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CAPÍTULO LXXXIX
— Já o tenho achado em contradição. — Pode ser. A vida e o mundo não são outra coisa. A senhora não saberá isto bem, porque é moça, e ingênua, mas creia que a vantagem é toda sua. A ingenuidade é o melhor livro e a mocidade a melhor escola. Vá desculpando esta minha pedanteria; alguma vez é um mal necessário. — Não se acuse, conselheiro. O senhor sabe que eu não creio nada contra a sua palavra, nem contra a sua pessoa; a própria contradição que lhe acho é agradável. — Também concordo. — Concorda com tudo. — Olha aqui, Flora; dá licença, conselheiro?
Esqueceu-me dizer que esta conversação era à porta de uma loja de fazendas e modas, Rua do Ouvidor. Aires ia na direção do Largo de S. Francisco de Paula e viu a mãe e a filha dentro, sentadas, a escolher um tecido. Entrou, cumprimentou-as, e veio à porta com a filha. O chamado de D. Cláudia interrompeu a conversação por alguns instantes. Aires ficou a olhar para a rua, onde subiam e desciam mulheres de todas as classes, homens de todos os ofícios, sem contar as pessoas paradas de ambos os lados e no centro. Não havia burburinho grande, nem sossego puro, um meio-termo.
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Talvez algumas pessoas fossem conhecidas de Aires e o cumprimentassem; mas este tinha a alma tão metida em si mesma que, se falou a uma ou duas, foi o mais. De quando em quando, voltava a cabeça para dentro, onde Flora e a mãe faziam a sua consulta. Ouvia as palavras trocadas ainda agora. Sentia-se curioso de saber se finalmente a moça escolhia a um dos gêmeos, e qual destes. Vá tudo; tinha já pesar que não fosse algum posto, não lhe importasse saber se Pedro ou Paulo. Quisera vê-la feliz, se a felicidade era o casamento, e feliz o marido, sem embargo da exclusão; o excluído seria consolado. Agora, se era por amor deles, se dela, é o que propriamente se não pode dizer com verdade. Quando muito, para levantar a ponta do véu, seria preciso entrar na alma dele, ainda mais fundo que ele mesmo. Lá se descobriria acaso, entre as ruínas de meio celibato, uma flor descorada e tardia de paternidade, ou, mais propriamente, de saudade dela...
Flora trouxe novamente a rosa fresca e rubra da primeira hora. Não falaram mais de contradição, mas da rua, da gente e do dia. Nenhuma palavra acerca de Pedro ou Paulo.
CAPÍTULO LXXXVIII
NÃO, NÃO, NÃO
Eles, onde quer que estivessem naquele momento, podiam falar ou não. A verdade é que, se nenhum consentia em deixar a moça, também nenhum contava obtê-la, por mais que a achassem inclinada. Tinham já combinado que o rejeitado aceitaria a sorte, e deixaria o campo ao vencedor. Não chegando a vitória, não sabiam como resolver a batalha. Esperar, seria o mais fácil, se a paixão não crescesse, mas a paixão crescia.
Talvez não fosse exatamente paixão, se dermos a esta palavra o sentido de violência; mas, se lhe reconhecermos uma forte inclinação de amor, um amor adolescente ou pouco mais, era o caso. Pedro e Paulo cederiam a mão da pequena, se houvessem de consultar só a razão, e mais de uma vez estiveram a pique de o fazer; raro lampejo, que para logo desaparecia. A ausência era já insofrível, a presença necessária. Se não fora o que aconteceu e se contará por essas páginas adiante, haveria matéria para não acabar mais o livro; era só dizer que sim e que não, e o que estes pensaram e sentiram, e o que ela sentiu e pensou, até que o editor dissesse: basta! Seria um livro de moral e de verdade, mas a história começada ficaria sem fim. Não, não, não... Força é continuá-la e acabá-la.
Comecemos por dizer o que os dois gêmeos ajustaram entre si, poucos dias depois daquele sonho ou delírio da moça Flora, à noite, no quarto.