Segundo Coração de Deus

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Conteúdo Prefácio ...................................................................................................................................3 1. Reis se Separam ..............................................................................................................5 2. Um Reinado Cancelado - Um Reinado Confirmado ....................................... 14 3. O Pastor do Rei ............................................................................................................. 35 4. O Rei-Pastor................................................................................................................... 52 5. "Nem Todos os Cavalos do Rei, nem Todos os Soldados do Rei” ............ 72 6. ''Tenho-vos Chamado Amigos" ............................................................................. 86 7. Davi Tinha um Sonho.............................................................................................. 103 8. Uma Flecha Aguda, Preparada ............................................................................ 120


PREFÁCIO Desde quando era adolescente, Davi começou a dar longas passadas em direção às alturas. Sua escalada, embora marcada pela solidão, por tragédias e sonhos frustrados, atingiu alturas que, depois dele, pouca gente conseguiu alcançar. Ele corria em direção a Deus. E até hoje, sua vida serve de inspiração para que outros acalentem sonhos. Os jovens que se empenham em estudar as marcas de suas pegadas, sentem-se logo impulsionados a segui-lo. Mas o adolescente matador de gigantes, ao se tornar adulto teve que enfrentar outros tantos. Nós conhecemos a história de Davi, o grande rei, o grande líder de seu povo. Mas também conhecemos o seu outro lado, como um homem de paixões iguais às nossas, um homem que lutou e foi derrotado, mas que depois foi capaz de reerguer-se e se rededicar a Deus; um homem conformado à vontade de Deus, com um coração segundo o coração de Deus. Com sua constante dependência dos recursos divinos e sua incessante caminhada para o alto, Davi conquistou uma nação, levando-a a ajustar-se aos propósitos de Deus. E hoje, passados muitos séculos, aquele filho de Jessé continua a inspirar corações, ganhando-os para o Senhor que ele tanto amou e a quem serviu. A vida de Davi ainda fala, e fala muito alto, à nossa geração. Esta geração que enfrenta pressões morais quase insuperáveis e presencia ataques implacáveis à estabilidade da família, precisa saber que é possível vencer. Se aplicar os princípios praticados por Davi, estará de posse de armas dadas por Deus. E o filho de Jessé tem muita coisa para nos ensinar, tanto em suas derrotas como em seus triunfos. E a mensagem que a vida dele prega para nós hoje é que todos podemos ser pessoas "segundo o coração de Deus".

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Um jovem que já deu provas de seu amor a Deus é Larry Libby. Ele trabalhou muito na preparação deste manuscrito, não apenas como um profissional, mas também como um crente profundamente devotado ao Senhor Jesus Cristo. Quero agradecer também a Jeanne Doering, que auxiliou Larry neste serviço, durante muitos meses. Dou graças a Deus por sermos todos "cooperadores" de Cristo (2 Co 6.1). E agora, leitor, que Deus possa mostrar-lhe, por intermédio da vida desse jovem rei de Israel, tudo que ele pode realizar hoje através de sua vida. Que ele possa operar em você de tal maneira que você tenha um coração que pulse em ritmo compassado com o coração dele.

Luis Palau, Junho de 1978.

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1. REIS SE SEPARAM As decisões que tomamos irão determinar o aspecto e a conformação que nossa vida terá. Em alguns casos, essa relação é óbvia. Encontramo-nos numa encruzilhada bem clara e distinta. E ali, de forma consciente e deliberada, tomamos a resolução de virar à direita, ou à esquerda, ou de seguir em frente. Desse tipo de escolha, nós gostamos. Parece que imediatamente acendem-se todos os sinais verdes de uma dessas direções, a luz do sol volta a brilhar por entre nuvens, confirmando o caminho que se abre, e uma meia dúzia de diáconos impõem as mãos sobre nosso ombro, abençoando nossa jornada. Mas não é sempre que isso acontece. Muitas das mais cruciais decisões que temos de fazer sobrevêm-nos quando nos encontramos em campos vastos, solitários, onde não vemos a menor pegada. Outras ocorrem quando nos achamos em vias congestionadas, cercados de tanta gente, que parece que ao chegarmos à faixa de pedestres, para atravessar a rua, nossos pés mal tocam o solo. Algumas decisões situam-se bem à nossa frente, e temos muito tempo para pensar nelas, antes de alcançarmos essa encruzilhada. Outras, porém, como que se abrem de repente, a nossos pés, exigindo de nós uma decisão imediata. Em momentos assim, quando uma crise surge de repente, sem qualquer espécie de aviso, o que importa não é o que sabemos, mas a quem conhecemos. E a pergunta mais importante a ser feita não é "será que estou indo na direção certa?" mas, sim, "será que estou caminhando com o Guia. Aquele que está andando diariamente ao lado do Deus vivo, recebendo dele tudo de que precisa para a vida, vê uma crise apenas como mais um passo a ser dado.

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"Aqui estou eu, Senhor, precisando tomar uma decisão imediata. Tu sabes que quero fazer aquilo que quiseres, portanto, siga em frente. Estarei logo atrás." Mas aquele que vive sua vida sempre em função de si mesmo — segundo suas próprias opiniões — vai ficar apavorado diante de uma crise. Uma conversão na direção errada pode alterar toda uma existência. Dois homens — Saul e Davi — chegaram a uma encruzilhada ao mesmo tempo, e ali se separaram. Um deles alcançou as alturas, recebeu honras jamais igualadas, enquanto o outro, infeliz e destroçado, caiu nos abismos do esquecimento. E os dois tinham recebido os mesmos privilégios, as mesmas oportunidades; tinham tido a mesma formação, recebido as mesmas bênçãos grandiosas. E, no entanto, somente um deles foi honrado nos anais da sua terra, Israel. Hoje a "estrela de Davi" drapeja altaneiramente no cimo do "Hotel Rei Davi", em Jerusalém. Imagine só! Passados trinta séculos o nome de Davi ainda é reverenciado em todo o mundo, enquanto Saul, que foi o primeiro rei de Israel, acha-se praticamente esquecido. Decisões! Durante toda a nossa vida encontramos decisões difíceis a serem tomadas; decisões irreversíveis. No caso de Saul e Davi, foram algumas decisões momentâneas que ocasionaram a diferença no destino final deles. Não foi o ambiente em que viveram. Não foram seus pais, nem a criação que tiveram. Foram as decisões que fizeram em momentos críticos. E se pensarmos bem, são essas decisões que determinam nosso rumo também. UNGIDO E INDICADO Tanto Saul como Davi receberam o óleo da unção, das mãos do profeta Samuel, sentindo-o escorrer por seus cabelos e cair em seus ombros largos. E ambos eram jovens. Com relação a Saul, a Bíblia diz o seguinte:

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"Ora o Senhor, um dia antes de Saul chegar, o revelara à Samuel, dizendo: Amanhã a estas horas te enviarei um homem da terra de Benjamim, o qual ungirá por príncipe sobre o meu povo de Israel, e ele livrará o meu povo das mãos dos filisteus; porque atentei para o meu povo, pois o seu clamor chegou a mim. Quando Samuel viu a Saul, o Senhor lhe disse: Eis o homem de quem eu já te falara. Este dominará sobre o meu povo.” (l Sm 9.15-17.) Saul não ambicionava a posição de rei. Nesse aspecto, ele foi como o rei Jorge VI da Inglaterra, e como os presidentes Lyndon Johnson e Gerald Ford, dos Estados Unidos. Lyndon Johnson chegou ao poder pelo assassinato do presidente Kennedy, e Gerald Ford, devido à renúncia do presidente Nixon. O rei Jorge VI subiu ao trono porque seu antecessor abdicou. Saul foi ungido, o que significa que ele foi indicado. O próprio Deus o escolhera, dizendo: "Saul será rei de Israel." Davi também foi indicado por Deus. O mesmo profeta que havia ungido Saul, teve que ir, com outra vasilha de óleo, a certa casa de Belém. E no momento certo, Deus disse a Samuel: "Até quando terás pena de Saul, havendo-o eu rejeitado, para que não reine sobre Israel? Enche um chifre de azeite e vem; enviar-te-ei a Jessé, o belemita; porque dentre os seus filhos me provi de um rei.” (1 Sm

16.1.) Então o profeta foi à casa de Jessé e pediu para ver os filhos dele. E os sete filhos, um a um, passaram diante de Samuel, e este os olhava, pensativo, alisando a barba branca. Parece que até vejo o velho Samuel fitando o belemita com um olhar penetrante, os olhos duros, sob sobrancelhas grossas. — Tem certeza de que estão todos aí? Bradou o profeta. — Bom... todos eles? Hmmm... Bom... Quase todos. Quero dizer... Não todos eles... Tem mais um lá no pasto... Mas é um garoto, sabe, está cuidando de algumas ovelhas. Mas você não iria... Isto é, ele não poderia ser... hmmm... Acho que nós não deveríamos...

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— Mande chamá-lo! "Então mandou chamá-lo, e fê-lo entrar. Era ele ruivo, de belos olhos e boa aparência. Disse o Senhor: Levanta-te, e unge-o, pois este é ele." (1 Sm 16.12.) REGENERADOS E Saul e Davi não foram apenas indicados; ambos tinham tido uma experiência de regeneração. Muitas pessoas me perguntam: — Você acha mesmo que Saul era "regenerado"? E eu respondo que sim. Embora ele tenha terminado a vida de forma trágica, em meio a tristes fracassos, a Bíblia dá indicações claras de que ele tivera uma experiência de novo nascimento. Algum capítulo antes, no capítulo 10, encontrou a narrativa de um encontro que Saul teve com alguns profetas, pouco depois de ter sido ungido. Samuel já predissera que isso iria acontecer, para comprovar que Deus escolhera para rei o jovem benjamita. Vejamos alguns trechos dos versos 5 a 10. "Então seguirás a Gibeá-Eloim... tu serás mudado em outro homem... Deus lhe mudou o coração... o Espírito de Deus se apossou de Saul." Será que isso não quer dizer que Saul era um homem salvo? Quando Deus dá um novo coração a uma pessoa e o Espírito Santo se apossa dela, que mais se pode exigir? Se isso não é nascer de novo, então não sei o que é nascer de novo. Sabemos que Davi era regenerado porque Deus diz o seguinte a seu respeito: "Achei a Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que fará toda a minha vontade." (At 13.22.) Uma pessoa que se acha em sintonia tão perfeita com o coração do próprio Deus deve ser regenerada. TUDO ISSO E BOA APARÊNCIA TAMBÉM

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Além disso, os dois gozavam de grandes vantagens físicas. Encontramos a descrição de Saul em 1 Samuel 9.2, do qual a Bíblia diz o seguinte: "...moço, e tão belo que entre os filhos de Israel não havia outro mais belo do que ele: desde os ombros para cima sobressaía a todo o povo." O filho de Quis era um desses homens que fazem as pessoas virarem a cabeça para olhá-lo de novo; tipo astro de Hollywood. Era mais alto que todos, sobressaindo dos ombros para cima. Se ele vivesse hoje, os "olheiros" dos times de basquete profissional fariam fila à porta de sua casa. Pelo lado humano, ele possuía todas as qualidades que a maioria das pessoas procura num líder. — Olha, esse homem é líder, diriam as pessoas ao vê-lo. Veja como ele é alto. E que bigode tem ele! Nem sempre é assim, mas muitas pessoas pensam dessa maneira, e o povo de Israel não era exceção. Depois encontramos Davi, alguns anos mais tarde. Na ocasião em que foi ungido era um pouco mais jovem que Saul. A Bíblia o descreve assim: "Ele era ruivo, de belos olhos e boa aparência." (1 Sm 16.12.) A palavra ruivo aqui significa queimado de sol. Ele tinha aparência de pessoa saudável. Mas aquele seu tom bronzeado tinha algo de especial. Na verdade, todo mundo via algo de especial na aparência de Davi. Sua mãe o achava bonito devido ao seu tom bronzeado; as moças o achavam belo por causa de seus lindos olhos; e ele era mesmo tão simpático que até os homens tinham de reconhecer que ele possuía boa aparência. E, como Saul, esse privilegiado espécime humano também fora cheio do Espírito de Deus desde a meninice. ESCONDIDO ENTRE A BAGAGEM Mas apesar de todos esses atributos, esses dois homens iniciaram sua meteórica carreira com uma atitude de humildade.

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Mesmo sendo jovens, não eram arrogantes, nem atrevidos, nem estavam a pisar por cima dos outros. Saul era tão humilde que quase perdeu a festa da coroação. O povo estava todo reunido, vindo de todas as partes do país, para ver aquele forte homem da tribo de Benjamim ser coroado rei. As bandas tocavam; bandeiras drapejavam ao vento; tudo pronto. Mas faltava uma pessoa: Saul. Ninguém conseguia encontrá-lo. Afinal, alguém avistou seu corpanzil meio escondido atrás de um baú e de um saco de viagem, na saleta onde se guardavam as bagagens. Em vez de se pôr a caminhar garbosamente entre a multidão, dando autógrafos e beijando as criancinhas, como faria qualquer político sensato no meio de tanta gente, o futuro rei estava querendo passar despercebido. E por que se escondia ele? Porque tinha uma atitude humilde. Embora fosse um homem bonito, fosse regenerado e tivesse sido indicado por Deus para ocupar o trono, Saul sentia que não era merecedor da posição. Parecia que estava desejando que aquilo tudo acabasse logo para ele poder retornar à fazenda de seu pai, na região dos benjamitas. Pouco depois, alguns "filhos de Belial" debocharam dele e menosprezaram sua condição de rei, mas ele não revidou. — Vocês acham que ele aí vai nos libertar? Diziam zombando. Ah, nós vamos é atrapalhar a vida dele. Saul não era cego nem burro. Ele viu e ouviu tudo. Mas deixou passar. Diz a Bíblia que ele se fez de surdo e não disse nada. Davi revelou o mesmo tipo de atitude. Saul teve que convencê-lo a se casar com uma de suas filhas, como vemos em 1 Samuel 18. Era de se esperar que o rapaz nem titubeasse diante de uma possibilidade dessas. Casar com a filha do rei significaria muitos privilégios, posição social e muitas oportunidades excelentes. Mas vejamos o que diz a passagem. "Ordenou Saul aos seus servos: Falai confidencialmente a Davi, dizendo: Eis que o rei tem afeição por ti, e todos os seus servos te amam;

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consente, pois, em ser genro do rei. Os servos de Saul falaram estas palavras a Davi, o qual respondeu: Parece-vos cousa de somenos ser genro do rei, sendo eu homem pobre e de humilde condição?" (1 Sm 18.22,23.) Embora já soubesse desde jovem, desde a ocasião em que fora ungido, que um dia seria rei de Israel, seu coração ainda era humilde. Todo mundo dizia: — Vamos lá, Davi, todos nós gostamos de você. O rei quer você na família dele. E você já viu a filha do rei? Você é um idiota, se perder uma oportunidade dessas. Você não tem nada a perder, rapaz; só a ganhar. Então, que tal? — Casar com a filha do rei é uma coisa muito séria, replicou Davi. Eu? Casar com uma pessoa da família real? Vocês estão brincando! Quem sou eu, gente? Sou apenas um pastor de ovelhas; e um pastor pobre, por sinal. Davi sabia que ele um dia seria rei. Naquele momento, era uma pessoa muito popular em Israel — só se falava nele. Tinha abatido o gigante Golias com uma simples pedrinha, e desde Dã até Berseba, as músicas do momento eram as baladas que narravam seu feito. Entretanto, por causa de sua humildade, Davi recusou o primeiro oferecimento de Saul para se tornar genro dele. POR QUE A DIFERENÇA? Esses dois homens foram grandemente abençoados pela mão de Deus, de modo claro e inusitado. Os dois, quando reis, foram soldados valentes, e conseguiram derrotar e desbaratar os inimigos de Israel, em muitas batalhas. Ambos tinham sido coroados quase que com a mesma idade. Ambos foram maridos e pais. Que homens extraordinários eles foram! Privilegiados por Deus e muito abençoados em vários aspectos. Então agora perguntamos: "Por que essa diferença? Por que sempre nos lembramos de Davi como sendo um grande homem, e de Saul, como um derrotado? Por que a vida de Davi seguiu sempre em direção ao alto, e a de Saul foi sempre em declínio? O nome de

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Davi como que ressoa por toda a Bíblia com esplendor e com poder... nos livros dos profetas... nos Evangelhos... nas Epístolas... no Apocalipse. Mas o de Saul... Parece que alguém fechou com cadeado o arquivo dele. O que aconteceu? E todos nós conhecemos pessoas assim, pessoas que tinham tudo para triunfar, pessoas que iniciaram sua carreira a todo vapor. Tinha muito talento, entusiasmo, personalidade forte. A vida delas parecia irradiar um grande potencial para a obra de Cristo. Tudo lhes era favorável. Tudo estava indo maravilhosamente. Mas, de repente, elas simplesmente desaparecem de cena. Ouve-se falar de um casamento malsucedido. Ou que aconteceu alguma coisa que ninguém explica direito, por se tratar de algum fato constrangedor. E ficamos a indagar: o que teria acontecido? O que aconteceu com o José? Por onde anda Maria? O que aconteceu? E o que se passou nos dias de Saul e Davi, passa-se hoje em dia também. Os homens estão sempre diante de decisões a tomar. E nossa vida é determinada pelas decisões que tomamos nos momentos críticos. Algumas pessoas conseguem desprender-se das amarras da mediocridade, e navegam em alto mar, para a glória de Cristo. Outras, porém, atolam em bancos de areia, e nunca chegam ao porto. No caso de Davi, ele sempre fez as opções certas nos momentos difíceis, com exceção de umas duas ou três ocasiões em que sua decisão terminou em tragédia. Mas sempre que chegava uma crise, como um tufão inesperado, ele estava preparado para ela. Ele não precisava entrar em pânico, a procurar desesperadamente o número do telefone de Deus na lista telefônica. Já o havia memorizado de há muito. Ele o discava com freqüência, nas colinas de Judá, sozinho com suas ovelhas, nas longas horas da noite. E nunca dava sinal de ocupado. E muitas de suas conversas particulares com Deus estão gravadas no livro de Salmos. Mas Saul deixou-se enlaçar pela rede da autoconfiança e do descaso, e largou o fone fora do gancho. Deus ficou

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impedido de comunicar-se com ele. E quando aquele rei insensato se viu acossado por uma situação de emergência, já era tarde. Como está seu serviço de atendimento às chamadas telefônicas? Desligado? Ê possível que você tenha dito: "aguarde um momentinho", já há muitos anos, deixando Deus "aguardando" do outro lado. É bom liberar a linha. Pode ser que muito breve seja necessário fazer uma chamada de emergência.

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2. UM REINADO CANCELADO - UM REINADO CONFIRMADO As crises sempre chegam à nossa porta sob as roupagens mais diversas, apresentando-se com rótulos variados: falência comercial, uma doença grave, morte, um filho que foge de casa. Como é que você recebe a crise quando ela chega —já que ela sempre chega? Quase todas as pessoas levam uma vida normal, bem regularizada, uma vida de pessoas comuns, até o momento em que são atingidas por uma crise que vem quebrar essa rotina. E é nesses momentos de crise que os outros, observando nossa reação a elas, descobrem muitas coisas a nosso respeito. Os belos cortinados da janela são arrancados, e nosso interior, nossa verdadeira vida espiritual, fica exposta. Então, o que é que os outros estão descobrindo a seu respeito, com relação ao poder de Jesus Cristo em sua vida, ao observarem suas reações nas ocasiões de crise? Quando tudo está indo maravilhosamente, quase todos nós podemos mostrar uma face serena. Citamos versículos da Bíblia, cantamos hinos, somos assíduos à igreja, e nos mantemos mais ou menos afinados com o conjunto. Mas quando uma situação de emergência assola nossa tranqüilidade... O que acontece aí? Ray Stedman sempre diz o seguinte: “Coitado daquele que tiver de aprender os princípios divinos em momentos de crise.” Precisamos estar aprendendo essas verdades antes que a parede desmorone. Se não, estaremos sempre sendo dominados pelas circunstâncias, ficaremos confusos, atônitos, amedrontados. E nossa primeira reação será uma longa e amarga queixa contra Deus. "Ah, Deus, como o Senhor foi deixar que isso me acontecesse? Como é que um Deus de amor permite uma coisa dessas? Tenho sido fiel na igreja. Dei minha oferta para a campanha da compra dos bancos para a igreja. Se Deus não me

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socorrer agora, vou abandonar tudo. Se é dessa maneira que Deus retribui tudo que fiz..." E de repente, o Sr. Esteio da Igreja começa a falar do mesmo jeito que seu vizinho incrédulo. Isso acontece demais, e geralmente no auge da crise. E é naquele momento, naquele instante crítico que temos de tomar uma decisão. Pois a verdade é que a maneira como iremos reagir nessa encruzilhada da vida ou irá injetar mais fé em nossas veias espirituais ou nos fará regredir em dez anos no nosso desenvolvimento cristão, em nosso testemunho e comunhão com Deus. Como você age quando a fornalha da aflição começa a aquecer-se? Você reclama contra Deus? Foi o que Saul fez. No momento em que se viu acossado pela crise, ele imediatamente começou a agir como se nunca tivesse conhecido a Deus. Mas que diferença quando isso aconteceu com Davi. Ao ser perseguido, em vez de se queixar contra Deus ele diz: — Deus sabe que eu mereço isso. E quando teve que se esconder, disse: — O Senhor sabe por que tenho que me esconder. Ele associava todos os eventos de sua vida a uma atuação de Deus. Quanto a Saul, não podemos atribuir sua queda a apenas uma crise, a uma falha trágica, desastrosa e instantânea. Isso raramente acontece. No caso do rei Saul, o que arruinou sua vida e seu reinado foi uma série de “conversões” erradas que ele fez na estrada de sua vida. Fez decisões erradas, uma atrás da outra. Teve reações erradas, uma atrás da outra. Quando chegava a um cruzamento, fazia a conversão errada; aí entrava em pânico e virava outra rua errada. Em vez de voltar ao ponto de partida, ao local onde se desviara do caminho, ele ia-se complicando cada vez mais. Vamos tentar refazer a rota por ele tomada. O fim dela já conhecemos: fracasso, desatino e suicídio. Mas como foi que

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ele acabou assim? Como foi que um homem, com um futuro tão brilhante, terminou num beco tão escuro e desesperador? PRIMEIRA CONVERSÃO ERRADA: IMPACIÊNCIA Um dos mais perniciosos becos sem saída em que Saul entrou tinha uma placa em que se lia: “Impaciência”. Vejamos 1 Samuel 13. Ele e seus soldados estavam se preparando para guerrear contra o exército dos filisteus, que cercava o arraial do povo de Israel. Todos estavam muito tensos, e Saul aflito para atacá-los. Então, quando tudo parecia favorecer o momento certo de se lançar a ofensiva, o profeta Samuel afasta-se e fica ausente sete dias. Chegou à hora de se fazer o holocausto que precederia a batalha, e Samuel não estava presente. Antes de partir, o velho profeta havia dado ao rei uma orientação definida. — Aguarde minha volta, dissera Samuel. Quando eu voltar, daqui a sete dias, faremos o sacrifício ao Senhor e aí então vocês partirão para a batalha. E assim Deus nos dará a vitória. Passou-se o primeiro dia. Todos estavam ficando nervosos. Os capitães das tropas vinham dizer a toda hora que o moral dos soldados já estava baixando; será que não se podia tomar nenhuma providência? Segundo dia. Terceiro dia. Quarto dia. O inimigo achava-se ali perto, do outro lado do morro, e a expectativa do combate estava deixando todo mundo tenso. A tensão do acampamento era tanta que parecia suspensa no ar. Até as mulas estavam inquietas. E nada de Samuel. Sexto dia. Alguns dos homens começaram a abandonar Saul, voltando para casa. A essa altura o rei já se sentia terrivelmente inquieto. — Onde é que está aquele velho? Que hora para tirar férias! Sétimo dia.

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Saul resolveu adiantar as coisas para Samuel, e começou a colocar a lenha no altar. Ao raiar o dia, descobriu-se que mais alguns soldados haviam desertado. Já era sol alto, e o profeta ainda não chegara. Por fim, Saul não conseguiu suportar mais. Talvez alguma coisa tivesse acontecido ao velho profeta. Ele tinha que sair com as tropas para lutar. Não era essa exatamente a responsabilidade do rei? Assim, embora fosse Samuel o encarregado de oferecer os sacrifícios, Saul diz o seguinte: “Trazei-me aqui o holocausto e ofertas pacíficas. E ofereceu o holocausto.” (1 Sm 13.9.) E quando ele estava terminando, eis que surge Samuel, entrando pelo arraial dos israelitas. Saul parte ao encontro dele. — O que você foi fazer? Indagou Samuel. Veja como Saul tentou justificar seu ato. “Vendo que o povo se ia espalhando daqui, e que tu não vinhas nos dias aprazados, e os filisteus já se tinham ajuntado em Micmás, eu disse comigo: Agora descerão os filisteus contra mim a Gilgal, e ainda não obtive a benevolência do Senhor; e, forçado pelas circunstâncias, ofereci holocaustos.” (1 Sm 13.11,12.) E Samuel não era homem de ficar com agrados. Imediatamente, repreendeu o rei de Israel, chamando-o de tolo. "Procedeste nesciamente em não guardar o mandamento que o Senhor teu Deus te ordenou; pois teria agora o Senhor confirmado o teu reino sobre Israel para sempre. Já agora não subsistirá o teu reino. O Senhor buscou para si um homem que lhe agrada, e já lhe ordenou que fosse príncipe sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o Senhor te ordenou.” (1 Sm 13.13,14.) E depois de aplicar em Saul este golpe arrasador, o velho profeta dá meio volta e sai do arraial, deixando o rei ali parado, boquiaberto, perto do altar que ainda fumegava.

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Talvez possamos até pensar que aquilo que Saul fizera não fora tão ruim assim. Ele simplesmente se precipitara um pouco, correndo à frente de Deus, não fora? Os exércitos do inimigo estavam apertando o cerco. Já era o sétimo dia e o profeta não chegava. Então, o que se havia de fazer? Saul apenas resolveu assumir o comando da situação, e ofereceu ele mesmo o holocausto. Impaciência. Quantos de nós também já desperdiçamos raras e excelentes oportunidades de servir ao Senhor por causa de uma atitude de impaciência. E não parece que isso seja assim tão importante, mas sabe o que a impaciência representa? Ela é uma confissão de que não acreditamos que Deus se acha no controle total de tudo. Com nossa pressa, demonstramos que na verdade não cremos que nosso Deus de amor controla todos os eventos de nossa vida. Portanto, a impaciência é sinônima de incredulidade. Saímos a correr antes do tiro de largada, e queremos sempre ganhar de Deus na corrida. Parece que estamos convencidos de que o Senhor não tem mais controle sobre as circunstâncias, ou de que ele não se interessa mais por nós. "É, Xará", dizemos no íntimo, "a situação está ficando preta! Vou ter que intervir nisso! Já que Deus não está conseguindo manobrar bem a coisa, pois eu consigo. Tenho curso superior. Tenho muita experiência. Eu vou cuidar disso." Eu e minha esposa temos visto muitos casais e famílias se prenderem nessa armadilha que se chama impaciência. Lembro-me particularmente de um jovem casal. Parecia que Deus estava abrindo muitas portas para eles, usando-os grandemente, de maneira clara. Mas aí eles ficaram meio impacientes. As coisas estavam indo meio devagar. Eles queriam avançar mais. O pastor deles percebeu que o passo que eles pretendiam dar envolvia sérios problemas, e lhes disse: — Não façam isso; não vão lá.

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Tínhamos um bom relacionamento com eles, e nos convidaram para jantar em sua casa certa noite. Pediram nossa opinião sobre o que queriam fazer, ao que lhes dissemos: — Não vão, não. E várias outras pessoas da igreja também disseram o mesmo. Mas, não. “Deus os estava orientando nesse sentido.” Não queriam esperar. Contrariando todos os conselhos recebidos, fizeram as malas e foram. O que aconteceu? Não demorou muito e a situação começou a se desintegrar. O homem perdeu o emprego. A esposa dele sentia-se confusa e infeliz. Começaram a brigar, e destruíram toda a possibilidade de servir a Deus. Por quê? Simplesmente porque estavam por demais impacientes e não conseguiam esperar a hora certa, determinada por Deus. Tinham recebido muitos conselhos de pessoas que lhes queriam bem, e lhes haviam dito que esperassem um pouco. E parecia que todas as circunstâncias como que diziam para eles: “Fiquem aí. Esperem o momento adequado.” Mas eles preferiram ir logo. E foi assim também com o Rei Saul, que não quis esperar que Deus acendesse o sinal verde, e saltou para a tragédia. A impaciência não é uma coisa simples. A incredulidade entristece profundamente o coração de Deus. Se não fosse pela forte presença de Cristo em meu coração, esse pecado da impaciência poderia ser a minha derrota. Ou a sua. Para Saul, ela foi a primeira conversão errada, e que o levou diretamente para outra. SEGUNDA CONVERSÃO ERRADA: OBEDIÊNCIA PARCIAL Rodando depressa pela estrada da impaciência, não foi difícil para Saul sair logo na larga rodovia da desobediência. E mais uma vez de volta ao campo de batalha, o rei estava-se preparando para lançar um ataque ao velho inimigo

