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CAPÍTULO XXIII

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CAPÍTULO CXVI

CAPÍTULO CXVI

CAPÍTULO XXI

UM PONTO ESCURO

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Sei que há um ponto escuro no capítulo que passou; escrevo este para esclarecê-lo. Quando a esposa inquiriu dos antecedentes e circunstâncias do despacho, Santos deu as explicações pedidas. Nem todas seriam estritamente exatas; o tempo é um rato roedor das coisas, que as diminui ou altera no sentido de lhes dar outro aspecto. Demais, a matéria era tão propícia ao alvoroço que facilmente traria confusão à memória. Há, nos mais graves acontecimentos, muitos pormenores que se perdem, outros que a imaginação inventa para suprir os perdidos, e nem por isso a história morre.

Resta saber (é o ponto escuro) como é que Santos pôde calar por longos dias um negócio tão importante para ele e para a esposa. Em verdade, esteve mais de uma vez a dizer por palavra ou por gesto, se achasse algum, aquele segredo de poucos; mas, sempre havia uma força maior que lhe tapava a boca. Ao que parece, foi a expectação de uma alegria nova e inesperada que lhe deu a alma de pacientar. Naquela cena do gabinete tudo foi composto de antemão, o silêncio, a indiferença, os filhos que ele pôs ali, estudando ao domingo, só para efeito daquela frase: “Venham beijar a mão da Senhora Baronesa de Santos!”

CAPÍTULOXXII

AGORA UM SALTO

Que os dois gêmeos participassem da lua-de-mel nobiliária dos pais não é coisa que se precise escrever. O amor que lhes tinham bastava a explicá-lo, mas acresce que, havendo o título produzido em outros meninos dois sentimentos opostos, um de estima, outro de inveja, Pedro e Paulo concluíram ter recebido com ele um mérito especial. Quando, mais tarde, Paulo adotou a opinião republicana nunca envolveu aquela distinção da família na condenação das instituições. Os estados de alma que daqui nasceram davam matéria a um capítulo especial, se eu não preferisse agora um salto, e ir a 1886. O salto é grande, mas o tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo. Também se pode bordar nada. Nada em cima de invisível é a mais subtil obra deste mundo, e acaso do outro.

CAPÍTULO XXIII

QUANDO TIVEREM BARBAS

Naquele ano, uma noite de agosto, como estivessem algumas pessoas na casa de Botafogo, sucedeu que uma delas, não sei se homem ou mulher, perguntou aos dois irmãos que idade tinham.

Paulo respondeu: — Nasci no aniversário do dia em que Pedro I caiu do trono. E Pedro: — Nasci no aniversário do dia em que Sua Majestade subiu ao trono.

As respostas foram simultâneas, não sucessivas, tanto que a pessoa pediu-lhes que falasse cada um por sua vez. A mãe explicou: — Nasceram no dia 7 de abril de 1870. Pedro repetiu vagarosamente: — Nasci no dia em que Sua Majestade subiu ao trono. E Paulo, em seguida: — Nasci no dia em que Pedro I caiu do trono.

Natividade repreendeu a Paulo a sua resposta subversiva. Paulo explicou-se, Pedro contestou a explicação e deu outra, e a sala viraria clube, se a mãe não os acomodasse por esta maneira: — Isto hão de ser grupos de colégio; vocês não estão em idade de falar em política. Quando tiverem barbas.

As barbas não queriam vir, por mais que eles chamassem o buço com os dedos, mas as opiniões políticas e outras vinham e cresciam. Não eram propriamente opiniões, não tinham raízes grandes nem pequenas. Eram (mal comparando) gravatas de cor particular, que eles atavam ao pescoço, à espera que a cor cansasse e viesse outra. Naturalmente cada um tinha a sua. Também se pode crer que a de cada um era, mais ou menos, adequada à pessoa. Como recebiam as mesmas aprovações e distinções nos exames, faltava-lhes matéria a invejas; e, se a ambição os dividisse algum dia, não era por ora águia nem condor, ou sequer filhote; quando muito, um ovo. No colégio de Pedro II todos lhe queriam bem. As barbas é que não queriam vir. Que é que se lhes há de fazer quando as barbas não querem vir? Esperar que venham por

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