Editorial Teocrasília é uma revista que conta a história do nosso sangrento passado recente, e faz uma leitura crítica do nos-so presente sombrio. Sabemos que a imprensa atual é absolutamente corrompida e subalterna aos interesses religiosos, ocultando a todo o custo as mazelas pelas quais estamos Teocrasília é uma revista que tempos, conta anão história do passando e, diferente de outros nosso sequer sangrento recente, e ou fazuma uma leitura temos uma passado mídia alternativa crítica do nosso presente sombrio. Internet livre para nos infor-mamos apropriadamente. Sabemos que a imprensa atual é absolutamente corrompida subalterna aos interesses religiosos, Nas próximase páginas, relembramos como foi ocultando a todo o custo as mazelas pelas quais o processo que nos levou ao atual estado de estamos passando e, diferente de outros tempos, não alienação, relembramos nossa vergonha e temos sequer uma mídia alternativa ou uma Internet nossos erros, pois uma soci-edade que se livre para nos informamos apropriadamente. permite esquecer seus erros está fadada a repeti-los. Aliás, esse é um dos motivos Nas próximas páginas, relembramos foi o propelos quais nos encon-tramos agora como nessa cesso que nos levou ao atual estado de alienação, situação. relembramos nossa vergonha e nossos erros, pois uma sociedade se permite esquecer seus eerros está A religiãoque domina a política nacional fadada a repeti-los. Aliás, esse é dos motivos dita os rumos da nação de acordo com um suas pelos quais nos encontramos agora nessa situação. crenças, embora tenhamos convicção que muitos daqueles líderes sejam gran-des A religiãoque domina a política nacional e dita os rumos hipócritas não comem do prato que servem da nação de acordo com suas crenças, embora tenhamos ao seu rebanho. convicção que muitos daqueles líderes sejam grandes hipócritas que não comemque do não prato quee,servem ao seu Somos atualmente um povo pensa se rebanho. pensa não fala, e se fala é preso, torturado e possivelmente morto. Priva-dos de nossas Somos atualmente um povo queestamos não pensanos e, se pensa liberdades individuais, não fala,menos e sehumanos fala é apreso, torturado e possiveltornando cada dia. Um país mente morto. Privados de nossas liberdades repudiado pelas nações livres do mundo, com indiviestamosdevas-tada nos tornando menosfanatismo, humanos a cada dia. aduais, economia pelo Um país repudiado pelas nações livres do mundo, com a impedida por seu governo de consumir cultura economia devastada pelo fanatismo, impedida por seu que não seja de origem gospel. governo de consumir cultura que não seja de origem gospel. Não podemos dizer que nos faltou cora-gem em determinado momento. Fomos às ruas, Não podemos dizer queaos nos montes. faltou coragem sangramos e morremos Fizemos em determinado momento. Fomos às ruas, sangramos tudo o que parecia possível, entretanto,e morremos aos montes.fomos Fizemos tudo o quepelo parecia ennovamente derrotados quepossível, a tretanto, novamente fomos derrotados pelo que a sociedade tem de pior, e des-frutamos agora sociedade de pior, e desfrutamos agora de uma era de uma era tem de preconceitos e desigualdades de preconceitos e desigualdades nunca an-tes vistos, ao menos nunca desdeantes a vistos, ao menos desde a abolição da escravatura. abolição da escravatura. Mas estamos estamos aqui aqui para para também também oferecer oferecer uma uma alternaMas tiva. Leia até o final. Reflita. É tudo o alternativa. Leia até o final. Re-flita.que É pedimos. Se achar que vale a pena, estaremos de braços tudo o que pedimos. abertos. Se achar que vale a pena, estaremos de braços abertos. Equipe do Retiro Solidário Laico - ReSoLa Equipe do Retiro Solidário Laico
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: PolĂcia Militar despeja seu arsenal e seu sadismo nas ruas, gerando
AS JORNADAS DE JUNHO O povo vai às ruas como nunca antes, e é escorraçado pela mídia e forças de segurança
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ano era 2013. O país vivia a iminência da realização de uma Copa do Mundo e uma edição de Jogos Olímpicos, eventos que deveriam coroar um período de grande crescimento econômico e avanços sociais relevantes. Mas foi em junho, pouco antes da realização da Copa das Confederações (prévia do Mundial), que uma medida agitou a população: o aumento das tarifas de ônibus em 20 centavos levou às ruas, inicialmente em São Paulo, manifestantes contrários ao aumento da taxa. Em pouquíssimos dias, manifestações de igual teor tomaram conta de várias cidades do país. Ainda em São Paulo, a Polícia Militar demonstrou seu apetite por crueldade e falta de espírito democrático, atacando fartamente os jornalistas que cobriam os protestos.
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o Rio de Janeiro, dia 17 de junho, uma manifestação de proporções gigantescas tomou as principais avenidas do Centro da cidade, com pessoas de todas as idades, cores, classes e tendências. As pautas já se expandiam, dividindo-se desde o repúdio à organização do mundial de futebol, até o pedido de mais recursos para a saúde e educação, fim da militarização da polícia, além, obviamente, de medidas urgentes de combate à corrupção. Um momento único que terminou em violência generalizada provocada pela PM. No fim daquela noite, os manifestantes estavam claramente divididos entre um grupo que apenas observava e um grupo que atuava de forma mais direta, na tentativa de tomar a Assembleia Legislativa. Confrontos, depredações, carros em chamas. É consenso atualmente que a violência afastou muitas pessoas que poderiam ter aderido ao movimento, mas também foi da impetuosa repressão policial que ressurgiram táticas de defesa coletiva como a black bloc.
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que se sucedeu ao longo das semanas seguintes e, em al-
guns casos, durantes meses, foram diversas manifestações com grandes multidões. A Internet naquele momento se apresentava como uma ferramenta de mobilização interessantíssima, possibilitando a programação de encontros e a divulgação de conteúdo omitido pela mídia tradicional em seus veículos de grande circulação. O fato é que as passeatas seguiam pacíficas e normalmente algum policial infiltrado (muitas vezes identificado pelos fardados por usarem uma pulseira preta) começava alguma confusão, plantando provas falsas em grupos pacíficos, lançando ataques contra a PM para forçar uma resposta física generalizada contra as pessoas, e quando eles começavam a baderna, os manifestantes acabavam respondendo com a depredação de patrimônio. Muitos manifestantes andavam o tempo todo filmando e tirando fotos, o que rendeu farto material comprovando o envolvimento da polícia na origem de quase todos os tumultos que varreram as ruas com gás lacrimogêneo, balas de borracha e bombas de efeito moral, deixando milhares de feridos. Os que deveriam defender o povo serviam a políticos com interesses escusos e foram brutais com a
população, quebrando e mutilando manifestantes pacíficos, professores, imprensa livre… Verdadeiros agentes do caos, cães de guarda treinados para seguir qualquer ordem de seus superiores, por mais criminosa que fosse. Esse adestramento se mostraria fundamental no que viria nos anos seguintes.