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de Israel, o povo amalequita. Deus já dissera: “Os amalequitas são meus inimigos, e quero que sejam totalmente destruídos — todos os seres vivos. Eles se recusaram a auxiliar os filhos de Israel quando estes saíam do Egito. E agora, passados muitos anos, eles se acham totalmente corrompidos. Não deixem nenhum deles vivo — destruam tudo.” As instruções eram bem claras. Então Saul e seus exércitos marcharam contra os amalequitas e os destruíram... bem, quase. Eles arrasaram tudo, entretanto não mataram o rei e ainda guardaram as melhores reses, e conservaram algumas coisas de valor, como ouro e tesouros. Mas o resto — as coisas de menor valor — obediente mente destruíram e queimaram. Então, os israelitas incendiaram todos os povoados dos amalequitas, mas saíram levando algumas coisinhas de valor, pois achavam que eram muito boas para se perderem. E além disso, não se pode matar um rei. Será que Deus iria ficar satisfeito com reinterpretação de suas ordens? Veja o que está escrito.

essa

“Então veio a palavra do Senhor a Samuel, dizendo: Arrependome de haver constituído rei a Saul; porquanto deixou de me seguir, e não executou as minhas palavras. Então Samuel se contristou, e toda a noite clamou ao Senhor. Madrugou Samuel para encontrar a Saul pela manhã; e anunciou-se àquele: Já chegou Saul ao Carmelo, e eis que levantou para si um monumento, e, dando volta, passou e desceu a Gilgal. Veio, pois, Samuel a Saul, e este lhe disse: Bendito sejas tu do Senhor; executei as palavras do Senhor. Então Disse Samuel: Que balido, pois, de ovelhas é este nos meus ouvidos, e o mugido de bois que ouço?” ( 1 Sm 15.10-14.) É bom observar que isso não foi um ato de total desobediência por parte de Saul. Não é que ele tenha virado para Samuel e dito: "Olhe aqui, Samuel. Eu não tenho coragem de matar esses amalequitas. Não tenho mesmo. É um servicinho muito sujo — muito sangrento. Não vou fazer isso, não." Mas ele não falou tal coisa. Fez o que Deus mandou — com exceção de alguns detalhes. Não foi uma rebeldia frontal

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contra Deus. Foi uma obediência parcial. Ele não cumpriu as ordens divinas na íntegra. Muitos crentes também agem assim. Normalmente não são os pecados grosseiros ou imoralidades gritantes que destroem os crentes. É uma "obediência parcial". Notemos também que Deus não considerou irrelevante a obediência parcial de Saul, e por intermédio de Samuel disselhe: — Isso que você fez é rebelião! Rebelião? Essa palavra não é um tanto forte aí? Foi o que Saul pensou. — Quem rebelou? Eu não, Samuel. Eu fui à guerra. Matei os amalequitas. O país deles está todo incendiado. E reservamos apenas algumas ovelhas e vacas, e também não matamos o rei. Isso é tão importante assim? Mas Deus havia dito: “Arrase tudo.” Não cabia a Saul decidir o que iria e o que não iria fazer. Deus não lhe pedira que fizesse uma avaliação pessoal do serviço, nem uma reinterpretação própria das ordens dele. Pedira que obedecesse. “Prosseguiu Samuel: Porventura, sendo tu pequeno aos teus olhos, não foste por cabeça das tribos de Israel, e não te ungiu o Senhor rei sobre ele? Enviou-te o Senhor a este caminho, e disse: Vai, e destrói totalmente a estes pecadores, os amalequitas, e peleja contra eles, até exterminá-los. Por que, pois, não atentaste à voz do Senhor, mas te lançaste ao despojo, e fizeste o que era mal aos olhos do Senhor?” (1 Sm 15.17-19.) E deve ter sido com muita tristeza na voz que o profeta conduziu aquela confrontação com o rei. Samuel se entristeceu muito, e Deus também. — Ah, Saul, filho de Quis, Deus o escolheu e selecionou no meio de todas as tribos de Israel. Embora você mesmo se achasse insignificante e sem importância, o Deus de seus pais o escolheu para lhe dar uma bênção sem precedentes. E no momento em que derramei o óleo da unção sobre sua cabeça,

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Deus também derramou honras, privilégios e favores sobre você. E não fez apenas isso; ele derramou a si mesmo em sua vida. Ele lhe concedeu o seu Espírito, para ser seu Companheiro, seu Guia, sua Força constante. Então, como você pode virar as costas a tudo isso, apenas para satisfazer seus anseios egoístas? Saul havia distorcido a Palavra de Deus, para fazê-la encaixar-se em suas idéias. Ele a modificara para que ela ficasse de acordo com sua forma de pensar, e fizera isso tão bem que quase ia enganando até a si mesmo. — Espere aí! Bradou ele. Eu obedeci sim à ordem do Senhor. Arrasei aqueles amalequitas. Olhe, aqui estão o rei deles e também algumas de suas melhores reses que desejamos sacrificar ao Senhor. “Porém Samuel disse: Tem porventura o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender melhor do que a gordura de carneiros. Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar. Visto que rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei.” (1 Sm 15.22,23.) O mesmo se aplica a nós. Deus não está interessado em nossas demonstrações ruidosas nem em nosso palavreado espalhafatoso. Ele quer de nós apenas uma simples obediência. Uma obediência total — de coração. Viajando com minha equipe evangelística tenho observado essa obediência parcial na vida de muitos crentes em todo o mundo. As pessoas abandonam alguns pecados de que na verdade não gostam. Mas conservam consigo algumas coisinhas melhores, e dizem: — Ah, não precisamos ser extremistas. É claro que não é errado ficar com algumas coisinhas. É claro que você não faria muita coisa errada; somente “daria umas voltinhas”.

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— Não; eu não seria capaz de ir a uma boate; mas é claro que ler umas pornografias não faz mal a ninguém. É um simples pedaço de papel. E assistir a certos programas de televisão também não pode ser tão errado assim. Afinal, a gente precisa saber o que o mundo anda pensando, não é verdade? Isso não é o mesmo que cair no mundão. E assim cedemos um centímetro aqui, meio metro ali, e antes que percebamos já estamos fora da corrida. Perdemos o poder; perdemos a unção. Embora Saul continuasse sendo o rei, na verdade seu reinado fora cancelado. Depois disso, ninguém mais lhe dava muita atenção. O povo sabia que tudo acabara para ele. Até seu próprio filho chegou a dizer: — Meu pai já perdeu tudo. Depois de haver-se desviado muito da rota traçada por Deus, Saul acabou derrotado e encurralado em estradas secundárias, estradas erradas. A Bíblia afirma que “a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria”. Em outras palavras, aos olhos de Deus, a rebelião é como a prática do ocultismo. Quando sabemos que alguém se está imiscuindo com o ocultismo, abanamos a cabeça e dizemos: — Ocultismo? Ah, nunca farei isso... É claro que devemos rejeitar totalmente essas coisas. Mas a verdade é que Deus diz que, quando nos rebelamos, isto é, quando conscientemente prestamos uma obediência parcial, estamos nos associando a demônios. E depois ele diz também: “A obstinação é como a idolatria.” Às vezes ficamos horrorizados ao ver uma pessoa rezando diante da imagem de um santo. E nos sentimos chocados ao saber que um pagão adora o sol e a lua. Mas a Bíblia diz que ser obstinado perante Deus é o mesmo que se prostrar diante de Buda.

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Deus tem-lhe falado sobre alguma questão de sua vida? Cuidado para não continuar seguindo a estrada da resistência obstinada. TERCEIRA CONVERSÃO ERRADA: JURAMENTOS, AMEAÇAS E MALDIÇÕES Quando chegamos ao capítulo 14 de 1 Samuel, todas as linhas que fazem a ligação de Saul com Deus estão cortadas. O Espírito Santo retirou sua bênção desse infeliz rei. Agora ele faz as conversões erradas quase sem hesitar — e com mais freqüência. A cena que encontramos é a de uma batalha. Confiando em sua própria sabedoria e sua força — e não estando em contato com Deus — Saul fez um juramento insensato. “Estavam os homens de Israel angustiados naquele dia, porquanto Saul conjurara o povo, dizendo: Maldito o homem que comer pão antes de anoitecer, para que me vingue de meus inimigos. Pelo que todo o povo se absteve de provar pão.” (1 Sm 14.24.) Mas Jônatas, o filho de Saul, não tinha sabido desse juramento. E como a batalha se prolongasse por todo aquele dia, os filhos de Israel, num dado momento, passaram por um bosque onde havia muito mel. E enquanto os soldados faziam manobras entre as árvores, Jônatas, que estava exausto e com fome, cortou um pedaço de favo com sua lança, e chupou-o. O efeito foi imediato. Diz o versículo 27 que “levando a mão à boca, tornaram a brilhar os seus olhos”. Então os outros devem ter notado logo o que ele fizera, já que seus olhos eram como dois holofotes, no meio daqueles soldados cansados e mortos de fome. “Então respondeu um do povo: Teu pai conjurou solenemente o povo, e disse: Maldito o homem que comer hoje pão; estava exausto o povo. Então disse Jônatas: Meu pai turbou a terra; ora vede como brilham os meus olhos por ter eu provado um pouco deste mel. Quanto mais se o povo hoje tivesse comido livremente do que encontrou do despojo de seus inimigos;

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porém desta vez não foi tão grande a derrota dos filisteus.” (1 Sm 14.2830.) À noite, Saul esteve a ponto de mandar executar seu próprio filho por haver ele desobedecido ao juramento arbitrário e insensato que ele fizera, de que ninguém comesse nada. Entretanto, os soldados de Israel levantaram um protesto contra essa intenção do rei e salvaram Jônatas, evitando que fosse morto pelo pai. — Você não vai tocar num fio de cabelo dele! Disseram ao rei. E estava resolvido. Mas se o povo não tivesse salvado o jovem príncipe, o Rei Saul teria matado o filho com uma espada. Que ato estapafúrdio ele ia praticar! No momento em que Jônatas estivera lutando com todo empenho, clamando pelo poder de Deus para desbaratar o inimigo, Saul estava forjando juramentos e maldições, coisas que Deus nunca ordenara. O rei pensava que estivesse agindo com muita espiritualidade, mas na verdade estava apenas encenando. Achava-se completamente fora de sintonia com Deus e todo aquele seu "santo" juramento e lei não passavam de ostentação e falsidade. Sei de casos de pais que estabelecem regulamentos para os filhos e acham que estão agindo com muita espiritualidade, quando, na verdade, estão bem distantes de Deus e de sua Palavra. Certa vez, quando eu estava pregando numa cidade da Califórnia, fui procurado por uma linda jovem de dezenove anos, que desejava uma palavra de orientação. Era de família crente, mas seu semblante estava sombrio. Explicou então: — Pastor Palau, o ambiente de nossa casa está carregado de tensão. Qualquer dia desses, minha irmã mais velha, que tem vinte anos, vai pegar suas coisas e vai embora. Na verdade, ela não tem como sobreviver, mas vai embora assim mesmo. — Por quê?

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— Meu pai faz certas restrições que são ridículas, disse ela. Não é que vivemos aos berros uns com os outros, mas minha irmã não suporta mais. — Dê um exemplo, falei. — Ele participou de um seminário, e lá ensinaram que o pai tem domínio sobre a filha; e agora ele está tão exigente que quase não podemos nem respirar sem primeiro pedir permissão a ele. A gente tem que pedir permissão a ele até para ir comprar um hambúrguer. E ela já tem vinte anos, e eu dezenove. Minha irmã namora um rapaz da igreja, um bom rapaz. Mas meu pai falou que sempre que eles se encontrarem têm que ficar o tempo todo sob as vistas dele. E disse mais: “Não quero que vocês saiam para passear escondido.” E minha irmã disse: “Mas papai, nós não vamos fazer nada errado. Queremos só conversar.” E papai respondeu: “A Bíblia diz que os filhos têm que obedecer ao pai. Fique por aqui mesmo; quero ficar de olho em vocês.” Quase nem quis acreditar no que ouvia. Esse tipo de juramento — esse tipo de restrição — é absurdo. O texto de Provérbios 26.2 afirma que uma maldição sem causa não se cumpre. Às vezes uma pessoa pega um texto bíblico e o torce para alimentar seu orgulho, dando a impressão de que a Bíblia diz certas coisas que Deus não diz. Era isso que estava fazendo o pai daquela jovem; e foi isso que Saul fez. O rei estava tão distanciado do coração de Deus, tão desligado dos pensamentos dele, que se pôs a fazer regulamentos absurdos e sem sentido, só para exaltar um pouco o seu ego. — Eu sou o rei! Era o que ele dizia. Tenho direito de fazer isso. Todo mundo tem que se submeter à minha cadeia de comando. Qualquer pessoa que tocar em comida hoje será morta; ficará sujeita a uma maldição.

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Então ninguém comeu nada. E Israel poderia ter perdido a guerra. QUARTA CONVERSÃO ERRADA: "UM MONUMENTO A MIM MESMO." Depois Saul edificou um monumento de exaltação à sua própria pessoa. Vejamos 1 Samuel 15.12: “Madrugou Samuel para encontrar a Saul pela manhã: e anunciou-se àquele: Já chegou Saul ao Carmelo, e eis que levantou para si um monumento, e, dando volta, passou e desceu a Gilgal.” (1 Sm 15.12.) Que contraste com a atitude de Davi! Sabe qual foi o objetivo supremo da vida de Davi? Construir um monumento; mas não um monumento a si mesmo. Lembra que monumento foi esse? O templo. A vida toda, Davi nunca quis ganhar dinheiro para si mesmo; nunca correu atrás de riquezas. O grande sorriso dele era construir um templo para a Arca do Senhor. Às vezes ele ficava horas acordado à noite, pensando nisso. Esse era seu anseio mais profundo. Mas qual era o desejo de Saul? Erguer um monumento a si mesmo. Como é o monumento que você está edificando? O que seus filhos irão ver, depois que você sair de cena? Um monumento à sua própria pessoa? Você leva uma vida egoísta, que atende a seus próprios desejos e alimenta seu ego? A terra está cheia desses monumentos. Mas quem quiser vê-los terá que olhá-los atentamente, pois desaparecem bem depressa. Contudo, podemos edificar outro tipo de monumento — monumentos que irão glorificar o Filho de Deus e continuarão a glorificá-lo por toda a eternidade. Como é o monumento que você está edificando? QUINTA CONVERSÃO ERRADA: DESLEALDADE À medida que o pavio do reinado de Saul ia-se queimando, sua lealdade a seus amigos e entes queridos também se apagava. Ele foi desleal com seu filho Jônatas, e

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com Davi, seu amigo, seu protetor e seu melhor soldado. Já vimos em Samuel 14.39, onde lemos que Saul disse o seguinte: “Porque tão certo como vive o Senhor que salva a Israel, ainda que com meu filho Jônatas esteja à culpa, seja morto.” Como se ele estivesse fazendo uma grande declaração de consagração a Deus! A essa altura, Saul era um homem amargurado, fracassado, e proferia uma maldição tola e inútil. E contra seu próprio filho! Isso mostra o grau de deslealdade dele para com sua própria família. Não tinha compaixão — nem misericórdia. Ele só queria fazer sua própria vontade, e de alguma forma restabelecer seu prestígio perante o povo. Mas ninguém se enganou com aquela atitude hipócrita e egoísta. Lembra-se de como Davi lutou por Saul, sempre demonstrando bondade e lealdade ao rei? (Embora soubesse que o rei estava em declínio.) E no entanto, Saul se sentia tão enciumado de Davi que por duas vezes tentou matá-lo. Para ele, laços de amizade estavam em segundo plano; a lealdade não era imprescindível; os laços de família também podiam ser esquecidos. Para ficar por cima, valia tudo. Tudo era válido para defender seu ego e sua imagem perante outras pessoas. E depois que uma pessoa caminha muito tempo nesse tipo de estrada, quase não consegue mais voltar atrás. Todas as vias de regresso estão cortadas. Quase não dá mais para voltar. Quase. Felizmente o verso de Jeremias 32.27 ainda está na Bíblia. “Eis que eu sou o Senhor, o Deus de todos os viventes; acaso haveria cousa demasiadamente maravilhosa para mim?” SEXTA CONVERSÃO ERRADA: DESPEITO Depois que uma sementinha de rivalidade se aloja no solo da alma ela pode brotar da noite para o dia e espalhar-se como uma planta venenosa. E seus tentáculos estranguladores chegam a todos os recantos da alma, desprendendo veneno e um cheiro acre.

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Nos últimos dias de Saul nem se conseguiria mais reconhecê-lo da época em que começou a governar. Estava totalmente envolvido num casulo de inveja e desforra. E o início do aparecimento dessa erva daninha no coração do rei está registrado em 1 Samuel 18.5-9. Conta a Bíblia que sempre que Davi entrava numa luta, saía dela vitorioso. Na ocasião em que ele matara o herói dos filisteus, as mulheres de Israel saíram às ruas cantando, dançando e tocando instrumentos. E o que diziam em sua cantiga? “Saul feriu os seus milhares, porém Davi os seus dez milhares.” (1 Sm 18.7.) A música logo fez sucesso. As garotas a cantavam pelas ruas. Os soldados a assoviavam em suas fileiras. As mulheres a trauteavam ao lavar a roupa no rio. E todas as vezes que Saul escutava essa canção era como uma pedra no seu sapato. “Então se indignou muito, pois estas palavras lhe desagradaram em extremo; e disse: Dez milhares deram elas a Davi, e a mim somente milhares; na verdade, que lhe falta, senão o reino? Daquele dia em diante, Saul não via a Davi com bons olhos.” (1 Sm 18.8,9.) O ódio e o sentimento de rivalidade foram-se avolumando no coração do rei despeitado. E sua cabeça começou a trabalhar sem parar, tentando descobrir modos de acabar com aquele jovem que estava crescendo demais no conceito do povo. O despeito sempre nos inspira a querer acabar com a outra pessoa. Temos que ficar bem atentos para detectar o surgimento dessa erva daninha em nosso jardim. Sou evangelista, e Deus tem abençoado muito meu trabalho. Já vimos milhares e milhares de pessoas serem salvas. Já pregamos para milhões de ouvintes. Mas tenho que estar sempre atento ao meu coração quando vejo numa revista a notícia de que algum outro jovem evangelista está sendo poderosamente usado por Deus. O que pode significar para mim o fato de que um evangelista da Ásia está realizando uma

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grande campanha? E, no entanto, antes mesmo que eu me aperceba de meu erro, surpreendo-me dizendo: — Ah, que é isso? Não pode ter ido tanta gente assim na cruzada dele. Aposto que esse número não passa de exagero! Que tentação de depreciar um servo de Deus que nem ao menos conheço, simplesmente porque está obtendo muito sucesso! Já no que se refere a Billy Graham, por exemplo, não há problema, pois é claro que ele é muito superior a mim. Mas quando se trata de algum evangelista jovem — de um novo pregador que desponta no "terceiro mundo" — e alguém vêm me contar todas as maravilhas que ele está fazendo... Aí a coisa muda de figura. — Você já ouviu falar daquele pregador lá da África? Pergunta alguém. Dizem que ele conseguiu um milhão de conversões nos dez últimos anos. Quando escuto uma afirmação dessas, minha tendência é dar para trás um pouco e pensar: “Ah, deixa disso. Não pode ser um milhão, nada.” É; eu tenho que tomar muito cuidado para que esse monstro do despeito não comece a atuar em mim. Tenho que confessar a Jesus e dizer: “Perdoa-me, Senhor, apesar de já saber a tanto tempo que isso é errado, esse sentimento ainda brota em mim.” Mas quem não é evangelista talvez diga: — Isso não é problema para mim. Contudo, o fato é que o despeito pode atacá-lo por outro lado. O seu caso, por exemplo, pode ser uma questão de aparência. Talvez você tenha inveja de uma moça ou de um rapaz que tem melhor aparência, e sabe que não há meios de superá-lo. Ela — ou ele — é magra e elegante. Pode comer de tudo e nunca engorda. Mas você está sempre engordando, mesmo que passe a verduras e chá.

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Então você começa a pensar: “Ah, mas tenho certeza de que ela tem algum problema. Talvez não saiba criar bem os filhos.” Mas depois fica sabendo que aquela mulher bonita e elegante é uma excelente dona-de-casa; seus filhos são crianças bem comportadas e alegres, e ela leciona numa faculdade. E sua cabeça continua trabalhando sem parar. “Não pode ser. Ela deve ter um defeito muito grave. Talvez não viva bem com o marido.” E você tenta de todas as maneiras encontrar alguma falha nessa pessoa, e, na verdade, “mata-a”; é o despeito extravasando por todos os seus poros. Na realidade não a mata com um revólver ou com uma faca. Não tem coragem para tanto. Mas mata-a com palavras, o venenoso fruto da árvore Inveja. Pelo menos em sua mente você pode matar essa pessoa. E que poder destrutivo tem a inveja! E como aconteceu ao filho de Quis, muitos vêem seu potencial de glória para Cristo ser aniquilado e destruído por terem dado ouvidos à traiçoeira voz do despeito. Não a deixe falar ao seu coração! Cale-a antes mesmo que pronuncie uma de suas infames palavras. Ê possível que, no silêncio que se seguirá, você possa escutar a voz tranqüila e suave daquele que o ama, apesar de tudo. A MARAVILHA DO QUEBRANTAMENTO Será que nos surpreende o fato de Saul ter sido tentado nesses pontos: impaciência, desobediência, juramentos, orgulho, deslealdade e despeito? Acho que não. Eu enfrento as mesmas tentações. Você também talvez enfrente alguma dessas. Davi também foi tentado nessas coisas. Mas a verdade é que enquanto Davi continuava numa progressão ascendente, Saul ia entrando em declínio. Por quê? Sabe qual é a verdadeira diferença entre Saul e Davi? É muito simples. Nesses relatos da vida de Saul, nunca o vemos quebrantar-se e confessar com toda sinceridade que pecou contra Deus.

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Houve uma ocasião em que ele fez uma confissão. Samuel lhe dissera: — Vou embora. Então Saul agarrou o profeta pelo manto e disse: — Pequei contra o Senhor. Por favor, venha comigo, e enalteça perante o povo. Mas foi uma confissão fingida. Ele disse isso apenas para satisfazer o profeta. O que ele queria mesmo era recuperar suas glórias de rei. Não estava nem um pouco arrependido. Não se achava realmente quebrantado diante de Deus. Não estava confessando nada. Ele não suportava a idéia de se ver humilhado aos olhos do povo. E para resgatar seu orgulho ferido, confessaria qualquer coisa a Samuel. Sempre que o dedo acusador se voltava para o rei, após um de seus erros, ele dava um jeito de se esquivar ou de virá-lo em outra direção. Mas ele mesmo nunca se quebrantou. Todas as vezes que houve um problema, ele jogou a culpa sobre outra pessoa. Sempre arranjava uma desculpa. — Eu não gostei nada de ter que tomar a iniciativa e oferecer o holocausto, Samuel, mas o povo, esses meus soldados desleais, já estavam começando a ir embora. Que é que a gente pode fazer? Além disso — eu não queria dizer, Samuel — mas você foi retardando muito a sua volta. Um ou dois dias ainda ia, mas uma semana, Samuel. Que alternativa tinha eu? Coitado de mim — fui obrigado a desempenhar sua função... O que foi, Samuel? Está ouvindo o balido de ovelhas e mugido de bois? Deve ser os animais de primeira qualidade que trouxemos para o holocausto. Eu vi essas reses de excelente qualidade e disse comigo mesmo: “Saul, esse gado é muito bom. Seria uma pena destruí-lo, quando poderia oferecêlo em holocausto para Deus.” Então trouxemos todos até aqui — direto para o sacrifício. É, e isso nos deu muito trabalho, mas, para esse fim, vale qualquer sacrifício. Estou certo, Samuel? Samuel?!

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A prática de jogar culpa nos outros é muito antiga: é do tempo de Adão, que culpou a Eva, que por sua vez botou a culpa na serpente. Pare agora uns instantes, e pense em você. Será que não vem sofrendo um declínio espiritual nos últimos anos? Talvez sua família esteja passando por um período conturbado, e em vez de reconhecer a verdade e dizer: “A culpa é minha”, você esteja se esquivando e apontando o dedo para outra pessoa. “A culpada de tudo é minha mulher”, diz você. “Se ao menos ela mudasse o jeito de ser.” Ou talvez diga: “A culpa é dessa minha sogra; desses meus filhos rebeldes; daquele pastor que não se interessa por nós; dessa minha igreja morta...” e assim por diante. Todo mundo é culpado, menos você. Foi esse o grande problema de Saul. Quase não o ouvimos confessar: “Pequei contra o Senhor.” Davi, por outro lado, um grande homem de Deus, cometeu pecados que até poderiam ser considerados piores do que os de Saul. Mas sempre que um profeta ou outra pessoa o confrontava com seu erro e lhe dizia: “Davi, você errou aí”, ele se quebrantava. Então se prostrava e clamava: “Pequei contra meu Deus! O Senhor, tem misericórdia deste pecador!” E fazia isso com toda a sinceridade de seu coração. Confessava tudo, e se esforçava para acertar sua posição com Deus. E Deus lhe dizia: “Está bem. Você se arrependeu. Está quebrantado. Confessou seu pecado. Está perdoado. Siga em frente, Davi.” Mais tarde Deus iria dizer: “Davi é um homem segundo o meu coração.” Mas Saul, não. Sua atitude obstinada foi sempre a de não se quebrantar, não se arrepender; e, portanto, não recebeu perdão. Deus lhe deu diversas oportunidades para voltar atrás. Samuel foi falar com ele diversas vezes, por ordem de Deus. Mas Saul, muito orgulhoso, não queria admitir seu erro, sua derrota, seu pecado. "Vou endurecer o jogo", pensava

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ele. "Eu vou agüentar firme e sair dessa de um jeito ou de outro." Mas não saiu. A qual dos dois você se assemelha, a Saul ou a Davi? Você é como Saul, por fora um rei, um homem importante — mas por dentro, no coração e na alma, um morto espiritual? Ou é como Davi, disposto a reconhecer seus erros, maculando sua imagem pública, disposto a ficar desmoralizado aos olhos dos homens, para acertar tudo com Deus? Se você deseja ser como Davi, ponha-se em comunhão com Deus, a sós com ele, e diga: "Senhor, quero começar uma vida nova agora. Não quero ser como Saul, e ficar culpando todo mundo, apoiado numa unção recebida no passado. Mas quero ser como o filho de Jessé... disposto a me quebrantar... purificado pelo sangue de Cristo... vivendo na luz, com o coração voltado para fazer a vontade de Deus." O caminho certo para se chegar ao coração de Deus é o do quebrantamento. Davi andou por ele, mas Saul não o quis. E você?

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3. O PASTOR DO REI A pupila é o centro do olho. Na linguagem do Velho Testamento, quando se falava de uma pessoa ferindo a outra, dizia-se que tocara "na menina dos olhos", a pupila. E isso era terrível. Naquela época não existiam lentes bifocais, lentes de contato, nem oftalmologistas. Quando alguém feria um olho, era o fim dele, e da pessoa também. É por isso que todos protegiam os olhos com o máximo cuidado. O nome Davi significa "a menina dos olhos de Deus". Davi era a menina dos olhos de Deus, era o amado do Senhor, porque era um "homem segundo o coração de Deus". E por causa disso sua vida se revestiu de tanta grandiosidade. Por que será que a história dele foi inserida no relato bíblico? Não foi simplesmente por se tratar de uma história muito interessante; não. Tampouco Deus tinha intenção de mostrá-la a nós e dizer: — Olhe aqui, minha gente. Aqui está a biografia de uma pessoa muito especial para mim. Quero que todo mundo a leia

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para que se sintam frustrados, já que nunca vão conseguir chegar até onde ele chegou; nunca conseguirão ser assim. Não! É como já disse alguém: "A maioria dos livros foi escrita para nos deixar bem informados; a Bíblia foi escrita para que sejamos transformados." O texto de Romanos 15.4 diz: "Pois tudo quanto outrora foi escrito, para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança." Portanto, a biografia de Davi foi escrita para que recebêssemos através dela incentivo e esperança. Deus tem muito prazer em andar com os homens. Ele quer muito conversar com corações receptivos. E o caminho para se chegar ao coração dele está totalmente aberto, por meio de Jesus Cristo. A história de Davi é simplesmente uma demonstração de como um ser humano falho, pecador, agiu diante da graça e do amor de seu Criador. E ela pode ser a sua história também. Eu peço a Deus que a minha seja assim. Mas o que foi que fez com que este homem, Davi, se tornasse tão amado por seu Deus? Que qualidades possuía ele que viesse a receber o nome de "a menina dos olhos de Deus"? ANSEIO POR DEUS Em 1 Samuel, Deus diz ao profeta que procuraria um homem segundo o seu coração para ocupar o lugar de Saul no trono. Deus está sempre à procura de pessoas que digam a ele: "Senhor, quero que meu coração esteja em sintonia com o teu coração." Isso não tem nada a ver com nossa aparência, se somos gordo ou magro, preto ou branco, homem ou mulher, jovem ou velho. Deus está olhando para nós e dizendo: "Será que posso usar essa pessoa? Será que posso usá-la para minha glória? Poderei operar através dela? Poderei dar-lhe mais oportunidades de testemunhar do evangelho, de ganhar almas para meu Filho, de edificar meu Corpo? Será que ela tem um

