Devorações : descolonizando corpos, desejos e escritas.

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DEVORAcÕES

DESCOLONIZANDO CORPOS, DESEJOS E ESCRITAS Organização

Castiel Vitorino Brasileiro 1ª Edição



DEVORAcÕES DESCOLONIZANDO CORPOS, DESEJOS E ESCRITAS



1ª Edição

DEVORAcÕES DESCOLONIZANDO CORPOS, DESEJOS E ESCRITAS

Organização

Castiel Vitorino Brasileiro

Vitória 2018


Ficha Técnica Castiel Vitorino Brasileiro Coordenação Geral Rodrigo Jesus Produção Napê Rocha Revisão Luara Monteiro Fotografia Projeto Gráfico Paulo Gois Assessoria de Comunicação Kika Carvalho Capa D498

Devorações : descolonizando corpos, desejos e escritas / Castiel Vitorino Brasileiro (Organizadora). – Vitória (ES) : Castiel Vitorino Brasileiro, 2018. 96 p. : il. ; 20 cm Inclui bibliografia. ISBN 978-85-60463-00-8 1. Descolonização do corpo. 2. Arte decolonial. 3. Identidade. I. Brasileiro, Castiel Vitorino. II. Título.

Contato : devoracoes@gmail.com.br https://www.facebook.com/devoracoes


Agradecimento Agradeço às baitolas, aos travecos, às maria-joão, às mariamacho, às sapatão, aos corta-pros-dois-lados. Agradeço à coragem, que nos ensinou a gargalhar. Agradeço ao Tempo, que fez de nós, fragmentos de sua complexidade. Este livro é uma Lacraia e uma Matheusa. Agradeço ao corpo, por ter a capacidade de desaprender qualquer gesto.



ÍNDICE 1.Colaboradores

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2. Prefácio

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3. Programação

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4. Descolonizando Prazeres, Oficineirxs Castiel Vitorino Brasileiro

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5. Produção do Dicionário Antropofágico, Oficineiras Castiel Vitorino Brasileiro e Marcela Aguiar

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6. Cartas aos Femininos, Oficineiras Castiel Vitorino Brasileiro e Rucka de Lacaia

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7. Imagens Subvertidas e Subversivas: Elaborações Monstruosas para Afundar Embarcações Oficineira Napê Rocha

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8. Remonte-se: Oficina de Fanzine, Oficineiras Andressa Quitéria e Rodrigo Jesus

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9. Retrato Dissidente - Propositora Felipe Lacerda

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10. Cineclube

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11. Artistas Convidados Abiniel João Nascimento Amanda Dias Ana Giselle Elli Ciriaco Jorge Lopes Lyz Parayzo Yhuri Cruz

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COLABORADORES Andressa Quitéria é escritora, desenhista, trançadeira, pintora, oficineira e lésbica. Atualmente fazendo curso no NAAH/S com a intenção de desenvolver e aprofundar técnicas artísticas. Idealizadora do Salão Crespura, projeto que visa criar um espaço que trabalhe não só a estética, através das tranças, mas também o empoderamento do povo negro. Castiel Vitorino Brasileiro Mandinguera. Terrorista de gêneros racializados. Cartógrafa, fronteiriça, korpo diaspórico e hifenizado. Testiculada e feminina. Localizo-me no entre lugar da psicologia com a arte. Sou artista visual e graduanda em psicologia pela Universidade Federal do Espirito Santo. Integro a Coletivo Kuirlombo, Ateliê Odé e Idealizadora do projeto Devorações. E-mail : castielvitorinob@gmail.com Felipe Lacerda é co-idealizadora do Escopo Zine plataforma de publicações de artistas e graduanda em Artes Visuais pela UFES. Desenvolve trabalhos em performance, colagens e fotografias que giram em questões de gênero e sexualidade. E-mail: felipelacerda02@gmail.com Marcela Aguiar é travesti, mestiça, graduanda em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Tem interesse em gênero, sexualidade, informação e comportamento informacional. E-mail : agr.marcela@gmail.com Napê Rocha é integrante do Coletivo Kuirlombo, artista visual formada pela Universidade Federal do Espírito Santo, atualmente é mestranda no Programa de Pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes da Universidade Federal Fluminense. Se interessa, pesquisa e vive as relações entre corporeidades, narrativas negras e Artes Visuais. E-mail : rocha.lndr@gmail.com Rodrigo Jesus é artista de rua, poeta marginal. Registra estéticas e táticas de resistência através de fotografias e poesias e cartografa sensações causadas pela cidade, analisando as subjetividades que respiram por nódulos que causam uma fissura no concreto. É um corpo poético em um processo de descolonização, dançando descalço sobre pedras, flores e poemas. E-mail: rodrigojesusup@gmail.com


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Rucka De Lacaia é artista visual, performer, poeta e pensadora da bysha. Aspira em seu trabalho experimental cores, distorções, analogias e texturas. Frutinha. E-mail: ruckashok@gmail.com

ARTISTAS CONVIDADOS Abiniel João Nascimento, 22, graduando em Museologia, artista visual, performer, pesquisador - Recife, PE. E-mail: nieljnascimento@gmail.com Amanda Dias, 29, artesã, autorretratista - São Paulo, SP E-mail: mandinga.biojoias@gmail.com Ana Giselle/Transalien, 22, artista visual, Produtora Cultural, DJ e corpo espetáculo - Recife, PE E-mail: ana-giza@hotmail.com Elli Ciriaco, 26, artista, graduada em Filosofia - Recife,PE E-mail: ellieltonleite@gmail.com Jorge Lopes, 23, artista, graduando em museologia, Américo Brasiliense, SP. E-mail: jorgelopes.contato@outlook.com Lyz Parayzo, 24, multiartista, graduanda em teatro, performer, curadora, escultora, corpo estranho - Rio de janeiro, RJ. E-mail: lyzparayzo@gmail.com Yhuri Cruz, 27, artista visual, pesquisador dos movimentos de existência e resistência da diáspora, graduado em Ciência Política e escritor de manifestos. Rio de Janeiro - RJ E-mail: yhuricruzart@gmail.com


PREFÁCIO Desde muito cedo ouço minha avó Julite alerta-me com o ditado popular: “meu filho, uma andorinha só, não faz verão”. Talvez um dos processo mais difíceis que venho experienciando é o de criar trajetos seguros entre a(s) rua(s) e a minha casa. Trajetos esses que me possibilitem continuar produzindo em mim, uma geografia híbrida dessas paisagens por onde insisto em me constituir. Tento interferir nos lugares, para fazer em mim e de mim uma geografia existencial saudável. Eu sou então um complexo território, formada por cantos do terceiro mundo, feita de ruas previstas e descritas nos mapas dos colonizadores, e de escadarias tão ignoras, mas também destruídas, quanto aqueles que as constróem. Nesses processos de cartografar minha (e nossa) própria existência, tenho aos poucos compreendido minha complexidade e percebido que devo fomentar uma sensibilidade e racionalidade que me garantem conseguir reinterpretar signos e códigos dos muros, fronteiras e cercas que delimitam bairros, cidades, estados, países. Esses processos cognitivos desobedientes, também têm me ajudado a criar vírus de emancipação para contaminar de dúvidas todas as máquinas, corpos e subjetividades que sustentam, nesses arranjos geográficos, regimes de verdades racistas e cisheteronormatividades. Incluome nessa demanda. Sendo assim, entro em transportes coletivos e privados, supermercados, universidades, galerias, farmácias, ilês, hospitais psiquiátricos, praias, arquivos públicos, subo favelas, percorro ruas de bairros que se enriquecem com minha pobreza. E nunca ando só, crio esses trajetos sempre acompanhada por singularidades e memórias que me compõe e me protegem. São tais singularidades e memórias que ao fomentar processos educacionais anti racistas e a favor da descolonização, me ajudam na produção de uma racionalidade sensível, uma sensibilidade ética¹ e uma ética da coletividade. Entendo coletividade como um aglomerado de corpos que permitem-se à diferença, e é na potência do corpo que sempre tenho apostado. 1 - Ver MACHADO, Leila. Ética. In: BARROS, Maria Elizabeth B. de (Org.). Psicologia: questões contemporâneas. Vitória: EDUFES, 1999. 2 - Ver: SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.