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mídia sabia muito bem o que se passava, no entanto, optou por criminalizar um movimento que nasceu libertário e autônomo, com o povo unificado, taxando manifestantes que usavam máscaras para preservar-se de perseguições posteriores como baderneiros e terroristas financiados por partidos. Uma mídia tradicional que se omitiu, ignorando completamente meses de agressões propositais a jornalistas por parte da polícia, fez o circo necessário para minar o apoio que os manifestantes ainda tinham quando um cinegrafista foi acidentalmente morto por um rojão. A tragédia encerrava de maneira melancólica aquele movimento exuberante, contudo, muitas sementes haviam sido plantadas. Infelizmente a primeira delas a florescer não foi das melhores.
O FESTIM DOS ABUTRES Um golpe que derrubou a presidenta reeleita quebra as pernas do país
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m 2014 o país passou por um processo eleitoral complicado. A população começou a abraçar extremos ideológicos, os debates políticos entraram na pauta cotidiana como não se via há décadas. O resultado das urnas foi bastante apertado, com a reeleição de Mirna Douvert, considerada a representante de esquerda naquele segundo turno. A verdade é que muitos votaram nela apenas para evitar o que consideravam um mal maior: Décio Branco Farinhas, o candidato dos Araras, como era carinhosamente apelidado o partido de oposição e o mais corrupto no ranking de candidatos barrados pela Lei da Ficha Limpa. Assim como a votação expressiva de Décio foi resultado de votos contra Mirna. Além disso uma parcela gigantesca da população não escolheu nenhum dos dois candidatos no segundo turno, mostrando como a falta de representatividade de todo o sistema político prejudicava muito o processo eleitoral.
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ogo após a eleição, o vicepresidente Vlad Bitencourt,
representante do partido mais maleável de cenário nacional, ora aliado a um partido, ora a seus rivais, coloca em andamento um processo de racha que deteriorou o governo definitivamente. Por meio de um anúncio de TV no horário nobre, Vlad e outros companheiros de partido afirmavam que iriam “limpar o país” e denunciar a verdade, seria cômico se não fosse trágico: os dois partidos mais corruptos do país estavam se unindo para aplicar um golpe de Estado, e a mídia estava integralmente ao seu lado! Uma mídia parcial que perseguia o governo vigente desde seu primeiro dia,há mais de uma década. Uma mídia que já havia defendido a ditadura militar poucas décadas antes, que trabalhava a favor do grupo de pessoas que realmente detinham o poder no país, o topo inalcançável da pirâmide social. Alimentou dia e noite um surto paranoico coletivo sobre um iminente e fantasioso “golpe comunista. Também coletiva foi a amnésia, quando os telejornais insistiram na falácia de que Mirna jogou o país na maior
crise de sua história e todos acreditaram, ignorando a recente crise mundial, e outras muito piores, como no final dos anos 1980 com a hiperinflação, e até mesmo o final dos anos 1990, quando muitos ainda morriam de fome, algo que havia sido significativamente tratado.
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ogo, a política era mais debatida que nunca, no entanto, foi um processo de politização caótico: pessoas escolhiam heróis e também vilões para demonizar, poucos conseguiam colocar todos os elementos na balança, a divisão ideológica na sociedade aumentou drasticamente. Cada um se prendia ao seu ponto de vista, famílias e amigos de longa data se agrediam verbalmente, as redes sociais ferviam como nunca antes. A Internet que pouco tempo antes serviu para disseminar um sentimento de reforma e de que era possível correr atrás de mobilização e mudança, agora servia no sentido de polarizar a população, criando verdadeiras guerras digitais entre os internautas. Uma parte considerável da população foi manobrada pelos meios de comunicação para pedir a saída da presidenta recémvitoriosa numa eleição justa e democrática. Milhares de pessoas foram às ruas, curiosamente vestidas com a camisa amarela da corruptíssima confederação de futebol, alimentadas com conceitos ultranacionalistas que beiravam o fascismo. Isso des-
pertou instintos e preconceitos repulsivos contra as minorias, especialmente nas parcelas mais abastadas da população. Manifestações com panelas batendo nas zonas nobres das cidades se tornaram comuns. Uma parte considerável das pessoas que apoiavam irrestritamente qualquer ação contra os considerados ‘comunistas’ se dizia cristã e defensora dos valores de bem. Mesmo que destilassem diversos discursos de ódio. Muitos dos delirantes pediam intervenção militar.
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a sequência a dura realidade: liderado pela mais podre e corrupta banda da política federal, um golpe parlamentar depôs a presidenta. Por mais que sua inocência perante as acusações tenha sido provada, a Câmara e o Senado votaram pelo seu afastamento. Mesmo com gravações liberadas em que membros desses partidos tramam com todas as letras a saída de Mirna como a única alternativa para barrar as investigações e salvar nossas peles”. Mesmo com manifestações gigantescas em favor dela, eles só ouviam as ruas quando elas falavam o que era de seu interesse em conluio com a mídia. Diferente de seus algozes que se escondiam nas sombras, ela foi a julgamento, e fez um discurso forte, saindo de cabeça erguida e com o respeito de toda a política e mídia internacionais, enquanto Brasília se distanciava cada vez mais da vontade po-
pular, com um governo elitista que agora dominava o país e direcionava o povo para um precipício de ignorância. Foi o início do fim moral de uma democracia ainda muito jovem. Os clamores em nome de Deus e da família no Planalto Central durante essas votações foram mais um vislumbre do futuro… o governo golpista asQ uando sume definitivamente o poder, um novo levante toma as ruas em repúdio ao golpe. O mundo inteiro reconhece a ilegitimidade do processo. Inclusive uma grande parcela da massa de manobra já havia deixado de apoiar os golpistas com seu bater de panelas, entretanto, agora era tarde e o país estava entregue aos abutres. As medidas de Vlad desabavam sobre a população de forma avassaladora a cada semana: fechamento de ministérios; retrocessos gigantescos em cultura e educação; congelamento por décadas de investimentos em educação e saúde; reformas educacionais desmoralizantes; aumento dos gastos públicos com propaganda, para brecar a onda de popularidade negativa; cessação de diversos avanços e programas sociais estabelecidos pelo Governo anterior, especialmente os relacionados aos necessitados e minorias; fechamento de universidades; política externa suicida e desmoralizante, acabando com boas relações por todo o globo;
rendição ao capital estrangeiro e privado, voltando a fazer dívidas com o FMI; entrega das reservas de petróleo; investimento bilionário em armamentos para conter manifestações; aumentos para os políticos em várias categorias e cortes graves nos salários dos servidores públicos a nível nacional... Os retrocessos e medidas impopulares e abusivas do novo e ilegítimo governo foram muitas, impossíveis de serem todas citadas e explanadas, mas o importante é: o movimento das ruas foi gradualmente aumentando a cada nova medida. Em alguns meses as ruas estavam fervendo como no ápice de 2013, e foi uma reedição em vários aspectos: polícia arrumando motivos para limpar as ruas com suas armas e defender os seus “donos”, a mídia acobertando cada covardia do Estado, política ou militar, e desclassificando os manifestantes.
