MESA REDONDA PATRIMÔNIO CULTURAL: DIÁLOGOS ENTRE A ARTE E A EDUCAÇÃO
Me. Adriana Russi Docente UFF1, doutoranda UNIRIO2, coordenadora da mesa Juliana Bezerra IPHAN3 Dra. Maria Vittoria de C. Pardal Docente UFF4 Me. Valéria P. de Alencar MCSP5, doutoranda UNESP
Resumo: A proposição desta mesa é a de promover uma reflexão sobre práticas educativas de preservação do patrimônio cultural no Brasil e de suas articulações com a arte e seu ensino. Para tanto, escolhemos experiências realizadas em diferentes instituições que seguem, por isso, trajetórias distintas. No âmbito do órgão público federal responsável pela preservação do patrimônio brasileiro, temos a contribuição do IPHAN. A universidade pública aqui representada – UFF - apresenta dois relatos. No âmbito de uma instituição museal temos o trabalho desenvolvido pelo MCSP. Entendemos a cultura em seu sentido antropológico. Por ser fenômeno social, a cultura se dá como obra coletiva e está relacionada a muitas ideias como identidade, memória, tradição, educação e patrimônio. Significa que a cultura é coletiva, pública, dinâmica e nunca completamente homogênea, ou seja, nossa socialização cultural é sempre parcial. Essa relativa incompletude da cultura é o que nos permite criar e recriar novos objetos, novas práticas, novas representações, enfim, novos significados. Mas, quando passamos a escolher, a definir, a eleger certos objetos, práticas e expressões como símbolos de uma cultura, percorremos o caminho do terreno político do patrimônio. Podemos considerar que patrimônio é tudo aquilo que escolhemos de nossa cultura e que queremos que seja guardado para ser transmitido, se considerarmos a proposição de Maurice Godelier. A definição do que é patrimônio envolve, pois, processos políticos institucionalizados ou não de preservação, escolha e produção de sentido. A pluralidade cultural brasileira, tema transversal na educação formal, e mais especificamente o patrimônio cultural são foco de diferentes experiências. A falsa dicotomia entre patrimônio material e imaterial, que muitas vezes se colocou nos debates 1
UFF – Universidade Federal Fluminense.
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Adriana Russi é doutoranda pela UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, sob a orientação da Profa. Dra. Regina Abreu. 3
Juliana Izete Muniz Bezerra é técnica em educação da Coordenação de Educação Patrimonial do Departamento de Articulação e Fomento do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. 4
Maria Vittoria de C. Pardal recentemente assumiu a coordenação do LABOEP – Laboratório de Educação Patrimonial da UFF, anteriormente sob a coordenação da Profa. Dra. Lygia Segala. 5
Valéria P. Alencar é Supervisora do Programa de Educação Patrimonial do MCSP – Museu Cidade de São Paulo.
na área de patrimônio e a ressemantização social do patrimônio pelos grupos sociais são evidenciados nos textos dos colaboradores desta mesa.
PALAVRAS CHAVE: patrimônio; educação; arte
1.Introdução
Considerei apropriado manter neste trabalho os textos na integra das palestrantes da mesa. Cada um dos textos apresentados a seguir foram escritos a muitas mãos. Além da autoria múltipla, eles traduzem ainda, através da escrita, relatos de experiências desenvolvidas coletivamente. Por terem sido desenvolvidas em instituições de caráter e características distintas – órgão federal de preservação do patrimônio, museu, universidade pública – tais experiências evidenciam trajetórias possíveis na consecução de trabalhos na área da educação para o patrimônio. O primeiro texto A educação patrimonial no Iphan: trajetória de uma construção, de Sônia Florêncio, Juliana Bezerra e Pedro Clerot trata do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo IPHAN. Apresenta um breve panorama histórico de como a instituição tem abordado a questão da educação patrimonial. Trata ainda de recente encontro realizado em Ouro Preto/MG – o II Encontro Nacional de Educação Patrimonial – momento em que foram evidenciadas novas perspectivas para a educação patrimonial junto a este órgão. A concepção das Casas do Patrimônio é outro assunto tratado pelos autores. O texto O patrimônio cultural, suas memórias e a mediação cultural organizado por Valéria Alencar e Camila Serino Lia discute questões relacionadas às memórias evocadas pelo patrimônio cultural do MCSP. A partir de relatos dos mediadores culturais deste museu (Daniela Dioniziol, Francisco Porcel, Leandro Machado, Patricia Scarparo) , autores também do texto, procuram refletir sobre o imaginário dos visitantes do museu e suas memórias, suscitadas pelas fabulações da própria história da cidade de São Paulo. O texto refere-se às unidades do museu: Casa do Bandeirante, Sítio da Ressaca e Casa do Grito. O terceiro texto Alguns apontamentos sobre a educação para o patrimônio escrito por Adriana Russi e Gilmar Rocha sintetiza dados preliminares de uma pesquisa em andamento acerca das experiências educativas voltadas para a preservação do patrimônio cultural no Brasil. Evidencia o levantamento de grupos de pesquisa, dissertações e teses bem como publicações nessa área. Esse trabalho de pesquisa, desenvolvido com o auxilio de graduandos bolsistas, entre eles as alunas Daniela Biason e Thárcia Mesquita, é uma das ações de um programa de extensão da UFF denominado Implicações Socioeducacionais do Artesanato em Oriximiná/PA. O quarto e último texto LABOEP/UFF – propostas e percursos refere-se ao trabalho desenvolvido pelo Laboratório de Educação e Patrimônio Cultural. Neste texto, as autoras Lygia Segala e Maria Vittoria Pardal, ex-coordenadora e atual coordenadora respectivamente do laboratório, narram a trajetória trilhada por docentes, discentes e outros agentes na área da educação e do patrimônio. Inicialmente centrada nas ações dos museus, aos poucos a atuação do laboratório suplantou os muros das instituições para penetrar espaços outros: os das comunidades.
2.A educação patrimonial no Iphan: trajetória de uma construção Sônia Regina Rampim Florêncio6 Juliana Izete Muniz Bezerra Pedro Gustavo Morgado Clerot7
Desde a sua criação, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan manifestou em documentos e publicações a importância da educação patrimonial.8 Na década de 1930, no anteprojeto para a criação do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional, Mário de Andrade apontava para a importância do caráter pedagógico dos museus e das imagens para as ações educativas. Na década de 1960, Rodrigo Melo Franco de Andrade, dirigente do Instituto aponta para a importância da educação em alguns artigos e discursos: “Em verdade, só há um meio eficaz de assegurar a defesa permanente do patrimônio de arte e de história do país: é o da educação popular”. (MINISTÉRIO, 1987, p. 64) De toda forma, o discurso de Rodrigo Melo Franco deve ser compreendido, não no sentido de uma ação educativa da instituição responsável pelo patrimônio, mas sim, no sentido do entendimento de que apenas a educação formal das massas pelo Estado brasileiro, nos moldes positivistas e cientificistas da época daria ao conjunto da população as condições “intelectuais” de apreciar as obras de arte e a importância histórica dos monumentos que estavam sendo tombados pelas elites intelectuais representadas no antigo SPHAN. É apenas na década de 1970 que a questão é abordada de forma mais contundente, coerentemente com a orientação de Aloísio Magalhães. Na época em que a Fundação Nacional pró Memória9 atuou,
“(...) a instituição se concentrou na elaboração de um discurso, amplamente difundido, em que a comunidade era incluída não apenas como objeto ou população-alvo, mas também como sujeito chamado a 6
Sônia Regina Rampim Florêncio é graduada em Ciências Sociais, especialista em Sociologia Rural e mestre em Educação. Atualmente é Coordenadora de Educação Patrimonial do Departamento de Articulação e Fomento do Iphan. 7
Pedro Gustavo Morgado Clerot é graduado em História e Antropologia e especialista em gestão de políticas públicas para a cultura. Atualmente é técnico em ciências sociais da coordenação de Educação Patrimonial do Departamento de Articulação e Fomento do Iphan. 8
Um levantamento de referências à Educação Patrimonial ao longo da trajetória do Iphan foi feito por OLIVEIRA, Cléo (2011). 9
A Fundação Nacional pró Memória foi criada em 1979 por Aloísio Magalhães a partir do Centro Nacional de Referências Culturais tendo absorvido o antigo Sphan que, com essa nomenclatura, até 1990 centralizou a política federal de patrimônio cultural.
