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A VERDADE DA CRUZ

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EDITORA FIEL


A Verdade da Cruz Traduzido do original em inglês The Truth o f the Cross, por R. C. Sproul Copyright © 2 0 0 7 by R. C. Sproul

Publicado por R eform ation T rust Publishing a division o f Ligonier M inistries 4 0 0 Technology Park, Lake M ary, FL 3 2 7 46 Copyright© 2011 Editora FIEL. eBook - I a Edição em P ortuguês 2013

Todos os direitos em língua portuguesa reservados p or Editora F ie l da M issão Evangélica L iterária P r o ib id a a r e p r o d u ç ã o d e s t e l iv r o p o r q u a is q u e r M EIO S, SEM A PE R M ISSÃ O E SCR ITA D O S E D IT O R ES, SALVO EM BR EV ES CITA ÇÕ ES, COM INDICA ÇÃ O DA FO N TE.

EDITORA FIEL

Presidente: Ja m e s Richard Denham III. Presidente em érito: Ja m e s Richard D enham Jr. Editor: Tiago J. San tos Filho

Caixa Postal 1601 CEP: 12230-971 São Jo sé dos Campos, SP PABX: (12) 3919-9999 www.editorafiel.com.br

Tradução: Francisco W ellington Ferreira Revisão: J a m e s Richard D enham Jr., Tiago J . San tos Filho D iagram ação: Layout Produção Gráfica Capa: Edvânio Silva ISBN: 978-85-8132-101-1


D e d ic a t 贸 r ia

A R. C. Sproul Jr, Por sua firm e e corajosa postura em favor da verdade b铆blica.



Su m á r io

1. A N ecessid ad e d e E x p iação ......................................................... 9 2. O D eu s Ju sto ...................................................................................23 3. D evedores, In im igos e C rim in o so s........................................ 35 4. R esgatado s d o A lt o ...................................................................... 51 5. O Su b stitu to S a lv a d o r ................................................................65 6. Sem elh an te a S eu s Ir m ã o s.........................................................77 7. O Servo S o fr e d o r .......................................................................... 91 8. A B ên ção e a M a ld iç ã o ..........................................................107 9. U m a Fé S e g u ra ............................................................................. 121 10. Perguntas e R e s p o s ta s ..........................................................135



C a p ít u l o 1

a

N

e c e ssid a d e

de

Ex p i a ç ã o

S

ou fascinado pela inform ação veiculada pelas agências de publicidade. Parece que o negócio de publicidade se torna cada vez m ais sofisticado, à m edida que as agências pro­

curam colocar em presas e produtos n o m ercado. Para atingir esse objetivo, bilhões de dólares são gastos todos os anos a fim de criar o que cham am os de logom arca — pequenas im agens ou sím bolos que identificam instantaneam ente um a m arca ou um produto, com unicando algo a respeito dele, tal com o sua história, seu valor, sua im portância. Ouvi dizer que a logom arca m ais reconhecível nos Estados U n idos são os arcos amarelos que você acha do lado de fora das lanchonetes M cD onald’s. A fé cristã tam bém possui um sím bolo universal — a cruz. Por que a cruz? A final de contas, o cristianism o tem


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m uitos aspectos. Percebemos esses m uitos aspectos n o cam po d a teologia sistemática, que está dividida em várias seções, tais com o a teologia propriam ente dita, o estudo de D eus m esm o; a pneum atologia, o estudo da pessoa e obra d o Espírito Santo; a soteriologia, o estudo d a salvação, e assim por diante. Contudo, um das seções mais importantes da teologia é a cristologia: o estudo da pessoa e da obra de Cristo. Nesse campo de estudo, quando desejamos obter o aspecto mais crucial, o aspecto que podem os chamar de “cerne” do assunto sobre a pessoa e a obra de Jesus, pensamos imediatamente na cruz. A palavra crucial tem a m esma raiz latina do vocábulo cruz e se introduziu em nossa língua com o seu sentido atual porque o conceito da cruz está no próprio centro e âmago do cristianismo bíblico. Em um sentido bem real, a cruz dá um a forma definitiva à essência do ministério de Jesus. Essa era a opinião do apóstolo Paulo. Em sua prim eira epístola dirigida à igreja de C orinto, ele fez um a declaração ad­ mirável sobre a im portância d a cruz para toda a fé cristã: “Eu, irm ãos, quan d o fui ter convosco, anunciando-vos o testem unho de D eus, n ão o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedo­ ria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus C risto e este crucificado” (1 C o 2.1-2). Paulo era um hom em que por volta dos 21 anos de idade tinha o equivalente a dois PhDs em teologia, um hom em que

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escreveu com grande discernim ento sobre todo o escopo d a te­ ologia. A pesar disso, ele afirm ou que o foco de seu ensino, pre­ gação e m inistério entre os coríntios era apenas “Jesus C risto e este crucificado” . Q u an do o apóstolo fez essa afirm ação, ele estava obvia­ m ente engajado na arte literária d a hipérbole. O prefixo grego hiper é a fonte de nosso vocábulo super e indica certo grau de ênfase. H iper se une a um a palavra-raiz e torna-a enfática. Em hipérbole, a palavra-raiz provém de um verbo grego que significa “lançar” . Portanto, hipérbole é, literalmente, um “superlançar”; é um a form a de ênfase que u sa exagero intencional. Esse é um artifício com um na com unicação. Às vezes, qu an d o um filho desobedece, um dos pais talvez diga, por irritação: “Já lhe disse m il vezes que não faça isso” . O pai ou m ãe não está querendo dizer, literalmente, m il vezes; e nenhum filho que ouve o que seus pais dizem entende que ele ou ela falou n o sentido literal. Todos entendem que um a sentença com o essa é um exagero — um exagero resultante de engano ou falsidade, m as proferido com a intenção de produzir ênfase. Isso era o que Paulo estava fazendo quando disse aos cris­ tãos de C orin to que decidira n ad a saber, exceto C risto crucifi­ cado. É claro que Paulo estava determ inado a saber todo tipo de coisa além d a pessoa e d a obra de Jesus. Ele queria ensinar àqueles cristãos as coisas profundas sobre o caráter e a natureza

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de D eus, o Pai. Planejava instruí-los quanto à pessoa e à obra d o Espírito Santo, à ética cristã e a m uitas outras coisas que iam além da abrangência im ediata da obra de C risto na cruz. Então, por que Paulo disse isso? A resposta é óbvia. Paulo estava dizen­ d o que, em todo o seu ensino, em toda a sua pregação, em toda a sua atividade m issionária, o assunto de im portância central era a cruz. N a realidade, esse m estre estava dizendo aos seus alunos: “Vocês podem esquecer outras coisas que lhes ensinei, m as nunca esqueçam a cruz, porque foi na cruz, por m eio da cruz, experim entando a cruz, que nosso Senhor realizou a obra de redenção e reuniu o seu povo para a eternidade” . A o colocar esta ênfase na cruz, Paulo estava falando em nom e de todos os escritores do N ovo Testam ento. Se pudésse­ m os ler o N ovo Testam ento com olhos virgens, ou seja, com o se fôssem os a prim eira geração de pessoas a ouvir a m ensagem , acho que ficaria evidente que a crucificação era o próprio âm a­ go da pregação, ensino e catequese d a com unidade d o N ovo Testam ento — juntam ente com o ato culm inante d a obra de Cristo, a sua ressurreição e subseqüente ascensão. O N ovo Tes­ tam ento nos esclarece a im portância, o propósito e o significa­ d o d a cruz de Cristo. Se é verdade que a cruz tem im portância central n o cristia­ nism o bíblico, parece ser indispensável que os cristãos tenham um entendim ento do significado d a cruz em termos bíblicos.

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Isso seria verdadeiro em qualquer geração, m as é particular­ m ente necessário nesta geração. D uvido que tenha havido, nes­ tes dois m il anos de história do cristianism o, um a época em que a necessidade da cruz tenha sido m ais controversa do que agora. N a história da igreja houve outras épocas em que surgiram teó­ logos que consideravam a cruz um acontecim ento desnecessá­ rio. N o entanto, nunca antes na história d a igreja a necessidade d a expiação foi tão am plam ente desafiada com o em nossos dias. Pessoas m e dizem que n ão se tornaram cristãs n ão tanto porque jam ais foram convencidas das reivindicações verazes do cristianism o, e sim porque nunca se convenceram da necessida­ de d o que a Bíblia ensina. Q uan tas vezes você já ouviu pessoas dizerem: “Isso talvez seja verdade, m as não sinto necessidade de Jesus” , ou: “ Eu não preciso d a igreja” , ou: “Eu não preciso do cristianism o”? C reio que se puderm os convencer as pessoas da verdade sobre a pessoa de C risto e a obra que ele realizou, elas perceberão im ediatam ente que necessitam dessa verdade. C erta ocasião, enquanto eu esperava por m inha esposa, Vesta, em um shopping center, vi um a livraria e adentrei-a. H a­ via m ilhares e m ilhares de livros naquela loja, separados nas diversas categorias identificadas com proem inência: ficção, não-ficção, negócios, esportes, auto-ajuda, casam ento, histórias infantis e assim por diante. Bem ao fundo da loja estava a seção de religião, que consistia apenas de quatro prateleiras, tornan­

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do-a um a das m enores seções d a loja. O m aterial que se encon­ trava naquelas prateleiras n ão era o que poderíam os chamar de cristianism o tradicional, ortodoxo e clássico. Perguntei-me: por que esta loja vende ficção e auto-ajuda, m as não valoriza, com o parte de seu program a, o conteúdo da verdade bíblica? Com preendi que a loja n ão estava ali com o um m inisté­ rio. Seu propósito era comercial: obter lucro. Por isso, adm iti que a razão por que n ão havia bons livros cristãos era o fato de que não havia m uitas pessoas perguntando: “O n de posso achar um livro que m e ensine a respeito das profundezas e riquezas d a expiação de Cristo?” M esm o quan d o vam os a um a livraria cristã, acham os pouca evidência de que as pessoas estão procu­ ran do obter um entendim ento m inucioso de assuntos centrais com o a expiação. Pensei sobre essas coisas e cheguei à conclusão de que as pessoas não estão interessadas em um a expiação. Estão con­ vencidas de que n ão necessitam de expiação. N ão perguntam : “C o m o posso reconciliar-me com Deus? C o m o p osso escapar d o juízo

divino?” Se a nossa cultura perdeu algum a coisa,

foi a idéia de que os seres hum anos são pessoal, particular, individual, final e inexoravelmente responsáveis por sua vida diante de Deus. Se tod as as pessoas que vivem n o m u n d o acordassem e d issessem : “A lgum d ia terei de com parecer d ian te de m eu

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C riad o r e prestar contas de cada palavra q u e já falei, cada ato que p ratiquei, cada p en sam en to que m e ocorreu e todo dever que n ão cu m p ri” , várias coisas p od eriam acontecer. Elas p od eriam dizer: “S o u responsável, m as n ão é realm ente im p o rtan te o fato de que A quele a quem e d ian te de quem eu ten h o de prestar contas n ão se p reocu p a com o tipo de v id a que eu levo, p orq u e ele enten de que os rapazes têm de ser rapazes e as m oças, m o ças” . N esse caso, n ad a m u dará. M as, se as p essoas enten dessem que h á um D eu s san to e que o p ecad o é u m a ofen sa con tra esse D eu s san to, elas in ­ vadiriam as n o ssas igrejas e p ergu n tariam : “ O que devo fazer p ara ser salvo?” Certa vez fui ao hospital por causa de um a pedra no rim. N ão era algo que envolvia risco de morte — apenas parecia isso. Sou um a daqueles indivíduos que, sentindo dores, fará tudo que puder para negar a existência da dor e não desejará ir ao médi­ co, para que este o examine e lhe dê más notícias. Mas, quando tive aquela pedra no rim, telefonei para o médico rapidamente. C hegando ao hospital, os médicos não puderam identificar o que estava errado comigo. Enquanto eu esperava o resultado dos exa­ mes, deitado, com minhas costas em dor, acessei vários canais de televisão e parei em um a emissora religiosa que apresentava um pregador lendo a história do Natal. N o decorrer da leitura, ele che­ gou à Anunciação: “É que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o

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Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.11). N ão posso lhe dizer quanta vezes eu tinha lido ou ouvido essa afirmação, mas, quando estava na cama do hospital, com futuro incerto, ela me atingiu como um a marreta. Disse a mim mesmo: é exatamente isso que eu preciso —um Salvador. M eu argum ento é este: senti a n ecessidade de um S a l­ vado r p orque estava sofren do. Estava com m edo, e as q u es­ tões relacio n ad as à vid a e à m orte se tornaram centrais em m in h a aten ção. M as isso n ão acontece n o flu xo das circuns­ tâncias n o rm ais d o co tid ian o d as p essoas. N o ssa n ecessidade de salvação n ão é um interesse p rim ord ial. N o en tan to, o cristian ism o op era com base na p rem issa de que o hom em necessita de salvação. A doutrina de justificação que prevalece em nossos dias n ão é a doutrina da justificação som ente pela fé. N em m esm o é o ensino de justificação por boas obras ou por um a com binação de fé e obras. O conceito de justificação que prevalece hoje na cultura ocidental é o d a justificação pela m orte. Admite-se que m orrer é tudo que a pessoa precisa fazer para ser recebida nos braços eternos de D eus. Em alguns casos, a indiferença predom inante em relação à cruz se transform a em hostilidade franca. Pediram-me certa vez para fazer um a preleção explicando o relacionam ento en­ tre a antiga e a nova aliança. Enquanto m inistrava a preleção,

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referi-me à m orte de C risto com o um sacrifício substitutivo, vicário pelos pecados de outros. Para m inha surpresa, alguém vociferou, ao fu ndo da sala: “Isso é primitivo, obsceno” . Fiquei perplexo por um m om ento, depois perguntei: o que você disse? Ele disse novam ente, com grande hostilidade: “Isso é primitivo e obsceno” . N essa altura, eu já m e recom pusera d a surpresa e disse ao hom em que eu havia gostado realm ente da escolha dos adjetivos. É prim itivo que um sacrifício de sangue fosse realiza­ d o para satisfazer a justiça de um D eus transcendente e santo, m as o pecado é algo prim itivo e básico à existência hum ana, por isso D eus resolveu mostrar-nos seu amor, m isericórdia e reden­ ção por m eio dessa obra primitiva. E a cruz é um a obscenidade porque todos os pecados corporativos do povo de D eus foram lançados sobre Cristo. A cruz é a coisa m ais horrível e obscena na história da hum anidade. Então, agradeci ao hom em por sua observação. M as o p on to é que ele era extrem am ente hostil a toda a idéia de expiação. É claro que essa dúvida universal sobre a necessidade da expiação não apareceu da noite para o dia. D e fato, a expiação h á m uito tem sido assunto de debate na própria igreja. T enho um am igo teólogo que diz freqüen tem en te: “N a h istória d a igreja, existem som ente três tipos de teologia” . E m b o ra ten h a havido m u itas escolas, com in úm eros nom es e diferen tes variações de n o m es, em geral há apen as três ti­

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p os de teologia, os q u ais cham am os de ago stin ian ism o , semip elagian ism o e p elagian ism o. Em term os sim ples, o agostin ian ism o afirm a que a salvação se fu n d am en ta tão-som ente n a graça de D eus; o sem ip elagian ism o en sin a que a salvação d epe n d e d a coop eração h u m an a com a graça de D eus; o pelagian ism o crê que a salvação p o d e ser ob tid a sem a graça de D eus. H istoricam ente, q u ase tod a igreja se en q u ad ra em u m a d essas categorias. Em m inha opinião, o agostinianism o e o semipelagianism o representam debates significantes na fam ília cristã; repre­ sentam diferenças de opinião a respeito da interpretação e da teologia bíblicas entre os cristãos. C on tudo, o pelagianism o em suas várias form as n ão é um assunto interno dos cristãos; mas, n o seu m elhor, é subcristão e, n o seu pior, anticristão. D igo isso por causa da opinião d o pelagianism o a respeito da necessidade d a cruz. A ssim com o h á três tipos b ásicos de teologia, assim tam bém há h istoricam en te três op in iõ es básicas sobre a n ecessidade d a expiação.

P rim eiram ente,

existem

aq u e­

les que crêem que a expiação é totalm ente desnecessária. O s p elagian os, em todas as suas form as, se encaixam n essa categoria. O p elagian ism o, que se origin o u n o século IV, o so cin ian ism o que surgiu n o s séculos X V I e X V II, e o que h oje ch am aríam os de liberalism o teológico são, tod o s, essen-

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cialm ente, não-cristãos porque, n o âm ago de cad a um deles h á u m a negação d a expiação de Jesus C risto . E ssas escolas de p en sam en to, p or rem overem d o N ovo T estam ento o ato recon ciliad or de C risto, n ão têm n ad a p ara oferecer, exceto m oralism os. Para eles, a cruz é o lugar em que Jesu s m orreu com o exem plo p ara os h om ens. Eles o vêem com o um he­ ró i existencial, alguém que n o s traz in sp iração p or seu com ­ p ro m isso e devoção ao auto-sacrifício e por seus interesses h u m an itário s. M as esses m oralism os n ão são, de m o d o n e­ nhu m , singulares e d ign o s de lealdade. N o p elagian ism o n ão existe salvação, nem Salvador, nem expiação, p orq u e n essa escola de p en sam en to a salvação n ão é necessária. Em segundo, há aqueles que crêem que a expiação é ap en sa h ipoteticam en te necessária. E sse p o n to de vista ex­ p ressa a id éia de que D eu s p o d eria nos ter red im id o por in ú ­ m eras m an eiras ou m eios ou p o d eria ter resolvid o ign orar o p ecad o h u m an o. N o en tan to, ele n ão fez algo extraord in ário q u an d o se com prom eteu com certo curso de ação. Ele esco­ lh eu redim ir-nos p ela cruz, por m eio de u m a expiação. U m a vez que D eu s se com prom eteu con sigo m esm o, a expiação tornou-se necessária, n ão de jure, nem de facto, m as de pac­ to — ou seja, p ela virtude de um pacto ou de u m a aliança que D eu s fez p or em itir u m a p rom essa de que realizaria algo específico. A p rom essa era gratu ita n o sen tid o de que não

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era n ecessário que D eu s a fizesse, m as, apesar d isso , ele a fez. E n tão, ele ficou com pro m etid o com esse curso de ação. Isso é o que sign ifica a n ecessidade h ipo tética d a expiação. A terceira opinião, que é clássica, ortodoxa e cristã (e estou convencido ser o p on to de vista bíblico) é a de que a expiação n ão era som ente hipoteticam ente necessária para a re­ denção d o hom em , m as tam bém absolutam ente necessária, se alguém tinha de ser redim ido e reconciliado com D eus. Por essa razão, a teologia ortodoxa tem afirm ado, durante séculos, que a cruz é um a parte essencial do cristianismo, essencial no sentido de que ela é um sine qua non, “sem o qual o cristianism o não existiria” . Se retiram os do cristianism o a cruz com o um ato de expiação, nós o aniquilam os. A afirm ação de que a cruz era um prerrequisito necessário à redenção suscita im ediatam ente a pergunta “Por quê?” A res­ posta está, com o sem pre esteve desde os tem pos de A gostinho e Pelágio, em nosso entendim ento do caráter de D eus e da natu­ reza do pecado. Se tem os um entendim ento deficiente quanto ao caráter de D eus e à natureza d o pecado, é inevitável que cheguemos à conclusão de que a expiação n ão era necessária. Portanto, nos próxim os capítulos tratarem os destes assuntos cruciais.

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C a p ít u l o 2

O

d e u s ju s t o

u an d o p esq u isam os a h istória d a igreja, d escobrim os

Q

que há certo teólogos que perm anecem com o gigan ­ tes — h om en s com o A go stin h o de H ip on a, T om ás de

A q u in o , M artin h o L utero, Jo ã o C alvin o e Jo n ath an Edw ar­ ds. N o rm alm en te, d iríam o s que A g o stin h o foi o m aio r teó­ logo d o p rim eiro m ilên io d a h istória d a igreja. C o n h ecem o s bem os gran des h om en s d a época d a R eform a e de séculos p osteriores, com o L utero, C alvin o e Edw ards. M as, q u an d o p en sam o s na era in terveniente, a Idade M édia, ouvim os fa­ lar de p o u co s gran des pen sad ores além de T om ás de A qu in o. N o en tan to, houve um teólogo e filó so fo desse p e río d o que fez u m a enorm e con trib u ição à h istória d a igreja — A n selm o d a C an tu ária.


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A nselm o deixou um legado de três obras im portantes, todas elas eram breves. As duas prim eiras obras eram apolo­ géticas. U m a se chamava Monologion, e a outra, Proslogion. Foi neste segundo livro que A nselm o expôs seu fam oso argum ento ontológico em favor da existência de D eus. Talvez sua m aior contribuição foi sua pequena obra que apareceu sob o título, em latim, de Cur Deus Homo? Esse título significa, literalmente, “Por que o Deus-Hom em ?” Em outras palavras, A nselm o estava perguntando por que houve um a encarnação. Por que C risto se tornou homem? N o cerne da resposta de A nselm o a essa pergunta, estava o seu entendim ento do caráter de D eus. A nselm o percebeu que a principal razão por que era necessário um Deus-Hom em era a justiça de D eus. Essa parece ser um a resposta estranha. A o pensarm os sobre a cruz e a expiação consum ada por Cristo, adm itim os que a causa que m ais intensam ente m otivou D eus a enviar C risto ao m undo foi o seu am or ou a sua m isericórdia. C o m o resultado, tendem os a menosprezar a característica da natureza de D eus que torna a expiação absolutam ente necessá­ ria — a sua justiça. D eu s é am oro so, m as a p rin cip al parte d o que ele am a é o seu p ró p rio caráter perfeito, n o q u al o asp ecto m ais eleva­ d o é a im p ortân cia de m anter ju stiça e retidão. E m b o ra D eus p erd oe os p ecad ores e faça gran de provisão p ara expressar

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su a m isericórd ia, ele n u n ca bargan h ará a sua justiça. Se n ão en ten derm os isso, a cruz de C risto n ão terá q u alq u er sign i­ ficad o p ara nós. O que p reten dem os dizer q u an d o falam os sobre a ju s­ tiça de D eus? N a m ente de um ju d e u antigo, a ju stiça n u n ca era abstrata. E ssa é a razão p or que, n o A n tigo T estam ento, a ju stiça estava inevitavelm ente v in cu lad a ao conceito de retidão. R etid ão sign ifica fazer o que é correto. Portanto, a ju stiça de D eu s está relacio n ad a à sua retidão íntim a, ao seu caráter, que d efin e tud o que ele faz. D eu s n u n ca age de acord o com a in justiça. Ele n u n ca viola q u alq u er d os seus p ad rões ou cânones de retidão. U m a d efin ição sim ples d a ju stiça de D eu s é “seu com pro m isso eterno e im utável de sem pre fazer o que é certo” . G ên esis 18 contém u m a narrativa que tan to é fascin an ­ te com o instrutiva. É a h istória d a in tercessão d o patriarca A b raã o em favor d os h ab itan tes de S o d o m a e G o m o rra. E s­ sas cidades eram tão m ás na época d o A n tigo T estam ento, que se torn aram , literalm ente, sím b olos de corrupção. A sim ples m en ção dos n om es Sodoma e Gomorra evoca a im a­ gem h orren d a de cidades corru p tas e d ecadentes. A pesar d is­ so, A b raã o ou so u p edir a D eu s que p o u p asse essas cidades, e su a in teração com D eu s ensina-nos m u ito sobre a ju stiça de D eu s.

