O LUTO NA INFÂNCIA Deise de Azevedo Ajala dos Santos1 Não é possível generalizar uma única maneira de perceber a morte para todas as idades. Cada pessoa tem suas crenças e valores que são refletidos em suas atitudes diante da perda. Porém, encontramos mudanças típicas nessas atitudes durante o ciclo vital, as quais dependem tanto do desenvolvimento cognitivo quanto do momento de ocorrência normativo, ou não normativo, do acontecimento (Papalia & Olds, 2000). A morte faz parte do desenvolvimento humano desde os primeiros meses de vida. Período em que a criança começa a viver a ausência da mãe e perceber que esta não é onipresente. A criança se sente só e desamparada, vivenciando essas primeiras ausências como mortes (Kovács, 1992). No entanto, a criança nos primeiros meses de vida não é capaz de sobreviver sem a mãe. Então, os momentos de “solidão” são breves porque logo alguém aparece. Porém, fica carimbada na criança essa primeira impressão, marcando uma das representações mais fortes de todos os tempos que é a morte como ausência, perda, separação, e a consequente vivência de desamparo e aniquilação. É possível facilitar para a criança um clima acolhedor para que não se sinta sozinha na hora da dor da perda, permitindo a ela a participação nas conversas, nas discussões e nos temores referentes à morte de um ente querido. Faz-se necessário facilitar o luto compartilhado com a criança, sendo essa uma preparação gradual, um incentivo para que a morte seja percebida como parte da vida, uma experiência que auxilia no crescimento e amadurecimento da criança (Kübler-Ross, 2008). De acordo com Stambrook e Parker (1987 como citado em Bee, 1997), a criança que vivencia a dor da perda de um membro da família tem mais possibilidade de compreensão da permanência e a perda de funções associadas à morte, o que não ocorre 1 Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva.
com as crianças que não tiveram essa experiência. Porém, para Kübler-Ross (2008), em uma sociedade na qual a morte é percebida como tabu, os debates sobre ela são considerados doentios, e as crianças são poupadas de ouvir ou falar sob pretexto de que são muito novas para dialogar sobre um tema considerado “pesado”, difícil. Muitas vezes, os adultos tentam convencê-las usando frases como: “papai foi viajar para bem longe”, embora tais ações tenham um efeito temporário, uma vez que a criança identifica que há algo errado. De forma semelhante, Fulton (1995 como citado em Berger, 2013) explicita que a ausência de expressão da tristeza prejudica as crianças. Para o autor, essa tendência contemporânea de excluir as crianças dos funerais, mantê-las apartadas das expressões diretas de amor e apoio durante a crise familiar diante do luto pode privá-las da oportunidade de aprenderem sobre o fato mais básico da vida: a morte. Para KüblerRoss (2008), essa tentativa de convencer a criança para minimizar o sofrimento da perda pode gerar, posteriormente um sofrimento irreparável. Pois com o passar do tempo, outros parentes acrescentam novas variantes ao fato ou evitam suas perguntas, aumentando na criança a desconfiança em relação aos adultos. O valor intrínseco da vida humana e o seu significado social podem ser sutilmente negados pela falta de reconhecimento de que todos os seres humanos são mortais (Fulton, 1995 como citado em Berger, 2013). Diante dessa negação, o restabelecimento se torna mais difícil, pois os enlutados são impedidos de se lamentar da maneira como desejam (Berger, 2013). Portanto, tentar enganar, evitar expressões emocionais ou ainda, presentear a criança em uma tentativa de substituir a perda, não poderá evitar o fato de que um dia a criança perceba que a situação familiar teve mudanças e, dependendo da sua idade e personalidade, poderá sentir um intenso pesar . Sendo assim, é possível que a criança memorize este incidente como uma experiência
traumática com adultos, cuja repercussão envolve falta de confiança posterior (KüblerRoss, 2008). Além de sentirem a dor da perda, é comum as crianças temerem a própria morte e tornarem-se superprotetoras em relação aos demais membros da família, temendo que eles também possam partir. Elas podem amadurecer precocemente, assumir papéis e responsabilidades parentais e, como alternativa, podem ligar-se intensamente a uma pessoa que será identificada com a pessoa perdida (Parkes, 1998). Considerando os prejuízos de deixar a criança à parte da vivência familiar do luto, é importante pontuar que é possível ajudar as crianças na compreensão da morte aproveitando uma oportunidade natural e menos traumática – por exemplo, a partir da morte de uma flor ou de algum animal. Assim, pode-se falar sobre a morte e encorajar a criança a falar e expressar emoções em idade precoce no contexto de suas próprias experiências (Papalia & Olds, 2000). São vários os fatores estressores relacionados a perdas na infância, principalmente quando a criança perde alguém com quem tem fortes vínculos de apego. Em meio à desorganização causada pela perda, a criança se sente assustada e insegura quanto à continuidade da vida familiar (Parkes, 1998). No entanto, o apoio adequado do pai ou da mãe sobrevivente, ou de outros parentes e profissionais, é de grande valia para enfrentar o trauma. Desta forma, a criança elabora a perda e entende que sua vida e o desenvolvimento dentro da família continuarão (Parkes, 1998). Exercícios lúdicos em uma terapia criativa as ajudam a seguir em frente, elaborando suas perdas e tendo boas lembranças (Hobday & Ollier, 2003).
Referências: Berger, K. S. (2013). O desenvolvimento da pessoa: da infância à terceira idade. Rio de Janeiro: LTC.
Hobday, A., & Ollier, K. (1998). Terapia criativa: atividades com crianças e adolescentes. São Paulo: Edições Loyola. Kovács, M. J. (1992). Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo. Kübler-Ross, E. (2008). Sobre a morte e o morrer. 9ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. Papalia, D. E., & Olds, S. W. (2000). Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. Parkes, C. M. (1998). Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus.