Daniel F Collaço - Projetando a Pratica da Arquitetura - 2016

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PROJETANDO A PRÁTICA DA ARQUITETURA Modelos de gestão e negócios, desafios e desdobramentos da atuação profissional.

Daniel Fleming Collaço

São Paulo 2016



PROJETANDO A PRÁTICA DA ARQUITETURA Modelos de gestão e negócios, desafios e desdobramentos da atuação profissional.

Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Autor Daniel Fleming Collaço Orientador Prof. Dr. Gil Barros

São Paulo 2016


Autorizo a diculgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte


Dedico este trabalho a todos meus colegas que enfrentam, todos os dias, as dificuldades de praticar a arquitetura e buscam incessantemente por respostas.



“O grande Khan já estava folheando em seu atlas os mapas das ameaçadoras cidades que surgem nos pesadelos e nas maldições: Enoch, Babilônia, Yahoo, Butua, Brave New World. Disse: — É tudo inútil, se o último porto só pode ser a cidade infernal, que está lá no fundo e que nos suga num vórtice cada vez mais estreito. E Polo: — O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.”( Ítalo Calvino, As cidades invisíveis)



AGRADECIMENTOS À FAUUSP e à EPUSP, enquanto instituições de ensino públicas, que me capacitaram com os conhecimentos e postura, que me permitem enxergar o mundo de outra forma, para intervir em sua melhoria. Às instituições de pesquisa e os laboratórios da FAUUSP que me auxiliaram atuar fora dos limites da faculdade. Ao meu orientador, que confiou em mim, e me mostrou os caminhos para realizar esta pesquisa, me encontrando semanalmente durante um ano. A todos os professores, que se disponibilizaram em compartilhar o seu conhecimento comigo. Em especial ao Silvio Macedo, que me mostrou como expandir meus limites e tantos outros conhecimentos e vivências durante os dois anos no QUAPA, e à Karina Leitão, pela constante militância em favor de um mundo melhor, ensinado sempre com muito amor. Agradeço a todos os arquitetos que disponibilizaram seu tempo para as entrevistas realizadas nesta pesquisa, sem os quais ela seria incompleta. Aos meus colegas, que compartilharam risadas e angústias nestes 8 anos de formação. Em especial àqueles de longa e nova data, de momentos que se foram e ainda virão. Alberto, Alexandre, Anne, Aru, Bruno, Camila, Carol, Cesco, Christina, Dedeu, Didi, Drica, Elena, Evelyn, Fabinho, First, Fuzile, Gabi, Georg, Hirata, Hiro, Joana, Jaime, Joyce, Kinha, Lucas, Leti, Lia, Lidia, Marina, Mari, Marietta, Miquel, Mika, Nastia, Patrick, Rafa, Raísa, Rennan, Rodolfo, Serra, Suzuki, Tchaba,Tati, Vitor, Will, Zinho. Ao meu amigo Willian Valério, pelo respeito e dedicação na revisão de meu texto, e pelo apoio moral nos dias que se seguiram. À Gabriela Villas Bôas pelas orientações de como montar meu caderno e todas as outras que ela me proporcionou durante a graduação. Gostaria de agradecer à minha família, grande bastião de formação do meu indivíduo, em especial à minha mãe, pela dedicação integral e pelos sempre renovados exemplos de vida.



RESUMO Esta pesquisa trata da prática da arquitetura. Eu busquei criar um ferramental teórico e prático pra analisar como se pratica a arquitetura hoje, delinear os desafios enfrentados pelos arquitetos, e buscar maneiras de superá-los podendo constituir novos modelos de atuação. Primeiramente, através de um retrospecto histórico procuro discutir como as atribuições do arquiteto mudaram no tempo e quais eventos impactaram no posicionamento dos profissionais da área, resultando na constituição de nossa prática atual. Em seguida, defendo a tese que o arquiteto possui capacidade para lidar “projetualmente” com os diversos elementos que constituem a sua prática, além do projeto, como aspectos gerenciais, comerciais e administrativos. Dessa forma, viso quebrar as fronteiras que condicionam a prática da arquitetura unicamente pautada na qualidade do projeto espacial. Nesse sentido, procuro elencar quais elementos constituem a prática profissional de escritórios de arquitetura e urbanismo, a fim de representá-los graficamente por meio de modelos, no intuito de analisar o funcionamento dos escritórios e, se necessário, propor novos formatos de organização. Na etapa seguinte, entrevistei seis escritórios em São Paulo, aos quais foram apresentados os resultados da pesquisa. A partir das entrevistas elenquei temas considerados relevantes ao desafio da prática arquitetônica que condiziam ou contestavam as hipóteses levantadas neste trabalho. Por último, busco defender a ideia de que é necessário inovar na prática da arquitetura, frente a sua predominância em mercados restritos, e os modelos saturados que reproduzem paradigmas, de certa forma, já ultrapassados, que não contribuem para a penetração de nossa profissão de forma mais abrangente e estruturada.



ABSTRACT This research deals about the practice of architecture. I have attempted do create practical and theoretical tools in order do analyse how architecture is practiced today, outlining the challenges faced by architects, and looking for manners to overcome them, in ways it can constitute new practice models. First, through a historical retrospect, I intend to discuss how architect’s attributes changed throughout time, and which events had an impact on the actual professional constitution. Following, I defend the idea that the architect has the capacity to deal on designerly ways with several elements that compose their professional practice, besides the project, including managing and comercial aspects. Therefore, I intend to break the boundaries that condicionate the practice based mainly on the spacial quality of the design. Furthermore I try to graphically represent the elements of a professional practice in order to analyse and propose new models. I have then interviewed six architecture offices in São Paulo, to whom were presented the resarch results. Accordingly to each interview, I selected the most relevant challenges to the architectural practice. Finally, I defend the idea that it is necessary to innovate on acrchitectural practice, taking account its restricted penetration on selected markets, and old production paradgims that may be, today, an obstacle for a wider penetration of architecture in society.



SUMÁRIO 1.

INTRODUÇÃO....................................................................................................1

2. 2.1. 2.2. 2.3. 2.4. 3. 3.1. 3.2. 4. 4.1. 4.2. 4.3. 4.4. 4.5. 5. 5.1. 5.2. 5.3. 6. 6.1. 6.2. 6.3. 7. 7.1. 7.2. 7.3. 7.4. 7.5. 7.6. 7.7. 7.8. 7.9

AS ATRIBUIÇÕES DO ARQUITETO As diferentes atribuições do arquiteto na história..........................................7 A formalização da profissão no Brasil.............................................................11 As faculdades de arquitetura............................................................................17 O posicionamento do arquiteto........................................................................20 ARQUITETURA ALÉM DO PROJETO? O pensamento projetual....................................................................................31 O projeto como processo...................................................................................33 UM MODELO DE GESTÃO PARA ARQUITETURA Gestão arquitetônica..........................................................................................41 O modelo de Alharbi, Emmit e Demian.........................................................43 O modelo de Oliveira........................................................................................45 Conclusçoes dos modelos apresentados........................................................48 Novos modelos de gestão.................................................................................51 UM MODELO DE NEGÓCIOS PARA ARQUITETURA O valor na arquitetura.......................................................................................63 O business model canvas..................................................................................65 O canvas aplicado na arquitetura....................................................................78 ENTREVISTA A ESCRITÓRIOS Objetivos..............................................................................................................91 Metodologia e resultados..................................................................................92 Reação dos entrevistados ao tema e aos modelos.........................................97 OS DESAFIOS DA PRÁTICA DA ARQUITETURA Especialistas e generalistas.............................................................................107 Um novo modelo de gestão............................................................................111 Quantificando a arquitetura...........................................................................114 Quanto custa um arquiteto?...........................................................................118 A estrutura organizacional.............................................................................123 A captação de clientes .....................................................................................130 O relacionamento com clisntes......................................................................132 Interlocução com a sociedade ........................................................................134 A inovação na arquitetura..............................................................................140

8. CONCLUSÕES................................................................................................147 9. APENDICES, LISTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................153



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INTRODUÇÃO



Essa pesquisa é uma busca por posicionamento. Mas através de outro viés, não somente pelos projetos concluídos, ou publicados dos diversos escritórios e arquitetos, pelos resultados de suas intervenções, nem pelo produto final da arquitetura, ou seus referenciais ideológicos. Não estou analisando a arquitetura somente como manifestação cultural, mercadoria ou proposição teórica, e sim buscando delinear as suas formas de produção intrínsecas, que a influenciaram e continuam conduzindo seu caminho, muitas vezes, de forma silenciosa. Não estou abordando a prática somente de uma maneira ampla, estruturalista, na escala da macroeconomia ou das influências políticas sobre as legislações, restrições, deveres e possibilidades oferecidas ao arquiteto, ainda que esses temas sejam parte integrante do assunto. O que busquei foi compreender, na pequena escala, no dia a dia, a forma como nós produzimos a arquitetura. Buscando, nesse sentido, olhar de dentro dos escritórios para fora — procurando entender para onde cada um está mirando. Por que uma profissão com tanto potencial para qualificar o ambiente construído, parece enclausurada no momento que ela deixa o fértil campo das universidades? Avaliando internamente as nossas estruturas, eu busquei onde estão os entraves: será que não estão dentro da própria forma de reprodução da arquitetura, em seus de modelos de atuação? Não acredito que seja possível, no tocante à nossa prática, que o mote da relação entre forma e conteúdo — ou modelo de prática e qualidade da arquitetura — não se aplique. Tampouco, que nós, arquitetos, não possamos penetrar melhor na sociedade, no mercado, nas comunidades sem passar pela própria crítica da forma como praticamos a arquitetura, de como ela é feita. Como é, ou deveria ser, o processo de transformação em que tornamos as ideias, realidade – uma realidade melhor, mais digna e igualitária. A meu ver, a prática da arquitetura deveria ser analisada, proposta, sintetizada e revista tantas vezes o quanto fazemos com nossos projetos, pois da mesma forma que o arquiteto está inserido numa sequência de eventos anteriores e posteriores à sua intervenção, também o projeto está imerso numa lógica de dependência com as atividades que o conectam ao mundo externo e o tornam aquilo que acredito ser a sua essência: um meio para a transformação. Portanto, o principal objetivo desta pesquisa é buscar criar um ferramental teórico e prático que possa permitir ao arquiteto enxergar mais uma das múltiplas faces da arquitetura, a da mercadoria, visando praticá-la da melhor forma possível, para além dos livros, das telas, das palavras, para gerar impacto. Este trabalho é divido em sete capítulos. O primeiro busca realizar um breve retrospecto histórico, constatando como as atribuições do arquiteto mudam com o tempo. Em seguida, busco explicar como foi a formalização da profissão do arquiteto no Brasil, nascida no bojo da engenharia, influenciada pelo movimento moderno, e quais ecos dessa época ainda ressoam hoje. No subcapítulo seguinte, tento demonstrar de que maneira os arquitetos buscaram sua autonomia através das faculdades e depois das instituições profissionais, e como o ensino influenciou no projeto do arquiteto urbanista moderno e do atual. Por último, descrevo os

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posicionamentos do arquiteto no contexto de polarização ideológica da década de 60, que gerou diversos paradigmas carregados ainda hoje, como a separação entre canteiro e projeto, os arquitetos de mercado e os liberais e, principalmente, a criação de formas específicas de lidar com a dificuldade de transformação da arquitetura em mercadoria. No capítulo seguinte, busquei explorar a ideia do projeto como uma forma de inteligência humana, entendida como “pensamento projetual”, do qual a arquitetura faz parte e não vice-versa. Também afirmo a visão do projeto como um processo inserido numa escala maior de produção, sendo composto essencialmente por um fluxo de informações. Nesse ponto, começam a ser delineadas as esferas de atuação do arquiteto, que se tornam cada vez mais complexas à medida que ele se insere na sociedade, exigindo diferentes atributos além do projeto stricto sensu. Por fim, lanço a hipótese de que o pensamento projetual do arquiteto pode também ser utilizado para projetar a sua própria prática profissional, criando dessa forma novas possibilidades de atuação. Em seguida no capítulo três, procuro entender quais elementos constituem a prática profissional da arquitetura, além do já mencionado projeto. Para isso são relacionados artigos que tratam da gestão na arquitetura e, principalmente, é utilizada como referência a tese de doutorado de Oliveira (2002), que cria um modelo de gestão para pequenas empresas de projeto de edifícios. Esse modelo é estudado e adaptado para o contexto da arquitetura, buscando criar uma representação gráfica genérica do funcionamento de um escritório de arquitetos urbanistas. No capítulo quatro, eu tento comprovar que no modelo de gestão faltam elementos próprios de um negócio, ou seja, ele representa somente parte do que se entende, de acordo com o livro sobre modelos de negócios de Osterwalder e Pigneur (2011), como os elementos constituintes de uma empresa, possuindo um caráter mais prescritivo. Em oposição, neste capítulo eu explico, e utilizo, a ferramenta do canvas tendo em vista analisar modelos de negócio e sintetizar novas possibilidades para a prática profissional da arquitetura. Nesse sentido, lanço a hipótese de que a arquitetura possui espaço para inovação, em seu modelo de negócio, principalmente nos elementos com os quais ela se relaciona com a sociedade, não nas estruturas de custo, na gestão ou no ato de projeto, que já possuem de certa forma, abordagens prontas para lidar com seus desafios. No capítulo cinco, vendo a necessidade de validar as hipóteses levantadas, procurei fazer entrevistas a escritórios de arquitetura e urbanismo em são Paulo, apresentando-lhes os resultados e questionamentos encontrados na pesquisa, através da metodologia de análise qualitativa, por meio de entrevistas semiestruturadas, que abordassem os temas dos modelos de gestão e negócios. Nos tópicos deste capítulo a metodologia é detalhada, assim como os resultados imediatos da reação dos entrevistados. O capítulo seis apresenta uma compilação dos dados coletados nas entrevistas, que resultaram no que achei apropriado nomear como “os desafios da prática da arquitetura”, a diversidade de temas encontrada foi muito grande, mas foi pos-

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sível agruppa-la nos nomes dos respectivos subcapítulos, montando desta forma um panorama do que um escritório de arquitetura enfrenta na sua prática diária, e quais hipóteses da pesquisa foram refutadas, alteradas ou confirmadas. O capítulo sete é resultado das conclusões tiradas no capítulo anterior de que a arquitetura ainda possui dificuldade de penetrar nas classes de menor renda e de lidar com a sua transformação em mercadoria. Após elencados os desafios, conclui-se que para superá-los da melhor forma, é necessário também buscar novos meios de enfrentá-los, podendo nesse sentido, resultar na constituição novos modelos de negócio. A arquitetura está sempre se transformando, nesse sentido, notamos em um retrospecto histórico que o arquiteto perdeu parte de seu campo de atuação a outros profissionais, por motivos de posicionamento político, legal e institucional da profissão, e que ainda hoje, lutamos com ideias divergentes, dos próprios arquitetos e da sociedade, sobre o que de fato fazemos. Dessa forma, acredito que uma das tarefas da geração de arquitetos hoje, no Brasil, é mostrar qual é o nosso papel na sociedade e, se necessário, dotá-lo de novo significado. Que ultrapasse os preconceitos do arquiteto como um artigo de luxo, em direção à forma com a qual ele possa contribuir para a construção da uma sociedade melhor, em busca do projeto em todas as instâncias. E para isso o arquiteto deve compreender que ele não faz nada sozinho, que ‘’fazer projeto’’ é somente uma parte de praticar arquitetura, e que principalmente é somente sabendo praticá-la, em toda a sua complexidade, que ela se concretiza. Eu acredito que, discutindo as diversas formas de se posicionar frente às questões da sociedade de mercado, é possível enfrentar com maior eficácia as barreiras colocadas para a prática mais profunda e abrangente de nossa profissão. É necessário abrir espaço.

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AS ATRIBUIÇÕES DO ARQUITETO



2.1. AS DIFERENTES ATRIBUIÇÕES DO ARQUITETO NA HISTÓRIA A arquitetura é uma profissão muito antiga e as definições de seu papel na sociedade se alteram em sintonia com o contexto histórico no qual ela se encontra. Lidando com as necessidades de seu tempo, ela constantemente se atualiza, transformando a sua carga histórica em novos paradigmas conceituais e proposições formais. De acordo com o artigo de Márcio M. Fabrício, em “O arquiteto e o coordenador de projetos” (2008), irei resumidamente destacar a evolução das atribuições do arquiteto buscando traçar os paralelos com a prática atual desta profissão. No início, com suas ferramentas rudimentares de representações e manipulação dos materiais, o ambiente era transformado de acordo com a habilidade cognitiva inata do ser humano e o arcabouço intelectual disponível, dando origem ao que se conhece hoje como a arquitetura vernacular, ou seja, artefatos e estruturas para atender às necessidades imediatas de habitação, locomoção, conforto, entre outros, produzidos de forma intuitiva e artesanal. Durante a antiguidade clássica (I séc a.C), o tratado De Architectura de Marcus Vitruvius Pollio lança as bases para a compreensão mais abstrata e teórica da arquitetura que “deixa de ser uma atividade exclusivamente empírica e agrega um componente intelectual atrelado a considerações abstratas e formais” (FABRÍCIO, 2008, p. 29) A partir deste tratado, pode-se qualificar a arquitetura em três categorias: Firmitas, Utilitas e Venustas, correspondendo em tradução livre à firmeza, utilidade e beleza, as três sendo de responsabilidade do arquiteto, considerado então, um profissional polivalente. As categorias denotam o que se entendia como os atributos de uma boa arquitetura: “os requisitos mecânicos e estruturais, a habitabilidade, a estética das edificações, as características ‘projetuais’ e construtivas, geometria, propriedade dos materiais etc” (FABRÍCIO, 2008, p. 29). Na Renascença, o arquiteto é compreendido como grande humanista, capaz de sintetizar os conhecimentos do homem em sua obra. Esse ideal é representado por figuras como Filippo Brunelleschi (1377-1446) e sua obra prima a cúpula de 42m de diâmetro, da catedral Santa Maria del Fiore, união da apreciação estética, das técnicas de representação e da compreensão primordial do comportamento estrutural. Ainda que ficasse clara a existência do projeto como elemento articulador das soluções espaciais, funcionais estruturais, até esse momento, não há separação aparente entre o projeto e a produção empírica, participando o arquiteto de todo o processo de constituição da arquitetura, representada principalmente pelo seu objeto final, a edificação. A partir do século 17 o conhecimento científico quantitativo se estrutura com o surgimento dos grandes cientistas e o avanço do ferramental matemático, dando origem às escolas de engenharia para responder às novas demandas tecnológicas. Esse ponto é muito importante, pois como afirma Fabrício “A arquitetura com raízes mais antigas na prática profissional dos grandes mestres também passa a contar com a formação nos cursos de belas artes e, posteriormente, nas escolas su-

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periores de arquitetura” (FABRÍCIO, 2008, p.5). Consequentemente, nesse ponto, inicia a diferenciação entre os arquitetos e os engenheiros cujos reflexos percebemos até os dias atuais. Na revolução industrial dos séculos 18 e 19 os caminhos separados dos engenheiros e arquitetos se formalizam como sendo o primeiro responsável pelo projeto tecnológico, o segundo pelo projeto artístico. Da mesma forma, nesse período ocorre mais uma importante diferenciação: as formas de produção, antes artesanais, tendem a ser cada vez mais industrializadas lançando as bases para a construção pré-fabricada e racionalização dos canteiros a serem consolidadas nas décadas seguintes. Ainda de acordo com Fabrício (2008, p. 5) a cisão entre execução e projeto é inerente ao contexto da era tecnológica, na qual: “o pensar é relacionado ao conhecimento formal e abstrato das ciências e das artes e, posteriormente, é associado às técnicas de produção. Assim o pensar e o fazer são dissociados e exigem habilidades distintas.” Ou seja, pode-se inferir que a separação da execução e a formalização do projeto foi consequência da compilação de fatores no momento histórico entre os séculos 17 e 19. Posteriormente veremos que especificamente no contexto brasileiro esta cisão possui alto caráter ideológico embasado em um posicionamento de repulsão ao mercado. Finalmente, no início do século 20, com o surgimento do movimento moderno, dentro dos contextos das vanguardas artísticas, a arquitetura rompe com suas origens das belas artes e busca assimilar a estética e o pensamento da era da máquina, modificando radicalmente o seu caminho numa tentativa de reconciliação com uma forma de atuação menos empírica, fundamentada nos preceitos racionais e funcionais. Como podemos verificar na descrição de Argan (1992) acerca dos princípios gerais do movimento funcionalista:

1. 2. 3. 4. 5.

“a prioridade do planejamento urbano sobre o projeto arquitetônico; o máximo da economia na utilização do solo na construção, a fim de poder resolver mesmo que num mínimo de existência o problema da moradia; a rigorosa racionalidade das formas arquitetônicas, entendidas como deduções lógicas(efeitos) a partir de exigências objetivas (causas); O recurso sistemático à tecnologia industrial, à padroni zação, à pré-fabricação em série, isto é, a progressiva industrialização da produção de todo tipo de objetos rela tivos à vida cotidiana (desenho industrial); A concepção da arquitetura e da produção industrial qualificada como fatores condicionantes do progresso social e da educação democrática da comunidade.” (ARGAN, 1992, p. 264)

Nesse pequeno excerto do texto de Argan notamos claramente a submissão da arquitetura ao urbanismo, os aspectos da habitação mínima e a racionalização da

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arquitetura, ideais oriundos do contexto do pós-guerra europeu e que servirão de base para o projeto de formação do novo arquiteto no Brasil, então designado como arquiteto urbanista. Em seu artigo sobre “designerly ways of thinking” Cross (2007) também afirma que nesse período se inicia a consolidação da abordagem cientifica do projeto, que seria retomado na década de 60 com os métodos de projeto ( traduzido do inglês Design Methods). Ele ainda constata como o movimento moderno estava impregnado de uma negação aos aspectos subjetivos na arte e no projeto, conforme citado por Theo Van Doesburg, artista iminente do novo estilo De stijl: “Our epoch is hostile to every subjective speculation in art, science, technology, etc. The new spirit, which already governs almost modern life, is opposed to animal spontaneity, to nature’s domination, to artistic flummery. In order to construct a new object we need a method, that is to say, an objective system” (VAN DOESBURG, 1923 in CROSS, 2007 in Design Research Now, 2007, p. 41)

Também de acordo com Cross, no segundo CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) em 1929, Le Corbusier define a casa como a máquina de morar e a arquitetura moderna como uma forma de ciência, ou seja, buscando dotar a prática de um viés científico e racional versus o empírico e artístico que predominava até então. “The use of the house consists of a regular sequence of defined functions. The regular sequence of these functions is a traffic phenomenon. To render that traffic exact, economical and rapid is the key effort of modern architecture science( CORBUSIER, 1929, in CROSS, 2007, in Design Research Now, 2007, p. 41)

Em seu manifesto, “Por uma Arquitetura” de 1921, Le Corbusier já preconizava nesse contexto a distinção das atribuições entre arquitetos e engenheiros: “Eis aqui silos e fábricas americanas, magníficas primícias de novos tempos. Os engenheiros americanos esmagam com seus cálculos a arquitetura agonizante”. Nesse sentido ele ainda distingue claramente as posturas de ambos profissionais ao afirmar que “a construção é para sustentar; a arquitetura é para emocionar” e denotando como elas eram opostas, porém complementares. No excerto abaixo ele ainda discursa sobre a diferença da estética do engenheiro, e a do arquiteto, uma em “pleno florescimento” e a outra “em penosa regressão”: “O engenheiro, inspirado pela lei da economia e conduzido pelo cálculo, nos põe em acordo com as leis do universo. Atinge a harmonia. O arquiteto, ondenando formas, realiza uma ordem que é uma pura criação de seu espírito; pelas formas afeta intensamente nossos sentidos, procovando emoções plásticas; pelas relações que cria, ele desperta em nós ressonâncias profundas, nos dá a medida de uma ordem que sentimos em consonância com a or-

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dem do mundo, determina movimentos diversos de nosso espírito e de nossos sentimentos; é então que sentimos a beleza” (CORBUSIER, 1921, p. 3)

Conforme afirma Fabrício, nesse momento são lançadas as bases para a situação atual que vivemos, no Brasil, na qual ocorre uma segmentação e sobreposição de especialidades, nem sempre clara ou bem resolvida em termos legais ou de mercado, entre os engenheiros e arquitetos: "De fato, o paradigma taylorista-fordista de produção, assimilado pela arquitetura moderna, traz consigo uma contínua e crescente separação entre o projeto e a execução, pautados em um ideal de industrialização das construções que se desenvolve em uma visão de sistema, subsistema, e componentes construtivos a demandarem soluções especializadas e, por conseguinte, projetos parcelados de especialidades” (CASTRO, 1999 in FABRÍCIO, 2008 p. 31) Desse modo, deve-se destacar que existe uma relação muito importante a ser levada em conta quando tratamos das atribuições dos arquitetos que é a sobreposição da nossa profissão com a do engenheiro que constrói e projeta de forma diferente da do arquiteto e, no entanto, é complementar ao mesmo, mas a falta de clareza desta condição pode levar a assimetrias do papel do engenheiro e do arquiteto na produção e qualificação do ambiente construído, assim como uma disputa acirrada por espaço em posições privilegiadas da cadeia construtiva. Assim sendo, é possível elencar eventos marcantes para a prática da arquitetura e urbanismo como conhecemos hoje relacionados à alternância entre as figuras da execução, do projeto, do avanço artístico científico e tecnológico, do surgimento de novas profissões e da crescente complexidade do ramo. Resumidamente temos a seguinte linha do tempo: • • • • • • •

A arquitetura vernacular é realizada de forma holística e artesanal; Séc I a.C - a compreensão da arquitetura em suas dimensões estética, fun cional, e construtiva; Séc XV - o arquiteto é entendido como humanista capaz de mobilizar to das as disciplinas de conhecimento; XV a XVII – há a compreensão do projeto (pensar) e da execução (fazer) como saberes distintos; Séc XVIII e XIX – ocorre a separação entre projeto artístico e tecnológico e surgimento dos engenheiros; Séc XX - a reaproximação da arquitetura ao racionalismo e do projeto ao método científico através do movimento moderno; Séc XXI - A segmentação dos projetos em direção a uma produção cada vez mais complexa e especializada.

Concluindo, pode-se afirmar que é próprio da arquitetura se transformar e procurar novas formas de reprodução e significado que se adequem ao espírito de seu

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tempo, pois em última instância ela é uma formalização das necessidades humanas. O gráfico abaixo procura representar as alternâncias do caminho trilhado pela nossa profissão, segundo interpretei a partir do artigo de FABRÍCIO(2008):

Figura 1 - Diagrama de atribuições do arquiteto conforme minha interpretação do artigo do FABRÍCIO(2008)

2.2. A FORMALIZAÇÃO DA PROFISSÃO NO BRASIL Em dezembro 2010 foi publicada a Lei nº 12.378 que “Regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo; cria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil - CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal - CAUs; e dá outras providências” A cargo dos Conselhos de Arquitetura do Brasil e suas divisões por Estado foram determinadas as atividades privativas e compartilhadas dos arquitetos. No entanto, como afirmado pela resolução Nº51 de 2013: “Cumpre referir que este normativo se reveste de importância capital tanto para a Arquitetura e Urbanismo como para seus profissionais, os quais há décadas vêm assistindo várias

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das atividades técnicas que historicamente foram reconhecidas como de sua alçada – projeto arquitetônico, urbanístico e paisagístico, e aquelas do âmbito do patrimônio histórico – sendo indevidamente exercidas por outros profissionais que não têm a necessária formação acadêmica que os credencie para tal.”

A luta pelo espaço do arquiteto no Brasil remonta ao fim do século passado, e como podemos notar a partir do trecho acima, atualmente ainda enfrentamos as consequências do processo de autonomia da profissão do arquiteto. Para adentrar nesta discussão é necessário antes definir o que se compreende como uma profissão. Em primeiro lugar, uma prática profissional tem uma barreira de entrada e uma forma de reconhecimento. Portanto, somente poderá exercer a profissão de arquiteto aquele que possuir um documento comprovando a sua qualificação respaldada pelos órgãos reguladores de determinado país. Em geral, os próprios profissionais se organizam para definir os requisitos que constituem sua profissão. Atualmente há um processo de seleção e educação nas universidades, seguido do registro do profissional nos conselhos de arquitetura e nas prefeituras das cidades. Mas não foi sempre assim. A partir das teses de Segnini (2002) e Silva (2010) podemos notar que ocorre um movimento de organização profissional do arquiteto no final do século XIX e início do século XX. No Brasil esse processo se deu na década de 1930 para o qual foram utilizados como referência códigos e práticas estrangeiras principalmente dos franceses. Segundo Segnini (2002) a profissão do arquiteto começa a se organizar na França, no século XIX quando surge a figura do diploma como ferramenta necessária para por fim “aos inconvenientes da liberdade absoluta no exercício profissional”(SEGNINI, 2002 p. 14) ou seja, para garantir que somente profissionais diplomados exerçam a profissão e cercar o mercado de atuação do arquiteto da entrada de mestres de obra, construtores práticos, autodidatas ou profissionais de outras áreas. Ainda de acordo com a tese de Segnini (2002), Julien Guadet, patron da Ecole de Beaux Arts em 1881 inicia um movimento de organização de seus 44 arquitetos diplomados em uma comunidade reconhecida como SADG – Societé de Architects Diplomés par le Government, que mesmo sendo admitida pelo governo, não bastou ao status dos arquitetos da época. Para serem reconhecidos como profissionais disciplinados e honrados eles redigiram um código de conduta chamado código Guadet em 1895 (SEGNINI, 2002 p. 16). O código foi referência por muitos anos e influenciou o código de ética profissional dos arquitetos, brasileiro, redigido pelo CONFEA em 1971 por meio da resolução 205 (SEGNINI, 2002 p. 22). O código Guadet define as atribuições do arquiteto e afirma que a arquitetura não é uma profissão comercial, é outra coisa, chamada de profissão liberal. O arquiteto não é comerciante, empresário ou industrial, ele é um “artista prático”. Na página seguinte podemos ler o código conforme apresentado pela tese de Segnini (2002).

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(SEGNINI, 2002, p. 11; tradução do código Guadet)

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É muito interessante para delinearmos o posicionamento profissional do arquiteto os itens 1, 2, 4, 16, 17, 20 e 21. A atualidade destes temas é chocante, pois ainda hoje ouvimos expressões que desprezam os “escritórios comerciais” ou os “arquitetos de mercado”, da mesma forma como diversas práticas ilegais, como comissões de fornecedores, já eram refutadas dois séculos atrás. Deve-se destacar a definição do arquiteto como um artista, que é também um prático: “sua função é conceber e estudar a composição de um edifício, dirigir e supervisionar a execução, verificar e organizar as contas das despesas que lhe são relativas” e o caráter de “profissional liberal”, ou seja, não participa das práticas de mercado “ele jamais se submete ao jogo de ganhos e perdas que é a essência do empreendimento empresarial, em contradição com o exercício da profissão liberal do arquiteto”.Concluindo, a profissão do arquiteto é vista como algo acima das práticas pejorativas de mercado, tanto que “um arquiteto que se transforma em empresário ou mandatário de empresa, incorporador, verificador, perde a qualidade de arquiteto. Ele não a perde sendo mandatário de um arquiteto”. Ou seja, o arquiteto deve ser reconhecido pelas suas obras e pago pelos seus honorários, tal qual um artista, se abstendo de “fazer visando vantagens pessoais, anúncios, reclames ou ofertas de serviços por meio de jornais, cartazes, prospectos, ou outros meios de publicidade em uso nas profissões comerciais”. Ainda que tenhamos sido influenciados fortemente pelos franceses, de acordo com Vidotto e Monteiro (2015, p. 24) ocorre uma regulamentação da profissão do arquiteto em diversos países da Europa concomitantemente: na Polônia (1921), em Portugal (1925), na Bélgica e França (1926), na Espanha e Inglaterra (1929) e na Itália (1923) de onde arquitetos como Rino Levi e Gregori Warchavchik influenciaram cultura arquitetônica brasileira. Logo, havia uma discussão em diversos países acerca das atribuições dos arquitetos, devido às mudanças do contexto socioeconômico principalmente na Europa com o movimento moderno e o período entre guerras. No Brasil, segundo a tese de Silva (2010), nos anos de 1920 e 1930 a profissão do arquiteto estava em vias de consolidação. Ainda não havia escolas de arquitetura propriamente ditas e o profissional era formado ou pelas Belas Artes ou pela Escola Politécnica de São Paulo como uma forma de especialização da engenharia. Em 1924, é promulgada lei 4793 que cria o Conselho Regional de Engenharia Agrimensura e Arquitetura (CREA) responsável por regulamentar prática da arquitetura e engenharia mediante diploma emitido por instituição certificada. Segundo Silva (2010, p. 83) o intuito principal do decreto foi “estabelecer uma reserva de mercado que lhes garantisse um campo de trabalho exclusivo” semelhante ao caso francês, limitando a atuação de mestres e obra, artesãos e construtores práticos. Em 1933 o decreto nº 23.569 regulamenta a lei de 1924 e garante o direito de construir e projetar somente aos diplomados ou profissionais licenciados. No contexto da época foi pouco discutida a diferenciação entre arquitetos e engenheiros, havendo sobreposição de atribuições como projeto e construção, havendo

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clara distinção somente para monumentos, decoração e paisagismo à cargo dos arquitetos e infraestrutura à cargo dos engenheiros. A luta pelo campo de atuação do arquiteto não foi tão acirrada frente à necessidade de regularização dos diplomados e a soberania das instituições dos engenheiros conforme afirma Silva: “Tanto a comunhão quanto as diferenças entre atribuições dos dois profissionais são reveladoras das disputas pelo campo, das diferentes concepções sobre a disciplina e das acomodações empreendidas para a provação da lei, tendo em vista um objetivo considerado à época mais importante do que a distinção entre engenheiros e arquitetos” (SILVA, 2010, p. 83)

Como se pode ver pela tabela abaixo, resumo do decreto, ambos os profissionais realizam as tarefas de projeto e construção de edifícios e serviços de urbanismo. Dessa forma, o decreto denota as peculiaridades da época: a sobreposição dos dois ramos de atuação (engenharia e arquitetura, projeto e construção) é fruto da própria contradição entre a prática do arquiteto nas pequenas empresas construtoras e o discurso dos arquitetos formados pela escola de Belas Artes.