participar junto com os agentes institucionais. O lema desse discurso era “a comunidade é a melhor guardiã do seu patrimônio”. (FONSECA, 1997, p. 185)
Data da década de 1980, entretanto, a formulação, no Brasil da expressão Educação Patrimonial, a partir de experiências trazidas da Inglaterra e aplicadas aqui, no uso dos museus e dos monumentos históricos com fins educacionais. A proposta metodológica que embasava as ações educativas de valorização e preservação do patrimônio cultural começou, nesse período, a ser definida “inspirando-se no trabalho pedagógico desenvolvido na Inglaterra sob a designação de Heritage Education” (HORTA et ali, 1999). Outra experiência, também no início dos anos 80, merece destaque: é criado, pela Fundação Nacional Pró-Memória, o Projeto Interação que buscava relacionar a Educação Básica com os diferentes contextos culturais existentes no país e intencionava diminuir a distância entre a educação escolar e o cotidiano dos alunos considerando cultura as experiências trazidas para a escola, pelos alunos (BRANDÃO et al,1996). É importante frisar, também, que práticas educativas fundamentadas na cultura não se limitam na década de oitenta. Para Paulo Freire, educador que fez escola, o conceito antropológico de cultura (que evita hierarquizar populações e valoriza a diferença e o “ponto de vista nativo”) deve estar presente em todas as ações educativas. Para essa perspectiva, ao se discutir sobre o mundo da cultura e seus elementos, os indivíduos vão desnudando sua realidade e se descobrindo nela. Inúmeras ações educativas com esse caráter surgiram no país, já na década de 70. Para Silveira e Bezerra (2007) o uso educacional de museus, monumentos, arquivos e centros históricos, advindos da concepção de educação patrimonial do Guia Básico de Educação Patrimonial (HORTA et al, 1999) também está previsto nos Parâmetros Curriculares do Ensino Fundamental no Brasil (Brasil, 1988)10, o que por si só não tem garantido a inclusão do tema Educação Patrimonial de forma crítica nas escolas. Estas acabam por assumir uma postura receptiva das iniciativas de e sobre o tema. Passadas quase três décadas, a Educação Patrimonial ultrapassou as ações centradas nos acervos e construções isoladas para a compreensão dos espaços territoriais como um documento vivo, passível de leitura e interpretação por meio de múltiplas estratégias educativas. Deve, portanto, ser entendida como eficaz em articular saberes diferenciados e diversos presentes nas diferentes disciplinas dos currículos nos diferentes níveis de ensino e, também, no âmbito da educação não formal. Ao centrar as ações nos espaços de vida, a intenção é superar aquela visão que reifica os objetos do passado, os monumentos e o patrimônio cultural vinculado a uma narrativa da história do ponto de vista quase exclusivo do colonizador e das elites brancas, isolando-os de seus contextos sócio-históricos. É fundamental, assim, conceber a Educação Patrimonial em sua dimensão política, a partir da concepção de que tanto a memória como o esquecimento são produtos sociais. É preciso o enfrentamento do desafio de encarar a problemática de que, no Brasil, nem sempre a 10
Ver PCNs de História para o Ensino Fundamental – 3º e 4º Ciclos – Seção: Visitas a exposições, museus e sítios arqueológicos, 1988.
população se identifica ou se vê no conjunto do que é chamado de patrimônio cultural nacional. A Educação Patrimonial tem, assim, um papel decisivo no processo de valorização e preservação do patrimônio cultural, colocando-se para muito além da divulgação do patrimônio. Não bastam a promoção e difusão de conhecimentos acumulados no campo técnico da preservação do patrimônio cultural. Trata-se, essencialmente, da possibilidade de construções de relações efetivas com as comunidades, verdadeiras detentoras do patrimônio cultural. Dessa forma, os bens culturais são considerados como suporte para a construção coletiva do conhecimento que só pode ser levada a cabo quando se considera e se incorpora as necessidades e expectativas das comunidades envolvidas por meio de múltiplas estratégias e situações de aprendizagem que devem ser construídas dialogicamente a partir das especificidades locais.
Trilhando o caminho: o II Encontro Nacional de Educação Patrimonial (II ENEP) No período de 17 a 22 de julho de 2011 , em Ouro Preto – MG, a Coordenação de Educação Patrimonial (Ceduc) do Departamento de Articulação e Fomento do Iphan organizou, juntamente com a Casa do Patrimônio de Ouro Preto, o II Encontro Nacional de Educação Patrimonial cujo objetivo foi o de pactuar estratégias para uma política nacional no âmbito da Educação Patrimonial e a consolidação do Sistema Nacional do Patrimônio Cultural. A presença de vários setores da sociedade no Encontro configurou uma oportunidade de fortalecimento de uma rede diversificada de profissionais, instituições públicas e privadas, estudantes e grupos da comunidade, capaz de multiplicar ações de valorização do patrimônio cultural brasileiro como elemento chave para a identidade nacional e sociedades sustentáveis O encontro contou com cerca de 300 participantes, representantes governamentais (federação, estados e municípios), universidades (federais e estaduais) e instituições da sociedade civil. As discussões dos Grupos de Trabalho geraram o “Texto Base para uma Política Nacional no âmbito da Educação Patrimonial” com diretrizes e ações para uma política na área. O texto está disponibilizado no site do Iphan para discussão pública acerca do tema. Além disso, outro resultado importante foi no âmbito da parceria com o Ministério da Educação – MEC. As ações de Educação Patrimonial passarão a fazer parte do macro-campo Arte e Cultura do Programa Mais Educação, de Educação Integral, do MEC. Trata-se da construção de uma ação intersetorial entre as políticas públicas educacionais e sociais, contribuindo, desse modo, tanto para a diminuição das desigualdades educacionais, quanto para a valorização da diversidade cultural brasileira, reconhecendo que a educação deve ser pensada para além dos muros da escola, e considerar a cidade, o bairro e os bens culturais como potencialmente educadores, eles próprios. Assim, hoje, para o Iphan, a educação patrimonial se constitui de todos os processos educativos formais e não-formais que têm como foco o patrimônio cultural apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais em todas as suas manifestações com o objetivo de colaborar para o seu reconhecimento, valorização e preservação.
Dessa forma, os processos educativos deverão primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras das referências culturais onde convivem noções de patrimônio cultural diversas. A Educação Patrimonial assim concebida enfatiza que a preservação dos bens culturais deve ser tratada como prática social e deve primar por diretrizes fundamentais em suas ações: I – Contribuição para a criação de canais de interlocução com a sociedade e os setores públicos responsáveis pelo patrimônio cultural, por meio de mecanismos de escuta e observação que permitam acolher e integrar as singularidades, identidades e diversidades locais; II – Identificação e fortalecimento dos vínculos das comunidades com o seu patrimônio cultural para potencializar a articulação de ações educativas de valorização e proteção do patrimônio cultural; III – Incentivo à participação social na identificação, gestão, proteção e promoção dos bens culturais; IV - Incentivo à associação das políticas de patrimônio cultural às ações de sustentabilidade local, regional e nacional; V – Aperfeiçoamento das ações que têm como referência as expressões culturais locais e territoriais, contribuindo para a construção de mecanismos junto às comunidades, aos profissionais e gestores da área, às associações civis, às entidades de classe, às instituições de ensino e aos setores públicos, para uma melhor compreensão das realidades locais; VI – Fomento à apropriação, manutenção e valorização dos aspectos históricos, culturais, artísticos e naturais que orientam a construção da identidade em escalas locais, regionais, nacionais e internacionais em prol da sustentabilidade em territórios brasileiros, auxiliando no processo de melhoria dos resultados em políticas de fomento consonantes com as noções ampliadas de patrimônio, museologia social, educação dialógica, conceitos ampliados de arte e cultura no Sistema Nacional de Patrimônio Cultural; VII – Consideração das referências culturais como tema transversal, interdisciplinar e/ou transdisciplinar, ato essencial ao processo educativo para potencializar o uso dos espaços públicos e comunitários como espaços formativos; IX – Fomento ao envolvimento das instituições educacionais formais e não- formais nos processos de educação patrimonial; X – Fomento ao envolvimento da sociedade civil, artistas, agentes e instituições culturais públicas ou privadas nos processos de educação patrimonial; XI - Articulação com instituições de ensino e pesquisa, a partir de programas de colaboração técnica e convênios;
XII - Adoção de modelos de gestão do patrimônio cultural que tenham como perspectiva o protagonismo dos atores sociais e a colaboração de saberes; XIII – Articulação entre políticas públicas de patrimônio cultural às de cultura, turismo cultural, meio ambiente, educação, saúde, desenvolvimento urbano e outras áreas correlatas favorecendo o intercâmbio de ferramentas educativas de modo a enriquecer o processo pedagógico inerente a elas.
Um projeto no conceito: as Casas do Patrimônio
As Casas do Patrimônio constituem-se, essencialmente, em um projeto pedagógico e de educação patrimonial. É o primeiro passo para transformar as sedes das representações regionais, os escritórios técnicos do Iphan, e instituições da sociedade civil em pólos de referência local e regional para qualificar e atender a população residente, estudantes, professores, turistas em uma perspectiva de diálogo e reflexão, no sentido de participarem da construção coletiva dessa nova postura institucional.Trata-se de conferir transparência e ampliar os mecanismos de gestão da preservação do patrimônio cultural, apoiando-se principalmente em ações educacionais, em parceria com escolas, instituições educativas formais e não formais e demais segmentos sociais e econômicos. A proposta se fundamenta na necessidade de estabelecer novas formas de relacionamento do Iphan com a sociedade e com o poder público em suas diferentes instâncias. Além de informar e dialogar sobre as atividades e rotinas administrativas da instituição, devem ser enfatizadas as ações de qualificação e capacitação de agentes públicos e da sociedade civil e de promoção do patrimônio cultural como um dos pilares do desenvolvimento sustentável, capaz de gerar renda e oportunidades econômicas para a população. As Casas do Patrimônio devem atuar de maneira articulada com outras políticas públicas, especialmente aquelas promovidas pelos Ministérios da Educação, Cultura, Cidades, Justiça, Turismo e Meio-Ambiente, bem como pelas gestões executivas estaduais, municipais e do Distrito Federal. Não há um programa de atividades e de estrutura padronizados. Cada caso, em função das características do local e de seus equipamentos, da existência e capacitação dos profissionais, do nível de interação com o poder público e demais agentes sociais, exigirá um arranjo próprio. A adequação da proposta às singularidades de cada cidade ou região é vital para o seu êxito. É importante centrar o foco em parcerias com grupos, organizações e projetos locais de ações educativas. Dentre os objetivos das Casas do Patrimônio estão: • Dotar as representações do Iphan nas unidades da federação, as instituições da sociedade civil e os poderes públicos municipais e estaduais de uma concertação construída coletivamente, que as converta em espaços de debate e reflexão sobre o Patrimônio Cultural. • Manter, permanentemente, informações sobre a ação institucional do Iphan de forma acessível ao público. • Desenvolver e implementar em parceria com estados, municípios e organizações da sociedade civil, ações de educação patrimonial e de capacitação voltadas ao conhecimento,
à preservação do patrimônio cultural e a implementação de atividades de turismo cultural responsável e de base comunitária. • Estimular a participação das comunidades nas discussões e propostas de redefinição do uso social dos bens culturais. • Promover oficinas para educadores da rede pública municipal e estadual focalizadas na interface Patrimônio e Educação com a finalidade de que venham a atuar como multiplicadores desse novo enfoque; • Garantir o enfoque em práticas educativas interdisciplinares e com abordagens transversais, em acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ministério da Educação; • Promover a valorização das comunidades bem como sua capacitação e inserção tecnológica e digital por meio de oficinas de audiovisual que permitam a construção dialógica e participativa de auto-retratos na forma de registros documentais e artísticos de suas próprias tradições, histórias e manifestações culturais; • Trabalhar na identificação de atores sociais locais responsáveis por ações educativas efetivas; • Buscar temas geradores significativos de ações diversas para a valorização do patrimônio cultural local das diferentes comunidades; • Valorizar ações educativas que promovam a interface entre patrimônio cultural e meioambiente; • Garantir um espaço de trocas de experiências entre as iniciativas de educação patrimonial nos âmbitos local e supra local. Com isso, espera-se que as Casas do Patrimônio sejam, portanto, articuladoras das ações educativas e de aproximação com as comunidades locais, papel fundamental para a efetividade de uma gestão compartilhada de preservação do patrimônio cultural. O resultado aguardado é a construção de uma noção compartilhada de Patrimônio Cultural que facilite abordá-lo em sua diversidade. Nesse sentido, as ações desenvolvidas nas Casas do Patrimônio serão estruturantes para tal propósito. Pretende-se que elas atuem na formação de agentes multiplicadores que possam contribuir para a formulação de conceitos sócio-culturais, éticos e estéticos, bem como sobre a importância de sua preservação como garantia do direito à memória individual e coletiva. Dessa forma, a potencialidade de multiplicação se alarga. A consciência da importância do tema Patrimônio Cultural como elemento de pertencimento dos indivíduos à sua coletividade, poderá tornar-se uma importante atitude para a formação de verdadeiros agentes do desenvolvimento local. Crianças, adolescentes, líderes comunitários, empresários, entre outros segmentos da sociedade, por meio de um processo educativo, podem passar a valorizar e considerar o Patrimônio Cultural como elemento chave para um desenvolvimento sustentável. Sustentável porque permanece, porque preserva, porque educa e porque pode gerar riquezas propondo, por exemplo, a interface com o Turismo Cultural e com a Educação Ambiental. A educação e a formação da cidadania são os fundamentos de qualquer ação, programa ou processo de preservação do patrimônio cultural. A tarefa que está posta é muito maior do que todas as instituições culturais do país, juntas, podem realizar. O
protagonismo dos indivíduos e de suas organizações são indispensáveis para que se possa enfrentar, com sucesso, o desafio que o conceito de patrimônio cultural contemporâneo coloca a todos que se preocupam com a eficácia de políticas públicas no âmbito da cultura.
3. O patrimônio cultural, suas memórias e a mediação cultural Valéria Peixoto de Alencar (org.) Camila Serino Lia (org.) Daniela Calvo Dionizio Francisco Natalino Porcel Leandro Campos Machado Patrícia Cristina Scarparo Arteducação Produções11 Museu da Cidade de São Paulo12
Esse artigo tem como objetivo tecer e compartilhar reflexões que permeiam a memória e o imaginário paulista representado pelo seu Patrimônio Cultural, mais especificamente pelo acervo do Museu da Cidade de São Paulo (MCSP), a partir das ideias e olhares dos mediadores que atuam neste museu por meio de seu Projeto de Educação Patrimonial. O MCSP é um conjunto de casas históricas formado por exemplares da arquitetura paulista, do período colonial ao moderno e, um monumento, preservado e administrado pelo Departamento do Patrimônio Histórico (DPH). Geralmente suas unidades estão localizadas em parques e praças, entorno que contribui para a sua preservação e possibilita o diálogo da arquitetura com a natureza. No interior destes bens patrimoniais, as exposições tendem a privilegiar temas relacionados à história, cultura, arte e arquitetura da cidade de São Paulo, no intuito de valorizar e preservar suas expressões e referências históricas, sociais e culturais.
Detalhes do entorno, da arquitetura e da construção de taipa sendo tocada por criança durante mediação, respectivamente: Casa do Sitio da Ressaca, Casa do Grito e Casa do Bandeirante. Museu da Cidade de São Paulo, 2009. Foto: Camila Lia
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A empresa Arteducação Produções (AEP) formou-se como um grupo de arte/educadores, pesquisadores e produtores para desenvolver, inicialmente, ações educativas e formação de professores no Centro Cultural Banco do Brasil, em 2001. Desde então vem dedicando-se a projetos educativos e culturais em instituições culturais, visando também assegurar o processo interno de formação continuada de seus integrantes e colaboradores. Site: http://www.arteducacaoproducoes.com.br. 12 Site oficial: http://www.museudacidade.sp.gov.br
No início de 2008, foi lançado pela Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, um edital para contratação de empresa especializada em serviços para desenvolvimento de projeto de educação patrimonial para o DPH, visando o atendimento especializado ao público visitante dos seus equipamentos culturais através de um Projeto de Educação Patrimonial. A empresa Arteducação Produções ganhou a concorrência e compôs uma equipe de supervisores e mediadores para conceber e desenvolver a mediação do público com o patrimônio cultural da cidade. ... o espaço entre os objetos culturais e o público pode ser entendido como um espaço de educação não reprodutiva e, sendo assim, os atores envolvidos nessa prática podem outros papéis: de sujeitos passivos e reprodutores de informações podem passar a sujeitos ativos que interagem e se apropriam de conhecimentos. (COUTINHO, 2009, p.174)
Assim, buscamos desenvolver um trabalho de mediação a partir do Patrimônio Cultural da cidade que vai além da reprodução das informações e, que por isso dialoga entre muitas memórias, as do Patrimônio em si, as da chamada História Oficial paulista, bem como sua crítica, também as memórias que os diversos públicos trazem e as próprias memórias dos mediadores, sejam elas advindas da pesquisa sobre a Memória institucionalizada – Patrimônio –, sejam elas pessoais, ou ainda, a memória que vem dos encontros com público e suas memórias. A proposta desse artigo surgiu da possibilidade da reflexão sobre o trabalho de mediação cultural no projeto de Educação Patrimonial do MCSP. E, para empreendermos uma prática de educação não reprodutiva, acreditamos ser esta reflexão um importante elemento do trabalho, do ponto de vista da formação contínua dos educadores/mediadores. Mas, se estamos refletindo a partir de memórias, qual o significado desse patrimônio cultural no presente? Em que a preservação de casas históricas que resgatam um passado heróico do bandeirante paulista, por exemplo, passado esse questionável em vários aspectos, se relaciona com a história do visitante hoje, do século XXI que, muitas vezes não se reconhece na figura do paulista colonial? É fato que o que é, ou foi até pouco tempo, reconhecido como Patrimônio Cultural, revela as escolhas de um segmento da população, que assumiu o controle do que deveria ou não ser considerado Patrimônio Artístico e Histórico. Assim, acreditamos que não é a negação desse Patrimônio Cultural o papel da mediação, mas sim a problematização dessas memórias, como nos diz Imanol Aguirre (2008): Si adoptamos una idea de cultura baseada em el cambio y la transformación, estaremos abriendo nuevas vias em la cuestión del patrimonio; estaremos impulsando uma Idea de patrimonio que no solo se sustenta em lo que ya ha sido, sino que se articula com lo que está siendo; uma Idea de patrimonio que no gira em torno a lo que las cosas o las ideas significaron algún dia, sino a lo que significan para sus usuarios hoy.
Quais memórias e passados que esse Patrimônio Cultural efetivamente evoca nos visitantes, sejam eles frequentadores do Parque da Independência, onde está localizado o Monumento à Independência, sejam crianças de 9 anos? O fato de um visitante se identificar com a casa de taipa, porque o faz se recordar de sua infância em outra localidade, faz dessa memória menos importante do que a memória que o patrimônio cultural pretende evocar? Afinal, de qual cultura ou culturas estamos falando? Se hierarquizarmos memórias, estaremos fazendo isso com a própria cultura, e não é essa proposta de um trabalho de mediação cultural...
Para refletir sobre estas e outras questões, este texto acolhe a seguir as palavras, olhares, lembranças e provocações de quatro mediadores que atuam nas seguintes unidades do MCSP: na Casa do Bandeirante, Casa do Sitio da Ressaca e, Casa do Grito, localizadas nos bairros do Butantã, Jabaquara e Ipiranga, respectivamente. Por se tratar de relatos e, por seu caráter pessoal, ousamos e optamos por mantê-los em primeira pessoa. A Casa do Bandeirante, contada por Daniela Proponho aqui, uma análise da Casa do Bandeirante resultante do meu trabalho de mediação, com o objetivo de refletir sobre que tipo de memória podemos resgatar do período colonial a partir da leitura do Patrimônio Cultural, qual memória se buscou estabelecer na época em que a casa foi elevada à condição de museu e, tecer considerações sobre quais memórias estão sendo trabalhadas hoje e seus possíveis efeitos no futuro. A estrutura da casa, seu formato, o pé direito, sua localização, as portas e janelas amplas, é a chave que nos levará até o século XVIII. Em uma visita mediada com estudantes de 4ª ano do Ensino Fundamental I pode-se explorar como estratégia para perceber as características arquitetônicas, por exemplo, uma comparação com o modo de vida atual, utilizando o que temos e vemos em nossas casas com o que existia há 200, 300 anos atrás. Algumas observações surgem dos próprios estudantes, como a percepção de que a Casa do Bandeirante situa-se próxima a um rio (Pinheiros), o qual poderia ser utilizado como meio de transporte e para as necessidades básicas, como a utilização de água para cozinhar. Esta casa foi construída em um local elevado da cidade, a 6 metros de altitude em relação ao mesmo rio, para que as águas da várzea não afetassem a construção de taipa. As amplas portas e janelas e o pé direito possibilitavam e possibilitam maior claridade e circulação de ar. As paredes de barro, grossas para serem resistentes ao tempo, nos apontam a utilização do material disponível na região. Em relação à época em que a casa foi restaurada para ser museu, entre 1954 e 1955, é importante lembrar que o momento foi de grandes comemorações e de reafirmação da história regional. A busca de elementos que exaltassem São Paulo destaca a figura do Bandeirante, colocando-o na posição de herói da cidade. Do início do século XX até a data do restauro, podemos observar outras manifestações artísticas produzidas na região cujo tema central era o Bandeirante: músicas, pinturas, esculturas, poemas, publicações de desenhos em jornais e revistas, além de nomes de rodovias e outras homenagens que surgem na segunda metade do século XX, como nome de emissora de televisão, rádio, hospitais, escolas, universidades e museu. É de grande relevância aqui pensar no nome dado ao museu: Casa do Bandeirante, em homenagem ao próprio, o “herói” paulista. Contudo a casa sempre foi moradia rural que em grande parte de sua existência pertenceu à família Medeiros (MAYUMI, 2008) e, não existem documentos que comprovem que a casa tenha sido propriedade ou lugar de passagem de bandeirantes. A homenagem na década de 50 revela o grande valor atribuído à imagem do bandeirante e, chamaria a atenção do público da cidade para visitar a casa. Ainda hoje muitos visitantes espontâneos voltam para rever a casa, influenciados por este mito. “Qual bandeirante morava mesmo nessa casa?” ou “Aqui era a parada dos bandeirantes quando estes estavam seguindo rumo ao sertão?” são perguntas frequentes que os visitantes costumam fazer aos educadores, remetendo-se sobre os móveis do sul de Minas Gerais e do interior de São Paulo, trazidos para a casa como elementos de uma exposição cenográfica e que a haviam transformado num cenário. Esta configuração expositiva, criada para a sua inauguração após o restauro, foi mantida durante décadas, com o objetivo de reconstituí-la como uma casa colonial, porém, de forma idealizada. Para ilustrar este imaginário, relato fragmentos de uma
conversa que tive com meu pai, quando comecei a trabalhar e pesquisar a Casa do Bandeirante em 2008. Ele me contou que já havia visitado a casa com a escola, em 1962, quando tinha 7 anos de idade e o que ficou em sua memória foi o que contaram sobre os bandeirantes: que eles se escondiam no alçapão para se protegerem de ataques indígenas. Foi uma surpresa para ele saber que aquela era uma propriedade rural da família Medeiros. A partir de meados dos anos de 1970, podemos notar uma mudança de mentalidade em relação ao mito do bandeirante e a disposição dos móveis como cenário. Um visitante retornou a casa com sua família, era um professor de química que em 1981 havia visitado a casa com seus alunos. Nesta época, a casa abrigava uma exposição de equipamentos rurais do século XIX e tinha a intenção, segundo ele, de trazer o funcionamento do „mundo rural‟ para a vida das crianças urbanas. Nesta conversa, o que ele lembrou sobre a casa, também comentado por outros visitantes que depois de anos retornam ao museu, é de que ela abrigava um herbário com plantas medicinais. A representação da imagem do bandeirante em livros didáticos também pode ser trazida a esta nossa reflexão. Segundo Manuel Pacheco Neto, em seu artigo “Os livros didáticos como instrumentos disseminadores da concepção heróica do bandeirante”, em fins do século XIX até o final do século XX, em livros didáticos, o bandeirante era abordado como grande herói, cercado de fatos gloriosos, como grande responsável pela expansão territorial. Datas, fatos e feitos relacionados aos bandeirantes eram muitas vezes informados e interpretados nestes livros com equívocos, impossibilitando que o aluno desenvolvesse um olhar mais critico sobre a história. A partir do final do século XX e inicio do XXI a postura desses livros em relação a esta temática começa a mudar e, o bandeirante antes herói é visto como vilão, em ilustrações que o mostram capturando e aprisionando indígenas para serem explorados como mão de obra escrava. Durante o processo de mediação com crianças que já estudaram na escola sobre os bandeirantes, em um primeiro momento é possível observar dois pontos de vista em relação ao assunto. Algumas chegam na casa acreditando que os bandeirantes eram verdadeiros heróis e, percebo que isso possa ser atribuído ao reflexo da memória individual de professores ou de livros didáticos que talvez ainda representem o bandeirante como herói. Em outros casos, os estudantes demonstram capacidade de observação e comparação mais elaborada, ao refletirem sobre os diferentes papéis atribuídos ao bandeirante em decorrência do assunto já ter sido discutido em sala de aula. Na mediação com estas crianças é possível abordar as lacunas sobre a história indígena na região de São Paulo, antiga Piratininga e, seus movimentos migratórios para o interior ao fugirem da colonização que se fez eficaz em mãos de jesuítas e bandeirantes com suas disputas de poder. Falar de bandeirantes é também falar sobre indígenas e sobre africanos. Falar desses grupos reflete em reconhecer heranças culturais presentes nas vidas dos estudantes e outros visitantes, nas suas memórias passadas familiares. Abordar a diversidade e as diferenças, tecer relações com a cultura da sociedade em que vivemos nos ajuda a refletir sobre como se constitui a nossa visão de mundo. A partir do momento que descobrimos e nos relacionamos com nossas histórias, coletivas ou individuais, começamos a compreender sobre a importância de se preservar esse tipo de construção, fruto de memórias e tempos passados. Assim, a casa passa a ser um mecanismo de identificação, uma maneira de se relacionar e reconhecer a nossa história, permitindo pensar em outras memórias e caminhos para o futuro. A casa do Sítio da Ressaca, contada por Patrícia e Francisco A memória se situa no passado, no entanto pertence ao futuro. O presente por sua vez, sempre se encontra num estado muitas vezes intolerável nos motivando a uma busca por um futuro mais atrativo. O presente é então planejamento, ação. De acordo com o filósofo Ernst
