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CAPÍTULO XLVII

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CAPÍTULO CXVI

CAPÍTULO CXVI

CAPÍTULO XLV

MUSA, CANTA...

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No fim do almoço, Aires deu-lhes uma citação de Homero, aliás duas, uma para cada um, dizendo-lhes que o velho poeta os cantara separadamente, Paulo no começo da Ilíada: — “Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu, cólera funesta aos gregos, que precipitou à estância de Plutão tantas almas válidas de heróis, entregues os corpos às aves e aos cães...”

Pedro estava no começo da Odisséia: — “Musa, canta aquele herói astuto, que errou por tantos tempos, depois de destruída a santa Ílion...”

Era um modo de definir o caráter de ambos, e nenhum deles levou a mal a aplicação. Ao contrário, a citação poética valia por um diploma particular. O fato é que ambos sorriam de fé, de aceitação, de agradecimento, sem que achassem uma palavra ou sílaba com que desmentissem o adequado dos versos. Que ele, o conselheiro, depois de os citar em prosa nossa, repetiu-os no próprio texto grego e os dois gêmeos sentiram-se ainda mais épicos, tão certo é que traduções não valem originais. O que eles fizeram foi dar um sentido deprimente ao que era aplicável ao irmão: — Tem razão, Sr. conselheiro. — disse Paulo, — Pedro é um velhaco... — E você é um furioso... — Em grego, meninos, em grego e em verso, que é melhor que a nossa língua e a prosa do nosso tempo.

CAPÍTULO XLVI

ENTRE UM ATO E OUTRO

Aqueles almoços repetiram-se, os meses passaram, vieram férias, acabaram-se férias, e Aires penetrava bem os gêmeos. Escrevia-os no Memorial, onde se lê que a consulta ao velho Plácido dizia respeito aos dois, e mais a ida à cabocla do Castelo a briga antes de nascer, casos velhos e obscuros que ele relembrou, ligou e decifrou.

Enquanto os meses passam, faze de conta que estás no teatro, entre um ato e outro, conversando. Lá dentro preparam a cena, e os artistas mudam de roupa. Não vás lá; deixa que a dama, no camarim, ria com os seus amigos o que chorou cá fora com os espectadores. Quanto ao jardim que se está fazendo, não te exponhas a vê-lo pelas costas; é pura lona velha sem pintura, porque só a parte do espectador é que tem verdes e flores. Deixa-te estar cá fora no camarote desta senhora. Examina-lhe os olhos; têm ainda as lágrimas que lhe arrancou a dama da peça. Fala-lhe da peça e dos artistas. Que é obscura. Que não sabem os papéis. Ou então que é tudo sublime. Depois percorre os camarotes com o binóculo, distribui justiça, chama belas às belas e feias às feias, e não te esqueças de contar anedotas que desfeiem as belas, e virtudes que componham as feias. As virtudes devem ser grandes e as anedotas engraçadas. Também as há banais, mas a mesma banalidade na boca de um bom narrador faz-se rara e preciosa. E verás como as lágrimas secam inteiramente, e a realidade substitui a ficção. Falo por imagem; sabes que tudo aqui é verdade pura e sem choro.

CAPÍTULO XLVII

S. MATEUS, IV, 1-10

Se há muito riso quando um partido sobe, também há muita lágrima do outro que desce, e do riso e da lágrima se faz o primeiro dia da situação, como nos Gênesis. Venhamos ao evangelista que serve de título ao capítulo. Os liberais foram chamados ao poder, que os conservadores tiveram de deixar. Não é mister dizer que o abatimento de Batista foi enorme. — Justamente agora que eu tinha esperanças, disse ele à mulher. — De quê? — Ora de quê! de uma presidência. Não disse nada, porque podiam falhar, mas é quase certo que não. Tive duas conferências, não com ministros, mas com pessoa influente que sabia, e era negócio de esperar um mês ou dois... — Presidência boa? — Boa. — Se você tivesse trabalhado bem... — Se tivesse trabalhado bem, podia estar já de posse, mas vínhamos agora a toque de caixa. — Isso é verdade, concordou D. Cláudia olhando para o futuro.

Batista passeava, as mãos nas costas, os olhos no chão, suspirando, sem prever o tempo em que os conservadores tornariam ao poder. Os liberais estavam fortes e resolutos. As mesmas idéias pairavam na cabeça de D. Cláudia. Este casal só não era igual na vontade; as idéias eram muitas vezes tais que, se aparecessem cá fora, ninguém diria quais eram as dele, nem quais as dela, pareciam vir de um cérebro único. Naquele momento nenhum achava esperança imediata ou remota. Uma só idéia vaga... E foi aqui que a vontade de D. Cláudia fincou os pés no chão e cresceu. Não falo só por imagem; D. Cláudia levantou-se da cadeira, rápida, e disparou esta pergunta ao marido: — Mas, Batista, você o que é que espera mais dos conservadores? Batista parou com um ar digno e respondeu com simplicidade: — Espero que subam.

— Que subam? Espera oito ou dez anos, o fim do século, não é? E nessa ocasião você sabe se será aproveitado? Quem se lembrará de você? — Posso fundar um jornal. — Deixe-se de jornais. E se morrer? — Morro no meu posto de honra.

D. Cláudia olhou fixa para ele. Os seus olhos miúdos enterravam-se pelos dele abaixo, como duas verrumas pacientes. Súbito, levantando as mãos abertas: — Batista, você nunca foi conservador!

O marido empalideceu e recuou, como se ouvira a própria ingratidão de um partido. Nunca fora conservador? Mas que era ele então, que podia ser neste mundo? Que é que lhe dava a estima dos seus chefes? Não lhe faltava mais nada... D. Cláudia não atendeu a explicações, repetiu-lhe as palavras, e acrescentou: — Você estava com eles, como a gente está num baile, onde não é preciso ter as mesmas idéias para dançar a mesma quadrilha.

Batista sorriu leve e rápido; amava as imagens graciosas e aquela pareceu-lhe graciosíssima, tanto que concordou logo; mas a sua estrela inspirou-lhe uma refutação pronta. — Sim, mas a gente não dança com idéias, dança com pernas. — Dance com que for, a verdade é que todas as suas idéias iam para os liberais; lembre-se que os dissidentes na província acusavam a você de apoiar os liberais... — Era falso; o governo é que me recomendava moderação. Posso mostrar cartas. — Qual moderação! Você é liberal. — Eu liberal? — Um liberalão, nunca foi outra coisa. — Pense no que diz, Cláudia. Se alguém a ouvir é capaz de crer, e daí a espalhar... — Que tem que espalhe? Espalha a verdade, espalha a justiça, porque os seus verdadeiros amigos não o hão de deixar na rua, agora que tudo se organiza. Você tem amigos pessoais no ministério, por que é que os não procura?

Batista recuou com horror. Isto de subir as escadas do poder e dizer-lhe que estava às ordens não era concebível sequer. D. Cláudia admitiu que não, mas um amigo faria tudo, um amigo íntimo do governo que dissesse ao Ouro Preto: “Visconde, você por que é que não convida

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