SENGES
“Não chorem… que não morreu! Era um anjinho do céu Que um outro anjinho chamou! Era uma luz peregrina, Era uma estrela divina Que ao firmamento voou!” Álvares de Azevedo
Queria te acalmar.
Mas me ouve agora, quando entrei no quarto, parei no vão da porta e esperei. Esperei meu peito acalmar e o mundo parar de girar, e quando entrei, fiz apenas duas coisas: observei cada detalhe coma maior atenção possível , como uma garantia de nunca esquecer e me permiti sentir o que fosse pra vir, e senti. Senti tudo o que nunca tinha me permitido antes.
Confesso não me lembrar de uma despedida formal e também não me recordo de sair do quarto. Mas os detalhes do que aconteceu lá nunca se foram. Tenho ainda comigo o momento em que entrei no elevador para ir embora. que foi onde aconteceu a primeira combustão e mesmo que eu não queira, ela veio e me tomou por inteiro. Em seguida, no andar abaixo, uma senhora desconhecida que entrou, me observou por poucos segundos e falou: “Te acalma, menina. é dificil mas passa...” e sorriu. Sem nem saber o exato motivo daquilo tudo, ela me disse o que podia. Como uma real caridade de sentimento.
Desde aquele dia, a última vez que o vi, mudou muita coisa em mim. São imagens que não consigo relembrar sem aparecer um nó na garganta, mas queria te contar. Na época, tudo era pra te deixar mais paciente, mesmo que todos nós soubéssemos o fim. Até você. Mas o medo é assim mesmo, vem e não deixa a gente pensar direito. Tá tudo bem, não se sinta mal.
O maior medo das pessoas ĂŠ a solidĂŁo.
Mas olha: ter que passar por momentos de apuros, se ver em um lugar que sempre teve repulsa e em seguida descobrir que tudo aconteceu fora dos planos, é algo que nos vem para engrandecer. Acredite. Não fique assim... Agora você está maior!
Digo um monte, mas a verade ĂŠ que eu nunca soube me expressar bem. Dizer tudo isso no olho a olho.
Arroz Doce: Ingredientes: 1 copo e mais um pouquinho de leite 1 punhado de arroz branco - já lavado, viu cabrita? 3 medidas dessa xícara branca da vó de açúcar, Mas de qualquer maneira, vai colocando até notar que está bom. E uma lata de leite condensado Modo de Preparo: Na panela grande, coloca o leite e deixa ferver. - Cuidado pra não derramar! Depois, coloca o arroz pra cozinhar no leite, junto com um tantinho de canela. Deixa quieto e vai mexendo de vez em quando, nos intervalos comerciais da novela é uma ótima medida. Quando perceber que tá quase cozido, coloca o açúcar e deixa mais um tantinho de tempo. Ai sim pode colocar o leite condensado. Depois de uns dois intervalos da novela, já é tempo de tirar do fogo. - Pode colocar nessa travessa de vidro que tá em cima da mesa. Agora, coloca na geladeira e espera sua mãe chegar com o seu pai. Ele adora isso! Não esquece da canela em cima!
Na rotina dos sonhos pequenos, nossa ida a escola era o ponto alto dos dias. Lá, eu não conseguia aguentar e te ligava todo recreio pelo orelhão do pátio, só pra acalmar e ouvir sua voz: “Oi, vô! Tudo bem? Aham. Aham. Sim, sim. Já comi. Te amo. Tchau!” Foi assim que aprendi a decorar números, mesmo que você tenha me dado um caderninho azul, pequeninho e quadradinho, com o telefone já anotados. E poucas horas depois, estava você lá. Que delicia que era. Mas antes de chegar em casa, uma parada rápida no bar do Zé. “Um maço de cigarros, por favor. Escolhe um docinho pra você, filha.”
‘Veja bem, nunca mais nos assuste assim tá certo? O senhor foi assim, embora de repente, sem avisar, sem o último beijo estalado. Nessa hora, tudo começou como uma brisa gélida, que pouco tempo depois se transformou em ventania. Daquelas que bagunça todo o cabelo, proibindo os olhos de descobrirem o que tem a sua espera lá na frente. Sei que me entende, que me escuta e também sei, que toma conta de mim. Como sempre fez e como sempre continuará fazendo. Aqui, ali e acolá. Então, sinta-se beijado na bochecha tá? Te amo. ‘ 2013
Te prometi fazer um livro com as historias, receitas e carinhos, mas colocaram o Ăşltimo ponto final nela sem me esperar. EntĂŁo venho aqui sĂł pra te contar alguns segredos e fazer disso, uma maneira de nĂŁo deixar nenhum detalhe desbotar com o tempo.
“SENGES” é um nome temporário de um projeto que teve o inicio a muitos aos atrás. Sempre houve uma atenção envolta do assunto, com planos e idealizações. Mas o tempo não soube esperar e escolheu sozinho o momento de dar inicio a isso. Depois de dois projetos que já abordam o tema – TUCA e PITUCA – “SENGES”, vem pra mostrar o outro lado da moeda. Relações, família, morte, saudade são coisas que se misturam a cada página do fotolivro. Dentre suas páginas, encontram-se imagens que estavam guardadas dentro do guarda roupa da avó – Darcy Oliveira - desde sua morte recente. O encontro delas com o autor foi uma guerra emocional e racional. Apenas semanas após o ocorrido, depois de dois anos da ida do avô – Nilton Moreno, a neta viu-se obrigada a enfrentar a casa vazia, para a retirada dos bens e separação das lembranças. Sabia-se exatamente aonde estava o baú de imagens, mas tudo que aconteceu antes da formulação dele é o que motiva a narrativa. O texto juntamente com as imagens contam a visão de quem passou e ainda passa muito tempo com a cabeça mais lá do que cá.
São sonhos, que todas as noites chegam e matam um pouquinho da saudade e são lembranças de uma realidade que formou o caráter de hoje. Pequenos atos inesquecíveis e que só tornam a tona, quando se nota o tempo e a sutileza deles. Em cada página são descritas memórias e saudades, em cada imagem são narradas lições, carinhos e exemplos a serem seguidos. Após anos atrás, durante uma tarde na praia ouvindo as historias de “na minha época de moça” e quando “o seu avô era o pãozinho do bairro, tinha que ver.” nasceu pela primeira vez a ideia de juntar tudo em um livro, pra guardar e contar aos netos. Junto com aquelas receitas secretas, recadinhos que apareciam nos armários e o que mais coubesse ali. O tempo passou, mas correu rápido demais. Alcançou antes o que não devia e o que restou pra trás foi recolhido dentre as poeiras, juntado e reestruturado da maneira mais fiel possível. Ou mais plausível, quem sabe. Uma maneira única de recordar e registrar uma saudade. Um tempo, um pedaço de vida.
DĂŠborah Moreno