Bloch, no presente sente-se a esperança de um futuro – do que-ainda-não-veio-a-ser – e para que haja essa ação utiliza-se como ferramenta dessa busca a utopia concreta. A consciência utópica quer enxergar bem longe, mas no fundo, apenas para atravessar a escuridão bem próxima do instante que acabou de ser vivido, em que todo devir está à deriva e oculto de si mesmo. (...) o ainda-não-consciente comunicase e interage com o que-ainda-não-veio-a-ser, mais especialmente com o que está surgindo na história e no mundo. (...) cuja a solução ela mesma está em processo e a caminho. (BLOCH, 2005, p.23)
Relacionando essas ideias com a Casa do Sítio da Ressaca – casa histórica de característica bandeirista do século XVIII – e como mediadores deste espaço, podemos refletir qual ação está sendo realizada e qual seria esse futuro esperado. Quais seriam as esperanças para essa casa a partir de suas memórias? Entendendo a casa como um patrimônio histórico estadual suas ações seriam de conservação física do espaço e deveriam refletir a sua identidade cultural. Entretanto, esta ação de conservação nos inquieta, pois percebemos que não é suficiente: ela anula ou esvazia a intimidade com a casa construída pelos próprios paulistas ao longo dos anos e, portanto, segundo BLOCH, não geraria esperança. Sendo esse patrimônio ainda desconhecido como parte integrante da vida da maioria das pessoas, por que então essa casa histórica é reconhecida como um bem patrimonial? Quem a reconhece como tal? A sensação é de que a maior parte de nossos patrimônios históricos, em destaque na região de São Paulo, são apenas patrimônio para os profissionais da área: historiadores, arquitetos, estudantes universitário, arte-educadores, turismólogos. Para a população de São Paulo quais seriam seus patrimônios? A avenida Paulista com toda a sua pompa, coração da economia nacional, com enormes prédios que imprimem a seriedade profissional absoluta? Ou a praça da Sé juntamente com sua suntuosa e temida catedral gótica? Uma identidade regional geralmente se aproxima de um fato ou personagem grandiosos de sua história e/ou memória. No caso de São Paulo, observa-se que na década de 1950 houve um resgate do passado paulista e sua revalorização serviu para a recuperação do patrimônio colonial que trazia a memória do bandeirante como um indivíduo desbravador, conquistador com um passado glorioso que engrandecia a história da cidade tida como a “locomotiva da nação”. Contudo, sua figura ao longo dos anos foi sendo despida de suas “armaduras” e reduzida a um mercenário. Atualmente não temos uma figura personificada para exemplificar o que seria essa identidade. Pode-se dizer que somos de forma geral um povo multi-étnico, fruto do cosmopolitismo. O que aconteceu com os patrimônios que representavam a identidade do bandeirante, como é o caso do Sítio da Ressaca e todas as casas que formam o acervo do Museu da Cidade de São Paulo? Atualmente o Sítio da Ressaca apresenta exposições com a temática escravista/abolicionista. De acordo com os documentos oficiais, a casa do Sítio da Ressaca era a sede de um sítio e utilizada como residência de seus proprietários. Como contraponto a esta história oficial, os mitos trazidos pelos moradores mais antigos do bairro Jabaquara, zona Sul da cidade de São Paulo, sugerem locais e histórias diferentes: um local de catequização de índios pelos padres jesuítas; um quilombo; um local onde os escravos que fugiam de seus senhores se abrigavam antes de se dirigirem ao Quilombo do Jabaquara13 destacando inclusive a presença de um túnel de fuga dentro da casa; uma senzala. 13
Quilombo do Jabaquara: quilombo em que abrigava os escravos fugidos principalmente da região central da cidade de São Paulo e era localizado na cidade de Santos no litoral paulista.
Percebendo a tendência popular a estes mitos, as curadorias para as exposições deste espaço tem privilegiado a temática escravista. É curioso quando alguns funcionários do local e visitantes nos descrevem sensações relacionadas a esses mitos, como conta um dos funcionários: “sempre quando entrava na casa, sentia todo o peso e o clima deixado pelo sofrimento da escravidão de seus antepassados”. Para nós é apaixonante o modo com que muitos, principalmente idosos, relacionam-se com a memória da casa, remetendo-os às suas infâncias. Citando de memória, temos algumas frases para compartilhar: a de uma senhora: “lembro que eu ajudei meu pai a preparar o barro para levantar as paredes de nossa casa no interior”; de outra que simplesmente agradeceu um de nós com um abraço enquanto dizia: “você reviveu meus antepassados” e, a mais marcante das citações foi de outra senhora com aneurisma cerebral: “sei que não tenho muito tempo de vida, por isso mesmo que eu vim na visita... tenho que aproveitar tudo que eu ainda posso fazer”. Como educadores patrimoniais, acolhemos em nossa mediação esses mitos e/ou memórias significativas para a população a fim de que provoque uma relação de intimidade com o objeto/patrimônio, acreditando num futuro no qual as pessoas desenvolvam certa autonomia e intimidade com a identidade que sempre as pertenceu, seja ela qual for e quando for. A Casa do Grito, contada por Leandro As casas do MCSP foram tombadas como Patrimônios Históricos em diferentes épocas, e por diferentes motivos. É perceptível que o Patrimônio Cultural desperta os mais variados sentimentos nas pessoas e, ao estabelecerem uma relação e identificação com ele, nos ajudam a pensar sobre possíveis justificativas para a sua preservação. Esses sentimentos podem ser de admiração pela descoberta de uma nova experiência; pela identidade estabelecida com esse patrimônio por meio de um sentimento de pertencimento; ou simplesmente por alguma recordação que tal patrimônio tenha despertado nos visitantes. Como educador da Casa do Grito, localizada no Parque da Independência no bairro do Ipiranga em São Paulo, desde 2010, tenho presenciado diversas sensações que esse local desperta em seus visitantes. É muito comum os visitantes, principalmente os mais idosos, ao entrarem na casa, evocarem lembranças de suas vidas, principalmente de suas infâncias quando por determinado período moraram em alguma casa semelhante, também construída de pau-a-pique ou com piso de terra batida ou de tijolos, como hoje em dia na Casa do Grito. Essas sensações remetem ao campo das memórias e, a através delas, é possível compartilhar e imaginar o modo de vida dessas pessoas, mesmo sem termos vivido as mesmas experiências. Por outro lado, é possível perceber que a maior parte dos visitantes que vêm a Casa do Grito, buscam conhecer o local onde teria morado o primeiro imperador do Brasil, D. Pedro I. Essa é uma “fábula” que é responsável por grande parte da atração que esse local exerce em seus visitantes, embora não encontre fundamentos históricos ou arqueológicos. Apresento alguns relatos que ilustram esta percepção. Em meados de abril de 2011, presenciei uma discussão interessante entre uma mãe e sua filha sobre a propriedade da Casa do Grito. Enquanto a mãe falava com absoluta convicção que ali havia residido D. Pedro I, a filha contra argumentava que não, pois “ele era rico” e, portanto não poderia ter morado em tal casa. Em outra situação, uma professora do Museu Nacional da UFRJ, me contou que, ao conversar com o taxista que a conduzia pelo bairro do Ipiranga em São Paulo, comentou com ele que trabalhava no local onde morava D. Pedro I e, ouviu como resposta que ela estava enganada, pois, D. Pedro I morava “naquela casinha ali”, disse o taxista apontando para a Casa do Grito.