Figura 2 - resumo do decreto 23.259/1933 que regula o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e de aqrimensor.

Dessa forma, em época de franca expansão no mercado imobiliário, os arquitetos começavam sua prática aliando-se a engenheiros civis ou engenheiros-arquitetos (VIDOTTO E MONTEIRO, 2015, p. 25) em pequenas construtoras, havendo pouca distinção entre projeto e obra. O decreto também apresenta uma visão da profissão oriunda dos IE (institutos de engenheiros) que acreditavam, de um lado, que arquitetura era uma especialização da engenharia, ou pela definição de Henri Lebrouste “a arquitetura é a estrutura revestida de uma forma de arte (ZANTEN in DREXLER, 1977, p. 208-11)” ( SILVA, 2010. p. 86)

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Arquitetos como Paulo Santos afirmavam que a construção era uma forma de viabilizar a prática da arquitetura, visto que no Brasil não se pagava por projeto. (SILVA, 2010, p. 88). Dessa forma durante 1930 e 40 não havia escritórios somente de projetos, estes seriam defendidos inicialmente por Levi e Warchavchik nas suas práticas profissionais, em alinhamento com uma mudança no posicionamento da arquitetura verificado na década de 1950. Portanto, no Brasil a nossa profissão se constitui sob a tutela dos engenheiros, competindo claramente no mercado da construção de edificações e delegando indiretamente ao arquiteto a função de um decorador, ou artista, rótulo que era compartilhado pelos arquitetos das Belas Artes, mas contradizia a direção que a profissão tomava no contexto moderno. Durante o período entre 1920 e 60 deve-se destacar a criação e atuação do núcleo paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/SP) que veiculou diversas publicações visando distinguir a atuação do arquiteto daquela do engenheiro civil, tendo em vista sua afirmação como um profissional autônomo executor de projetos autorais (VIDOTTO E MONTEIRO, 2015, p. 25). Nesse sentido foi organizado pelo instituto em 1945 o I Congresso Brasileiro de Arquitetos, no qual foi discutido e deliberado o projeto de lei 7918, com o intuito de criar as faculdades autônomas de arquitetura, que foi aprovado em 1945 pelo presidente Vargas, abrindo os caminhos para a autonomia da profissão. É possível montar uma breve linha do tempo dos eventos importantes que constituem a formação da profissão no Brasil: • 1816 – Escola Real das ciências, Artes e Ofícios; • No fim do século XIX a arquitetura é uma especialização da engenharia; • 1889 Primeiras turmas formadas pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo; • 1917 Primeiras turmas formadas pela Escola Politécnica do Instituto Mackenzie; • 1921 é fundado o IAB; • 1924 a lei 4793 estabelece o CREA; • 1930 é fundada a Escola de Arquitetura de Belo Horizonte, primeira faculdade de arquitetura do Brasil; • 1933 o Decreto 23.259 do CREA/CONFEA define as atribuições do arquiteto e engenheiro; • 1943 é fundado o IAB/SP; • 1945 é realizado o I Congresso Brasileiro de Arquitetos; • 1945 é aprovada lei 7918/1945 com o intuito de criar as faculdades autônomas de arquitetura; • 1945 é criada a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ); • 1947 é criada a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Mackenzie (FAM); • 1948 é criada a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP);

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• 1960-62 período em que ocorre a reforma de ensino que define o currículo mínimo de arquitetura; • 1961 é aprovada a portaria nº9 reformula o currículo da FAUUSP; • 1971 o CONFEA adota código de ética (influenciada pelo código Guadet); • 1971 é formado o sindicato arquitetos; • 1973 é formada a AsBEA; • 1985 é publicada a primeira revista AU; • 2010 é publicada a Lei nº12.378 que cria o conselho de arquitetura e urbanismo CAU/BR; • 2011 há mais de 99mil arquitetos registrados segundo CENSO realizado pelo CAU; Finalmente, de acordo com o que foi discutido até agora, podemos verificar a influência da engenharia na consolidação profissional do arquiteto no Brasil, e a tentativa destes de firmar o seu território de autonomia, para os quais três momentos são de vital importância: 1. 2. 3.

A criação do IAB como órgão articulador entre os arquitetos; a criação das faculdades desvinculadas com as escolas de Belas Ar tes e Escolas Politécnicas entre 1930 e 40; a criação do conselho de arquitetura em 2010, 77 anos após o CREA, separando definitivamente os arquitetos dos engenheiros, cujo le gado está ainda em formação.

2.3. AS FACULDADES DE ARQUITETURA A formação acadêmica dos arquitetos está intrinsecamente relacionada com o seu posicionamento, suas atribuições e a visão de mundo que deve ser impressa nos futuros representantes da profissão. Como mencionado no tópico anterior, até 1930 os arquitetos no Brasil eram formados ou pela Escola de Belas Artes ou como especialização da engenharia nas Escolas Politécnicas. Em paralelo à essa discussão, fervia na Europa o movimento moderno que tem a escola da Bauhaus como um dos seus grandes representantes. O currículo das então criadas faculdades de arquitetura, após 1930, foi muito influenciado pela Bauhaus e consolidou a formação de um novo perfil profissional: o arquiteto urbanista, pautado nos ideais de construção de uma sociedade moderna, distanciando-se das pequenas construtoras e parcerias com os engenheiros, que eram até então a principal porta de entrada do arquiteto no mercado. De acordo com o artigo de Vidotto e Monteiro e Monteiro (2015, p. 23) a Bauhaus iniciou sua estruturação em 1919 tendo sido fundada por Walter Gropius, que acreditava na conciliação de uma produção industrial com um aprendizado por meio de ofícios lecionado no ateliê, principal local de ensino, por artistas e artesãos de diversas áreas. O viés social da arquitetura foi adicionado com a diretoria de Hannes Meyer “com ele, iniciou-se o curso de arquitetura ao qual se adicionou à

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matriz criada pro Gropius do atelier, o ensino de ‘atender primeiramente as necessidades do povo, luxo depois’(DROSTE, 2001)”(VIDOTTO e MONTEIRO, 2015, p. 22) Ainda de acordo com o artigo, é delineado o que se acreditava ser o posicionamento do novo arquiteto, que responderia às necessidades de seu tempo, da institucionalização da máquina pública, do planejamento urbano e da industrialização da construção. Nesse aspecto começa a ser formalizado o posicionamento generalista do profissional, que não somente constrói edificações firmes funcionais e belas, mas como disse Millan é “incumbido de organizar o meio físico, em sua relação direta com o ser humano considerado no conjunto de suas necessidades biológicas, psicológicas e culturais, coordenando para tal fim as aplicações das técnicas contemporâneas (MILLAN, 1962, p.?)” (VIDOTTO e MONTEIRO, 2015, p. 22) Nesse momento notamos uma clara relação com o texto de Fabrício (2008), ao afirmar como os projetos se especializam à medida que a técnica se desenvolve, e como o arquiteto deve adotar uma postura de coordenação, uma vez que é o profissional mais generalista, capaz de compreender o todo e não somente a parte. Mais à frente, Vidotto e Monteiro reiteram a postura adotada pelas universidades em consonância com os arquitetos do IAB/SP, de separar o arquiteto do engenheiro e do construtor, sendo o segundo responsável somente pelas obras de infraestrutura e o terceiro somente pela construção, destinado ao arquiteto o papel exclusivo da execução de projetos. (VIDOTTO e MONTEIRO, 2015, p. 22). Tal postura se verificou principalmente na FAUUSP, onde muitos arquitetos do IAB lecionavam. (VIDOTTO e MONTEIRO, 2015, p. 26) Dessa forma percebemos que no Brasil, a profissão que em parte se estrutura dentro das construtoras e do canteiro de obras, luta para se libertar das amarras do mercado e dos engenheiros, para poder, de forma livre, projetar o mundo moderno e a identidade de um país em formação. Como afirma Vidotto e Monteiro “para tal, os arquitetos aliaram-se aos artistas plásticos, escritores e intelectuais, defensores das causas modernas, no que ficou conhecido por caminho heroico (SAIA, 1959 in XAVIER, 2003)” (VIDOTTO e MONTEIRO, 2015, p. 27) Em especial na FAUUSP, semelhante ao caso de Hannes Meyer na Bauhaus, houve fértil solo para a fecundação do ideal da função social do arquiteto, representado pelo seu fundador, projetista e diretor da faculdade João Batista Vilanova Artigas. Também pauta do I Congresso Nacional de Arquitetura, a função social do arquiteto foi compreendida como: “a cooperação para desenvolvimento do estudo da fixação do homem em coletividades, na planificação geral das cidades e suas periferias, núcleos rurais e industriais” (VIDOTTO e MONTEIRO, 2015, p.26) Dessa forma o ensino da FAUUSP, potencializado pelo contexto da ditadura, foi moldado para formar, em quantidade, os arquitetos capazes de, com sua atuação, elevar a sociedade aos ideias modernos da coletividade e justiça social. Em 1958, após profícua atuação entre estudantes e arquitetos do IAB, foi veiculada na publicação nº56 do IAB a separação das atividades sobrepostas de engenheiros e arquitetos descritas no CREA (conforme foi indicado na tabela do capítulo 1.2.) e

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reiterada o que seria entendida como a principal atribuição do arquiteto: “perante o cliente e a sociedade, uma responsabilidade nova de planificar, que não era compreendida na formação do engenheiro, por exemplo” (VIDOTTO e MONTEIRO, 2015, p.29) É interessante notar que cada vez mais os arquitetos se afirmam enquanto projetistas e buscam explicitar à sociedade em termos legais e práticos o que seria o ato de projetar: uma habilidade “planificadora” que é aplicada tanto a edifícios como cidades e exclusiva da formação do arquiteto. A ideia do projeto como habilidade específica será explorada no capítulo 2, mas já encontra ecos nesse momento. No entanto, o posicionamento ideológico no contexto do modernismo e da ditadura, aliado às raízes históricas da prática do arquiteto impede-o neste período de relacionar o próprio pensamento projetual com a prática administrativa e comercial da profissão, algo que será proposto mais à frente nesta pesquisa. Finalmente, de acordo com Vidotto e Monteiro (2015, p.30), durante o período de 1960 e 62 é reformado o ensino de arquitetura através dos “Encontros de Diretores, Professores e Estudantes” que culmina na portaria Nº 9 estabelecendo o novo currículo para a FAUUSP no qual: “as disciplinas de composição, a serem ministradas no atelier deveriam tomar 50% da carga horária dos cursos e abranger não apenas o estudo dos edifícios, mas também o planejamento do espaço externo e o estudo do objeto. De modo a adquirir a linguagem para representação dos projetos, os alunos teriam o ensino de Desenho, Geometria Descritiva e Perspectiva. Para os estudos teóricos, aplicação nas questões técnicas e estruturais da construção indicavam as disciplinas de Matemática, Mecânica, Resistência dos Materiais, Física Aplicada, Topografia, Estabilidade das Construções, e Materiais de Construção. Com o objetivo de compreender as necessidades humanas, a proposta incluía o ensino de Economia, Sociologia, História da Arquitetura e do Planejamento. Por fim, foi sugerida a introdução ao estudo da Legislação, da Organização do Trabalho e Ética profissional” (VIDOTTO e MONTEIRO, 2015, p.30)

Dessa forma estão criadas as novas atribuições dos arquitetos. Sem adentrar discussão da carga horária necessária para ser realizado um curso de qualidade com tamanha quantidade de conteúdos, notamos a clara intenção de formação de um profissional generalista alinhado com os preceitos modernos. Portanto, o novo Arquiteto Urbanista difere daquele oriundo das escolas de Belas Artes, assim como dos engenheiros especializados em arquitetura. A formalização legal deste novo profissional não condizia com o decreto Lei de 1933, situação que somente pôde ser sanada com a criação tardia do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) em 2010. Tendo em vista a sequência de fatos apresentados fica clara a importância deste momento na história da profissão

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como oportunidade para que o projeto de ensino tenha finalmente seu reflexo na legislação e no mundo profissional. Portanto, é essencial a contribuição da reforma dos currículos de arquitetura para compreendermos, pelo menos em parte, a atuação de escritórios cujos arquitetos são herdeiros diretos deste posicionamento. Conforme afirmado por Vidotto e Monteiro: “As mudanças não tratam apenas da inclusão de autores contemporâneos ou de uma abordagem da arquitetura através de uma nova linguagem, mas referiam-se à própria forma de ensinar a prática profissional, a partir de problemas reais; da relação entre disciplinas através do atelier e especialmente, da relação entre arquitetura e urbanismo. Além destes, a introdução dos preceitos modernos dizia respeito a uma nova atuação profissional. Esta tomava para si a responsabilidade cunhada pelas vanguardas russas e pelo ensino de Hannes Meyer, no início do século 20, de transformar a sociedade.”(VIDOTTO e MONTEIRO, 2015, p.31)

Ainda asim, permanece a pergunta se o currículo da reforma de 1962 ainda é adequado para o enfrentamento dos problemas atuais, 54 anos após a sua formulação, principalmente diante da contundente crítica que se fez ao movimento moderno, referente à sua simplificação da realidade em meras respostas ao problema colocado. Faz-se também necessária uma validação, do quanto de fato o as disciplinas se inter-relacionam nos ateliês das faculdades, de qual realidade tratam os projetos dos alunos, e finalmente, se o arquiteto urbanista está de fato sendo formado com o ferramental apropriado para enfrentar as vicissitudes do mundo contemporâneo, ou se ele ainda busca, com as ferramentas do passado, criar aquela sociedade de décadas atrás que não se concretizou.

2.4. O POSICIONAMENTO DO ARQUITETO Conforme apresentado no decorrer do capítulo dois, as atribuições do arquiteto sofrem alterações no decorrer do tempo, sendo a separação dos engenheiros ponto crucial na história de nossa profissão com a existência do projeto artístico e as escolas de belas artes de um lado, e o projeto tecnológico e as universidades do outro. Os arquitetos, em sua história,costumaram trabalhar no regime de encomendas, como profissionais autônomos financiados por membros da alta sociedade, tal qual mecenas na figura de grandes instituições ou comerciantes (igrejas, estado, burguesia) assemelhando-se à artistas com a peculiaridade de seu objeto de arte movimentar tantas outras questões práticas, como canteiros de obra, orçamentos, prazos etc. Dessa forma, em momento de consolidação da profissão, na França o código Guadet chama o arquiteto de um artista prático que deve se abster de fazer

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as práticas de mercado, utilizando o termo de profissional liberal. Com o movimento moderno, a arquitetura no mundo ocidental se volta num primeiro momento às questões sociais e tecnológicas de seu tempo. No Brasil surge um novo projeto de arquiteto, o arquiteto-urbanista formando pelas faculdades de arquitetura com autonomia dos engenheiros e das belas artes, profissional ao qual foi incumbida a missão de planejar uma sociedade melhor, mais justa, moderna. Frente ao crescimento desordenado das cidades, à especulação imobiliária e ao aumento da desigualdade social os arquitetos se recusavam a trabalhar para o “mercado”, que foi compreendido como afirma Silva (2010) como o responsável pela maneira caótica e desordenada pela qual a cidade se desenvolvia: “a crítica ao vínculo dos arquitetos com o mercado imobiliário e a atividade construtiva trazia embutida uma nova visão disciplinar e um sentimento de missão” (SILVA, 2010, p.231) Colocando-se de forma avessa à postura legalista ou tecnocrata dos engenheiros, membros dos órgãos de planejamento do governo, alguns arquitetos militaram por uma arquitetura entendida como manifestação cultural, que deveria se livrar das amarras do mercado, pois no estado de mercadoria a arquitetura como produtora de cultura não poderia ser reduzida nas disputas por lucro ou concorrências nem corroborar com a produção de um objeto dentro dos regimes capitalistas cuja injustiça social é inerente. Nesse sentido Silva (2010) esclarece o posicionamento do arquiteto segundo Artigas: “Para Artigas, a participação dos arquitetos no mercado imobiliário não só era naquele momento condenável por submeter ‘o projeto à força do capital na produção do espaço’, mas também porque lhe parecia imoral a menor ‘possibilidade de compro- meter as afirmações de ordem cultural que [o arquiteto] faz com suas obras com uma decisão na escolha da qual houvesse lucro monetário maior.’ Nesse sentido defendia veementemente a separação completa das atividades de projeto e de obra, única forma a seu ver de coibir ‘qualquer associação do técnico e do artista a interesses comerciais decorrentes de seus projetos’ (ARTIGAS, 1958)” (SILVA, 2010, p. 233)

No entanto, o projeto de arquitetura não pode ser um fim em si mesmo. Sem ser construída, pode-se questionar até que ponto determinada arquitetura realmente existe, ou se ela somente é um ensaio no plano das ideias. A arquitetura precisa ser produzida, pois do contrário o próprio projeto moderno não faz sentido, incapaz da provisão de habitações, planificação das cidades e construção dos espaços coletivos de convívio. Assim, ocorre um dilema no posicionamento dos arquitetos que não admitem corroborar com a perpetuação da injustiça entendida como presente nas relações mercadológicas de exploração da mão de obra e do espaço urbano. Dessa forma, um dos caminhos foi admitir uma “produção erudita” tida paradoxalmente como independente do mercado conforme afirma Silva: “Essa separação [da prática de mercado] é apontada por Bord-

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ieau como uma das características do processo de autonomização do campo artístico e intelectual. Segundo o sociólogo, no mesmo momento em que o mercado da obra se constitui, ‘os escritores e artistas têm a possibilidade de afirmar – por via de um paradoxo aparente – ao mesmo tempo, em suas práticas e nas representações que possuem de sua prática, a irredutibilidade da obra de arte ao estatuto de simples mercadoria, e também, a singularidade da condição intelectual e artística’(BORDIEAU,1974, p.103). Para o autor, essa afirmação parte de um grupo de intelectuais e artistas que, imbuído de um ideário de liberdade criadora, ou seja, do ideal do gênio criador, procura diferenciar sua produção das demandas do mercado, tanto popular quanto burguês, e produzir para um ‘receptor ideal que se traduz em um alter ego, ou melhor, outro ‘criador’, contemporâneo ou futuro, capaz de mobilizar em sua compreensão das obras a disposição ‘criadora’ que define o escritor e o artista autônomos’.(BORDIEAU,1974, p.103-4)” (SILVA, 2010, p. 234)

Ainda que não tenha sido o caso de todos os arquitetos, pode-se delinear que um caminho para produzir a arquitetura independente do que era entendido como mercado imobiliário era elevá-la ao status de arte. Dessa forma o arquiteto liberal, moderno, entra ironicamente em consonância com aquele de meio século atrás descrito no código Guadet membro da exclusiva sociedade das Escolas de Belas Artes. Esse posicionamento é corroborado pelo momento em que, como afirma Silva (2010, p. 235), a arquitetura moderna é assimilada pelo mercado imobiliário numa deturpação de seus princípios, ou como Luis Saia afirma no trecho do IV Congresso de Brasileiro de Arquitetos: “A fase heroica da arquitetura contemporânea brasileira já foi esgotada há alguns anos. [...] As classes dominantes já aceitaram a possibilidade estética além do neoclássico e do colonial [...] Derrubar um tabu é, de fato, um ato de heroísmo. Mas colocar outro no lugar do antigo, convenhamos, é infantil; o academicismo modernista, fênix rejuvenescida saída das próprias cinzas, impera, levado pela onda da moda.” (SAIA, 1954, in SILVA, 2010, p 235)

Dessa forma, do posicionamento ideológico deste momento foram delineados dois tipos de arquitetos: aquele que trabalha para o mercado, “dono de uma grande empresa normalmente vinculada à atividade construtora ou aos empreendimentos privados de grande porte, e o arquiteto independente, profissional liberal, em geral dono de um pequeno escritório dedicado, dentro do possível, a encomendas de alcance social, realizadas em geral pelo Estado” (SILVA, 2010, p. 236) Concluindo, o projeto do profissional liberal, advogado pelo IAB, separado das belas artes e dos engenheiros e formado nas faculdades autônomas foi bem sucedido em termos institucionais. No entanto, no meio tempo, o modernismo encontrou dificuldades em mudar estruturalmente a sociedade, sendo apropriado por ela na forma de um estilo com a colaboração dos próprios arquitetos, enclausurados em um ambiente de atuação delimitado por eles mesmos, conforme contextualizado

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por Silva (2010) através do depoimento de Niemeyer para a revista Módulo: “Dentro desse ambiente restrito, exercemos durante vinte anos a nossa profissão, limitada em geral a casas burguesas, construções para o governo, edifícios de renda e alguns conjuntos residenciais. Obras que – muitas vezes apreciáveis sobre o ponto de vista arquitetônico – refletem invariavelmente o desequilíbrio social do país, constituindo, não raro, verdadeiro acinte a essa maioria esmagadora que, privada dos mais elementares recursos, vive ainda nos miseráveis barracos que todos nós conhecemos (NIEMEYER, 1955 in SILVA, 2010, p. 232)

Pode-se concluir que a criação paralela de outro campo de atuação, que não se designa como “mercado”, e ainda mais exclusivo, é uma alternativa perigosa para a prática da arquitetura, pois reproduz o que o movimento moderno se propunha a exterminar: a alienação em lidar com os problemas reais e urgentes. Ironicamente o posicionamento ideológico tomado para rechaçar a construção injusta da sociedade, na prática fez com que parte dos arquitetos assistisse de mãos atadas à reprodução dessa injustiça, na espera de projetarem para um contexto do futuro, moderno, que hoje não se concretizou por completo. Deve-se observar que é muito difícil a arquitetura negar sua dimensão de mercadoria devido às sua própria forma de reprodução. Ela é feita com equipamentos que devem ser comprados. Por pessoas, que devem ser remuneradas, em um espaço que por mais coletivo e horizontal que seja, tem um custo. Ainda que intangível o intelecto é metrificado e cobrado. Finalmente antes mesmo de se vincular à obra o projeto precisa ser precificado. Seja por meio das concorrências públicas, seja dentro dos círculos privilegiados, seja pelos milhares de escritórios e arquitetos atônomos. Portanto a arquitetura é cultura, mas também mercadoria, e essa dualidade não pode mais ser negada. O arquiteto está inserido numa cadeia de produção sobre a qual ele não possui controle. Os projetos são encomendados por diversas razões e os arquitetos contratados de várias formas. Após finalizados, os projetos passam por outros processos sociais de produção nas quais a arquitetura geralmente não penetra. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a separação do canteiro de fato gerou uma liberdade propositiva, os projetos criados são tolhidos pelas equações custo e prazo das quais dificilmente se pode escapar, principalmente no contexto das classes menos privilegiadas. O paradigma do projeto modernista da reforma de 1962 teve um impacto imenso no ensino de arquitetura do Brasil que pode ser sentido ainda hoje. Pelo menos na FAUUSP, predomina o enfoque na formação do arquiteto generalista e planificador em currículo semelhante ao de 50 anos atrás. Nesse sentido ainda é insipiente a discussão do processo de transformação da arquitetura em mercadoria e da forma como o arquiteto poderia se inserir profissionalmente de forma crítica na sociedade de mercado, sem negar essa possibilidade a priori. De certo modo, ainda

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há o reflexo da produção de uma arquitetura “erudita” no sentido delineado por Bordieau, ou atrelada ao estado, sem se discutir abertamente como o se penetra e atua cotidianamente nesses contextos. Ainda nota-se uma rejeição em considerar aspectos menos nobres que poderiam tolher a qualidade espacial do projeto, como custos, prazos e legislações. Também pouco se comenta sobre formas de remuneração e contratação, elas são vistas isoladamente como se não participassem ativamente do valorizado processo de projeto. Finalmente,estes nascem com pouca relação com o usuário, ou clientes, sendo fruto geralmente da simulação das necessidades da sociedade pelos mestres das disciplinas. Ainda que generalistas, abordando tantos escopos, nos recusamos a enxergar, de forma estruturada, como a arquitetura será praticada fora da universidade, fora do projeto moderno, nas condições onde ele não será plenamente aceito. O que será feito? Negar-se á a produzir aquilo em que não se acredita. Sem espaço a todos para esta produção seletiva daquilo qualificado como arquitetura, ela permanece insipiente e reclusa. Eu acredito que a ausência de um debate institucionalizado sobre a prática da arquitetura, que ainda carrega os estigmas supracitados, contribui ativamente para o enfraquecimento de nossa real capacidade propositiva, gerando aberrações como a exploração dos arquitetos por eles mesmos, a dificuldade de se posicionar profissionalmente e de garantir que a boa arquitetura penetre em toda a sociedade. No entanto, não se deve negar as conquistas do movimento moderno: habitações coletivas foram construídas, planos foram estruturados, ministérios criados e leis foram escritas. Esse legado é fruto do posicionamento do arquiteto urbanista e prol de sua função social. Concomitantemente é através do pensamento crítico ensinado nas faculdades autônomas de arquitetura que eu acredito podemos expandir a função social do arquiteto para outros campos, mas para isso deve-se estar devidamente preparado para enfrentar as contradições da mercadoria. É compreensível o posicionamento do arquiteto repulsivo ao mercado nos anos 40 a 60, que de fato construiu uma cidade caótica e desigual sob os termos dos lucros, mas como disse Silva: “não se trata de não reconhecer os problemas causados por essa especulação, nem de não responsabilizá-la pelo desenvolvimento dual, extremamente injusto e desigual da cidade, mas de reconhecer a qualidade de parte da produção do mercado imobiliário e compreender como afinal se deu a sua contribuição para os processos acima apontados.” (SILVA,2010, p. 237)

Da mesma forma, não se trata de admitir que a arquitetura deva se dobrar ao lucro, nem se render a simples equações de custo e prazo. Mas deve-se admitir que uma importante relação do arquiteto com a sociedade é através de relações mercadológicas, principalmente no tocante à produção de projetos, planos, edifícios etc.

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Consequentemente, a falta de preparo do arquiteto em lidar com essa situação, somado aos preconceitos históricos agregados a essa prática somente gera um arquiteto mais fraco para enfrentar os problemas reais. Conforme afirma Segnini após análise de mais de 200 entrevistas com arquitetos no início do século XXI: “O reconhecimento da existência do mercado de trabalho do arquiteto, implica também no reconhecimento de uma das dimensões presentes na produção do projeto arquitetônico: trata-se de mercadoria e, enquanto tal, é portadora das contradições inerentes ao mundo das mercadorias. A análise das entrevistas e depoimentos dos arquitetos, objeto da pesquisa, torna possível maior compreensão das contradições presentes no processo de produção dessa singular mercadoria, entre as quais destacam-se a competitividade, cada vez mais acirrada e intensa no contexto da globalização; as formas e importância que o marketing assume no trabalho do arquiteto; a compreensão por parte do profissional arquiteto de sua produção enquanto negócio, geradora de lucro e da apropriação do trabalho de outros profissionais e trabalhadores. A relação com o cliente está presente em todas essas dimensões; nas falas ele (cliente) aparece também de diversas formas, complementares, contraditórias, ora como mecenas, ora como usuário que o arquiteto tem a missão de educar, ora como usuário a ser atendido, respeitado, interpretado pelo profissional arquiteto, ora como consumidor necessário à realização do projeto. Historicamente, é a partir da relação com o cliente que se encontra a origem do processo, a possibilidade do arquiteto criar e desenvolver novas soluções expressas no projeto arquitetônico” (Segnini, 2002, p. 128)

Portanto é necessário admitir que praticar a arquitetura e urbanismo é mais do que fazer somente projeto, e vai além da dialética entre técnica e arte. Para que possamos penetrar na sociedade e que ela saiba o que fazemos. Para que possamos fazê-lo de forma sustentável, no sentido de uma verdadeira autonomia, aquela que possui as ferramentas para enfrentar as vicissitudes das formas de produção injustas. Das relações baseadas em prazos e valores. Da precificação do seu serviço. Da contratação e respeito aos seus colegas. Da relação com o cliente e o usuário. A simples negação dessa realidade não é viável, é necessário pelo contrário, preparo e direção. O arquiteto hoje não se forma equipado para enfrentar esses paradigmas do mundo contemporâneo. Dessa forma a pergunta que devemos fazer é se não é hora de entendermos que a arquitetura será melhor propagada se soubermos também abordar as práticas de mercado da melhor forma possível, questionando a própria postura do arquiteto em relação à sua profissão, ou seja, a forma como ele faz arquitetura e urbanismo. Conforme notamos pelo retrospecto histórico, é próprio de nossa antiga profissão se renovar e abrir novos caminhos. Para isso devemos carregar a conquistas do passado: a autonomia com os engenheiros, o abandono do academicismo, a preocupação pelos problemas urgentes e sociais, a conciliação com as tecnologias

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de produção e o planejamento em todas as instâncias. E abandonar os seus preconceitos: a visão maniqueísta entre poder publico e privado, a ideia da prática profissional no formato dos ateliês das belas artes e a recusa em enfrentar antecipadamente as contradições da mercadoria. O gráfico da página seguinte busca correlacionar os aspectos históricos relevantes para a prática da arquitetura conforme foram elencados neste capítulo, denotando a correlação entre os aspectos legais, educacionais, a conjuntura econômica e o movimento moderno.

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ARQUITETURA ALÉM DO PROJETO?



3.1. O PENSAMENTO PROJETUAL Conforme vimos no capítulo anterior entende-se que a principal atribuição do arquiteto moderno é a capacidade de projetar. Dessa forma acredito ser necessário compreender o que se entende por essa habilidade e como ela está relacionada aos paradigmas do posicionamento do arquiteto citados anteriormente. Segundo CROSS (1990, p. 127) a “design ability is summarised as comprising resolving ill-defined problems, adopting solution-focussed cognitive strategies, employing abductive or appositional thinking and using non-verbal modelling media”. Traduzindo design por projeto, podemos compreender que esta é uma habilidade utilizada para solucionar problemas mal formulados de uma forma bastante singular através de mídias não verbais, pensamento abdutivo (se preocupa com o que pode ocorrer) e opositivo (compara diversas abordagens para chegar a natureza do problema). Os “ill defined”, ou problemas mal formulados também foram reconhecidos segundo Barros (2016, p. 54) pelo professor de urbanismo Horst Rittel como próprios de nossa profissão, principalmente no planejamento urbano. De acordo com Rittel e Webber (1973) ele nomeia esses problemas como sendo “selvagens” em oposição aos problemas “domesticados” típicos de serem resolvidos pelos tradicionais métodos científicos. Dessa forma existem 10 características destes problemas, das quais seis são relevantes conforme mencionado por Barros (2016, p. 54): 1. 2. 3. 4. 6. 9.