Sou um corpo negro, testiculado e feminina, que há vinte e dois anos tem desejado e produzido zonas de liberdades perecíveis, e zonas perecíveis de liberdade. Tais zonas surgem com reterritorializações de arquiteturas, onde essas tornam-se - com prazo de validade - lugares seguros para mim e para quem me acolhe. A vontade de criar esses espaços é constantemente criminalizada, assim como nossas singularidades, que por produzirem tais zonas e tudo aquilo que nela contém, tornam-se aberrações para uns e admiradas por outros. Somos então corporeidades pecaminosas, esquizofrênicas, sujas, nojentas, feias, bonitas, doentes, perigosas, gostosas, atrevidas, sem respeito, sem dignidade, otárias, muito inteligentes, corajosas, idealizadas, almejadas, violentadas, assassinadas, selvagens. Dizem que não temos alma, muito menos controle sobre nossos instintos. Não somos humanas, pois nos produzimos em outras humanidades? Ou, seria mais seguro e estratégico nos apropriarmos-mos ainda mais da monstruosidade que nos projetam, abdicando de vez da tentativa de produzir novas humanidades? Percebo que ser monstra (assim como ser humana) não é uma escolha, mas podemos decidir se vamos ou não compor com essa tal monstruosidade. Os sujeitos que participaram do Devorações | Imersão Artística decidiram que sim. Tais pessoas são inquietas, sujeitos híbridos, nômades identitários, e gostam de praticar rituais antropofágicos. Gostam de comer os pés dos que os perseguem, pois assim adquirem a habilidade de correr ainda mais rápido que esses capitães do mato e da cidade. Nessa manada, há o costume de trocar de órgãos, buracos são fechados e novas cavidades são fabricadas. Há séculos reinventam suas anatomias, manipulando as biologias para transformar todos seus órgãos em membros de prazer. Retiram suas mamas, ou as deixam maiores através de enxertos feitos com as nádegas daqueles que ousam tutelar seus cus, vaginas e pênis.

3 - Referência à série escultórica “A história tem me exigido crueldade”, que comecei a desenvolver em 2018. 4 - Ver: MARTINS, Leda Maria. Afrografias da Memória: O reinado do Rosário no Jatobá. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1997.

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Somos subalternas desautorizadas a falar², por isso estamos sempre gritando nossos nomes de guerra que foram escolhidos durante lutas pelas independência de nossos corpos e das colônias que ocupamos. A história tem nos exigido crueldade³, então lutamos pela descolonização epistêmica, através da criação de narrativas que não higienizam nossas experiências com traduções colonizadoras. Apostamos na escrita, oralidade e na oralitura4. Somos travestis bibliotecárias, bixas pretas psicólogas, sapatão benzendeira, giletes afiadas, homens e mulheres transexuais professores, translesbixas cozinheiras, caminhão arquivologista, pão-com-ovo médica, poc curadora, bissexuais químicos, bixas-travestis costureiras, transviadas artistas. São nesses entre-lugares que Devorações se produz(em). O projeto surge como resposta às políticas de aniquilação de vidas cuja o extermínio sempre foi mascarado, tão quanto foram denunciados pelos que sobreviveram à essas matanças. Vidas essas marcadas por racialidades sub-humanas, por sexualidades inapropriadas, por classes empobrecidas, por estéticas sujas e corporeidades não-hegemônicas. Devorar significa comer e destruir. E, por três dias comemos conhecimento, destruímos teorias, vomitamos verdades, coletivizamos dores e deleites, desnaturalizamos identidades, e reconstruímos a história, mundos, desejos, pensamentos e corporeidades. Foram momentos de recentralizar-mos no Sul global, a fim de compreender e produzir autonomia em nossas narrativas, que por sua vez são marcadas por experiências de crimes5, massacres, extermínios e golpes contra nossa vida, mas também feita de risadas debochadas, gargalhadas, criatividades e felicidades. Singularizar-se na encruzilhada produzida pelo racismo sexualizado, pelas sexualidades racializadas, pela classe social empobrecida, e por outras condições que nos tornam sujeitos culturalmente híbridos, é friccionar fugas que causam impactos tão graves quanto aqueles que os delírios da branquitude nos provocam. Pois, se pensar é movimentar-se6 e movimentarse produz pensamento, então uma psiquê que fricciona é um corpo ferido que cotidianamente inquieta o próximo ao indignar-se com sua dor. Friccionar para desajustar o ocidente. 5 - Ver: MOMBAÇA, Jota. Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência!. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo. 2016 6 - Ver: NOGUERA, Renato. Denegrindo a filosofia: o pensamento como coreografia de conceitos afroperspectivistas. Griot – Revista de Filosofia, Amargosa, Bahia – Brasil, v.4, n.2, dezembro/2011


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Devorações foi um ritual de emancipação através da arte, pois compreendemos a força dessas linguagens de frear a produção de subjetividades racistas e castradoras. O projeto ocorreu no tempo-espaço já mencionado, mas não teve fim, como também é difícil achar seu começo. Penso que esses dias foram fragmentos de uma experiência maior que é a vida. O projeto contou com uma equipe de onze pessoas, que manejaram uma coletividade constituída ao todo por trinta sujeitos que residem no estado do Espírito Santo. Além disso, como estratégia de expandir nossas redes de afeto, alguns artistas queridos de outros estados brasileiros foram convidados a enviarem materiais que dialogassem com a proposta do nosso projeto. Muito se foi produzido, e grande parte do conteúdo está registrado nesse livro. Referências Bibliográficas: MACHADO, Leila. Ética. In: BARROS, Maria Elizabeth B. de (Org.). Psicologia: questões contemporâneas. Vitória: EDUFES, 1999. MARTINS, Leda Maria. Afrografias da Memória: O reinado do Rosário no Jatobá. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1997. MOMBAÇA, Jota. Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência!. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo. 2016. Disponível em: <https://issuu.com/amilcarpacker/docs/rumo_a_uma_ redistribuic__a__o_da_vi> Acesso em: 30/09/2018. NOGUERA, Renato. Denegrindo a filosofia: o pensamento como coreografia de conceitos afroperspectivistas. Griot – Revista de Filosofia, Amargosa, Bahia – Brasil, v.4, n.2, dezembro/2011. Disponível em: <http://oaji.net/articles/2015/2742-1451059631.pdf> Acesso em: 30/09/2018. SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. Disponível em: <https://perspectivasqueeremdebate.files. wordpress.com/2013/10/spivak-pode-o-subalterno-falar.pdf> Acesso em: 30/09/2018.


PROGRAMAÇÃO Oficina Corporal Descolonizando Prazeres e Desejos Nesta oficina, movimentos corporais serão experimentados a fim de produzirem percepções e sensações que não foram previstas e autorizadas pela branquitude cisheteronormativa. O objetivo é ativar no corpo dos participantes, modos descolonizados de sentir prazer, ou seja, de perceber que os deleites do corpo não se resumem às relações sexuais produzidas com órgãos genitais. Todos nossos órgãos e membros podem produzir prazer. Oficineira: Castiel Vitorino Brasileiro. Oficina de Produção do Dicionário Antropofágico Juntamente com investigações sobre modos errantes de comunicação assumidos por pessoas subalternizadas, durante esta oficina será criado um dicionário através de problematizações sobre como a colonização atua através da linguagem. Para isso, palavras serão reapropriadas, modificadas, ressignificadas e recriadas. Oficineiras: Castiel Vitorino Brasileiro e Marcela Aguiar . Oficina Cartas aos Femininos Como temos lidado com os femininos que nos compõem? Quais afetos temos produzidos com sapatonas, bixas pretas e travestis? Quais mulheres (mães, tias, avós, madrinhas, namoradas, amigas) nos constituem em subjetividade? Quais feminilidades temos produzidos? E como estamos nos relacionando com elas? Como tentativas de responder tais perguntas e de produzir novas questões acerca desse tema, as participantes serão conduzidas a escrever cartas às pessoas e à esses femininos. O Dicionário Antropofágico, feito na oficina anterior será utilizado para a construção desses textos. Durante a oficina, outras palavras poderão ser criadas, caso não encontre uma que sintetize de algum modo certo afeto que a destinatária lhe produz . Oficineiras: Castiel Vitorino Brasileiro e Rucka De Lacaia.