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orém agora havia uma diferença: a violência nas ruas sofreu uma disparada gigantesca, e a sociedade que inunda as ruas parece determinada a lutar pelos seus direitos, desde as ocupações em escolas e faculdades até a tomada de prédios públicos e governamentais. O governo golpista superestimou o conformismo do povo brasileiro e forçou além da sua capacidade em lidar com a situação. Foi quando as coisas começaram a ficar realmente perigosas.…
GUERRA CIVIL DO BRASIL A violência nas ruas atinge níveis inimagináveis
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Governo de Vlad fingia não perceber que a pressão das ruas aumentava de maneira descomunal, e apenas avançava com seu planejamento entreguista, jogando medida impopular em cima de medida impopular nas costas do cidadão. Parte significativa da sociedade havia decidido que não pagaria a conta pela megalomania de Vlad e seus associados. O Rio de Janeiro, mais especificamente, havia declarado estado de falência, a conta da Copa e da Olimpíada foi muito mais cara do que o prometido, além de outras loucuras após anos sob o governo do malevolente partido de Vlad. Priorizando uma política de negociatas com empresários, o capital da cidade estava completamente nas mãos daqueles que haviam coberto os custos de campanha dos candidatos corruptos, afinal, empresários e banqueiros fazem investimento, não filantropia e agora cobravam suas dívidas… Com muitos juros obviamente. As manifestações assumiram um papel avassalador de retomada da cidade com a invasão dos prédios governamentais. A repressão era muito forte e violenta, e em determinado momento o ódio supera a razão e o amor, e teve início um
período que ficou conhecido por muitos como “Guerra Civil”.
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s confrontos começaram a tomar contornos sangrentos. Pressionada, a polícia começou a eventualmente usar força letal, a desculpa era que “haviam sido pressionados, não tiveram outra escolha, que foram casos isolados”. A verdade é que essa polícia já estava mais do que acostumada a matar, e a periferia sentia na pele todos os dias, embora os meios de comunicação também colaborassem com o Estado no sentido de não criar alarde quanto a isso. Nesse momento, as ruas da cidade foram tomadas diariamente por confrontos de grandes proporções, e a exemplo de outros momentos, o restante do país entrou no mesmo ritmo. As escolas ocupadas foram massacradas e houveram muitas mortes, levando ainda mais gente às ruas. O ódio contra a atitude policial chegou em um ponto em que muitos manifestantes também começaram a usar armas de todo o tipo que tivessem acesso e os coquetéis molotov que eventualmente apareciam ao longo dos últimos anos se multiplicaram numa proporção impressionante, as fileiras policiais ardiam em chamas, no entanto, nada que o
cidadão pudesse fazer se comparava ao poder de fogo empregado pelo Estado: bombas de efeito moral, balas de borracha e gás lacrimogêneo se tornaram os menores dos problemas quando arbitrariamente começaram a usar pistolas e fuzis, e em pouco tempo o exército engrossou essas fileiras com armas de calibres mais altos, tanques e todo um complexo arsenal… A maior arma da sociedade civil era o grande número de pessoas unidas e determinadas, eventualmente reforçadas por combatentes do lado oposto que não viam mais sentido em suas ações e se envergonhavam ao perceber que suas ações protegiam os vilões da história. Eram bons reforços, pois não só conheciam as táticas alheias, como também eram bem treinados e empenhados em compensar seu passado. Os dois lados faziam e sofriam emboscadas e foram absolutamente corrompidos pelo ódio, sentimento capaz de impulsionar um ser humano contra o outro para defender o que acredita. Foi o ápice do extremismo ideológico promovido nas redes sociais, alimentado por políticos mal intencionados e pela mídia. A cobertura feita pela imprensa tradicional continuou parcial como sempre, entretanto
tornou-se quase impossível para o cidadão comum não enxergar os claros abusos de força que levaram a tal reação por parte dos manifestantes, agora considerados guerrilheiros. A mídia os tratava exclusivamente pelo termo “terroristas”.
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mbora o conflito principal não tenha sido entre setores da sociedade civil, e sim contra os militares que eram a linha de defesa do setor político, houve exceções. Episódios isolados em que a alienada parcela ‘anticomunista’ botou as garras de fora e atacou o movimento antigolpista nas ruas com tudo o que tinha. Essas pessoas eram produto do discurso de ódio promovido por gente como o fascistoide Capitão Malenda: odiavam minorias e boa parte apoiava a execução de um novo golpe, dessa vez, promovido por militares. Pegaram em armas para combater o demônio comunista, achavam que essa “raça” deveria ser chacinada sem piedade e muitos, de origem cristã, se consideravam numa verdadeira cruzada santa. Causaram seu estrago, mas foram superados numericamente. Essas pessoas não foram esquecidas, e muitos voltariam a dar as caras poucos anos depois, a serviço do atual Governo teocrático.
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á o conflito da PM e o Exército contra os manifestantes da população civil, teve proporções e efeitos catas-
tróficos, deixando milhares de mortos por todo o país. Poucos acreditavam que algo assim realmente pudesse acontecer, a crença de que o brasileiro é umser pacífico por natureza era uma máscara já rachada por toda a violência desempenhada no dia a dia: contra as mulheres, estupradas e espancadas aos montes diariamente, contra os pobres, especialmente os negros, que eram mortos pela polícia e por seus iguais todos os dias, que travava a guerra nas favelas por décadas, povo que matava mais homossexuais do que qualquer outro lugar no mundo, que agredia o próximo no trânsito, nos estádios, enfim, uma sociedade permeada em todas as suas estruturas por um comportamento destrutivo, e mesmo assim o povo se julgava pacífico apenas por não entrar em guerras com outras nações. Essa máscara rachou de vez, em milhares de cacos afiados. E o povo pisou nesses cacos. E o povo sangrou, e as pegadas de sangue deixadas no caminho não foram lavadas até hoje, e nem serão tão cedo.
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esse contexto de extrema divisão e insegurança, com a economia em frangalhos e com a opinião pública internacional tecendo duríssimas críticas, inclusive pela dificuldade em cobrir o conflito, pois as forças militares eram brutais contra a imprensa em geral. Entra em cena o setor político conhe-
cido como ‘Bancada da Palavra’, formada basicamente por pastores ou outros ditos cristãos. Os representantes desse grupo eram o que havia de mais radical da extrema direita, sempre defendendo pautas retrógradas e desempenhando gigantescos atrasos sociais.