Problemas selvagens não têm formulação definitiva, mas cada formulação de um problema selvagem corresponde à formulação de uma solução; Problemas selvagens não tem regras para determinar seu fim; Soluções para problemas selvagens não podem ser verdadeiras ou falsas, apenas boas ou ruins; Na resolução de problemas selvagens não existe uma lista exaustiva de operações admissíveis; Cada problema selvagem é um sintoma de outro problema, em nível “mais alto”; Cada problema selvagem é único.

De acordo com CROSS (1990) e BARROS (2016) o pensamento projetual (do inglês design thinking) foi uma maneira encontrada pelos projetistas (do inglês designers) enfrentarem esses problemas, para os quais não há uma única solução, nem um processo linear de resolução, ou mesmo o início e fim claramente estabelecidos. Pelo contrário a própria natureza do problema é de difícil compreensão e cada estratégia de abordagem também influencia na solução proposta. Nesse sentido, Cross (2007) afirma a distinção entre os problemas resolvidos pelos projetistas e aqueles abordados pelo método científico:

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“there had been a lack of success in the application of ‘scientific’ methods to everyday design practice. Fundamental issues were also raised by Rittel and Webber, who characterised design and planning problems as ‘wicked’ problems, essentially un-amenable to the techniques of science and engineering, which dealt with ‘tame’ problems” (CROSS, 2007, p. 42)

De acordo com CROSS (1990, p.31) a habilidade de projeto está relacionada à proposição de soluções: “the architects had therefore learned their solution-focussing strategy, during their design education, as an appropriate response to the problems they were set” em consonância com o que aponta Lawson Segundo Barros: “Em algumas situações, apenas depois da criação de uma possível solução é que o problema passa a ser de fato compreendido. Além da complexidade frequentemente presente nos projetos, um fator que reforça essa situação é a dificuldade que os próprios clientes/usuários tem em descrever o problema nas etapas iniciais “(LAWSON, 2005 in BARROS, 2016, p. 58)

Portanto, o projeto é a habilidade essencial pela qual o projetista aproxima-se de compreender a própria natureza dos problemas, para então solucioná-los de forma propositiva. Dessa forma, é interessante nos questionarmos quais tipos de problemas não seriam selvagens, uma vez que se simplificados em termos puramente quantitativos e racionais, os problemas domesticados seriam sempre parcialmente resolvidos, pois nunca se possuiria a completa compreensão de sua natureza. Uma grande crítica ao movimento moderno foi realizada nesse sentido no qual o arquiteto selecionava o problema que queria resolver, como afirmado por Robert Venturi, e que resultou em soluções padronizadas, monótonas e parciais das cidades, submetidas somente ao crivo do funcionalismo e racionalismo: “Nunca será possível resolver todos os problemas. Na verdade, uma característica do século XX é o fato de que os arquitetos são altamente seletivos ao elegerem os problemas que querem resolver. Mies, por exemplo, faz edifícios maravilhosos simplesmente porque ignora muitos aspectos de uma construção. Se ele resolvesse mais problemas, seus edifícios seriam muito menos poderosos” (VENTURI, 1966 in NESBITT, 2006, p. 93)

Portanto, pode-se perguntar se as questões levantadas no capítulo anterior sobre o relacionamento do arquiteto com os clientes, a relação da arquitetura com a condição de mercadoria e o formato de trabalho dos arquitetos, não seriam também qualificadas como problemas mal formulados ou selvagens. Ora, se os arquitetos são projetistas por excelência, por que então não poderíamos aplicar o pensamento projetual também nesses campos? Por que manter essa habilidade enclausurada somente no âmbito do desenho das entidades relacionadas com o espaço, o ‘projeto’ stricto sensu: os planos, desenhos das mais diversas escalas, textos, leis etc. Ou melhor, por que criar uma separação entre esses importantes elementos da prática profissional e a produção da arquitetura?

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Eu acredito que o arquiteto deveria encarar os problemas de sua prática profissional e inserção no mercado utilizando a mesma abordagem presente em seus projetos, ou seja, conforme afirma CROSS (1990, p. 134), pensando e agindo projetualmente: “what I have attempted to show is that design ability is a multi-faceted cognitive skill, possessed in some degree by everyone. I believe that there is enough evidence to make reasonable claim, that there are particular ‘designerly’ ways of knowing, thinking and acting”. (CROSS, 1990, p. 134)

Dessa forma podemos afirmar que a habilidade de projeto não é exclusiva dos arquitetos, ela está presente em diversos ramos da sociedade de forma mais ou menos desenvolvida em indivíduos com maior ou menor aptidão para tal. Assim sendo, pode-se presumir que a arquitetura está inserida no pensamento projetual e não o oposto, que o pensamento projetual é uma atribuição da arquitetura, conforme demonstrado abaixo:

Figura 3 - Relação entre projeto e arquitetura: À esquerda, projeto inserido da arquitetura - à direita, a arquitetura inserida no pensamento projetual

Finalmente, discordando do posicionamento histórico visto anteriormente, o arquiteto pode ser também um empresário, pois está lidando com os desafios da empresa utilizando o pensamento projetual. Esses problemas possuem estreita relação com o fazer da arquitetura conforme foi visto capítulo anterior, e podem ser enfrentados ao invés de negados. Portanto, é interessante delinear quais elementos constituem a prática da arquitetura e como os arquitetos podem abordá-los de forma holística constituindo uma prática profissional saudável. Tal discussão será aprofundada no capítulo seguinte, a partir dos modelos de gestão na arquitetura. 3.2. O PROJETO COMO PROCESSO Para entender arquitetura como processo, é antes necessário um exercício de abstração, que busque descrever a prática arquitetônica como um grande fluxo de informações. Do momento de criação projetual até a construção do objeto físico resultante, o que ocorre é uma seleção, classificação, análise, síntese e transmissão de informações entre diversos agentes correlacionados. Dessa forma podemos visu-

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alizar algums esferas, tais como níveis entre os quais a informação se formalizado indivíduo até a sociedade conforme indicado no diagrama abaixo:

Figura 4 - Esferas de atuação do pensamento projetual

Em seguida, é necessário definir a ideia de processo utilizada neste trabalho como sendo uma atividade de transformação, na qual há entradas e saídas. Esta atividade, na arquitetura, pode admitir diversas escalas, e a própria prática arquitetônica pode ser inserida numa sequência entre outros processos, como saída de um anterior e entrada do seguinte, conforme exemplificado na imagem abaixo da tese de Oliveira:

Figura 5 – sistema empresarial (2005, OLIVEIRA, p62)

Por exemplo: um empreendedor busca um terreno vazio, angaria recursos e contrata equipes, entre eles o arquiteto que transforma o programa de necessidades do cliente em um objeto factível e o transmite a obra que por sua vez mobiliza diversos profissionais e setores da economia para construir o objeto final.

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Figura 6 – Processo de projeto x fluxo de informações (2005, OLIVEIRA, p123)

Dessa maneira, diferentes agentes são concatenados formando uma cadeia de produção, na qual a arquitetura pode ser entendida, nesta escala, como uma peça intermediária. Não obstante, dentro da célula da arquitetura ocorrem, conforme afirma Barros (2016, p. 49), segundo Dorst (1997), dois processos de projeto distintos e complementares pertencentes de um lado ao paradigma racional, e do outro ao paradigma reflexivo: “o paradigma racional tem origem nas teorias positivistas e teve muita influência na ‘primeira geração’ de métodos de projeto que surgiram logo no início do Design Methods Movement, no começo dos anos 60 (...) Ao analisar o paradigma racional, Dorst e Dikhujis (1995) apontam que ele é adequado em situações onde os problemas estão razoavelmente bem definidos e é possível estabelecer uma estratégia clara de ação para resolvê-los (...). Já o paradigma reflexivo tem suas origens na abordagem construtivista e surge como uma proposta alternativa ao paradigma racional, buscando uma ‘epistemologia da prática implícita nos processos artísticos, intuitivos que alguns profissionais trazem para situações de incerteza, instabilidade, singularidade e conflito de valores’ (SCHÖN, 1983, p. 50)” (BARROS, 2016, p. 49)

É importante ressaltar que, segundo Barros, o paradigma reflexivo é muito importante para a resolução dos problemas selvagens. É através da síntese e prototipação de possíveis abordagens que o projetista pode “conversar” com o problema e chegar a novas conclusões. Desta forma, o processo de projeto não é sequencial, ainda que passível de organização em entidades, pelas quais ele caminha de forma desordenada conforme demonstrado por Barros através do diagrama de Moggridge onde “o processo mais produtivo é geralmente fora de ordem; ele pode às vezes parecer quase aleatório (MOGGRIDGE, 2007, p. 729)” ( BARROS, 2016, p. 56)

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Figura 7 - Diagrama de Moolgridge segundo Barros(2016)

Conforme afirma Barros (2016, p. 60) existe o perigo da supremacia do paradigma racional sobre o reflexivo, pois é sedutora a ideia do controle total sobre o processo de projeto e seus possíveis benefícios. Por ser pouco compreendida ou de difícil explanação, a prática reflexiva pode ser considerada pelos próprios projetistas, ou contratantes, como um erro de planejamento. Na verdade há uma dificuldade em compreender a prática reflexiva como parte do processo de projeto, assim como também há uma tendência em confundir o processo projetual com as etapas que nomeiam os seus produtos: Programa de necessidades, Levantamento de Dados, Estudo de Viabilidade, Estudo Preliminar, Anteprojeto e Projeto Executivo. Ou seja, há uma sobreposição de conceitos daquilo que o arquiteto tem que entregar comercialmente com a forma como ele vai fazer isso Ainda segundo Barros (2016, p.61) deve haver um equilíbrio entre os paradigmas, pois cada um aborda a realidade do projeto de uma forma complementar: o reflexivo para lidar com as incertezas dos problemas mal formulados, como quando do início do projeto; e o paradigma racional nas situações onde o problema está melhor definido, como na etapa de projeto executivo. Numa situação ideal, o projetista saberia alternar entre os dois modi operandi de maneira bem equilibrada.

Figura 8 - Exemplo de alternância entre o paradigma reflexivo e racional durante o projeto (BARROS, 2016, p.62)

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A supremacia do paradigma racional sobre o reflexivo apresenta um grande perigo para a prática projetual, pois não será possível compreender a natureza do problema que suscita o arquiteto nem lidar com suas incertezas, podendo ocasionar soluções parciais e mascaradas sob a linearização racional. Este conjunto de práticas mostra que existe uma relação muito próxima entre o paradigma reflexivo e sua forma de trabalho peculiar, que é fundamental para se trabalhar com o tipo de problema que costuma lidar, os problemas selvagens. Procuramos desta forma evidenciar que, excluindo o paradigma reflexivo do processo de projeto, podemos estar excluindo a própria natureza da atividade de projeto como ela já é feita (BARROS, 2016, p. 60) É possível concluir que o pensamento projetual é uma habilidade muito valiosa na resolução dos complexos problemas presentes no contexto da arquitetura e urbanismo. Mais que isso ele é uma habilidade humana que pode extrapolar para os outros elementos que constituem a prática do arquiteto. No entanto, deve-se alertar que ele é composto pelo binário racional e reflexivo e não pode ceder à tentação de submeter o paradigma reflexivo à supremacia do racional, como será muitas vezes requisitado nos ambientes do mercado em que predomina a equação custo e tempo. Podemos perceber que há um limite para a linearização dos processos da arquitetura e urbanismo, e a tentativa de fazê-lo à força pode resultar na perda das qualidades essenciais de nossa prática enquanto síntese e proposição de novas soluções.

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UM MODELO DE GESTÃO PARA A ARQUITETURA



4.1. GESTÃO ARQUITETÔNICA A gestão da prática da arquitetura não é tarefa simples. Dificilmente ela se encaixa nos modelos tradicionais de prestação de serviços ou produção de bens de consumo, devido principalmente às características intangíveis e não lineares do processo de projeto, além de seu consumo ocorrer de forma pontual e diversificada. Nesse sentido, a arquitetura é uma indústria de protótipos, pois cada produto deve se adequar a um novo conjunto de necessidades. Existem na minha percepção duas barreiras entre os arquitetos para a compreensão da importância do tema da gestão no processo de produção da arquitetura. A primeira remete desde a formação das escolas de arquitetura onde se afirma a percepção de que a prática da arquitetura está ancorada principalmente na habilidade de fazer projeto (no sentido stricto sensu de intervenção em entidades espaciais), sendo somente essa a atividade chave de um escritório. A segunda é que a gestão na arquitetura pode significar um entrave no seu processo reflexivo de resolução de problemas, visão talvez oriunda da década de 60, na qual se tentou, segundo Cross (2007), cientificar o projeto, resultando na década seguinte em uma repulsa dos arquitetos pelo tema devido ao seu descolamento com a realidade profissional como afirmam segundo Cross, dois pioneiros do movimento respectivamente Christopher Alexander e J. Christopher Jones: “I’ve disassociated myself from the field… there is so little in what is called ‘design methods’ that has anything useful to say about how to design buildings that I never even read the literature anymore…I would say forget it, forget the whole thing” (CROSS, 2007, p. 42)

“In the 1970s I reacted against methods. I dislike the machine language,

the behaviourism, the continuous attempt to fix the whole life into a logical framework” (CROSS, 2007, p. 42)

Nesse sentido, conforme formulado por Alharbi, Emmit e Demian (2015), o primeiro obstáculo para a gestão na arquitetura é o entendimento do termo, sua aplicabilidade e validade nesse ramo específico. Para tanto foi realizada uma pesquisa nos Estados Unidos compilando a bibliografia existente e verificando a diversidade das atribuições associadas à gestão arquitetônica (do inglês architecture management). Pelo ponto de vista do ensino, foram encontradas em diversas universidades, 31 diferentes categorias relacionadas ao assunto, voltadas principalmente ao desenvolvimento das habilidades administrativas do arquiteto. A dificuldade de construir um termo que possa abranger toda a complexidade desta prática é evidente. Mesmo assim, Emmit categoriza a gestão arquitetônica em 5 atributos: “its nature( intension), its components (extension), whom it affects/ concerns (stakeholders), its benefits (outcomes), and its responses to industry changes” (EMMIT, 1999). A tradução dessas categorias na percepção do mundo profissional e acadêmico foi validada em entrevistas realizadas pelo grupo de pesquisa de Alharbi, Emmit e Demian à arquitetos e pesquisadores.

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Percebeu-se que nos EUA, em 2015, 47% dos entrevistados tinha pouca familiaridade com o termo e concluiu-se que há diversas percepções de significado do mesmo como: questões organizacionais e gerenciais relacionadas ao projeto, questões ligadas à gestão sistemática de obras, processo de arranjar elementos complicados de arquitetura no projeto e na construção, e a gestão de projetos para a construção ou da prática arquitetônica. Nota-se que não são claras as fronteiras entre a prática projetual, a gestão de obras e a gestão administrativa do escritório. Dessa forma, segundo Alharbi Emmit e Demian, a partir dos resultados da entrevista foram delineadas 3 diretrizes para a definição do termo: a primeira define-o como a gestão da prática de arquitetura; em seguida ela possui o objetivo de gerenciar a integração do “ambiente interno” de negócios do escritório e os seus projetos individuais que se relacionam com o “ambiente externo”; a terceira é que não se busca pela gestão arquitetônica retirar a atuação de outros agentes da cadeia produtiva, pelo contrário, gerar valor em toda a cadeia. Finalmente a partir dessas diretrizes foi criara a primeira definição para o termo: “Definition 1. AM is the strategic management of architectural practices that assuresthe effective integration between managing the business aspects of the office with its individual projects in order to design and deliver the best value to all those involved in society.” (ALHARBI; EMMIT; DEMIAN, 2015, p. 10)

É interessante notar que quando essa definição colocada à prova em congressos e junto a profissionais do ramo foi sugerida a mudança da palavra “practices” para a palavra “firm” e em seguida da palavra “society” para “stakeholders”. Gerando a definição final dotada de um viés mais comercial: “Definition 3. AM is the strategic management of the architectural firm that assures the effective integration between managing the business aspects of the office with its individual projects in order to design and deliver the best value to all stakeholders.” (ALHARBI; EMMIT; DEMIAN, 2015, p. 14)

A definição final denota uma clara orientação para a ideia de um negócio rentável tendo em vista o cliente (stakeholder) ao invés da sociedade (society); a gestão de escritórios (firm) ao invés da prática e a utilização do termo valor (value) entendido como os benefícios físicos, sociais e legais resultantes da prática arquitetônica. É comentada que foi cogitada por alguns participantes a utilização do termo lucro (profit) no lugar de valor, mas essa sugestão não foi amplamente aceita, uma vez que na opinião majoritária o termo valor abrangeria uma variedade maior de benefícios. É notável existir uma confusão semântica acerca principalmente das entidades a quem os arquitetos atendem (clientes, usuários ou sociedade), os resultados da atividade profissional (lucro, valor, melhorias no ambiente físico, social, legal) e a abrangência da prática (obras, projetos, custos, administração). Os arquitetos não possuem um consenso sobre sua própria prática profissional e o objetivo final dela,

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mas parece existir uma tendência à noção de que o fim da arquitetura não é o lucro e sim a melhoria das condições socioambientais da sociedade, mas que para isso ela deve se inserir como prática profissional, ou seja como uma firma que possui clientes, numa cadeia de produção com parceiros, colaboradores e atribuições típicas do mundo dos negócios. Finalmente, conforme já foi afirmado nos capítulos anteriores, ao lidar com a prática da arquitetura, são sobrepostas as fronteiras entre administração (gestão de custos, prazos e pessoas), arquitetura (na dialética técnica e arte) e negócios (segmentos de mercado, fontes de renda e estratégias de negócio), o que pode ser encarado de forma positiva como um atributo próprio de nossa profissão, nem que seja necessário traduzirmos as qualidades da arquitetura em termos mercadológicos.

3.2. O MODELO DE ALHARBI, EMMIT E DEMIAN Tendo em vista a abrangência da definição e sua aplicabilidade Alharbi e seus colegas buscaram criar um modelo de gestão para a arquitetura através de um quadro conceitual (do inglês framework) que não simplificasse a questão numa dicotomia entre gestão de projeto e gestão de escritório como o modelo de Bunton (figura 1), mas que colocasse a gestão arquitetônica no centro do processo como o modelo de Emmit (figura 2), e que pudesse aprofundar os elementos ao qual ela está ligada.

Figura 9 – Modelo de Bunton (ALHARBI; EMMIT; DEMIAN, 2015, p. 238)

Figura 10 – Modelo de Emmit (ALHARBI;EMMIT;DEMIAN, 2015, p. 238)

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Portanto, foram elencados elementos que a seu ver compõem a gestão arquitetônica e classificados em 6 níveis

Figura 11 - Estrutura filosófica do modelo taxonômico de gestão arquitetônica ( ALHARBI;EMMIT;DEMIAN, 2015, p. 239)

O modelo final de Alharbi coloca o gestão arquitetônica no centro de todos os processos no nível 1, como sendo a atividade estratégica na qual é gerado valor. A ela estão ligadas: a gestão dos projetos (projects), dos negócios (business), das partes interessadas (stakeholders) e da educação (education) conforme visto no Nível 2.

Figura 12 – Modelo taxonômico de gestão arquitetônica ( ALHARBI;EMMIT;DEMIAN, 2015, p. 240)

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Semelhante ao apresentado no subcapítulo anterior, esse modelo define esferas de atuação nas quais diretrizes estratégicas são determinadas no centro e irradiam para seus subgrupos (nível 2) tornando-se agrupamentos de atividades (nível 4) que por sua vez se transformam em tarefas específicas (nível 5) até extrapolarem para limitações de saída do processo, legislações, modelos e estratégias mais específicas encontradas no nível 6. O nível 3 são temas independentes que podem intersecionar os elementos do nível 2 como: liderança, criatividade, pensamento enxuto, melhoria contínua entre outros. Cada nível alimenta o próximo, como entradas e saídas de processos internos à empresa de arquitetura. Esse estudo é relevante para este trabalho, pois configura uma tentativa através de método científico de identificar os agentes que compõem a gestão na arquitetura e sua representação diagramática que se prova tarefa difícil frente à abrangência de temas que deve acolher. A interseção da gestão arquitetônica com as outras quatro gestões — de clientes, de negócios de projetos e de educação — que estão, por sua vez, separadas entre si e conectadas por um elemento comum, é importante pois reforça a tese defendida no início deste capítulo, sobre a importância das outras atividades-chave, além do projeto, exercidas por uma empresa de arquitetura. A graduação dos níveis de interação distingue claramente pelo menos 3 âmbitos: o estratégico (nível 1) o gerencial (nível 2 e 3) e o operacional (nível 4 e 5) que serão também vistos nos próximos modelos apresentados.

3.3. O MODELO DE OLIVEIRA Em sua tese de doutorado “modelo de gestão para pequenas empresas de projeto de edifícios” de 2005 que deu origem a um artigo de mesmo nome, Oliveira rea -liza uma análise do referencial teórico existente e aplica entrevistas qualitativas a quatro empresas, sendo duas delas de arquitetura, procurando compreender os desafios da gestão de pequenas empresas de projeto de edifícios, assim como seus principais elementos, que juntos formam um sistema de gestão mais ou menos eficiente. Em sua pesquisa ele conclui que nas pequenas empresas há grande dependência do grau de empreendedorismo e habilidades administrativas de seus donos ou sócios majoritários, que geralmente desconhecem as principais técnicas de gestão disponíveis. Também fica claro o papel de atividades correlatas à atividade chave da empresa, principalmente o marketing, visto como essencial para a sobrevivência do escritório: “Para Kotler e Bloom (1998), o sucesso de um escritório de projetos pode ser atribuído muito mais à sua capacidade de promover-se por meio de cobertura jornalística sobre seu trabalho,

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da obtenção de prêmios e da prática de comunicar-se constantemente com seus clientes sobre seus hábitos mais positivos (realizar projeto dentro do prazo, do orçamento, com qualidade, etc), do que aos seus esforços na racionalização do desenvolvimento dos projetos.”(2005, OLIVEIRA, P.227)

Por fim, ele detecta três níveis para as atividades desenvolvidas na gestão de pequenas empresas: “a) Subsistemas principais (produção e mercadológico); b) Subsistemas complementares (contábil, financeiro e recursos humanos); c) Subsistemas de apoio (processamento de dados, organização e métodos, jurídico, etc.)” (2005, OLIVEIRA, p.5) Assim como no estudo de Alharbi e seus colegas, há a setorização das atividades necessárias para a eficiente gestão das empresas e um enfoque na rentabilidade do negócio, que no caso de Oliveira está presente na valorização das atividades de marketing. Diferente do modelo de Alharbi, Emmit e Demian, que buscava associar uma visão ampla de todos os componentes da gestão arquitetônica entendida como um novo campo de atuação, Oliveira tem um escopo mais específico e acaba utilizando definições já existentes no campo da administração traduzindo-as para as empresas de projeto. No modelo de Oliveira quase todas as funções detectadas se encontrariam nos clusters gestão de projeto, de clientes e de negócios do modelo de Alharbi e seus colegas. Dessa forma Oliveira (2005, pp 196-216) define nove funções essenciais à empresas de projeto, listadas abaixo, com suas atribuições: 1. Estrutura Organizacional: busca alinhar a estrutura com os planos gerais da empresa, evitar que um profissional detenha todo o conhecimento de um processo essencial, definir os graus de subordinação e responsabilidades de cada funcionário e modelar procedimentos de forma clara; 2. Planejamento Estratégico: realiza a análise do ambiente externos, diagnósticos da situação da empresa no mercado, análise interna (pontos fortes e fracos), define a missão (o motivo de existência da empresa) e seleciona estratégias para atingir os objetivos da empresa; 3. Planejamento e Controle do Processo de Projeto: a partir do escopo definido, elaborar uma sequência de tarefas, na qual fiquem claras suas relações de dependência. Desta forma é desenhado um fluxo geral de atividades que deverá ter cada subprocesso detalhado. Em seguida são alocados recursos humanos para cada tarefa e, a partir da capacidade produtiva da mão de obra, estimam-se tempos de início e fim. Através da mão de obra e do tempo pode-se obter o custo de cada

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tarefa. Este controle pode ser realizado por meio de um diagrama de Gantt e diagramas de caminho crítico. 4. Gestão de Custos: Definição dos custos fixos e indiretos, seu parcelamento por cada projeto e monitoramento do fluxo de caixa da empresa. 5. Gestão Comercial: busca aplicar as estratégias de marketing da empresa e elaborar a política de preços. É responsável pelas atividades de negociação e vendas com definição de propostas técnico-comerciais. Enfim, representa o principal vínculo da empresa com o ambiente externo e os clientes/usuários 6. Sistema de Informações: define padrões para a circulação de informação entre os diversos agentes e processos envolvidos no projeto. Deve regulamentar o que registrar, de que forma, para quem enviar, etc. Visando facilitar o fluxo de informações para que a tomada de decisão ocorra em momento oportuno. É tido como tópico subestimado e costuma apresentar um ponto fraco entre as empresas. 7. Gestão de Recursos Humanos: constitui nas empresas de projeto a “mola mestra”, seu principal recurso para a realização dos objetivos estratégicos e atividades produtivas. Devem ser elaboradas políticas de treinamento, contratação, demissão além de ser um agente responsável também por contratações de empresas terceirizadas ou consultorias. A atividade de gestão de pessoas é essencial para garantir a devida integração entre os setores e seus respectivos colaboradores. 8. Serviços Agregados ao Projeto: serviços que visam dar suporte ao projeto e aprimorar a relação com o cliente durante e após as entregas constituem tarefas como: entregas e validação de projetos, visitas programadas às obras e assistências técnicas. 9. Avaliação de Desempenho: devem ser elaborados indicadores que possam avaliar o desempenho dos projetos: sua qualidade, prazo, custo e principalmente a satisfação dos clientes além de avaliar o desempenho do sistema de gestão da empresa: sua produtividade, clima organizacional, nível de retrabalho etc Finalmente em sua tese, Oliveira (2005) propõe um esquema gráfico dos elementos mencionados acima conforme demonstrado na página seguinte. O conteúdo apresentado na pesquisa de Oliveira é de grande valor, pois situa a gestão nas empresas brasileiras de projeto para a construção de edifícios e apresenta claramente componentes, que podem ser facilmente compreendidos e comparados com a realidade dos pequenos escritórios.

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Figura 13 – Esquema gráfico dos elementos do modelo de gestão para pequenas empresas de projetos e edifícios (OLIVEIRA, 2002, p. 197)

3.4. CONCLUSÕES DOS MODELOS APRESENTADOS O modelo de Alharbi procura cunhar um novo termo: gestão arquitetônica. Os autores percebem que há pouco consenso quanto ao seu significado e para isso propõem uma nova definição. Em seguida, baseado em entrevistas e pesquisas existentes, eles montam um modelo que busca classificar e sintetizar assuntos sobre o tema, que ocupa o centro deste modelo. Entretanto, ainda que sejam definidos e relacionados os seus componentes, não fica claro como aplicar esses conceitos no cotidiano da prática profissional. Dessa forma, para esta pesquisa, é valiosa em primeiro lugar a constatação da gestão como principal elemento articulador da prática arquitetônica, em seguida a enumeração dos assuntos a ela correlacionados, e sua classificação em grupos e níveis de tomada de decisão. Por último a representação do modelo em formato concêntrico, denotando hierarquias de interferência e ambientes externos e internos à prática. O modelo do Oliveira não busca cunhar um novo termo, nem mesmo está focado na arquitetura, ele visa propor um sistema de gestão para pequenas empresas de

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projeto (incluindo as de engenharia). Como foi pautado em entrevistas e estudos de caso atuais o resultado final é mais palpável, tratando de técnicas e métodos, que podem ser prontamente reconhecidos e aplicados no cotidiano dos escritórios.

Figura 14 – Gráfico comparando as categorias dos modelos de gestão para arquitetura de Alharbi, Emmit e Demian com o de Oliveira

No entanto, é possível verificar paralelos interessantes entre os dois trabalhos, principalmente na escolha dos termos e sua forma de classificação, como demonstram os diagramas abaixo e da página seguinte. Ainda que apresente um conteúdo valioso, a representação gráfica do modelo de Oliveira é de difícil interpretação, não ficando claras quais relações pretende-se explicitar entre os agentes definidos. Dessa forma, tentou-se neste trabalho representar de outra forma o conteúdo do modelo de Oliveira, buscando uma concisão e clareza dos processos envolvidos para sua posterior validação no meio profissional dos arquitetos.

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Tabela 2 - Definiçþes das categorias de Alharbi, Emmit e Demian e Oliveira


3.5. NOVOS MODELOS DE GESTÃO Primeiramente busquei agrupar as atividades do modelo de Oliveira, (assim como fez Alharbi e seus colegas) o que resultou num gráfico onde o planejamento do processo de projeto (PCPP) estava no centro do sistema, interligado a ele há um agrupamento das atividades entendidas como de gestão: de recursos humanos (GRH), custos (GCUSTO) e comercial (GCOM). Logo abaixo há outro agrupamento das atividades entendidas como de suporte ao sistema: serviços agregados ao projeto (SAGR) e sistema de informações (SINFO). A Avaliação de desempenho (AVAL) é um ítem externo, que avalia os 3 grupos, e nesse modelo, que é mais próximo do original de Oliveira, o planejamento estratégico (PESTR) e a estrutura organizacional (EORG) configuram um “ambiente empresarial” no qual as atividades se desenvolvem

Figura 15 – Novo modelo de gestão 1

Esse modelo ainda falhava em demonstrar como efetivamente o sistema funciona, buscou-se então ordenar os elementos num eixo de cima para baixo, fazendo um formato de diamante que deveria representar o processo de síntese que uma empresa de projeto executa. Nesse modelo EORG e PESTR foram agrupados em “visão estratégica” que deveria representar o inicio de todo processo da empresa, ou seja, o estabelecimento de parâmetros que vão reger todos os outros processos. Por isso da visão estratégica se abrem duas barras criando um trapézio em cuja base está o PCPP. Entre os dois foram colocadas as gestões, GRH, GCOM e GCUSTO que seriam responsáveis em nível gerencial de transformar as diretrizes estratégicas em operações, executadas no PCPP. Os serviços de suporte SINFO e SAGR estariam ligados ao PCPP e a AVAL é o último elemento, como um filtro que recebe e avalia o produto do processo antes de sair do sistema. A AVAL seria a responsável por ativar a “visão estratégica” que configuraria o inicio de um novo ciclo.

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Figura 16 – Novo modelo de gestão 2

Este modelo foi importante por mostrar a ideia de ciclo e começar a relacionar a dimnsão do elemento com a sua importância no sistema. No entanto ele ainda é falho, a principal conclusão retirada deste ensaio foi que falta em todos os modelos, inclusive o de Alharbi, Emmit e Demian e o de Oliveira a atividade chave da empresa, que é a prática projetual. A prática projetual não é PCPP: este serve para regulamentá-la e ordená-la frente às diretrizes da empresa e as exigências de escopo, sendo uma atividade importantíssima, mas não é o coração do sistema. Também neste ensaio, começa a se configurar um ambiente interno e outro externo, para o qual o produto de todo este processo é destinado. A ideia de que a empresa é um sistema de transformação com entradas, saídas e processos internos ainda não foi devidamente representada. Da mesma forma, há uma grande dificuldade em alocar os itens SINFO e EORG, pois eles são difusos no sistema, não representando necessariamente um departamento nem uma função exercida por agentes determinados, mas a sua presença também não poderia ser ignorada, quando da representação do modelo.

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Frente a isso, tentei ainda refinar o modelo 2, alinhando as gestões com o PCPP, SINFO e SAGR, cada qual num agrupamento. Dessa forma surge a figura “produção” ou seja a necessidade de demonstrar a atividade chave da empresa

Figura 17 – Novo modelo de gestão 3

Dando prosseguimento ao estudo, o modelo seguinte, de número quatro, já admite a existência de um elemento do sistema chamado “projeto” que é maior que os outros elementos e deve situar-se no centro, pois de um lado recebe diretrizes do planejamento estratégico e é gerido pelas gestões e pelo PCPP, e por outro, produz material a ser avaliado pela AVAL, reiniciando o processo. Neste desenho, PESTR compartilha o nível de importância com EORG, uma interpretação ainda equivocada da relação desses dois elementos.

Figura 18 – Novo modelo de gestão 4

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Frente à saturação de abordagens, buscou-se elencar em ordem de relevância os elementos do sistema, a fim de encontrar outras formas de representação. A planilha abaixo relaciona em ordem decrescente a importância de cada elemento, e o modelo 5 é seu resultante.