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A narrativa com eça em G ênesis 18.16: Tendo-se levantado dali aqueles hom ens, olharam para Sodom a; e A braão ia com eles, para os encam inhar. D isse o Senhor: Ocultarei a A braão o que estou para fazer, visto que A braão certam ente virá a ser um a grande e poderosa nação, e nele serão benditas todas as nações da terra? Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guar­ dem o cam inho d o Senhor e pratiquem a justiça e o juízo; para que o Senhor faça vir sobre A braão o que tem falado a seu respeito. N essa narrativa, D eus parece estar m editando, questio­ nan do a si m esm o se deve contar a A braão ou ocultar-lhe o que estava planejando. C on tudo, ele revelou a A braão o que faria, porque tinha certeza de que A braão seria o pai de um a grande nação e porque fizera sua aliança com ele e seus descenden­ tes. D eus tinha um destino para o seu povo, os descendentes de A braão; esse destino foi definido nesta passagem pelos ter­ m os justiça e juízo. D eus não escolheu caprichosam ente A braão dentre todos os povos pagãos. Pelo contrário, ele estava crian­ d o um povo que seria santo, separado — um povo que daria

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testem unho d o caráter de D eus por imitá-lo, seguindo a justiça e a retidão. Por conseguinte, com eçando n o versículo 20, ouvim os o anúncio de D eus a A braão: D isse m ais o S e n h o r : C om efeito, o clamor de Sod om a e G om orra tem-se m ultiplicado, e o seu pecado se tem agravado m uito. Descerei e ve­ rei se, de fato, o que têm praticado corresponde a esse clamor que é vindo até m im ; e, se assim não é, sabê-lo-ei. Então, partiram dali aqueles hom ens e foram para Sodom a; porém A braão perm ane­ ceu ainda na presença d o S e n h o r . E, aproxim an­ do-se a ele, disse: D estruirás o justo com o ímpio? H á dram a nesta passagem . D eus afirma: “V isitarei S o d o ­ m a e G om orra porque ouvi um grande clamor a respeito da severidade de sua im piedade e d a grandeza de seu m al” . Isso significa que D eus visitaria as cidades com juízo. Ele sabia o que estava acontecendo ali, porque é onisciente. N ão tinha necessi­ dade de realizar um a investigação ocular para saber a verdade a respeito deste assunto. A b raão

en ten deu com

clareza que a in ten ção de

D eu s era exercer juízo, p ois se ap roxim o u de D eu s com argu m en tação teológica. A b raã o é realm ente o pai d os fiéis

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— é o venerável patriarca d o A n tigo T estam ento, um hom em segu n d o o coração de D eu s, um porta-voz d a justiça, b o n d a ­ de e verdade. Portanto, esp eraríam os q ue A b raã o fosse um teólogo m elhor d o que ele in d ico u com a p ergu n ta ap resen ­ tad a a D eu s. N u n ca esperaríam os que A b raão, em seu sta­ tus elevado com o patriarca d o A n tig o T estam ento, fizesse a D eu s um a pergu n ta que era u m a form a de blasfêm ia d isfar­ çad a superficialm en te. N o entanto, A braão fez isso m esm o. Ele perguntou: “D es­ truirás o justo com o ím pio?” Em outras palavras, A braão estava perguntando: “D eus, quan d o trouxer o seu julgam ento sobre S od om a e G om orra, o Senhor destruirá tanto o inocente com o o culpado?” Fazer esse tipo de pergunta significa saber a própria resposta n o que concerne a Deus. Q u an d o eu era criança, e ain d a n ão era cristão, tinh a alguns id eais. Entre esses estava o so n h o de ju stiça e paz para todos; eu odiava a in justiça. Em u m a ocasião, q u an d o estava n o en sin o básico, um de m eus am igos, D avid King, acendeu u m a b o m b in h a n a sala de aula, q u an d o a p rofesso ra virou as costas p ara a classe. Q u a n d o a b o m b in h a explodiu , fez um b aru lh o ensurdecedor. A p rofesso ra pu lo u , d eixou cair o giz, virou-se p ara a classe h orrorizada. Ele p ergu n tou im e­ d iatam en te: “E n tão, quem fez isso?” N in gu ém sab ia quem o fizera, m as a m aio ria p o d ia im agin ar quem era o culpado.

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A p rofesso ra tam bém tin h a u m a b o a idéia, p orq u e D avid tin h a u m a rep u tação q u an to a esse tip o de b rin cad eira. Eu m e sentava n o fu n d o d a sala, perto de D avid, e estava cer­ to de que ele fizera aquilo. N o en tan to, havia um cód igo — você n ão “d e d u ra” o seu am igo. Por causa d isso , q u an d o a p rofesso ra p ergu n tou quem exp lodira a b o m b in h a, ninguém con fessou. Ela fez tod a a classe perm anecer na sala d epois d o tem po de aula, até que alguém confessasse ou assu m isse a culpa. A q u ilo m e in co m o d o u . A p u n ição ap licad a foi um recu rso eficiente n o que diz resp eito à p edagogia e à d iscip li­ na, m as m e d eixou p ertu rb ad o p orq u e n ão foi ju sta. A fim de id en tificar o culpad o, n o ssa professo ra p u n iu as pessoas in ocen tes que n ão sabiam quem p raticara o erro e n ão esta­ vam envolvidas nele. Foram ob rigad as a perm anecer d epois d as aulas, p erd en d o sua liberdade por causa d a estratégia d a p rofessora. O que a p rofesso ra fez p o d e ter sid o eficiente e p rático, m as n ão foi justo. D eus não é um professor frustrado. Ele é onisciente. N ão tem de usar artifícios para achar o culpado. Ele é justo e reto; por isso, nunca punirá o inocente. A braão devia saber disso. A sua pergunta foi um insulto a D eus. Em seguida, A braão com eçou a negociar e barganhar com D eus. C om eçando em G ênesis 18.24, lem os o que ele disse: Se houver, porventura, cinqüenta justos na

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cidade, destruirás ainda assim e não pouparás o lugar por am or dos cinqüenta justos que nela se encontram? Longe de ti o fazeres tal coisa, m a­ tares o justo com o ím pio, com o se o justo fosse igual ao ím pio; longe de ti. N ão fará justiça o Juiz de toda a terra? Agora a m inha confiança em Abraão é restaurada. Depois de fazer aquela pergunta ridícula: “Destruirás o justo com o ímpio?” , Abraão falou de maneira correta. Ele disse: “Longe de ti o fazeres tal coisa, matares o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao ím pio”. Ora, a sua teologia estava correta, embora eu tenha de questionar se Abraão compreendeu totalmente quão longe estaria de Deus o fazer tal coisa injusta. Por meio de sua pergunta retórica: “N ão fará justiça o Juiz de toda a terra?” , Abraão mostrou que o Juiz de toda a terra fará o que é justo, porque isso é tudo que o Juiz de toda a terra sabe fazer. Em seguida, D eus confirm ou a crença de A braão, quan­ d o assegurou ao patriarca que, em sua m isericórdia e bondade, estava disposto a poupar toda a cidade, se fossem achados ali cinqüenta justos. Ele disse: “Serei m isericordioso até para com o culpado. Em vez de punir o inocente, permitirei que o culpa­ d o seja poupado, a fim de proteger o inocente” . Em m ead os d os an os 1 9 9 0 , houve nos E stad o s U n id o s

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um p ro fu n d o in teresse n o ju lgam en to de assassin ato que pe­ sava sobre O . J. Sim p so n . A s pessoas ficavam cad a vez m ais irritadas à m ed id a que se desenrolava o julgam en to. M uitas p esso as estavam evidentem ente convencidas de que ele era cu lp ad o e desejam que fosse encarcerado. M as aquele ju l­ gam en to, talvez m ais d o que q u alq u er outro, ressaltou um p rin cíp io d o sistem a de ju stiça crim in al d os E stad o s U n id o s que coloca a exigência d a prova d iretam en te sobre a prom otoria, exigindo que as acusações sejam provadas acim a de “q u alq u er d ú vida razoável” , p ara proteger o in ocente. N o sistem a de ju stiça am erican o, recon h ecem os que n ão som os infalíveis nem on iscien tes; n ão sabem os sem pre com certeza quem com eteu um crim e. Se vam os errar, diz o sistem a, deve­ m os errar em d ireção à clem ência e n ão à severidade. M as A braão não ficou satisfeito com a prom essa de D eus, de que outorgaria clem ência a todos por am or aos cinqüenta justos. N o versículo 27, lem os que ele continuou, dizendo: Eis que me atrevo a falar ao Senhor, eu que sou pó e cinza. N a hipótese de faltarem cinco para cinqüenta justos, destruirás por isso toda a cida­ de? Ele respondeu: N ão a destruirei se eu achar ali quarenta e cinco. Disse-lhe ainda mais Abraão: E se, porventura, houver ali quarenta? Respondeu:

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N ão o farei por amor dos quarenta. Insistiu: N ão se ire o Senhor, falarei ainda: Se houver, porventura, ali trinta? Respondeu o S e n h o r : N ão o farei se eu encontrar ali trinta. Continuou Abraão: Eis que me atrevi a falar ao Senhor: Se, porventura, houver ali vinte? Respondeu o S e n h o r : N ão a destruirei por amor dos vinte. Disse ainda Abraão: N ão se ire o Senhor, se lhe falo somente mais esta vez: Se, por­ ventura, houver ali dez? Respondeu o S e n h o r : N ão a destruirei por amor dos dez. Tendo cessado de fa­ lar a Abraão, retirou-se o S e n h o r ; e Abraão voltou para o seu lugar. A Bíblia nos diz que D eus não pôde achar dez justos entre todos os habitantes daquelas cidades. C o m o resultado, o juízo de D eus lhes sobreveio. E isso não aconteceu porque D eus é cruel, severo e não tem amor. A conteceu porque ele é justo e reto. C om toda a justiça, esse julgam ento deveria ser o destino de toda a raça hum ana. N ão havia dez justos em Sodom a, e não h á em nenhum lugar do m undo. R om anos 3.10 nos diz: “N ão h á justo, nem um sequer” . Todos os hom ens têm ofendido à justiça de D eus e merecem a ira divina.

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Portanto, a necessidade d a expiação de C risto acha sua origem, prim eiram ente, n o caráter de D eus, porque ele é santo e justo. N ã o pode desculpar o pecado. A ntes, ele tem de exercer juízo contra o pecado. Portanto, D eus tem de punir os pecado­ res — ou prover um m eio de expiar o pecado deles.

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C a p ít u l o 3

D ev ed o res, in im ig o s e

C r im in o so s á alguns anos, recebi um exemplar gratuito de um a coleção

H

de citações recém-publicada, m uito semelhante a Bartlett's

Familiar Quotations. Em bora tenha me alegrado em recebê­

-la, não tinha a menor idéia do que recebera, até que, folheando as páginas de citações de Em anuel Kant, John Stuart Mill, Platão, Tomás de A quino e Agostinho, deparei-me, em total surpresa, com um a citação de m inha autoria. Nunca imaginei que aquela afir­ mação fosse particularmente significativa. N o entanto, alguém a julgou tão significativa que merecia ser incluída naquele livro. A citação era: “O pecado é um a traição universal” . C om essas palavras, eu estava querendo com unicar a se­ riedade d o pecado hum ano. Raram ente separam os tem po para


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pensar nas ram ificações do pecado. E deixam os de com preen­ der que, até m esm o nos m ais leves pecados que com etem os, tais com o pequenas m entiras brancas e pecadilhos, estam os trans­ gredindo a lei d o C riador do universo. N os m enores pecados, desafiam os o direito de D eus em governar e reger sua criação. Em vez disso, procuram os usurpar para nós m esm os a autori­ dade e o poder que pertence apropriadam ente a D eus. Até o m enor pecado ofende a santidade, a glória e a retidão de D eus. Todo pecado, não im portante quão insignificante ele pareça, é um ato de traição contra o Rei d o cosm os. H á d ois aspectos d esse ún ico p roblem a que tem os de entender, se tem os de assim ilar a n ecessidade d a expiação realizada p or C risto. N o cap ítu lo anterior, vim os um dos aspectos — D eu s é ju sto. Em outras palavras, ele n ão p od e tolerar a in justiça. Tem de fazer o que é certo. M as referi-me tam bém ao outro aspecto d o p roblem a — ofen dem os a ju sti­ ça de D eu s e obtem os seu desprazer. S o m o s traidores. Tem os de reconhecer esse p roblem a em nós m esm os, se querem os assim ilar a necessidade d a expiação na cruz. “Traição universal” é um a caracterização possível d o pe­ cado, m as a Bíblia apresenta várias outras descrições que escla­ recem a necessidade d a cruz e o que C risto realizou nela. D e fato, há três m aneiras distintas pelas quais o pecado da raça hum ana é descrito e apresentado na Bíblia — ele é cham ado

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um a dívida, um estado de inim izade e um crime. A o usar essas descrições, a Bíblia nos ajuda a ver o nosso pecado em todo o seu horror. Primeiram ente, o pecado é caracterizado com o um a dí­ vida. Vem os essa qualificação d o pecado m ais claram ente na oração que Jesus ensinou aos seus discípulos, quan d o os ins­ truiu que pedissem : “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim com o nós tem os perdoado aos nossos devedores” (M t 6.12). D epois, ele ensinou por m eio d a parábola do servo incom passível que os cristãos têm a obrigação de perdoarem as dívidas dos outros, porque D eus perdoou as dívidas deles (M t 18.21-35). Para que entendam os todas as im plicações d o que as Es­ crituras estão dizendo quan d o nos ensinam que o hom em in­ corre em dívida por causa de seu pecado, tem os de entender o papel de D eus com o Soberano Senhor do universo. Q uando falam os sobre a soberania de D eus, estam os nos referindo à sua autoridade. A palavra autoridade contém em si m esm a outra palavra — autor. V isto que D eus é o A utor de todas as coisas, ele tem autoridade sobre tudo que criou. Talvez estou argum entando o que é óbvio, m as observo que, em nossa cultura, há m uita confusão sobre a natureza da autoridade. Q uan do falam os sobre autoridade devidam ente constituída, estam os falando sobre um a pessoa ou um a fun­ ção que possui o direito de im por obrigação. Se estou sob a

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autoridade de alguém, essa pessoa tem o direito de im por obri­ gações sobre m im . Logo, se ele ou ela profere um a ordem m o­ ralm ente correta para m im , sou responsável por cumprir essa ordem . D e m od o sem elhante, estam os sob a autoridade de D eus pelo fato de que Ele é o autor de todas as coisas e possui o direito intrínseco e absoluto de impor-nos obrigações. Q u an d o ele faz isso, nós lhe “devem os” obediência. Se deixam os de cum ­ prir as obrigações que ele nos im põe, incorrem os em dívida. Portanto, de conform idade com esse entendim ento do pecado, D eus é o Credor, e nós, os devedores. U m a coisa é ser devedor e estar em um program a de qui­ tação d a dívida, por m eio do qual pagam os um pouco de cada vez. M as a dívida que temos em relação à obediência para com D eus é impossível de ser quitada m ediante qualquer plano de prestações. Por quê? Para responderm os essa pergunta, temos de entender a natureza d a obrigação que D eus im põe às suas criaturas. Q uão justos devemos ser? Q uão santos som os cham a­ dos a ser? D eus requer obediência perfeita, perfeição impecável. Este é o âm ago d o problem a. Se sou responsável por ser perfeito, e com eto um só p ecad o, o que tenho de fazer p ara ser perfeito? Q u an to interesse eu devo acrescentar ao p rin cipal, a fim de com pen sar o erro? O que tenho de fazer p ara ser perfeito, d ep o is de haver m e to rn ad o im perfeito? Em term os sim ples, isso é im possível. U m a vez que pecam os,

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nos torn am os com o Lady M acbeth, que, d ep o is de haver m a­ n ip u lad o seu m arid o p ara com eter um assassin ato, n ão p ôd e apagar aquela m an ch a indelével. D e m o d o sem elhante, n ão p o d em o s q u itar n o sso d éb ito de pecado. N a cultura m oderna, tentam os fugir d o desespero dessa situação

por declararm os que todos merecem um a segunda

chance. M inha resposta é: quem disse isso? A justiça exige que todos recebam um a segunda chance? U m a segunda chance é graça. É m isericórdia. G raça e m isericórdia nunca são mereci­ das. Portanto, é um absurdo dizer que alguém merece um a se­ gunda chance. C on tu do, ainda que essa condição hipotética e ilógica fosse verdadeira, que bem ela nos faria? H á quanto tem po já exaurim os a nossa segunda chance? N o sso problem a não é que som os quase criaturas m o­ rais impecáveis que têm m anchinhas que sujam nosso registro perfeito. Pelo contrário, as Escrituras nos descrevem com o ter­ rivelmente inadequados em term os de nossa obediência para com D eus. A verdade é que n ão som os apenas contam inados por um pecadilho com etido de vez em quando. Incorrem os em um a dívida que não podem os pagar. Se alguém dissesse: “Sr. Sproul, o senhor nos deve dez m il dólares. Portanto, estabelecerem os um program a pelo qual poderá quitar seu débito” , poderia lidar bem com isso. Todavia, o que eu faria se m e dissessem : “Você nos deve dez

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bilhões de dólares e tem de pagar-nos em três d ias”? Eu poderia pagar essa dívida? Talvez, porém é m ais provável que eu não conseguiria arranjar esse dinheiro. N o caso de m inha dívida para com D eus, n ão há qualquer possibilidade de que eu seja capaz de pagar o que devo. N ão há nenhum a m aneira de ne­ nhum de nós pagar essa dívida. Em segundo, com base na perspectiva bíblica, o pecado é considerado um a expressão de inimizade. Em outras palavras, o pe­ cado pode ser entendido como um a violação do relacionamento pessoal que os seres hum anos deveriam ter com o seu Criador. Q uando pecamos, expressamos falta de amor, afeição ou devoção ao nosso Criador. Em vez de manifestarmos essas coisas, nós o rejeitamos e declaramos nossa hostilidade para com ele. É im p ortan te en ten derm os que D eu s n ão d e m o n s­ tra q u alq u er in im izade p ara con osco. Ele n u n ca q u ebrou q u alq u er aliança. N u n ca fez u m a p rom essa que d eixou de cum prir. Jam ais tratou in justam en te os seres h u m an os neste m u n d o . N u n ca nos in ju rio u com o criaturas. Em resu m o, ele tem cu m p rido p erfeitam en te a sua parte d o relacio n am en ­ to. N ó s som os aqueles que rom peram o relacio n am en to d a criatura com o C riad or. Por m eio de n o sso p ecad o, nos m o s­ tram os in im igos de D eus. N o que diz resp eito à inim izade, D eu s é a parte p reju dicad a, a parte in juriad a. Ora, as pessoas dizem: “Isso é simples. A prendem os isso

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na igreja” . N o entanto, todos os dias encontro pessoas que es­ tão profundam ente iradas contra D eus, porque acham que ele n ão lhes tem dad o um quinhão justo. “C o m o D eus pode ter deixado isso acontecer com igo?” — é a queixa. A afirm ação oculta nessas palavras é: “Se D eus fosse realm ente bom , se fosse realm ente justo, reconheceria o m eu m erecim ento e m e trataria de conform idade com isso. Ele m e daria m ais do que eu tenho. D eus n ão é justo” . Esse sentim ento de que D eus nos tem pre­ judicado de algum a m aneira está alojado profundam ente em nosso ser. N este m u n d o , h á ab u n d ân cia de in justiça entre as p es­ soas. U m a p esso a m ente p ara a outra, engan a ou ofen de a outra. N o p lan o horizontal, há m u ita in justiça. M as, q u an ta in ju stiça ocorre n o sen tid o vertical, de D eu s p ara o hom em ? Se alguém m e ofen de e m e torn a vítim a de sua atitu de in ju s­ ta, eu p o sso dizer a D eu s: “Ó D eus, vingue-m e d essa pessoa, vindica-m e, restaura-m e, livra-me d a ação in ju sta d essa p es­ soa p ara com igo” . C o n tu d o , é legítim o alguém dizer: “D eu s, o fato de que perm itiste q ue ele com etesse in justiça p ara co­ m igo é in justo de tu a p arte”? N ã o . N este m u n d o , jam ais m e acontece algum a coisa que seria u m a razão ju sta p ara p reju ­ dicar a in tegrid ad e d o caráter de D eu s, em term os de n o sso relacio n am en to. Ele, e n ão nós, é a parte in juriad a. D e acordo com as Escrituras, tem os agido de um m odo

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que rom pe o nosso relacionam ento com D eus. Praticam os e m anifestam os nossa inim izade por m eio de desobediência con­ tínua. Ele é gravemente entristecido por nossas ofensas. Fica irado com nosso pecado. E, com o resultado, há alienação entre o hom em e D eus. Em terceiro, na Bíblia o pecado é caracterizado com o um

crime. N a tradição presbiteriana clássica, tem os um a definição de pecado. O Breve C atecism o de W estminster, na pergunta 14, diz: “O que é o pecado?” E, em seguida, apresenta esta resposta: “O pecado é qualquer falta de conform idade com, ou transgres­ são de, a lei de D eu s” . A s expressões falta de conformidade com e transgressão de indicam um fracasso em guardar a lei de D eus. Logo, nesse sentido, o pecado é um crime. C o m o vim os antes, quan d o consideram os o pecado com o um a dívida, tem os um dever de obedecer a D eus, pois ele tem autoridade sobre nós por nos haver criado. Essa autoridade ou­ torga a D eus o direito de impor-nos obrigações. Ele as im pões por m eio das exigências que faz em termos de nossa obediência. D eus não governa por referendos ou plebiscitos. N em dá su­ gestões ou recom endações. Ele d á ordens — “Farás... ” ou “N ão farás...” — que cham am os de lei incontestável que flui de sua autoridade e soberania absolutas. Q u an do D eus proclam a um a lei, quando prescreve um tipo de com portam ento, é nosso dever, com o criaturas, fazer

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com o ele diz. U m a obrigação m oral de conformar-nos com essa lei é-nos im posta com justiça d a parte dEle. Q u an do não nos conform am os, transgredim os essa lei, e isso significa que estam os com etendo um crime aos olhos de D eus. Q u an do um crime é com etido, a justiça de D eus é violada, e som os dignos de punições. D e conform idade com esse entendim ento d o pecado, D eus age com o Juiz. Q uan do deixam os de cum prir nossas obrigações, D eus está obrigado a trazer juízo sobre nós. C om o A braão reconheceu, o Juiz de toda a terra deve fazer o que é certo. U m juiz justo, um juiz bom não é aquele que deixa o crime im pune. D eus é, acima de tudo, um D eus de lei e ordem. Ele não som ente proclam a leis, m as tam bém as im põe. Por con­ seguinte, se com etem os o m enor pecado, estam os em apuros. D eus é justo, e sua justiça exige que o pecado seja punido. N o capítulo anterior, observei que A nselm o enfatizou o argum ento de que a justiça e a retidão constituíam a necessi­ dade prim ária d a cruz. D e acordo com A nselm o, cada um a das três caracterizações que consideram os — um a dívida, um estado de inimizade, um crime — são um a violação d a retidão divina, que necessita de satisfação. Q uan do incorrem os em dívida, por­ que n ão satisfazemos um a obrigação para com D eus, essa dívida tem de ser redim ida — ou seja, as exigências têm de ser cum pri­ das de m aneira satisfatória. Q u an do o pecado cria inim izade e

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alienação, as exigências que acabam com essa alienação e pro­ duzem reconciliação têm de ser satisfeitas. Q uan do com etem os um crime contra D eus, a sua justiça tem de ser satisfeita — tem de ser cum prido ou dado um a penalidade ou um pagam ento que satisfaça as exigências d a justiça divina, pois, do contrário, ela ficará com prom etida. Vem os que o âm ago d o entendim ento d a expiação de A nselm o é este conceito de satisfação. C o m o essa satisfação p o d e ser realizada? E la é realizada p or ou tro ator n o d ram a d a expiação — o S en h o r Jesu s C ris­ to. Para cad a caracterização b íb lica d o p ecad o, Jesu s cum pre um p ap el crucial. R esu m im o s os pap éis de cad a ator d esta m an eira: O pecado como...