PACIFICAÇÃO E RECONSAGRAÇÃO A falsa paz de um Brasil omisso: Campos de tortura elegem Malenda
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avia muito tempo que a “Bancada da Palavra” causava preocupação não só aos setores mais progressistas da sociedade, como também à maioria dos cristãos brasileiros que se declaravam abertamente contra a existência de um grupo políticoreligioso, repudiando suas ações e desconsiderando qualquer representatividade de sua parte. Gente que apesar de religiosa entendia os princípios e a importância de um estado laico. Mesmo assim muitas igrejas manipulavam suas massas de fiéis, para que continuassem a alimentar as carreiras políticas desses candidatos com seus votos. A promessa era de que dessa maneira os planos de Deus para a nação seriam levados adiante. Uma amálgama entre religião e política refutada por muitos, um perigo que se consolidava a cada novo ciclo político. Eles costuram o famigerado “Pacto de Pacificação”. Esse plano exaltava os valores cristãos, demonizando os manifestantes e apontava que um grave problema espi-
ritual pairava sobre a nação como consequência de muitos anos sob o “governo de comunistas e esquerdistas”. Portanto a solução deveria passar necessariamente por um processo de cura espiritual, e os fiéis louvam o Pacto de Pacificação como um "exorcismo" definitivo do mal comunista”. Mais direitos foram subtraídos da população, especialmente das minorias e dos trabalhadores, que se viam à míngua com seus direitos trabalhistas extirpados pelo governo golpista. Os abutres, como muitos os chamavam, não viam limites ao corresponder às expectativas de financiadores do seu ciclo corrupto, e a associação com a Bancada da Palavra apontava para mudanças ainda mais radicais.
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gora a polícia e o exército tinham aval governamental para uso de força letal em "casos extremos", e a noção de extremo” é absolutamente subjetiva e manipulável. Isso serviu apenas para ampliar e legalizar
um processo que já estava em andamento ao longo de meses de Guerra. Os “terroristas” capturados deveriam ser levados para os injustificáveis Campos de Reconsagração.
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sses campos logo ficaram conhecidos como RECONs. A ideia era criar um ambiente prisional específico para os prisioneiros políticos que combatiam o governo nas ruas, e além do cárcere incluiria uma reeducação social e religiosa, no entanto, a verdade é que a classe política tinha um grande temor de que os guerrilheiros presos em penitenciárias comuns iniciassem uma revolução ainda maior, levando conhecimento e esclarecimento à imensa massa carcerária já existente, convertendo-os aos seus ideais progressistas. A ignorância precisava ser preservada e o processo de construção dos RECONs foi financiado não só por empresas privadas, como também por igrejas bilionárias. O que acontecia por trás desses muros era um verdadeiro mistério, pois ninguém tinha acesso às áreas internas. Começava o real terror. A resistência foi abafada em algumas semanas, já que morriam mais manifestantes do que nunca, uma verdadeira chacina. Um jornalista francês preso ao cobrir o conflito e encaminhado para um RECON foi extraditado após grande pressão diplomática e, uma vez livre, denunciou o que muitos já sus-
peitavam: apesar das negativas do governo e completa omissão da mídia, essas prisões eram, na verdade, campos dedicados à tortura física, psicológica e moral dos encarcerados, contando ainda com uma reeducação religiosa baseada em táticas de lavagem cerebral!
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em um grande volume de pessoas, as forças de segurança”obliteraram com facilidade os últimos focos de resistência, um fim deprimente para um movimento tão significativo. Os manifestantes e guerrilheiros sucumbiram ao medo, visto que PM e Exército haviam dispensado qualquer cerimônia e promoviam verdadeiras chacinas a céu aberto. Quem fosse preso teria um destino ainda pior, sofrendo todo o tipo de tortura numa versão mais elaborada do que ocorrera no período da Ditadura Militar. Foi o balde de água fria que encerrou o período de guerra civil. Um clima de inconformismo e impotência tomou conta da parcela da população opositora ao governo. As ruas foram pacificadas com sangue, a mídia louvava o “fim” dos terroristas e as massas pareciam desconfiadas, entretanto, o fim da
matança era visto com bons olhos por muitos, em especial os não envolvidos no conflito e a massa fiel às igrejas, que viram na ação de sua bancada o efeito prático do poder de seu voto e ideais.
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om a nação entregue aos lobos, as eleições que haviam sido adiadas por meses, enfim foram realizadas. O candidato da coligação religiosa, Capitão Malenda, fez campanha com o lobby da pacificação. Os ânimos voltaram a esquentar, em especial nas redes sociais, e uma parcela grande do povo temia um novo derramamento de sangue. Malenda prometia uma nova fase do Pacto de Pacificação, que incluiria a reintrodução dos presos políticos na sociedade, usando palavras como reconciliação, amor ao próximo e verdadeiros valores cristãos. Tudo soava estranho vindo de um sujeito que era réu em um caso de incitação ao estupro, que por anos defendeu publicamente tortura e assassinato, que sempre pregou a violência como educação e já havia declarado em entrevistas anos antes que, caso tivesse a oportunidade, aplicaria um golpe de Estado pois ‘não se muda nada com democracia’. Durante as eleições, o governo golpista estava enfraquecido, havia forçado a população muito além do que deveria, e a alternativa para contrapor Malenda surgiu de uma esquerda historicamente desunida mas que tentava nesse momento, em caráter emergencial, juntar seus pedaços para combater um mal comum. Entra em cena o niteroiense Professor Carvalho, defensor dos direitos humanos e opositor de longa data de Malenda e também do antigo governo Mirna. Sua campanha foi emocionante, arrastando multidões em seus comícios. Tratava-se de um candidato que tinha uma base de seguidores ainda maior que Malenda, e massivo apoio da classe artística. Apresentava-se como uma alternativa possível, e os debates televisivos históricos em que Carvalho claramente destruiu seu adversário, aumentaram a expectativa de que uma saída desse pesadelo era real. O resultado foi apertado, demons-
trando que grande parte da população resistia aos conceitos de pacificação à custa de torturas e sermões religiosos. Mais uma vez os abstencionistas tiveram um impacto gigantesco na decisão e o medo da guerra acabou sendo o fiel da balança a favor do retrocesso e fascismo. Logo uma série de medidas retrógradas começaria a ganhar forma.
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s primeiros parlamentares a se colocarem publicamente contra essas medidas foram recolhidos para RECONs sob a justificativa de que atentariam contra a unificação da pátria ou de que estavam possuídos pelo espírito maldito do comunismo. Depois de alguns exemplos do gênero, não foi difícil passar qualquer tipo de projeto com apoio quase unânime. O ultranacionalismo deu as mãos a um grupo ainda mais fanático e conservador que historicamente já pregava a intolerância contra determinados setores sociais e religiosos. A Constituição não era muito importante a essa altura, e logo seria definitivamente rasgada.