Tabela 3 – Níveis de importância dos elementos dos modelos de gestão

Neste modelo começam a se configurar mais claramente as esferas: o nível estratégico, o nível gerencial, e o PCPP que serve como ponte entre a esfera da empresa e a esfera do projeto.

Figura 19 – Novo modelo de gestão 5

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Finalmente, o desenho de número 6 caminha em direção à versão final do modelo de gestão. Esta conformação foi inspirada num organismo, tal qual um corpo humano e seus diversos órgãos, todos vitais, mas dotados de responsabilidades maiores ou mais complexas comparativamente. Por exemplo: o cérebro coordena todos os órgãos e o coração alimenta todo o organismo com o fluído necessário para seu funcionamento, já os rins fígado e realizam funções específicas dependentes dos outros órgãos e sua supressão não causa a morte instantânea. Ainda nesta analogia, é interessante notar o sistema nervoso como uma rede de nervos espalhada pelo corpo, e que passa instruções específicas para cada órgão. A comparação entre o sistema nervoso biológico e o sistema de informação (SINFO) na gestão do escritório de arquitetura é latente, e apresenta a primeira solução para o problema de representação desta entidade. Tal qual a rede de nervos no corpo humano, ela é na verdade uma rede de ligação entre cada elemento, que representa também a forma pela qual a informação deve passar por essa rede (e-mail, projeto físico, instrução verbal, etc). Outro elemento importante que faltava no modelo é o subproduto do elemento ‘projeto’ -- a saída do processo de projeto. Os subprodutos do projeto são também serviços que podem ser contratados por clientes, situados no ambiente externo. Tais subprodutos já foram definidos pelos manuais de escopo (AsBea, manual de escopo de projetos e serviços de arquitetura e urbanismo), pela NBR 13.532 e endossados pelo CAU (conforme tabela de honorários, 2013, p.41) consistindo principalmente em: • • • • • •

PN (programa de necessidades); LD (levantamento de dados); EV (estudo de viabilidade); EP (Estudo Preliminar); AP (Anteprojeto); PE (Projeto Executivo).

A ideia mesma de ambiente externo e da figura do cliente, situados na base do modelo, leva a outro avanço: o que o cliente enxerga da empresa? Ele não tem acesso à política de preços, de RH, ao planejamento de projetos. Em verdade, o cliente deve ver uma imagem construída da empresa, sendo essa uma atividade essencial do marketing e da elaboração de propostas comerciais que, segundo Oliveira, está agrupada no elemento GCOM. Assim sendo, apesar de ser uma gestão, ela não está situada entre o planejamento estratégico e o projeto como nos outros modelos, mas sim depois do projeto, ou melhor, depois dos seus subprodutos. A GCOM leva os serviços de projeto para fora do ambiente da empresa, sendo o elemento de fronteira do modelo. Ainda assim ela deve receber instruções diretas do planejamento estratégico, para que as diretrizes da empresa possam ser representadas e levadas aos potenciais clientes a quem elas mais interessam, da mesma forma que ela deve ter uma linha de retorno direta para o PESTR, para que as exigências do cliente sejam transformadas em diretrizes para a empresa.

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Neste ponto deve-se fazer uma observação: as empresas de projeto são estruturas muito dinâmicas, com ciclos de produção variados, de modo que, a cada novo projeto, pode ser necessária uma reconfiguração da estratégia de resolução de problemas, adotada pela empresa. Seguindo a mesma linha de raciocínio o elemento SAGR, na verdade, dá suporte ao GCOM, quando este necessita lidar de forma técnica com entregas, assessorias etc que não se configuram atividades estritamente comerciais. Por fim, o elemento AVAL que gere o desempenho, do sistema não deve focar nos elementos em si, mas sim nas redes de conexão entre eles. Desta forma, este elemento intercepta os nervos de cada processo, gerando relatórios, tanto dos dados de entrada quanto de saída, da atividade chave que é o projeto, e abrangendo concomitantemente as gestões e os serviços. Da mesma forma, ele avalia o vínculo entre o cliente e a GCOM realizando uma terceira avaliação, já no ambiente externo à empresa. A AVAL reporta diretamente para o PESTR, que por sua vez tem a capacidade de revisar as diretrizes gerais da empresa e mandar novas instruções para cada elemento. Já para o item EORG foi escolhida a posição logo abaixo do PESTR, representando a forma como as diretrizes irão se distribuir entre os funcionários. No entanto, este elemento ganha maior relevância tanto quanto maior for o porte da empresa. Como já foi mencionado, em empresas pequenas, a estrutura organizacional é menos formal e poderia ser suprimida do modelo, em determinados casos em que ela ocorre de forma intuitiva e espontânea, como no cenário de um profissional liberal ou dupla de profissionais, por exemplo. Visando realizar uma imagem do processo da empresa com a alocação de seus recursos humanos por projeto e no tempo, poderia ser utilizado um diagrama de gantt conforme demonstrado abaixo. A avaliação desse diagrama em determinado período de tempo seria um método útil para representarEORG de forma a gerar resultados comparáveis entre diversas empresas, com colaboradores e projetos semelhantes, tal qual um cardiograma do corpo humano.

Figura 20 – Estrutura organizacional e diagrama de gantt

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Figura 21– Novo modelo de gestão 6

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O modelo 6 foi construído de forma a poder simular um processo de projeto. Ele procura ser a representação do mecanismo de transformação da necessidade, oriunda do cliente, em um produto que visa atende-la. Os gráficos da página 59 ilustra um exemplo de funcionamento do modelo de acordo com a sequência abaixo: • Primeiramente, uma proposta de valor (motivo da existência da empresa) é oferecida ao ambiente externo, em linha direta entre PESTR e GCOM; • Deve ocorrer uma percepção de valor por parte do cliente; • A GCOM deve compreender as necessidades do cliente e buscar associá-las à proposta de valor da empresa e sua estratégia de vendas, segundo definido pelo PESTR; • As necessidades do cliente devem ser formalizadas pelo GCOM e repassadas ao PESTR, dando início ao processo interno da empresa, que oferecerá um serviço ou um conjunto de seus serviços (EP, AP, EX etc), de acordo com o contrato estabelecido com o cliente; • O PESTR organiza a empresa, instruindo cada órgão sobre como deverá abordar o pedido. São contratados funcionários, verificados custos, montados fluxos de trabalho, diagramas de Gantt e caminho crítico. O projeto é desenhado, impresso e por fim entregue de volta a GCOM; • A GCOM, com apoio do SAGR, realiza a entrega dos produtos ao cliente, encerrando o processo de produção; • O cliente pode ou não perceber valor no produto recebido, configurando o início do processo de retroalimentação; • A AVAL coleta dados de todos os processos, inclusive do cliente final, através de formulários específicos, e os apresenta ao PESTR; • Se os resultados são favoráveis, é mantida a estratégia da empresa. Do contrário, devem ser tomadas medidas de correção de curso. A partir da análise do gráfico da página seguinte, podemos perceber que as atividades PESTR e GCOM são muito ativadas, levantando a questão de até que ponto essas atividades são menos importantes que a de projeto. Nesse sentido, no gráfico da página seguinte, irei destacar as atividades principais das de suporte; assim como deixar claro os produtos do processo de projeto. No entanto, esse modelo tem também um limite. Ele ainda é genérico, representando um organismo saudável de uma empresa de projeto. Porém ele não permite visualizar nem testar outras formas de se praticar a arquitetura. Ele é sim uma plataforma para que se possa otimizar a prática profissional, mas faltam elementos que possibilite a proposição de uma nova prática capaz de utilizar estes mesmos elementos para outros fins e de outra forma. Portanto temos a conclusão principal deste capítulo: um modelo de gestão não é um modelo de negócios, é somente parte dele. O capítulo seguinte busca unir os conceitos apresentados, com os de modelos de negócio, a fim de criar um ferramental completo para a análise e proposição das formas como se pode praticar a arquitetura.

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Figura 22– Modelo 6 colocado em funcionamento

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Figura 27– modelo 6 em categorias

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UM MODELO DE NEGÓCIOS PARA A ARQUITETURA


5.1. O VALOR NA ARQUITETURA De acordo com o livro de Alexander Osterwalder e Yves Pigneur “Business Model Generation – Inovação em Modelos de Negócio” (2011) a principal função de um modelo de negócios é gerar valor. Podemos entender este termo, dentro do universo mercantil, como sendo a razão de existência da atividade profissional ou o motivo pelo qual a sociedade necessita de determinada organização. No campo da arquitetura esse conceito é extremamente amplo, pois o arquiteto, como profissional multidisciplinar por excelência, pode exercer diversas atividades que possuem, ou podem possuir valor. É interessante notar como também a definição de Alharbi e seus colegas acerca da gestão arquitetônica surge a ideia de valor: “Definition 3. AM is the strategic management of the architectural firm that assures the effective integration between managing the business aspects of the office with its individual projects in order to design and deliver the best value to all stakeholders.” (ALHARBI; EMMIT; DEMIAN, 2015, p. 14)

Especificamente para Alharbi e seus colegas entende-se valor como: “‘value’ is about achieving a competitive edge for the AM adopter (architects), which covers both the cost and differentiation aspects of the provided service(s). Value is also about creating better environments, i.e. social, economic and physical environments, thus it is a value for current and future owners and users of the projects”. (ALHARBI; EMMIT; DEMIAN, 2015, p. 11)

Nota-se em sua definição uma atitude conciliadora para o termo, entre as necessidades de diferenciação e competitividade numa sociedade de mercado, e as necessidades econômicas, físicas e sociais dos usuários. Ou seja, a arquitetura deve qualificar o ambiente construído tendo em vista seus usuários, mas precisa também sobreviver enquanto negócio economicamente viável. Entre os arquitetos, esta relação semântica costuma entrar em conflito com outro discurso comum para a razão de existência da arquitetura: a função social do arquiteto. No viés adotado neste trabalho entende-se que uma definição não exclui a outra, uma vez que uma função social é também uma forma de valor – no sentido além do mercantil – presente de alguma forma em determinado modelo de atuação profissional, desde grandes empresas à organizações não governamentais. Existe também uma segunda conotação para o termo “valor”, como aquilo percebido pelo usuário como algo que supre uma necessidade. Esta visão é mais complexa e subjetiva. É presumível, por um lado, que cada indivíduo percebe valor de determinada forma, e que por outro, todos temos uma percepção genérica do termo devido à universalidade de nossas necessidades básicas.

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Podemos relacionar a ideia de valor, como a satisfação de nossas necessidades, com a Teoria da Hierarquia das Necessidades do psicólgo americano A. H. Maslow que afirma haver uma hierarquia das necessidades humanas, que cada indivíduo “escala” em busca da auto-realização. Como a arquitetura é tradicionalmente uma prática que responde às diversas necessidades de seus contratantes, é de se esperar que ela se enquadre em diversas das categorias abaixo, senão todas, podendo, no entanto, demonstrar em alguns casos pontos mais predominantes.

Figura 24 – A pirâmide de Maslow - segundo Teoria da Hierarquia das Necessidades (adaptada de notas de aula da disciplina PCC2302 - Gestão da produção na construção civil - ministrada no segundo semestre de 2014 na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP) no curso de engenharia civil)

Por exemplo: o projeto de uma residência de luxo pode ser mais enviesado às questões de segurança e autoestima. Já um projeto de urbanização de favela pode ter um enfoque maior em criar oportunidades de interação social ou sanar necessidades fisiológicas primárias (abrigo, higiene). Por outro lado, algumas categorias como segurança podem ser percebidas como cumprimento de prazos, ou ajuste aos custos do orçamento. Há também outra questão intrínseca deste debate que, em tese, a arquitetura não deveria nunca deixar de atacar todas essas categorias, ou seja, deve ser estabelecido na prática profissional um mínimo aceitável para sua existência, por exemplo: uma edificação não pode nunca deixar de atender às necessidades fisiológicas básicas e de segurança. Da mesma forma, por mais simples que seja, ela deve propiciar ao seu usuário dignidade, ou seja, autoestima e realização, e permitir que sejam possibilitadas as relações sociais de forma saudável. Dessa forma, deveria haver um valor intrínseco à arquitetura que não poder ser diminuído, concomitante, sua atuação na sociedade deveria sempre ser necessária. Finalmente, o valor pode ser percebido e expressado de muitas formas, sendo esse um dos pontos cruciais da interação entre o arquiteto e a sociedade. Se o cliente ou usuário não identificar como a arquitetura pode suprir alguma de suas necessidades, ele pode considerá-la desnecessária.

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Ao conjunto de necessidades que o escritório de arquitetura se propõe a suprir, dáse o nome de ‘proposta de valor’, sendo esse elemento crucial para a diferenciação de um modelo de gestão para um modelo de negócios. O primeiro está focado em dar suporte para que o valor seja produzido da melhor maneira possível; já o segundo permite diferentes formalizações ao termo, e cria, para cada caso, possíveis maneiras de produzi-lo e oferecê-lo. 5.2. O BUSINESS MODEL CANVAS O livro “Business Model Generation – Inovação em modelos de negócio” foi realizado através de um processo de co-criação, do qual participaram mais de 470 pessoas de 45 países, e tinha como principal propósito o desenvolvimento de uma ferramenta através da qual fosse possível elaborar e avaliar qualquer modelo de negócio. Para isso foi criado um “quadro conceitual” chamado de “business model canvas” (tela do modelo de negócios). O livro utiliza-se de preceitos do pensamento projetual, de modo que o canvas serve como uma mídia de suporte para a prototipação coletiva e compreensão dos modelos. O próprio livro demonstra exemplos de aplicação da ferramenta, voltados para diversos segmentos de atuação e empresas, como a Apple, P&D, Amazon, Lulu.com, Gilette, Metro entre outras. Diante do potencial visto no livro, e sua aceitação perante o público leigo e especializado, decidi utilizar o canvas para análise e proposição de modelos de negócio na arquitetura. Trata-se de um modelo aberto, criado para estimular a especulação de cenários possíveis, através da alteração ou mesmo a supressão de seus elementos. Ele é composto por 9 elementos conforme descrito no livro: “Acreditamos que um Modelo de Negócios pode ser melhor descrito com nove componentes básicos, que mostram a lógica de como uma organização pretende gerar valor. Os nove componentes cobrem quatro áreas principais de um negócio: clientes, oferta, infraestrutura e viabilidade financeira. O modelo de negócios é um esquema para a estratégica ser implementada através das estruturas organizacionais dos processos e sistemas.” (OSTERWALDER; PIGNEUR, 2011, p.15)

A sua representação gráfica procura setorizar elementos chave do modelo e explicitar a forma como eles se relacionam, conforme as figuras nas página seguintes. Antes de apresentar o canvas aplicado na arquitetura é necessário explicar cada um dos 9 itens. Será resumida a definição de cada termo, mantida a mesma ordem e texto da explicação adotada pelo livro Osterwalder e Pigneur (2011, pp 21-44), devido ao seu caráter didático, meus comentários sendo incluídos somente nos exemplos que visam contextualizar o conteúdo à prática da arquitetura.

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Figura 29 – Representação gráfica explicativa do Canvas (OSTERWALDER; PIGNEUR, 2011, p.19)


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Figura 30 – O canvas (OSTERWALDER; PIGNEUR, 2011, p.44)


1. SEGMENTO DE CLIENTES DESCRIÇÃO

TIPOS

•Suas necessidades exigem e justificam uma oferta diferente •São alcançados por canais de distribuição diferentes •Exigem diferentes tipos de relacionamento •Têm lucratividades substancialmente diferentes •Estão dispostos a pagar por aspectos diferentes da oferta.

•Mercado de massa; •Nicho de mercado; •Segmentado; •Diversificado; •Multilateral.

EXEMPLOS poder público (FDE, licitações, infraestrutura, funcionário público), PPP, movimentos sociais, ONGs, Construtoras, Pessoas físicas, parentes e amigos, Investidores, Loteadores, Iniciativa privada com tipologias específicas (escolas, hospitais, teatros, Indústrias, Comércio, Serviços), colegas arquitetos. 2. PROPOSTA DE VALOR DESCRIÇÃO

TIPOS

•Qual valor entregamos ao cliente? •Qual problema estamos ajudando a resolver? •Qual necessidade estamos satisfazendo? •Que conjunto de produtos e serviços estamos oferecendo para cada segmento de cliente?

•Desempenho; •Personalização; •Fazendo o que deve ser feito; •Design; •Marca/status; •Preço; •Redução de custo; •Redução de Risco; •Conveviência/Acessibilidade; •Conveniência/usabilidade

EXEMPLOS

Típico de uma profissão generalista é a grande diversidade de propostas de valor, sendo exemplos: projeto autoral (marca/status); projetos legais ou aprovação, gestão de projetos ou obra (fazer o que deve ser feito); projetos de especialidades ou realizados de forma mais eficiente (desempenho), projetos personalizados; projetos com custo reduzido (escritórios jovens, modelos enxutos),estudos de viabilidade e orçamentos (redução de risco), concursos de ideias (novidade). Dentre os exemplos nota-se a abrangência de escopo da arquitetura que pode oferecer diversas propostas de valor, no sentido de satisfazer uma necessidade. Contudo, para muitas dessas variantes as estruturas de custos, recursos-chaves e outros itens se repetem, tornando esses modelos semelhantes, pois numa escala maior, todos eles oferecem serviços de forma relativamente semelhante.

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O que se pretende explicitar aqui é que não necessariamente alterando “qual projeto fazer e como” que o modelo de negócios será alterado, pelo contrário, talvez alterando os itens que dão suporte à proposta de valor será gerado um novo modelo, ou mesmo tornar esta atividade de suporte a própria proposta de um novo negócio. 3. CANAIS DESCRIÇÃO

TIPOS

•Ampliar o conhecimento dos clientes sobre os produtos e serviços da empresa; •Ajudar os clientes a avaliar a Proposta de Valor de uma empresa; •Permitir que os clientes adquiram produtos e serviços específicos; •Levar uma proposta de valor aos clientes; •Fornecer Suporte ao cliente Após a compra.

•Diretos e Particulares: Equipes de venda, vendas na web •Indiretos Particulares: Lojas próprias •Indireto Parceiros: Lojas parceiras, atacado

EXEMPLOS

Tabela 4 – Resumo canais na arquitetura

Ao contrário do que ocorre com a proposta de valor, que há inúmeros escopos da arquitetura, em relação aos canais vemos poucas possibilidades sendo aplicadas, corroborando a ideia de que o espaço para a inovação neste ramo de negócios não se encontra na atividade chave e sim nas atividades de suporte.

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4. RELACIONAMENTO COM CLIENTES DESCRIÇÃO

TIPOS

•Conquista do cliente •Retenção do cliente •Ampliação das vendas

•Assistência pessoal •Assistência pessoal dedicada •Self-service •Serviços automatizados •Comunidades •Cocriação

EXEMPLOS

Existem alguns modelos tais quais o relacionamento pessoal, em círculos de amigos ou família; relacionamento por internet, em produtos muito padronizados; relacionamento mais formal, regido por meios contratuais ou terceiros, no caso de grandes empresas e poder público; relacionamentos participativos como no formato de comunidades com escritórios que lidam com trabalhos de assessoria técnica, e possuem uma metodologia mais robusta para lidar com os moradores e usuários. Assim como no item anterior, este é um campo na arquitetura que pode ser melhor explorado. 5. FONTES DE RECEITA DESCRIÇÃO •Quais valores nossos clientes estão dispostos a pagar? •Pelo que eles pagam atualmente? •Como pagam? •Como prefeririam pagar? •O quanto cada fonte de receita contribui para o total da receita? TIPOS DE VENDAS

TIPOS DE PREÇO

•Venda de recursos •Taxa de uso •Taxa de assinatura •Empréstimos/Aluguel/Leasing •Licenciamento •Taxa de corretagem •Anúncios

•Preço de lista •Dependente da característica do produto •Dependente dos segmentos de clientes •Dependente do volume •Negociação •Gerenciamento de produção •Mercado em tempo real •Leilões

EXEMPLO

É interessante notar a dificuldade de encaixar o serviço de projeto de arquitetura em uma ou mais categorias. Isso se dá ao fato dos projetistas prestarem um serviço, cujas estratégias de precificação e venda são complexas. Primeiro, o proje-

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to possui um valor intelectual de difícil quantificação, segundo, esse valor costuma ser alto tornando os projetos caros e inacessíveis à parte da população, terceiro, ele dificilmente é consumido repetidamente, pois cada projeto é diferente do outro, dificultando estratégias de precificação de lista ou economia de escala. Por último o projeto possui a característica de um produto intermediário que não necessariamente é a mercadoria-fim desejada pelo cliente. Para este, o projeto é muitas vezes entendido como obstáculo, como apontado por Oliveira a comentar a importância do marketing. Por fim, para a atividade principal de projeto, sem que se mudem os outros itens como relacionamentos, canais e proposta de valor, não há tanta variação nas fontes de renda, constituindo-se principalmente na segmentação do preço em etapas, ou parcelas no tempo, baseado na “utilização” do arquiteto e sua infraestrutura de trabalho. 6. RECURSOS PRINCIPAIS DESCRIÇÃO

TIPOS

• Que recursos nossa proposta de valor requer? • Nossos canais de distribuição? • Relacionamento com clientes? • Fontes de Receita?

• Físico • Intelectual • Humano • Financeiro

EXEMPLO Para se produzir a arquitetura necessita-se das ferramentas para sua produção (computadores, impressoras, software etc) do espaço físico para que se trabalhe coletivamente através de discussões, alinhamento de equipe, e compartilhamento de experiências e principalmente – seu maior recurso – o capital intelectual, representado pelas pessoas que compõem a organização. No entanto, percebe-se que há uma dificuldade nas contratações dos arquitetos, por diversos motivos que serão abordados mais a frente. Mas certamente, a dependência da arquitetura majoritariamente de seus recursos humanos, é uma característica marcante de nosso modelo de negócio. 7. ATIVIDADES CHAVE DESCRIÇÃO

TIPOS

• Que atividades chave nossa proposta de valor requer? • Nossos canais de distribuição? • Relacionamento com clientes? • Fontes de Receita?

• Produção • Resolução de problemas • Plataforma/rede

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EXEMPLO Num escritório de projetos a atividade chave será projetar. Outras atividades chaves podem ser acompanhamento e gerenciamento de obras, uma especialização nos escopos da arquitetura como: projetos legais, levantamentos, executivos etc ou mesmo realizar atividades de suporte para outros escritórios como gerenciamento de projetos. No entanto como já mencionado no modelo de Oliveira, são necessárias todas as outras entidades – gestão de custo, projeto, RH, comercial, avaliação, planejamento etc – para a sobrevivência saudável do negócio, enquadrando-se como atividades de suporte ou estrutura de custos. No entanto, existe a opção da empresa terceirizar as atividades de suporte, o que pode ser arriscado, se considerarmos a arquitetura como uma atividade que necessita dessas gestões de forma muito alinhada com a sua produção. 8. PARCERIAS PRINCIPAIS DESCRIÇÃO • Quem são nossos principais parceiros? • Quem são nossos fornecedores principais? • Que recursos-principais estamos adquirindo dos parceiros? • Que atividades-chave os parceiros executam? TIPOS

MOTIVAÇÃO

• Alianças estratégicas entre não competidores • Coopetição: parcerias estratégicas entre concorrentes • Joint Ventures para desenvolver novos negócios • Relação comprador-fornecedor para garantir suprimentos confiáveis

• Otimização e economia de escala • Redução de riscos e incertezas • Aquisição de recursos e atividades particulares

EXEMPLO A arquitetura é uma disciplina inserida numa rede de produção muito complexa com agentes dos mais diversos, e a responsabilidade de especificação dos elementos do mundo físico, movimentando assim diversos setores da economia. Parcerias recorrentes são com fornecedores ou construtores, que possuem atividades complementares ao do arquiteto. Outro tipo de parceria é para aquisição de conhecimentos necessários ao projeto, como consultorias ou escritórios parceiros de disciplinas complementares. Há também aquelas para o aumento momentâneo da força produtiva, como junto a

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outros escritórios de arquitetura visando enfrentar grandes escopos, ou mesmo terceirizações de atividades chave, como projetos executivos. Enfim, no caminho do projeto o arquiteto caminha sozinho por pouco tempo, necessitando diversos parceiros para enfrentar os obstáculos de sua trajetória, mais que isso, muitas vezes o próprio escritório pode ser avaliado por seus contratantes de acordo com a rede de parceiros com quem trabalha. 9. ESTRUTURA DE CUSTO DESCRIÇÃO

TIPOS

• Quais os custos mais importantes em nosso modelo de Negócio? • Quais recursos principais são mais caros? • Quais atividades chave são mais caras?

• Direcionadas pelo custo • Direcionadas pelo valor • Custos fixos • Custos variáveis • Economias de escala • Economias de escopo

EXEMPLO

Um escritório que trabalhe com empreendimentos de baixo valor venal ou mesmo produtos padronizados (quiosques de venda, lojas de franquias) poderá apresentar uma estrutura direcionada à redução de custo através de terceirizações, automação de processos (relacionamento com cliente por chat, internet, software customizado) e mão de obra mais estratificada (poucos funcionários muito qualificados, muitos funcionários pouco qualificados) Já escritórios que trabalham com empreendimentos de alto valor venal tendem a ter uma estrutura de custo direcionada à criação de valor, através de maior personalização do produto, atendimento realizado de forma pessoal, e mão de obra altamente qualificada para buscar sempre diferenciação no mercado. Geralmente estes escritórios podem trabalhar com encomendas privadas de casas, edifícios comerciais ou concursos de projeto. Ainda assim, podem ser adotadas diversas estratégias comuns visando aumentar a produtividade do modelo, como economia de escala, estruturas enxutas, redução de etapas de entrega, racionalização do processo de projeto. A prática da arquitetura possui um desafio orçamentário grande, pois deve diluir seus custos fixos entre diversos projetos que possuem sua precificação na base de negociação, sendo este um grande gargalo para a sobrevivência do negócio, pois em geral os escritórios pequenos e grandes trabalham com picos de demanda necessitando ou uma reserva de caixa, ou uma estrutura de custo elástica, que impacta diretamente sua forma de contratação.

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CONCLUSÃO Ao situarmos a prática da arquitetura como um negócio, que precisa ser sustentável numa economia de mercado, percebe-se a complexidade que ela assume e como é frágil uma estrutura cujo apoio principal é somente sobre a atividade de projeto. Simultaneamente podemos concluir que há muito espaço para inovação nos modelos de negócio de arquitetura nas atividades de suporte, em especial do lado direito do canvas, que consiste na forma como ele se relaciona com o mundo externo, uma vez que para o lado esquerdo do canvas, pode-se utilizar as ferramentas já apresentadas no modelo de gestão. A partir da apresentação dos itens do canvas podemos concluir que um modelo de gestão não possui as variáveis suficientes para podermos analisar completamente a prática da arquitetura. O modelo de Oliveira apresentado no capítulo cinco aborda somente parte dos itens dois, três e quatro: proposta de valor, canais e relacionamento, respectivamente. Focando-se principalmente nos itens oito e nove: recursos principais e estrutura de custos . A figura 27 da página seguinte demonstra como os elementos dos modelos já apresentados – De Alharbi e seus colegas, de Oliveira e o canvas – se relacionam. Podese perceber que o modelo de Alharbi é de fato o mais genérico, dentro de suas categorias, seriam inseridas tantas outras dos modelos vizinhos. Por outro lado, há grande diferença entre o canvas e o modelo de Oliveira, os temas de Oliveira que apresentavam maior relacionamento com o mercado são estratificados em novas categorias. Nesse sentido, podemos concluir que o modelo que melhor dá suporte para a construção da relação entre arquitetura e mercado, ambiente interno e externo, é o canvas. Outra diferença crucial, é que o canvas trata-se de um modelo aberto, ou seja, o usuário pode preenche-lo da forma como bem entender, enquanto que o de Oliveira já apresenta conceitos bem estruturados para cada entidade, possibilitando menor interação. Em seguida, na figura 28, são sobrepostas as categorias elencadas no canvas sobre o novo modelo de gestão 6, de forma a esclarecer a relação entre os dois modelos apresentada na tabela da figura 34. Podemos ver como alguns temas são agrupados nas entidades do modelo de gestão e que este pode, se devidamente explicado, servir como exemplificação de um modelo de gestão com categorias de negócios. Por último, ainda que o canvas seja um modelo aberto, o modelo de gestão pode apresentar uma simulação do funcionamento de um escritório de arquitetura, possuindo dessa forma uma qualidade exclusiva em relação aos outros modelos. Portanto, tendo em vista a importância dos parceiros para a sobrevivência da arquitetura, resolvi adicionar esta entidade ao modelo, gerando então a sua versão final, que foi utilizada para as entrevistas realizadas posteriormente com escritórios de arquitertura.

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Tabela 5 - Comparação entre categorias dos modelos apresentados

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Figura27 - Elementos do canvas sobrepostos ao novo modelo de gestĂŁo 6

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Figura 28 - Modelo 6 acrescido o elemento parceiros

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5.3. O CANVAS APLICADO NA ARQUITETURA Após elencarmos todos os elementos que segundo Osterwalder e Pigeneur constituem um modelo de negócios o próximo passo é procurar enquadra a arquitetura neles, e finalmente trabalhar seus elementos verificando a possibilidade de novo modelos de negócios. Diante das inúmeras combinações que podem resultar da manipulação dos nove elementos do modelo, vale a pena citar brevemente os padrões apontados pelo livro como sendo recorrentes. 1. Modelos de negócio desagregados: termo cunhado por John Hagel e Marc singer que acreditam que as empresas possuem estruturas de gerenciamento de infra estrutura (lado esquerdo do canvas), inovação de produto (centro esquerdo do canvas) e relacionamento com clientes (lado direito do canvas). Eles propõem que em empresas com segmentos de mercado extensos (bancos por exemplo) pode haver conflitos de finalidade nesses campos, por exemplo necessidades de estruturas de custo enxutas e atendimento personalizado. Dessa forma para eles faz sentido que a empresa se mantenha somente em seu campo de excelência, sua atividade chave, e terceirize as outras atividades de suporte com empresas cuja proposta de valor reside nestas atividades. Exemplo: bancos e empresas de telecomunicação 2. Cauda Longa: constitui basicamente em “vender menos de mais”, ou seja, possuir um amplo leque de produtos com baixas taxas de venda fornecido a muitos segmentos específicos de mercado, ao invés de um ‘campeão de vendas’ fornecido a um segmento específico. Com o advento das redes de comunicação este modelo se tornou recorrente e é encontrado em plataformas como amazon.com ou lulu.com ou a Lego que apostou na cocriação para gerar produtos específicos para clientes específicos 3. Plataformas multilaterais: “unem dois ou mais grupos distintos, porém interdependentes, de clientes; são de valor para um grupo de clientes apenas se os outros grupos também estiverem presentes; a plataforma cria valor facilitando a interação entra diferentes grupos; uma plataforma multilateral cresce na medida em que atrai mais usuários, um fenômenos conhecido como efeito rede” (OSTERWALDER; PIGNEUR, 2011, p.95). Exemplo: google, Wii, Apple 4. Grátis como modelo de negócio: a. Modelos com custo baixo de produção ou prestação de serviço e que atingem a um grupo muito grande de clientes, de modo que possam ser financiados por publicidade. Exemplo: jornal Metro, youtubers b. Freemium: Oferece um serviço básico de graça, e um serviço pago com maiores benefícios, que possa custear a estrutura de custo do serviço grátis. Exemplo: Skype, jogos onlin

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5. Isca e Anzol: “padrão de modelo de negócios caracterizado por uma oferta inicial atraente, barata ou gratuita, que encoraja contínuas compras futuras de produtos ou serviços relacionados” (OSTERWALDER; PIGNEUR, 2011, p.95). Exemplo: Barbeador e lâminas Gilette; Impressoras e cartuchos HP, Nespresso e cargas de café 6. Modelos de negócio abertos: estratégia utilizada para gerar valor com a colaboração de agentes externos, a empresa abre parte de seu negócio em troca da solução de um problema. Exemplo: Procter&Gamble; GlaxoSmithKline; Innocentive Para ilustrar os exemplos acima, e a aplicação do canvas na arquitetura, foram elaborados seis modelos apresentados na seguinte ordem nas próximas páginas. M1. ESCRITÓRIO LIBERAL DE ARQUITETURA Este modelo pretende representar o que entendo como o escritório tradicional de arquitetura. A sua proposta de valor é criar um projeto que se adeque a cada necessidade de seus diferentes clientes, para isso ele precisa também desenvolver a habilidade de um atendimento personalizado, assim como atender aos custos e prazos, garantindo uma arquitetura construída com qualidade e conforto. Da mesma forma, com a experiência, esse escritório possui uma rede de parceiros com quem ele já trabalha e que possuem uma garantida qualidade, essa rede é também compreendida como proposta de valor para o cliente, que não conseguiria, sozinho ou tem tempo hábil encontrar e avaliar cada integrante do processo de constituição de uma obra de arquitetura. Os canais que entregam esta proposta podem ser círculos pessoais, eventos da área, outros profissionais, assim como publicações em meios especializados ou na internet. Os segmentos de clientes desse modelo é bastante variado, podendo prestar seus serviços à pessoas físicas, jurídicas, ao poder público, em contratos com valores compatíveis à capacidade produtiva do escritório. O relacionamento com o cliente é dado de forma pessoal, ou seja, não se utilizam mídias de atendimentos automáticos ou processos muito definidos, pois cada caso é um caso, e o arquiteto, na figura da gestão comercial, deve ser capaz de interpretar os ensejos de cada cliente traduzindo-os em propostas comerciais, escopos bem definidos e projetos. As atividades principais deste escritório tendem a ser a produção de projetos e o acompanhamento de obras. Seus recursos principais são os arquitetos, em seguida a infraestrutura (espaço físico, computadores, licenças etc) e sua carta de clientes e fornecedores Seus parceiros são aqueles com quem ele compartilha as tarefas do projeto ou execução, escritórios de engenharia, empreiteiros, fornecedores, construtores, incorporadores, etc.