Imagens Subvertidas e Subversivas: Elaborações Monstruosas para Afundar Embarcações “Como elaborar um estado de autonomia dos corpos e converter essa força criadora em autonomia de produção de imagens de si?”, eis a questão que gesta a proposição primária desta oficina. A partir de uma provocação anterior de criação coletiva de imagens, pensaremos e exercitaremos formas de subvertê-las de modo a desconstruir, fantasiar e ficcionar, criando outras possibilidades de corpos a partir de técnicas de colagem e desenho. Para tanto, como construção de imagens de si, a feitura funcionará como um exercício autobiográfico e autoficcional em que primordialmente negaremos as configurações normativas a que nossos corpos pretos LGBT estão condicionados. Espera-se que as imagens resultantes do processo possam compor o corpo do livro e também constituir o acervo pessoal de cada participante. Oficineira: Napê Rocha REMONTE - SE: Oficina de Produção de Zines O zine permite nos comunicar de forma simples. Através da versatilidade que o papel nos proporciona, usaremos os materiais disponíveis e outros que poderão ser propostos pelos participantes para confecção do nosso zine-corpo, que possui desejo estrondoso de se comunicar, gritar, presentear ou registrar o emaranhado de sensações que atravessam nossos corpos e deixam marcas; que podem ser rasgadas, reestruturadas, cicatrizadas. Identidades remontadas. Nesta oficina os participantes serão convocados ao transbordamento de sensações que foram incitadas e produzidas ao longo do processo de debates/oficinas, também será um momento para troca de ideias, reflexão e resgate de memórias. Oficineiras: Rodrigo Jesus e Andressa Quitéria.

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DESCOLONIZANDO PRAZERES Castiel Vitorino Brasileiro

Desde minha adolescência, tenho gostado de ficar nua em frente ao espelho. Faz alguns anos que toda semana dispo-me, e por alguns minutos permitome um reencontro com meu corpo negro, testiculado e feminina; que nem sempre é agradável. Abro meu cabelo, para conseguir enxergar meu couro cabeludo. Contabilizo meus dentes, e percebo que alguns são tortos. Analiso meus ombros, noto que um é mais empinado o que outro. Toco minha bunda, tento ver o meu cu. Analiso meu pênis. Olho pra minha pele e sorrio ao perceber que, mesmo sendo atravessada por racismos, ainda sou apaixonada por ela; minha pele negra, que como um manto sagrado, de proteção e combate, cobre todo meu corpo. Durante esses diálogos internos sobre minha matéria e existência, tenho percebido que meu corpo é marcado pelo endurecimento produzido por inúmeras violências. Os momentos pelada de frente pro espelho, não garantiram que eu me percebesse sendo inibida, compactada e enrijecida. Contudo, foram nesses - e em tantos outros - momentos que pude produzir uma condensação de memórias e temporalidades, que possibilitaram-me sentir com/nos ossos, músculos e órgãos, a complexidade de minha história.


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Bem, se “no fim de nossas vidas, somos a história que corporificamos” (KELEMAM, 1995), então desejo que nossa história também seja composta por felicidades e deleites. Mas, como produzir felicidade em/com um corpo que subjetiva-se em patologização de seus outros modos conta-hegemônicos de ser feliz? De forma mais direta, novamente pergunto: como uma pessoa dissidente sexual pode ter a experiência da felicidade num país como o Brasil, que garante à essas pessoas uma tenebrosa experiência de vida, orientada pelo medo de não sobreviver às matanças? Para sobrevivermos aos adoecimentos, nossos corpos precisam cotidianamente tornar seus movimentos ligeiros. Sendo assim, aposto na flexibilidade. Uma flexibilidade que nos ajude a lidar com o desconforto de assumir, por alguns instantes, uma organização corporal que não seja aquela que nos agrada. Precisamos aprender com o desconforto, pois não existe experiência que não seja marcada por ele. Contudo, acredito que desnaturalizar este tal desconforto seja o movimento de mais importância e dificuldade que devemos produzir. Desnaturalizar o desconforto de sermos felizes em arranjos afetivos que se contrapõe aos ideais de amor romantico, e em práticas contrassexuais¹ que desobedecem as cisheteronormatividades. Foi com tal desejo de lembrar no corpo que não devemos ser cativos², que criei e executei essa oficina de movimentos corporais. Amparada por estudos da psicologia corporal, e por experiências vividas por mim e por meus semelhantes, orientei uma série de movimentos que conduziram os participantes a se aproximarem e abandonarem os padrões fixados de apreender sua corporeidade. Ou seja, com a oficina conseguimos desorganizar ainda mais nossa anatomia, a fim de produzirmos outras funcionalidades para os elementos que à compõe. Cabelo, olhos, boca, nariz, braços, ombros, mãos, abdome, peitos, cintura, coxas, nádegas, cu, pênis, vagina, joelhos, pés, calcanhares. Pelos, cascas, suor, sebos, cheiros, texturas, temperaturas. Todos esses - e outros - elementos foram ativados e reativados, de modo que cada sujeito redescobrisse e produzisse pontos e formas de desconforto e prazer em seu corpo. 1 - Ver: PRECIADO, Paul B.Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: N­1 edições, 2014 2 - No filme Ori, Beatriz Nascimento afirma que ‘’O homem não está liberto enquanto não esquecer no gesto, que ele não é mais um cativo’’


Nessa oficina, propus que cada participante fizesse dois somagramas, um antes da oficina e outro logo após seu fim. O somagrama, como Keleman (1995) nos diz, é um desenho somático-emocional, ou seja, narrativas sobre nossa história. Tais imagens são situacionais, ou seja, nos mostram como estamos internamente durante a confecção da imagem. É com o somagrama que conseguimos perceber onde estamos feridas e com isso esse mesmo desenho-denúncia por vir a ser também um pedido de socorro. Neste sentido, Keleman afirma que Somagramas, portanto, são imagens que retratam sua história. São enunciados projetivos sobre a da natureza de sua organização. Mostram uma situação atual, como você sente internamente, onde está ferido, precisa de ajuda. (KELEMAN, 1995, p. 70 ) Os somagramas também nos mostram áreas de felicidade, alegria, esperança e prazer. Tais desenhos corporais, com suas localidades afetivas, encontramse nas próxima páginas. E, ao analisá-los, tenha em mente que os tais somagramas não são imagens idealizadas, fantaiadas ou expeculativas de nos mesmos, mas sim um reflexo de nossa organização emocial (KELEMAN, 1995). somagramas não são idealizações, fantasias ou reflexos especulares, mas tentativas de permitir que sua imaginação reflita sua organização emocional [...] Somagramas são o modo de nos conhecermos, a mensagem que mandamos ao mundo e nosso pedido aos outros sobre como nos reconhecer. Como imagem pictórica, o somagrama capta a organização presente. Como série de imagens feitas num dia ou num período mais longo, somagrama captam os temas da vida. Referências Bibliográficas: PRECIADO, Paul B. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: N­1 edições, 2014. KELEMAN, S. Corporificando a experiência: construindo uma vida pessoal. São Paulo: Summus, 1995.

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RELATO DE PARTICIPANTE Durante minha vida enquanto mulher negra passei por muitas violências, desde as sexuais até às racistas. Desde a infância fazia parte de uma igreja cristã que me fez podar tudo relacionado ao prazer e afeto, que me deixavam muito travada com as questões sexuais. Tocar meu corpo ou permitir que ele fosse tocado foi, e as vezes é, algo que me deixa muito tensa, fazendo com que os prazeres fossem desconhecidos em mim e para mim mesma. Nesses últimos meses tenho contando meu ciclo pela lua, e ficou mais fácil compreender e entender meu corpo. Uma coisa inédita começou a acontecer: nos períodos férteis (quando tenho) as vezes aconteceu d’eu ficar molhada sem ao mesmo encostar em nada. E as vezes isso acontece. Participar do encontro “Descolonizando prazeres” me permitiu tentar sentir prazer com as mãos e com os pés e com todo corpo, e para além disso me permitir ser tocada por alguém desconhecido o que resultou numa experiência muito linda e maravilhosa. No momento que foi preciso fazer o segundo desenho eu me sentia tão bem e ainda muitos fluidos saíram de mim o que era raro acontecer, juntamente com isso uma vontade de me tocar, de sentir meu corpo, foi algo inédito e muito prazeroso. Diante disso quero muito agradecer por essa oportunidade de tocar e sentir esse corpo desconhecido e/ou colonizado, por essa experiência incrível e deliciosa.