Homem

Deus

Cristo

Dívida

Devedor

Credor

Fiador

Inimizade

Inimigo

Prejudicado

Mediador

Crime

Criminoso

Juiz

Substituto

Q u an do o pecado é apresentado com o um a dívida, o N ovo Testam ento cham a a C risto de nosso Fiador (Hb 7.22). Esse é um term o financeiro, assim com o o vocábulo dívida. A o usar essa linguagem , a Bíblia nos diz que C risto é aquele que assina conosco a n ota de débito. C risto é aquele que perm anece lá, endossando nossa dívida, tom ando sobre si m esm o as exi­

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gências d o que tem de ser pago. N o que diz respeito à caracterização do pecado com o um a expressão de inim izade, o papel que C risto cumpre é o de M e­ diador. N os conflitos hum anos, o m ediador é um a pessoa que se interpõe entre as partes opositoras para uni-las. C h am am os isso de reconciliação; é exatam ente isso que C risto faz. Ele re­ concilia o hom em com D eus. C o m o o apóstolo Paulo escreveu: “D eus estava em C risto reconciliando consigo o m u n d o” (2 C o 5.19). Q u an d o o pecado é caracterizado com o crime, vem os que C risto é aquele que sofre realm ente o juízo n o dram a d a expia­ ção. Ele age com o o Substituto, aquele que assum e o lugar dos verdadeiros crim inosos —você e eu. Portanto, C risto é aquele que faz a satisfação. Por m eio de sua obra na cruz, C risto satisfez as exigências d a justiça de D eus em relação à nossa dívida, nosso estado de inim izade e nosso crime. À luz d a realidade da justiça de D eus e de nossa pecaminosidade, não é difícil perceberm os a absoluta necessidade de expiação. Tem os de estar certos de que entendem os com o Jesus age neste papel crucial. É com um encontrarm os grandes distorções d o conceito bíblico de expiação. Por exemplo, de acordo com um a opinião popular, D eus, o Pai, está irado contra o hom em , m as D eus, o Filho, se identifica tão intim am ente com nosso

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estado caído, que, em essência, ele se coloca ao nosso lado em nossa necessidade e age com o nosso M ediador para acalm ar a ira do Pai. O Pai está prestes a punir todos e mandá-los para o inferno, m as o Filho diz: “Castigue a m im e n ão a eles. Deixe­ -me tom ar o lugar deles. Permita-me não som ente m ediar a dis­ cussão, m as tam bém absorver a ira. A cum ule sobre m im a sua ira” . C onform e essa opinião, há um a tensão ou um a divisão na própria D ivindade, com o se o Pai tivesse um a agenda e o Filho o persuadisse a m udar de idéia. Isso talvez pareça um cenário ridículo, m as é um a objeção séria suscitada em um nível técnico por teólogos sofisticados. É tam bém um a crença prevalecente e difundida entre os cristãos, talvez pelo fato de que o Filho pareça m ais amável, paciente e com passivo d o que o Pai. Neste sentido, os cristãos evangélicos tendem a ser unitarianos d a segunda pessoa da Trindade. H á m uita afeição calorosa por Jesus, m as o Pai é quase totalm ente ignorado na devoção, m editação e liturgia cristã. Q uero descrever o quadro bíblico pelo uso d o seguinte cenário. Im agine que eu procure um am igo e lhe diga: “D on, estou em problem as. Preciso em prestar dez m il dólares. Você os em prestaria para m im ?” Ele responde: “C om certeza” . Ele me em presta o dinheiro, e entendo que agora lhe devo dez m il d ó ­ lares. Tem os um acordo perfeitam ente legal e ético. Infelizmen­ te, acordo certa m anhã e descubro que n ão p osso pagar-lhe tal

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quantia. A gora, estou em grande dificuldade. Todavia, m inha irm ã diz: “N ão se preocupe, eu pagarei os dez m il dólares” ; e paga o dinheiro que devo. A gora, não devo n ad a a D on. M inha dívida foi cancelada 100% . D e fato, ele tem de receber aqueles dez m il dólares em pagam ento da dívida, porque a única res­ ponsabilidade que tenho para com ele é pagar o dinheiro. É assim que um a dívida opera. M as su p o n h a que eu arrom be a casa de D o n e rou be os dez m il dólares. D o n vem p ara casa, percebe a falta d o d i­ nh eiro e cham a a polícia. A p olícia acha m in h as im pressões digitais, m e p rocu ra e acha o d in h eiro com igo; e leva-me d etid o. E u p o d eria dizer: “S in to m u ito p elo que aconteceu. Peguem o d in h eiro. D evolvam -no a D o n , e esqueçam os o caso ” . O u talvez eu gaste o d in h eiro antes de m e apan h arem , m as a m in h a irm ã aparece e diz: “ Esperem um m om en to; eu lhe darei os dez m il d ó lares” . Em am bas as situações, D on n ão está ob rigad o a receber o d in h eiro e esquecer o que se p assou , p orq u e eu n ão som ente in corri em u m a d ívida para com ele, m as tam bém com eti um crim e contra ele, in ju rian ­ do-o com o p essoa. Ele tem o direito de d ecid ir se vai aceitar o p agam en to e recusar-se a in sistir nas acusações — p orqu e foi ele quem sofreu o erro. Q u an d o Jesus se ofereceu para realizar satisfação por mim, a fim de que o pagam ento fosse aceito, D eus, o Pai, que é o m eu

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Credor, aquele a quem eu havia ofendido e m eu Juiz, teve de resolver e decretar que aceitaria esse pagam ento de outrem em m eu favor. Em outras palavras, se devo a D eus a penalidade de m orte porque pequei contra ele, e Jesus diz: “E u morrerei em favor desse crim inoso” e entrega sua vida por m im , o Pai estaria sob qualquer obrigação de aceitar esse pagam ento? N ão. Primeiram ente, tem de haver um julgam ento anunciando por parte do Governador do universo que proclam ará o fato de que aceitará um pagam ento substitutivo em favor de m inha dívida, m inha inimizade, m eu crime. C o m o sabem os, D eus aceitou realm ente o pagam ento vi­ cário de Jesus em nosso favor. Portanto, entendem os que houve um a decisão anterior d o Pai fundam entada na graça espontâ­ nea. Em algum m om ento antes de existir tem po, D eus tom ou a decisão de que aceitaria a satisfação feita pelo Filho. Podemos pensar que o Filho é m ais amável do que o Pai; m as, de quem foi a idéia de que devíam os ter um M ediador? Q uem enviou o M ediador? A s Escrituras declaram : “Porque D eus am ou ao m u n do de tal m aneira que deu o seu Filho unigênito” (Jo 3.16). D eus, o Pai, aquele que foi ofendido por nosso pecado, enviou o Filho para ser o M ediador que nos reconciliaria consigo m es­ m o. Nestes dias, os teólogos tendem a repudiar a percepção de A nselm o e a pensar m enos em um D eus que exige satisfação.

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D e v e d o r e s, In im ig o e

e

C r im in o s o s

D e m uitas m aneiras, eles rejeitam todo o conceito de satisfação. M as, ao lermos o N ovo Testam ento, quase todas as suas pági­ nas nos levam de volta a este conceito. C o m o Paulo disse em R om anos, ao explicar a doutrina da justificação, D eus resolveu m anifestar “a sua justiça n o tem po presente, para ele m esm o ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26). A cruz é isto — um a m anifestação d a justiça e d a m isericórdia de D eus. É por virtude d a expiação que D eus pode m anter sua justiça e dem onstrar sua m isericórdia, provendo satisfação para aqueles devedores que não podiam pagar sua dívida, aqueles inim igos que n ão podiam achar reconciliação para superar a sua alienação e aqueles crim inosos que n ão podiam pagar por seus crimes. D eus diz: “A justiça será feita. A dívida será paga por com ­ pleto. O crime será p u n id o ” . Ele não negocia a sua justiça, de m aneira alguma. O fato de que m inha dívida foi paga, as exi­ gências de reconciliação, satisfeitas, e a punição de m eu crime, d ada ao m eu Substituto m ostra que na cruz vem os a perfeita justiça com perfeita m isericórdia. N a substituição que ocorreu na cruz, vem os a gloriosa graça de D eus — a própria vida d a fé cristã.

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C a p ít u l o 4

resgatad o s do

A lto

a v id a de Je su s, esp e c ialm e n te q u a n d o ele ch egava

N

ao fin a l d e seu m in isté rio terren o , deve ter h av id o o c a siõ e s em q u e, n o to c a n te à su a n atu re za h u m a ­

n a, ele se se n tiu fru stra d o . Por exem plo, q u a n d o fez su a ú ltim a viagem d a G a lilé ia p a ra Je ru sa lé m , ele fo calizo u c o n sta n te m e n te su a ate n çã o n a h o ra v in d o u ra , p re p a ra n ­ d o os seu s d isc íp u lo s p a ra o fa to de q u e se d irig ia a Je ru ­ salém p ara m orrer. M as, p o r alg u m a razão , isso n ã o era claro p ara eles. Veja com o o evangelho de M arcos relata um dos inciden­ tes daquela viagem:


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Estavam de caminho, subindo para Jerusalém, e Jesus ia adiante dos seus discípulos. Estes se admi­ ravam e o seguiam tomados de apreensões. E Jesus, tornando a levar à parte os doze, passou a revelar­ -lhes as coisas que lhe deviam sobrevir, dizendo: Eis que subimos para Jerusalém, e o Filho do Homem será entregue aos principais sacerdotes e aos escribas; condená-lo-ão à morte e o entregarão aos gentios; hão de escarnecê-lo, cuspir nele, açoitá-lo e matá-lo; mas, depois de três dias, ressuscitará. M c 10.32-34 Esse foi um aviso extremamente solene. M as, depois de Jesus falar essas palavras, Tiago e João apareceram e pediram a Jesus que os fizesse assentar à sua direita e à sua esquerda, em glória. Essa foi um a variação d a argum entação perm anente dos discípulos a respeito de qual deles era o maior. Enquanto C ris­ to se preparava para entrar em sua grande paixão, seus amigos íntim os argum entavam sobre a herança. Foi nesse contexto que Jesus disse algo significativo para o nosso entendim ento d a expiação. Ele disse: Sabeis que os que são considerados gover­ nadores dos povos têm-nos sob seu dom ínio,

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Re sg a t a d o s

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e sobre eles os seus m aiorais exercem autoridade. M as entre vós n ão é assim ; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o prim eiro entre vós será servo de todos. Pois o próprio Filho d o H o ­ m em n ão veio para ser servido, m as para servir e dar a sua vida em resgate por m uitos. M c 10.42b-45. Em sua aparente frustração, Jesus estava tentando m ostrar aos discípulos qual era a essência de seu m inistério. Estava se esforçando para afirmá-lo de m odo sucinto e vívido, para que seus discípulos, de entendim ento obscurecido, com preendes­ sem de um a vez por todas o que ele faria. Jesus disse que não viera para que outros o servissem, e sim para que os servisse, por entregar sua vida com o um resgate. A palavra grega que M arcos em pregou nesta passagem é interessante. N o estudo d o grego, o prim eiro verbo que um a pessoa geralm ente aprende é luo, que significa “soltar, libertar, desatar” . Luo é a raiz da palavra lutron, que M arcos empregou nesta passagem . Resgate é um a boa tradução de lutron, porque um resgate está relacionado com soltar algum a coisa, deixar li­ vre algo que está m antido em cativeiro. Q u an d o pensam os em um resgate, tendem os a pensar

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em um seqüestro. N esse contexto, um resgate é um pagam ento m onetário que alguém exige em troca d a libertação de outrem que é m antido cativo. A idéia de um resgate tinha essa m esm a conotação n o m un do antigo, m as um resgate tam bém poderia ser um preço pago para livrar um escravo d a servidão ou deixar livres reféns que eram presos em conflitos militares. Em bora a palavra resgate não seja usada freqüentem ente nas Escrituras, o conceito de um resgate está por trás do am plo term o bíblico redenção. N as especificações bíblicas, um redentor é alguém que age para libertar outro. A ssim , D eus é cham ado o R edentor de Israel, quan d o liberta o seu povo da escravidão no Egito. A história d o êxodo é um a história de redenção. Isso nos traz de volta à cruz. Ali Jesus tornou-se expiação por seu povo, satisfazendo as exigências da justiça de Deus. C om o já vimos, a expiação é um acontecimento que tem diversos aspectos — Jesus é mostrado como aquele que provê fiança à nossa dívida para com Deus, aquele que faz m ediação entre nós e Deus e aquele que se oferece como substituto para sofrer o juízo de Deus em nosso lugar. N o entanto, ele também é apresentado no Novo Testamento como aquele que redime seu povo da escravidão, tornando-o livre por oferecer-se a si mesmo como resgate. Essa obra era o próprio âm ago d a m issão de Jesus. Lem ­ bram os que n o início de seu m inistério, Jesus entrou na sinago­ ga de Nazaré e leu o texto de Isaías 61.1-2, dizendo:

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O Espírito d o Senhor está sobre m im , pelo que m e ungiu para evangelizar os pobres; enviou­ -me para proclam ar libertação aos cativos e restau­ ração d a vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprim idos, e apregoar o ano aceitável do Senhor. (Lc 4.18-19) Esta profecia expressa o caráter do m inistério d o M essias, que deveria incluir a libertação de cativos. Em outras palavras, Jesus estava dizendo que viera para libertar aqueles que estavam em servidão. Ele faria isso pagando um resgate. Temos de ser cuidadosos neste assunto. U m a das opiniões a respeito da expiação que tem lutado por aceitação na história da igreja é conhecida com o “a teoria do resgate” , mas essa teoria tem sido articulada de duas maneiras diferentes, geralmente con­ flitantes. A primeira defende que pela transação ocorrida n a cruz Jesus pagou um resgate a Satanás, porque este m antinha sob ser­ vidão o hom em caído. Em outras palavras, Satanás era o seqües­ trador que nos m antinha distante da casa de nosso Pai; C risto veio e pagou o resgate ao D iabo, para nos libertar. É fácil entender com o essa teoria pode ter se desenvolvi­ do. A final de contas, quem habitualm ente estabelece o resga­ te? Ele não é estabelecido por um a diretoria de negócios que aparece e determ ina o valor de m ercado. O preço d o resgate é

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estabelecido inicialm ente pelo seqüestrador, o detentor d o cati­ vo ou o guardador d o refém. Ele determ ina o preço do resgate. E com pete àqueles que tentam libertar a pessoa seqüestrada, o cativo ou o prisioneiro de guerra, decidirem se atribuem ao cativo valor suficiente que justifique o resgate. Pelo fato de que o N ovo Testam ento fala sobre o hom em caído com o um ser que está em servidão ao pecado e pelo fato de que Satan ás é o inim igo de D eus e o tentador, é fácil nos precipitarm os na conclusão de que Satan ás nos m antém sob servidão e exige um resgate d a parte de Deus. A Bíblia claramente nos chama a atenção ao elemento Chris­

tus Victor da expiação. Esse é um dos aspectos da obra de Cristo pela qual ele realizou um a vitória completa sobre os principados e potestades, derrotando o D iabo e acabando com o seu poder sobre nós. Vemos o conflito entre Jesus e Satanás desde o início do ministério de Jesus, quando o Espírito o levou ao deserto para ser tentado pelo Diabo. Jesus resistiu às tentações, mas Lucas nos diz que, ao findarem as tentações, o D iabo “apartou-se” de Jesus “até m om ento oportuno” (Lc 4.13). Satanás entrou em retiro, mas não um retiro permanente. Foi o que poderíam os chamar de afas­ tam ento estratégico, para que pudesse achar um a ocasião melhor para lançar outro ataque contra Cristo. Esse conflito se desenro­ lou durante todo o ministério de Jesus. N o entanto, C risto obteve na cruz a vitória sobre Satanás.

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A conteceu com o D eus havia declarado nos prim eiros dias da raça hum ana. D epois que A dão e Eva pecaram , D eus se apro­ xim ou deles, pronunciou-lhes m aldição e, voltando-se para a serpente, disse: “Porei inim izade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (G n 3.15). Essa proclam ação era o proto-evangelho, o prim eiro evangelho que foi pregado. O s escritores d o N ovo Testam ento interpretaram essas palavras no sentido de que tiveram sua realização na m orte de Cristo, pois na cruz C risto esm agou a cabeça de Satanás, em bora no processo ele tenha experim entado o sofrim ento da m orte. M as ele ressusci­ tou d o sepulcro pelo poder de D eus, obtendo vitória absoluta. “D espojan do os principados e as potestades, publicam ente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz” (C l 2.15). Entretanto, a verdade d o conflito entre C risto e Satanás n ão significa que o resgate sobre o qual C risto falou foi pago a Satanás. Pense nisso por um m om ento. Se C risto pagou um resgate para que Satan ás nos libertasse de seu poder, quem foi o vitorioso? H abitualm ente, o seqüestrador n ão quer ter a posse perm anente de sua vítim a. Pelo contrário, ele quer o resgate que poderá obter em troca da libertação de seu refém. Se recebe o resgate, ele vence. Portanto, se o resgate foi pago a Satanás, ele ficou m uito feliz pelo que conseguiu. E n ão há nenhum Christus

Victor. H á um Satanus Victor.