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M2. ESCRITÓRIO DO ARQUITETO CONSTRUTOR Esse modelo pode ainda se considerado um reflexo daquele que existia na década de 30-40. Ou seja, são escritórios que estão intrinsecamente ligados à construção de seus artefatos. Isso altera de forma significativa a proposta comercial, pois o projeto não está desatrelado ao produto final, de forma que, muitas vezes, o custo do projeto é inserido em tarefas como execução, ou gerenciamento e acompanhamento de obras. No caso, foi modelado o canvas do que seria o escritório de Jacques Pilon, conforme informações descritivas da tese de SILVA (2010). Pilon era um arquiteto pragmático que construía, e até muitas vezes incorporava, chegando a possuir seus edifícios, no contexto da legislação do inquilinato, e antes dos grandes fundos de investimentos que estruturaram o mercado dos incorporadores. Seus clientes eram a elite da economia da época, grandes industriais ou descendentes das famílias influentes de São Paulo. Ele possuía duas figuras jurídicas, um escritório de construção e outro de projeto. Devido à sua integração com o canteiro e seleção de mão de obra qualificada para a execução, eles dificilmente desenhavam projetos executivos, iniciando a construção a partir do anteprojeto aprovado legalmente e realizando qualquer mudança necessária durante a obra. Tal prática atribuiu grande eficiência ao processo de produção do escritório e, somado ao conhecimento quase exclusivo da construção de arranha-céus, o permitiu erguer centenas de edifícios. É interessante, ao analisarmos atualmente, que se trata de um modelo enxuto, possuía 12 desenhistas/arquitetos e um engenheiro calculistas, e Pilon, o proprietário, já realizava as funções administrativas e comercias, deixando o gerenciamento dos projetos a cargo de seus coordenadores. A lição que se pode aprender desse modelo, é que Pilon já enfrentara, naquele tempo, a transformação da arquitetura em mercadoria, utilizando diversas formas de penetração do mercado e uma prática profissional de forma racionalizada, conforme afirma SILVA: “Pilon, assimilou em sua prática e na estrutura do escritório novas exigências relativas a prazos e aos custos de execução do projeto e de seu produto final, o edifício, orientadas pelos ideias da produtividade e rentabilidade colocadas pelas encomendas reais e o acompanhamento efetivo da obra, etapas não vivenciadas nos ateliês da escola. Inserido numa cadeia produtiva mais ampla, o projeto se reorganizou para atender de modo mais eficiente tanto a sua realização no escritório quanto sua construção no canteiro de obras” (SILVA, 2010, p. 102)

Ou seja, há 70 anos, na prática tida como “de mercado” notamos uma postura mais profissional neste escritório, que encontra ecos nos escritórios entrevistados conforme será explicitado no capítulo 5 e 6. Conforme ainda afirma SILVA (2010), a prática de Pilon e sua estrutura organizacional que possibilitava a execução de diversos projetos em paralelo era inspirada em parte pela lógica da linha de pro-

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dução e em parte pela prática de projeto da Escola de Belas Artes parisiense, denotando que a forma como os arquitetos se organizam, que possuem reflexo ainda hoje, há muito não sofrem alterações. “Pela análise de seus projetos, é possível afirmar que a organização de seus escritórios seguia a lógica apreendida nos ateliês da École des Beaux Arts de Paris. Neles, Pilon exercia a atividade de patron, definindo a orientação arquitetônica da empresa, que era seguida pelos chefes de escritório e desenvolvida pelos desenhistas. O projeto era fruto de tarefas especializadas, divididas entre autores, coordenadores e desenhistas, responsáveis pela sua concepção, direção e detalhamento, numa organização de forte caráter hierárquico. (...) É interessante notar como esta organização inspirada na lógica da linha de montagem, envolvendo ao menos três agentes – autor, coordenador e desenhista – foi aprendida em Paris, problematizando a afirmação de que a racionalização do processo projetual é incompatível com a tradição europeia do ateliê.” (SILVA, 2010, pp 101-102)

M3. ARQUITETURA INTEGRADA Conforme foi analisado no capítulo um, no decorrer da história da arquitetura, nossa profissão tende a se tornar cada vez mais segmentada em diversas especialidades, sendo um dos grandes desafios de nossa geração a garantia da qualidade, frente a crescente complexidade dos agentes e dos programas exigidos para as edificações. Conforme afirma Fabrício: “(...) novos paradigmas de colaboração e informação colocam como referência uma abordagem mais multidisciplinar e participativa, na qual a concepção de artefatos surge de complexas interações entre equipes de especialidades que se entrelaçam em redes criativas” (FABRÍCIO, 2008, p. 31)

Nesse sentido, integração entre as diversas disciplinas envolvidas para a produção das edificações e cidades se mostra cada vez mais complexa, conforme afirmado mais adiante por Fabrício: “Trata-se, essencialmente, de reconhecer que o projeto é um processo interativo e coletivo, exigindo uma coordenação do conjunto de atividades envolvidas, compreendendo momentos de análise crítica e validação das soluções, sem, no entanto, impedir o trabalho especializado de cada um de seus participantes”(FABRÍCIO, 2008, p. 33)

Segundo o autor, os arquitetos possuem um grande potencial para lidar com esses problemas, devido à sua formação generalista. Desse modo, poder-se-ia propor um modelo de negócios focado unicamente da coordenação e projetos, ironicamente especializando a tarefa que pretende unir as especialidades. No entanto, na tentativa de especular novos modelos através da ferramenta do canvas, o que busquei foi imaginar todas as especialidades trabalhando na mesma empresa e quais seriam as suas implicações.

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Portanto, a proposta de valor do modelo arquitetura integrada é possuir todas as disciplinas embaixo do mesmo teto. Ou seja, este modelo não realiza sub-contratações, podendo gerir a qualidade do processo inteiro e garantir maior eficiência na interação entre os especialistas, diminuindo os riscos de atrasos e erros no projeto. Da mesma forma, o escopo e preço deste modelo são bem definidos, pois ele possui conhecimento aberto de todo o processo. Em contrapartida, este modelo possui um altíssimo custo com recursos e infraestrutura, pois são necessárias estruturas grandes para custear engenheiros e arquitetos, além dos gestores, que nesse caso possuem uma função essencial de interligar as partes. Consequentemente, este modelo deve se dirigir a segmentos de mercado com alta complexidade que poderão financiar esta estrutura de custo e utilizar a expertise disponível. Nesse sentido, este modelo provavelmente poderá trabalhar para o poder público em obras de grande complexidade, ou para pessoas jurídicas como indústrias, hotéis, grandes empreendimentos e infraestrutura. Atualmente já existem empresas que prestam esses serviços nestes moldes, que se configuram uma prática empresarial, geridas mais com um negócio do que um escritório de arquitetura, nos moldes de ateliês. Um exemplo desta prática é a empresa de engenharia Kinjnik, que engloba todas as especialidades de engenheiros, e ainda, arquitetos. M4. ARQUITETURA SERIADA A arquitetura pode também ser um produto de lista. Se atacar um segmento de mercado muito específico, como franquias, ou escopos bem definidos, tende a ocorrer uma repetição nas formas de produção de determinado produto. Dessa forma, esse modelo pode chegar a tal padronização que crie produtos de lista, com preços definidos que poderiam até ser comprados pelo cliente com menor interferência do arquiteto, ou seja, em um atendimento automatizado ou via site. A sua proposta de valor não é customização e personalização, pelo contrário, é entregar um produto com uma qualidade já garantida, com uma clara composição de custo e prazo, apostando na eficiência dos processos. Dessa forma, sua atividade principal talvez seja mais a gestão de parceiros, plataformas de venda e prestadores de serviços, do que arquitetos propriamente ditos, que poderiam compor somente parte da equipe técnica. Possuindo um produto já padronizado, esse modelo pode ainda apostar em estratégias de venda mais consolidadas como a economia de escala. Ou focar em claras identidades e práticas de mercado para atingir um nicho muito específico. Exemplos desse modelo são arquitetos que trabalham para franquias, como Starbucks, Extra, ou fazem quiosques, stands de venda etc.

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M5. PLATAFORMA MULTILATERAL Conforme já foi comentado, podem existir modelos que façam para uma empresa, uma atividade que ela não possui competência ou entra em conflito com sua atividade chave. Por exemplo, no caso das empresas de arquitetura, tendo em vista a saturação das abordagens referente aos canais e relacionamentos de clientes, poderia existir um modelo que procure atacar justamente esse ponto. Dessa forma, seria possível criar uma plataforma multilateral, na qual segmentos do mercado pudessem encontrar os arquitetos e vice-versa, potencializando os canais da arquitetura. Esse formato de atuação na verdade também já existe. Há sites, nos quais os arquitetos se cadastram e publicam seus trabalhos, utilizando, por exemplo, um mobiliário de alguma marca específica. Na publicação da imagem do trabalho do arquiteto, por exemplo, uma cozinha mobiliada, o fornecedor pode pagar uma taxa ao site, para poder dizer que tal ítem pode ser comprado com ele. Dessa forma, pelas imagens de seu trabalho, os clientes, em busca de referências para suas reformas ou afins, encontram os arquitetos que mais lhe agradam assim como visualizam os produtos que poderiam comprar. Neste caso, os segmentos de cliente são os arquitetos e os fornecedores, que acabam custeando a plataforma online, maior estrutura de custo da empresa. Um exemplo real dessa prática é o site americano Houzz. M6. MODELOS MISTOS Podem existir ainda muitos modelos, que fazem abordagens mistas, associando as diversas categorias vistas anteriormente. Concomitantemente, inovações no canvas podem ser criadas a partir de “epicentros de inovação” (OSTERWALDER; PINGEUR, 2011, p. 138). Ou seja, pode-se elencar um atributo do canvas a partir do qual se altera todo o modelo de negócio. Por exemplo, se misturado o modelo multilateral com o arquitetura e série, atacando principalmente o relacionamento com o cliente e os canais, poderia existir uma prática que tivesse uma mistura de produtos de lista e uma plataforma online, afim de unir arquitetos e clientes. Esse modelo foi também encontrado na realidade, na empresa italiana CoContest, na qual arquitetos do mundo inteiro se cadastram, e qualquer cliente pode solicitar um projeto de interiores, mediante o preenchimento de um questionário, auxiliado por um arquiteto da empresa, via chat online. Nesse modelo os preços e escopos estão tabelados e o cliente ganha até cinco propostas de arquitetos do mundo todo, escolhendo por fim uma finalista, num formato de concurso feito para uma só pessoa.

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ENTREVISTA À ESCRITÓRIOS DE ARQUITETURA E URBANISMO


6.1. OBJETIVOS Nos capítulos anteriores busquei compreender primeiro as condicionantes históricas que contribuíram para a formação do arquiteto-urbanista no Brasil. Diante da valorização da atividade de projeto, procurei melhor compreendê-la e encontrei o conceito do pensamento projetual como capacidade humana. Em seguida, procurei determinar, tendo em base pesquisas anteriores no assunto, quais eram os elementos que constituem a prática profissional compilando essas informações no que designei, assim como a pesquisa de OLIVEIRA (2002), um modelo de gestão para a arquitetura. Nesse sentido está claro que apesar de ser geralmente chamado de escritório, atelier ou estúdio, em consonância com as ideias do arquiteto liberal, autônomo, a prática saudável da arquitetura possui os elementos de uma empresa, ou seja, um negócio estruturado para funcionar dentro da sociedade de mercado, que possui estruturas financeiras, de recursos humanos, planejamento estratégico, controle de processos, atividades chave, sistemas de informação e um relacionamento comercial com o meio externo. Acredito que a pesquisa histórica mostrou que a prática da arquitetura é mais do que somente fazer projeto no sentido da dialética entre técnica e arte, o pensamento projetual ao ser compreendido como inteligência humana pode também abraçar os elementos do modelo de gestão. Portanto formulo a hipótese de que o arquiteto ainda projeta, quando exerce todas as outras atividades do modelo de gestão, que não correspondem à de projeto. Outra importante constatação é que sem as outras atividades a prática não consegue se sustentar. Como foi delineado no capítulo dois, ao analisarmos como o arquiteto projeta em diversas esferas – partindo de seu indivíduo, relacionando-se com sues colegas, formalizando os projetos em etapas e produtos, inserindo-se nos processos de uma empresa, e finalmente situado na cadeia de produção da sociedade – seria como se somente existisse a primeira esfera, do indivíduo resolvendo o problema, sem relacionar-se com o meio externo. É uma abstração, que encontra lugar para formulação teórica, como na universidade, mas que é impossível enquanto prática. O projeto, sozinho, não consegue constituir um modelo de atuação profissional. Dessa forma, os capítulos anteriores apresentaram uma hipótese de como deveria funcionar idealmente a prática da arquitetura. No entanto, para ser validado, o modelo necessita ser exposto à realidade ao qual ele tenta se referir. Isto é, os próprios escritórios de arquitetura e urbanismo, hoje, seriam os mais aptos a julgar a validade dos conceitos apresentados. Somente a partir desta experiência seria possível realizar as devidas correções ao modelo, buscando enxergar, em primeira mão, como é realmente o posicionamento atual do arquiteto em relação à prática profissional, e em que medida ele realmente se relaciona com as hipóteses e constatações levantadas.

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6.2.

METODOLOGIA E RESULTADOS

A forma escolhida para relacionar o conteúdo da pesquisa ao mundo profissional foi através de entrevista aos escritórios. Deve-se deixar claro, que para os objetivos desta pesquisa, não seria relevante determinar um grupo de estudo muito bem definido de escritórios, tendo em vista questões objetivas, como segmentos de mercado, número de funcionários, tempo de atuação etc. Pelo contrário, seria pelo confronto das diversas abordagens, frente ao tema comum que é a prática profissional, que se esperava pode encontrar novas respostas em direção à natureza deste problema. Para obter um rigor metodológico, as entrevistas foram semiestruturadas de forma a se assemelharem a uma conversa, na qual os temas delineados nos modelos de gestão e negócios seriam sequencialmente abordados de forma igual para todos os escritórios participantes. Essa metodologia é baseada num enfoque de pesquisa essencialmente qualitativo (CHARMAZ, 2006), mais apropriado tendo em vista, a natureza do tema, o limitado horizonte temporal e a disponibilidade das amostras. Dessa forma, as entrevistas foram gravadas e o seu conteúdo transcrito em planilhas, para posterior categorização e síntese de novas conclusões. Para tanto, foi elaborado um roteiro a ser repetido para cada participante, segundo a sequência descrita abaixo. A entrevista na íntegra e os documentos utilizados se encontram no Anexo um deste trabalho. 1. Agradece-se à presença do entrevistado, o entrevistador se apresenta e explica a justificativa da validade da entrevista, seguido da assinatura dos termos de consentimento para gravação; 2. Aplica-se um questionário separado em dados objetivos e subjetivos, primeiro relacionado ao entrevistado e depois à empresa totalizando 20 perguntas subjetivas, cada uma abordando um tema específico dos modelos de gestão e negócios; 3. Requisita-se ao entrevistado que realize um organograma da empresa. É importante que sempre se procurasse uma posição neutra do entrevistador, de forma que o entrevistado pudesse expressar sua opinião a respeito dos temas com o menor grau de influência; 4. Apresenta-se o modelo de gestão beta, explica-se cada entidade e o entrevistado é instigado a identificar, de forma interativa, a semelhança deste modelo com a sua atual prática profissional. 5. Em seguida, explica-se a distinção entre os modelos de negócios e de gestão, e apresentam-se os seis canvas, elaborados no capítulo cinco, exemplificando a utilização da ferramenta, e como poderiam ser feitos outros modelos de negócio para a arquitetura; 6. É dado ao entrevistado um canvas em branco, no qual ele é convida-

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do a preencher os campos, buscando realizar uma reflexão acerca de sua própria prática profissional. 7. Finalmente pergunta-se a pertinência dos modelos apresentados, se o entrevistado os considerou de alguma forma útil. 8. Os modelos eram copiados e deixados com os entrevistados se eles assim o desejassem, buscando contribuir de alguma forma com o entrevistado, pelo tempo e conteúdo que foi disponibilizado. Na página seguinte demonstro uma tabela relacionando os temas dos modelos com as perguntas feitas aos participantes É necessário esclarecer que as entrevistas foram essenciais para o andamento do trabalho. No entanto, houve certa dificuldade em encontrar escritórios que, dentro do tempo disponível num trabalho de graduação, se disponibilizassem a participar delas. Outro agravante é que geralmente o membro mais qualificado para a entrevista seriam os sócios fundadores ou gestores dos escritórios, que não possuem fácil acesso pelas vias tradicionais de sites, e-mails e afins. Soma-se a isso que as entrevistas deveriam ser realizadas presencialmente, pois seriam gravadas, com interação entre os membros e perguntas subjetivas. Assim sendo, contatei os escritórios com os quais já havia algum tipo de relacionamento construído por meio de conhecidos. Portanto, num primeiro momento, me propus dentro do tempo disponível de dez semanas, a entrevistar cerca de oito escritórios, levando em conta o agendamento, locomoção, e posterior tabulação dos dados. Foram contatados dez escritórios dos quais somente seis participaram. Conforme esperado, os escritórios participantes possuíam diferentes perfis profissionais, constituindo uma característica positiva, pois as diferenças encontradas enriqueceram o trabalho, é somente uma pena que não puderam ser realizadas mais entrevistas ao ponto de chegarmos ao que parece existir: um ponto de saturação dos modelos de gestão e negócios. A identidade dos escritórios não será revelada, pois fere a privacidade dos entrevistados e dos escritórios além de não acrescentar nada aos objetivos desta pesquisa que é o de verificar panoramicamente as formas em que se pratica a arquitetura. Ou seja, não interessa quem é o escritório, somente em qual tipo de modelo ele se enquadra. Ainda assim para fins de comparação é possível caracterizar os escritórios entrevistados segundo a tabela da página 99. Outro fator a ser levado em conta nos resultados é que, com exceção de dois escritórios, todos os outros participantes foram fundados por ex-alunos da FAUUSP. O que para essa pesquisa pode ser também relevante, pois como foi descrito nos capítulos anteriores a FAUUSP teve um papel pioneiro no estabelecimento do currículo do arquiteto urbanista no Brasil.

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Tabela 6 - Perguntas e temas da entrevista

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Tabela 7 - caracterização dos entrevistados

Cada entrevista passou por um processo de tabulação e categorização. Os áudios foram ouvidos e transcritos frase a frase no programa miscrosoft excel em planilhas. Com todas as planilhas abertas foram sendo atribuídas simultaneamente categorias qualitativas aos temas, pois como todas seguem a sequencia de perguntas da entrevista semiestruturada, presumiu-se que eles iriam surgir em blocos semelhantes. De fato isso ocorreu, e o nome dado para as categorias foi sendo dessa forma adaptado, ajustando-se a cada novo tema ou excluindo aqueles que pertenciam a outras categorias. É Importante dizer que apesar de seguir uma estrutura previamente estabelecida os temas emergentes das categorias, não obrigatoriamente seguiram aqueles já elencados nas entrevistas. Isso foi premeditado, pois o que se buscou foi novas informações a serem extraídas do discurso dos participantes que pudessem agregar àquelas já existentes.

Tabela 8 - exemplo tabela de transcrição

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Figura34 - Diagrama de compressĂŁo dos temas

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Dessa forma, incialmente foram definidas 75 categorias, agrupadas então em 18 e finalmente em 8 categorias mais genéricas. Em paralelo a esse processo linear de categorização, após lidas e relidas as entrevistas, foram produzidos diversos textos auxiliares que buscavam, de forma mais intuitiva, sintetizar a informação extraída em hipóteses e constatações. Essas informações foram também organizadas em tabelas e constituem parte integrante dos próximos capítulos desta pesquisa. 6.3. REAÇÃO DOS ENTREVISTADOS AO TEMA E AOS MODELOS Os escritórios que aceitaram o convite de participar da pesquisa se mostraram muito interessados em compartilhar suas experiências no assunto, nesse sentido as entrevistas semiestruturadas foram bem sucedidas, pois conseguiram orientar as conversas sem perder o tom casual, mas também fazendo com que os temas fossem devidamente explorados. Logo no início das entrevistas, ao pedir para ser desenhado o organograma das empresas, temos uma primeira constatação importante: a sobreposição do indivíduo e sua tarefa, ou departamento. A maioria dos entrevistados faz um organograma por pessoas, para depois atribuir em geral mais de uma função para cada, principalmente no caso dos sócios fundadores. Também é digno de nota, que todos os tema abordados foram reconhecidos no dia a dia dos escritórios, mesmo quando ele admitia não haver uma maneira formal em lidar com aquele assunto. Ou seja, houve pouco estranhamento com a discussão da produção da arquitetura em torno desses temas, na verdade há até um sentimento de cooperação, no sentido de compartilhar a dificuldade que foi aprender estes assuntos de forma urgente, e estruturada principalmente, pela tentativa e erro. Com exceção do primeiro entrevistado, o modelo de gestão teve pouca receptividade, ou apresentou uma dificuldade de leitura, principalmente em relação ao seu funcionamento em etapas. No entanto, é importante frisar que todas as entidades do modelo foram reconhecidas, ainda que o escritório utilizasse um nome diferente para elas, as funções eram correspondentes indicando que, de fato, a prática profissional se constitui em mais elementos que somente o ato de projeto. Na primeira entrevista, houve um reconhecimento imediato do fluxo da informação e das entidades, o entrevistado realmente chegou a questionar a própria prática em comparação com o modelo apresentado, principalmente no tocante ao planejamento estratégico, em quanto a informação deve passar por ele. Também nessa entrevista foi feita a primeira grande crítica ao modelo: a informação seria menos hierarquizada e unidirecional que o proposto, e que da entidade gestão comercial há uma seta ligando diretamente às atividades de projeto. Ou seja, não há somente dois pontos de contato com o meio externo, como se presumiu sendo a gestão comercial e o planejamento estratégico. Dessa forma,

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o modelo é mais permeável, e o cliente atinge até o planejamento e controle do processo de projeto. Mesmo tendo em vista que esta era de fato uma crítica muito pertinente, o modelo não foi alterado, para testar se os outros entrevistados iriam repetir a observação – o que de fato ocorreu. Essa primeira divisão entre o que o cliente “enxerga” da empresa foi muito benéfica e aceita por todos os entrevistados. Há uma diferença entre aquilo que ocorre antes e depois do projeto, essa cisão propunha um novo agrupamento das entidades, que originou um novo modelo, a ser melhor explicado no próximo capítulo. Os demais representantes dos escritórios não conseguiram enxergar-se tão bem no modelo, ou não quiseram interagir com ele, até por questões de receptividade estética, chegando a alegar que a representação das informações não se dava da

Figura 35 - modelo com edição da seta entre GCOM ,PROJETAR e PCPP

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Figura 36 - modelo com campo de visão do cliente


forma hierárquica ou sequencial que se propunha. Contudo, para fins de comparação, manteve-se o modelo inalterado. Assim como denotado na produção dos organogramas, houve uma evidente tendência inicial em entender os elementos do modelo como departamentos, o que causou certa repulsa ao esquema. Após explicarmos que eram atividades e que elas poderiam até ser realizadas todas por uma só pessoa, a receptividade ao modelo aumentou.

Figura 37 - diagrama represntativo que uma pessoa pode realizar todas as tarefas

Nesse sentido, a entidade ‘Estrutura Organizacional’ foi compreendida por todos, mas entendida como algo intangível, pois ainda que houvesse uma estrutura do organograma, ela era constantemente reorganizada de acordo com a demanda dos projetos. O mesmo ocorreu com o planejamento estratégico, que alguns escritórios denominaram “posicionamento”. Muitos admitiram não possuir métodos claros de lidar com essa entidade, enquanto outros haviam formas estruturadas de lidar com o assunto apresentando estratégias bem definidas de negócios e uma clara cultura organizacional, ainda que não denominada dessa forma. Em geral há uma concordância que existem atividades que antecedem e sucedem o projeto. Em relação às atividades de suporte, não há um acordo sobre os nomes. Atividades financeiras, de gestão de custos e administrativas se confundem. Outros escritórios apresentaram outras atividades como marketing, tecnologia de informação e assessoria jurídica. Ainda assim há um consenso que falta no modelo a entidade entendida por todos como “infraestrutura”, ou seja, o espaço onde os arquitetos trabalham e as ferramentas para que possam trabalhar que de acordo com eles hoje são cada vez mais sofisticadas e merecem uma atenção dobrada, como contratação de especialistas de TI, utilização de servidores e CPDs (centro de processamento de dados) e aquisição de licenças de softwares.

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É interessante que certos escritórios propuseram o aumento de algumas entidades. O representante do escritório três, por exemplo, compreendeu que no seu dia a dia a atividade de planejamento e coordenação do processo de projeto era mais ativa que o próprio ato de projeto. Da mesma forma, os parceiros são uma entidade de maior dimensão, mais representativa na hierarquia do modelo. Os escritórios que trabalhavam mais com edificações reconheceram prontamente a ausência da entidade “obra”. O que é um indicativo bastante interessante da reaproximação do arquiteto ao canteiro. Se adotarmos que a separação do canteiro foi um ato ideológico de repúdio ao mercado, infere-se que o retorno ao mesmo possa ser um sinal da reconciliação, além da compreensão do projeto não como um fim em si mesmo, mas sim a obra construída. Após realizadas as primeiras entrevistas, procurou-se representar graficamente as críticas apontadas aos modelos, conforme demonstrado nas páginas seguintes. Dessa forma criou-se modelos alternativos, que não foram mostrados aos entrevistados, mas representam um meio termo entre o modelo de gestão original e aquele que será corrigido e demonstrado no próximo capítulo. Pode-se obervar que cada vez mais eles tomam formas mais complexas, apontando para uma necessidade de simplificar a representação. Em relação ao canvas, houve uma dificuldade em lidar com a ferramenta, principalmente pela nomenclatura dos conceitos. Muitos elementos do canvas foram abordados com naturalidade durante a entrevistas como proposta de valor, relacionamento com clientes, segmento de mercado e canais de captação. No entanto, no momento de seu preenchimento os arquitetos se viram intimidados em terem de categorizar a prática em caixinhas, havendo aqueles que realmente se recusaram a preencher, e com bastante insistência, argumentaram que seria impossível, pois era necessário realizar um canvas para cada caso. Em especial neste exemplo, houve um escritório, cujo segmento de mercado era muito amplo, e de fato ele tem razão que o correto seria fazer um modelo para cada situação. No entanto, ao apresentar o modelo “resolvido” do pequeno escritório de arquitetura os entrevistados geralmente reconheceram de pronto a sua prática. Ainda assim, é importante ressaltar um erro do canvas do pequeno escritório: ele presumia contratos com baixo valor agregado e projetos pequenos. O que se constatou é que ocorre justamente o contrário, os escritórios com escopo generalista e mais estruturados, mesmo de médio porte (até 10 membros) possuem todos grandes contratos do poder público e/ou iniciativa privada, que eles realizam em parceria com outros escritórios de arquitetura ou engenharia. Como era de se esperar, o lado esquerdo do canvas foi em geral preenchido com mais facilidade, pois as estruturas de custos e parceiros são facilmente identificáveis e há um consenso em relação aos recursos humanos e o espaço de trabalho como sendo os mais importantes e custosos itens. Contudo, houve muita dificuldade em diferenciar os canais de relacionamentos dos clientes, e em geral o lado direito do canvas foi preenchido com maior difi-

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Figura 38 - modelo com avaliação nos entes e fluxos duplos de informação Existe intensa interação entre PESTR, ESTR e gestões, de forma que o fluxo não é unidirecional. AVAL também avalia as atividades, não as informações como antes estava no modelo anterior. No escritório pequeno, isso é feito em reuniões semanais de alinhamento das equipes, não sendo uma entidade bem definida. Quando os processos são muito dinamicos, ocorrem AVAL constantemente. Pode-se interpretar PCPP como a gestão da atividade chave que é projeto. É ela que orienta e controla a GRH e GCUSTOS estas não se relacionando diretamente com o ato de projetar. Indicando que existe muita interação entre as etapas pré-projeto, mas após a etapa projeto, a informação só desce, em direção ao ambiente externo, voltando somente como forma de feedback do cliente no sistema.

culdade. Isso denota que, conforme levantado no capítulo quatro, a relação com o cliente na arquitetura não é óbvia, objetiva nem em muitos casos bem resolvida, assim como o segmento de mercado, que geralmente é bastante amplo para os escritórios entrevistados. Obviamente, como já foi citado, o fato do arquiteto poder abraçar diversos escopos é condicionante para a dificuldade dos canais, relacionamentos e fontes de renda, pois cada segmento possui a sua peculiaridade. Dessa forma, constatamos que o arquiteto que busca uma prática generalista deve estar preparado para ser muito flexível e capaz de lidar com diversos cenários simultaneamente. A apresentação dos novos modelos criados foi interessante, pois muitos dos entrevistados se surpreenderam com as possibilidades e não sabiam da existência dessas novas práticas, validando o canvas como ferramenta de diagnóstico e projeto de modelos de negócios. Houve um consenso que as inovações estavam no lado

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Figura 39 - Modelo com linha direta de informações Nesse modelo, a informação é menos hierarquizada. É o caso de poucas pessoas cumprindo múltiplos papéis, a informação vai e volta entre cada esfera, com maior velocidade pois muitas vezes é a mesma pessoa. Por exemplo ela pode ir direto da gestão comercial, para a estr. organizacional. Da mesma forma o cliente pode chegar também diretamente ao projetista e ao planejador da empresa. Esse modelo busca mostrar a realidade de pequenos escritórios. A avaliação está imbutida no processo de troca de informações, que tende a ser mais dinâmico. As duas setas largas externas que configuravam a relação PESTR e GCOM somem, e fica somente uma indicação do que ambiente interno e externo da empresa. A informação corre de forma direta entre as atividades chave.

direito do canvas, que a atividade de projeto em si não se alterava tanto, e sim as propostas de valor e a forma como o arquiteto se relaciona com a sociedade. Essa constatação pode ser relacionada com o artigo de Barros (2016) ao citar Broadbent (1969): “É provável que os novos métodos de projeto vão ser muito parecidos com o que os projetistas imaginam que fazem, mas haverá uma diferença. Eles vão aproveitar todas as técnicas disponíveis de pesquisa operacional , análise de sistemas, computação e a nova matemática. Mas eles não serão dominados por essas técnicas (BROADBENT, 1969)”(BARROS, 2016, p. 61)

Ou seja, é interessante notar que mesmo sem discutir diretamente os projetos ou a qualidade da arquitetura resultante o assunto foi bem recebido e debatido. Isso mostra de fato, como citaram alguns arquitetos, um direcionamento dos escritóri-

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os a se tornarem mais “profissionais”. Quando questionados sobre o termo, alguns representantes contestaram a falência, a seu ver, do modelo de prática do “gênio criador” versus a prática profissional embasada na cooperação, mais horizontal, de equipes de arquitetos. Na minha interpretação, essa tendência ou necessidade de se “profissionalizar” pode ser compreendida como um positivo afastamento do ideal do arquiteto em seu atelier, na prática do profissional liberal autônomo, conforme descrito no capítulo um. Finalmente, os escritórios se mostraram receptivos à discussão da prática profissional, e ainda confirmaram a ausência de um debate sincero e desvelado sobre o tema, que muitas vezes é tabu, ou tratado com um certo eufemismo entre colegas e dentro dos órgãos de classe.