TEOCRACIA À BRASILIANA A destruição definitiva do estado democrático e laico, lançando o país na idade das trevas
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omo prometia há décadas, o impetuoso Malenda realiza seu tão almejado golpe constitucional. Porém, não da maneira como todos esperavam, afinal, diferentemente do que seus fãs fervorosos imaginavam ele tinha contas a prestar com quem realmente o colocou naquela posição: a Bancada da Palavra. Uma nova constituição foi aprovada e alterava profunda e definitivamente o regime vigente no país. A “Revolução da Palavra” foi fulminante e o Brasil agora passava a ser oficialmente uma nação Teocrática!
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nação é liderada pelo ‘Divino Altar’, um conselho formado pelos pastores mais influentes e poderosos, e esses, por sua vez, ‘respondem apenas a Deus’. Eles tomam decisões sobre todos os rumos da nação e seu rebanho glorifica de pé cada decisão tomada. O slogan do governo é ‘Deus acima de tudo e todos’, frase que substituiu a ‘Ordem e Progresso’ na bandeira nacional. A interpretação que esse conselho faz da Bíblia e o que eles consideram bons costumes são agora a bússola legislativa do país, ou seja, o país está entregue ao moralismo hipócrita que sempre caracterizou os sujeitos da Bancada. Religião e política são a mesma coisa. Mas não qualquer religião, apenas aquela cultuada pelos representantes do Divino Altar. Toda a estrutura política agora é uma gigantesca Bancada da Palavra, onde apenas pastores formados podem atuar.
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om isso o Capitão Malenda é transferido para um novo cargo: Comandante Supremo das Forças Armadas! Exército, Marinha e Aeronáutica agora respondem diretamente a ele, que por sua vez, responde apenas ao ‘Divino Altar’. O funcionamento dos RECONs também é uma atribuição do Comandante Malenda, que muitas vezes acompanha pes-
soalmente a situação em várias unidades.
sicas deixaram após serem dissolvidas pelo governo.
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inhas cristãs que divergem do governo sofrem certa perseguição, tendo, por exemplo, estátuas externas aos templos destruídas, mas continuam com suas atividades na medida do possível. Todas as religiões não cristãs são consideradas pagãs e profanas e são literalmente proibidas, tendo seus templos e terreiros fechados, depredados e seus membros, quando pegos em atividade clandestina, são barbarizados e enviados para RECONs.
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deologias contrárias ao regime são absolutamente proibidas de serem discutidas ou estudadas. Com isso as escolas e universidades ganham ao menos um censor oficial, funcionário cuja função é ficar atento ao conteúdo passado pelos mestres e ao comportamento dos colegas de trabalho e alunos. Normalmente é indicado algum membro de destaque da congregação local para esse trabalho. Esse professor, ao menor sinal ou denúncia de conteúdo considerado ‘doutrinário’, ’esquerdista’ ou ’comunista’, enfim, subversivo para os parâmetros particulares do censor, é colocado sob investigação, e se confirmado o delito pode ser encaminhado para um RECON. Com isso, não se pode mais abordar assuntos como gênero, conceitos políticos e mesmo ciências que contestem dogmas bíblicos. Lecionar história e geografia se torna um verdadeiro desafio, enquanto filosofia e artes nem sequer fazem parte do currículo. No ensino superior muitos cursos foram sucateados ou extintos, além de sofrerem com um patrulhamento ideológico ostensivo, não só dos censores oficiais, como também de grupos de alunos religiosos reacionários que se organizam politicamente, assumindo o papel que as entidades estudantis clás-
bras de literatura, música, cinema e qualquer outro tipo de arte são obrigadas a passar por um grupo de ‘revisores’ com poder de veto e censura. No geral são aprovados apenas conteúdos gospel, e que tratem a imagem do governo de forma positiva. Críticas não são aceitas em nenhuma instância, e o cuidado para evitar que conteúdo subversivo passe pela censura de modo velado é muito grande, embora poucos artistas se arrisquem a serem presos em um RECON. Trabalhos voltados à fantasia e ficção, por exemplo, dificilmente conseguem chegar ao publico consumidor, mesmo os materiais estrangeiros consagrados e muitos artistas conseguem se mudar para o exterior, trabalhando intensamente em projetos de denúncia que nunca chegarão por aqui.
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internet é fortemente moderada e limitada. Muitos conteúdos são considerados“coisa do Diabo” e proibidas. As redes sociais são patrulhadas dia e noite por um departamento governamental destacado exclusivamente para isso. Além disso, ao publicar algo considerado fora de tom, caso o autor seja denunciado por outro, pode ser investigado e sofrer duras penalidades. O controle estatal sobre os meios de comunicação e entretenimento é extremamente poderoso e severo.
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s redes de TV são obrigadas a fazer drásticas alterações em sua grade de programação, e os programas de notícias exaltam as mudanças e cada atitude do governo, agradecendo por colocarem a nação no rumo da fé, da harmonia e do desenvolvimento.
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rogas são mais perseguidas do que nunca. O governo
grande culto. As mulheres são estimuladas a ficarem em casa, deixando o trabalho por conta do homem, desempenhando um papel de submissão e objeto.
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té o momento de impressão desta publicação, ainda não havia se tornado obrigatório frequentar os cultos religiosos, mas a sensação geral é de que uma medida nesse sentido seja iminente em curto prazo. De uma forma ou de outra, não frequentar o culto também o torna um pária.
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proíbe a venda de álcool, o que causou um grande tumulto em um cenário econômico já bastante alvoroçado, destruindo comerciantes e gerando reprovação popular gigantesca, confirmando a tese que ‘o brasileiro não liga para um governo que destrói sua vida, desde que não mexam na sua cervejinha’. A repercussão dessa medida mexeu com o ânimo dos militares, o que levou o regime a liberar uma fábrica específica a produzir uma quantidade limitadíssima de cerveja, que é vendida a um preço inacessível à grande maioria da população. Cigarros passaram por um processo bastante parecido e agora são artigos de luxo. Em ambos os casos, temos notícias de mercados negros, mas o governo combate a ferro e fogo os clandestinos.
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maior impacto social certamente foram as medidas com-portamentais de restrição às liberdades individuais tais como a proibição por lei da prática de sexo antes do casamento, adultério, aborto, tatuagens, homossexualismo, prostituição entre outras práticas consideradas por muitos inadequadas anteriormente, e que agora vão de encontro à ideologia do Divino Altar e de seu rebanho. A verdade é que esses comportamentos não foram abandonados por todos, isso seria impossível obviamente, entretanto, os transgressores precisam tomar muito cuidado, se escondem como nunca antes e o preço a se pagar
caso seja apanhado é a internação em RECONs.