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C on cordo com a outra expressão da teoria d o resgate. Ela afirm a que o resgate foi pago não a Satanás e sim a D eus, por­ que D eus é aquele que tinha de ser satisfeito. Q uan do a Bíblia fala sobre resgate, ela diz que o resgate foi pago n ão a um cri­ m inoso, e sim àquele a quem era devido o preço d a redenção, a parte ofendida em tudo que diz respeito ao pecado — o Pai. Jesus não negociou a nossa salvação com Satanás. Ele se ofe­ receu a si m esm o com o pagam ento ao Pai em nosso favor. A o oferecer-se a si m esm o, Jesus realizou a redenção de seu povo, redim indo-o d a servidão. O tema de resgate e redenção é freqüentem ente igno­ rado, m as está profundam ente arraigado nas Escrituras. Para entendê-lo, devem os volver nossa atenção a algum as passagens bíblicas que talvez nos pareçam estranhas. N a prim eira dessas passagens, Êxodo 21.1-6, D eus ordenou a M oisés que instruísse o povo de Israel assim: S ão estes os estatutos que lhes proporás: Se com prares um escravo hebreu, seis anos servirá; m as, ao sétimo, sairá forro, de graça. Se entrou solteiro, sozinho sairá; se era hom em casado, com ele sairá sua mulher. Se o seu senhor lhe der m u­ lher, e ela der à luz filhos e filhas, a m ulher e seus filhos serão do seu senhor, e ele sairá sozinho. Po­

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rém , se o escravo expressam ente disser: Eu am o m eu senhor, m inha m ulher e m eus filhos, não quero sair forro. Então, o seu senhor o levará aos juízes, e o fará chegar à porta ou à om breira, e o seu senhor lhe furará a orelha com um a sovela; e ele o servirá para sempre. O que a Bíblia está dizendo nesta ordem? Esta passagem é inegavelmente estranha à cultura ocidental do século XXI. A lguns de nós talvez julguem os essas palavras ofensivas porque constituem a lei bíblica referente a servos e pensávam os que a Bíblia advogava a redenção da escravidão. Bem , essa era um a escravidão diferente daquela com que estam os fam iliarizados — a escravidão que pega inesperadam ente um a pessoa, separa-a d o cônjuge, dos filhos e coloca-a em correntes e algemas. Isso n ão é o que estava sendo abordado nesta passagem de Êxodo. A escravidão aqui referida é um tipo de servidão contratada. Considerem os o contexto histórico para esse tipo de ser­ vidão. Em prim eiro lugar, os judeus não tinham perm issão de escravizar outros judeus da m esm a m aneira com o pessoas eram tom adas cativas nas conquistas m ilitares. C on tudo, em Israel havia prescrições para a servidão contratada. Essas especifica­ ções baseavam-se na situação econôm ica d o m om ento. Se um a pessoa incorria em dívida que n ão pod ia pagar, ela n ão era lan­

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çada na prisão. Em vez disso, ela se com prom etia por contrato com a pessoa credora, tornando-se um servo a fim de quitar a dívida por m eio d o seu trabalho. Se tivesse um a dívida grande, talvez precisasse de alguns anos para saldá-la. Todavia, as leis de Israel exigiam que em todo sétimo ano aquele servo contratado fosse liberto, quer tivesse pago com pletam ente a dívida, quer não. O m esm o acontecia a cada quarenta e nove anos, quando havia o ano d o jubileu. E ssa libertação n o ano sétim o está em foco nesta passagem de Ê xodo 21. O que é interessante nesse texto não é tanto os princípios d a servidão contratada, e sim a inform ação a respeito dos servos que tinham esposa. E ssa parte do texto nos parece especialm en­ te severa. O versículo 3 diz: “Se entrou solteiro, sozinho sairá” . O u seja, depois de haver trabalhado para quitar sua dívida, o servo era livre para ir em bora. E m seguida, o versículo diz: “Se era hom em casado, com ele sairá sua m ulher” . Isso faz sentido para nós. M as, quando chegamos ao versículo 4, lemos: “Se o seu senhor lhe der mulher, e ela der à luz filhos e filhas, a m u­ lher e seus filhos serão do seu senhor, e ele sairá sozinho” . Isso parece um tratam ento cruel e injusto. A idéia é que um hom em solteiro deve a alguém um valor que ele n ão pode pagar; por isso, se torna um servo contratado de seu credor. Q u an d o paga toda a sua dívida por m eio d o trabalho, ele pode deixar sua ser­ vidão. M as, se o senhor lhe der um a esposa, e tiverem filhos, a

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esposa e os filhos não podem sair com ele. N ã o podem porque, nos termos hebraicos, o m arido e pai não pagou por eles. N o antigo Israel, um hom em tinha de pagar um dote ou o preço da esposa ao pai de um a jovem, para conseguir a sua m ão em casam ento. É claro que o hom em que estava em dívida n ão teria condições de pagar o preço d a esposa. Além disso, um servo que trabalhava para quitar sua dívida incorreria em m aior débito se o seu senhor lhe desse, graciosa e espontaneam ente, com o esposa a sua filha ou um a de suas servas. Portanto, quan­ d o o hom em chegava finalm ente ao m om ento de deixar a ser­ vidão, se desejava ficar com sua esposa e filhos, ele tinha duas opções. Primeira, ele poderia sair sozinho, ganhar o suficiente, voltar e pagar o preço da esposa; nessa ocasião, ele receberia a m ulher e os filhos. Segunda, se não tivesse m eios de ganhar o suficiente, depois de sair de sua servidão, e quisesse ficar com a esposa e os filhos, ele poderia estender sua servidão contratada, n ão para quitar o valor da dívida original, e sim para pagar ao senhor o preço d a esposa. Em Israel havia outro costum e relacionado a este assun­ to — o costum e d o parente resgatador. O parente resgatador era um a pessoa d a m esm a fam ília que poderia ser autorizado a pagar as dívidas de um dos seus fam iliares, incluindo o preço d a esposa. A cham os esse costum e estabelecido em outro texto pouco conhecido d o A ntigo Testam ento, Levítico 25.23-27a:

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Também a terra não se venderá em perpe­ tuidade, porque a terra é m inha; pois vós sois para m im estrangeiros e peregrinos. Portanto, em toda a terra da vossa possessão dareis resgate à terra. Se teu irm ão em pobrecer e vender algum a parte das suas possessões, então, virá o seu resgatador, seu parente, e resgatará o que seu irm ão vendeu. Se alguém não tiver resgatador, porém vier a tornar-se próspero e achar o bastante com que a remir, então, contará os anos desde a sua venda, e o que ficar restituirá ao hom em a quem vendeu. O que isso significa? N o antigo Israel, era costum eiro um a fam ília cuidar das dívidas de seus m em bros. N ão com petia ao governo resgatá-las em ergencialm ente. Se um m em bro de um a fam ília se tornasse pobre e tivesse de vender parte de seus bens, um parente poderia vir e pagar o débito, para resgatar a pro­ priedade. N o A ntigo Testam ento, há um livro inteiro em que toda a história é um dram a concernente a essa prática de parente resgatador. É o livro de Rute, que tem um significado especial para m im . N o lado interno de m inha aliança de casam ento está

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inscrito: “Teu povo, m eu povo”; e na aliança de m inha esposa: “Teu D eus, m eu D eu s” . S ão palavras extraídas d o livro de Rute, n o qual um a jovem senhora, cham ada Rute, da terra de M oabe, se com prom ete a acom panhar sua sogra israelita, N oem i, dizen­ do: “A onde quer que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o m eu povo, o teu D eus é o m eu D eu s” (Rt 1.16). Rute vai a Israel com N oem i e, posteriorm ente, conhece Boaz, que age com o parente resgatador para N oem i e Rute. Ora, esses termos e costum es são aplicados, em toda a Bí­ blia, à obra do M essias em sua expiação. N o resgate que C risto pagou, ele agiu com o parente resgatador de seu povo. C om o nosso irm ão m ais velho, ele pagou a dívida que havíam os con­ traído diante de D eus. Ele nos resgata d a servidão contratada por pagar o preço de nossa liberdade, restaurando-nos a heran­ ça n o reino do Pai. M ais im portante ainda é a figura que abunda n o Novo Testam ento a respeito do relacionam ento de C risto com a sua igreja. A figura m ais proem inente usada para retratar a igreja n o N ovo Testam ento é a de esposa de Jesus Cristo. Esta figura está ligada claram ente à expiação realizada de C ris­ to, por m eio d a qual ele pagou um resgate, o preço da esposa, a fim de com prar sua esposa. O utra vez, nesta im agem , vem os o Filho de D eus nos com prando para garantir a nossa redenção.

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A idéia de um resgate está entretecida em toda a Escritura. Evidentem ente, com o vim os n o capítulo anterior, sempre foi a intenção de D eus prover um Redentor, que pagaria o preço para resgatar-nos de nossa servidão. C om eçando na últim a parte d o século X X , a prática de fazer reféns se desenvolveu com o um m eio pelo qual pequenos grupos de fanáticos tentariam influenciar poderes m undiais com o os Estados U n idos. Q u an d o isso acontece, há sem pre um dilem a m oral. Se o resgate for pago aos seqüestradores, esses malfeitores se sentirão estim ulados a perpetuarem essa prática desprezível. C o m o resultado, o governo dos Estados U nidos estabeleceu a política de recusar-se a pagar resgates a seqüestra­ dores e, em vez disso, procurar libertar os reféns em pregando outros m eios. D eus nunca descartou o pagam ento de um resgate para livrar seu povo da destruição certa. C risto veio e pagou o res­ gate, a fim de garantir a libertação de seu povo, que era cativo d o pecado. C risto pagou o resgate voluntariam ente, para que nos libertasse de nossa servidão e nos trouxesse para si m esm o com o sua esposa am ada.

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C a p ít u l o 5

O Su b s t i t u t o Sa l v a d o r

a primavera de 1995, eu estive nas arquibancadas de um

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estádio para assistir a sétima partida da série decisiva da Conferência Leste da N BA . O Orlando Magic estava en­

frentando o Indiana Pacers. A série estava empatada em três par­ tidas. Portanto, o vencedor daquela noite avançaria para as finais da NBA. Quando chegamos, bem antes do arremesso inicial, o barulho no interior do estádio chegava até ao saguão. O s torcedo­ res do Orlando Magic estavam gritando, assobiando e cantando uma hora antes do começo da partida. Q uando o jogo começou, eles continuaram fazendo isso. Nunca assisti a um evento em que os torcedores fizeram mais barulho do que a multidão naquela partida específica.


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N aquela noite, tam bém observei o com portam ento da pessoas no estádio; e perguntei-me o que em nossa hum anida­ de nos deixa tão frenéticos e fervorosos a respeito de algo como um jogo de basquete. A final de contas, na eternidade quem se interessará por saber quem perdeu ou ganhou um a com petição esportiva? Mas, quando olhei para m im m esmo, tive de adm itir: estou aqui e me interesso; estou gritando com o todos os outros neste estádio. N ão é incomum sermos achados apoiando os nossos times favoritos. N ão jogamos nas partidas. Talvez não vamos aos jogos. E, talvez, nem mesmos os vejamos na televisão ou os ouçamos no rádio. Mas, se gostamos do resultado, temos a tendência de dizer:

“Nós vencemos” . N ós nos identificamos tão intimamente com nos­ sos times favoritos que, ao vencerem, nos incluímos na vitória. É claro que, se nosso time perde, tendemos a mudar a linguagem e dizer: “Eles perderam” . Deixamos os jogadores receberem a culpa e a vergonha da derrota, mas queremos ter parte na glória da vitória. Por que fazemos isso? Em certo sentido, os torcedores de esportes experimentam um tipo de participação. Temos um senso de que nossos times representam nossa cidade, nossa escola e, em última análise, a nós mesmos. Talvez não conheçamos pessoalmen­ te os jogadores, mas gostamos de pensar que eles estão fazendo algo em nosso favor. Por isso, nos regozijamos com as vitórias deles e nos entristecemos com suas derrotas. Isso é o que chamamos de

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O S u b s t i t u t o Sa l v a d o r

experiência vicana. A palavra vicária é m uito im portante ao nosso enten­ dim ento da expiação de Cristo. Karl Barth, falecido teólogo suíço, disse certa vez que, em sua opinião, a palavra m ais im­ portante em todo o Novo Testam ento grego era a palavra hiper. Essa pequena palavra é traduzida pela expressão “em favor de” . Evidentem ente, ao fazer essa afirm ação, Barth se envolveu em um a hipérbole, porque m uitas palavras do Novo Testamento são consideravelmente tão im portantes ou m ais im portantes do que hiper. B arth estava apenas procurando cham ar a atenção à im portância do que é conhecido na teologia com o o aspecto vicário do m inistério de Jesus. Vimos anteriormente que a expiação realizada por Jesus é descrita como uma obra de satisfação. Em outras palavras, ele re­ alizou satisfação para a nossa dívida, a nossa inimizade com Deus e a nossa culpa. Ele satisfez a exigência de resgate para a nossa libertação da servidão ao pecado. N o entanto, há outra palavra significativa que é freqüentemente usada na descrição da expia­ ção: substituição. Quando consideramos a descrição bíblica do pe­ cado como um crime, vimos que Jesus agiu como um substituto, tomando o nosso lugar no tribunal de justiça de Deus. Por essa razão, às vezes falamos da obra de Jesus na cruz como a expia­ ção substitutiva de Cristo. E isso significa que, ao oferecer-se a si mesmo como expiação, ele não o fez para satisfazer a justiça de

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Deus em favor de seus próprios pecados, e sim em favor dos peca­ dos de outros. Ele assumiu o papel de Substituto, representando o seu povo. Ele não deu a sua vida em favor de si mesmo; Ele a deu em favor de suas ovelhas. Ele é o nosso único Substituto. A idéia de ser um Substituto que ofereceria uma expiação para satisfazer as exigências da lei de Deus em benefício de outros era algo que Cristo entendia como sua missão, desde o momento em que entrou neste m undo e tomou sobre si a natureza humana. Ele veio do céu, como o dom do Pai, tendo o propósito específico de realizar a redenção como nosso Substituto, fazendo em nosso lugar o que não poderíamos fazer por nós mesmos. Vemos isso no início do ministério de Jesus, quando ele começou sua obra públi­ ca, vindo ao Jordão e encontrando-se com João Batista. Imagine a cena no Jordão, naquele dia. João estava ocupado batizando as pessoas em preparação para a vinda do reino. De re­ pente, ele olhou e viu Jesus se aproximando. Ele falou as palavras que mais tarde se tornaram a letra daquele grande hino da igreja,

Agnus Dei: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mun­ do!” (Jo 1.29). João anunciou que Jesus era aquele que viera para suportar o pecado de seu povo. Em sua pessoa, Jesus cumpriria tudo o que estava simbolizado no sistema de sacrifícios do Antigo Testamento, segundo o qual um cordeiro era imolado e queimado sobre o altar como uma oferta a Deus, para representar a expiação pelo pecado. O cordeiro era o substituto. Assim, ao chamar Jesus

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O S u b s t i t u t o Sa l v a d o r

de “Cordeiro de Deus”, João Batista estava afirmando que Jesus também seria um Substituto, um substituto que faria a verdadeira expiação. Jesus se aproximou de João Batista e, para a admiração deste, pediu-lhe que o batizasse. As Escrituras nos contam a reação de João Batista a esse pedido: “Ele, porém, o dissuadia, dizendo: Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?” (Mt 3.14). Essa afirmação simples deve ter disfarçado uma profunda confusão em João. Ele acabara de anunciar que Jesus era o Cordeiro de Deus; e, para servir como sacrifício perfeito que expiaria o pecado de seu povo, o Cordeiro de Deus tinha de ser imaculado. Tinha de ser completamente puro. Mas o ritual do batismo ao qual João exortava Israel a submeter-se como preparação para a vinda do Messias era um rito que simbolizava a purificação do pecado. Por isso, João disse, em essência: “Batizá-lo é um absurdo para mim, porque você é o cordeiro de Deus impecável”. Em seguida, João Batista apresentou uma idéia alternativa: Jesus deveria batizá-lo. Essa foi a maneira pela qual João reconheceu que era um pecador que necessitava de purificação. Jesus anulou o protesto de João, respondendo-lhe: “Deixa por enquanto, porque, assim, nos convém cumprir toda a justi­ ça” (Mt 3.15). A escolha das palavras de Jesus nesta declaração foi interessante. Primeiramente, ele disse: “Deixa por enquanto” . O fato de que Jesus deu sua ordem a João Batista usando essas pa­

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lavras mostra que havia alguma dificuldade teológica envolvida no assunto. Era como se Jesus estivesse dizendo: “João, sei que você não entende o que está acontecendo aqui, mas pode confiar em mim. Vamos, batize-me”. N o entanto, Jesus prosseguiu e explicou por que João deveria batizá-lo. Jesus disse: “Assim, nos convém cumprir toda a justiça”. A palavra convém, nesta passagem, também poderia ser traduzida por “é necessário” . Em outras palavras, Jesus estava dizendo que lhe era necessário ser batizado. Por que era necessário? João Batista viera como um profeta enviado por Deus. Jesus diria mais tarde: “Entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João; mas o menor no reino de Deus é maior do que ele” (Lc 7.28). Por meio deste profeta, Deus havia dado ao seu povo da aliança uma nova ordem: deviam ser batizados. Nunca devemos pensar que Deus parou de expressar sua vontade ao seu povo depois de haver entre­ gue os Dez Mandamentos. Inúmeras leis foram acrescentadas aos dez mandamentos básicos, depois que eles foram outorgados. A ordem de que seu povo passasse por esse rito de purificação, a fim de preparar-se para a chegada do reino divino, era o mais recente edito de Deus. Antes que fosse à cruz, antes que pudesse cumprir o pa­ pel de Cordeiro de Deus, antes que se tornasse uma oblação que satisfaria as exigências da justiça de Deus, Jesus tinha de submeter-se a cada detalhe da lei que Deus entregara à nação. Ele

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tinha de representar, em cada detalhe, o seu povo diante do tribu­ nal de justiça de Deus. Visto que a lei agora exigia que todas as pes­ soas fossem batizadas, Jesus tinha de ser igualmente batizado. Ele tinha de cumprir cada mandamento para se mostrar impecável. Jesus não estava pedindo a João que o batizasse por que ele neces­ sitava de purificação. Ele queria ser batizado para que se mostrasse obediente ao seu Pai em cada detalhe. Essa era a verdade que Jesus estava estabelecendo para João, porque a sua m issão implicava ser o Substituto, o sacri­ fício vicário oferecido a D eus. Jesus entendeu isso e o aceitou. Desde o com eço de seu m inistério, ele sabia que viera para agir com o Substituto em favor de suas ovelhas. N o âmago de seu ensino estava a afirmação de que ele fazia isso não por causa de si m esmo, mas por causa de nós — para redimir-nos, resgatar­ -nos, salvar-nos. Quando falamos sobre o aspecto vicário da expiação, duas palavras técnicas nos ocorrem vez após vez: expiação e propiciação. Elas fazem surgir todo tipo de argumento a respeito de qual dessas palavras devemos usar para traduzir determinada palavra grega. Al­ gumas versões da Bíblia usam um a delas, e outras versões usam a outra. Freqüentemente, pessoas me pedem que explique a diferen­ ça entre propiciação e expiação. A dificuldade é que, embora essas palavras estejam na Bíblia, não as usamos como parte de nosso vocabulário diário, por isso não estamos certos do que exatamente

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elas comunicam nas Escrituras. N ão temos pontos de referência em relação a essas palavras. Consideremos o que significam essas palavras, começando por explicar o termo expiação. O prefixo ex significa fora de ou da

parte de; por isso, expiação está relacionada com a remoção ou afas­ tamento de algo. Em temos bíblicos, expiação implica a remoção por meio do pagamento de uma penalidade ou de uma oferta. Por contraste, propiciação está relacionada ao objeto da expiação. O prefixo pro significa “para”; por isso, a propiciação causa uma m udança na atitude de Deus, fazendo mover-se da inimizade para o ser por nós. Mediante o processo de propiciação, somos restau­ rados à comunhão e ao favor com Deus. Em certo sentido, a propiciação está relacionada ao ato de D eus ser apaziguado. Sabem os como a palavra apaziguar funciona nos conflitos políticos e militares. Pensamos nas supostas políticas de apaziguamento, a filosofia de que, se há um conquistador mun­ dial impetuoso agindo à vontade, brandindo a espada, em de vez correr o risco de sofrer a ira de seu ataque repentino, você lhe dá a região dos Sudetos, na Checoslováquia, ou algum pedaço de ter­ ritório semelhante. Você tenta abrandar a ira desse conquistador dando-lhe algo que o satisfará, para que ele não venha ao seu país e mate inúmeras pessoas. Essa é uma manifestação ímpia de apazi­ guamento. Mas, se você está irado ou foi afrontado, e eu consigo satisfazer a sua ira ou apaziguá-lo, sou restaurado ao seu favor, e o

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problema é removido. De vez em quando, a mesma palavra grega é traduzida pelos vocábulos expiação e propiciação. Mas existe uma pequena diferen­ ça. Expiação é o ato que resulta na mudança da disposição de Deus para conosco. Foi o que Cristo fez na cruz, e o resultado da obra expiatória de Cristo é a propiciação —a ira de Deus é removi­ da. A distinção é mesma que existe entre o resgate pago e a atitude daquele que recebe o resgate. Juntas, a expiação e a propiciação constituem um aplacamento. Cristo realizou sua obra na cruz para aplacar a ira de Deus. Essa idéia de aplacar a ira de Deus tem contribuído pouco para acalmar a ira dos teólogos modernos. De fato, eles ficam bastante irados quanto a toda a idéia de aplacar a ira de Deus. Acham que

ter de ser aplacado e fazermos algo para abrandá-lo ou apaziguá-lo está aquém da dignidade de Deus. Precisamos ser bastante caute­ losos na maneira como entendemos a ira de Deus, mas permita lembrar-lhe que o conceito de aplacar a ira de Deus está relaciona­ do não a uma questão periférica e tangencial da teologia, e sim à essência da salvação. Devo fazer uma pergunta básica: o que significa o termo sal­

vação? Já consideramos palavras como satisfação, expiação, redenção, substituição e propiciação. Todavia, o que salvação significa na Bíblia? Tentar explicá-la rapidamente pode causar-lhe dor de cabeça, por­ que a palavra salvação é usada cerca de setenta maneiras diferentes

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na Bíblia. Se alguém é livre de uma derrota certa na guerra, ele ex­ perimenta salvação. Se alguém sobrevive a uma enfermidade que ameaça a vida, ele experimenta salvação. Se as plantas de alguém são restauradas da murcha à saúde robusta, elas são salvas. Essa é a linguagem bíblica, e não difere de nossa linguagem. N ós salvamos as coisas. U m boxeador é salvo pelo gongo, significando que ele é salvo de perder a luta por nocaute, e não que ele é transportado ao reino eterno de Deus. Em resumo, qualquer experiência de livra­ mento de um perigo evidente e atual pode ser referida como uma forma de salvação. Quando falamos sobre a salvação em termos bíblicos, deve­ mos ser cuidadosos em afirmar do que somos salvos. O apóstolo Paulo fez exatamente isso quando disse que Jesus “nos livra da ira vindoura” (1 Ts 1.10). Em última análise, Jesus morreu para salvar­ -nos da ira de Deus. Sem essa verdade, não podemos entender o ensino e a pregação de Jesus de Nazaré, pois ele advertiu constan­ temente às pessoas que, um dia, o m undo sofreria o julgamento divino. Eis algumas de suas advertências a respeito do juízo: “Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento” (Mt 5.22); “Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo” (Mt 12.36); “Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta geração e a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis aqui está quem é maior do que Jonas”

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(Mt 12.41). A teologia de Jesus era uma teologia de crise. A palavra grega crisis significa “julgamento”. E a crise que Jesus pregava era a crise de um julgamento do mundo, pelo qual Deus derramará a sua ira contra os não-redimidos, os ímpios e impenitentes. A única esperança de escapar desse derramamento de ira é ser coberto pela expiação de Cristo. Portanto, a suprema realização da cruz foi que ela aplacou a ira de Deus, que seria inflamada contra nós, se não fôssemos cobertos pelo sacrifício de Cristo. Se alguém argumenta contra o aplacamento ou contra a idéia de que Cristo satisfez a ira de Deus, fique alerta, porque nesse caso o evangelho está em jogo. Isto é a essência da salvação — as pessoas que estão cobertas pela expiação são redimidas do supremo perigo ao qual toda pessoa está exposta. Cair nas mãos de um Deus santo, que se ira, é algo terrível. Mas não há ira para aqueles cujos pecados foram pagos. Isso é a salvação. N o seminário, um de meus colegas de classe apresentou um sermão como parte da aula de homilética. A audiência era os alunos da classe. N o final do sermão, cumpria ao professor dar um resumo de todas as fraquezas e virtudes da apresentação, in­ cluindo o conteúdo do sermão. Meu colega apresentou um ser­ mão entusiasta sobre a cruz. Entretanto, aquele professor despre­ zava o cristianismo ortodoxo e tinha um ódio terrível à teologia conservadora, por isso se mostrou hostil e beligerante para com o

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sermão pregado. O aluno permaneceu no púlpito depois de expor o sermão, e o professor o desafiou nestes termos: “Com o você ousa pregar a expiação vicária nestes dias e nesta época?” Eu não podia acreditar no que estava ouvindo. Queria replicar: “O que são estes dias e esta época que repentinamente tornaram obsoleta a expiação vicária de Cristo?” Eu não fiz isso e envergonho-me de não tê-lo feito. Talvez agora eu entenda um pouco melhor que a obra de Jesus na cruz é a própria essência do evangelho. U m Substituto apareceu no tempo e no espaço, designado por Deus mesmo, para suportar o peso e o fardo de nossas transgressões, fazer expiação por nossa culpa e pro­ piciar a ira de Deus em nosso favor. Isso é o evangelho. Portanto, se você remove a expiação vicária, despoja a cruz de seu significado e drena toda a importância da paixão de nosso Senhor. Se você faz isso, remove o próprio cristianismo.