Figura 40 - Modelo considerando a obra como outra atividade principal Neste modelo coloquei a obra como uma outra atividade chave. Interessante que ela é outro ponto de contato com o meio externo, e principalmente com o que o cliente se relaciona na empresa. A obra redireciona fluxo do projeto, principalmente o executivo. Novas documentações surgem como orçamento, cronogramas e relatórios. E surge outra atividade de gestão que se mistura com atividade chave, gerenciamneto de obra.

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OS DESAFIOS DA PRÁTICA DA ARQUITETURA



7.1. ESPECIALISTAS E GENERALISTAS De acordo com as entrevistas procurei compreender de que forma os escritórios lidavam com a prática profissional em comparação com o que foi anteriormente pesquisado. Primeiramente é necessário discutir qual a razão de existência do escritório de arquitetura, pois diferente de empresas tradicionais que visam o lucro e crescimento constante, parece que o arquiteto abre uma empresa para poder projetar mais, ele procura “mais mãos” para fazer arquitetura da forma como acredita e para buscar trabalhar no ramo que lhe dê mais satisfação, seja monetária, pessoal ou ideológica. Deve-se ressaltar que nem sempre os arquitetos possuem completa noção de onde querem chegar, e muitos podem iniciar sua prática por tantos outros motivos como autonomia, maior remuneração, saturação de determinado ambiente de trabalho ou segmento de mercado, demissões, legado de superiores ou conhecidos, concursos ganhos, enfim são muitas as possibilidades. No entanto, todas elas irão passar por um processo semelhante de estruturação para se configurarem em um negócio saudável, financeiramente sustentável e toma-se como pressuposto, que nenhum profissional irá optar conscientemente em trabalhar com o aquilo que não possui habilidade ou afinidade. Nesse sentido surge a primeira grande pergunta de um escritório de arquitetura: para quem ele vai trabalhar? A resposta desta pergunta é que determina o formato da prática profissional, pois ela é o ponto inicial da arquitetura, como já afirmava Segnini (2002, p. 128): “Historicamente, é a partir da relação com o cliente que se encontra a origem do processo, a possibilidade do arquiteto criar e desenvolver novas soluções expressas no projeto arquitetônico”. Contudo, essa pergunta é de certa forma condicionada ao acesso que o arquiteto possui ao campo de atuação que ele deseja penetrar, os canais, e a forma como ele pretende se relacionar com esse campo. Por isso, muitos escritórios são fruto das oportunidades que ele enxerga, e nesse sentido, quanto mais estrategicamente dotado é o pensamento dos sócios e quanto maior o acesso a novas oportunidades de negócio possuem, maiores são as suas chances de sobrevivência. Conforme foi explicado no capítulo dois, a arquitetura é uma atividade inserida num contexto maior, em uma cadeia de produção. Dessa forma, existe uma relação interessante com os parceiros e os clientes. Essas figuras se misturam, pois um parceiro pode estar antes ou depois na cadeia de produção em relação à arquitetura, e representam importantes canais de acesso ao campo de atuação do arquiteto, além de serem complementares à atividade de projeto. Por exemplo, uma empresa de estrutura pode contratar o arquiteto para fazer os projetos e vice-versa. As parcerias são essenciais para a sobrevivência do escritório e podem configurar-se tanto como porta de entrada, quanto como barreira.

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Dentro deste cenário, é possível criar algumas generalizações para os caminhos do arquiteto, pois mesmo que nossa área de atuação seja muito grande, as formas de contratação não o são, e um mesmo modelo de negócio pode ser utilizado para várias situações. A primeira cisão que é observada no posicionamento dos escritórios é o fato de procurar ser generalista ou especialista. As propostas de valor para os dois casos são muito diferentes, assim como o posicionamento dos arquitetos. O escritório especialista, como pressupõe o nome, faz uma coisa muito bem. Possui uma rede de parceiros específica para o seu ramo e com o qual está habituado a trabalhar, tornando-se uma verdadeira extensão de sua prática. Por deter conhecimento muito específico ou até exclusivo no assunto, motivo pelo qual ele é altamente produtivo e competitivo. É muito difícil competir em termos de tempo, custo e qualidade com esse escritório, da mesma forma, o seu formato de trabalho tende a ser mais linear, pois o processo será, dentro de alguns parâmetros, repetitivo para cada caso. O maior risco deste escritório (o especialista) é o seu ramo tornar-se obsoleto, ou vítima das conjunturas econômicas, políticas e mudanças tecnológicas. Inúmeros escritórios entram nessa categoria, desde aqueles que trabalham com reformas, urbanização de favelas, edifícios comerciais, residências, subsistemas como acústica, alvenaria, conforto térmico e consultorias em geral. Pode-se admitir que o modelo de negócios do escritório especialista é mais simples, pois ele pode adequar-se muito bem a determinado segmento do mercado e possuindo menos variações na prestação de seu serviço, ele é mais fácil de ser administrado. No entanto, como já foi comentado no capítulo dois, o processo de produção da arquitetura não é totalmente racional, passivo de ser segmentado sem parcimônia. Como Barros (2016) havia comentado, as etapas de projeto são mais meios para formalizar transações comerciais do que para constituir formas de projeto. Há escritórios que se especializam em pedaços do escopo, como Estudos Preliminares, Estudos de Viabilidade, Projetos Legais, Anteprojetos e Projetos Executivos. É questionável até que ponto tal prática é positiva, e o quanto do processo da arquitetura - de síntese e reformulação - é perdido a cada vez em que o projeto “tramita” entre profissionais, posto que isso pode ocasionar grande perda de qualidade e uma submissão do objeto final à equação ‘custo x tempo’. Nesse sentido, há o outro formato de negócio: o escritório generalista. Diferente do especialista, a sua proposta de valor é conseguir garantir a qualidade constante da arquitetura em toda a cadeia de produção. Dessa forma é comum esse escritório participar de escopos que vão do estudo preliminar ao acompanhamento de obras, além de trabalhar com uma diversidade de formas de contratação para o poder público, privado, pessoas físicas e jurídicas. Em alguns dos escritórios generalistas entrevistados notou-se o apreço pela capacidade de transitar entre escalas de projeto e programas, fazendo um intercâmbio de conhecimento entre as áreas que o escritório aborda. O modelo de negócio

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deste escritório é mais complexo, ele exige flexibilidade e dinamismo na equipe que deve priorizar o seu caráter multidisciplinar. Da mesma forma, o escritório deve ter bem claro quais são os limites do seu conhecimento, e quando é o momento de contatar os especialistas. Nesse sentido, tais escritórios parecem construir uma rede de diversos parceiros, de diferentes áreas - e até mesmo outros arquitetos – e possuem uma expertise para contratá-los e gerenciá-los. Em contraposição com o modelo especialista, os generalistas possuem um tempo mais longo de estruturação. No entanto, por poderem abordar diversos escopos, possuem uma grande capacidade de se adaptar à conjuntura econômica, sendo de certa forma, menos arriscados e mais resilientes que os especialistas. Com o tempo, esses escritórios tendem a ganhar experiência em determinados assuntos, podendo migrar para o modelo de especialistas ou uma prática mista. Os modelos especialistas e generalistas são complementares: o primeiro não possui a visão do todo, o segundo o ferramental para atacar toda a complexidade do projeto. Os especialistas tendem a construir modelos de negócio mais bem definidos e rígidos, pois estão totalmente adaptados a uma determinada situação que é repetitiva, podendo criar estratégias claras de produção e penetração no mercado. Os generalistas necessitam de uma estrutura mais dinâmica que sempre se reorganiza, e podem ter dificuldade de criar uma identidade empresarial com base em um só segmento de mercado, pois sua proposta de valor é justamente poder transitar entre eles e propor soluções que um especialista não conseguiria enxergar. Dentro dessas duas divisões são ramificadas as diversas formas de contratações assim como os segmentos de mercado que elas abordam. Elas são também pontos opostos, o que não impede que haja escritórios mistos, que possuem diferentes graus de especialização em diversas áreas, ou mesmo aqueles que reúnem diversos especialistas. Ainda assim, a relação entre esses dois pólos parece ser importante na compreensão das estratégias de enfrentamento do mercado. Concluindo, é possível inferir que o segmento de mercado no qual o arquiteto pretende atuar deve estar de acordo com a sua forma de trabalho. Entretanto, nem sempre os arquitetos têm claramente definido qual o segmento em que pretendem entrar, segundo foi observado entre os entrevistados. Eles se posicionam de acordo com as oportunidades disponíveis e seu grau de afinidade e habilidade com determinado campo de atuação. Estes podem ser mais ou menos específicos, levando a modelos mais ou menos especialistas. Finalmente, observa-se que a divisão tradicional entre “arquiteto de mercado” e “profissional liberal” é oriunda principalmente a qual segmento de mercado o arquiteto está voltado. O primeiro ao mercado imobiliário com o estigma da década de 60 e o segundo ao poder público, e pequenas encomendas particulares. No entanto, o que parece ocorrer é que há muitas nuances nessa divisão, pois os escritórios “liberais” podem trabalhar para o mercado, e os “de mercado”, para o poder público, dissolvendo facilmente essa fronteira, diferente da divisão proposta entre generalistas e especialistas que condiciona radicalmente os modelos de atuação dos arquitetos.

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Figura 41 - penetração de mercados por generalistas e especialistas

Na imagem acima tento demonstrar como escritórios generalistas (esferas) e especialistas (quadrados) se associam ou possuem acesso direto a segmentos específicos do mercado, para cada qual existe uma barreira de entrada representada pelas formas de contratação, assim como pode existir pedaços deste mercado que são inacessíveis ou não explorados. Por exemplo, o mercado de habitação é disputado pelos escritórios generalistas, que acionam os especialistas dependendo de cada escopo. Esse nicho possui uma fatia, representada por exemplo parte dos moradores das cidades, que não utilizam os arquitetos para planejamento e/ou construção de suas residências.

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7.2. UM NOVO MODELO DE GESTÃO Conforme foi explicado no capítulo anterior, quando das entrevistas houve uma dificuldade de compreensão do modelo de gestão, principalmente em relação à sequência de acontecimento das tarefas e o fluxo de informações. Ficou claro também que existe uma divisão entre as atividades principais e de suporte do escritório. Encontrei três atividades principais do escritório que possuem uma íntima relação. São elas o ato de projetar, o planejamento e controle do processo de projeto (PCPP) e a gestão comercial (GCOM). Para os escritórios que acompanham obra, esta também se configura como uma atividade muito importante. Cada modelo de escritório aumenta ou diminui alguma dessas tarefas, segundo o seu campo de atuação. Por exemplo, o escritório um trabalhava com reformas e estabelecimentos comerciais. Para eles o projeto deveria ser mais simplificado devido aos curtos prazos e ao acompanhamento de obra. Este representava parcela maior do faturamento, ou o atendimento dado ao cliente, que era muito importante no decorrer do processo. Ou seja, GCOM e obra possuíam juntos maior peso que projeto. Já o escritório três que trabalhava principalmente com concorrências públicas tinha a gestão comercial muito pequena, pois seu contato com o cliente final e usuário era mínimo, situando-se dentro de um processo maior, no qual ele recebia as informações do projetista anterior e as repassava para frente, dentro de escopos fechados das licitações ou concorrências. O acompanhamento de obra não era parte dos contratos e grande parte do tempo era despendida em coordenar e compatibilizar os projetos dos parceiros, denotando que o PCPP estava completamente fundido com o ato de projetar. De forma semelhante, nesse escritório, os parceiros apresentavam uma influência grande nas atividades do dia a dia, sendo uma entidade maior no modelo. O escritório cinco era um generalista por excelência e dominava toda a cadeia do projeto, chegando ele mesmo a ser o contratante dos especialistas e até inserindo-se dentro das etapas de execução da obra. De acordo com sua entrevista, as informações comerciais facilmente se tornam técnicas, pois decisões de projeto tornam-se custos e impactam a execução final. A sua estrutura era estratificada, mas dinâmica, de forma que a GCOM, PCPP e Projeto estavam intimamente ligadas para poder garantir a maior eficiência nas informações e tomadas de decisões. Dessa forma era comum que o projetista entrasse em contato com o cliente final, ou o coordenador participasse das reuniões junto com os sócios. Nesse modelo, há um equilíbrio entre as 3 entidades, GCOM, PCPP e Projeto. Em relação às atividades de suporte, conforme descrito no capítulo anterior, há um consenso de que são necessárias para a sobrevivência do escritório, e um reconhecimento delas no modelo de gestão, mas os seus nomes divergiam para cada entrevistado. Com o intuito de exemplificar o novo modelo, compilando os dados recebidos, decidi nomear as atividades como segue:

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• Planejamento estratégico: Compreende a clara determinação dos objetivos da empresa e sua razão de existência, assim como a constante avaliação e retroalimentação das diretrizes, a partir do ambiente interno e externo, a serem designadas a todas as tarefas. Costuma se materializar em reuniões dos líderes de projetos ou sócios fundadores, a respeito de mudanças estruturais na empresa. • Infraestrutura: compreendido como a gestão de todos os recursos físicos do escritório como computadores, espaço de trabalho, servidores, centros de processamento de dados, impressoras, tintas, copa, café etc • Marketing: compreendido como a entidade responsável pelo preparo de material e divulgação deste material no ambiente externo ao escritório, recebimento e organização de propostas, prospecção de mercado, atualização do site, facebook , produção de catálogos etc • Financeiro: contemplas a gestão dos custos, contabilidade, e finanças. Ou seja, emissão e manipulação de notas, controle dos custos fixos e variáveis, gerenciamento das finanças ou aplicação de investimentos. São atividades esporádicas, que ocorrem em um período do mês. • Recursos Humanos: a atividade de contratação, gestão e substituição dos colaboradores. Ela se torna mais importante, quanto mais colaboradores a empresa tiver, podendo adotar nesses casos características de resolução de conflitos. Como muitos escritórios possuem poucos membros, essa tarefa costuma ser realizada intuitivamente pelos sócios fundadores. Nas entrevistas, notei que na maioria das vezes são os sócios que realizam essas atividades de suporte, com exceção da parte jurídica. Eles afirmaram que o intercâmbio entre essas tarefas e as principais é constante, sendo que em geral eles não consideravam que uma tarefa era mais necessária que a outra, todas são igualmente importantes, e por consequência possuem um impacto na produção da arquitetura. Nesse sentido, a hipótese levantada nos capítulos anteriores é comprovada de que fazer arquitetura não é só fazer projeto, e a inteligência projetual é de fato utilizada em outros campos, gerando uma forma muito específica de prática profissional para o ramo da arquitetura. A figura do planejamento estratégico foi reconhecida por todos os escritórios, e em geral se materializava por meio de reuniões semanais ou mensais no qual o posicionamento da equipe era constantemente alinhado. Como há a tendência de cada arquiteto cuidar de um projeto, o escritório precisa criar formas para que o conhecimento adquirido por cada sócio possa ser publicado e compartilhado entre todos, e a equipe possua uma forma de inteligência coletiva, e não somente indivíduos trabalhando no mesmo espaço. Nesse sentido, o planejamento estratégico tem um papel importante, da liderança do escritório procurar unir os conhecimentos e buscar sempre avaliar se a equipe está caminhando junta para o mesmo objetivo.

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Figura 42 - Modelo de Collaรงo do funcionamento do escritรณrio de arquitetura e urbanismo

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Outra constatação das entrevistas é que as etapas de projeto também variam caso a caso. Por exemplo, em escopos mais curtos e simples o escritório um prefere fazer somente uma etapa de estudo, aprovar e detalhar para executivo economizando tempo com reuniões. Para escritórios de urbanismo como o três e o seis, os levantamentos de dados consomem mais tempo do que o projeto em si. Em licitações há a figura do projeto básico e não se acompanha execução. Enfim, a padronização dos escopos segundo a AsBea e a NBR13.532 (Elaboração de projetos de edificações – arquitetura) é muito benéfica para a prática, mas deve-se compreender que devido à condicionantes comerciais os escritórios adaptam ou unem algumas tarefas. Para a criação do modelo, foi adicionada uma etapa anterior a processo de projeto, chamada “prospecção” que está diretamente relacionada ao processo de projeto. No modelo de Collaço ela possuem um papel importante na sequência dos projetos, pois pode acontecer da empresa estar com sua capacidade produtiva esgotada, porém com algum projeto aguardando para ser fechado. Na verdade, é saudável para a empresa sempre realizar prospecções enquanto produz os projetos para intercalar picos de demanda, conforme será explicado no ítem 7.5. Ainda assim, há um consenso da diferenciação entre etapas de concepção, onde são exploradas diversas opções enquadrando-se no que se entende como a prática reflexiva do capítulo dois, e etapas de consolidação onde se detalham especificam os componentes, assemelhando-se ao processo racional. Concluindo, procurando unir essas condicionantes, o modelo da figura 51, na página anterior, representa as atividades principais em um bloco e as de suporte em outro, e as relações das atividades com os clientes. Cada projeto circula entre as etapas de projeto, até deixarem o sistema e abrirem espaço para novos projetos. 7.3.

QUANTIFICANDO A ARQUITETURA

Como foi anteriormente mencionado, o planejamento financeiro é essencial à sobrevivência saudável do escritório. Este precisa saber como alocar os seus recursos, distribuí-los no tempo, ratear entre os colaboradores e cobrir seus custos fixos e indiretos. Dessa forma, outra pergunta essencial ao escritório de arquitetura é: quanto devo cobrar? Nesse sentido, parece haver entre os escritórios uma própria confusão entre os termos preço e custo. Na figura 52 no topo da página seguinte, pode-se enxergar uma composição de custo segunda a Tabela de Honorários do CAU, nela fica clara a distinção entre custo e preço. O custo, grosso modo, o valor da equipe técnica, o recurso mais caro da arquitetura. Sobre ela é multiplicado um fator “k” que agrupa os impostos sobre serviços, os custos indiretos (aluguel, carro, computador, impressão etc), os encargos sociais sobre folha de pagamento e o lucro da empresa. Portanto há dois aspectos muito importantes nessa equação. Primeiro, o preço pode ser muito maior que o custo, na verdade quanto maior ele é, maior será o lucro da empresa. Soma-se a isso que o preço não é objetivamente arbitrado, pelo

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Tabela 9 - Composição do preço pelo custo do serviço. O fator K é um multiplicador que agrupa os ecargos sociais e o BDI e pode aplicado diretamente ao custo da equipe técnia. (retirado de Tabela de Honorários de Serviços de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, p.27; Brasilia, DF, 16 de agosto de 2013)

contrário, ele depende da percepção de valor de quem está contratando o serviço, que está atrelado a diversos fatores, inclusive às capacidades de negociação do arquiteto. Segundo, em oposição ao preço, o custo deve ser objetivamente definido, e para isso é necessário algum formato de quantificação, para que seja possível orçar os projetos. A tabela de custos do CAU apresenta dois formatos para orçamento: cálculo pelo custo do serviço e percentual sobre o custo da obra. Na primeira opção o custo da equipe técnica é composto pelas horas produtivas da equipe e o valor da hora homem, sobre os quais incidem fatores multiplicadores representando os encargos sociais, despesas indiretas, impostos, lucro e despesa legais. na segunda opção são utilizadas diversas formas de orças umao bra tendo em vista sua tipologia, complexidade, localidade, geometria, repetitividade entre outros. Ou seja, a grosso modo, os fatores mais impactantes são o preço de construção e tempo - ambos ítens de difícil apuração. Sem entrar no mérito de explicar detalhadamente a forma de precificação, que seria digna de outra pesquisa, devem ser discutidos alguns pontos importantes. Primeiro eu acredito que a precificação pelo custo da obra é um método ruim. Pois nem sempre a dificuldade do projeto acompanha o custo da obra, além de

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ser necessário um valor mínimo para o projetista. Se esse formato for seguido à risca o arquiteto sempre vai preferir construir obras de alto valor agregado, como residências luxuosas, a obras de interesse social como habitação coletiva, pois o preço do projeto será atrelado ao custo da obra. Se pensarmos historicamente, não faz sentido, após tanta batalha por emancipação do canteiro, que justamente o valor do projeto esteja atrelado ao custo da obra, algo que somente pode ser completamente apurado no fim do projeto. Esse tipo de postura gera a meu ver um problema, em que as obras de menor valor não terão projeto, ou dependem exclusivamente de licitações por tomada de preço, com baixa remuneração ao arquiteto ou predominância de escritórios de engenharia. Existe ainda outra interpretação do tema, levando em conta a relação entre projeto e custo de intervenção na obra , que enxerga a atuação da arquitetura conforme o gráfico abaixo, chamado de gráfico fase x influência. Por um lado, essa representação valoriza que o projeto deva existir como ferramenta de planejamento; por outro, que apesar da influência da fase de concepção no sucesso do empreendimento, nela custa muito pouco realizar mudanças em comparação com aquelas realizadas em fases posteriores como construção e operação.

Figura 43 – Regra de sitter (1984) e gráfico fase x influência (adaptada de notas de aula da disciplina PEF2504 - Racionalização de estruturas - ministrada no segundo semestre de 2015 na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP) no curso de engenharia civil)

No entanto, isto pode gerar uma vício de enxergar o projeto como algo de baixo valor monetário, pois no início da obra, o seu custo é baixo, ainda que a sua responsabilidade no sucesso da obra é imensa (em comparação ao orçamento completo do empreendimento). Isso coloca em cheque a divisão de etapas na qual tradicionalmente se cobra mais pelo projeto executivo. Poder-se-ia conjecturar se não é mais justo, uma equalização no valor das etapas, tendo em vista que atualmente novas formas de produção computacional podem tornar a fase de executivo menos trabalhosa. Dessa forma seria dado maior valor para lançar, de incício, projetos melhor resolvidos e mais bem remunerados para

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as etapas seguintes, tendo em vista a crescente segmentação que pode ocorrer nas equipes de projeto. No entanto, isso é uma quebra grande de paradigma, principalmente tendo em vista que as primeiras fases de um projeto, como vimos no capítulo dois, tendem a ser menos lineares e mais reflexivas, obviamente tornarndo sua quantificação e consequente precificação mais complexa e com maior dificuldade de percepção de valor.

Tabela 10 - parcelamento de honorários (retirado de Tabela de Honorários de Serviços de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, p.41; Brasilia, DF, 16 de agosto de 2013)

Conforme é possível notar pela tabela acima, o própiro CAU recomenda que seja cobrado maior valor sobre o executivo que os estudos preliminares, o que pode significar uma visão pejorativa ou incompleta, conforme foi mencionado no capítulo dois, dessas etapas inicias do processo de projeto. De fato a pergunta é difícil, como é possível quantificar o conhecimento de arquitetura e atribuir-lhe valor comercial? Todos os escritórios entrevistados utilizavam com maior ou menor domínio o tempo como meio de quantificar o processo de produção dos projetos. Ou seja, um valor ‘Homem x Hora’. Obviamente há dificuldades inerentes nessa tarefa. Principalmente no caso dos generalistas - arquitetura é uma fábrica de protótipos, cada caso é um caso. Mas admite-se que após alguns anos haja uma certa tendência de estabilização nas tarefas, que devem possuir um padrão de nomenclatura para poderem ser compadaras. Alguns escritórios realizavam apropriação do tempo das tarefas por meio de planilhas ou sistemas online há mais de 10 anos. Essa informação é utilizada para montar as propostas comerciais e controlar a produtividade da equipe. Além disso, dessa forma, os escritórios conseguem controlar quanto tempo e custo possui cada projeto, monitorando essa meta no andamento do mesmo, podendo tomar

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decisões de aumentar ou diminuir escopo ou reforçar a equipe, de forma antecipada. Nesse sentido é reiterada a importância da entidade PCPP que além de gerir os projetistas, é responsável também por verificar até quando um projeto está realmente pagando o arquiteto conforme foi planejado. Uma ferramenta muito usual para o planejamento de projetos é o diagrama de Gantt que demonstra graficamente uma lista de tarefas no tempo elencando as suas relações de dependência e as folgas. No entanto, observa-se que mesmo tentando, nenhum escritório entre os entrevistados, conseguiu utilizar plenamente essa ferramenta, acredito que deve-se ao fato de a produção da arquitetura não ser uma prática totalmente passível de linearização conforme exemplificado no capítulo dois. É necessário ter em vista as metas de entrega, mas o caminho para chegar lá definitivamente não é em linha reta, tendo muitos desvios e retornos. As métricas devem existir, porém sem engessar o processo de produção do arquiteto, conforme afirma CROSS, 1990: “The freedom – and necessity – of the designer to re-define the problem through the means of solution-conjecture was also observed in protocol studies of architects by Akin, who commented: ‘One of the unique aspects of design behaviour is the constant generation of new task goals and redefinition of task constraints’ “(AKIN,O, ‘An exploration of the design process’, Design methods and theories, Vol 13 No ¾ (1979) reprinted in Developments in design methodology)” (CROSS, 1990, p. 131)

Na verdade, devido a difícil compreensão de como se produz e do que se trata o projeto para os leigos, é muito difícil o cliente entender o prazo necessário para que um trabalho seja feito com qualidade. Dessa forma, para atender as demandas de mercado, encurralado, muitas vezes o arquiteto aceita prazos enxutos e se utiliza do retrabalho como forma de garantir a qualidade necessária para o projeto, nem que isso custe mais para a empresa, ou necessite repetidamente rever os custos e prazos do contrato. Outra estratégia é fechar pequenas partes do escopo, num processo de educação do cliente, mas através da apresentação constante de soluções, um exemplo do pensamento projetual por excelência. 7.4. QUANTO CUSTA UM ARQUITETO Observou-se que o comportamento financeiro de um escritório de arquitetura pode assemelhar-se a uma curva senoidal conforme demonstrado nas figuras da página 119. Durante a captação do cliente ele geralmente só tem custos, por todo o processo de atendimento, conversas, reuniões, visitas, propostas comerciais etc. Ao fechar o negócio, começa a entrar receita deste projeto em etapas, sendo geralmente a maior delas a última parcela do projeto. Nesse ponto estamos no topo da curva. Quando o projeto termina, sua receita vai sendo consumida pelos custos fixos do escritório e inicia-se um novo processo de captação de clientes. Se o es-

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critório não é preparado para contornar essa situação ele terá uma estrutura de colaboradores que aumenta e diminui a cada ciclo de projeto, conforme indicado na figura 56. Há duas formas de encarar essa situação, uma delas é intercalar mais de um projeto, de forma que quando um está terminando, o outro está no topo ocorrendo um amortecimento dos custos e ganhos entre todos os projetos em andamento conforme indicado na figura 57. A outra é possuir suficiente reserva de caixa para poder sobreviver aos períodos sem projeto como indicado na figura 55. Devido principalmente às dificuldades inerentes às formas de contratação, ambas as opções são de difícil execução, forçando os arquitetos a terem uma estrutura de colaboradores bastante elástica. A falta de preparo para enfrentar esse aspecto da profissão é com certeza uma das causas das contratações realizadas com fracos vínculos trabalhistas. É importante dizer que isso ocorre tanto para os escritórios que vivem de concorrências públicas (se não forem ainda mais suscetíveis às conjunturas políticas) quanto os que vivem da iniciativa privada. Frente a isso, é necessária uma forma de contratação um tanto quanto flexível, pois mesmo com reserva de caixa, em momentos de crise, seria necessário manejar os salários da equipe. O regime CLT não permite essa flexibilidade, e por mais bem intencionado que seja em proteger os direitos dos colaboradores, a dificuldade de adotá-lo ocasiona formas de burlar as contratações legais, em direção a um modelo que permita ao escritório sobreviver com valor que a sociedade está disposta a pagar pelos seus serviços. Finalmente, ao longo desta pesquisa, em conversa com os escritórios e colegas da profissão, até agora foram percebidas cinco opções para a contratação dos arquitetos: 1. Contratar o funcionário no regime CLT (Consolidação das leis do Trabalho) 2. Contratar um funcionário com uma empresa individual “PJ” (pessoa jurídica) 3. Tornar o colaborador um associado 4. Tornar o colaborador invisível 5. Ter um super-estagiário A opção um apresenta altos custos de honorários e impostos sobre a folha de pagamento de acordo com o piso salarial, e geralmente inviabiliza a existência de um pequeno ou médio escritório. Nenhum dos entrevistados apresentou um arquiteto no regime CLT. Faremos uma conta rápida abaixo para exemplificar este caso: Piso salarial para jornada de 8h: 8,5 salários mínimos Salário mínimo: R$ 880,00¹ Piso Salarial: 8,5*880= R$7480 Encargos sociais: 74,55% ² Custo final: 7480 + (0,7455*7480)= R$13.056,34 Custo por hora: 13.056,34/ (22dias * 8horas) = R$74,18 1: 1 retirado de http://www.sasp.arq.br/salario-minimo, 23.10.2016 2: 2 retirado de Tabela de Honorários de Serviços de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, p.65; Brasilia, DF, 16 de agosto de 2013

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Supondo um custo de projeto a ser cobrado em 5% do custo de construção temos que o escritório precisaria participar de um projeto com valor construído de R$261.126,80, por mês, somente para custear 1 arquiteto, sem contar com as despesas legais, indiretas, o custo fixo e o lucro da empresa. Supondo a construção de uma casa de R$520.000, ela seria capaz de sustentar somente o salário de um arquiteto por dois meses, sem estar num espaço, sem telefone, computador ou software, sem carro, sem imprimir, sozinho e sem CNPJ. Portanto deve-se colocar em perspectiva a dificuldade de contratação dos CLT antes de condenar os escritórios. A opção 2 trata-se de contratar um profissional com uma empresa individual (EIRELI ou EI) que possui um rendimento limitado por ano e uma tributação própria. No entanto em termos legais o PJ é um prestador de serviços externo, ou seja, ele deve ser contratado para escopos fechados para os quais ele emite uma nota fiscal com imposto próprio. Se o PJ estiver trabalhando em regime cotidiano, no mesmo espaço, sob clara hierarquia, e sem um contrato de prestação de serviços claro, isso pode ser interpretado como uma forma do escritório não contratar um funcionário no regime CLT, negando-lhe seus direitos, e onerando-o com os custos de ter uma empresa individual. Nesse sentido, o PJ poderia processar a empresa. Ainda assim, essa forma de contratação pode ser utilizada quando se pretende propositadamente ter fracos vínculos com o funcionário, pois ele, pelo menos juridicamente, tem menores obrigações junto à empresa. A opção 3 seria, a meu ver, a mais justa. É possível tornar o colaborador um associado com o salário de “pró-labore” ou participação nos lucros. Mas por que ela é pouco praticada? Pois é difícil demitir um sócio. Somente é possível mediante a compra da parte deste sócio no contrato social e a edição do contrato, que sempre agrega custos contábeis. O tema fica mais complicado quanto mais bens e capital social a empresa tiver, uma vez que dependendo da redação do contrato social, os sócios teriam acesso aos mesmos. Se um sócio se nega a deixar a empresa, deverá ocorrer algum tipo de mediação ou mesmo a arbitragem legal do caso. Uma vez que poucos escritórios possuem uma estrutura financeira que permita resistir à conjuntura econômica sem diminuir seu corpo técnico, essa opção demonstra-se arriscada para os escritórios menos estruturados. A opção 4 é conhecido vulgarmente como freelancer. Ou seja, o funcionário não existe contabilmente. Ela é possível quando um dos sócios transfere o salário do colaborador diretamente de sua conta pessoal, pois em tese a empresa não pode pagar um serviço sem nota fiscal ou uma pessoa que não seja um funcionário. Essa é uma prática comum de escritórios muito pequenos ou em constituição, que possuem um rendimento e salário baixos. Obviamente ela também corre o mesmo risco trabalhista da opção anterior. A opção 5, o super-estagiário, também é bastante comum, principalmente para os profissionais que já são qualificados porém em vias de formação. Para esses pode ocorrer ainda um contrato com valor mínimo de estágio, e ele pode receber um valor extra não declarado em sua conta pessoal. Existe infelizmente no nosso ramo uma distorção do termo estagiário, idealmente o estágio serve para que o estudante possa se familiarizar e aprender com a prática profissional. O estagiário não é mão

