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CAPÍTULO XXXI

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CAPÍTULO CXVI

CAPÍTULO CXVI

presidência liberal, um fornecimento de palácio. Não era exato; a folha da oposição reviveu o processo antigo e mostrou que a defesa fora cabal.

Podia parar aqui, mas continuou que, “como agora estávamos em Espanha”, o presidente emendou o poeta espanhol, autor daquele epitáfio:

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Cunados y juntos:

Es cierto que están difuntos; e emendou-o por não ser obrigado a matar ninguém, antes deu vida a si e aos seus, dizendo pela nossa língua:

Cunhados e cunhadíssimos; E certo que são vivíssimos!

Batista acudiu depressa ao mal, declarando sem efeito a concessão, mas isso mesmo serviu à oposição para novos arremessos: “Temos a confissão do réu!” foi o título do primeiro artigo que rendeu à folha da oposição o ato do presidente. Os correspondentes tinham já escrito para o Rio de Janeiro falando da concessão, e o governo acabou por demitir o seu delegado. Em verdade, só os políticos cuidaram do negócio. D. Cláudia apenas aludia à campanha da imprensa, que foi violentíssima. — Não valia a pena sair daqui, disse Natividade. — Lá isso não, baronesa!

E D. Cláudia afirmou que valia. Sofre-se, mas paciência. Era tão bom chegar à província! Tudo anunciado, as visitas a bordo, o desembarque, a posse, os cumprimentos... Ver a magistratura, o funcionalismo, a oficialidade, muito calva, muito cabelo branco, a flor da terra, enfim, com as suas cortesias longas e demoradas, todas em ângulo ou em curva, e os louvores impressos. As mesmas descomposturas da oposição eram agradáveis. Ouvir chamar tirano ao marido, que ela sabia ter um coração de pomba, ia bem à alma dela. A sede de sangue que se lhe atribuía, ele que nem bebia vinho, o guante de ferro de um homem que era uma luva de pelica, a imoralidade, a desfaçatez, a falta de brio, todos os nomes injustos, mas fortes, que ela gostava de ler, como verdades eternas, onde iam eles agora? A folha da oposição era a primeira que D. Cláudia lia em palácio. Sentia-se vergastada também e tinha nisso uma grande volúpia, como se fosse na própria pele, almoçava melhor. Onde iam os látegos daquele tempo? Agora mal podia ler o nome dele impresso no fim de algumas razões do foro, ou então na lista das pessoas que iam visitar o imperador. — Nem sempre, explicou D. Cláudia; Batista é muito acanhado; vai de longe em longe a

S. Cristóvão, para não parecer que se faz lembrado, como se isto fosse crime; ao contrário, não ir nunca é que pode parecer arrufo. Note que o imperador nunca deixou de recebe-lo com muita benevolência, e a mim também. Nunca esqueceu o meu nome. Já deixei de lá ir dois anos, e quando apareci, perguntou-me logo: “Como vai, D. Cláudia?” Afora essas saudades do poder, D. Cláudia era uma criatura feliz. A viveza das palavras e das maneiras, os olhos que pareciam não ver nada à força de não pararem nunca, e o sorriso benévolo, e a admiração constante, tudo nela era ajustado a curar as melancolias alheias. Quando beijava ou mirava as amigas era como se as quisesse comer vivas, comer de amor, não de ódio, metê-las em si, muito em si, no mais fundo de si.

Batista não tinha as mesmas expansões. Era alto, e o ar sossegado dava um bom aspecto de governo. Só lhe faltava ação, mas a mulher podia inspirar-lha, nunca deixou de consultá-la nas crises da presidência. Agora mesmo, se lhe desse ouvidos, já teria ido pedir alguma coisa ao governo, mas neste ponto era firme, de uma firmeza que nascia da fraqueza: “Hão de chamar-me, deixa estar”, dizia ele a D. Cláudia, quando aparecia alguma vaga de governo provincial. Certo é que ele sentia a necessidade de tornar à vida ativa. Nele a política era menos uma opinião que uma sarna; precisava coçar-se a miúdo e com força.

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