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e você pedisse a uma criança, em qualquer igreja evangélica contemporânea, que dissesse o que Jesus fez por ela, o que acha que ela diria? Posso quase garantir-lhe que a resposta

seria: “Jesus morreu por meus pecados”. De fato, eu não ficaria surpreso se você recebesse essa resposta da maioria dos adultos. É uma resposta correta e verdadeira, mas não é a resposta completa. Já vimos que as realidades da justiça de Deus e da pecaminosidade do homem se combinam para tornar a expiação absolu­ tamente necessária. Também vimos que Jesus Cristo, o Filho de Deus, a segunda pessoa da Trindade, é aquele que fez satisfação por nossa dívida, nossa inimizade com Deus e nossa violação criminal da lei divina. Aprendemos que a cruz foi uma gloriosa


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conseqüência da graça de Deus, por meio da qual o Pai comis­ sionou o Filho a realizar a satisfação, para que pecadores fossem salvos sem o comprometimento da justiça de Deus. E descobrimos que a Bíblia apresenta Jesus como o Redentor, aquele que nos liberta de nosso cativeiro, por pagar um resgate por nós. N o entanto, por que tinha de ser Jesus? E, se a obra dele em nosso favor consistiu somente de morrer na cruz, por que ele não veio do céu com a idade de 30 anos e morreu logo na cruz? Essas foram as perguntas que Anselmo fez no título de seu livro Cur Deus

Homo? (Por que o Deus-Homem?). Estava perguntando por que Deus, o Filho, teve de assumir nossa humanidade, ser nascido e vi­ ver neste mundo por 33 anos, antes de realizar a expiação em favor do povo de Deus, na cruz. Para responder essa pergunta, temos de pensar na necessidade da expiação e considerar as exigências para a expiação. Em primeiro lugar, retornemos às coisas básicas e lembre­ mos que a necessidade da expiação está relacionada ao problema do pecado humano e do caráter de Deus — sua justiça e retidão. Em outras palavras, o hom em é injusto, e Deus, justo. Nesse ce­ nário, como essas duas partes poderiam, de alguma maneira, se relacionar? Imagine um círculo que representa o caráter da humanida­ de. Agora, imagine que, se alguém comete um pecado, uma man­ cha —uma mancha de natureza moral — aparece no círculo, sujan­

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do o caráter do homem. Se outros pecados são cometidos, novas manchas aparecem no círculo. Bem, se os pecados continuam a se multiplicar, ao final o círculo ficará cheio de manchas. Mas, as coi­ sas têm chegado a esse ponto? O caráter humano é manchado pelo pecado. O debate, porém, diz respeito à extensão dessa mancha. A Igreja Católica Rom ana defende a posição de que o caráter do homem não é completamente contaminado e que ele detém uma pequena quantidade de retidão. O s reformadores protestantes do século XVI afirmavam que a poluição e a corrupção pecaminosa do homem caído é completa, tornando-nos plenamente corruptos. Há muito mal-entendido a respeito do que os reformadores queriam dizer com essa afirmação. A expressão usada freqüen­ temente na teologia clássica reformada para referir-se à situação do homem é depravação total. As pessoas tendem a estremecer sempre que usam os essa expressão porque há uma confusão bas­ tante difundida acerca dos conceitos de depravação total e depra­ vação absoluta. A depravação absoluta significaria que o homem é tão mau e corrupto quanto poderia ser. N ão creio que existe neste m undo um ser humano que seja absolutamente corrup­ to, e isso acontece tão-somente por causa da graça de D eus e do poder restringente da sua graça comum. Os muitos pecados que cometemos individualmente, poderíamos cometê-los com maior perversidade. Poderíamos cometer pecados mais horríveis. Ou poderíamos cometer um maior número de pecados. Logo, a

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depravação total não significa que os homens são tão maus quanto poderiam ser. Quando os reformadores protestantes falavam sobre a de­ pravação total, eles queriam dizer que o pecado — seu poder, sua influência, sua inclinação —afeta toda a pessoa. Nosso corpo, nos­ so coração e nossa mente são caídos — em nós não há nenhuma parte que escape da ruína de nossa natureza hum ana pecaminosa. O pecado afeta nosso comportamento, nossa vida, nossa conversa. Toda a pessoa é caída. Essa é a verdadeira extensão de nossa pecaminosidade, quando julgada pelo padrão e norma da perfeição e santidade de Deus. Ampliando o assunto, quando o apóstolo Paulo desenvol­ veu o tema da condição humana caída, ele disse: “N ão há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Rm 3.10-12). Essa é uma afirmação radical. Paulo estava dizendo que o ser humano caído nunca faz uma única obra boa. Mas isso se opõe a nossa experiência. Quando olhamos ao nosso redor, vemos inúmeras pessoas que não são cristãs fazendo coisas que aplaudimos por sua virtude. Por exemplo, vemos atos de heroísmo e auto-sacrifício entre aqueles que não são cristãos, como policiais e bom ­ beiros. Muitas pessoas vivem tranquilamente como cidadãos que obedecem à lei, nunca desafiando o Estado. Ouvimos falar regu-

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larmente de atos de honestidade e integridade, como a atitude de uma pessoa que devolve uma carteira perdida, em vez de ficar com ela. João Calvino chamava isso de retidão civil. Mas, como pode haver esses atos de bondade aparente, quando a Bíblia diz que nenhuma pessoa faz o bem? A razão para esse problema é o fato de que, ao descrever bondade e maldade, a Bíblia focaliza-as com base em duas perspec­ tivas distintas. Primeira, há a norma de medida da Lei, que avalia a conduta externa dos seres humanos. Por exemplo, se Deus afirma que você não deve roubar, e você passa a vida toda sem roubar, com base num a avaliação externa, podemos dizer que você tem um bom registro. Você guardou a Lei externamente. Mas, além da norma de medida externa, há também a con­ sideração do coração, a motivação interna de nosso comporta­ mento. Som os informados de que o homem julga pela aparência exterior, mas Deus examina o coração. C om base na perspectiva bíblica, fazer uma boa obra no sentido pleno exige não somente que a obra se conforme externamente com os padrões da lei de Deus, mas também que proceda de um coração que ama a Deus e quer honrá-lo. Você recorda o grande mandamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” (Mt 22.37). Há alguém que está lendo este livro que amou a Deus com todo o seu coração nos últimos cinco minutos? Não. Ninguém ama a Deus com todo o seu cora­

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ção, sem mencionar a alma e o entendimento. U m a das coisas pelas quais terei de prestar contas no Dia do Juízo é a maneira como tenho gasto a minha mente na busca do conhecimento de Deus. Quantas vezes tenho sido tardio ou indo­ lente para me aplicar ao mais pleno esforço de conhecer a Deus? N ão tenho amado a Deus com todo a minha mente. Se eu amasse a Deus com toda a minha mente, jamais teria existido ali qualquer pensamento impuro. Mas não é assim que ela opera. Se considerarmos a conduta humana com base nesta pers­ pectiva, podemos entender por que o apóstolo expressou essa conclusão aparentemente radical, dizendo que não há ninguém que faça o bem; que não achamos entre os homens nenhuma bon­ dade, no pleno sentido da palavra. Até as nossas melhores obras têm uma mancha de pecado misturada nelas. Nunca fiz um ato de caridade, de sacrifício, de heroísmo que procedeu de um coração, uma alma e um a mente que amam completamente a Deus. N o as­ pecto externo, muitos atos virtuosos são praticados tanto por cren­ tes como por incrédulos, mas Deus considera tanto a obediência externa como a motivação. Sob essa norma restrita de julgamento, estamos em apuros. Imagine um segundo círculo, como o primeiro que tínha­ mos para o homem, a fim de representar o caráter de Deus. Quan­ tas manchas veríamos nesse círculo? Nenhuma, em absoluto. So­ mos totalmente depravados; e Deus é santo em todo o seu ser. De

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fato, ele é tão santo, que não pode contemplar a iniqüidade. Ele é perfeitamente justo. Eis o cerne do problema: como pode uma pessoa injusta permanecer na presença de um Deus santo? Ou, formulando a pergunta de outra maneira: como pode uma pessoa injusta ser tor­ nada justa ou justificada? Pode começar tudo de novo? Não. U m a vez que uma pessoa cometa um pecado, é impossível ser perfeita, porque perdeu a sua perfeição por causa do pecado inicial. Pode pagar a pena de seu pecado? Não, a menos que deseje passar a eternidade no inferno. Deus pode ignorar o pecado? N ão. Se ele fizesse isso, sacrificaria a sua justiça. Portanto, se o homem tem de ser tornado justo, a justiça de Deus precisa ser satisfeita. Alguém precisa ser capaz de pagar o preço da infinita penalidade do pecado do homem. Tem de ser um membro da parte ofendida, mas tem de ser alguém que nunca caiu na inescapável imperfeição do pecado. Em face dessas exigências, nenhum homem poderia qualificar-se. Contudo, Deus mesmo po­ deria. Por essa razão, Deus, o Filho, veio ao m undo e vestiu-se de humanidade. Com o diz o autor de Hebreus: “Por isso mesmo, con­

vinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos” (Hb 2.17 - ênfase acrescentada). Jesus era diferente dos outros homens pelo menos de uma maneira bastante significativa. Imagine um círculo que represente o caráter de Jesus. Ele viveu na terra, como homem, por

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várias décadas, sujeito à lei de Deus e a todas as tentações conheci­ das dos homens (Hb 4.15). Mas, não vemos nenhuma mancha em seu círculo. Nenhuma. Essa foi a razão por que, como vimos no capítulo anterior, João Batista clamou: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do m undo!” (Jo 1.29). O s cordeiros da Páscoa no Antigo Testamento deviam ser cordeiros sem manchas, tão perfei­ tos fisicamente quanto possível. Mas o último cordeiro, o Cordei­ ro de Deus que tiraria o pecado de seu povo, deveria ser perfeito em todos os aspectos. Ao chamar Jesus de Cordeiro de Deus, João estava afirmando que Jesus não era contaminado pelo pecado. Jesus mesmo fez essa afirmação. Ele perguntou aos fariseus: “Quem dentre vós me convence de pecado?” Em certo sentido, podemos nos tornar anestesiados por nossa familiaridade com as histórias do Novo Testamento. Com o resultado, às vezes acontece que, ao lermos afirmações radicais de Jesus, não ficamos admira­ dos. Com o reagiria se alguém dissesse: “Eu sou perfeito. Se não concorda comigo, prove que não sou”. Isso foi o que Jesus disse. Ele afirmou não ter qualquer sombra de mudança, nenhuma m an­ cha, nenhum pecado. Ele disse que sua comida e sua bebida con­ sistiam em fazer a vontade do Pai. Ele era um homem cuja paixão da vida era a obediência à lei de Deus. Temos um a parte injusta (o homem) e duas partes justas. Temos um Deus justo e um Mediador justo, que é totalmente san­ to. O Mediador é aquele que veio para satisfazer as exigências do

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Deus justo em favor da raça injusta de homens. É aquele que torna justa a parte injusta. É o único que poderia fazer isso. Com o protestantes, a expressão que usamos para definir esse processo de tornar justo o injusto é justificação forense. O termo

forense é usado no contexto de obra policial investigativa ou para descrever debates argumentativos de nível universitário. Está rela­ cionado a atos de declaração formal e determinativa. Portanto, a justificação forense ocorre quando uma pessoa é declarada justa no tribunal de Deus. Essa justificação acontece quando o supremo Juiz do céu e da terra diz: “Você é justo” . As bases para essa declaração estão no conceito de impu­ tação. Esse conceito se acha freqüentemente nas Escrituras. É central ao que Jesus fez na cruz. Por exemplo, estamos falando a respeito de imputação quando dizemos que Jesus levou os nossos pecados e tomou sobre si os pecados do mundo. Nesse caso, a linguagem é a de um ato quantitativo de transferência pelo qual o peso da culpa é tirado do homem e lançada em Cristo. Em outras palavras, Cristo tomou voluntariamente para si mesmo todas as manchas do círculo hipotético sobre o qual falamos antes neste ca­ pítulo. N a linguagem teológica, dizemos que Deus imputou a Jesus aqueles pecados. Por isso, Deus olhou para Cristo e viu um corpo de pecaminosidade, porque todos os pecados do povo de Deus foram transferidos para o Filho. Jesus morreu na cruz para realizar satisfação pelos pecados — cumprindo seus papéis como Fiador,

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Mediador, Substituto e Redentor. Esse é o conceito que temos em mente quando dizemos que Jesus morreu por nós. Se tudo que aconteceu foi a simples transferência de nossos pecados para Jesus, não fomos justificados. Se Jesus levou sobre si mesmo todos os pecados que já cometemos e sofreu o castigo por mim, isso não me introduz no reino de Deus. Seria suficientemen­ te bom para manter-me fora do inferno, mas eu ainda permane­ ceria injusto. Eu seria inocente, mas não seria justo no sentido positivo. N ão teria qualquer justiça a respeito da qual poderia fa­ lar. Temos de lembrar que ser justo não é apenas ser inocente — é possuir justiça. É a justiça que me introduz no reino de Deus. Jesus disse que, se nossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entraremos no reino. Felizmente, não há somente uma transferência, há duas. N ão somente o pecado do homem é imputado a Cristo, mas tam­ bém a justiça de Cristo é transferida a nós, lançada em nossa con­ ta. Com o resultado, aos olhos de Deus o círculo humano é agora apagado de todas as manchas e enchido com justiça gloriosa. Por causa disso, quando Deus me declara justo, ele não está mentindo. Temos de considerar que a justiça de Cristo transferida a nós é a justiça que ele obteve por viver sob a lei de Deus por trinta e três anos sem cometer qualquer pecado. Jesus teve de levar uma vida de obediência antes que sua morte tivesse algum significado. Ele tinha de obter, se quisesse, mérito no tribunal de justiça. Sem

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a sua vida de obediência impecável, a expiação realizada por Jesus não teria qualquer valor. Temos de reconhecer o significado cru­ cial desta verdade; precisamos entender que Jesus não somente morreu por nós; ele viveu por nós. Os católicos romanos chamam esse conceito de ficção judi­ cial e repudiam-no porque acham que ele mancha a integridade de Deus, por afirmar que Deus declara justas pessoas que não são justas. Em resposta, os reformadores admitem que esse conceito seria uma ficção judicial se a imputação fosse fictícia. Nesse caso, o ponto de vista protestante a respeito da justificação seria uma mentira. Mas o ensino do evangelho é que a imputação é concreta — Deus lança realmente nossos pecados em Cristo e transfere a justiça de Cristo para nós. Possuímos realmente a justiça de Jesus Cristo por imputação. Ele é nosso Salvador, não somente porque morreu, mas também porque teve um a vida imaculada antes de morrer, como somente o Filho de Deus poderia ter tido. Os teólogos gostam de usar expressões em latim, e uma de minhas expressões favoritas é a que Martinho Lutero usou para capturar esse conceito. A essência de nossa salvação se encontra na frase Simul justus et pecator. A palavra simul é a palavra da qual ob­ temos nosso vocábulo simultâneo; significa apenas “ao mesmo tem­ po” . Justus é a palavra que significa “justo” . Todos sabemos o que

et significa; nós o ouvimos nas famosas palavras de Júlio César na tragédia de Shakespeare: “Et tu, Brute” (Tu, também, Brutus?). Et

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significa “tam bém ” ou “e” . Da palavra pecator temos palavras como

pecadilho (“um pecado pequeno”) e impecável (“sem pecado”). É a palavra latina que significa “pecador” . Portanto, a frase de Lutero

Simul justus et pecator significa “Ao mesmo tempo, justo e pecador” . Essa é a glória da doutrina protestante da justificação. A pes­ soa que está em Cristo é, ao mesmo tempo, um pecador e um jus­ to. Se eu pudesse ser justificado apenas por tornar-me realmente justo e por não ter nenhum pecado em mim, jamais veria o reino de Deus. O ensino do evangelho é que no momento em que uma pessoa recebe a Jesus Cristo, tudo que Cristo fez é aplicado a essa pessoa. Tudo que ele é se torna nosso, incluindo sua justiça. Lutero estava dizendo que no instante em que eu creio, sou justo pela virtude da imputação da justiça de Cristo. É a justiça de Cristo que me torna justo. Sua morte cuidou de minha punição, e sua vida, de minha recompensa. Por isso, minha justiça está completamente em Cristo. N o protestantismo, falamos sobre isso como a doutrina da justificação pela fé somente, pois, de acordo com o Novo Testamento, a fé é o único meio pelo qual a justiça e méritos de Cristo podem ser lançados em nossa conta e atribuídos a nós. N ão podemos conquistar essa justiça. N ão podemos merecê-la. Po­ demos tão-somente confiar nela e apegar-nos a ela. Em última análise, a justificação pela fé somente significa justificação por Cristo somente. É por meio de sua vida meritória

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e de sua morte vicária que podemos viver na presença de um Deus santo. Sem Cristo, não temos esperança, porque tudo que pode­ mos apresentar a Deus é a nossa injustiça. Mas Cristo foi “nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei” (Gl 4.4-5). N ão nos surpreende o fato de que o autor de Hebreus te­ nha dito: “Com o escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação?” (Hb 2.3). Essa é uma pergunta retórica. A sua resposta é óbvia — não escaparemos de maneira alguma, porque é impossí­ vel uma pessoa injusta sobreviver na presença de um Deus justo. Precisamos ser justificados. Visto que não temos em nós mesmos uma justiça pela qual podemos ser justificados, precisamos do que os reformadores chamavam de justiça externa. E a única justiça disponível é a justiça do Deus-Homem, Jesus Cristo.

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inform ação histórica a respeito da crucificação de Jesus é que ele foi executado pelos rom anos, sendo pregado num a cruz fora de Jerusalém . Entretanto, o nosso interes­

se não é tanto com o que aconteceu, e sim com o significado da crucificação. Já consideram os que a expiação de C risto é um a obra m ultifacetada; ou seja, ela pode ser entendida de diversas m aneiras: com o um a fiança de um a dívida, a reconciliação de partes alienadas, um julgam ento de um crime ou o pagam ento de um resgate. Tam bém pode ser entendida de m aneiras que n ão têm qualquer relação com o seu verdadeiro significado. Q u an d o lem os as narrativas dos evangelhos a respeito da crucificação, encontram os participantes d a história apresen­


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tando interpretações d o que eles testem unharam . A queles que estiveram envolvidos na crucificação de C risto e aqueles que a presenciaram entenderam-na de m aneiras bem diferentes. Sem dúvida, esses entendim entos estavam errados. Caifás, o sum o sacerdote judaico que concordou com a idéia da execução de Jesus, entendeu a m orte de Jesus com o um expediente político. Ele raciocinou que, se os líderes dos judeus perm itissem que Jesus fosse executado, eles poderiam acalmar os rom anos e m anter um relacionam ento político pacífico d u ­ rante a ocupação im perial da Judéia. O governador rom ano, Pôncio Pilatos, expressou sua ava­ liação a respeito do que estava acontecendo, depois de haver interrogado a Cristo. Ele anunciou às m ultidões clam orosas que bradavam pelo sangue de Jesus: “N ão vejo neste hom em crime algum ” (Lc 23.4). A observação de Pilatos foi que a con­ denação de Jesus era injusta com base num ponto de vista legal, m as ele decidiu lavar as m ãos q uanto ao assunto, porque viu a crucificação com o algo vantajoso, se m antivesse as m ultidões pacificadas. U m bom núm ero de pessoas perm aneceu aos pés d a cruz, qu an d o C risto foi crucificado. Para M aria, a m ãe de Jesus, a cru­ cificação foi um a agonia terrível, cum prindo a profecia que ela tinha ouvido quando levou o bebê Jesus para ser dedicado no tem plo (Lc 2.35). Ver seu filho m orrer era com o se um a espada

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estivesse perfurando a sua alma. O s discípulos de Jesus, vendo a execução de seu líder, entraram em desespero. A s m ultidões de pessoas com uns ficaram iradas porque Jesus as deixou desapon­ tadas. Esperavam que ele liderasse um livramento revolucioná­ rio da nação, m as se renderam m ansam ente às autoridades ro­ m anas. Essas pessoas viram a m orte apenas com o um a punição devida à falsa pretensão do ofício do M essias. N aquele dia, houve outros que tiverem um entendim ento m elhor da crucificação. U m centurião rom ano, observando a agonia d o Senhor e a m aneira de sua m orte, foi constrangido a dizer: “V erdadeiram ente, este hom em era o Filho de D eu s” (Mc 15.39). G ostaria que tivéssemos a oportunidade de conversar com esse hom em , a fim entenderm os m elhor o que o conven­ ceu quanto à identidade de Jesus nessa circunstância. Também, dois crim inosos foram crucificados ao lado de Jesus. U m deles uniu-se na zombaria de C risto, m as o outro reagiu, dizendo que Jesus era inocente e pedindo-lhe entrada no reino. O que falta em cada um a dessas observações de testem u­ nhas oculares é um entendim ento da crucificação com o um acontecim ento de significado abrangente. Isso não é surpreen­ dente. B aseado apenas no que pod ia ser visto naquele dia no G ólgota, quem poderia ter chegado à conclusão de que Jesus estava expiando o pecado d o povo de Deus? U m verdadeiro entendim ento da crucificação não p od ia ser alcançado sim ples­

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m ente por assistir ao evento. Tam bém não podem os assimilar o que a cruz estava realizando apenas por m eio da leitura da narrativa dos fatos envolvidos naquele acontecim ento. É neces­ sário que nos seja desvendado o significado que estava por trás dos fatos, para que não deixem os de com preender o significado d a cruz. Foi por esta razão que Jesus enviou o Espírito Santo: ensi­ nar aos apóstolos a verdade a respeito de sua obra, a fim de que eles a pregassem em seus próprios dias e a registrassem em livros inspirados, para as gerações posteriores. A s epístolas do Novo Testam ento nos dão um a interpretação elaborada e am pla do significado e im portância dos eventos históricos registrados nos evangelhos e A tos dos A póstolos. É im portante observar que os evangelhos e A tos dos A póstolos nos d ão m ais d o que um a simples inform ação dos acontecim entos. Neles, encontram os certa quantidade de m aterial em que os autores apresentam ex­ plicação a respeito d o significado ou d a im portância dos acon­ tecim entos que estão relatando. N o entanto, precisam os com preender que D eu s nos dá n ão som ente um a interpretação da crucificação posterior aos acontecim entos nela envolvidos. Q uatrocentos anos antes de Jesus nascer, D eus anunciou ao seu povo profecias a respeito d o M essias que viria e d a obra que ele realizaria. A cruz não foi um acontecim ento histórico isolado que irrom peu espontanea­

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m ente num m om ento específico de tem po. Foi a culm inação de séculos de história redentora. Em séculos e séculos anteriores, D eus colocara certas coisas em m ovim ento, e esse processo al­ cançou seu zênite na m orte de C risto. A s escrituras do A ntigo Testam ento apontavam para esse zênite. Reconhecendo esse relato bíblico, m uitos dos que con­ tem plaram a Jesus levantado na cruz deveriam ter sido capazes de entender o significado d o que estavam vendo. M as nem m esm o os apóstolos foram capazes de fazer essas conexões no m om ento d a crucificação. Foi som ente m ais tarde, depois que o Espírito veio, que eles puderam unir os fatos. C on seqüente­ m ente, em seus serm ões registrados em A tos dos A póstolos e nas epístolas, eles citaram com freqüência o A ntigo Testam ento para ajudá-los na interpretação do que acontecera n o G ólgota. C o m o vim os em capítulo anterior, os apóstolos tinham um poderoso precedente para usarem as profecias d o A ntigo Testam ento a fim de explicarem a obra de Jesus. O próprio Je­ sus fez isso quan d o foi a Nazaré, n o início de seu m inistério, e pregou seu serm ão inaugural na sinagoga daquela cidade. D epois de ler parte de um a profecia m essiânica, registrada em Isaías 61, Jesus disse: “H oje, se cum priu a Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4.21). A in d a m ais im pressionante foi a m aneira com o ele ensinou seus dois discípulos na estrada para Em aús, depois de sua ressurreição: “E, com eçando por M oisés, discor­

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rendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc 24.27 — ênfase acrescenta­ da). Jesus usou n ão som ente a profecia de Isaías, m as tam bém todas as Escrituras d o A ntigo Testam ento para dar explicações a respeito de si m esm o e de seu m inistério. U m profundo exemplo desse uso das Escrituras pelos dis­ cípulos se acha em A tos dos A póstolos, na passagem em que Fi­ lipe, o diácono, proclam a o evangelho a um etíope com a ajuda de um a das m ais im portantes profecias a respeito de C risto no A ntigo Testam ento. A história se acha em A tos 8, com eçando n o versículo 26: U m anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Dispõe-te e vai para o lado d o Sul, n o cam inho que desce de Jerusalém a G aza; este se acha deser­ to. Ele se levantou e foi. Eis que um etíope, eunu­ co, alto oficial de C andace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todo o seu tesouro, que viera adorar em Jerusalém , estava de volta e, assentado no seu carro, vinha lendo o profeta Isaías. Então, disse o Espírito a Filipe: A proxim a­ -te desse carro e acompanha-o. C orren do Filipe, ouviu-o ler o profeta Isaías e perguntou: C om pre­ endes o que vens lendo?