Ao longo do tempo que estou trabalhando como educador neste espaço, já presenciei diversas outras discussões e comentários que insistem em relacioná-la à figura de D. Pedro I, seja como moradia, seja como ponto de parada por ocasião da Independência do Brasil. Essas situações e experiências nos mostram uma outra forma pela qual os patrimônios podem ser assimilados, que embora muitas vezes não sejam fundamentadas em evidências históricas e arqueológicas, propicia a criação da identidade do público visitante com o Parque da Independência e a Casa do Grito. Assim como é possível perceber em outras Casas que fazem parte do acervo do Museu da Cidade de São Paulo, como as casas bandeiristas, por exemplo. Tais edificações evocam uma memória construída para contar a História Paulista, tal como a figura do Bandeirante, como já vimos, a presença do primeiro Imperador do Brasil na cidade precisou ser engrandecida. Talvez, esse engrandecimento, aliado a presença de uma construção semelhante no famoso quadro Independência ou Morte do pintor Pedro Américo14, contribua para a construção desse imaginário em torno da Casa do Grito. Também, esse imaginário é reforçado pelo próprio nome do parque, Parque da Independência, do jornal que circula no parque, Diário do Imperador e, pelos outros mitos que permeiam o local. E é justamente esse imaginário que justifica para a grande maioria dos visitantes a preservação desse Patrimônio, que parece perder o sentido quando tem sua história revelada por meio de prospecções arqueológicas e outras pesquisas, como pouso de tropeiros e residência da família Tavares de Oliveira, últimos moradores da casa, cujos descendentes em visita tive a oportunidade de conhecer. Ainda, podemos nos referir a outros visitantes cuja intenção é visitar um exemplar de residência do século XIX, de pau-a-pique, ainda preservado no meio dessa “selva de pedra” que é a cidade de São Paulo hoje em dia. A Casa do Grito é, portanto um bom exemplo de como um Patrimônio Histórico é diferentemente percebido pelos diversos públicos que o frequentam. Seja por meio da importância histórica a ela atribuída, seja pela afetividade despertada em seus visitantes, seja pelo mito criado pela memória social, todas estas formas de perceber e se relacionar com o Patrimônio, mas que convergem para a sua importância e necessidade de preservação. Considerações finais Quando nos reunimos para elaborar este artigo nos deparamos com muitas inquietações a respeito dos mitos e, por que não dizer, das fábulas em torno do patrimônio do MCSP, que apresenta uma memória construída a partir de uma possibilidade de leitura da história paulista. Assim, encaramos esse texto como um importante trabalho reflexivo do educador/mediador cultural, pois as considerações apresentadas são frutos de experiências situadas entre o real e o imaginário; entre um olhar inocente e um crítico, especializado, entre as memórias da escola, da infância, da família, da casa, do museu, da cidade; entre as experiências dos visitantes e dos educadores re-significadas nos processos de mediação. É possível perceber também, a partir dos relatos, a preocupação dos educadores com a relação sujeito (público) e objeto (patrimônio), acreditando no próprio trabalho como um elemento que promove a cidadania, problematizando o patrimônio e a história oficial, procurando dar voz às memórias, mitos e fábulas do público para que ele de fato seja sujeito de sua própria história. 14
Pedro Américo. Independência ou Morte, 1888. Óleo sobre tela. Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo.
Não podemos nos esquecer de que os próprios mediadores têm que lidar com suas próprias memórias, conhecimentos e certezas que, muitas vezes, se conflitam com as memórias, conhecimentos e certezas dos visitantes, que num processo dialógico faz com que ambos revejam, desconstruam e construam outros saberes e significados.
4. Alguns apontamentos sobre a educação para o patrimônio Adriana Russi Gilmar Rocha15 Daniela Biason16 Thárcia Mesquita
Nosso pequeno texto trata da análise, ainda bastante inicial, de dados preliminares de uma pesquisa sobre a temática educação e o patrimônio cultural. Essa pesquisa surgiu no âmbito de um programa de extensão da UFF Implicações Socioeducacionais do Artesanato em Oriximiná/PA17, desenvolvido desde 2008. O levantamento de informações sobre a temática foi realizado por meios virtuais (através da identificação em sítios da internet de grupos de pesquisa, dissertações e teses e publicações). Além disso, foram realizadas pesquisas em bibliotecas com intuito de ampliar as buscas. De um primeiro levantamento, com base no sitio do CNPq (diretórios de pesquisa) identificamos no Brasil atuando 23 núcleos, grupos ou laboratórios de estudos e pesquisas vinculados em sua maioria a universidades públicas federais. Encontramos uma grande concentração no Nordeste com 7 grupos: 2 grupos no Ceará , 2 grupos no Piaui, 2 grupos em Pernambuco e 1 na Paraiba. A região Sul do Brasil também conta com um número expressivo: são 5 grupos sendo 4 no Rio Grande do Sul e 1 em Santa Catarina. A região Sudeste tem 6 grupos assim distribuídos: 3 grupos no Rio de Janeiro, 2 grupos em Minas Gerais e 1 grupo em São Paulo. A região Norte e a Centro Oeste tem cada uma 2 grupos, distribuídos em: 1 no Amapá, 1 no Pará, 1 em Goias e 1 no estado do Tocantins. Os grupos ou núcleos de pesquisa e/ou estudo ou ainda os chamados laboratórios estão vinculados a departamentos organizados muitas vezes em áreas de conhecimento. A maioria dos grupos está associada à Arqueologia (6), seguida da História (5), Educação ou Métodos e Técnicas de Ensino (3), Geografia (2). Vinculados à Ciência da Informação ou Tecnologia (2) enquanto Turismo e Arqueologia, Turismo, Arquitetura, Engenharia e Antropologia tem 1 grupo em cada uma dessas áreas. Para tanto o critério utilizado baseou-se na procura dos grupos de acordo com as palavras chaves: educação e patrimônio. Notamos a interdisciplinaridade da área como explicitado acima através dos diferentes departamentos onde estão localizados os grupos.
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Gilmar Rocha é docente da UFF e coordena juntamente com a profa. Adriana Russi o Programa de Extensão Implicações Socioeducacionais do Artesanato em Oriximiná/PA. 16
Daniela Biason e Thárcia Mesquita são discentes do Curso de Produção Cultural da UFF e bolsistas do Programa de Extensão Implicações Socioeducacionais do Artesanato em Oriximiná/PA. Elas colaboraram no levantamentos dos dados apresentados neste texto. 17
Sitio oficial do programa WWW.patrimoniocultural.uff.br foi criado como ferramenta de comunicação entre a universidade e a sociedade.