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coração segundo o meu coração? Se tiver, abrirei “muitas portas para ela, e a usarei mais e mais, a cada dia.” Deus estendeu diante daquele jovem, Davi, uma maravilhosa gama de oportunidades. Ele tinha por volta de dezoito anos quando foi ungido para ser o fundador da linhagem real, pela qual Jesus Cristo viria ao mundo. Imagine só! Deus estava preparando um jovem, que se encontrava nos pastos, cuidando de ovelhas, para ser o iniciador da linhagem do Messias. Que privilégio grandioso! Muitos adultos hoje em dia olham para os jovens e adolescentes e dizem: "São malucos." E talvez sejam mesmo. Mas existe muita coisa de valor no interior dos jovens — um belo potencial. Não há dúvida de que existe também um lado negativo — como aliás há em todos nós — mas é Deus quem deve cuidar disso. Mas acredito que Davi deve ter recebido este mesmo tipo de tratamento quando jovem. Era o mais novo dos oito irmãos, e, como todas as pessoas normais, eles o depreciavam um pouco. No dia em que Samuel foi a casa deles, por exemplo, nem se preocuparam em chamar Davi para a reunião com ele. — Davi? O baixotinho aí? É um garoto ainda. Está no pasto, com as ovelhas. Não se incomode com ele. Mas do ponto de vista de Deus, o garoto Davi era uma das peças mais importantes de seu imenso plano para todas as eras. É que ele via o coração dele. Para os irmãos, Davi era apenas um jovem irresponsável que brigava com leões e espantava ursos. Mas Deus não estava olhando para o exterior e, sim, para o interior dele — e ali ele via um espírito que ansiava por ele. Mais tarde, Davi se tornou o herói nacional. Depois que derrotou Golias e voltou para casa, todo mundo estava querendo fazer parte do seu "comitê eleitoral". Se fosse hoje, veríamos camisetas, jaquetas, adesivos para carro e outros objetos impressos com o rosto de Davi, sendo vendido aos mi-

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lhões, a ponto de as lojas esgotarem o estoque rapidamente. Todas as mulheres e meninas de Israel cantavam músicas exaltando seu feito. Mas será que essas coisas tinham muita importância para Deus? Lembra-se do que diz 1 Samuel 16.7? "O Senhor não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração." Quando Deus vê que uma pessoa anseia pela presença dele, não lhe sonega bênção nenhuma. Davi tinha um forte anseio por Deus. Vemos isso em sua vida. Percebemos isso em suas músicas. "Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando irei e me verei perante a face de Deus?" (Sl 42.1,2.) “Ó Deus, tu és o meu Deus forte, eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, numa terra árida, exausta, sem água.” (Sl 63.1.) Davi tinha a incurável mania de apresentar a Deus todas as situações de sua vida. Quer se tratasse de uma batalha, de uma decisão em família, de um temor indefinido, um sofrimento arrasador ou um sonho muito acalentado — fosse o que fosse, a primeira coisa que lhe ocorria era: — Vou falar com Deus sobre isso. Não que ele fosse um automortificador, desses que cerram os dentes e se impõem uma severa disciplina religiosa: — O relógio despertou. Tenho que me levantar e fazer meu sacrifício ritual de todos os dias. Tenho que ler a Bíblia e orar. Nada disso! Para Davi, a comunhão com Deus era uma coisa natural. No momento em que surgia um motivo, ele falava com Deus. Em outras palavras, tudo que acontecia em sua vida ele mencionava para Deus. Ele não tinha uma hora silenciosa, para comunhão com o Senhor; ele vivia em comunhão.

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Pare um pouco agora e pense como transcorreu esse dia para você, até este momento. Repasse suas atividades, as palavras que pronunciou, as compras que fez, as decisões que tomou. Quanta vez consultou a Deus? Quanta vez, neste dia, deteve-se um pouco em sua correria louca para buscar a opinião daquele a quem você chama de "Senhor"? Seja você um homem de negócios, uma dona-de-casa, uma mulher que trabalha, um universitário, um adolescente, deve habituar-se a usar esse princípio. Se quisermos que Deus nos use de maneira poderosa, precisamos ter um coração voltado para ele, para a vontade dele, para as ordens dele. Tudo que fizermos, por mais simples e secular que seja, deve ser relacionado com a sua Pessoa e sua presença. Aí então receberemos sua bênção. No que diz respeito à escolha de um cônjuge, confie na providência de Deus. Volte seu coração para Deus, para a pessoa que ele escolher e para a época que ele determinar. Deixe que ele lhe apresente o homem ou a mulher certa, na hora certa. Mas não adote aquela prática de escolher alguém e orar sem seriedade: "Senhor, abençoe o Fulano de Tal. Eu o amo. Ele tem olhos lindos. É bonito e saudável." E aí fica orando, orando, orando. É uma oração com resposta pronta. Você já tomou a decisão antes mesmo de buscar a Deus, quando deveria fazer o contrário. Está brincando com Deus. E pode ter muitos problemas depois. Problemas sérios. Na questão financeira, também, deixe tudo nas mãos de Deus. Ao mudar de uma cidade para outra, fale com Deus. Ao mudar de emprego, coloque a situação diante de Deus. Ao planejar as férias, consulte a Deus. Mas talvez alguém diga: — Se eu começar a colocar Deus em tudo, vou virar fanático. Os fanáticos é que agem assim. Mas é exatamente por isso, porque as pessoas não colocam Deus nos planos de sua vida, que nosso planeta está tão cheio de problemas, de sofrimento, de agonia. As pessoas acham que não precisam relacionar a Deus todos os fatos de sua vida. E Davi iria concordar com isso prontamente. Nas

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poucas vezes em que deixou de consultar a Deus sobre questões da vida, quase destruiu sua vida e sua família. Aqueles poucos momentos de egoísmo desencadearam uma reação em cadeia, que trouxe dores e sofrimento a Davi pelo resto da vida. UM PROFUNDO DISCERNIMENTO Para conhecermos os eventos da vida de Davi, lemos os dois livros de Samuel. Mas se quisermos saber o que se passava na cabeça dele, temos que ler o seu próprio livro, o livro de Salmos. O Salmo 37, por exemplo, revela uma das mais raras qualidades que Davi possuía. Neste salmo ele diz o seguinte: "Não se aflija por causa das pessoas más. Não se preocupe com a aparência delas. Não se preocupe pelo fato de ver os ímpios prosperarem, e parecerem estar muito bem. Não se preocupe. O fim deles está perto. Pode parecer que eles estão muito bem, mas é que Deus ainda não acertou as contas com eles." Muitos crentes às vezes são levados a pensar da seguinte maneira: "Olha só aquele homem ali. Eu aqui ando com Deus. Dou meus dízimos. Estou criando meus filhos corretamente. E no fim do mês meu dinheiro mal dá para as despesas. Mas aquele meu vizinho ali é um sujeito desonesto. Bebe muito e vive em farras. E veja como vive. Tem dinheiro para tudo. Pode fazer tudo que quiser. Afinal, o que está acontecendo?" Davi sabia fazer distinção entre aparência externa e o coração. Em muitos de seus salmos ele diz: "Olhe aqui, vá ao santuário e coloque-se na presença de Deus. Pouco depois você verá que a aparência exterior das pessoas nada é. O que realmente importa é a realidade interior." É bom saber disso quando se é adolescente. Sabe como é. Na escola você está sempre dando de cara com o Mr. Músculos, ou com a Miss Rostinho Bonito, os poderosos que estão sempre por cima. São as meninas que têm um vestido novo toda semana. Ou rapazes musculosos, que usam camisa sem manga para exibi-los. Talvez você seja magricela e ande

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sempre com camisa de manga comprida; ou talvez seja baixote e gordo. Mas eles, não. Para eles tudo sai às mil maravilhas. Eles vão à praia e voltam com um bronzeado maravilhoso; você vai e volta avermelhado, e soltando a pele como uma cobra. Quando eles nadam, ganham as competições. Praticam esqui aquático, são de uma habilidade incrível. Você não consegue nem equilibrar-se direito. Parece que tudo dá certo para eles, enquanto que para você, tudo vai mal. Mas para Deus, a aparência exterior não importa muito. Ele está olhando para o seu coração. Se Deus olhar para você, jovem, e vir um coração segundo o seu coração, no fim da história, será você quem terá todas as bênçãos. UM ESPÍRITO SENSÍVEL Não é muito incomum um homem ter poder. Mas também não é muito raro o poder "possuir" um homem. Os governantes e os reis são julgados não tanto pela autoridade que possuem, mas, sim, pelo modo como essa autoridade os governa. Durante o curso da história, já houve muitos homens em posição de comando e autoridade. Alguns a herdaram ao nascer. Outros foram eleitos. Alguns a tomaram pela força. Mas a maioria simplesmente abriu caminho com unhas e dentes, para chegar ao topo, através de anos e anos de muito trabalho e esforço. Mas tudo isso é esquecido rapidamente. O que realmente fica na lembrança de todos é a maneira como cada um exerceu a autoridade que deteve. Deus escolheu Saul para reinar sobre Israel; mas Saul preferiu reinar sem a interferência de Deus. Nas mãos dele, a autoridade real tornou-se um instrumento duro, agressivo, arbitrário e cruel. Ele segurava o cetro, mas o cetro também o segurava. Dava ordens simplesmente pelo prazer de dar ordens. Agarrando-se ao poder conferido por seu cargo, inutilizou o maior poder que existe: a presença do Espírito de Deus. É quando reconheceu que sua soberania havia-se esvaziado, frustrado, ele passou a brandir o seu sabre com mais vigor, e

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procurou matar aquele que ora era o detentor da posição que ele, por sua insensatez, deixara escapar de suas mãos. Davi, que foi caçado e acossado nos primeiros anos de sua vida adulta, também se viu ocupando uma posição de poder. Vemos em 1 Samuel 24 como Deus colocou ao alcance de suas mãos a vida de seu maior inimigo, Saul. "Tendo Saul voltado de perseguir os filisteus, foi-lhe dito: Eis que Davi está no deserto de En-Gedi. Tomou então Saul três mil homens, escolhidos dentre todo o Israel, e foi ao encalço de Davi e dos seus homens, nas faldas das penhas das cabras monteses. Chegou a uns currais de ovelhas no caminho, onde havia uma caverna; entrou nela Saul, a aliviar o ventre. Ora Davi e os seus homens estavam assentados no mais interior da mesma." (1 Sm 24.1-3.) A oportunidade perfeita. Que excelente momento para Davi se levantar e acabar com o homem que jurara matá-lo. Saul estava desarmado, numa situação vulnerável, e não suspeitava de nada. Os homens que acompanhavam Davi estavam até fora de si, de tanta alegria. Ali estava a oportunidade que tanto aguardavam. Quase não se continham de vontade de gritar. E um deles chamou Davi de lado e, com voz tensa, em cochichos, disse-lhe: "Hoje é o dia do qual o Senhor te disse: Eis que te entrego nas mãos o teu inimigo e far-lhe-ás o que bem te parecer.'' (1 Sm 24.4.) Por que Davi hesitava? — Vá pegá-lo! Diziam eles entre dentes. Mate-o! Meta a espada nele. Ele está em suas mãos! Então o jovem pastor foi-se arrastando em meio à escuridão e cortou uma ponta do manto de Saul com sua adaga afiada. Com a mesma facilidade, ele poderia tê-la enterrado no coração dele. Os homens que seguiam a Davi devem ter ficado perplexos com a atitude de seu chefe, no momento em que ele voltava para o fundo da caverna. "Sucedeu, porém, que, depois sentiu Davi bater-lhe o coração, por ter cortado a orla do manto de Saul." (1 Sm 24.5.)