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de obra, é mais um observador, um aprendiz, que pode, num futuro, ser parte do corpo técnico mediante alteração no seu regime de contratação. No entanto muitos cursos de arquitetura possuem longa duração, principalmente nas universidades públicas, possibilitando às empresas terem um profissional altamente treinado por um logo período em um regime de contratação barato. Outra aberração dessa forma de contratação são as ofertas absurdas oferecidas aos estagiários, que exigem experiência de 1 ou 2 anos, equipamento próprio, ás vezes até carro próprio com um salário não correspondente, tendo como barganha a oportunidade de trabalhar em algum local de renome para colocar no currículo e reproduzir esse modelo diversas vezes. Obviamente é uma forma de ter arquitetos com pouca ou média experiência a custo mínimo. É interessante que o fato do arquiteto possuir suas ferramentas de trabalho com baixa barreira de acesso (notebook, software ilegal) somado à conjuntura da profissão, auxilia a existência desse bizarro regime de contratação. Foi observado no caso de alguns entrevistados, principalmente aqueles que possuíam processos de produção muito específicos e estabelecidos, que o investimento feito nos colaboradores para a adaptação ao formato de trabalho é bastante grande. Dessa forma, quando um colaborador deixa a equipe, há uma grande perda para a empresa. É interessante que um dos escritórios, o maior entrevistado, tinha todos os membros como associados, pois era de seu interesse que houvesse grande dedicação deles, que o trabalho não fosse considerado algo temporário e sem chances de crescimento. Esse escritório era também o mais estruturado, pertencendo ao modelo dos generalistas com grandes escopos de trabalho e variado segmento de clientes. Em contraposição, outros entrevistados possuíam todos os colaboradores no regime PJ, e não obstante exigindo alto grau de comprometimento. Ainda que reconhecesse o risco de perder os colaboradores, alguns desses escritórios afirmaram que não era do interesse do PJ se tornar associado, pois ele não queria participar das decisões de nível estratégico ou das responsabilidades de um sócio, além disso, alguns escritórios possuem problemas com antigos sócios e tendem a rechaçar essa opção. É importante observar que parece haver um consenso tácito de que o piso salarial é inviável, e que as formas de contratação são meras formalidades para possibilitar o pagamento do colaborador. A descrença na possibilidade de um regime de contratação integral gera esse tipo de comportamento, que eu acredito é ruim. A questão da contratação não é simples, nem deve ser tratada com leviandade, se o profissional não tem seus direitos da CLT, o escritório deveria ao menos buscar formas de compensá-lo, com férias, bônus, uma previdência privada, enfim procurar criar um planejamento financeiro para tal. Mesmo que no início isso se prove difícil, é diferente de assumir a sua impossibilidade a priori. Concluindo, eu acredito que possa existir uma relação do formato de contratação e do comportamento do colaborador na empresa. Mas essa relação depende de algumas variáveis como a cultura e a estrutura organizacional da empresa, sua

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forma de produção, a visão dos sócios e dos próprios colaboradores em relação à forma como esperam trabalhar. Idealmente todas as empresas adeririam ao regime CLT e os arquitetos, unidos como classe, regulariam o valor de mercado e a qualidade de seus serviços. Na realidade, são adotadas diversas estratégias que podem ocasionar modelos predatórios à própria arquitetura, explorando seus colaboradores, oferecendo valores abaixo do esperado, produzindo mais rápido e barato com pior qualidade ou com propostas comerciais enganosas. Esses modelos devem ser repudiados, e para isso é necessário que se discutam esses temas abertamente. Finalmente, o arquiteto é um profissional bastante qualificado e apto para resolução de diversos problemas. Ele deve ser bem pago. Esse movimento deve surgir de ambos os lados, dos próprios arquitetos valorizando sua profissão e respeitando seus colegas com condições dignas de trabalho e da sociedade que deve ser educada e esclarecida da importância de nossa profissão. Como vimos, historicamente, no Brasil a arquitetura é uma profissão jovem, principalmente o arquiteto-urbanista, sendo necessários constante discussão e esclarecimento de nossa função social. 7.5. A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL Um dos principais temas da prática da arquitetura é a estrutura organizacional, ou seja, de que forma os profissionais se organizam: em funções, cargos, setores, de forma mais ou menos hierarquizada e especializada e de que forma eles contratam seu corpo técnico para atender a essa estrutura. A estrutura organizacional é um tema que permeia toda a empresa passando pelas atividades estratégicas, de suporte e pela atividade principal. Ela possui estreita relação com a história de formação de cada escritório. Geralmente, em relação aos escritórios entrevistados, o que ocorre é um grupo de pessoas, duas, três e em casos excepcionais mais de 4, que ganham algum concurso ou angariam um capital inicial para começar a sua prática. A estes profissionais, geralmente, designa-se o cargo de “sócio-fundador” ou “sócio-sênior” ou “sócio-diretor”. Pela própria forma como eles se organizam para resolverem os problemas do dia a dia, e pelas afinidades de cada um, os sócios tendem a se dividir entre as atividades principais e as de suporte para a existência do escritório, sendo as últimas designadas por: o marketing, gestões comerciais, de custo, de recursos humanos, a infraestrutura e o planejamento estratégico. Tais figuras estão sempre presentes no dia a dia da prática profissional, mesmo que não sejam descriminadas dessa forma nem abordadas de maneira setorizada. Voltando ao caso do escritório recém-estabelecido com 2 ou 3 sócios, supondo o crescimento da organização será necessário mais mão de obra contratada em algum dos regimes já mencionados. No caso deste colaborador se integrar perfeitamente ao corpo técnico e a forma de trabalho dos sócios fundadores, ele pode ser

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efetivado, ou seja, se tornar um associado com uma porcentagem menor da sociedade. Se o escritório continua a crescer, será necessária mais mão de obra, então ocorre uma segunda cisão nas atribulações dos sócios. Nesse ponto designa-se a figura do “sócio coordenador” ou “sócio júnior”. É aquele que realiza o já descrito PCPP (planejamento e controle do processo de projeto), ou melhor, se assegura de que será praticada a arquitetura da foram como os sócios acreditam e dentro dos prazos e custos acordados. Ele já está habituado com o modo de fazer do escritório de forma que é capaz de replicá-lo, enquanto os sócios fundadores cuidam das atividades de suporte e das atividades de nível estratégico para a sobrevivência do escritório, a captação de clientes, o relacionamento com os mesmos e o planejamento estratégico. Dessa forma, à medida que o escritório cresce, os sócios fundadores tendem a se distanciar da atividade produtiva do projeto. Se aplicado às etapas padronizadas de projetos podemos concluir que os sócios fundadores participam do programa de necessidades e do estudo preliminar, os coordenadores do estudo preliminar e do anteprojeto, e o restante da força produtiva foca no executivo. Ainda assim, conforme comentado no item anterior, nem sempre os colaboradores serão associados, variando sua forma de contratação. Nesse sentido iremos a partir de agora adotar a seguinte estratificação para fim de equalização dos termos: Sócio fundador, arquiteto coordenador, arquiteto e estagiário. O modelo abaixo demonstra graficamente esse processo de segmentação do corpo técnico entre as tarefas de projeto:

Figura 47 – Alocação dos recursos humanos nas atividades

Essa é uma grande dor do arquiteto que iniciou a sua prática por gostar de fazer projeto, no entanto quanto mais bem sucedido ele se torna, menos ele pratica aquilo que gostava. Por esse motivo as estruturas organizacionais possuem uma hierarquia, que muitas vezes é deliberadamente quebrada pelos sócios fundadores

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que ensejam por se envolver em todas as etapas, ainda que não desenhem uma linha dos projetos executivos, eles avaliam e participam de suas discussões. Essa é uma característica bastante peculiar do escritório de arquitetura, pois apesar de estar no topo da hierarquia, o sócio fundador não abre mão de participar de todas as tarefas. Existe outra forma de abordar esse dilema que é terceirizar as atividades de suporte (gestão de custos, comercial, recursos humanos e infraestrutura) e poder participar mais ativamente das atividades principais (projeto e planejamento). No entanto, dos escritórios entrevistados, somente um deles adotou esta postura. Coincidentemente este mesmo escritório criou vários processos internos de auto-avaliação para se adaptar melhor às práticas de mercado. Dessa forma foram ofertadas vagas para gerentes comerciais, de marketing, administrativos e financeiros, e os sócios de dividiram entre diretores de projeto e comercial e diretores administrativo-financeiros. Nos exemplos acima citados podemos tirar duas conclusões importantes. Em relação ao primeiro caso, que talvez pelo fato do arquiteto ansiar por ser um grande generalista ele não terceiriza as atividades de suporte, ou ele a considera parte ativa do processo de projeto e enxerga como benéfica o movimento constante entre estes elementos como característica de uma estrutura organizacional dinâmica. Nesse caso, deve-se admitir que os sócios fundadores possuíssem um perfil empreendedor e ser capaz de realmente transitar entre muitas tarefas além de abrir mão de boa parte da prática cotidiana de projeto. No segundo caso, mesmo terceirizando as atividades de suporte, um dos sócios pelo menos permanece no controle delas. Quer goste ou não, elas são estratégicas para a sobrevivência do escritório e a sua completa terceirização seria um risco. Da mesma forma, como já foi discutida anteriormente, quando pensamos no projeto como um fluxo de informações, a informação de qualidade no momento certo é essencial, e eu acredito estar cada vez mais claro que de fato projetar é um processo global que, no caso do escritório, abrange tanto as atividades principais como as de suporte. Por exemplo, numa licitação o cronograma custo-prazo de entregas e controles de pagamentos está intimamente ligado ao processo de produção de projeto, as contratações e a gestão de custos. Da mesma forma, contratação de novos funcionários ou prospecção de mercado estão intimamente ligados com a capacidade do corpo técnico e cronograma de entrega dos projetos. Os modelos da página seguinte demonstram graficamente os posicionamentos do arquiteto em relação às atividades exercidas pela empresa e sua estrutura organizacional. À esquerda a maioria dos escritórios em que o sócio fundador adota as atividades suporte e parte do ato de projetar. À direita, o modelo no qual as atividades de suporte são terceirizadas, ou seja, os sócios criam uma estrutura extra para assumir a parte operacional das atividades de suporte no qual surge a figura dos gerentes. Outra peculiaridade observada, foi o sócio deliberadamente quebrar a hierarquia do modelo, muita vezes para controlar ou participar de processos mais operacionais do projeto.

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SEM TERCEIRIZAR ATIVIDADE SUPORTE

TERCEIRIZANDO ATIVIDADE SUPORTE

Figura 59 – diagrama colaboradores e funções

Na fase de produção há uma gradação, quanto mais ‘profissional’ o escritório é, ele migra da opção de ter estagiários como principal força produtiva, para pessoas jurídicas e, finalmente, associados, conseguindo conforme foi descrito anteriormente, maior produtividade e comprometimento, mas também maiores custos e riscos. Verificou-se um fenômeno bastante interessante: na maioria das entrevistas há uma repulsa pela figura dos departamentos e uma atratividade pela ideia de uma estrutura onde pessoas podem praticar mais de uma tarefa, com um alinhamento pessoal muito forte, capaz de se adaptarem de forma intuitiva e utilizando-se de algumas métricas de tempo e metas para constantemente se reorganizarem. Como foi dito pelo escritório cinco, a estrutura de uma escritório necessita de algum controle organização, mas não pode ser engessada pelos mesmos. No entanto, todos esses escritórios tinham a característica de um modelo mais generalista. Possivelmente um escritório cuja prática seja um escopo bastante especializado como somente fazer executivos, ou especialização em alvenaria, podem possuir um processo de tal forma linearizado que toda a sua estrutura organizacional é mais rígida para permitir a maior eficiência da produção. Nos escritórios generalistas a rigidez excessiva o torna menos eficiente. Finalmente, após ter analisado os 6 escritórios participantes do projeto de pesquisa, sintetizei cinco modelos que representam esquematicamente a sua estrutura organizacional.

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1 – Pirâmide Invertida Modelo muito usual nos escritórios jovens ou pequenos, composto somente por sócios e estagiários em pequeno número.

Figura 49 – estrutura pirâmide invertida

2 – Ampulheta Trata-se de um modelo onde a maioria do corpo técnico é composto por sócios. Há muitos sócios-fundadores, poucos sócios-coordenadores e uma quantidade intermediária de estagiários.

Figura 50 – estrutura ampulheta

3 – Trapézio Modelo de escritório estabelecido, porém de médio porte (5-15 funcionários). Possui poucos sócios fundadores, maior quantidade de sócios coordenadores e semelhante quantidade de estagiários que são constantemente trocados.

Figura 51 – estrutura trapézio

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4 – Diamante ivertido Trata-se do modelo do escritório mais estruturado que participou da entrevista e um escritório de médio grande (15-30 funcionários). Conta com poucos sócios fundadores, sócios coordenadores, associados e estagiários. O único modelo que permitiu associações com pequena participação na empresa, ou seja, contratação de todo o corpo técnico no regime de associado.

Figura 52 – estrutura diamante invertido

5 – Hexágono Modelo onde há terceirização das atividades suporte dos sócios, criando uma diferença entre os níveis de suporte e de produção. Nesse caso trata-se de contratação PJ para ambos, conforme o modelo entrevistado, com poucos estagiários.

Figura 53 – estrutura trapézio

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De acordo com os dados pesquisados, me parece que o movimento mais saudável de evolução de um escritório, caso ele tenha a oportunidade de expandir seria a transição do pirâmide invertida para o trapézio e finalmente o diamante invertido. Dessa forma são treinados coordenadores o suficientes para manter o escritórios, os sócios permanecem em suas funções principais e estagiários se tornam associados. Ou seja, a prática migra em direção a um corpo técnico mais permanente de forma estruturada.

pirâmide invertida

trapézio

diamante invertido

Figura 54 – transição de estruturas

Concluindo, existem diversas estruturas organizacionais, mas todas elas enfrentam os mesmos desafios de setorização, dinâmica de informações e processos, contratações e posicionamento frente ao mercado além de exercer a sua atividade principal com qualidade, dentro dos prazos e custos. A forma de enfrentar essas incógnitas se altera principalmente de acordo com a quantidade de funcionários da empresa e seu grau de profissionalização, entendida como o quanto ético, sustentável em termos financeiros, dentro dos preceitos legais e com respeito aos colaboradores a prática se posiciona. Por seu caráter generalista a prática da arquitetura permite atingir diversos ramos da sociedade podendo ou não se especializar, no entanto a forma de organização dessa prática não é tão diversa quanto os segmentos de mercado que ela pode atingir, chegando definitivamente ao uma saturação de modelos, que somente poderia ser quebrada mediante a inovação, ou seja, criação de uma prática diferente das existentes. Eu acredito que este trabalho ainda não exauriu todos os modelos existentes, nem mesmo se propunha a tanto visto os limites temporais da pesquisa, no entanto certamente as amostras estudadas representam uma grande parte dos escritórios atuantes hoje.

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7.6. A CAPTAÇÃO DE CLIENTES Existe uma peculiaridade cruel na prática da arquitetura que foi observada no processo desta pesquisa. O arquiteto não pode esperar concluir um projeto para poder iniciar outro. Por isso a gestão comercial é uma tarefa muito importante para a sobrevivência do escritório, pois além de ser a responsável por atrair e fechar os novos contratos, é a partir dela que o programa de necessidades é estabelecido, os prazos e os custos negociados, influenciando diretamente as atividades de projeto e PCPP. De acordo com Oliveira que enquadra a atividade de marketing dentro da gestão comercial: “Para Kotler; Bloom (1998), o sucesso de um escritório de projetos pode ser atribuído muito mais à sua capacidade de promover-se por meio de cobertura jornalística sobre seu trabalho, da obtenção de prêmios e da prática de comunicar-se constantemente com seus clientes sobre seus hábitos mais positivos (realizar projeto dentro do prazo, do orçamento, com qualidade, etc), do que aos seus esforços na racionalização do desenvolvimento dos projetos.” (OLIVEIRA, 2005, p 209)

Como pôde ser observado durante a pesquisa, entre os escritórios entrevistados, a maioria não possui uma estratégia clara de captação de clientes, recorrendo principalmente a quatro formas: • Rede de contatos pessoais: Os sócios possuem contatos dentro de determinados círculos da sociedade que podem demandar os serviços do arquiteto. Esses círculos podem ser família, amigos, colegas, clubes, grupos de afinidades, locais onde costumam frequentar etc. Essa é talvez a prática mais antiga de captação de clientes, remontando à época dos arquitetos que tinham suas obras encomendadas pelas famílias de elite da sociedade, na forma de um mecenas consumidor de cultura, em franca sintonia com o código Guadet. • Rede de parceiros comerciais: Como já foi anteriormente comentado, a rede de parceiros é essencial para o escritório, ela auxilia na atividade de projeto e propicia projeção em outros mercados. É comum os parceiros contratarem os arquitetos e vice-versa. Por exemplo, no caso das licitações públicas, muitas vezes são consórcios ou empresas gerenciadoras que costumam vencer a concorrência. Um escritório de arquitetura que deseje entrar nesse ramo pode ter uma vantagem estratégica em parceria com esses profissionais. • Licitações públicas: Há 5 tipo por concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão (LEI 10520/02) ou pregão sendo o mais comum na arquitetura o concurso por admitir-se escolha de “trabalho técnico, científico ou artístico” (LEI 8666/93). É uma forma bastante arriscada de captar novos contratos devido à altíssima concorrência e aos subjetivos critérios de avaliação. Mesmo ganhando os concursos, ainda há o risco de eles não serem levados adiante pelas conjunturas

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políticas e econômicas. Em resumo, é muito arriscado um escritório sobreviver unicamente dessa forma de contratação, que além de difícil exige um preparo financeiro e legal da empresa. • Concorrências privadas: Ainda mais seletiva que as concorrências públicas, grandes empresas podem criar concursos nos quais somente convidados podem concorrer. Novamente, conhecer as pessoas certas para o ramo de atuação mostra-se essencial. Da mesma forma, certos ‘indicadores’ podem auxiliar ao leigo na escolha dos escritórios, como aparecer um publicações, seminários, e mídias sociais em geral. Nesse ponto, algumas observações são necessárias. Primeiro, que os arquitetos que pretendem trabalhar para o poder público, com um franco espírito cívico, devem estar preparados para enfrentar enorme concorrência e adequar-se à burocracia de cada cidade, instância, escopo além de enfrentarem parceiros de obra licitados geralmente por custo, ou seja, com uma qualidade de execução questionável. Dessa forma, novamente, quebra-se o ideal do arquiteto servidor diretamente à sociedade, que escaparia às vicissitudes do capitalismo. Em verdade a dificuldade de sobrevivência de um escritório com esse perfil é enorme. Ainda assim, um dos escritórios entrevistados possuía esse perfil, era um especialista com exclusividade de expertise na sua área de atuação, afirmando conseguir geralmente vencer licitações por técnica. Não obstante, era um dos únicos escritórios a possuírem um processo estruturado de prospecção, captação e gestão de possíveis licitações ocorrendo por todo o Brasil. Nesse sentido, novamente, pode-se inferir que modelos com alto risco são possíveis, mas devem ser estruturados de forma a enfrentarem esse cenário. Com exceção das licitações públicas, podemos também nos perguntar se os escritórios são realmente contratados por sua qualidade e expertise, ou pela sua rede de contatos e parceiros? Pode-se presumir que ambas as qualidades são complementares: não adianta ser muito bom em projeto, sem que outros saibam disso; da mesma forma, seria ineficiente ter enorme divulgação sem poder oferecer um serviço de qualidade. Ainda assim a arquitetura é algo de difícil avaliação, pois faz parte dela uma porção de conhecimentos intangíveis, por isso há casos em que os arquitetos são contratados mais pela confiança que conseguem transmitir e pelas recomendações que recebem do que pela qualidade comprovada de seu trabalho. Dessa forma pode-se concluir que dificilmente existe uma concorrência justa entre os arquitetos, pelo simples fato de que o contratante não compreende o que está comprando, e por isso, apela para os aspectos superficiais de avaliação do “produto arquitetura”, seu preço, prazo de execução, em quantas revistas foi publicado e o atendimento dado ao cliente. É triste, mas algo tão complexo como a arquitetura é frequentemente reduzido nesses simples aspectos. Em sua tese, Oliveira explica claramente a dificuldade de transformar o projeto em mercadoria:

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“O projeto não é um produto de consumo de massa e, portanto, não pode usufruir os benefícios da imensa quantidade de técnicas e recursos tradicionais de marketing existentes. Segundo Padilha (1998), para o cliente, os serviços de projeto não são vistos como produto final. Em geral, eles são entendidos como um meio, muitas vezes compulsório, para se chegar a este produto (a edificação). Ele não é um produto fácil de ser compreendido pelo cliente. Alguns clientes não entendem sua importância e não sabem comprá-lo, reduzindo sua avaliação à simples comparação de preços. O projeto não é um serviço que provoque no cliente prazer imediato de consumo. Em geral, os clientes não gostam, não se entusiasmam, nem sentem prazer na sua compra. Produzir e negociar projetos são atividades bem mais complexas do que produzir e negociar mercadorias e serviços comuns. O projeto é um serviço de consumo restrito. Excetuando relacionamentos de confiança entre alguns projetistas e construtores/ incorporadores, ele não é adquirido por muitas pessoas muitas vezes na vida. Por melhor que seja o profissional, por mais satisfeitos que fiquem os clientes, é pouco provável que existam compras ou consumos sucessivos e em grande quantidade. Essa característica não dispensa a preocupação com a satisfação dos seus clientes, que poderão a voltar a comprar esse serviço e/ou poderão influenciar a decisão de futuros contratantes. Em última análise, o profissional de projeto sempre terá que conquistar novos clientes, o que, em certa medida, dificulta a estabilidade comercial. Além disso, o fato do produto não ser consumido por um público muito extenso torna ineficaz os principais recursos de comunicação com o mercado (mídia aberta, recursos de promoção de vendas, etc)” (OLIVEIRA, 2005, p. 210)

Diante desse cenário, é compreensível que não haja uma forma constante e objetiva de lidar com a captação dos clientes. No entanto, dentre todas as dificuldades elencadas, uma delas parece servir de alicerce para esse contexto: a compreensão da sociedade do que faz o arquiteto em sua qualidade de planificador, sem a qual, o projeto nunca será valorizado, e necessitará sempre utilizar de estratégias de contorno, como referir-se ao objeto final, a construção, ou ser até vendido a custo zero, amortecido pela execução ou acompanhamento de obra. 7.7. O RELACIONAMENTO COM OS CLIENTES O relacionamento com ocorre posterior à sua captação. Como foi delineado pelos escritórios entrevistados cada forma de contratação exige também uma forma de relacionamento, por exemplo: em licitações há muito pouco contato com o usuário, em uma reforma o contato é exaustivo. A afinidade do escritório com uma forma específica de relacionamento com o cliente pode ser também um fator decisivo para se especializar em determinado ramo.

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Assim como a captação, o relacionamento com o cliente é essencial para o bom andamento do projeto. Conforme comentado em relação ao modelo de gestão, eles devem ser permeáveis ao contratante até determinado ponto, permitindo que ele interfira no projeto de forma saudável, a rejeição dessa condição pode gerar um grave conflito entre o que o arquiteto quer e o que o cliente espera, ocasionando em muitos casos uma cisão entre ambos. Nesse sentido, o arquiteto parece poder adotar três caminhos: • • •

primeiro não participar do projeto quando este vai contra suas crenças; segundo, fazer o que o cliente quer, mas dentro da mínima quali- dade e viabilidade técnica do produto; terceiro conseguir junto com o cliente criar uma solução que possa ser melhor do que ele havia inicialmente proposto.

Os clientes sabem parcialmente o que desejam, a tradução de suas expectativas em espaço e forma é uma das principais habilidades do arquiteto e onde ele pode educar o cliente, conforme afirma Cross: “Often, the problem as set by the client’s brief will be vague, and it is only by the designers suggesting possible solutions that the client’s requirements and criteria become clear” (CROSS, 1990, p. 130). De fato, a arquitetura é uma das respostas ao problema bem formulado, mas eis a questão, descobrir de fato qual o problema e conseguir representá-lo. O estudo é etapa essencial do projeto, em sua dimensão reflexiva, na qual o ato projetual atinge uma de suas atribuições por excelência: representar possibilidades, e determinar soluções. Conforme foi observado pelos escritórios, afirmou-se haver uma rejeição ao modelo do gênio criador, mais alinhado com o “arquiteto artista” do século passado. Hoje parece haver a compreensão de que o projeto, feito por mais mãos, possui mais qualidade. Essa constatação faz sentido levando em conta o caráter de continua validação e proposição de soluções que constitui um projeto, quanto mais experiência agregada ao seu processo, melhor será o resultado. Nesse sentido pergunta-se: até que ponto a arquitetura consegue criar junto com seus clientes? E o quanto isso é positivo? Acredito que um novo paradigma para a arquitetura poderia ser atingido, quando o usuário realmente participasse ativamente do processo de projeto, ele compreenderia melhor as potencialidades dessa ferramenta e não descartaria o arquiteto, pois mesmo possuindo o ferramental de produção, a avaliação e viabilização do mesmo continuam sendo complexas. Certamente a inserção e perfeita compreensão do ponto de vista do usuário é um dos desafios da arquitetura, esta visão não deve ser temida, pelo contrário, deve constituir parte integrante do processo de projeto. Cross defende que todos possuem a habilidade de pensar projetualmente, trilhar esse caminho com os clientes e usuários parece em minha opinião ser a melhor forma de educá-los, pela experiência, sobre o que faz essencialmente o arquiteto. Conforme afirmado por Cross:

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”Recently, in architecture, there have been moves to incorporate non-professionals into the design process, through design participation or community architecture. Although the experiments have not always been successful, in either process or product, there is, at least, a recognition that professionals could, and should, collaborate with the non-professionals. Knowledge about design is certainly not exclusive to the professionals” (CROSS, 1990, p. 132)

Talvez, hoje, os trabalhos realmente participativos se enquadrem somente nos processos como reurbanização de favelas ou construções em regimes de mutirão no qual a participação chega a tal ponto que os usuários são a própria mão de obra. Cada um desses casos e a diversidade do tema exigiria um estudo mais aprofundado, que não é o intuito deste trabalho. No entanto, o que se pretende apontar é que a relação com o cliente e/ou usuário é essencial para a divulgação e qualificação do trabalho do arquiteto. Concluindo, o cliente é parte integrante do projeto e deve ser considerado como tal. Conforme comentado no capítulo da arquitetura como processo, podemos entender o projeto como um grande fluxo de informações, e o cliente como uma das grandes fontes desse fluxo. Em muitas formas de contratações o arquiteto está distanciado do usuário final, ou seja, da fonte real das necessidades e para quem de fato o objeto irá impactar. Um projeto que não lida com seus usuários ou contratantes é somente uma formalização das crenças do arquiteto sobre determinado assunto, e perde muito do potencial que poderia conter no ato de se criar a arquitetura e sua real intervenção ou adequação às necessidades dos usuários. 7.8. INTERLOCUÇÃO COM A SOCIEDADE Em 2012 participaram mais de 99 mil arquitetos do censo realizado pelo CAU/BR no qual foram realizadas diversas perguntas e geradas estatísticas publicadas no site da instituição. Uma pergunta chama atenção no contexto desta pesquisa: “principais obstácu-

Figura 55 - censo CAU (http://www.caubr.gov.br/censo/resource/site/pdf/nacional/Censo-CAU-Brasil.pdf. Acessado em 27/10, p.63)

los que dificultam o exercício da profissão de arquiteto e urbanista”, 50,20% das respostas apontam como “valorização do arquiteto e urbanista pela sociedade” como um dos entraves da profissão, condição que pode estar associada a segundo maior obstáculo que é a “má remuneração” e a terceira “não acesso ao mercado de trabalho” A dificuldade da arquitetura em relacionar-se com a sociedade é vista pelos ar-

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quitetos entrevistados na minha pesquisa, principalmente nos aspectos das formas de contratação e relacionamento com os clientes. Questionados sobre o quanto o arquiteto atende á demanda do mercado e dos usuários destacam-se algumas respostas dos sócios dos escritórios participantes: • “A grande questão é essa, nós atendemos o que nós achamos que o cliente quer.” (sócio do escritório 1) • “Arquiteto não atende a demanda de uma maneira legal pelo simples fato de que a gente (...) honestamente não consegue viver com o que a gente tá trabalhando” (sócio do escritório 1) • “o arquiteto tem uma dificuldade muito grande de mostrar o que ele faz e nós somos parte do problema e da solução disso.” (sócio do escritório 1) • “A gente está sempre assim, achando que a demanda do mercado está errada, porque o mercado quer sempre uma coisa que a gente acha que não deve ser feita (...) tem algumas pessoas que estão fazendo a função que o arquiteto, estão em lugares onde o arquiteto tinha que estar. Tem empresas enormes de engenharia. tem muitas obras públicas, tem contratos enormes, e tem empresa grande fazendo isso, fazendo todo tipo de coisa, obra e planejamento. Mas arquitetura acaba tendo um campo de atuação muito reduzido isso é uma coisa muito estranha” (Sócio do escritório 4) • “Não se critica arquitetura, não se critica colega, não se critica a maneira de proceder, isso não se fala. E a gente não tem crítica, tudo é uma ação entre amigos, tudo é legal, tudo é bacana. Não critica nada.”(sócio escritório 5) • “O arquiteto tem que ser um empresário, ele tem que saber vender o seu projeto, saber administrar minimamente o escritório, saber projetar, organizar o pessoal... Só que às vezes ele não tem braço pra fazer tudo isso” (sócio do escritório 5)

Em primeiro lugar, podemos elencar um problema que parece ser recorrente: a dificuldade da sociedade entender o que de fato faz o arquiteto brasileiro. Essa hipótese foi reforçada por alguns entrevistas, que a interlocução com a sociedade é difícil e o valor dado ao arquiteto é muito subjetivo e discrepante para cada caso. Em segundo lugar está a própria dificuldade de o arquiteto compreender qual é a demanda do mercado, das pessoas e como ele pode informar à sociedade que sua profissão pode contribuir para sua qualificação, ou mesmo como ele poderia trabalhar diretamente com a sociedade sem os intermédios das formas contratuais, ou seja, o quanto acessível poderia ser de fato a arquitetura. Podemos concluir que é um problema de duas mãos, ou melhor, como afirma o sócio do escritório um: “o arquiteto é parte do problema e da solução.” Analisando a situação por outro ponto de vista, da sociedade, foi realizada pesqui-

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sa encomendada pelo CAU/BR ao instituto Datafolha em 2015 com o objetivo de determinar qual é a imagem dos arquitetos e urbanistas junto à sociedade. Para os fins deste trabalho, são bastante interessantes os seguintes dados coletados na pesquisa acima mencionada: 1. Dos entrevistados, 54% já fizeram reformas ou construções. Destes, menos de 15% utilizaram os serviços de um arquiteto ou engenheiro na obra. 2. Cerca de 70% das pessoas que compõem a população economicamente ativa afirmam que contratariam os serviços de um arquiteto e urbanista para construções ou reformas. A parcela dos que já contrataram os serviços de arquitetos e urbanistas é de 7%. Entre as pessoas com curso superior e das classes AB, essa taxa é mais que o dobro, chegando a 16%. 3. Aproximadamente metade daqueles que contrataram um arquiteto e urbanista o fizeram devido à expertise do profissional, ao seu conhecimento técnico. Outras razões estão relacionadas a: exigências legais (legalização do projeto, agilização dos trâmites),a obtenção/ viabilização do projeto do imóvel e, a segurança da construção. 4. 73% dos 7% que utilizaram os serviços do arquiteto utilizou a indicação de amigos ou parentes para sua contratação 5. Na pesquisa qualitativa, os poucos participantes que utilizam serviços de arquitetos e urbanistas são das classes sociais mais altas. Em todos os casos, o principal motivo para esse tipo de contratação é a indicação. 6. A principal razão para não contratação dos serviços de arquiteto e urbanista é de natureza financeira (falta de dinheiro, valor alto). Porém, para alguns não houve ou não haverá necessidade de recorrer ao profissional (não construiu/ não construirá, fez obra pequena/ simples). 7. Porém, a pesquisa qualitativa detectou que existe uma percepção bastante distorcida do custo do trabalho do arquiteto em relação ao valor total da obra. Os participantes, em sua maioria, acreditam que o trabalho do arquiteto custe algo entre 20% e 40% do valor da obra. 8. Quando informados que o projeto custa algo em torno de 10% do valor total da obra, os participantes da pesquisa disseram que se trata de um valor justo e que pode acarretar em economia do valor total desembolsado.