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U m hom em im portante, tesoureiro da rainha da Etiópia, estivera em Jerusalém para adorar e voltava para casa em sua carruagem. N ão era Bem H ur correndo ao redor d o C oliseu, guiando seus cavalos em alta velocidade. Pelo contrário, esse hom em estava assentado confortavelm ente, enquanto um co­ cheiro guiava a caravana e cuidava dos cavalos. O Espírito S an ­ to levou Filipe a encontrar aquela carruagem e disse-lhe que a acom panhasse e falasse com o hom em . Providencialmente, Filipe ouviu o etíope lendo em voz alta a profecia de Isaías. Ali estava um p on to de partida perfeito para um a conversa. A ssim , Filipe perguntou ao hom em se ele entendia o que estava lendo. Ele respondeu: C o m o poderei entender, se alguém n ão m e explicar? E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele. O ra, a passagem d a Escritura que estava lendo era esta: Foi leva­

do como ovelha ao matadouro; e, como um cordeiro mudo perante o seu tosquiador, assim ele não abriu a boca. Na sua humilhação, lhe negaram justiça; quem lhe poderá descrever a geração? Porque da terra a sua vida é tirada. Então, o eunuco disse a Filipe: Peço-te que m e expliques a quem se refere o profe­ ta. Fala de si m esm o ou de algum outro? Então,

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Filipe explicou; e, com eçando por esta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Jesus. Seguindo eles cam inho fora, chegando a certo lugar onde havia água, disse o eunuco: Eis aqui água; que im pede que seja eu batizado? Filipe respondeu: É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: C reio que Jesus C risto é o Filho de Deus. Essa narrativa de A tos dos A póstolos m ostra claram en­ te o lugar central que a profecia do A ntigo Testam ento ocupa n o entendim ento d o N ovo Testam ento a respeito da m orte de Cristo. C o m o Filipe o fez nessa ocasião, os apóstolos explica­ ram a vida e obra de Jesus, n ão com base em algum a teoria filosófica prevalecente, e sim fundam entados n o A ntigo Testa­ m ento. O eunuco perguntou o que o profeta estava dizendo, se falava de si m esm o ou de outrem ; Filipe respondeu-lhe que o profeta falava de Jesus. Essa é um a afirm ação admirável — centenas de anos antes de Jesus nascer, foi proclam ada um a profecia não som ente a respeito de sua obra, m as tam bém de sua m orte. N ão m enos adm irável é a eficácia dessa afirmação. Em um breve período de tem po, o eunuco etíope vai d a leitura casual de um a profecia que ele não pode entender, sem algum a interpretação e instrução, à confissão de fé em C risto e pede o batism o. Su a conversão é provocada por um a aplicação de um

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texto do A ntigo Testam ento à pessoa e obra de Cristo. Considerem os com m ais atenção o texto que o etíope es­ tava lendo. Acha-se em Isaías 53 e com eça com estas palavras: Q uem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do S e n h o r ? Porque foi subin­ d o com o renovo perante ele e com o raiz de um a terra seca. G osto dessa im agem . Foi extraída do deserto, onde a água é escassa e o solo árido m itiga contra qualquer form a de ve­ getação. A terra seca é rachada pelo calor e a aridez. E, se um pequeno rebento surge de um a rachadura no solo d o deserto, ele luta para sobreviver n o calor d o meio-dia. H á m uito poucos nutrientes para sustentá-lo. Essa é a im agem que o profeta usa para descrever A quele que seria o servo do Senhor, cham ado às vezes de Servo Sofredor, que D eus faria surgir nessa terra árida e sedenta. Isaías continua, retratando um a im agem ainda mais vívida: N ão tinha aparência nem form osura; olha­ mo-lo, m as nenhum a beleza havia que nos agra­ dasse. Era desprezado e o m ais rejeitado entre

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os hom ens; hom em de dores e que sabe o que é padecer; e, com o um de quem os hom ens escon­ dem o rosto, era desprezado, e dele n ão fizemos caso. Q u an do lem os essa passagem , questionam o-nos a respei­ to de qual era a aparência de Jesus em sua encarnação. N ão tem os um retrato físico de Jesus; nenhum retrato existiu desde antiguidade. C risto com cabelos longos, traços perfeitos e assim por diante parece não corresponder com a im agem apresentada nessas palavras de Isaías. O retrato profético de Jesus, o Messias, o Servo Sofredor, é o de alguém que não tem aparência nem form osura, nenhum a beleza que fosse adm irada. D e fato, há algo repugnante n o que diz respeito ao sem blante do Messias, porque, de acordo com a descrição de Isaías, as pessoas que o vêem escondem dele o rosto. É bem possível que esse texto não se referia ao sem blante norm al do Servo Sofredor; antes, pode referir-se à sua feiúra durante o sofrim ento que levou à sua execução, na qual ele foi espancado, ferido, atacado e desfigurado. M as, em qualquer caso, o M essias é descrito com o alguém desprezado e rejeitado pelos hom ens, um H om em de dores, que sabe o que é padecer. N o entanto, os versículos 4-6 nos dão um a interpretação crucial da m issão daquele que seria rejeitado:

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Certam ente, ele tom ou sobre si as nossas enferm idades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávam os por aflito, ferido de D eus e oprim ido. M as ele foi traspassado pelas nossas transgressões e m oído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fom os sarados. Todos nós andávam os desgarrados com o ovelhas; cada um se desviava pelo cam inho, m as o S e n h o r fez cair sobre ele a in iqüidade de nós todos. Esses versículos expressam quase literalm ente o relato de um a testem unha ocular d a crucificação, porém um a das afir­ m ações m ais interessantes nesta passagem é a interpretação da obra do Servo Sofredor: “N ós o reputávam os por aflito, feri­ d o de D eus e oprim ido” . O que significa a palavra reputavamos nesse caso? C on form e vimos, quan d o falam os sobre o pecado, em um capítulo anterior, olham os para as aparências exteriores, m as D eus vê o coração. C o m o resultado de nossa focalização nas aparências, nossa estimativa d o significado de algo pode ser com pletam ente errada. Todavia, essa estimativa d o que aconte­ ceu ao Servo Sofredor era totalm ente correta. N a cruz, a ira de D eus foi derram ada sobre C risto. D eus o feriu, o oprim iu, o

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traspassou — não por qualquer m al em Cristo. Ele foi afligido em seu papel com o o Substituto em favor d o povo de Deus. Foi por isso que Isaías declarou: “M as ele foi traspassado pelas

nossas transgressões e m oído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávam os desgarrados com o ovelhas; cada um se desviava pelo cam inho, m as o S e n h o r fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos” (ênfase acrescentada). O profeta desen­ volve o assunto da substituição. A revelação divina por m eio de Isaías se torna m ais clara à m edida que ela prossegue. Isaías 53.10-12 diz: Todavia, ao S e n h o r agradou moê-lo, fazen­ do-o enfermar; quando der ele a sua alm a com o oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do S e n h o r prosperará nas suas m ãos. Ele verá o fruto do p enoso trabalho de sua alm a e ficará satisfeito; o m eu Servo, o Justo, com o seu conhecim ento, justificará a m uitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si. Por isso, eu lhe darei m uitos com o a sua parte, e com os poderosos repartirá ele o despojo, porquanto derram ou a sua alm a na m or­ te; foi contado com os transgressores; contudo,

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levou sobre si o pecado de m uitos e pelos trans­ gressores intercedeu. Esta passagem contém um de m eus versículos favoritos: “Ele verá o fruto d o penoso trabalho de sua alm a e ficará satis­ feito” . N essas palavras, Isaías afirma, com clareza extraordiná­ ria, que D eus, o Pai, contem plaria o sofrim ento de seu Filho e, vendo a sua obra na cruz, ficaria satisfeito. Por m eio de sua obra com o Fiador, M ediador e Substituto e Redentor, C risto satisfaria indubitavelm ente a justiça d o Pai. A sua obra expiató­ ria traria satisfação. N o entanto, outra profecia bastante clara sobre a rejeição d o M essias se acha em Salm os 22, que diz: D eu s m eu, D eu s m eu, p or que m e d e­ sam paraste? Por que se acham longe de m in h a salvação as palavras de m eu bram ido ?... M as eu sou verm e e n ão h o m em ; op ró b rio dos h om en s e desprezado d o povo. T odos os que m e vêem zom bam de m im ; afrouxam os lábios e m eneiam a cabeça: C o n fio u n o S e n h o r ! L i­ vre-o ele; salve-o, p ois nele tem prazer... M uitos tou ros m e cercam , fortes touros de B a sã m e ro ­ d eiam . C o n tra m im abrem a boca, com o faz o

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leão que d esp ed aça e ruge. D erram ei-m e com o água, e tod o s os m eus ossos se d esc o n ju n ta­ ram ; m eu coração fez-se com o cera, derreteu-se d en tro de m im ... C ães m e cercam ; um a súcia de m alfeitores m e ro d eia; traspassaram -m e as m ãos e os pés. Posso con tar tod os os m eus o sso s; eles m e estão olh an d o e en caran d o em m im . R ep artem entre si as m in h as vestes e so­ bre a m in h a túnica deitam sortes. Este salm o com eça com as palavras exatas que Jesus p roferiu na cruz: “D eu s m eu, D eu s m eu, por que m e d esam ­ paraste?” Prossegue m en cio n an d o aspectos específicos de su a paixão: a zom baria, o rid íc u lo ; o trasp assam en to de suas m ãos e p és; a divisão de suas vestes; e o lan çam en to de sortes p or parte d os so ld ad o s rom an o s, p ara ver quem ficaria com a túnica de Jesus. E sta é ou tra p rofecia sobre o Servo Sofred or. Evidentem ente, Jesus conhecia bem este salm o e tinha-o na m ente d u ran te a su a m orte expiatória. Ele se id en tifico u cla­ ram en te com esta profecia d o A n tigo T estam ento. H á m u itas p rofecias com o essa n o A n tig o T estam ento. Já falam os sobre G ên esis 3.15, que contém o proto-evangelh o, o p rim eiro evangelho, a p rom essa de que o D escen d en te d a m ulher esm agaria a cabeça d a serpente. O u tras profecias

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m essiân icas notáveis são estas: Salm o s 2, q ue fala d a vitória de C risto; Isaías 7.14, que p ren u n cia o n ascim en to virginal de Jesus; Isaías 9.6-7, que deixa claro que o M essias seria D eu s; Isaías 11.1-10, que revela que o M essias viria d a lin h a­ gem de Davi; Isaías 42.1-9, que profetiza a exp an são d o evan­ gelh o aos gentios; M iquéias 5.2, que id en tifica a cidade do n ascim en to de Jesus, e Z acarias 9.9, que retrata a en trada triu n fal de C risto. Em cad a um a d essas p assagen s das E s­ crituras, D eu s provê in dicativos de sua in ten ção de enviar alguém que assu m iria o lugar de seu povo a fim de produzir satisfação p ara con sigo m esm o. As Escrituras d o A ntigo Testam ento apontam claram en­ te para a expiação. M ostram que a intenção de D eus sempre foi que seu Filho viesse ao m undo, em form a hum ana, vivesse com o hom em , sob a lei, e sofresse um a m orte vicária em favor de seu povo. O s evangelhos, por sua vez, nos dão um relato fiel dos acontecim entos envolvidos na crucificação, e as epísto­ las d o N ovo Testam ento nos dão um a interpretação inspirada d a obra do Substituto, olhando repetidas vezes para o A ntigo Testam ento. A ssim , pela graça de D eus, tem os à nossa disposi­ ção os fatos e a interpretação desses fatos pelos quais podem os chegar, com a ajuda d a ilum inação d o Espírito Santo, a um verdadeiro entendim ento d o que é realm ente a cruz.

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uando um hom em é ordenado ao m inistério d o evange­

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lho, um dos privilégios que ele desfruta é a escolha do hino de ordenação. Q u an d o fui ordenado ao m inistério,

em 1965, o hino que escolhi para a ocasião foi “É Meia-Noite e n o M onte das Oliveiras” . O texto desse hino acom panha a pai­ xão de C risto n o jardim do G etsêm ani. A cho que m uitos cren­ tes n ão conhecem esse hino, m as aprecio as suas palavras — com um a pequena exceção. Em um a estrofe, o hino declara: “Mas aquele que está ajoelhado, em angústias, não está abandonado por seu D eu s” . Essa afirm ação m e faz pensar. Posso desenvolver um pouco a m inha teologia e dizer que Jesus não foi abandona­ d o por seu Pai em um sentido final, m as houve um a ocasião em


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que ele foi realm ente abandonado. E isso aconteceu na cruz. Jesus m esm o declarou que foi abandonado em m eio à sua obra expiatória. C onform e vim os n o capítulo anterior, Je­ sus proferiu palavras do Salm o 22, enquanto esteve pendurado na cruz: “D eus m eu, D eus meu, por que m e desam paraste?” A lguns interpretam essas palavras n o sentido de que C risto se sentiu abandonado porque estava em profunda escuridão da alma, enquanto fazia expiação no Calvário, e de que ele n ão foi, realm ente, abandonado por seu Pai. C on tudo, se C risto n ão foi realm ente abandonado por seu Pai, durante a sua execução, a expiação não ocorreu, porque o abandono era a penalidade do pecado que D eus havia estabelecido na antiga aliança. Portan­ to, C risto teve de receber a m edida com pleta dessa penalidade na cruz. Para entenderm os m elhor esse aspecto da expiação, preci­ sam os exam inar a cruz e a obra de C risto n o âm bito m ais am plo daquilo que cham am os de aliança. A cho que é impossível haver um entendim ento com pleto da m orte de C risto sem com preen­ derm os todo o processo da aliança desenvolvido no A ntigo e no N ovo Testamento. Aqueles que têm estudado os elementos de alianças no m u n do antigo observam que, em bora os conteúdo de alian­ ças individuais divergissem de cultura a cultura, havia certos aspectos que eram quase universais. Por exemplo, qu an d o um

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acordo legal era form ulado, o soberano na aliança se identifica­ ria e faria um prólogo histórico pelo qual repetia a história de seu relacionam ento com os subordinados na aliança. Isso era verdade tanto na história dos judeus com o dos sum érios, dos acádios e de outros povos d a antiguidade. Essa é a razão por que, ao fazer um a aliança com seu povo, os israelitas, D eus se identificou, dizendo: “E u sou o S e n h o r , teu D eus, que te tirei da terra d o Egito, da casa da servidão” (Êx 20.2). Ele apresentou esse prólogo histórico, em seguida expôs os termos da aliança, que cham am os de estipulações. Todas as alianças têm estipulações. Q u an d o você se casa, entra num a aliança e prom ete fazer certas coisas — amar, honrar, obedecer e assim por diante. Q uan do assina um contrato de trabalho em um a empresa, você prom ete trabalhar oito horas por dia; a empresa, por sua vez, prom ete dar-lhe salário, benefícios, férias e assim por diante. Essas são as estipulações. N o entanto, n o m u n do antigo, alianças tam bém tinham sanções. Seriam as recom pensas ou as penalidades — recom ­ pensas por cumprirem as estipulações do acordo, e penalidades por transgredirem as estipulações. A aliança de D eus com Israel n ão era um a exceção: delineava sanções para obediência e de­ sobediência. Entretanto, ela não usava as palavras recom pensas e penalidades. N a antiga aliança, a recom pensa por obediência era cham ada de bênção, e a penalidade por violar o contrato era

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cham ada de m aldição. U m a das passagens do A ntigo Testam ento que descreve as bênçãos e as m aldições d a aliança é D euteronôm io 28. Falando ao seu povo, D eus declarou por m eio de M oisés: Se atentam ente ouvires a voz d o S e n h o r , teu D eus, tendo cuidado de guardar todos os seus m andam entos que hoje te ordeno, o S e n h o r , teu D eus, te exaltará sobre todas as nações da terra. Se ouvires a voz d o S e n h o r , teu D eus, virão sobre ti e te alcançarão todas estas bênçãos: Bendito se­ rás tu na cidade e bendito serás n o cam po. Bendi­ to o fruto do teu ventre, e o fruto da tua terra, e o fruto dos teus anim ais, e as crias das tuas vacas e das tuas ovelhas. Bendito o teu cesto e a tua am assadeira. Bendito serás ao entrares e bendito, ao saíres. (D t 28.1-6) Você pode ver a repetição? Era com o se D eus estivesse dizendo: “Se vocês guardarem esses termos, se obedecerem aos m andam entos que lhes dou, eu os abençoarei quan d o se levan­ tarem, quan d o se assentarem , quan d o saírem, quan d o estive­ rem em silêncio, quan d o falarem, qu an d o estiverem na cidade

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ou no cam po, quan d o estiverem andando ou viajando. A onde quer que forem, no que quer que fizerem, eu os abençoarei” . Em seguida, chegam os àquela parte assustadora, a parte que diz “porém ” . C om eçando em D euteronôm io 28.15, lemos: Será, porém , que, se n ão deres ouvidos à voz do S e n h o r , teu D eus, não cuidando em cum ­ prir todos os seus m andam entos e os seus estatu­ tos que, hoje, te ordeno, então, virão todas estas m aldições sobre ti e te alcançarão: M aldito serás tu na cidade e m aldito serás n o cam po. M aldito o teu cesto e a tua am assadeira. M aldito o fruto d o teu ventre, e o fruto d a tua terra, e as crias das tuas vacas e das tuas ovelhas. M aldito serás ao entrares e m aldito, ao saíres. (D t 28.15-19) H á paralelos aqui. D eus está dizendo, na realidade: “Se vocês obedecerem , serão abençoados. M as, se desobedecerem , serão m alditos quan d o se levantarem ou se assentarem , quando estiverem na cidade ou n o campo; os filhos, o gado e as ovelhas de vocês serão m alditos. T udo será m aldito” . Para en ten derm os p len am en te essas san ções, precisa­ m os com preender o que sign ifica ser b en d ito e m ald ito. E s­

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sas são palavras im p ortan tes. D u ran te a p ro d u ção d a versão N ew K in g Jam es, estive em u m a das reun iões que foi con ­ v o cada p ara avaliar várias qu estões envolvidas n a tradução. U m a das q uestões dizia resp eito à m elh or m an eira de tra­ duzirm os as bem -aventuranças de Jesus para o inglês con ­ tem porân eo. O debate era se deveríam os dizer: “B en ditos os pobres de esp írito” ou: “Felizes os pobres de esp írito ” . H avia algum as p essoas na reu n ião que desejavam que a trad u ção d issesse “feliz” , m as eu protestei, p orq u e há u m a con o tação teológica especial na palavra “bendito” que n ão é tran sm itid a em n o ssa palavra “feliz” . M in h a p reocu p ação era que, se tra­ duzíssem os aquela palavra específica p or “feliz” , d eixaríam o s o con teú d o em pobrecido. A m aio ria d os presentes n aq u ela reu n ião con cordo u que deveríam os usar a palavra “b e n d ito ” . Por isso, hoje a versão N ew K in g Jam es diz que os p obres de espírito são “b e n d ito s” . Q u a l é o sign ificado d essa palavra? Para os ju d eu s, b ê n ­ ção significava receber favor sup rem o das m ãos de D eu s. M i­ n h a m an eira favorita de explicar favor sup rem o é considerar a b ên ção en con trad a em N ú m ero s 6.24-26. D eu s ord en ou aos sacerdotes de Israel que ab en çoassem o povo com estas palavras: O S e n h o r te abençoe e te guarde; O S e n h o r faça resplandecer o rosto sobre ti

