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CAPÍTULO XXVI

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CAPÍTULO CXVI

CAPÍTULO CXVI

— Se eu já estou arrependido... Dez tostões pelo imperador. — Ah! isso não! Custou-me mil e setecentos, há três semanas ganho uns trezentos réis, quase nada. Ganho menos com o Senhor D. Miguel, mas também concordo que é menos procurado. Este de D. Pedro I, se passar amanhã, talvez já o não ache. Vá, sim? — Eu passo depois.

Paulo já ia andando e mirando Robespierre; Pedro alcançou-o. — Olhe, leve por sete tostões o Senhor D. Miguel. Pedro abanou a cabeça. — Seis tostões serve?

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Pedro, ao lado do irmão, desenrolara a sua gravura. O velho lojista quis ainda bradar: “Cinco tostões!” mas iam já longe, e ficava mal negociar assim.

CAPÍTULO XXV

D. MIGUEL

— “Assim como assim, ficou pensando o velho, não há de ser enrolado e guardado que o hei de vender; vou mandá-lo encaixilhar; põem-se-lhe aqui umas tabuinhas velhas...

D. Miguel voltou para ele os olhos turvos de tristeza e reproche; assim lhe pareceu ao vidraceiro, mas podia ter sido ilusão. Em todo caso, pareceu também que os olhos tornavam ao seu lugar, fitando à direita, ao longe... Para onde? Para onde há justiça eterna, cuidou naturalmente o dono. Como estivesse a contemplá-lo, à porta, parou um homem, entrou, e olhou com interesse para o retrato. O lojista reparou na expressão; podia ser algum miguelista, mas também podia ser um colecionador... — Quanto pede o senhor por isto? — Isto? Há de perdoar; quer saber quanto peço pelo meu rico senhor D. Miguel? Não peço muito, está um tanto encardido, mas ainda se lhe aprecia bem a figura. Que soberba que ela é! Não é caro; dou-lhe pelo custo; se estivesse encaixilhado, valeria uns quatro mil-réis. Leve-o por três.

O freguês tirou tranqüilamente o dinheiro do bolso, enquanto o velho enrolava o retrato, e, trocados um por outro, despediram-se corteses e satisfeitos; o lojista, depois de ir até à porta, tornou à cadeira do costume. Talvez pensasse no mal a que escapara, se vendesse o retrato por dez tostões. Em todo caso, ficou a olhar para fora, para longe, para onde há justiça eterna... Três mil-réis!

CAPÍTULO XXVI

A LUTA DOS RETRATOS

Quase que não é preciso dizer o destino dos retratos do rei e o convencional. Cada um dos pequenos pregou o seu à cabeceira da cama. Pouco durou esta situação, porque ambos faziam pirraças às pobres gravuras, que não tinham culpa de nada. Eram orelhas de burro, nomes feios, desenhos de animais, até que um dia Paulo rasgou a de Pedro, e Pedro a de Paulo. Naturalmente, vingaram-se a murro, a mãe ouviu rumor e subiu apressada.

Conteve os filhos, mas já os achou arranhados e recolheu-se triste. Nunca mais acabaria aquela maldição de rivalidade? Fez esta pergunta calada, atirada à cama, a cara metida no travesseiro, que desta vez ficou seco, mas a alma chorou.

Natividade confiava na educação, mas a educação, por mais que ela a apurasse, apenas quebrava as arestas ao caráter dos pequenos, o essencial ficava; as paixões embrionárias trabalhavam por viver, crescer, romper, tais quais ela sentira os dois no próprio seio, durante a gestação... E recordava a crise de então, acabando por maldizer da cabocla do Castelo. Realmente, a cabocla devia ter calado; o mal calado não se muda, mas não se sabe. Agora, pode ser que isto de não calar confirme a opinião de que a Cabocla era mandada por Deus para dizer a verdade aos homens. E afinal o que é que ela disse a Natividade? Não fez mais que uma pergunta misteriosa; a predição é que foi luminosa e clara... E outra vez as palavras do Castelo ressoaram aos ouvidos da mãe, e a imaginação fez o resto. Coisas futuras! Hei-los grandes e sublimes. Algumas brigas em pequenos, que importa? Natividade sorriu, ergueu-se, foi à porta, deu com o filho Pedro, que vinha explicar-se. — Mamãe, Paulo é mau. Se mamãe ouvisse os horrores que ele solta pela boca fora, mamãe morria de medo. Custa-me muito não ir à cara dele; ainda lhe não tirei um olho... — Meu filho, não fales assim, é teu irmão. — Pois que não se meta comigo, não me aborreça. Que blasfêmias que ele dizia! Como eu rezava por alma de Luís XVI, ele para machucar-me bem, rezava a Robespierre; compôs uma ladainha chamando

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