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9. A pesquisa quantitativa também perguntou aos brasileiros quais as principais atividades profissionais realizadas por arquitetos e urbanistas. A principal atividade apontada é o projeto arquitetônico, seguido de gerenciamento de obras e planejamento urbano. O conhecimento das atividades dos arquitetos e urbanistas é, de modo geral, maior entre os mais privilegiados em termos educacionais e econômicos. 10. Na pesquisa qualitativa, aprofundou-se o entendimento da população sobre o que é o projeto arquitetônico. Verificou-se que existe uma certa confusão de ideias em torno do conceito. 11. Segurança é o benefício mais valorizado quando se trata de realizar projeto com especialista. Ter alguém para se responsabilizar durante o processo e contar com mão de obra especializada são os atributos mais citados. 12. O conforto também é muito importante, principalmente durante a obra. Entende-se por conforto: ter somente uma pessoa para cobrar o andamento da obra, ter uma pessoa fiscalizando a obra, ter um profissional que saiba os processos durante as etapas de compra de materiais. 13. A população considera que o arquiteto e urbanista tem grande importância frente a diversas atribuições, seja na realização de projetos ou no planejamento das cidades. 14. Criatividade e uso da tecnologia foram as principais características associadas aos arquitetos e urbanistas. Relacionamento com o cliente, ética e economia na obra também tiveram boa avaliação. 15. Na pesquisa qualitativa, a maioria dos entrevistados não menciona obras públicas espontaneamente como atribuições dos arquitetos e urbanistas. Porém, após estimulados, identificam a importância dessa atuação, principalmente em situações de qualidade de vida (construção de praças e parques); mobilidade (melhoria no trânsito); e acessibilidade (acesso para pessoas com deficiência). A comparação entre a visão dos arquitetos e da sociedade sobre a prática da arquitetura traz algumas conclusões interessantes. Em primeiro lugar, a arquitetura é mais requisitada e melhor compreendida pelas classes A e B, ou seja, ela continua sendo, conforme afirma oliveira (2005, p. 210): “um serviço de consumo restrito”. Em compensação, é impressionante que 70% dos entrevistados contratariam um arquiteto, refutando a ideia de que é uma profissão pouco valorizada. Nesse sentido, a maior dificuldade elencada na contratação do arquiteto era de cunho financeiro, no entanto, é curiosa a percepção generalizada que o serviço de um arquiteto custa caro, até 4 vezes mais do que se espera cobrar. Ou seja, parece contraditório que 30% dos arquitetos reclamem da má remuneração, e a maioria

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da sociedade acredite que o arquiteto custe mais do que ele de fato cobra. Pode-se presumir que há uma percepção generalizada do arquiteto como um prestador de serviço para poucos, o que de fato é uma realidade e um empecilho para a penetração da arquitetura no cotidiano, nas pequenas intervenções, para as quais poderia existir uma alternativa mais economicamente viável. É impressionante que os entrevistados sabiam que a atribuição maior do arquiteto era fazer projetos, ainda que, como era de se esperar, há pouca compreensão do que de fato é fazer projeto. Nesse sentido, os entrevistados costumam basear suas referências de comparação no objeto mais tangível da arquitetura: a obra. O lastro para julgamento de valor na obra também serve de explicação do por que as formas de contratação e precificação foram sendo estruturadas pelos custos de construção e não pelo valor homem hora. Conforme comentei no capítulo um, desde o início do século passado, em São Paulo, boa parte da arquitetura nasceu dentro das escolas de engenharia e praticou-se no âmbito das construtoras. Dessa forma há de fato um problema nos casos de escritórios que vendem somente o projeto, pois um cliente leigo dificilmente o compreenderá desassociado de seu objeto final. Novamente, há um alinhamento com a tese de Oliveira ao comentar sobre as estratégias de negociação na venda de projetos: “A satisfação do cliente está relacionada à finalização de todo processo de construção – a edificação. Logo, a percepção do resultado do projeto só aparece muito tempo depois, e está “misturada” à influência de diversos outros fatores. (...) Durante a negociação o profissional deve falar menos do projeto e mais do produto final pelo qual o cliente está interessado e realmente preocupado. O profissional precisa saber fazer estimativas dos benefícios diretos que o projeto pode acrescentar ao produto final. Precisa saber quanto de valor seu trabalho agregará ao produto final” (OLIVEIRA, 2005, p. 211)

Conforme foi delineado no capítulo quatro, sobre o valor percebido na arquitetura a partir da pirâmide de Maslow, de fato a maior contribuição que os entrevistados percebiam era a segurança, seguida do conforto em ter um responsável pela obra, e a capacitação técnica para lidar com os processos de construção, quantificação, orçamento e aprovações legais. Não se fala de itens subjetivos como a qualidade do espaço construído, apreciação estética, ou valor cultural. Ou seja, parece até que aquilo que os arquitetos mais prezam é o que o cliente menos enxerga e vice-versa. Concluindo, acredito que existe de fato um desalinhamento entre a visão do arquiteto e da sociedade em relação à arquitetura e sua forma de produção. Como foi observado na pesquisa, o Brasil constrói bastante, mas muito pouco com a ajuda de um profissional, principalmente pela questão de preço que é mal compreendida e pelo fato do arquiteto ser visto tradicionalmente como um prestador de serviço para as elites, estigma que se mantém até hoje. Por outro lado, ele é um profissional requisitado e valorizado, a população em geral sabe de suas atribuições, colo-

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cando em questão o chavão profissional de que a sociedade deveria ser “educada” para aceitar o arquiteto. Observando por esse ângulo, pode-se inferir que a dificuldade de acesso ao mercado, comentada na pesquisa realizada aos arquitetos, se refere ao restrito mercado dos 7% que contratam seus serviços. De fato se todos os mais de 99mil profissionais focarem em competir espaço nesses 7% haverá uma concorrência enorme e é gritante a necessidade da arquitetura para os outros 63% da população economicamente ativa. Dessa forma podemos concluir que o maior desafio para a penetração da arquitetura na sociedade, tendo como base ambas as pesquisas encomendadas pelo CAU, é sua viabilidade financeira. A dificuldade de penetração no mercado é reforçada, como afirmado na minha pesquisa, pela dificuldade inerente aos canais da arquitetura, que foca principalmente na rede de conhecidos, conforme afirma a pesquisa do Datafolha 73% utilizaram a indicação de amigos ou parentes para contratação de arquitetos. É claro que esta pesquisa se insere mais no âmbito das contratações como pessoa física, mas a percepção desses indivíduos sobre a prática da arquitetura pode servir como modelo comportamental, pois afinal empresas também são compostas por pessoas. Olhando pelos olhos dos arquitetos, continua como há décadas atrás o conflito recorrente entre as suas posições e a de seus clientes. É dever dos arquitetos urbanistas projetar uma sociedade melhor, que está em um tempo futuro, mas nem sempre os usuários pretendem trazê-la para o presente, pois o caminho é árduo e passa principalmente por um grande lapidador das ideias: o custo. Portanto, surge uma pergunta que contextualiza o que foi comentado pelos entrevistados: o arquiteto deve educar-se para atender a sociedade, ou a sociedade deve mudar para atender ao arquiteto? Para quem afinal estamos projetando, para o agora ou para o futuro, e como se atinge esse futuro? Parte da resolução desse dilema seja talvez a noção que existe uma mudança que a arquitetura e urbanismo podem gerar, e outra que é fruto de um processo muito maior, de evolução da sociedade como um todo, da qual a arquitetura depende e faz parte, mas não é a principal propulsora. Nesse sentido, deve-se entender que o arquiteto não pode viver dissociado dessa realidade, desses 63% que pedem por nossa intervenção, e que o item mais valorizado por eles, antes da obra se tornar realidade e poder ser apreciada gerando alguma mudança na sua forma de viver, é a segurança, representada em grande parte por esse pedaço da nossa profissão ao qual se dá pouco valor: a precificação, ou a como já foi comentado, a dificuldade de transformar a arquitetura em mercadoria. Finalmente, o arquiteto deve ser educado para se inserir no mundo leigo, e o leigo deve ser educado para compreender melhor o que faz o arquiteto e como este pode ser um profissional para todos. Por isso a discussão acerca da prática da arquite-

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tura é tão importante, da mesma forma que o pensamento projetual se faz por conjectura de possíveis soluções, a prática deve procurar sempre novos caminhos. Talvez seja justamente através das pequenas ações pontuais, procurando abrir o espaço para essa boa arquitetura, que educa, qualifica e cria novas formas de viver, que o arquiteto contribui para a ressignificação de sua profissão. Por isso, atuar, em todas as instâncias, é sempre necessário. Os projetos não devem ser um fim em si mesmo, devem ser antes um meio, ou como já foi dito, um processo que implica transformação, de problemas reais em soluções viáveis.

7.9. A INOVAÇÃO NA ARQUITETURA Antes de prosseguirmos, deve-se deixar claro que este trabalho não pretende fazer apologia ao empreendedorismo como solução para os problemas estruturais da sociedade desigual em que vivemos. Nem mesmo pretende reduzir a complexidade das relações sociais e suas necessidades em meros bolsões de intervenção para o mercado. Ainda assim, conforme foi comentada em todo este trabalho, a dimensão mercadológica da arquitetura enquanto serviço e até produto é muito difícil de ser negada, por isso procura-se adotar uma postura conciliadora e menos maniqueísta, ou seja, toda intervenção do arquiteto e urbanista possui uma dimensão pública e uma dimensão privada, fazendo parte simultaneamente da comunidade e do mercado. Dessa forma, conforme foi descrito nos capítulos anteriores, será entendido cliente também como usuário, um nicho de mercado também como um segmento da sociedade com toda sua carga cultural e social, e valor também como a melhoria na qualidade do ambiente construído, para o qual o arquiteto presta um serviço que é, de alguma forma, remunerado. A inovação nos modelos de negócio tem como objetivo principal criar novas formas de penetrar em mercados não explorados ou de vencer concorrência com espaço de mercado já dominado, através da criação de novos produtos ou meios de produção que atendam a requisitos técnicos, de custo e de necessidade humana. Nesse sentido ela pode ser uma ferramenta para que a arquitetura, enquanto prática profissional, encontre novos caminhos para atuar. Conforme foi avaliado no capítulo anterior, existe uma demanda e um mercado não explorado para o arquiteto: aquele diferente das classes A e B e que representa grande parte da construção sendo realizada no Brasil. Uma forma de atingir esse segmento é através de um novo modelo de atuação profissional. Seja ele privado ou público. Captando recursos de investidores privados, ou do Estado. De certo modo pretende-se imbuir a nossa prática de um viés mais pragmático, visando à melhoria da qualidade de vida dos usuários realizada de forma ética, digna e financeiramente sustentável.

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Outra finalidade da inovação na arquitetura seria recuperar os campos de atuação que os arquitetos perderam historicamente para os engenheiros e onde ainda, atualmente, há grande disputa como em licitações públicas ou determinados escopos de projeto. Segundo Luís Eduardo Carvalho, um dos 470 co-criadores do livro Business Model Generation de Alexander Osterwalder e Yves Pigneur: “Como nos ensinou o saudos C.K. Prahalad, vivemos e continuaremos a viver uma nova era da inovação onde, cada vez menos, as grandes inovações serão em produtos. A inovação pela cocriação de valor, na gestão e em modelos de Negócios, desempenharão um papel fundamental nesse contexto, a essas formas denominamos as Novas Fronteiras da Inovação”

Nesse sentido Osterwalder e Pigenur (2011, p. 5) afirmam que: “inovação em modelos de negócios é sobre criar valor, seja para empresas, ou clientes ou para toda a sociedade”. É interessante a reverberação que o termo valor encontra na definição da gestão arquitetônica de Alharbi, descrita no capítulo três: “value” is about achieving a competitive edge for the AM adopter (architects), which covers both the cost and differentiation aspects of the provided service(s). Value is also about creating better environments, i.e. social, economic and physical environments, thus it is a value for current and future owners and users of the projects”.(ALHARBI; EMMIT; DEMIAN, 2015, p. 11)

Dessa forma, vemos que o termo valor, conforme descrito acima, pode fazer parte dos aspectos da arquitetura. Na verdade, a inovação de pouco adianta sem estar acompanhada do binômio custo e diferenciação. Ou seja, não adianta que se façam novos modelos de negócio se eles não são acessíveis, nem se eles replicam o que já existe, o que levaria somente às estratégias de competição. O fim máximo da inovação, no mundo dos negócios, é ter o poder de se elevar acima das disputas por mercado criando novos paradigmas para determinado produto ou serviço quebrando as fronteiras de determinado nicho. À intersecção do binômio diferenciação e custo dá-se o nome de “inovação de valor” ou (tradução livre do ingês value innovation) conforme definido no livro “the blue ocean strategy”: “value without innovation tends to focus on value creation on an incremental scale, something that improves value but is not sufficient to make you stand out in the marketplace. Innovation without value tends to be technology-driven, market pioneering, or futuristic, often shooting beyond what buyers are ready to accept and pay for” (CHAN; MAUBORGNE , 2005, p. 13)

Como já foi reiterado nos capítulos anteriores, a arquitetura está inserida num contexto maior do pensamento projetual, que foi apropriado em outros ramos entre eles o da administração. Principalmente no âmbito dos negócios essa forma distinta de resolução de problemas teve seu reconhecimento como sendo ferramenta essencial para inovar, conforme é afirmado por Osterwalde e Pigneur:

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“As pessoas de negócio, sem perceber, praticam design todos os dias. Desenvolvem organizações, estratégias, modelos de negócios, processos e projetos. Para isso, devem levar em consideração uma complexa rede de fatores, como seus competidores, a tecnologia, aspectos regulatórios e muito mais. Cada vez mais, precisamos fazê-lo em território não familiar e não mapeado. É precisamente do que se trata o design. Do que os administradores carecem é de ferramentas de design que complementem suas habilidades de negócio” (OSTERWALDER;PIGNEUR, 2011, p. 126)

A afirmação que todos praticam o pensamento projetual de alguma maneira reverbera com o que afirma Cross ao defini-lo como uma forma de inteligência humana. Na verdade, em sua pesquisa Cross defende que o pensamento projetual é tão necessário que influencia na própria economia de um país e na performance individual de pequenas companhias , ele ainda conclui que empresas que são conscientes do papel do projeto (tradução livre do inglês design conscious)tendem a ter melhor performance nos indicadores de margem de lucro e retorno (CROSS, 1990, p. 128). Ora se o arquiteto é um grande “designer” talvez o que ocorra seja análogo ao que se afirmou em relação às pessoas de negócios: o arquiteto pratica uma forma de negócio todos os dias. Negociam preços, gerem empresas, contratam funcionários, participam de concorrências, vendem projetos, atendem clientes, planejam prazos e custos. Mas diferente das pessoas de negócio talvez o que lhe carece são ferramentas que complementem suas habilidades de projeto. Finalmente conforme foi demonstrado no capítulo anterior através do censo do CAU/BR os três principais problemas da arquitetura, para os arquitetos são: a valorização da profissão pela sociedade, a má remuneração e o acesso ao mercado. Conforme foi reiterado, grande parte desses problemas está baseada no fato do arquiteto atuar em nichos muito concorridos, em serem reféns das formas de contratação do âmbito público, e captarem seus clientes principalmente nos fechados círculos de conhecidos no âmbito privado. Ao tentar se tornarem mais competitivos tendem a criar modelos predatórios que reduzem custo, e sendo o principal recurso do escritório de arquitetura sua equipe técnica, por fim, os arquitetos são mal remunerados. Partindo do pressuposto que os escritórios mais estruturados são também os que possuem acesso a grandes clientes, em geral, pessoas jurídicas, privadas, podemos nos perguntar: quantas grandes empresas existem que constroem regularmente a ponto de sustentar os arquitetos generalistas? Quantos concursos são lançados por ano e levados a cabo? Quantas licitações por técnica e preço conseguem os arquitetos vencerem? Quantas casas novas estão sendo construídas? Quanto solo urbano ainda existe para novas edificações? Enfim, quanto espaço no mercado existe para os escritórios saudáveis e quanto desse espaço já está tomado?. Esse TFG não possui o ferramental para responder a essas perguntas, mas supondo o pior cenário em qualquer uma delas, já seria motivo o suficiente para a inovação se fazer necessária.


Mais do que isso, a inovação nos formatos propostos não deveria ser estranha ao arquiteto, já dotado do pensamento projetual, pelo contrário, este possui o potencial de projetar as suas próprias práticas, possibilitando alternativas para o binômio custo e valor, ou traduzindo para o linguajar arquitetônico, acessibilidade financeira e qualidade. Poder-se-ia pensar que a arquitetura consegue se revalorizar e redefinir de forma ocasional como um movimento natural de uma profissão que lida constantemente com conjecturas de novos significados. No entanto, avaliando árduo trajeto da formação do arquiteto urbanista no Brasil, vemos que nosso caminho não é linear, nem fortuito. É sim influenciado por diversos fatores externos e fruto de posicionamento. Logo se pergunta: não é hora de nos reposicionarmos em direção a novos paradigmas profissionais? A visão da arquitetura como um negócio já aliada aos modelos de gestão e pensamento projetual anteriormente citados proporciona toda uma nova gama de questões e finalmente deixa claro que a inovação na nossa prática profissional não está somente nas formas de se praticar projeto, estas são essencialmente imutáveis sendo traduzidas em suas diversas técnicas no tempo. As práticas de gestão também serão otimizadas até determinado ponto. Até mesmo as propostas de valor chegam a determinada saturação frente às características marcantes da prestação de serviços (entregar no prazo, com qualidade, com custo). No entanto, nas estratégias de comercialização, nos canais de relacionamento e vendas e na forma como o cliente percebe valor essas questões ainda não foram totalmente exploradas em nossa prática sendo polo de inovação para a arquitetura, na forma como ela se relaciona com a sociedade e podendo então definir os outros elementos dos modelos de negócio atacando finalmente as fontes de renda e estruturas de custo. Ou seja, os três problemas antes elencados pelos arquitetos. Finalmente, podemos concluir que as ferramentas de negócio podem ser complementares ao pensamento projetual e orientarem o arquiteto a uma prática que consiga enfrentar de forma saudável os desafios da viabilidade da arquitetura tanto na proposição de novas realidades como no respeito profissional aos próprios arquitetos. A inovação nesse sentido surge como um conceito já presente no dia a dia do arquiteto, mas pouco traduzido para a sua prática, e quando bem compreendida pode levar a novos modelos de negócios que atendam tanto às classes mais baixas que clamam por qualidade de moradia, assim como aos campos de atuação nos quais há grande competição com engenheiros como as licitações e o planejamento das cidades. Na página seguinte apresento um diagrama com o resumo dos desafios da arquitetura, suas formalizações e o papel da inovação.

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Figura 56 - os desafios da prรกtica da arquitetura

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CONCLUSÕES


8. CONCLUSÕES No decorrer desta pesquisa, foi estruturado um ferramental teórico e prático para poder analisar a prática atual da arquitetura, no contexto de São Paulo. No primeiro capítulo, conclui que as atribuições do arquiteto são mutáveis. Por ser uma atividade que reponde às necessidades de seu tempo, de acordo com determinado contexto social e econômico, e o arcabouço intelectual disponível, a arquitetura passa por diversas alterações em sua atuação e significado. Estas ocorrem principalmente em torno dos temas da dialética entre ate e técnica, da fusão ou separação entre execução e projeto, da associação com outros profissionais e, portanto, do quanto o arquiteto participa em todo o processo de constituição do objeto fim de sua profissão, o espaço. Outra conclusão importante é que prática da profissional lida diretamente com a dimensão mercadológica da arquitetura. Essa dimensão foi negada pelo projeto moderno de ensino e pelo posicionamento de repúdio ao mercado nos 60, abrindo uma cisão entre arquitetos de mercado e arquitetos liberais, os primeiro voltados ao mercado imobiliário e os segundo a uma restrita clientela, culturalmente educada no movimento moderno, ou a encomendas que possuem função social, realizadas principalmente pelo Estado. O posicionamento do arquiteto avesso às praticas de mercado, somado à formalização da profissão nas sombras dos engenheiros, contribuiu para perda de parte do seu ramo de, que de certa forma, ocasionou em reconhecimento parcial da profissão por parte da sociedade. Existe um limite para quanto um arquiteto consegue empreender sozinho. Em geral devido à crescente complexidade dos programas e mesmo ao desejo de poder realizar mais projetos de uma vez, da forma como ele acredita, o arquiteto tende se associar, na forma de empresas, com colegas, visando “mais mãos” para fazer aquilo que ele gosta ou tem expertise. Ou seja, as empresas geralmente não nascem com o objetivo de ter lucro, mas sim, de fazer boa arquitetura. No entanto, ao se constituir em empresa, relacionando-se com aspectos legais e comerciais da profissão, que se situa numa cadeia maior de produção, o projeto se torna somente uma das atividades exercidas pelos arquitetos, inseridos num ambiente de negócios. Dessa forma, entre as atividades exercidas por uma empresa de arquitetura e urbanismo foram designadas duas distinções: as de suporte representadas pela gestão, financeira, de recursos humanos, de infraestrutura, de marketing e planejamento estratégico; e as principais, entendidas como gestão comercial, projeto, e planejamento e controle do processo de projeto — podendo ainda haver gerenciamento de obras se for da competência da empresa. As atividades principais são indissociáveis, elas trabalham muito alinhadas com fortes fluxos de informação entre si, que devem ser rápidos e precisos. As atividades de suporte tendem a ser mais esporádicas, mas são igualmente necessárias. Nenhuma das duas atividades necessita ser agrupada em departamentos, podendo até ser exercidas por uma só pessoa, mas a sua delineação é importante para a compreensão do funcionamento das empresas.

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Para atacar essas atividades os escritórios se organizam em diferentes estruturas organizacionais de acordo com a sua experiência no mercado, perfil profissional e número de integrantes. Quanto maior a habilidade do escritório em lidar com todas essas condicionantes de seu modelo de gestão, maior será sua chance dele prosperar. Da mesma forma, fica claro que são possíveis diversos modelos profissionais, mas ainda que seu segmento de atuação seja diversificado, a forma como ele atinge esse mercado não o é, podendo ocasionar uma saturação nos modelos de gestão e negócios dos arquitetos, voltados para a fatia que é mais propensa a custear seus caros recursos humanos: as classes A e B e o poder público. Existe uma diferença entre modelos de negócio e gestão. Se abordado pela ferramenta do canvas, o modelo de negócio pode possui um caráter mais propositivo, de ação reflexiva sobre a própria prática, procurando refiná-la ou até criar uma nova variação. O modelo de gestão por sua vez possui um caráter mais prescritivo, ou seja, procura informar quais seriam as maneiras eficientes de organizar uma empresa e como isso funcionaria. A disposição de diferentes elementos, considerando a sua relação, dentro de limitações de variados aspectos, em problemas mal formulados — cuja natureza é de difícil compreensão — sendo resolvidos através de contínuas tentativas e erro, e através da criação de protótipos (nem que sejam as próprias empresas) ou representações, se enquadra no que é afirmado por Cross (1990) como atributos típicos do pensamento projetual, entendido enquanto uma forma de inteligência humana. Desse modo, diferentemente do que se afirmava com o profissional liberal, ou com aquele oriundo das escolas de belas artes, o arquiteto pode também ser um empresário, sem deixar de ter os atributos de arquiteto. Mais que isso, ele pode e até deveria, projetar a prática de seu escritório, cuja sobrevivência depende da harmonia entre o conjunto de elementos que, somados à qualidade do projeto arquitetônico stricto sensu, constituem a prática profissional. Uma vez que o arquiteto se propuser a organizar os elementos de seu escritório, projetando a sua prática, ele irá descobrir que a razão de sua existência enquanto prestador de serviço é suprir algum tipo de necessidade para determinado tipo de mercado dotando a arquitetura do que se entende como valor – uma forma da sociedade de mercado avaliar determinada mercadoria. Dessa forma, foi delineado que a separação entre arquiteto “de mercado” e “liberar” é falsa em termos práticos, pois os escritórios “liberais” podem trabalhar para o mercado, e os “de mercado”, para o poder público dissolvendo facilmente essas fronteiras. No entanto, percebi através das entrevistas e protótipos de modelos de negócio, que há uma diferença considerável entre os especialistas, que atendem a um segmento muito específico e a possuir estruturas mais simplificadas, rígidas e lineares; e os generalistas, que costumam abraçar escopos muito diversificados, enxergando como valor o intercâmbio de conhecimentos entre escalas e a garantia da qualidade por todo o processo. Eles possuem estruturas dinâmicas, menos engessadas e profissionais com perfil multidisciplinar. Ambos os modelos são complementares, e a empresa pode migrar, no decorrer de sua trajetória de um para o outro, ainda que isso acarrete significativa mudança em sua forma de atuação.

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Finalmente, através dos relatos dos arquitetos entrevistados, do Censo do CAU/ BR de 2011 e da pesquisa encomendada ao Datafolha em 2015, notei que existe uma clara dissonância entre o que o arquiteto espera oferecer à sociedade, e o que esta espera receber dele. O arquiteto parece estar mais preocupado com os aspectos qualitativos e ideológicos de sua prática, a qualidade espacial, seu papel na construção de uma sociedade melhor, a crítica e formulação de soluções através do projeto e o respeito à sua proposição teórica que, enquanto manifestação cultural, sofre em ser tolhida pelos custos e prazos. Nesse sentido, ele tende a enxergar o cliente como um leigo, que não compreende o que de fato faz o arquiteto, e deveria ser educado para tal. Por fim o arquiteto se sente desvalorizado. Conforme foi explicado, a noção de valor é subjetiva e pode estar relacionada a quanto determinado serviço supre uma necessidade. Desse modo, posso inferir que o usuário não desvaloriza o arquiteto, pelo contrário, grande parte deles contrataria um, para fazer projeto e acompanhar obras, mas acredita que os serviços dele seriam financeiramente inacessíveis, corroborando a ideia de que a arquitetura é enxergada como algo necessário, mas para poucos. Por outro lado, o valor enxergado pelo cliente é diferente do percebido pelo arquiteto. O cliente sente dificuldade em compreender os aspectos intangíveis do projeto, que não consegue expressar toda a complexidade da arquitetura enquanto experiência espacial, e por isso fundamenta sua percepção no resultado final, a obra. Nesse sentido ele entende como maior atributo da contratação do arquiteto a “segurança”, representada pela adequação aos custos e prazos, dimensão muitas vezes negada ou tratada com dificuldade pelos arquitetos. Finalmente, percebe-se que existe uma relação conflitosa entre o que no modelo de negócios seria compreendido como a proposta de valor, e o segmento de mercado. Entre essas duas entidades existem o relacionamento com os clientes, os canais e as fontes de renda. É justamente nesses aspectos que eu acredito há espaço para inovação na arquitetura, tendo em vista melhorar a maneira como o arquiteto se relaciona com a sociedade e esta percebe o arquiteto. Outra grande dificuldade da prática da arquitetura é sua estrutura de custo, cujos recursos principais são os próprios arquitetos. Dessa forma uma estratégia de penetração que envolve simples redução de custo é arriscada, pois pode configurar prática predatória ao próprio arquiteto. Por isso, deve-se procurar ou valorizar a arquitetura, no caso dos segmentos que possuem renda — algo que já acontece nos escritórios de “grife” — ou uma forma de torna-la acessível, se não pelos custos, pelas fontes de renda. Em suma, a arquitetura poderia talvez penetrar nas classes mais baixas se formulasse um modelo de atuação profissional no qual o preço dela fosse de alguma forma subsidiado, rateado ou diminuído, sem baixar os salários do arquiteto. Se essa possibilidade for validada, pode existir um novo modelo de negócio que possibilita à arquitetura penetrar nas outras camadas da sociedade que pedem pela sua intervenção. Concluindo, atualmente existem práticas profissionais estabelecidas e saudáveis, nas figuras dos generalistas e especialistas, mas eles lutam por uma pequena fatia do mercado de atuação do arquiteto, condicionado pelos tradicionais canais e for-

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mas de relacionamento com a sociedade. Felizmente, o projeto é uma habilidade que pode também ser aplicada para criar novas práticas profissionais, que possam conciliar as exigências do mercado — de custo e prazo — com aquelas dos arquitetos — de qualificação espacial e social — possibilitando a penetração da arquitetura, de forma estruturada, às classes mais baixas, ou a campos onde o arquiteto perdeu espaço para outros profissionais. Ou seja, é próprio da arquitetura mudar, procurar novos significados, e eu acredito que através do enfrentamento dessas questões possamos entrar talvez em novos paradigmas para a prática arquitetônica. Essa pesquisa se propôs a criar um ferramental teórico e prático para poder fazer uma análise da atuação profissional da arquitetura, meta que eu acredito foi atingida. Nesse sentido, busca ser uma contribuião para a compreensão desse campo aplicado à arquitetura, tendo como base conhecimentos trazidos da engenharia e dos negócios. Nesse sentido, este trabalho pode ser voltado à alunos e recém formados, que ainda possuem pouca relação com o mundo profissional, podendo se tornar uma porta de entrada para encarar o assunto como parte integrante do processo de produção da arquitetura. No entanto, muitas hipóteses necessitariam de uma amostragem mais abrangente de escritórios, para serem afirmadas como padrões efetivos, caso em que seria necessário maior tempo para coleta e validação de dados, podendo reforçar ou contrariar partes deste trabalho. Os temas abordados geralmente fazem parte de campos mais amplos, que para serem escrutinados de forma eficiente, também exigiriam um trabalho mais detalhado, por exemplo no caso das formas de contratações, relacionamento com clientes e segmentos de mercado. Atualmente existem muitas práticas que podem ser consideradas como inovadoras, no sentido denotado por esta pesquisa. Nesse sentido, seria um grande complemento à este trabalho uma avaliação qualitativa destas práticas, assim como modelagens analíticas, e até o teste de um modelo inovador, criado a partir do ferramental descrito na pesquisa, para ser aplicado na realidade. Contudo, devido ao horizonte temporal da pesquisa e seu escopo limitado de um trabalho de graduação, não foi possível realizar estas proposições de forma holística. Ainda assim, acredito que esta pesquisa serve como base para futuras explorações do campo, discussões e proposiçõe acerca do tema no campo profissional.

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LISTAS, APÊNDICES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



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APÊNDICE A - MATERIAL UTILIZADO PARA A ENTREVISTA

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA GRAVAÇÃO

É de essencial utilidade que a entrevista seja gravada em áudio. Para isso será utilizado um gravador de celular. Também é importante que eu possa ficar com o material gravado para posterior análise. Todo o material ficará exclusivamente comigo e com o orientador da pesquisa, podendo ser publicado somente para fins acadêmicos citando a fonte. Se em algum momento forem mencionados dados pessoais do entrevistado eles não serão utilizados para a pesquisa e não serão publicados. São Paulo,

de

de 2016

Nome do Entrevistado: _______________________________ Assinatura:_________________________________________ RG:________________________ Orgão Expeditor:_________ E-mail:_____________________________________________

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DANIEL F. COLLAÇO – daniel.collaco.arq@gmail.com

– 11 9 7682 2552

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CITAÇÕES INDIRETAS

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LEIS e NORMAS

BRASIL. LEI Nº 12.378/2010 – Regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo; cria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil - CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal - CAUs; e dá outras providências BRASIL. DECRETO Nº 23.569/1933. - Regula o exercício das profissões de engenheiro, dos profissionais de engenharia, arquitetura e agrimensura NBR13.532:1995 - Elaboração de projetos de edificações – arquitetura BRASIL. RESOLUÇÃO n21 de 5 de ABRIL de 2012 – Dispões sobre as atividades e atribuições profissionais do arquiteto urbanista e dá outras provisências

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BRASIL. RESOLUÇÃO n51 de 12 de JULHO de 2013 – Dispões sobre as áreas de atuação privativas dos arquitetos e urbanistas e as áreas de atuação compartilhadas com outras profissões regulamentadas TABELA DE HONORÁRIOS DE SERVIÇOS DE ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL – Módulo I – Remuneração do projeto arquitetônico de edificações. Brasília-DF: 2013

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