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E tenha m isericórdia de ti; O S e n h o r sobre ti levante o rosto E te dê a paz. Observe que nesta bênção há um a estrutura poética. É um a form a de literatura cham ada paralelism o sintético. H á três versos, e cada um deles significa essencialm ente a m esm a coisa. Palavras diferentes são em pregadas por riqueza e diver­ sidade poética, m as a m ensagem é a m esm a. A lém disso, esse paralelism o ajuda-nos a entender o ponto de vista dos judeus a respeito de bênção. Observe que a prim eira parte da prim eira afirm ação diz: “O S e n h o r te abençoe” . G raças ao paralelism o, podem os obter um a indicação do que significa a bênção divina, por considerarm os as prim eiras partes de cada um a das duas afirm ações seguintes. D escobrim os que a bênção significa ter a face de D eus resplandecendo sobre nós e o seu rosto levantado sobre nós. Para os ju d eu s, a b ên ção sup rem a era a V isão Beatífica, a Visio Dei, a visão de D eus, contem plar a face de D eu s. Se estu d ássem os isso em todas as suas ram ificações n o A n tigo T estam en to, veríam os que a b ên ção está relacio n ad a à proxi­ m id ad e d a presença de D eu s. Q u a n to m ais p róxim o alguém está d a presença im ed iata de D eu s, tan to m aior é a bênção. Q u a n to m ais d istan tes a p esso a está d a face de D eu s, tan to

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m en or é a bênção. A m aldição é o oposto da bênção. Portanto, a suprem a form a de m aldição é o Senhor virar as suas costas para um a pessoa e trazer juízo sobre ela. O conceito de bênção n o A ntigo Testam ento era enten­ dido em termos de proxim idade, a proxim idade da presença de D eus. N o sentido oposto, a m aldição da aliança era ser excluído d a presença de D eus, não ver jam ais a luz de seu rosto, ser lan­ çado nas trevas exteriores. Essa era a m aneira com o os judeus entendiam a m aldição. Essa idéia estava por trás de m uitos dos acontecim entos d o A ntigo Testam ento. Por exemplo, durante o tem po de pere­ grinação de Israel pelo deserto, depois da libertação do Egito, as pessoas se acam param de um a m aneira especial. Arm aram suas tendas de acordo com o padrão que D eus lhes deu para a disposição das tribos. A s tendas estavam todas arranjadas ao redor de um ponto central. N o centro estava o tabernáculo. D eus arm ou sua tenda n o m eio, bem no m eio de seu povo. Su a presença estava com os israelitas. N ã o é surpreendente que os judeus desenvolveram um conceito sobre os gentios com o aque­ les que “estavam de fora” , pois viviam fora do acam pam ento do povo da aliança, nas “trevas exteriores” . O utra ilustração desse entendim ento é visto na cerim ônia d o D ia d a Expiação, n o A ntigo Testam ento. N esse dia, em cada

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ano, um cordeiro era sacrificado n o altar com o um sacrifício de sangue em favor dos pecados do povo, m as a cerim ônia tam bém incluía um bode, um bode expiatório. O s pecados d a nação eram transferidos, n o aspecto cerim onial, à cabeça do bode, e algo significativo acontecia. O bode n ão era m orto — esse sim ­ bolism o era cum prido pelo cordeiro. Em vez disso, o bode era enviado para fora do acam pam ento. Era levado ao deserto, ao lugar de trevas, a um lugar distante da luz da presença de D eus. Em outras palavras, o bode era m aldito. Passemos ao N ovo Testam ento, à epístola de Paulo aos gálatas. C itan d o D euteronôm io 27.26, Paulo escreveu: “M aldi­ to todo aquele que não perm anece em todas as coisas escritas n o Livro da lei, para praticá-las” (G l 3.10b). A o citar essa passa­ gem do A ntigo Testam ento, Paulo m ostrou que toda pessoa que confia na observância da lei, para desenvolver um relaciona­ m ento com D eus, que confia em suas próprias boas obras e seu desem penho pessoal, experim entará m aldição, porque D eus é o padrão de perfeição que nenhum ser hum ano pode atingir. Em seguida, Paulo escreveu: “C risto nos resgatou d a m aldição d a lei, fazendo-se ele próprio m aldição em nosso lugar (porque está escrito: M aldito todo aquele que for pendurado em m a­ deiro)” (G l 3.13). Paulo estava dizendo que na cruz C risto se tornou m aldição por nós, que ele suportou todas as sanções da aliança. E parafraseou D euteronôm io 21.22-23: “M aldito todo

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aquele que for pendurado em m adeiro” . Se considerarm os o entrelaçam ento do dram a dos aconte­ cim entos da crucificação de Jesus, veremos que algumas coisas admiráveis aconteceram para que as afirm ações proféticas do A ntigo Testam ento se cum prissem em seu m ínim os detalhes. Em prim eiro lugar, o A ntigo Testam ento dizia que o Messias seria entregue aos gentios (“cães” e “súcia de m alfeitores”) para ser julgado (Sl 22.16). E aconteceu, n o curso d a história, que Jesus foi levado a julgam ento durante a ocupação rom ana na Palestina. O s rom anos perm itiam que certa quantidade de go­ verno interno fosse m antida por seus vassalos, m as não per­ m itiam que a pena de m orte fosse im posta pelos governadores locais, por isso os judeus n ão tinham autoridade para m atar Cristo. A única coisa que podiam fazer era reunir o conselho e levar Jesus a Pôncio Pilatos, o governador rom ano, pedindo-lhe a execução. Portanto, Jesus foi entregue por seu próprio povo aos gentios — aqueles que estavam “fora do acam pam ento” . Ele foi entregue às m ãos de pagãos que habitavam fora da área em que a face de D eus resplandecia, fora do círculo da luz de seu rosto. Em segundo, o local d a execução de Jesus era fora de Jerusalém . D epois de haver sido julgado pelos gentios e condenado à m orte, Jesus foi levado para fora da fortaleza, à V ia D olorosa, ao lado de fora das m uralhas d a cidade. A ssim

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com o o bode expiatório era levado para fora d o acam pam ento, Jesus foi conduzido para fora de Sião, para fora d a cidade santa em que a presença de D eus se concentrava. Ele foi enviado para as trevas exteriores. Em terceiro, enquanto os judeus realizavam suas execu­ ções por apedrejam ento, os rom anos o faziam por crucificação. Isso determ inou o m étodo da m orte de Jesus: ele seria pendu­ rad o em um m adeiro — um a cruz de m adeira. A Bíblia n ão diz: “M aldito todo aquele que é apedrejado” . Ela diz: “M aldito todo aquele que é pendurado em m adeiro” . Em quarto, qu an d o Jesus foi m orto na cruz, houve um a perturbação nos astros. N o m eio d a tarde, o dia escureceu. As trevas desceram sobre a terra. Por algum m étodo, talvez um eclipse, o sol foi obstruído. Era com o se D eus estivesse escon­ d endo a luz de seu rosto. Em m eio à intensidade daquelas trevas, Jesus clamou: “D eus m eu, D eus m eu, por que m e desam paraste?” Esse foi um a das afirm ações m ais admiráveis que saíram dos lábios de Jesus, enquanto esteve pendurado na cruz, e tem havido m ui­ tas interpretações para essa afirm ação. A lbert Schweitzer con­ siderou esse clamor e disse que ele era um a prova decisiva de que Jesus m orreu em desilusão. D e acordo com Schweitzer, Jesus tinha expectativa de que D eus o livraria, m as D eus o aban­ don o u nos m om entos finais; por isso, Jesus m orreu desiludido,

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com o um trágico herói shakespeariano. O utros observaram , com o m encionam os n o capítulo anterior, que essas palavras se encontram ao pé d a letra em Salm os 22 e concluíram que Jesus se identificou com o Servo Sofredor de Salm os 22, recitando aquela poesia em sua m orte. C on tudo, isso deixa de lado todas as indicações — os executores de Jesus, o lugar de sua execução, as trevas que sobrevieram — que nos m ostram com bastante clareza o fato de que Jesus clam ou ao seu Pai porque havia sido realm ente abandonado. O sinal da antiga aliança era a circuncisão. O corte d a pele d o prepúcio tinha dois significados: um positivo e um negati­ vo. N o aspecto positivo, o corte da pele simbolizava que Deus estava separando um grupo de pessoas do restante dos povos, separando-as, colocando-as à parte para serem um a nação santa. O aspecto negativo era que o judeu, ao passar pela circuncisão, estava dizendo: “Ó D eus, se eu falhar em cumprir cada um dos term os desta aliança, serei separado de ti, separado de tua pre­ sença, separado de tua bênção, com o agora estou sendo ritual­ m ente separado do prepúcio de m inha carne” . A cruz foi a circuncisão suprem a. Q u an d o Jesus to­ m ou a m aldição sobre si m esm o e, assim, se identificou com nosso pecado, que o tornou um a m aldição, D eus o cortou. N o m om ento em que C risto tom ou sobre si o pecado d o m un­ do, sua figura na cruz era bastante grotesca, o m ais horrível cor­

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po de pecado concentrado que já existiu na história d a h um ani­ dade. D eus é tão santo que não pode ver a iniqüidade; por isso, qu an d o C risto foi pendurado na cruz, o Pai virou as costas. Ele desviou a sua face e cortou o Filho. Jesus, que, no tocante à sua natureza hum ana, tivera um relacionam ento perfeito e bendito com o Pai em todo o seu m inistério, levava o pecado d o povo de D eus, e, conseqüentem ente, foi abandonado por Deus. Im agine quão agonizante isso foi para Cristo. Tom ás de A qu in o argum entou que, em todo o seu m inistério terreno, Je­ sus perm aneceu em um constante estado de com unhão íntim a com seu Pai. A quin o especulou que a V isão Beatífica, a visão d a glória pura de D eus, era algo que Jesus desfrutava a cada m i­ nuto de sua vida, até à cruz, quan d o a luz escureceu. O m undo foi m ergulhado em trevas, e C risto foi exposto à m aldição d a ira de D eus. D e acordo com os judeus, experim entar a m aldição significava experim entar o ser abandonado. Tenho ouvido serm ões sobre os pregos e os espinhos. C om certeza, a agonia física da crucificação foi um a coisa horrí­ vel. Todavia, milhares de pessoas sofreram m orte de cruz, e ou­ tras tiveram m ortes m ais excruciantes e m ais dolorosas do que aquela. M as som ente U m recebeu a plena m edida da m aldição de D eus enquanto esteve na cruz. Por causa disso, pergunto­ -me se Jesus estava cônscio dos pregos e dos espinhos. Ele foi tom ado pelas trevas exteriores. N a cruz, ele estava n o inferno,

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destituído d a graça e da presença de D eus, totalm ente separado de toda a bênção d o Pai. Jesus se tornou m aldição por nós, para que um dia possam os ver a face d o D eus. O Pai virou as costas para seu Filho a fim de que a luz de seu rosto resplandeça sobre nós. N ão é admirável que Jesus tenha gritado das profundezas de sua alma. Finalm ente, Jesus disse: “Está consum ado” (Jo 19.30). O que estava consum ado? Su a vida? A s dores dos pregos? N ão. A luz retornara. A face de D eus retornara. Conseqüentem ente, Jesus pôde dizer: “Pai, nas tuas m ãos entrego o m eu espírito” (Lc 34.46b). Esta é a realidade categórica: se Jesus não tivesse sido ab andonado na cruz, ainda estaríam os em nossos pecados. N ão teríamos redenção, nem salvação. T odo o propósito d a cruz era que Jesus levasse o nosso pecado e sofresse as sanções da alian­ ça. Para que isso acontecesse, ele teve de ser abandonado. Jesus submeteu-se à vontade de seu Pai e suportou a cruz, para que nós, seu povo, experim entássem os a bem-aventurança suprema.

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Uma

Se g u r a

uando m orei e ministrei n o Oeste d a Pensilvânia, os

Q

habitantes da pequena cidade de G reensburg ficaram desnorteados a respeito de um a obra que estava sendo

realizada pelo D epartam ento de Transportes d a Pensilvânia. Pa­ recia que um grupo de trabalhadores d o departam ento havia pintado novas linhas brancas no centro da rodovia que sai de Greensburg, e outro grupo pusera asfalto novo cobrindo aque­ las linhas. N ão surpreendentem ente, os contribuintes ficaram perplexos quanto a esse tipo de procedim ento. Talvez você pergunte qual a relação desse acontecim ento com a expiação. N a história d a igreja, tem havido um a grande controvérsia a respeito d a intenção de D eus, o Pai, e de Deus,


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o Filho, n o ato de expiação. A pergunta é: por quem C risto morreu? Em outras palavras, qual era o propósito e desígnio de D eus em toda a atividade dinâm ica da cruz? Em m inha opi­ nião, algumas respostas para essa pergunta funcionam com o o D epartam ento de Transportes da Pensilvânia: pintam linhas brancas, depois, cobrem-nas. A ala reform ada da igreja tem respondido essa pergunta com a doutrina d a expiação lim itada, tam bém conhecida com o a doutrina da redenção específica. Q u an d o as pessoas ouvem falar da expiação lim itada, tendem im ediatam ente a pensar no calvinismo, porque a idéia d a expiação lim itada está ligada his­ toricam ente ao nom e de João Calvino e ao term o calvinismo. D e fato, essa doutrina é um dos fam osos “cinco pontos do calvinism o” . D e certo m odo, é incorreto dizer que o calvinism o tem cinco pontos. O próprio C alvino n ão resum iu a teologia re­ form ada num a lista dos cinco pontos. Em nenhum lugar de sua obra extensa, acharem os tal resum o de sua teologia. Os cinco pontos foram realm ente com pilados na H olanda, no século XVII, quan d o houve n o clero holandês um a reação a seu próprio calvinism o histórico. U m grupo liderado por Ja­ m es A rm inius protestou contra certas doutrinas que faziam parte da teologia reform ada ortodoxa. Esses protestantes, que foram cham ados de rem onstrantes, alistaram cinco doutrinas

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específicas da teologia reform ada das quais discordavam . O Sín od o de D o rt foi convocado para responder às queixas dos rem onstrantes. E os delegados desse sínodo reafirm aram a teo­ logia reform ada histórica e repudiaram a posição dos remonstrantes. A o fazerem isso, eles resum iram a posição reform ada clássica em cada um dos cinco pontos que os rem onstrantes ha­ viam questionado. E desde então tem os ouvido falar dos cinco pontos d o calvinismo. A teologia reform ada ensina m uito mais d o que os cinco pontos, m as esses cinco pontos são distintivos d a doutrina calvinista. É im portante notar que a doutrina d a expiação lim itada n ão foi introduzida por C alvino e não é peculiaridade do calvinism o. O debate sobre a expiação era intenso já n o século IV, quan d o o foco centralizou-se nos ensinos de A gostinho em oposição ao m onge britânico Pelágio. Foi A gostinho que articu­ lou o conceito com m aior clareza, expondo-o de um a m aneira teológica para os pais d a igreja primitiva. D e fato, o calvinismo é realm ente sinônim o de agostinianism o, que abordam os bre­ vem ente n o C apítulo 1. Esses cinco pontos d a doutrina calvinista são freqüen­ tem ente sum ariados pelo acróstico em inglês TULIP, em que cada letra representa um dos cinco pontos. A letra T signifi­ ca a depravação total (em inglês, total depravity); a letra U , a eleição incondicional (unconditional election); a letra L,

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a expiação lim itada (limited atonement); a letra I, a graça irre­ sistível (irresistible grace); e a letra P, a perseverança dos santos (perseverance of the saints). C ad a um a dessas doutrinas é questionada e debatida por m uitos na igreja, m as duvido que algum desses pontos susci­ te m ais controvérsia d o que a expiação lim itada. D e fato, há inúm eros crentes que se declaram calvinistas de quatro pontos porque não podem assim ilar a doutrina da expiação lim itada. À s vezes, eles dizem: “N ão sou calvinista, não sou arm iniano. S o u C alm in ian o” . Penso que um calvinista de quatro pontos é um arm iniano. D igo isso por esta razão: à m edida que conversei com pessoas que se chamavam calvinistas de quatro pontos e tive oportunidade de debater com elas, descobri que não eram calvinistas de nenhum ponto. Achavam que acreditavam na de­ pravação total, na eleição incondicional, na graça irresistível e na perseverança dos santos, m as não entendiam esses pontos. Som ente um a vez encontrei um a exceção a essa regra geral, um hom em que se autodeclarava calvinista de quatro pontos. Esse hom em era um professor de teologia. Fiquei in­ teressado em sua posição. Por isso, lhe disse: gostaria de saber com o você lida com esta situação, porque confio em você. Sei que está sempre aprendendo teologia e gostaria de saber o que pensa sobre isso. Esperava que ele não tivesse um entendim en­ to exato dos quatro prim eiros pontos. M as, para m inha admi-

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ração, quan d o ele discorreu sobre os quatro pontos, achei que os expôs com tanta clareza com o qualquer verdadeiro calvinista os articularia. Regozijei-me, m as fiquei tam bém adm irado. Eu disse: fale-me sobre o seu entendim ento a respeito da expiação lim itada. Q u an d o o expôs, descobri que ele não era um calvinista de quatro pontos; era um calvinista de cinco pontos. Ele acreditava na expiação lim itada e não o sabia. O que estou argum entando é que existe confusão a res­ peito do que a doutrina d a expiação lim itada realm ente ensina. C on tudo, acho que, se alguém entende realm ente os outros quatro pontos e pensa com clareza em todos eles, tal pessoa deve crer na expiação lim itada, por causa do que M artinho Lutero cham ou de lógica irresistível. A lém disso, há pessoas que vivem em um a incoerência feliz. A credito que é possível um a pessoa crer nos quatro pontos sem crer no quinto, em bora eu n ão ache que alguém possa fazer isso de m odo consistente ou lógico. N o entanto, tal possibilidade existe devido à nossa incli­ nação à incoerência. Para com eçarm os a desembaraçar-nos dos conceitos errados a respeito desta doutrina, considerem os prim eira­ m ente a questão do valor d o sacrifício expiatório de Jesus Cristo. O agostinianism o clássico ensina que a expiação re­ alizada por Jesus C risto é suficiente para todos os hom ens. O u seja, o sacrifício que C risto ofereceu ao Pai tem valor infi­

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nito. N a obra de Cristo, há m érito suficiente para cobrir os pe­ cados de todos os seres hum anos que já viveram e os que ainda viverão. Portanto, não há limites para o valor do sacrifício que C risto fez. N ã o há debate sobre este assunto. Os calvinistas fazem distinção entre a suficiência e a eficá­

cia d a expiação. Essa distinção leva à seguinte pergunta: a m orte de Jesus foi eficaz para todos? Em outras palavras, a expiação resultou em que todos seriam salvos autom aticam ente? A obra de Jesus na cruz foi tão valiosa que poderia salvar todos os ho­ m ens. M as, a sua m orte teve realm ente o efeito de salvar todo o m undo? Essa pergunta tem sido debatida por séculos, conform e já dissem os. Entretanto, se a controvérsia sobre a expiação lim ita­ d a se referisse som ente ao valor da expiação, seria um a tem pes­ tade em um copo d ’água, porque a distinção entre a suficiência e a eficácia d a expiação não define a diferença entre a teologia reform ada histórica e pontos de vista não-reformados com o o sem ipelagianism o e o arm inianism o. Pelo contrário, ela apenas diferencia o universalism o do particularism o. O s universalistas crêem que a m orte de Jesus na cruz teve o efeito de salvar todo o m undo. O calvinism o discorda fortem ente desse ponto de vis­ ta. C on tudo, o arm inianism o histórico e o dispensacionalism o tam bém repudiam o universalismo. C ad a um a dessas escolas de pensam ento concorda que a expiação realizada por C risto

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é específica e não universal n o sentido de que opera ou torna eficaz a salvação som ente para aqueles que crêem em Cristo, de m od o que a expiação n ão salva autom aticam ente a todos. Por­ tanto, a distinção entre a suficiência e a eficácia da obra de Jesus define o particularism o, m as não necessariam ente o conceito d a expiação lim itada. C o m o um a observação à parte, gostaria de dizer que, em­ bora nem todos sejam salvos pela cruz, a obra de C risto produz benefícios concretos universais ou quase universais. Por m eio d a m orte de Cristo, a igreja nasceu, e isso levou à pregação d o evangelho. E, onde quer que o evangelho seja pregado, há aprim oram ento da m oral e d a retidão na sociedade. Existe um transbordam ento d a influência da igreja que traz benefícios a todos os hom ens. Além disso, as pessoas ao redor do m undo têm sido beneficiadas pelo com prom isso d a igreja com hospi­ tais, orfanatos, escolas e obras semelhantes. O verdadeiro âm ago da controvérsia sobre a expiação li­ m itada era esta pergunta: qual era a intenção e o desígnio de D eus em enviar C risto á cruz? O propósito do Pai e d o Filho era realizar um a expiação que se tornaria disponível a todos os que confiariam nela, incluindo a possibilidade de que ninguém se valesse de seus benefícios? Em outras palavras, o propósito de D eus em enviar C risto à cruz era apenas tornar a salvação pos­

sível? O u desde a eternidade D eus planejou enviar C risto para

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sofrer um a m orte vicária a fim de realizar um a expiação eficaz que seria aplicada a certas pessoas eleitas? A teologia reform ada histórica entende com seriedade a doutrina bíblica da eleição divina. Por causa dessa doutrina, os calvinistas crêem que D eus estabeleceu um plano, desde a eternidade, para salvar um povo para ele m esm o. Esse plano incluía som ente um a parte d a raça hum ana; nunca foi intenção de D eus salvar a todos. Lembre-se: por causa de nosso pecado e d a justiça de D eus, ele não estava obrigado a salvar ninguém . D e fato, ele teria sido perfeitam ente justo se houvesse entre­ gado todas as pessoas à destruição eterna. M as, em sua m iseri­ córdia, D eus resolveu salvar alguns. Se D eus tivesse a intenção de salvar todos, todos seriam salvos. N o entanto, o propósito de D eus na redenção era salvar, dentre os hom ens, um rem a­ nescente e livrá-los da ira que m ereciam por si m esm os e por justiça. Eles seriam objetos da m isericórdia de D eus; todos os dem ais, de sua ira. O desígnio da expiação era que C risto fosse à cruz, com o ele m esm o disse, e desse a sua vida “em resgate por m uitos” (M t 20.28b). Ele daria a sua vida, conform e havia dito, “pelas ovelhas” (Jo 10.11). O propósito da expiação era prover salvação para os eleitos de D eus. Em palavras simples, a teologia refor­ m ada ensina que Jesus C risto foi à cruz em favor dos eleitos, tão-somente em favor deles. Essa é, em resum o, a doutrina da