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DICIONÁRIO ANTROPOFÁGICO Marcela Aguiar Cerca de 18 pessoas participaram da oficina, dentre byxas, FTM’s, cisgenderidades e pós-identidades. Tudo um pouco apreensivo e curioso. Aquele quê de “vamo começá”? E duas alucinadas (eu & Castihell) sem saber por onde iniciar. Apresenta aqui, puxa historicidade de lá e põe Luísa Marilac para rodar. Apeti, odara, mapô, afofé. Entreolhares à espreita de “que porra é essa?!”, “afo quem?” e risadinhas religiosas a cada palavreado surgido aos lábios da travesti aurélia. E a bonita segue… edi, cata de ojum, aqué. “Epa! Aqué eu sei!” diz uma voz aguda; e aí o negócio vai ficando bom… o que era tão desconhecido assim começa a ganhar corpo, genitálias ambíguas, saltos altos, picumãs de equê… Vídeo encerrado, plateia cheia de questionamentos, dedinhos levantados e… bota mais vídeo!... (o bom de comandar oficina, e comandar oficina sendo travesti, é que a obediência tá nas entrelinhas: tá pra nascer quem peita travesti doidona de hormônio). Seguimos com uma sequência de vídeos pajubeiranos, estrelando desde drag queens mestiças a boycis atorzinho global, que fez amadurecer a proposta da oficina: desenraizar as definições-dicionárias atribuídas às palavras do cotidiano de travestis e as demais identidades poluentes de gênero e sementear reescritas podres y imundas de comunicación. Deliberamos o lip sync, arremessamos os dicionários cisgêneros, brancos e heterossexuais na população de risco e solicitamos que as personas folheassem, com dedos banhados em k-med, as entranhas daqueles intocáveis e viris dictionary colonizadores, com o objetivo de transicionálos em cdzinhas, por meio de doses meticulosas de diane35. Um, dois, três dedinhos e fisting neles! Começam a surgir rabiscos e compartilhamento de ideias entre os participantes, rabiscos estes que se misturam entre xingamentos e genitálias, combinação de identidades de gênero com nacionalidade, movimento filosófico com políticas anais... uma loucura, um transtorno, um CID10 F64.1! O cenário que antes era movido por dúvidas se tornou uma verdadeira universidade pública, com direito a ensino, pesquisa e extensão: ensino travesti, pesquisa empírica a partir de corpos desobedientes e extensão geopolítica. À vista disso compreendemos: não era necessário explicar nem comandar a oficina, considerando que cada participante se


constituiu como agente e produtor da ação. Não estávamos mais no papel de oficineiras-professoras, estávamos — todas — enquanto diretoras! No meio daquela galeria de arte, que, naquele momento, era pequena ao nível das artistas, surge XEREQUÊ, primeiro contra-lugar da oficina: primeira palavra, primeira escultura, fruto da construção de cabeças, glandes e lábios pensantes. Xerequê, na dicionária aurélia se configura na junção de xereca com equê (mentira, em pajubá) = aquendação de neca; pênis a la Pabllo Vittar. Seguido de PÓS-CU: pós+cu = estudos culturais baseados na teoria cucentrista. O pós-cu prega que é somente pela união de cus que poderemos chegar ao verdadeiro bem estar social. E assim, muito pós-cusentas, fomos, a passos muito bem delineados, reconstruindo um léxico travestemiológico, um tesauro das e pras gayrotas, uma reconfiguração do pai dos burros em uma mãe das sapatrans. Em uma rápida análise percebemos que não tínhamos encerrado a oficina. Comicamente, observamos que isso decorreu do fato de estarmos, pós-usina, com a roupagem das palavras do nosso vocabulário já na ponta da língua. Fundamentamos, portanto, nossa comunicabilidade a partir da poluiçãovocábula fecundada e parida no workshop, e estendida por todo o dia. Quiçá, até a atualidade de cada persona non grata. Às magiclin que contribuíram na estruturação da oficina: dedo no cu e gritaria. Às cona que não pegaram as referências: diag!, se inscrevam na próxima.


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A Abalar: perder a firmeza; erguer a firmeza. Afefé: mau cheiro. Afeminado: gay que escapa às normas da masculinidade; a primeira a se identificar; a dentro do meio. Aliban: polícia. Amapo: bicha, mulher, mona. Amaporra: mulher homofóbica, mulher transfóbica. Amor: 1. Ação, expansão, partilha, reciprocidade, empatia, se entender em comunidade: se estou bem ajudo ao próximo partilhando meu processo. Exemplo: contramão, antiegoísmo. 2. Movimento, afeto, carinho, prática; é querer o melhor pra outra pessoa. 3. Romantização barata. Apaixonar-se: ato ou efeito de enlouquecer por outro. Apeti: peito. Apetiti/Apetyte: fome de peito. Aquenda: prestenção. Aqué: dinheiro. Arrasar: tornar favorável. Arrochar: movimento com o corpo. Arte: instrumento. B Barbie: gay musculoso. Bicha/Bixa: 1. Mulher muito irritada; mulher autêntica. 2. Espécie de fogo de artíficio que rodopia pelo chão; guardião luminoso. 3. Pessoa que se produz em uma racionalidade descolonizada; corpo subalternizado e que assume a sua estranheza que lhe é projetada, como modo de descolonização de sua singularidade. Bidê: chuqueira. Binária: travesti e bicha. Bixisse: carinho. C Carão: Beleza. Cata: Olha, vigia. Catação: Sexo. Cisgeneridade: Reproduzida. Close: 1. Combustível queer. 2. Olhar passar; fazer a bonita. Corpo: 1. Aquilo que temos de mais próximo a nós mesmo. 2. Por vezes gaiola,


outras templo. Corre Corre: Carro. Cu: 1. Órgão genital tamanho único e expansível. 2. Ponto de extremo prazer. Colombianas: Territórios corporais da revolução social. Chá de Buceta - líquido que brota da racha quando atinge o orgasmo. Chuca: Pré-sexo, ritual. D Debichar/Debixar - Ato de deboche; deboche bixa. Deboche: Estratégia parabixa de descriminar. E Edi: Bunda. Elza: Roubar. Emerjensciany. Pessoas que estão em processo de expansão da mente (a desconstrução). Enxotada: Marchar de xoxota. Exu: Gozar. F Fuderorgastikah: Pessoa que promove o gozo pela gastação. G H Hecumenikx: Celebração religiosa de cus não binários. Homem: Quem se identifica. I Indaca: Boca. K Kataklímax: Flagrar o raro e precioso ato de gozar mutuamente (sinceramente). Kolobo: Cachorro. L Lanho: Buceta.

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Aook: Armadura de gay. Louco: Que perdeu a razão; pessoa que age sem a opinião dos outros; pessoa positiva. M Machuda: Bixa enrustida. Macumba: práticas de sobrevivência. Manita: Mana pequena. Maricona: Bicha velha. Mini Viadinho: Fase 1. Mona: Bixa, viado, gay. Mulher: 1. Mar, terra, fogo, resistência. 2. Quem se identifica. Míni Travesti: Amigas de travesti. N Neca: Pica Nequê: Pênis que produz muito volume na bermuda mas não atinge os padrões falocêntricos colocados. O Objeto: Para coisas, não para pessoas; tudo que, física ou moralmente, se oferece ao nossos sentidos. Obus: Pau pequeno. Ocó: Bofe. Odara: Grande. Oju: Olho. Ovípara: Bixa que pega novinhos. Picumã - Cabelo. P Padrãozinhom: Corpos dos filhos dos donos de corporações industriais e empresas; corpos moldados nos pré-históricos conceitos da antiguidade clássica (corpos de heróis, deuses brancos gregos). Pajubá: Modos desobedientes de falar e escrever. Passabilidade: Gente que engana bem. Pau no cu: Uma delicia. Pelado: Corpo livre. Pele: Superfície impenetrável. Pênis: Piroca. Tanto faz ter ou não. Poc: Bixa que não poca (sobrevive).


Prostituta: 1. Mulher independente. 2. Mulher pública, meretriz, rameira (dicionário informal), amapô que busca aqué. Punheta: Autossuficiência. Pêssega: Nojenta. Pós-cu: Corrente filosófica que acredita que a força da expressão, comunicação e união de cus, é capaz de guiar a sociedade para o sincero bem-estar (paz). Próstata: Sininho da felicidade. R Rachoativa - 1. Racha nuclear. 2. Quem produz uma racha nuclear. Ramera: Aquele que traz múltiplas histórias. Randoofi: Do outro lado. Rego: Ante-sala de músculos. S Sad trava: Não-binária devorada pela cisheteronormatividade. Sapatão: Sapato grande. Sem frescura: Bixa que curte uma adrenalina. Sexo: 1. As partes. 2. Encontro consensual de prazeres; encontro prazeroso. Siririca: Amor próprio, afogamentos em si; Mergulhar-se em si. T Teoria kuir: Problematizar os corpos daqui. Trançar: Troca afetiva que pode produzir cura. Travecante: Que traveca em alto mar. Traveco: Aquilo que já superou as expectativas cisgêneras. Travescis: Poluidora de gênero. Travestilidade: A travesti com credibilidade. Travexis: Aquela passável que não se rende. V Versátil: Bixa sem nhém-nhém-nhém. X Xaxotar: Chá de buceta. Xerequeer: Buceta de homens trans masculinxs. Z


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OFICINA CARTAS AOS FEMININOS

Rucka de Lacaia.