Com auxilio da plataforma da CAPES, fizemos um levantamento dos trabalhos acadêmicos (dissertações, teses e trabalhos finais de especializações profissionalizantes)e encontramos: 23 dissertações de mestrado, 18 trabalhos finais profissionalizantes e 2 teses de doutorado. Essas pesquisas versam sobre a articulação entre o patrimônio cultura e diferentes áreas/enfoques, tendo como elemento importante a educação. Assim, encontramos trabalhos sobre ação de educação e patrimônio cultural em museus, outros propondo discussões centradas na arqueologia, alguns na área do turismo, arquitetura e outros trabalhos sobre políticas públicas voltadas à essa área. Alguns refletem sobre bens patrimoniais e memória social. Desde a publicação do Guia de Educação Patrimonial (HORTA et AL, 1999) do IPHAN, a recorrência do tema em periódicos, boletins, revistas, informes, anuários, blogs e outros aumentaram e vem ganhando força no Brasil. Da alfabetização cultural sugerida por Horta à proposta de inclusão da Educação Patrimonial no currículo da educação formal temos identificado inúmeras formas de abordagem da questão do patrimônio cultural na educação. A alfabetização cultural proposta por Horta possibilita ao sujeito uma avaliação do local onde está, tanto no sentido sociocultural quanto histórico temporal, sendo assim para essa autora, “esse processo leva a autoestima dos indivíduos e comunidades à valorização da cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural.” (HORTA et al,1999, p. 6). Consideramos que práticas que articulam os saberes locais dos alunos em seus contextos socioculturais com os saberes instituídos pelos conteúdos na educação básica podem suscitar interessante experiência multidisciplinar. Assim, a educação para o patrimônio, antes de se tornar mais um conteúdo ou atividade isolada dos demais conhecimentos escolares pode assumir o sentido de ampliar o olhar do educando para o patrimônio cultural. A partir disto, podemos compreender quão importante é esta área para qualquer sujeito e que considera suas histórias e memórias como elementos relevantes. Com efeito, é notória a presença de muitos trabalhos que perpassam pela questão da inserção do tema transversal Pluralidade Cultural, com ênfase no patrimônio cultural, nos currículos escolares, salientando deste modo a interdisciplinaridade. Segundo Cerqueira (2005, p.92), a Educação Patrimonial “(...) entra no quesito de formação de cidadãos e além disso, o seu lugar pedagógico entre as atividades curriculares e extracurriculares.” Como destaca Santos (2001), a questão do patrimônio cultural está intrinsecamente ligada ao conceito de cultura no seu sentido antropológico. Se optarmos, por exemplo, por fazer deste um caminho, qual seja, a inserção das discussões sobre patrimônio cultural no cotidiano escolar, entrelaçado pelos saberes escolares podemos alcançar o que Casco aponta: Uma sociedade culta é uma sociedade cultivada, seja pelos meios formais da educação – a escola - , seja pelos informais – a família , os mestres, as práticas sociais etc. e será culta no sentido mais amplo de portador de uma cultura, na medida em que for capaz de escolher, no passado e no presente, aqueles – objetos, signos, pessoas, tradições, etc. – com as quais quer construís sua linha do tempo no mundo.(CASCO, 2006,p.35). Por fim, vale lembrar que a pesquisa sobre o estado da arte da educação e patrimônio cultural, ainda muito incipiente, surgiu de demanda do programa de extensão acima mencionado. Nosso principal intuito é promover um intercâmbio acadêmico com órgãos, instituições, pesquisadores, professores e outros grupos que desenvolvam trabalhos nessa área.
5. LABOEP/UFF – propostas e percursos Lygia Segala18 Maria Vittoria de Carvalho Pardal
O Laboep (antigo Laboratório de Educação Patrimonial, atual Laboratório de Educação e Patrimônio Cultural) foi criado, em fins de 2003, na Faculdade de Educação da UFF, para discutir questões relativas ao patrimônio cultural brasileiro, seu contraponto internacional, suas relações com a Educação, através de cursos e seminários, projetos de pesquisa e de extensão universitária . Interessa articular essas iniciativas com as atividades curriculares das escolas do ensino fundamental e médio, com propostas e programas de formação de professores, com a ação educativa de instituições culturais. Nas nossas salas de aula, as perguntas se acumulam: Como se definem os usos sociais do passado, as modalidades pelas quais nos situamos em tempos particulares e diante de um futuro coletivo? Como pensar uma “política do passado” escapando dos termos que muitas vezes balizam esse debate: a valorização nostálgica de um tempo perdido ou a sua promoção entusiasmada como bem de consumo, celebração do mercado, arte turística. O que, de forma compartilhada aprendemos a lembrar ou a esquecer sobre nossa história cultural? O que revelam os silêncios do conhecimento? O que é patrimônio cultural? Como essa idéia vem sendo formulada e apropriada nas instituições de ensino? Calçada em que campos disciplinares? Como esses debates se institucionalizam no Brasil, definindo conceitos de referência, metodologias particulares de gestão e de intervenção? Como essas diretrizes se vinculam ao debate internacional? Quem decide o que é ou o que não é patrimonial? Comentamos freqüentemente em nossos cursos como aprendemos a não conhecer a história cultural brasileira. Há referências fragmentadas, linhas de tempo embaralhadas, um ouvir dizer com poucos encaixes que se ligam, por vezes, a personagens e a enredos de telenovelas. O material didático disponível, o calendário das festas e dos feriados, as comemorações de um dia só na escola reforçam a apreensão da história cultural como um repertório de cenas e tipos caricatos, esvaziados de qualquer sentido relacional. As culturas indígenas são percebidas pela maior parte dos nossos alunos, muitos deles professores do ensino fundamental da região metropolitana do Rio de Janeiro, como figuras emblemáticas de um passado remoto, decalcadas da primeira missa de Vitor Meirelles, ilustração quase obrigatória nos livros escolares. Em abril, reaparecem enfeitados com penas de fantasia e colares de macarrão. As culturas africanas, ibéricas, também são saberes opacos assim com aqueles sobre os imigrantes, que nas suas diferenças também “fizeram o Brasil”. As pesquisas de ponta da Antropologia e da História cultural ainda estão longe dessas salas de aula. Se esses processos sociais e culturais não são conhecidos e compreendidos, re-situados nas lógicas da globalização, como discutir a relevância de bens patrimoniais? No debate contemporâneo, o sentido de patrimônio se alarga. Não é apenas o bem que se herda mas o bem constitutivo da consciência de um grupo, um campo de disputas e de 18
Lygia Segalla é docente da UFF, idealizadora do LABOEP e coordenou até recentemente o laboratório. Lea Glavão, docente recém aposentada da UFF é a vice-coordenadora do laboratório.
negociações, articulando-se estreitamente à memória e à identidade sociais. Como observa Nora (1997), passamos hoje de um patrimônio de tipo nacional a um patrimônio de tipo simbólico e identitário, de um patrimônio herdado a um patrimônio reivindicado, de um patrimônio visível a um patrimônio invisível, de um patrimônio ligado ao Estado a um patrimônio social, étnico ou comunitário. A idéia de preservação de um bem cultural se articula pois, estreitamente, ao seu conhecimento e ao seu uso social, à ciência e à consciência do patrimônio. O Laboep, para além do trabalho docente, vem realizando vários seminários, com pesquisadores convidados, sobre patrimônio cultural material e imaterial. Acompanha e desenvolve alguns projetos: o Caniço e samburá: ação educativa do Museu de Arqueologia de Itaipu, na região oceânica de Niterói. Tem por objetivo preparar a visita de professores e alunos ao Museu. Em cesta artesanal, utilizada na atividade pesqueira, estão reunidos documentos textuais e fotográficos sobre Arqueologia, sobre o Museu, sua história, as peças da exposição, recortes de jornais sobre pesquisas científicas afins, entrevistas gravadas com pescadores da colônia local, um bloco de histórias para contar, feito por professores, a partir das suas pesquisas, das suas experiências de visita à instituição. As cestas são emprestadas às escolas, semanas antes da ida ao Museu. O material é trabalhado e recriado pelos alunos e professores, com o intuito de compreender e prever “o passeio de descobertas”. O Laboep está organizado em um sistema de redes, modo mais horizontalizado de organização que implica em co-responsabilidade no trabalho de educação patrimonial, ampliando a circulação de informações, as possibilidades de debates, de propostas novas, de consolidação de grupos de pesquisa.
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