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lgumas medidas de etiquetas são estabelecidas pelo regime, e apesar de o não enquadramento não configurar crime, pode ser perigoso não seguir as regras. Um bom exemplo são os parâmetros de vestuário indicados, no qual homens devem sempre andar de sapatos e calças sociais e camisas de botão, preferencialmente com gravata, com exceção de momentos de lazer e esporte. Mulheres devem usar saias na altura das canelas, camisa social cobrindo o pescoço e os braços, de forma que tornozelos e pulsos são os novos decotes. O véu pode ser descartado em momentos de lazer e esporte. Ao andar vestido fora dos parâmetros, embora não esteja cometendo um crime, você será reconhecido pelos outros como um desajustado. No caso de problemas, você será o primeiro suspeito, se for a vítima, as autoridades policiais ou pastorais têm o direito de não lhe atender. Uma mulher que passe por um episódio qualquer de violência na rua, por exemplo, caso esteja usando um short, dificilmente encontrará qualquer tipo de auxílio, e certamente levará a culpa caso tenha despertado a libido de algum distinto cavalheiro alinhado em suas roupas sociais. Portanto a sociedade passa por uma verdadeira revolução estética em pouquíssimo tempo, e o dia a dia se parece muito com um
s condições trabalhistas para certas classes sociais são quase nulas, facilitando às camadas mais privilegiadas manter empregados e todo o tipo de serviços prestados por aqueles que, na prática, são tratados como sub-humanos. Assim os pobres em geral vivem numa escravidão velada, principalmente com a morte do politicamente correto e dos direitos humanos. A sociedade em seus serviços mais básicos está mais sombria do que nunca, e as remunerações são extremamente baixas. Nas periferias os produtos de neces-
sidade básica são vendidos mais baratos, para que esses miseráveis possam sobreviver com a ninharia que recebem, no entanto, vivem uma vida sem supérfluos. A desigualdade está mais acentuada e os periféricos não veem possibilidade de ascensão social que não seja pelo esporte, como sempre, ou pelo "pastoreio". Os muros invisíveis que separam as castas estão bem mais altos e toda a política de combate à desigualdade foi abandonada. Afinal, segundo os conceitos impostos pelo governo, se você crê em Deus, nada lhe faltará. Se você tem dificuldades é porque não trabalhou ou não foi fiel o bastante, possivelmente andou pecando. Por último, mas não menos importante, o famigerado dízimo se tornou um imposto fixo cobrado de toda a população.
nidade para manter a moral do sistema, mas a insistência no tráfico de drogas ainda é uma barreira nesse momento.
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o asfalto alguns decidiram engajar na luta armada, formando grupos de resistência direta. A carapuça de terroristas já os perseguiria de qualquer maneira, então muitos começaram realmente a planejar atentados contra símbolos do novo regime, entre outras atividades marginalizadas. Esses grupos vivem na clandestinidade normalmente fora dos grandes centros, preferindo estabelecer suas bases nas áreas rurais, mais distante dos olhares suspeitos e das investigações. Utilizam normalmente armas do tempo da guerra civil, já que em geral os adeptos dessa linha de combate direto ao regime são sobreviventes dos conflitos que a anos não veem sentido em viver em um mundo antidemocrático.
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uitos resistiram às novas regras e levantes varreram o país de norte a sul. Novamente as ruas são lavadas a sangue, contudo, dessa vez não duram mais do que poucas semanas. A construção de RECONs foi ampliada para suportar a enxurrada de presos advindos dos conflitos e da censura ideológica e comportamental, e em especial, de uma nova empreitada do governo: a Legião do Altar! Uma milícia composta por fanáticos religiosos cuja função é garantir que os preceitos da igreja/estado sejam seguidos por todos os cidadãos. Com isso a sociedade se torna hiper-reprimida e a maioria das pessoas não vê alternativa se não dobrarem-se ao sistema, caso contrário, é grande a chance de serem delatados ao legionário mais próximo (por um vizinho, “amigo” ou até mesmo por um completo estranho) e enquadrados em seguida. Infrações leves são tratadas com multas ou palestras de reciclagem, mas os casos mais graves são enviados para RECONs.
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bviamente, algumas pessoas não toleraram de forma alguma as mudanças impostas pelo novo regime. Nas comunidades carentes pouca coisa mudou, o poder público continua bastante ausente e o tráfico continua firme. Os próprios traficantes se declaram evangélicos e cuidam
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para que o “rebanho” frequente os cultos e se enquadre, na medida do possível, às novas regras vigentes. Em contra partida, o Estado faz vista grossa ao tráfico ainda em atividade. Especialistas acreditam que a tendência seja chegar a um acordo pela fé entre Estado e crime organizado para convertêlos em alguma entidade local legalizada de chefia da comu-
utros ainda tentam manter as aparências e continuam exercendo determinados comportamentos proibidos sob uma fachada acima de suspeitas. Trabalham em empregos formais, vivem vidas comuns e até mesmo frequentam o culto, seguindo aparentemente as medidas governamentais, mas praticando atos subversivos de toda a natureza clandestinamente: pichação, tráfico de livros, prostituição, ataques hackers, adultério e por ai vai. om a Legião do Altar espreitando, toda e qualquer a opção é arriscada.
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RETIRO SOLIDÁRIO LAICO Um grupo de amigos busca uma saída à esquerda para esse labirinto insano: ReSoLa
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principal intenção desta publicação certamente é trazer luz aos acontecimentos dos últimos anos, visto que nosso dia a dia no novo regime é duro, cheio de situações embaraçosas e perigosas. É importante lembrarmos tudo o que ocorreu, não devemos nos deixar seduzir pela tentação de esquecer e naturalizar o período pelo qual estamos passando porque definitivamente as coisas não estão certas, e você sabe muito bem disso. São tempos obscuros e o regime teocrático montou uma forte estrutura de acobertamento para que a massa aceite sem pestanejar o que está acontecendo, e certamente as coisas ainda piorarão muito nos próximos anos, com gerações inteiras crescendo dentro de uma nação alienada e alienante. Filhos e filhas que não terão noção do que é uma vida com liberdade de escolhas e pensamentos, com vasta produção cultural e de entretenimento, uma vida de crescimento a partir das diferenças.
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emos fanáticos religiosos que acreditam que o país agora é um paraíso, ignorando conscientemente que seus pastores são os que mais se desviam da
conduta por eles estabelecida, abusando de drogas, prostituição e principalmente, corrupção, enriquecendo à custa dos fiéis? Com certeza! Assim como temos loucos fascistas que esperaram a vida toda por um momento como esse, para poder exercer o poder sobre o próximo, e a Legião do Altar possibilitou isso. É difícil não se abalar, principalmente se você é um amante da liberdade e do respeito aos direitos do próximo. Entretanto, estamos aqui para lhe apresentar uma alternativa.