Como participante, tomei parte de duas oficinas “Descolonizando Prazeres e Desejos” de Castiel Vitorino Brasileiro, que se sucedeu nas deslocações de prazeres com exercícios corporais. Uma delícia. Vários pensamentos, vários questionamentos e várias descobertas. No começo, estive muito travada e deveras cansada devido a viagem (saí de Guarapari, levei em torno de uma hora e meia à duas horas pra chegar na capital – vida de uma camponesa), mas de acordo com o desenvolvimento das atividades, fui relaxando e aos poucos encontrando o meu lugar ao sol. Nesta ocasião, alguma playlist com sons florestais fora introduzida no ambiente e foi fundamental para nos conectarmos individualmente como à atmosfera e, logo com uma das propostas da oficina: desvanecer tensões inconscientes e enraizadas. Música tem esse poder. A instrutora Castiel deu a partida ao rebanho propondo um círculo, apresentando-se e orientando-nos, convocando a manada a se apresentar sem nenhuma regra. Depois da apresentação, sentamos ao chão, ainda em roda, para desenharmos um cronograma do nosso corpo e destacarmos as partes que sentimos afetadas pelo o mundo lá fora. Nessa hora, já estávamos imersas ao Devorações 2018. Brincamos com uma bolinha ou várias bolinhas de isopor a comando de Castiel, massageamos, entrando em contato com a pele de pessoas desconhecidas (que foi o meu caso), desenhamos outra vez, nos aquecemos, andamos pelo salão, dialogamos grupalmente, gritamos, gememos, e no final das contas, ninguém queria parar. Mas, o almoço havia chegado. Ficávamos famintas após sermos devoradas. Descolonizando o meu prazer, enquanto testiculada feminina, atente-se como uma prática urgente e política para com as nossas corpas abjetas, para que nos emancipemos de uma prática e um prazer do homem cisgênero branco a partir de uma catequização cristã europeia. O meu desejo foi fragmentado tanto quanto os meus movimentos de byshas, tanto quanto a minha fala de


bysha, tanto quanto a minha voz de bysha, tanto quanto a minha identidade bysha, quanto o meu movimento de ninfeta preguiçosa. Ali, estava eu, de mãos a dadas, de pés de calços, sem você, mas criando uma nova consciência e relação com o meu corpo sucata. Foi uma experiência inebriante. Gratidão, irmãe-Cást. No segundo turno, depois de nos fartarmos com o almoço patrocinado pelo evento - atendendo a s boas opções vegetarianas, feito pelas mãos de Benedito, avô, e Larissa, prima, de Castiel, atendendo a opções vegetarianas. Assistimos “Construção do Dicionário Antropolofágico” de Marcela Aguiar (estudante de Biblioteconomia da UFES) e Castiel, que ocorreu na parte da tarde. Após estarmos devidamente comidas, voltamos a nos sentar ao chão numa outra parte do salão, mas agora, à frente do refletor para contemplarmos o curta “A Língua dos Viado” de Luísa Marilac (está disponível no YouTube, gratuitamente). Dentro da idioma Pajubá, construímos coletivamente um novo Aurélio, um novo dicionário. Uma nova dicionária, parindo esse mimo na qual você, care leitore, aprecia. as oficinas incidiram no sábado, das 10h às 16h. Já no domingo, 04/06, no período da tarde, ministrei uma usina chamada “Cartas ao Feminino & Escrituras Pajubeiras” ao lado da Castiel. a ideia da oficina era pensar como nós, pessoas femininas, estamos lidando com o feminino em nossas corpas e para além. O que é o feminino. De onde vem. Aonde e Quem se compõe o feminino. Pra onde vai. Aplicamos três exercícios ao decorrer da usinagem. Um inserido na apresentação de seus respectivos nomes, que aconteceu depois da introdução da oficina, na expectativa de desmanchar tensões e aconchegá-los. Sendo assim, despertando suas memórias, boas e ruins, tristes e, ou alegres. A atividade se constituiu em dizer o seu nome e na sequência, algo que te remetesse primeiramente a mente como representante ou sinônimo do feminino. Ana, 20 anos, de Guarapari, inscrita da oficina, estava sentada ao meu lado, à minha direita e deu início aos jogos, sugerindo, por sua vez, explicar o significado do seu sinônimo de feminino, que seria “Cruzar as Pernas”, iniciando toda uma nova construção improvisada da primeira rodada. Dizer o motivo pelo qual ela escolheu tal palavra, ação, que fosse sinônimo do tal feminino, foi até significativo. Não era obrigatório. Alguns se alongavam em seus porquês, outros nem tanto, mas no fim, todos disseram minimamente alguma coisa. Na segunda rodada, Castiel e eu, pedimos o que seria antônimo do feminino ou que não fosse necessariamente contrário, desbotando um pouco da linguagem binária.

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E de acordo com que disseram, anotariam sob dois cartazes brancos, cujo eram divididos pelos nomes sinônimos e antônimos, que estavam localizados em nosso meio. Nós estávamos sentadas ao chão em círculo, eu que detesto sentar sem apoio, sem escora, me perdi nas histórias que iam sendo apresentadas aos poucos; seja na semelhança de vivências, quanto no jeito de falar. Eu que também, sou curiosa em trajetórias alheias, me fiz esponja naquela circunstância e absorvi um bocado pra passar a semana inteira, entupida de ideias. Mastigando e engolindo. Na segunda ocasião, justapusemos outro andamento. Agora, em pé, mas ainda em roda, que previa uma dinâmica de caráter experimental na qual nós, curadoras da usina, na construção do desenvolvimento das dinâmicas, temíamos. Estaríamos lidando com emoções. Mas se não for pra doer, né, neim, a gente nem acorda. A atividade se fazia em apontar uma característica, por vez, feminina da pessoa que você mais se identificasse ou se sentisse confortável em criticar. A meu ver, percebi aquele acontecimento como celebração do feminino ao feminino por nós, pessoas femininas e as nossas corporeidades feminis abjetas. Finalizando a usinagem, pedíamos aos presentes membros que dissertassem cartas ao feminino, que se constitui em registrar em suas palavras suas percepções, parâmetros e conceitos ao feminino e a feminilidade, por fim. Enquanto pensadora da byshalidade, me proponho a sempre a pensar histórias individuais e experiências coletivas que se assemelham a minha ou não. Por conta de todos os meus processos identitários, passei tanto tempo da vida desejando inconscientemente espaços assim, que me asilasse e que não exigisse muito de mim. E lá, estava eu, sendo abastecida e abastecendo. Sinto-me energética e energizada. É necessário citar a Felipe Lacerda, se fez presente durante as oficinas realizando uma ocupação artística, de cenário e tudo, com “Retrato Dissidente”, projeto babado de fotografia documental, que eu também tive a chance de contribuir nos dias que estive imersa em Vitória.



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#somostodasfêmeas “é preciso ser muito TRAVESTI para ser TRAVESTI no brasil” o femino está presente em todos os momentos desde o meu nascimento até a minha morte.


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À minha feminilidade travequista, Pensar modelas construtivas e destrutivas de feminilidades em coletivade bixa-travesti movimenta as plataformas antagônicas às feminilidades poluentes. hegemônicas Como vislumbrado na oficina produzindo um dicionário antropofágico, compreendemos Exu como movimentação. Por isso, travecanizar em coletividade nossas feminilidades.


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não é preciso sofrer. cada um tem em si o nascer do sol, o fluxo dos rios e a devoção de uma flor ao sol. luz que transcende e inspira. a partilha do amor nos leva a revolução de nós. obrigado pelo presente da vida. você é linda e eu te amo. Roger Ghil


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ODE AOS FEMININOS SINGULAR? PLURAR? RÁDIO - ATIVA TRANSMÍSSIVEL TRANSMISSORA DO ANTI-VIRUS e também veículo reprime O MACHISMO TÓXICO de maneira abusada e sensível FOGE A LÓGICA DO BINARISMO SEU peito É coração e silicone MARÍTIMO COMO ONDA SONORA ATINGE CORPOS, PRÉDIOS AS MATAS E O ASFALTO ATRAVESSA PAREDES E PEITOS NAVEGA NUMA ZONA AUTÔNOMA TEMPORÁRIA EM BUSCA DE UMA ROTA PARA LIBERDADE ?do gênero?.


