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CAPÍTULO LXXXIII

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CAPÍTULO CXVI

CAPÍTULO CXVI

pregassem o contrário. Aliás, os dissidentes já o haviam excomungado também, declarando abominável a sua memória, com aquele ódio rijo, que fortalece alguma vez o homem contra a frouxidão da piedade.

Talvez o velho Plácido deslindasse o problema em cinco minutos. Mas para isso era preciso evocá-lo, e o discípulo Santos cuidava agora de umas liquidações últimas e lucrativas. Não só de fé vive o homem, mas também de pão e seus compostos e similares.

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CAPÍTULO LXXXII

EM S. CLEMENTE

Ao cabo de poucas semanas, a família Batista saiu da casa Santos, e tornou à Rua de S. Clemente. A despedida foi terna, as saudades começaram antes da separação, mas a afeição, o costume, a estima, — a necessidade, em suma, de se verem a miúdo compensaram a melancolia, e a gente Batista levou promessa de que a gente Santos iria vê-la daí a poucos dias.

Os gêmeos cumpriram cedo a promessa. Um deles, parece que Paulo, foi lá nessa mesma noite com recado da mãe para saber se tinham chegado bem. Disseram-lhe que sim, acrescentando Batista, para abreviar a visita, que estavam bastante cansados. Os olhos de Flora desmentiram esta afirmação; mas dentro em pouco achavam-se não menos tristes que alegres. A alegria vinda da prontidão de Paulo, a tristeza da ausência de Pedro.

Quisera-os ambos naturalmente; mas, como é que as duas sensações se mostravam a um tempo; eis o que não entenderás bem nem mal. Certamente, os olhos iam diversas vezes para a porta, e uma vez pareceu à moça ouvir rumor na escada; tudo ilusão. Mas estes gestos que Paulo não viu, tão contente estava de se haver adiantado ao irmão, não eram tais que a fizessem esquecer o irmão presente.

Paulo saiu tarde, não só para o fim de aproveitar a ausência de Pedro, mas ainda porque Flora o fazia demorar, com o intuito de ver se o outro chegava. Assim que, a mesma dualidade de sensação enchia os olhos da moça, até a hora da despedida, em que a parte triste foi maior que a alegre, pois que eram duas ausências, em vez de uma. Conclui o que quiseres, minha dona; ela recolheu-se para dormir, e reconheceu que, se não dorme com uma tristeza na alma, muito menos com duas.

CAPÍTULO LXXXIII

A GRANDE NOITE

Há muito remédio contra a insônia. O mais vulgar é contar de um até mil, dois mil, três mil ou mais, se a insônia não ceder logo. É remédio que ainda não fez dormir ninguém, ao que parece, mas não importa. Até agora, todas as aplicações eficazes contra a física vão de par com a noção de que a tísica é incurável. Convém que os homens afirmem o que não sabem, e, por ofício, o contrário do que sabem; assim se forma esta outra incurável, a Esperança.

Flora, incurável também, se não preferes a definição de inexplicável, que lhe deu Aires, a graciosa Flora teve naquela noite a sua insônia. Mas foi um tanto culpa sua. Em vez de se deitar quietinha e dormir com os anjos, achou melhor velar com um dos dois deles, e gastar uma parte da noite, à janela ou sentada, a recordar e a pensar, a cotejar e a completar, metida no roupão de linho, com os cabelos atados para dormir.

A princípio pensou no que lá estivera, e evocou todas as suas graças, realçadas pela virtude particular de a ter ido ver à noite, sem embargo de se terem visto de manhã. Sentia-se grata. Toda a conversação foi ali repetida na solidão da alcova, com as entonações diversas, o vário assunto, e as interrupções freqüentes, ora dos outros, ora dela mesma. Ela, em verdade, só interrompia, para pensar no ausente, — e portanto não fazia mais que converter o diálogo em monólogo, o qual por sua vez acabava em silêncio e contemplação.

Agora, pensando em Paulo, queria saber por que é que o não escolhia para noivo. Tinha uma qualidade a mais, a nota aventurosa do caráter, e esta feição não lhe desprazia.

Inexplicável ou não, deixava-se levar pelos ímpetos do rapaz, que queria trocar o mundo e o tempo por outros mais puros e felizes. Aquela cabeça, apenas masculina, era destinada a mudar a marcha do Sol, que andava errado. A Lua também. A Lua pedia um contacto mais freqüente com os homens, menos quartos, não descendo o minguante de metade.

Visível todas as noites, sem que isso acarretasse a decadência das estrelas, continuaria modestamente o ofício do Sol, e faria sonhar os

olhos insones ou só cansados de dormir. Tudo isso cumpriria a alma de Paulo, faminta de perfeição. Era um bom marido, em suma. Flora cerrou as pálpebras, para vê-lo melhor, e achou-o a seus pés, com as mãos dela entre as suas, risonho e extático. — Paulo! meu querido Paulo!

Inclinou-se, para vê-lo de mais perto, e não perdeu o tempo nem a intenção. Visto assim; era mais belo que simplesmente conversando das coisas vulgares e passageiras. Enfiou os olhos nos olhos, e achou-se dentro da alma do rapaz. O que lá viu não soube dizê-lo bem; foi tudo tão novo e radiante que a pobre retina da moça não podia fitar nada com segurança nem continuidade. As idéias faiscavam como saindo de um fogareiro à força de abano, as sensações batiam-se em duelo, as reminiscências subiam frescas, algumas saudades, e ambições principalmente, umas ambições de asas largas, que faziam vento só com agitá-las. Sobre toda essa mescla e confusão chovia ternura, muita ternura...

Flora recolheu os olhos, Paulo estava na mesma postura; mas do lado da porta, metido na penumbra, a figura de Pedro aparecia, não menos bela, mas um tanto triste. Flora sentiu- se tocada daquela tristeza. Parece que, se amasse exclusivamente o primeiro, o segundo podia chorar lágrimas de sangue, sem lhe merecer a menor simpatia. Que o amor, conforme as ninfas antigas e modernas, não tem piedade. Quando há piedade para outro, dizem elas, é que o amor ainda não nasceu de verdade, ou já morreu de todo, e assim o coração não lhe importa vestir essa primeira camisa do afeto. Perdoa a figura; não é nobre, nem clara, mas a situação não me dá tempo de ir à cata de outra.

Pedro aproximou-se, a passo lento, ajoelhou-se também e tomou-lhe as mãos que Paulo apertava entre as suas. Paulo ergueu-se e sumiu-se pela outra porta. O quarto tinha duas. A cama ficava entre elas. Talvez Paulo fosse bramindo de cólera; ela é que não ouviu nada, tão docemente vivo era o gesto de Pedro, já agora sem melancolia, e os olhos tão extáticos como os do irmão. Não eram tais que saíssem, como os deste, às aventuras.

Tinham a quietação de quem não queria mais sol nem lua que esses que andam aí, que se contenta de ambos, e, se os acha divinos, não cuida de os trocar por novos. Era a ordem, se queres, a estabilidade, o acordo entre si e as coisas, não menos simpáticos ao coração da moça, ou por trazerem a idéia de perpétua ventura, ou por darem a sensação de uma alma capaz de resistir.

Nem por isso os olhos de Flora deixaram de penetrar os de Pedro, até chegar à alma do rapaz. O motivo secreto desta outra entrada podia Y

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