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Retiro Solidário Laico é a realização do sonho de um grupo de amigos que, não vendo condições de usufruir de uma vida plena dentro do atual regime, e cansados de toda a violência e derramamento de sangue das lutas dos últimos anos, decidiu viver por conta própria de modo independente. Dessa forma, em vez de procurar combater o sistema no nível macro, promovemos a mudança de nossas próprias vidas por meio da fundação de um espaço comunitário autossustentável onde teremos a liberdade de usufruir e produzir arte e cultura sem interferência do fanatismo, onde poderemos plantar e colher
nossos próprios alimentos numa área verde própria para isso, longe dos holofotes e da perseguição. Um lugar secreto e de confiança, de promoção de debates e ideias, de livre prática religiosa e de convivência amigável e edificadora, que repudia qualquer tipo de violência. Sim, entendemos que exercer suas crenças é um direito seu, e não serão permitidas qualquer espécie de doutrinação ou campanha de conversão dentro do Retiro, devendo o indivíduo religioso respeitar a escolha do próximo, especialmente nesses tempos em que tantos guardam um rancor gigantesco pelo que a sociedade se transformou recentemente através da imposição de dogmas. possível buscar alternatipara uma vida próspera, feliz e saudável. Se você acorda todos os dias sem vontade de sair da cama e lidar com o desprezível mundo novo onde todos se vestem iguais e são obrigados a crer e agir da mesmo modo, onde a criatividade é uma característica a ser perseguida e domesticada, enfim, se você tem certeza de que onde você estiver nesse momento, enquanto lê o material que tem em mãos, não é o
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lugar em que deveria realmente estar, saiba que em ReSoLa pode residir a sua chance de encontrar satisfação.
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osso espaço conta com um conjunto de dormitórios humildes feitos com materiais sustentáveis prontos para receber um novo retirante; um farto campo de terras férteis prontas para receber todo o tipo plantações e garantir alimentação farta e saudável, cujas sobras serão sempre doadas para instituições de caridade; uma pequena capela onde os seguidores de cada religião se alternarão diariamente; uma praça central para lazer, descanso e que dispõe também de um anfiteatro para apresentações culturais, desde música e poesia até teatro e projeções de filmes, e onde deverão ser realizadas as assembleias semanais junto com todos os retirantes, no intuito de debater os acontecimentos dentro e fora do retiro, os afazeres da semana e todo o tipo de coisa que for pertinente; um campo de futebol para a prática esportiva e um rio que além de abastecer nossos reservatórios hídricos e para higiene e cultivo, também gera nossa eletricidade e é outra opção de lazer; um ateliê artístico com oficinas semanais para todos os interessados; duas salas de aulas para serem utilizadas em debates, palestras e também na educação das crianças, visto que contamos com alguns excelentes professores em nossas fileiras. Recémchegados que dominem alguma área de conhecimento e queiram compartilhar o seu conhecimento são bem-vindos para tal. Um dos nossos ideais é justamente o autoaprimoramento, acreditamos que a busca por conhecimento é parte vital da constante evolução humana enquanto indivíduo e enquanto sociedade, na contramão do que prega e legisla o novo poder religioso do Divino Altar.
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inda não sabemos qual será a nossa capacidade máxima mas, inicialmente, dentro das nossas possibilidades, esperamos poder acolher o máximo possível de gente que pense como a gente. Fundar uma pequena sociedade baseada em liberdade,
igualdade e amor. Pode parecer uma conversa utópica e fantasiosa, porém, acreditamos nessa ideia, e se você também acha que aqui é o seu lugar, faça contato. Não existem custos financeiros envolvidos, apenas o comprometimento com esse ideal e a disposição para fazer a sua parte para que juntos possamos seguir adiante e estabelecer uma experiência de vida marcante e harmoniosa.
COMO NOS ENCONTRAR? SE ESSA REVISTA CHEGOU ATÉ AS SUAS MÃOS, CERTAMENTE QUEM LHE ENTREGOU ACREDITA QUE VOCÊ ESTÁ NO MESMO BARCO QUE NÓS E É ALGUÉM DE SUA CONFIANÇA, AFINAL ELA NÃO CORRERIA O RISCO DE LHE ENTREGAR ISSO E SER DENUNCIADA. O PRIMEIRO PASSO É: PROCURE ESSA PESSOA E INFORME QUE VOCÊ TEM INTERESSE. ELA FARÁ O MESMO PROCESSO, PROCURANDO QUEM A INDICOU. EM ALGUM MOMENTO SEU NOME CHEGARÁ ATÉ NÓS OU UM DE NOSSOS COMPANHEIROS DE CONFIANÇA. A PARTIR DISSO, NÓS IREMOS PROCURÁ-LO, AVALIAREMOS À DISTÂNCIA E EM ALGUM MOMENTO, SE AVALIARMOS UNANIMEMENTE QUE VOCÊ TEM UM PERFIL COMPATÍVEL COM RESOLA, O ABORDAREMOS PARA UMA CONVERSA PESSOALMENTE. NÃO SE ASSUSTE, SABEMOS FAZER ISSO SEM CHAMAR ATENÇÃO DOS OLHEIROS DE PLANTÃO. A PARTIR DESSA CONVERSA SABEREMOS SE PODEMOS IR ADIANTE OU NÃO. PEDIMOS DESCULPAS SE O PROCEDIMENTO PARECE MUITO RÍGIDO OU ATÉ MESMO EXCLUDENTE, MAS CONTAMOS COM SUA COMPREENSÃO SOBRE O FATO DE QUE TODO O CUIDADO É POUCO. NÃO PODEMOS CORRER O RISCO DE COLOCAR A VIDA DE TODOS EM RISCO, INCLUSIVE A SUA. GRANDE ABRAÇO, RETIRO SOLIDÁRIO LAICO
GLOSSÁRIO DE IMAGENS CAPA PRIMEIRA "SESSÃO PLANALTO CENTRAL.
OFICIAL
DE
DESCARREGO"
NO
PG04 ACIMA: AS MANIFESTAÇÕES DE 2013 EM SEU AUGE APRESENTAVAM GRANDE VARIEDADE DE FREQUENTADORES. MEIO: GRUPO DO CHOQUE DESPEJA GÁS LACRIMOGÊNEO E SADISMO DURANTE PASSEATA PACIFICA DOS PROFESSORES NA CINELÂNDIA. ABAIXO: MANIFESTANTES ADEPTOS DA TÁTICA BLACK BLOC REAGEM A UM ATAQUE DE GÁS E BALAS DE BORRACHA COM UMA CHUVA DE PEDRAS PORTUGUESAS.
PG11 ACIMA: O ENTÃO DEPUTADO CAPITÃO MALENDA, SEMPRE DEBOCHADO, RI DURANTE UM DEBATE ELEITORAL. ABAIXO: PROFESSOR CARVALHO, MAIS PONDERADO E ELOQUENTE DISCURSA EM UM COMÍCIO.
PG12 MILHARES DE PESSOAS REUNIDAS PARA O RITO DA GRANDE FOGUEIRA, EM SÃO PAULO. LOGO A QUEIMA DE LIVROS E DEMAIS CONTEÚDOS CONSIDERADOS SUBVERSIVOS SE ESPALHARIA POR TODO O PAÍS.