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Se entender é se amar enquanto bixa, além do mais, bixa preta é compreender que as pessoas podem não te amar e te desrespeitar pelo que você é, mas isso não é o fim, nem todos entendem as realidades paralelas. O único conselho que dou é: Por mais dificil que seja, se aceite, se ama, se proteja e se respeite. Quando você faz isso você se fortifica e obriga as pessoas a te ENGOLIREM. Matheus Moreira


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Poc, bixa, viado, tudo bem? Já levantou a cabeça e se aceitou um pouco mais hoje? Você já passou por várias coisas e superou todas. O seu processo de aceitação foi longo, mas ainda não acabou. Construir e desconstruir é um caminho que dura a vida toda e quem precisa estar com você vai estar. Seja a poc, a vadião, seus parentes ou não. Vista-se de amor, empatia e todos os sentimentos bons. vista-se com seus shortinhos mais curtos, sua make e acessórios. Vai dar pinta sim! Resista. Henrique Tavares


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O meu feminino é tudo em mim que cuida que rega minha mão macia na toca e a mão áspera que me toca que me belisca que me inquieta e incomoda e me avisa para olhar com calma o feminino que eu vejo em tudo que é belo que me seduz e excita também é a falta de feminino ele é tão duro e rígido quanto suave ele corta e cura com a mesma força mas onde toca, molha.


Querida,

quando for a hora de molhar me chama?

. . .

Luara Monteiro


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“Menina dos olhos” Me conhecem como alma, tenho cheiro, memórias. Mesmo guardada em corpo carne, sou eu que crio minha história, meus gostos, sabores. Meu corpo carne não define quem sou! Dos medos faço de escudo, para me proteger do meu próprio ego do mundo que me fecha em gaiolas. Mesmo que meu corpo quando criança violado, abusado. Hoje faço das lembranças um porto, para que eu faça poesia, na vida dos que me rodeia, quem me atravessa com olhos deixando um pouco de si, dentro de mim. Eu amo uma mulher e muitos não compreendem o que o amor atravessa palavras. as explicações são bolsas cheias eu prefiro o mar e areia que são a temporal, infindos e constantes. eu defino quais luzes os vagalumes tempo podem me dizer. hoje sei que meu corpo é meu, minha alma é quem falo eu toco e entrego a quem me convir AO ESPAÇO TEMPO. Vivo esta vida de tantas vidas… as respostas estão nas singelezas que a vida nos mostra que o amor nos permeie e nos transforma. as lágrimas são um pedaço do mar que mora na gente a carne corpo que são grãos de areia de uma praia. guardado atrás dos olhos da gente. me disseram não cruze as pernas, não abra as pernas.! gritaram profana! Gritei liberdade! desobedeci e cuidei de mim sou a única dona do meu corpo.


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gritaram-me “bixa”. disseram-me “bixa. xingaram-me “bixa”. elogiaram-me bixa. deboxaram: “você é uma bixa!”. renegaram-me: você é uma bixa perguntaram-me: você é uma bixa? questionaram-me? porque bixa chuparam-me como uma bixa. Fuderam-me como uma bixa. bateram por ser bixa. chorei como uma bixa. Andei como uma bixa. Briguei como uma bixa. Pensei como uma bixa. Sou corajosa, como uma bixa! Me vesti como uma bixa. Debochei como uma bixa. Sou ousada (abusada), sou bixa! Sou negra e bixa. Artista negra bixa. Sou bixa negra. Bixa retinta. negritude bixa. bixalidade negra. Me enfeitei dessas bixalidades. tornei-me subalterna. subalterno feminino. Sou pedreira, construo feminilidades. sou abolicionista, luto pelo fim da escravidão de nossos corpos, desejos. bixa, bixa, bixo. Sou advogada, crio processos bixes. sou bibliotecária, só leio bixo. Castiel Vitorino Brasileiro


IMAGENS SUBVERTIDAS E SUBVERSIVAS: ELABORAÇÕES MONSTRUOSAS PARA AFUNDAR EMBARCAÇÕES


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AS IMAGENS QUE FIZERAM DE NÓS E O QUE DELAS FIZEMOS

Napê Rocha

“Eu, mulher negra, fora dos padrões e das simetrias aceitas pela normatividade de uma sociedade colonial que afirma as representações da supremacia eurocêntrica, digo ao povo que fico.” Musa Michelle Mattiuzzi “A literatura, pra mim, é uma espécie de vingança.” Conceição Evaristo Numerosas são as camadas que constituem as imagens fruto do processo de criação coletiva que escolhemos chamar de Imagens subvertidas e subversivas: elaborações monstruosas para afundar embarcações. Em seu sentido técnico, os papeis e as gramaturas e texturas, as tintas e as densidades e cores, cada lápis mais ou menos macio, as dimensões do suporte que algumas vezes tiveram seus limites extrapolados. As imagens selecionadas, que mesmo isoladamente imprimem grande potência pela origem ou sentido, como imagens vivas. Fotografias, autorais ou não, que fazem parte do acervo pessoal e da memória afetiva de cada artista agregadas à outras produzidas a partir do olhar da diferença exotificada buscam construir uma condição harmônica em mescla com desenhos, gravuras e pinturas de animais, vegetações nativas e seres maravilhosos. Tudo isso para criar ficções individuais e coletivas. A composição de elementos e técnicas no suporte bidimensional propiciam a emergência de um habitat natural para a existência de outras configurações corpóreas e identitárias. Humanas ou transhumanas, vívidas e vivenciadas a partir dos maiores medos do colonizador além-mar. Memórias ficcionadas e convertidas em fantasias.


A possibilidade de escolha, os nossos agenciamentos, foram fundamentais para que cada imagem resultasse como vemos neste livro. É essa determinação que produz a possibilidade de autodefinição e autoavaliação¹ sobre as imagens do colonizador - aqui podem lembrar dos pintores viajantes no Brasil colonial, ou os fotógrafos de typos de preto², ou os pintores modernistas brasileiros - que de alguma maneira produzem imaginários sobre nossos corpos, ficcionam e determinam lugares sociais. Nossas auto-imagens e contra-narrativas são marcas indiciárias de uma falha. Não àquela atribuídas às nossas inconformidades, mas a falha do projeto colonial de extermínio destas fantásticas corporeidades que mesmo hoje produzem medo no íntimo do colonizador. Cientes dos perigos da história única³, cada imagem traz consigo uma fábula de descolonização, contranarrativas de insurgência em que múltiplas realidades são possíveis.

1 - No contexto feminino afroamericano, Patricia Hill Collins descreve autodefinição, como o processo de desafiar as imagens estereotipadas e externamente constituídas. Autoavaliação diz respeito a substituição dessas imagens por imagens autênticas e coerentes. Ver: COLLINS, Patricia Hill. Aprendendo com o outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado. Volume 31, Número 1 Janeiro/Abril 2016 2- Gênero de fotografia bastante conhecido no Brasil dos 1800, cujo objetivo era catalogar os tipos raciais e sociais encontrados nestas terras. 3 - Em seu TED Talk “O perigo da história única” a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie denuncia a narrativa unilateral do colonizador como uma ação violenta que deve ser avaliada criticamente.


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Andressa QuitĂŠria


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Marcela Aguiar



Ramom Oliveira


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Roger Ghil


AndrĂŠ Avancini Flores


Larissa Brasileiro


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Felipe Lacerda


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Henrique Tavares


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Castiel Vitorino Brasileiro


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Larissa Rangel


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Rodrigo de Jesus


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Matheus Moreira


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Guilhermy Duarte


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NapĂŞ Rocha


OFICINA DE FANZINE ANDRESSA QUITÉRIA Desde já agradeço o convite! Amei! Não só o convite para ser oficineira mas também o de participar das oficinas. O que tenho a dizer a respeito? Nesse dia, por mais que existe esse medo de minha parte, o desejo de expor minha arte resolveu entrar em combate tendo como adversário a insegurança e como aliado um sopro de esperança, era o público perfeito... Demonstrava sede de Cultura, fome de aprendizado, e eu entupida de: medo, papel, insegurança, tinta, vontade, tecido, frio na barriga, glitter, cola, linha, pincel, recorte, grampo, flor… era o público perfeito e o relógio gritava “tá na hora de compartilhar conosco seu segredo” só me lembro de fechar os olhos havia três coisas em minha cabeça naquele momento o quanto havia preparado para estar ali o medo sem explicação que eu sentia e a vontade de dividir com todos o que eu sabia... E que bom que escolhi dividir, foi inesquecível.