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expiação lim itada. Pessoas têm dificuldades com essa doutrina, especialm en­ te se uso essas palavras para descrevê-la. E qual seria a reação se eu dissesse que Jesus foi à cruz som ente em favor dos crentes, apenas dos crentes? C om essa afirm ação, eu declaro que era o desígnio de D eus que Jesus m orresse não por todos indiscrim i­ nadam ente, m as apenas por aqueles que creriam nele. Se você aceita isso, adm ite que som ente os eleitos são os crentes e que som ente os crentes são os eleitos. N ão estou dizendo nada dife­ rente ao afirmar que C risto m orreu apenas pelos eleitos. Você pode im aginar crentes que n ão são eleitos ou pessoas que são eleitas, m as não são crentes? Esse tipo de disjunção é totalm en­ te estranha ao N ovo Testamento. M uitas outras objeções são levantadas contra a expiação lim itada. U m dos m aiores obstáculos nas Escrituras são as afirm ações bíblicas de que Jesus m orreu em favor do “m u n do” . Essas afirm ações devem sem pre ser avaliadas em contraste com outras proposições bíblicas que declaram , de m odo claro e es­ pecífico, por quem Jesus m orreu. Além disso, temos de nos es­ forçar para obter um verdadeiro entendim ento d o significado d o vocábulo “m u n do” nas Escrituras. O argum ento que autores bíblicos form ularam especialm ente para ouvintes judeus é que C risto n ão é o Salvador apenas do povo judeu e que pessoas de toda língua, raça e nação são contadas entre os eleitos. Em

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outras palavras, a expiação tem im plicações para todo o m undo, m as isso não significa que cada pessoa no m undo é salva. Isso pode ser concluído do texto bíblico. Algum as pessoas reagem contra a doutrina da expiação li­ m itada porque ela parece remover a grandeza da obra de Cristo. N a realidade, é a posição arm iniana que dim inui e desvaloriza todo o im pacto e poder da expiação. A verdade que os calvinistas enfatizam é que C risto realizou o que se propusera a realizar, a obra que o Pai lhe designara a cumprir. A vontade sobera­ na de D eus n ão se m anifesta ao capricho e à mercê de nossas reações pessoais e individuais a ela. Se assim fosse, haveria a possibilidade teórica de que o plano de D eus fosse frustrado e, n o final, ninguém seria salvo. Para os arm inianos, a salvação é possível para todos, m as não é certa para ninguém . N a posição calvinista, a salvação é certa para os eleitos de D eus. O utra objeção freqüentem ente citada é que a doutrina d a expiação lim itada arruína a evangelização. Todos os cristãos ortodoxos, incluindo os calvinistas, crêem e ensinam que a expiação realizada por C risto deve ser proclam ada a todos os hom ens. Temos de anunciar que D eus am ou o m un do de tal m aneira que D eus seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, m as tenha a vida eterna. Existe o conceito errado de que, se os calvinistas crêem na doutrina da expiação lim itada, eles n ão têm qualquer paixão de ir e pregar a cruz a

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todos. D esde A gostinho, os calvinistas têm sido cuidadosos em insistir que o evangelho tem de ser oferecido a todos os hom ens — em bora saibam os que nem todos responderão ao evangelho. M uitos calvinistas têm sido evangelistas zelosos. A doutrina da expiação lim itada é, na realidade, provei­ tosa à evangelização. O calvinista sabe que nem todos respon­ derão à m ensagem do evangelho, m as tam bém sabe que, com certeza, alguns o aceitarão. Por contraste, o arm iniano não sabe que nem todos responderão ao evangelho. N a m entalidade arm iniana, o fato de que todos se arrependerão e crerão é um a possibilidade teórica. C on tudo, o arm iniano tem de lidar com a possibilidade de que ninguém aceitará o evangelho. Ele pode apenas esperar que sua apresentação do evangelho seja tão per­ suasiva que o incrédulo, perdido e m orto em pecados e ofensas, resolverá cooperar com a graça divina, de m od o a se aproveitar dos benefícios oferecidos na expiação. Se superarm os esses problem as relacionados à doutrina d a expiação lim itada, poderem os com eçar a ver a sua glória — a expiação que C risto realizou na cruz foi concreta e eficaz. N ão foi um a expiação hipotética. Foi um a expiação genuína. Ele n ão ofereceu um a expiação hipotética em favor dos pecados de seu povo. O s pecados deles foram expiados. C risto não fez um a expiação hipotética em favor de nossos pecados. Ele aplacou realm ente a ira de D eus para conosco. Por contraste, de acordo

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com o outro ponto de vista, a expiação é som ente um a poten­ cialidade. Jesus foi à cruz, pagou a penalidade do pecado e fez expiação, m as agora ele está assentado n o céu, esfregando as m ãos e esperando que alguém se aproveite da obra que ele rea­ lizou. Isso é alheio ao entendim ento bíblico d o triunfo e vitória que C risto realizou em sua m orte expiatória. Em sua oração sacerdotal, Jesus disse: M anifestei o teu nom e aos hom ens que me deste d o m undo. Eram teus, tu m os confiaste, e eles têm guardado a tua palavra. A gora, eles re­ conhecem que todas as coisas que m e tens dado provêm de ti... eles... verdadeiram ente conhece­ ram que saí de ti, e creram que tu m e enviaste. É por eles que eu rogo (Jo 17.6-9a). Era Jesus, o Salvador, quem estava falando essas palavras. O bserve que ele orava por seus discípulos — n ão pelo m undo. N a m ais pungente oração de intercessão que Jesus fez neste m u n do com o nosso Su m o Sacerdote, ele disse explicitam ente que não orava em favor de todos. Em vez disso, ele orava em favor de seus eleitos. Podem os im aginar que Jesus estava disposto a m orrer por todo o m un do e não orou em favor de todo o m undo? Isso não

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faz sentido. Jesus seria incoerente. Ele viera para dar a sua vida por suas ovelhas. Jesus m orreria por seu povo e deixou claro, nessa oração, quem eram aqueles em favor dos quais ele m orre­ ria. N isso, n ão há nenhum a questão de indiscrim inação. Jesus faria expiação, e esta seria eficaz para todos em favor dos quais ele tencionava que ela fosse eficaz. Se você pertence ao rebanho de Cristo, é um a de suas ove­ lhas, você pode ter certeza de que um a expiação foi realizada em favor de seus pecados. Você pode perguntar com o pode saber que é contado entre os eleitos de D eus. N ão posso sondar o seu coração ou os segredos d o Livro da V ida d o Cordeiro, m as Jesus disse: “As m inhas ovelhas ouvem a m inha voz” (Jo 10.27). Se você deseja que a expiação realizada por C risto lhe seja provei­ tosa, se puser sua confiança nessa expiação, descansando nela, para reconciliá-lo com o D eus todo-poderoso, em um sentido prático, você não precisa preocupar-se com questões abstratas a respeito da eleição. Se você puser sua confiança na m orte de C risto para a sua redenção e crer no Senhor Jesus Cristo, pode assegurar-se de que a expiação foi realizada por você. M ais do qualquer outra coisa, isso resolverá para você a questão d o m is­ tério da eleição de D eus. Se você n ão é um eleito, não crerá em Cristo, n ão aceitará a expiação nem descansará n o sangue de C risto derram ado em favor de sua salvação. Se você quiser a salvação, pode tê-la. Ela lhe é oferecida, se você crer e confiar.

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U m a das afirmações m ais agradáveis dos lábios de Jesus, registradas n o N ovo Testam ento, é esta: “V inde, benditos de m eu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do m u n d o” (M t 25.34). D eus tem um plano esta­ belecido para a sua salvação. N ão é um a idéia de últim a hora ou um a tentativa de corrigir um erro. Pelo contrário, desde a eternidade, D eus determ inou que redim iria para si um povo. E aquilo que D eus resolveu fazer, ele o fez realm ente por m eio d a obra de Jesus Cristo, sua expiação na cruz. A salvação foi realizada por um Salvador que n ão é m eram ente um Salvador potencial, e sim um verdadeiro Salvador, que fez por você aqui­ lo que o Pai determ inou ele deveria fazer. Ele é o seu Fiador, seu M ediador, seu Substituto, seu Redentor. Ele fez expiação por nossos pecados na cruz.

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C a p í t u l o 10

perguntas e respo stas

Neste capítulo final, gostaria de abordar brevemente várias outras questões relacionadas à expiação: Q u a l é o sign ifica d o d o d erram a m en to DE sa n g u e n a e xpia ç ã o ?

A idéia de que há um poder intrínseco ou inerente no sangue de Jesus é um conceito popular n o m un do cristão. Ela aparece até em hinos e cânticos de louvor. Essa idéia reflete um m al-entendido fundam ental sobre o conceito do sangue em relação à expiação d o ponto de vista bíblico. C erta vez ouvi m eu am igo John G uest, um evangelista


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anglicano, pregar sobre a cruz e o sangue de Cristo. Ele fez esta pergunta: “Se Jesus tivesse vindo a este m undo e arranhado seu dedo em um espinho, de m odo que derram asse um a ou duas gotas de sangue, isso teria sido suficiente para nos redimir? Isso teria constituído um derram am ento de sangue. Se som os salvos pelo sangue de Cristo, isso teria sido suficiente?” É óbvio que o argum ento que John estava form ulando n ão era que o sangue de C risto derram ado assim nos salva. A im portância do sangue n o sistem a sacrificial era que ele representava a vida. O A ntigo Testam ento enfatiza repetidas vezes que “a vida da carne está n o sangue” (Lv 17.11). Portanto, qu an d o o sangue é derram ado, a vida se acaba. Isso é significati­ vo porque, na aliança de obras, n o Jardim do Éden, a m orte foi a penalidade estabelecida para a desobediência. Essa foi a razão por que Jesus teve de m orrer para realizar a expiação. Q uando o sangue é derram ado e a vida, exaurida, a penalidade é paga. N ad a m enos do que essa penalidade será suficiente. J e su s fo i a b a n d o n a d o p o r seu P a i n a cruz. C o m essa m e sm a co n o ta ç ã o , o u v im o s às vezes q u e aq u ele s q u e e stã o n o in fe r n o sã o a b a n d o ­ n a d o s p o r D e u s n o se n tid o d e q u e o in fe r n o é a a u sê n c ia d e D e u s. A s E sc ritu r a s e n sin a m

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c la ra m e n te q u e


Pe r g u n t a s

e

R e spo sta s

D e u s é o n ip re se n te . D a v i d isse: “ S e fa ço a m i­ n h a c a m a n o m a is p r o fu n d o a b ism o , lá estás ta m b é m ” (S l 1 3 9 .8 ). E n t ã o , co m o devem os e n t e n d e r o in fer n o em relação à presen ç a d e

é

D eu s?

com um dizerm os q ue o in fern o é a ausên cia de D eus.

A firm ações com o essa são m otivadas, em gran de parte, até p elo pavor de con sid erarm os com o é o in ferno. T entam os ab ran d ar isso e achar um eufem ism o p ara desviar-nos d o as­ sunto. Q u an d o u sam os a linguagem figu rad a d o A n tigo T esta­ m en to em u m a tentativa de enten der o ab an d o n o d os p erd i­ d os, n ão estam os falan d o d a id éia de afastam en to ou ausên cia de D eu s n o sen tid o de que Ele d eixa de ser on ipresente. Pelo con trário, tal linguagem é u m a m an eira de descrever o afasta­ m en to de D eu s em term os de sua b ên ção red en tora. O infer­ n o é a ausên cia d a luz de seu rosto. É a presença d a carranca d a face de D eu s. É a ausên cia d a b ên ção de sua glória m an i­ festada, que é um deleite p ara a alm a d aqueles que o am am ; p or ou tro lad o, é a p resen ça d as trevas de juízo. O in fern o re­ flete a presença de D eu s em sua form a de ju lgam en to, em seu

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exercício de ira. E tod os gostariam de escapar disso. A cho que essa é a razão por que ficam os confusos. H á um afastam ento em term os d a bênção d a intim idade de D eus. Seus benefícios podem ser rem ovidos para bem longe de nós, e a linguagem bíblica nos cham a atenção para isso. o

FAMoso h in o DA IGREJA X o M o poDE

ser ?” co n tém u m verso q u e faz esta per g u n ta p r o fu n d a :

“ c o m o po d e ser q u e m eu D eu s m o r r e u p o r m im ?”

É c o rr eto a firm a r q u e D eu s m o r r e u n a cru z ?

Esse tipo de expressão é p o p u lar na h in ó d ia e nas con ­ versas de p essoas com uns. M as, em bora eu ten h a esse escrú­ p u lo a resp eito d o h in o e m e in quiete com o fato de que a expressão está ali, acho que a enten do, e há u m a m an eira de tolerá-la. Crem os que Jesus C risto era D eus encarnado. Tam ­ bém cremos que ele m orreu na cruz. Se afirm am os que D eus m orreu na cruz e, com isso, pretendem os afirm ar que a natureza divina pereceu ali, nos envolvemos em heresia séria. D e fato, duas heresias relacionadas a esse assunto surgiram nos

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prim eiros séculos d a igreja: teopassianismo e o patripassianismo. A prim eira delas, o teopassianismo, ensina que D eus m esm o sofreu a m orte na cruz. O patripassianismo indica que o Pai sofreu vicariam ente por interm édio d o sofrim ento de seu filho. A m bas as heresias foram severamente rejeitadas pela igreja por negarem, de m odo categórico, o próprio caráter e natureza de D eus, in­ cluindo a sua im utabilidade. N un ca houve qualquer m udança na natureza e caráter dele. D eus n ão som ente criou o universo, m as tam bém o sus­ tenta pela palavra do próprio poder de seu ser. C o m o Paulo disse: “Nele vivemos, e nos m ovem os, e existim os” (At 17.28). Se o ser de D eus cessasse por um segundo, o universo desapa­ recia. Perderia a existência, porque nad a pode existir à parte do poder sustentador de D eus. Se D eus morre, tudo m orre com ele. Então, é óbvio que D eus não pode ter m orrido na cruz. Alguns dizem: “Foi a segunda pessoa da Trindade que m orreu” . Isso seria um a m utação no próprio ser de D eus, por­ que, ao considerarm os a Trindade, dizemos que os três são um em essência e que, em bora haja distinções entre as pessoas da D ivindade, essas distinções não são essenciais n o sentido de que são diferenças n o ser. A m orte é algo que envolve um a m u­ dança n o ser de um a pessoa. D evem os esquivar-nos, com horror, d a id éia de que D eu s m orreu na cruz. A expiação foi realizada p ela natureza

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h u m an a de C risto. D e algum m od o, as pessoas tendem a p en sar que isso d im in u i a d ign id ad e ou o valor d o ato vicá­ rio, com o se isso negasse im p licitam en te, em algum nível, a d eid ad e de C risto . Jam ais. Foi o D eus-H om em que m orreu, m as a m orte é algo exp erim en tad o som ente pela natureza h u m an a, p orq u e a natureza divina é in capaz de experim entá­ -la. H á u m a c o n e x ã o e n t r e u m e n t e n d im e n ­ t o in c o r r e t o q u a n t o à deprav açã o h u m a n a e a r e je iç ã o da d o u t r in a d a e x p ia ç ã o l im it a d a ?

S o b o risco de parecer estar sen d o in coerente com o que tenho d ito tan tas vezes, eu acho realm ente que o m aior p roblem a que tem os n a teologia é chegarm os a um en ten di­ m en to correto de d u as d ou trin as: a d o u trin a de D eu s e a do h om em . N o cap ítu lo in icial das Institutas da Religião Cristã, Jo ã o C alv in o escreveu sobre a im p ortân cia de p ossu irm os um en ten dim en to correto a resp eito de quem o hom em é, p ara obterm os um en ten dim en to exato sobre quem D eu s é. Em seguida, C alvin o faz u m a afirm ação m eio p arad o x al e diz que, para en ten derm os o hom em , p recisam os tam bém enten der a D eus. Infelizm ente, n ão sabem os quem D eu s é, p or isso n ão sabem os o que nós m esm os som os. Todavia,

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q u an to m ais en ten dem os a san tid ad e e a ju stiça de D eus, tan to m ais com eçam os a perceber, p or contraste, q u ão d eses­ p erad am en te caídos e d epen den tes som os d a m isericó rd ia e graça de D eus. O co n flito b ásico d a teologia diz resp eito a u m a teolo­ gia teocêntrica e u m a teologia an trop ocên trica — u m a teolo­ gia cen trad a em D eu s e u m a teologia centrada n o hom em . R eceio que m uitos cristãos p rofessos estão m ais in teressados n a exaltação d o ser h u m an o d o que na d ign id ad e de D eus m esm o. v o c ê p er c eb e a lg u m c o n flito e n t r e a “ salvação p o r d ec isã o ” e a eleiç ã o ?

A ch o q u e o m aior perigo é que as igrejas estejam cheias de pessoas que fizeram u m a p ro fissão de fé, m as n ão estão na graça. A ju stificação ocorre p or m eio de p o ssu irm o s a fé, e to d o aquele que tem a fé verdadeira é ch am ad o a professá-la. M as você n ão entra n o rein o de D eu s p or levantar a m ão, vir à frente d o tem plo, fazer a oração de salvação ou assinar um cartão de d ecisão. T odas essas coisas são b o as, m as são exterioridades. Infelizm ente, tendem os a focalizar essas coi­ sas. Q u a n d o alguém faz u m a p ro fissão de fé, dizem os: “V ocê entrou n o re in o ” . N ã o p edim os à p esso a que se exam ine

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p ara saber se a fé que ele ou ela confessa é, de fato, au tên ti­ ca. C o n tu d o , é vital que façam os isso, p orq u e som ente a fé au tên tica trará justificação. E ssa fé é dom de D eu s. E u não p o sso produzir a fé em ou tra p essoa. Posso p lan tar a sem ente e regá-la, m as som ente D eus, o E sp írito S an to , p od e produzir o crescim ento. com o

o pó s -m o d ern ism o a feta o e n t e n d i ­

m en to p o p u la r q u a n to à ex p ia ç ã o ?

M inha m aior preocupação é com a m aneira pela qual a m entalidade pós-m oderna está seduzindo a igreja, inclusive a igreja reform ada. Parece haver um a aceitação tácita de que em algum tem po por volta de 1970, n o final da revolução cultu­ ral dos anos 1960, algo admirável aconteceu — um a m udança referente à nossa constituição ocorreu na natureza dos seres hu­ m anos, a partir da m aneira com o fom os criados. A gora a vida n ão é m ais construída sobre a base d a verdade penetrando a alm a por m eio d a m ente. D esde 1970, adotam os a “cultura dos sensos” que se focaliza em nossos sentim entos, relacionam entos e tudo que é subjetivo. Até a verdade é considerada subjetiva e n ão objetiva. Por conseguinte, a verdade é o que você quer que seja verdade. Esta é geração m ais narcisista na história da raça hum ana.

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Pe r g u n t a s

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N orteadas por essas m udanças, igrejas estão se apressan­ d o a m udar sua m aneira de lidar com a cultura, adotando o uso de temas políticos, entretenim ento e esse tipo de coi­ sas. Esquecem que o poder está na Palavra de D eus, n ão em m étodos, e que a Palavra de D eus é dirigida, em prim eiro lugar, à mente. D eus tencionou que sua Palavra fosse inteligível; e, som ente quan d o a entendem os, ela penetra em nossa m ente e coração, revelando-se em vidas m udadas. F alam os so b r e a expia ç ã o realizada p o r C r ist o , mas foi D e u s , o P a i , q u em en v io u J esu s ao m u n d o .

o q u e po d em o s fazer para m a n ter

n o sso e n ten d im en to da cen tra lid a d e d o

P ai n a

h ist ó r ia da red en ç ã o ?

Em term os p rático s, acho que u m a d as m elh ores e m ais im p ortan tes coisas que p o d em o s fazer é m editarm os de novo n o A n tigo T estam ento. U m de m eus m otivos fre­ qü en tes de reclam ação é a m an eira com o acham os que, p elo fato de que o evangelho surgiu na h istória e de que o N ovo T estam en to nos p ro p o rcio n a u m a revelação de Jesus, p o d em o s agora d isp en sar ou m enosprezar o A n tigo T esta­ m en to. E sq u ecem o s que esse enorm e com pên d io de in for­ m ações é revelação divina; e gran de parte d o seu con teú d o é

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um d esven d am en to d o caráter de D eu s v isan d o ao n o sso b e­ nefício. P recisam os conhecer o D eu s d o A n tigo T estam ento, p orq u e foi Ele a quem Jesus cham ou de Pai. Foi o D eu s do A n tigo T estam en to que enviou Jesus e foi satisfeito m edian te a ob ra realizada por C risto. C ham am os a nós m esm os de cristãos, m as precisam os lem­ brar que a razão por que am am os a Jesus e o seguim os é que ele nos reconciliou com o Pai. N a adm inistração d a redenção, o próprio Jesus é subordinado ao Pai e nos cham a a soli Deo gloria, dar glória som ente a quem ela pertence, a Deus. E m q u e p o n to da h ist ó r ia u m a pesso a é r ed im id a

— q u a nd o c r is t o m o r r e u n a c r u z , em

favor d e seu

p ovo, o u q u a nd o a pesso a r espo n ­

d e ao ev a n gelh o , co m fé ?

N a versão grega d a Bíblia, o verbo salvar aparece em tod os os tem pos possíveis. A B íb lia diz que fomos salvos desde a fu n d ação d o m u n d o ou que estávamos sendo salvos d esd e a fu n d ação d o m u n do ; que somos salvos ou que estamos sendo

salvos; e que seremos salvos. A verdade é que d esd e a fu n d ação d o m u n d o som os ju stificad o s, nos decretos de D eu s. M as isso n ão se con su m o u até o tem po e a o casião d a ob ra de C risto; e n ão se realiza en q u an to n ão som os vivificados pelo

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Pe r g u n t a s e R esp o st a s

E sp írito S an to , para que ven h am os à fé e nos apropriem os d os ben efícios que foram d eterm in ad o s e g aran tid os para nós em eras p assad as. A EXPIAÇÃO SE APLICOU ÀQUELES QUE VIVE­ RAM ANTES DA CRUCIFICAÇÃO DE CRISTO ?

A resp osta para essa p ergu n ta é clara nas E scritu ras. As p esso as q u e viveram na época d o A n tigo T estam ento tinham o sistem a de sacrifícios, m as o san gue de touros e b o d es não p o d ia expiar o p ecad o de ninguém . Essas coisas faziam o povo de Israel olhar para longe de si m esm o, para um a expia­ ção que satisfaria a ju stiça de D eus. U m a pessoa d o A n tigo T estam ento que con fiasse na p rom essa d a obra d o M essias era salva, em bora essa obra ain d a n ão tivesse sid o realizada n o tem po e n o espaço. O fu n d am en to d essa salvação era a obra de C risto , que viria. O s crentes d o A n tigo T estam ento eram salvos pela fé que olhava para frente, en q u an to nós som os salvos pela fé que olha para trás. O fu n d am en to ob je­ tivo da salvação de am bos os grupos é o m esm o — a expiação de C risto.

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