dos edifícios que compõem a estação elétrica. Fonte: Marcel van der Burg Imagem 68: casa de máquinas antes da intervenção arquitetônica. Ela recebera a função de restaurante no projeto. Fonte: Marcel van der Burg Imagem 69: casa de máquinas após a intervenção arquitetônica. O restaurante é a parte mais frequentada do complexo. Fonte: Marcel van der Burg Imagem 70: corte mostrando em vista as salas de cinema e deixando em evidência o térreo do restaurante (à direita) que permeia todo o complexo, o integrando e tornando-o uno. Fonte: Marcel van der Burg Imagem 71: planta do pavimento referente aos cinemas semi-enterrados, logo abaixo do novo pavimento térreo criado pela arquitetura. Fonte: JHK Architecten Imagem 72: planta do novo pavimento térreo criado, conectando todos os edifícios desde o restaurante. Fonte: JHK Architecten
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LISTA DE TABELAS Tabela 1: Produção da CBCPP entre 1926 e 1932 em relação ao mercado nacional. Fonte: ABCP apud SIQUEIRA, 2001. 20 Tabela 2: Parcela importada do que era consumido nacionalmente de cimento entre os anos de 1944 e 1961 (SIQUEIRA, 2011) 22 Tabela 3: Parcela importada do que era consumido nacionalmente de cimento entre os anos de 1954 e 1961 (SIQUEIRA, 2011) 26 Tabela 4: parcela do atendimento da Perus em relação ao total do que era usado no Estado de São Paulo. 27
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