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RODRIGO DE JESUS A oficina de livros artesanais junto com Quitéria foi uma experiência catalisadora de potências. Tanto para os participantes quanto para nós que realizamos essa oficina. No início todos pareciam meio perdidos mas no decorrer da oficina fomos surpreendidos com as produções que foram surgindo. Os livros ficaram perfeitos e teríamos ótimos zines, e cada pessoa que for produzir algum material de divulgação do seu trabalho e quiser compartilhar e/ou comercializar com certeza irá se lembrar desse momento de criação do seu próprio caderno do artista, diário, presente ou qualquer finalidade que tenha sido planejada ao longo do processo de criação, que ao meu ver foi iniciado desde a oficina de corporal até a oficina de colagem, adentrando vários processos descolonizadores e desvelando o racismo incrustado em cada brecha e fissura do corpo e da arte. Participar dessa produção foi espetacularmente incrývel demais. Esse processo decolonial deixou marcas de liberdade por todo meu corpo, minha mente e produções.


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RETRATO DISSIDENTE Felipe Lacerda Retrato Dissidente faz parte de uma pesquisa que venho construindo, a partir da minha corporeidade, identidade e estética bixa. Parto do meu corpo, a fim de investigar como as relações de dissidência de gênero se apresentam em minha corporeidade, investigando através das fotografias tiradas de outrxs sujeitxs que friccionam as fronteiras cisheteronarmativa. Para construir o cenário do "Retrato Dissidente", pedi em minhas redes sociais que sujeitas bixas me doassem peças de roupas. Junto uma ao lado da outra, e através da técnica da costura, vou dando pequenos pontos ao longo da montagem que venho compreendendo como coletividade bixa. Com uma arara, estico essas roupas costuradas e no chão um carpet preto e um banco para que esses sujeitxs possam sentar e serem retratadas através da minha lente. Construo meu estúdio itinerante, no intuito de retratar de forma ética, esses sujeitxs de corpos estranhos e subalternizados, subvertendo a imagem que a mídia hegemônica passa para a população sobre nossa corporeidade, que sempre é colocada como violenta, perigosa e marginalizada. Todos os retratos foram realizadas durante uma ocupação artística performática, na imersão Devorações durante os três finais de semana de oficinas.



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Ruck, da sĂŠrie Retrato Dissidente 2018

Gelson, da sĂŠrie Retrato Dissidente 2018


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Marcos, da sĂŠrie Retrato Dissidente 2018

Castiel, da sĂŠrie Retrato Dissidente 2018


CINE CLUBE Durante o Devorações, além de oficinas para criação coletiva, também foi realizada uma sessão aberta ao público do Cineclube Diversidade com o filme “Antes o Tempo Não Acabava (2017) ”, de Sergio Andrade e Fábio Baldo. A experiência de assistir um filme provoca interferências na existência do espectador. Sabemos que tal linguagem atinge simultaneamente diferentes partes do nosso encéfalo, produzindo excitação ou inibição no sistema nervoso, e em tudo que constitui nossa corporeidade. Sendo assim, decidimos utilizar dessa intersecção de processos sensório-motores, bioquímicos e cognitivos, ao nosso favor. Devorações surge com a vontade de continuar possibilitando a vida; a nossa vida, que afirma-se num hibridismo. Para isso, compreendemos ser necessário se implicar-nos no entre-lugar que nos subjetivamos. Lugar este que arquiteta-se como uma confluência de identidades, de memórias, de culturas, de desejos, de violências, de medos, e de felicidades. Este lugar é nosso corpo, e por isso decidimos integrar o filme ao projeto. O filme “Antes o tempo não acabava”(2017) nos convocou e nos ajudou a compreender a complexidade das culturas dos povos originários da América do Sul. Fomos alertadas sobre o tempo, ao percebermos que a tradição não estaciona, pois a atualização é uma necessidade de sobrevivência do corpo que a tradição se alimenta. Um corpo que diz: quero ser você, mas não acredito em você. Um corpo atravessado pela submissão. Um corpo contraditório. Um corpo que se vira, para continuar existindo. Um corpo que nos pergunta: como as posições religiosas acompanham os desdobramentos do corpo ritualístico? Durante os diálogos, notamos em nossas falas uma perpetuação do reducionismo “índio” e com esforço nos empenhamos para produzir em nós uma cognição que nos possibilitasse compreender existências como aquelas que foram mostradas no filme. No decorrer da conversa, uma pessoa nos disse “eu volto a Cuba todos os anos, mas não me identifico mais com Cuba. Eu estou em cuba, mas penso em português”. Também fomos atravessada pela fala “eu calada sou negra, eu falando sou bixa”. Bem, tentamos pensar sobre a relação entre essas experiências, com as perguntas que elas nos produziram: “há


entre-lugar no próprio país?”, “a despatrialização, nos coloca em um entre-lugar ou em um não-lugar/a-lugar?” , “o que estamos entendendo como lugar?” . No fim do encontro percebemos que a descolonização é cara, cansativa e necessária. É com a descolonização do gesto-pensamento que produzimos um corpo capaz de se habitar. Um corpo que quer chegar a vários lugares, mas que talvez esteja mais interessado nos trajetos que o leva à estas zonas. Ficha técnica "Antes o Tempo Não Acabava" Direção: Sérgio Andrade, Fábio Baldo. Gênero: Ficção. 85 minutos. Classificação indicativa: 16 anos No filme Anderson, um jovem da tribo Tikuna entra em conflito com os líderes de sua comunidade, localizada na periferia de Manaus. As tradições mantidas por seu povo parecem anacrônicas em relação à vida contemporânea que ele leva. Em busca de autoafirmação, Anderson abandona a comunidade para viver sozinho no centro da cidade, onde experimenta novos sentimentos e enfrenta outros desafios. No entanto, o Velho Pajé planeja trazê-lo de volta para mais um ritual.



ABINIEL JOÃO NASCIMENTO No objetivo de reviver a memória ancestral, para que as lutas dos que omantém vivo não seja esquecida e evidenciando possíveis relações em comum com a atualidade: imprimindo sobre sua pele um convite para um possível motim/ alforria/liberdade.

"Convite à alforria", Fotoperformance, body arte. 2018


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AMANDA DIAS Mandinga: Ancestralidade e Intuição como ferramenta estética de descolonização dos corpos Pretos Cresci na selva de pedras onde os conceitos foram mudados, vender tudo em troca de dinheiro é o caminho do sucesso ! Cuidar do corpo só se for como forma de exibicionismo ou para se enquadrar em um padrão totalmente eurocêntrico, Alimentação precisa ser rápida, não temos tempo para Ser, porque toda a nossa energia vai ser gasta em Ter!. Mas também cresci sendo Preta Mulher com uma intuição forte e mente curiosa para descobrir qual seria a minha missão de vida. Nos anos 90-00 a imagem da mulher preta foi totalmente apagada, não me via em nenhuma revista, filme, música, como não conseguia me achar em nenhuma referencia, tive que ativar uma busca do meu Eu Interior. Depois de 2 anos de desconstrução, conseguindo compreender tudo que fazia parte do meu Ser me alinhei com a missão de honrar minha ancestralidade e libertar meu corpo de uma colonização da cultura eurocêntrica, que tem como base os valores materiais e retornar para a minha cultura ancestral africana que tem como base o espiritual. Mas como mudar hábitos culturais em uma cidade onde a ideologia do Racismo, Machismo e o Capitalismo Selvagem é colocado em prática todo segundo??! No artigo Mulherismo Africano de Nah Dove explica sobre o conceito da sociedade matriarcal: “O conceito de matriarcado destaca o aspecto da complementaridade na relação feminino-masculino ou a natureza do feminino e masculino em todas as formas de vida, que é entendida como não hierárquica. Tanto a mulher e o homem trabalham juntos em todas as áreas de organização social. A mulher é reverenciada em seu papel como a mãe, quem é a portadora da vida, a condutora para a regeneração espiritual dos antepassados, a portadora da cultura, e o centro da organização social.” (DOVE, 1998, p. 8) Após ler esse artigo, compreendi melhor a força que habitava dentro de mim. E que para essa valorização da minha cultura acontecer eu não podia só ficar esperando, percebi que para honrar minha ancestralidade eu precisava