PG14 PG05 INFILTRADOS QUE HAVIAM INICIADO TUMULTO ARREMESSANDO COQUETÉIS MOLOTOV CONTRA A PM SÃO RECEBIDOS E PROTEGIDOS PELOS PRÓPRIOS POLICIAIS. SUAS PULSEIRAS PRETAS GARANTIAM IMUNIDADE. UMA DAS MUITAS TÁTICAS UTILIZADAS PARA TRANSFORMAR MANIFESTAÇÕES PACIFICAS EM VERDADEIROS CAMPOS DE GUERRA.
PG06 EX-PRESIDENTA MIRNA JULGAMENTO NO SENADO.
DISCURSA
DURANTE
SEU
PG07 DÉCIO E OUTROS GOLPISTAS REUNIDOS NA CERIMÔNIA DE POSSE DE VLAD. AS MEDIDAS IMPOPULARES ADOTADAS PELO GOVERNO ILEGÍTIMO LEVARAM O PAÍS AO MAIOR DERRAMAMENTO DE SANGUE DE SUA HISTÓRIA RECENTE.
PG08 GUERRILHEIROS ASSASSINADOS A SANGUE-FRIO EM FRENTE À ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RIO DE JANEIRO.
PG09 ACIMA: EMBOSCADA À CAVALARIA DO EXÉRCITO NA NOITE EM QUE UM TANQUE DESTRUIU PARTE DOS ARCOS DA LAPA DE ONDE GUERRILHEIROS ARREMESSAVAM COQUETÉIS MOLOTOV NUMA TÁTICA QUE FICOU CONHECIDA COMO "MAR DE FOGO". ABAIXO: PM CARBONIZADO AO FIM DE UM CONFLITO.
PG10 PRIMEIRO CAMPO DE RECONSAGRAÇÃO (RECON).
ACIMA: NA RUA DA FEIRA, EM SÃO GONÇALO, MULHER COMPRA LENÇOS NUM CAMELÔ. AO FUNDO UM HOMEM ASSEDIA 2 ADOLESCENTES. COBRIR AS MULHERES DOS CABELOS AOS PÉS NÃO INIBIU O COMPORTAMENTO MACHISTA, ATUALMENTE MAIS NATURALIZADO E ENCORAJADO DO QUE NUNCA. ABAIXO: MULTIDÃO PRESENCIA A DESTRUIÇÃO DA ESTÁTUA DE SANTA RITA DE CÁSSIA, MAIOR ESTÁTUA CATÓLICA DO MUNDO, EM SANTA CRUZ NO RIO GRANDE DO NORTE. POR SER CONSIDERADO UMA DAS MARAVILHAS DO MUNDO MODERNO, O CRISTO REDENTOR FOI POUPADO ATÉ O MOMENTO, MAS BOATOS APONTAM QUE EM BREVE ISSO PODERÁ MUDAR.
PG15 ACIMA: TRAVESTI TORTURADA E ASSASSINADA, AMARRADA EM POST. CRIMES DE ÓDIO SE TORNARAM MUITO COMUNS, MAS A MAIORIA DOS CASOS SÃO RELEVADOS, ESPECIALMENTE QUANDO AS VÍTIMAS NÃO SE ENCAIXAM NOS MOLDES COMPORTAMENTAIS ESTABELECIDOS PELO REGIME TEOCRÁTICO. ABAIXO: RARÍSSIMO REGISTRO DE ÁREA INTERNA DE UM RECON. O AUTOR, UM EX-FUNCIONÁRIO DO LOCAL, ESTÁ DESAPARECIDO.
PG16 UMA DAS ENTRADAS DO RETIRO SOLIDÁRIO LAICO E SEUS MEMBROS FUNDADORES.
PG17 ACIMA: CONSTRUÇÃO DAS ACOMODAÇÕES, FEITAS COM ADOBE. ABAIXO: RÉPLICA DE VITÓRIA DE SAMOTRÁCIA, ESTÁTUA RETIRADA DO ANTIGO MUSEU NACIONAL DE BELAS-ARTES DURANTE A GUERRA, ESTÁ EM EXPOSIÇÃO NO RETIRO. A ORIGINAL ENCONTRA-SE NO MUSEU DO LOUVRE.
O que realmente é Teocrasília? A revista que acabou de ler fez uma retrospectiva histórica ficcional num formato diferente do que costumo trabalhar, mas que acredito ter servido muito bem para contextualizar o leitor sobre o cenário em que a história se desenvolve, tratando-se na prática de um prólogo para a série em quadrinhos que será publicada em 2017. Diferente do que se pode pensar depois de ler essa revista, a HQ não irá remoer o atual e conturbado momento da política nacional. Isso serviu apenas como base, neste prólogo ficticio, para nos impulsionar ao futuro sombrio que será tratado na HQ. Nos diversos capítulos planejados iremos presenciar o dia a dia dentro dos RECONs, a vida alternativa em ReSoLa, subversivos tentando viver no limite da marginalidade de um sistema excludente e severo, uma mulher que se recusa a adotar o padrão estabelecido, o pai de família que se enquadra ao sistema por comodismo e praticidade... Cada núcleo apresenta um diferente aspecto da vida sob o novo regime. O principal objetivo da produção de Teocrasília é chamar atenção para a importância da preservação do estado laico, separando religião e governo, algo que tem sido ignorado por determinados setores da política e da sociedade nos dias de hoje. Uma atitude que pode nos colocar num caminho sombrio e perigoso.
O papel do leitor Você, leitor, pode ser de grande ajuda na produção desse trabalho. Acessando: APOIA.SE/TEOCRASILIA Nesse link você irá encontrar um projeto de financiamento coletivo. Com uma colaboração pequena como 5 ou 2 reais, você já garantirá o acesso antecipado à HQ, com previsão de estréia para Julho! Acredite, talvez não te faça falta, mas para um artista sem fonte estável de renda é importantíssimo um suporte como esse, que me permita produzir o quadrinho com o foco e atenção que essa história merece, logo, essa pequena parceria poderá fazer uma diferença gigantesca na minha vida e nos rumos desse projeto. Tenho plena convicção de que poderemos fazer de Teocrasília um obra memorável. Fica o convite. Acesse, entenda e faça parte. Conto com seu apoio!
O autor Me chamo Denis Mello. Sou de Niterói, Rio de janeiro, e produzo histórias em quadrinhos desde 2009, quando desenhei uma HQ sobre a situação Palestina. Os anos se passaram e me envolvi em diversos projetos, o mais marcante deles foi Beladona, quadrinho digital de terror em colaboração com a roteirista Ana Recalde, que virou livro através de financiamento coletivo. Beladona rendeu indicações e premiações no HQ Mix, maior e mais prestigiado prêmio de HQ do Brasil, saindo vencedora em três oportunidades nas categorias: Publicação Independente de Grupo (2013), Web Quadrinho (2015) e Adaptação para Outras linguagens (2016). Eu próprio fui indicado Novo Talento Desenhista ainda em 2013.