entender que hoje eu sou uma ancestral do futuro e que meus atos do presente precisam ser baseados em lutas iniciados no passado. Exaltar a nossa cultura está em perceber e valorizar a natureza. Saber que ela nos dá tudo, a cura através dos chás, beleza em todos os formatos e cores, sabedorias de entendimento da fluidez da vida, alimento para nossos corpos, conexão com o nosso espiritual. A criação da Mandinga veio através da minha permissão em querer libertar meu corpo e mente e dar espaço para minha intuição de mulher preta. Uma arte intuitiva que tem como base estudos sobre adornos africanos e os significados de carregar peças que exaltam nossa beleza de Rainhas e Reis e ao mesmo tempo que sirva como proteção e conexão com o nossos ancestrais. Libertar os pretxs de um ciclo de baixa estima é uma responsabilidade que a Mandinga carrega como missão e usando como ferramenta o dom que foi me dado em poder produzir arte com minhas mão! Referências bibliográficas: DOVE, Nah. Mulherisma Africana: Uma Teoria Afrocêntrica. Jornal de Estudos Negros (negrito), Vol. 28, № 5, 1998. Disponível em: <https:// estahorareall.files.wordpress.com/2015/11/mulherisma-africana-uma-teoriaafrocecc82ntrica-nah-dove.pdf>



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ANA GISELLE TRANSALIEN "se não puder ser livre, sê um mistério" Grace Notes, de Rita Dove (1989).

Transalien é a junção de uma transexual e uma alienígena que dá vida a uma identidade pós-humana onde, Ana, se apropria dos conceitos de anormalidade caracterizados socialmente acerca de pessoas trans e ressignifica os pressupostos equivocados de abjeção e do que é incomum. Ser Transalien é construir um corpo livre de padrões e cis-normatividades; Se a fantasia é uma forma de mistério e sua existência abre espaço no imaginário popular para a existência de outras corporalidades não limitadas aos códigos do fundamentalismo cisgênero, também o que Ana Giselle chama de “close dje anônima”, por apostar na produção de um corpo opaco, que resiste à captura dos olhares normativos na medida em que desaparece pelos escuros para depois reaparecer em sua luminosidade negra, se configura como uma estratégia fugitiva, um passo fora do domínio do inteligível em favor da liberdade de brilhar outras formas de presença. O anonimato, aqui, não deve ser lido na chave reativa de um “retorno ao armário”, dado o caráter confrontacional das performances e movimentos de vida de Ana; é, isto sim, uma forma de esconder-se sob a luz dos holofotes e de preservar a própria força e singularidade, em face do consumo intensivo de sua imagem pelos circuitos por que passa. Contém fragmentos do texto de Jota Mombaça para Revista Select, Edição Nº: 38, Abril 2018.


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ELLI CIRIACO Devo desculpas acima de tudo pela ausência. Nas situações de aflição eu me retraio, emudeço e esqueço de contar com minhas irmãs, minhas amigas. Nunca estive tão apreensiva. Tudo parece um grande turbilhão que engolirá cada parte do meu corpo, cada fragmento do que sou. É uma espiral de situações que me deixam fraca. Apesar de saber que a fragilidade é força, fui criada e deixei-me ser criada por performances e formas de masculinidade embrutecidas que negam a fraqueza, que abominam a fragilidade. Sinto os resquícios dessa educação no meu modus operandi, e essa profundidade de violências das quais sofri, que criaram performances encouraçadas; que diariamente atravessam meu corpo carne-político. E isso me deixa temerosa... Exatamente porque esqueço de contar com aquelas que também lutam contra todas essasconstruções, assim como, tento timidamente fazer. Tenho medo de fracassar – como é engraçado o que o capital faz a nossos corpos, não é? Eu penso como lidar com tudo isso. Às vezes eu só acordo na madrugada e passo algumas horas chorando, choro mudo, silenciado que tenta esconder que eu não sei o que fazer. Tenho tentado partir para a imaginação, criar nossos sentidos e narrativas. Na maioria das vezes não consigo ou não tenho força para empenha-las. Mas, continuo tentando, seguindo... Hoje uma amiga, que amo muito, falou que ausências podem dar a entender que somos descartáveis... Acho que esse foi o impulso para escrever. Imaginar que amigas minhas possam sentir isso foi forte demais. Não quero criar esse sentimento. Queria ao contrário criar um sentimento de rede, de afetos. Somos ainda mais fortes unidas, curaremos nossas feridas juntas, estreitemos laços.


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Li a um tempo um texto da Jota Mombaça que diz “eles virão para nos matar, porque não sabem que somos imorríveis. Não sabem que nossas vidas impossíveis se manifestam umas nas outras. Sim, eles nos despedaçarão, porque não sabem que, uma vez aos pedaços, nós nos espalharemos. Não como povo, mas como peste: no cerne mesmo do mundo, e contra ele.” Sabemos quem são “eles”, mas, “eles” não sabem que começamos a nos unir ainda mais, que juntas nutrimo-nos umas nas outras, e, apesar das vezes que calo, e me escondo sob as cobertas na minha cama, que tenho medo de seguir, que me vejo sem condições ou forças, saber que vocês estão ao meu lado é a tônica pra não desistir. Um grande beijo Elli



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JORGE LOPES De pés descalços carrego uma moringa em estado vazante. A minha memória tem gosto de terra, o meu caminho é feito na poeira do chão. Escrevo para alcançar presença. Eu sou a travessia. _______________________________________________________________ Estar em performance ou pensar o meu processo criativo é de algum modo, legitimar a minha linguagem, escoar. Refletir a minha construção identitária ressignificando as questões que são inerentes ao meu corpo. Um corpo atravessado pela dança na condição de corpo-texto, associado afundamentos simbólicos e poéticos no exercício da escuta. É também, reverenciar os passos daqueles que vieram antes de nós.



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LYZ PARAYZO Série Putinha Terrorista 2016-2018 Panfletos (site specific) de prostituição com telefone e endereço de instituições de arte. Papel colchê 10 x 15 cm (cada)


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Memorial ao fantasma Granito, vidro, comprovante de voto e cartĂŁo postal 2018


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YHURI CRUZ Essa obra nasce da urgência e do luto. Após a morte de Marielle Franco me senti muito deprimido e pesado. Algum tipo de percepção negativa do mundo despertou em mim naquelas primeiras semanas pós-execução. Precisava elaborar a angústia dentro de mim e precisava fazer disso um ponto de ebulição artístico. Precisar no sentido de existir mesmo. Resolvi criar um túmulo, uma tumba, uma placa mortuária. Algo que ninguém poderia duvidar: que era sobre dor, sobre morte. Na placa gravo o duo PRESENÇA / FANTASMA tentando entender as camadas fantasmagóricas da realidade. No vidro coloco um cartão-postal de 1945 que encontrei na feira de antiguidade da praça 15, onde um soldado elogia o outro sobre o trabalho bem feito em meio ao Estado Novo de Getúlio Vargas. Coloco também meu comprovante de voto, justamente o papel que comprova meu voto na Marielle. Carimbo MARIELLE FRANCO atrás, virado pra parte do Fantasma. É sobre a política de morte. É sobre nossos dias, há séculos. #MariellePresente


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AGRADECIMENTO FINAL Benedito Brasileiro e Larissa Brasileiro Silva por nos alimentar. Grupo Vira-Lata de Teatro, Cine Clube Diversidade e MUCANE - Museu Capixaba do Negro “Verônica da Pas”, pela acolhida e parceria. Alexsandro Rodrigues e Fabrício Fernandes pela coragem. Artistas que integram este livro: Ana Vitória, Amanda Dias, Ana Giza, Castiel Vitorino Brasileiro, Daniele Candido Cezar, Elli Ciriaco, Felipe Lacerda, Gelso de Souza Vieira, Guilhermy Pereira Duarte, Henrique Tavares, Iaiá Rocha, Jorge Lopes, Lyz Parayzo, Larissa Rangel, Larissa Brasileiro Silva, Luara Monteiro, Max Ruan Peruzzo, Meiriele Goltara, Marcela Aguiar, Marcos Sales Bezerra, Matheus Moreira Nunes, Napê Rocha, Patricia Santana Gomes, Andressa Quitéria, Ramon Oliveira Gomes, Rodrigo Jesus, Roger Ghil, Ruck De Lacaia, Sâmila Candeia, Thairiny


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