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O simples ato de cortar um pedaço do manto do rei afetou a consciência sensível de Davi. Havia levantado a faca contra o rei de Israel — estendera a mão contra o ungido do Senhor. Fora demais. E Davi reteve seus soldados parados no fundo da caverna, enquanto Saul saía. Ele tivera em suas mãos a oportunidade de se vingar dele. Mas preferiu deixar com Deus esse poder. E o que disse foi o seguinte: — Se alguém deve matar Saul, esse alguém é Deus, não eu. Não vou utilizar esse instante de supremacia sobre ele para satisfazer minha necessidade de vingança. Não vou tocar no ungido do Senhor. E deixou que ele escapasse. Deus concedera a Davi poder para praticar um ato, mas ele preferiu ser controlado pelo Senhor, do que por esse poder. Muitos séculos depois, um Filho de Davi iria tomar uma decisão semelhante. Abdicando do poder que estava em suas mãos, esse descendente do Rei Davi permitiu que homens ímpios o prendessem, o submetessem a um arremedo de julgamento, e depois o pregassem a um cruel instrumento de morte, sozinho e nu. "Pois ele, subsistindo em forma de Deus não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz.” (Fp 2.6-8.) "...dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e, sim, a tua." (Lc 22.42.) Uma pessoa segundo o coração de Deus recusa-se a tirar vantagem de uma situação, mesmo quando tudo leva a crer que foi Deus quem preparou essa situação, para que ela fizesse isso. Ê possível que Deus tenha nos colocado numa posição de autoridade, pela qual, de um momento para outro, nos achamos em condições de nos desforrarmos de alguém que nos prejudicou. Talvez atuemos no mundo dos negócios e

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tenhamos sido colocados em posição de superioridade em relação a outrem, e pensemos: "Ahhhh! Chegou minha vez! Graças a Deus! Agora tenho a oportunidade que aguardava." É uma tentação quase irresistível. Quando estive na Nicarágua, fiquei conhecendo um jovem que era redator de uma revista, e que recebera a Cristo seis meses antes, durante um estudo bíblico. Após uma entrevista coletiva, saímos juntos e fomos tomar um café. Ali o jovem jornalista me revelou uma luta muito difícil que estava enfrentando naquele momento. — Durante muitos anos, explicaram, dois jornalistas tentaram destruir-me, divulgando mentiras a meu respeito. Há poucos dias, quando estava examinando um arquivo, encontrei alguns documentos que poderiam simplesmente arrasar os dois. Tempos atrás, eu não teria hesitado em publicar um artigo, com chamada de capa e tudo, para denunciar os dois sujeitos. — E hoje? Indaguei. — Hoje estou vivendo uma luta intensa. Toda a minha vontade é agredir esses dois mentirosos, é acabar com eles. Mas você sabe, senti, pela inspiração do Espírito Santo, que não devia fazer isso. Mas tal atitude é contrária a tudo que sempre aprendi. Que é que você acha que devo fazer? Devo denunciálos? Devo revelar tudo e acabar com eles, ou não fazer nada? Sabe, se descobrirem que fiquei a par disso e retive a notícia, posso até perder meu emprego. — Escute aqui, falei, até agora você obedeceu à voz do Espírito Santo. É melhor fazer o que Deus está mandando. Embora aquilo que esse redator queria fazer fosse uma coisa certa, a motivação dele era incorreta. Mas ele estava sendo sensível à voz do Espírito Santo, e retendo os fatos, mesmo sabendo que poderia enterrar neles a faca até o cabo. — Espere em Deus, falei. Ele tem operado em situações iguais desde o início da História. Ele resolverá isso de modo maravilhoso.

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Antes do término de minha cruzada, ele me procurou novamente. — Lembra-se de que me aconselhou a não me desforrar daqueles dois homens? Indagou. Você me disse que provavelmente Deus tinha uma solução bem melhor, e melhor do que eu poderia imaginar. Sabe o que aconteceu? Essa semana recebi um chamado do presidente. Vou ser mandado para o exterior como assessor do embaixador. Que coisa maravilhosa! Deus resolveu aquela situação, e o jovem foi impedido de tomar uma atitude da qual poderia terse arrependido mais tarde. E sua consciência estava limpa diante de Deus. Em Romanos 12.19, lemos o seguinte: ''Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence à vingança; eu retribuirei, diz o Senhor.'' A Bíblia ensina que nunca devemos nos vingar. E alguém pode perguntar: — Você está querendo dizer nunca mesmo? Não posso tirar nem uma vingançazinha só para mostrar a eles que não sou bobo, que sei muito bem tudo que está acontecendo? Não; a Bíblia diz nunca. Deus cuidará do caso. Davi sabia que Saul estava acabado. Sabia que ele seria o próximo rei de Israel. Até Jônatas, o filho de Saul, já afirmara: — Você será o rei. Eu serei o segundo, depois de você. Davi sabia de tudo, sabia das profecias, das indicações. Sabia que ele seria mesmo o rei. E seria muito normal sua natureza humana dizer-lhe: "Mate-o agora, e assim você assume o reino hoje mesmo! Para que esperar mais?" E ele tinha direito de matar Saul. Guerra é guerra. Saul estava atrás dele para matálo. Mas Davi disse: — Não, não. Não vou dar nem um passo à frente de Deus.

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Ele era sensível à orientação de Deus. O poder que havia subido à cabeça de Saul e fizera com que se afastasse de Deus, em Davi teve o efeito de levá-lo a confiar ainda mais no Senhor. O poder e a influência que ele teria iriam superar em muito os do seu antecessor, mas sua força era equilibrada — temperada por uma grande mansidão e pela sua submissão ao comando do Espírito de Deus. Vamos pensar nisso por uns instantes. Qual é nossa reação quando Deus nos coloca numa posição de poder? Qual é a sua reação? Mas talvez você diga: — Que poder? Não sou nenhum rei. Não ando por aí com uma espada na cintura. Não; mas todos nós, vez ou outra, encontramo-nos em posição de superioridade sobre outros, ou como detentor de um cargo na igreja, ou chefe de secção em nosso trabalho, ou como pai ou mãe, ou como marido ou mulher que sabe exatamente em que aspectos nosso cônjuge é mais vulnerável. A maneira como agimos nesse momento em que temos vantagem sobre outros poderá revelar muita coisa sobre nosso caráter e nossa vida espiritual. Davi entregou a Deus aquela sua oportunidade, aquela situação de superioridade, aquela vantagem. Deu as costas àquela chance de vingança, e saiu correndo, por assim dizer, atrás do coração de Deus. Em que direção você está correndo? A DISPOSIÇÃO DE RECONHECER SEU PECADO Se Saul não fosse rei, ele poderia ter posto a culpa de tudo no governo. Mas, infelizmente, ele era o governo. Então pôs a culpa no povo. Estava sempre agindo assim. Ele dizia a Deus: — Isso aconteceu por causa deste povo. Só fiz isso para satisfazer a vontade deles. Saul teve a audácia de pôr a culpa até em Samuel.

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— Você não chegou a tempo, disse ele. Que é mais que eu podia fazer? Mas nunca reconheceu seu erro. Sempre tinha a maior presteza em se justificar. Davi, porém, não era assim. Quando o profeta de Deus apontou o dedo para ele, mostrando seu pecado, aquilo foi como um aguilhão em brasa no seu peito. E clamou a Deus. Ele tinha a capacidade de discernir, imediatamente, quando Deus estava lhe falando por intermédio de outra pessoa. Em 1 Samuel 25 temos um relato no qual quem lhe falou foi uma mulher, de nome Abigail. Essa corajosa mulher se colocou à frente do exército liderado por Davi, composto de quatrocentos homens, que naquele momento se achavam dominados pelo desejo de vingança. Colocar-se à frente de um grupo de ferozes soldados encolerizados seria o mesmo que lançar-se da plataforma de uma estação para os trilhos, à frente de um trem em alta velocidade. Naqueles dias, os guerreiros não tinham muita paciência para ouvir a súplica de mulheres, não; principalmente se estivessem interceptando a passagem deles. Mas Abigail não era uma mulher comum, e Davi também não era um guerreiro qualquer. E Abigail tinha uma mensagem importante. O marido dela, Nabal, um homem insensato, tinha acabado de dar uma agressiva recusa ao filho de Jessé, retribuindo um favor de Davi com uma fria e ultrajante rejeição de seu pedido de ajuda. E qual foi a reação de Davi? "Pelo que disse Davi aos seus homens: Cada um cinja a sua espada. E cada um cingiu a sua espada, e também Davi a sua; subiram após Davi uns quatrocentos homens." (1 Sm 25.13.) Davi estava ardendo em cólera, e seus olhos só viam o desejo de liquidar aquele criador de ovelhas chamado Nabal. Abigail, a infeliz esposa de Nabal, ficou sabendo do plano, e imediatamente montou num jumento com esperança de deter Davi e seu bando de rudes soldados. Ao ver que ele se

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aproximava velozmente e em grande fúria, ela saltou de sua montaria e se prostrou aos pés dele. Ela sabia que Davi poderia tê-la cortado ao meio com sua espada ou ter passado sobre ela com o cavalo. Vendo que ele não fazia nem uma coisa nem outra, sentiu que isso era um bom sinal, e animou-se a falar. — Senhor, sei que meu marido é um estúpido e tudo o mais. E reconheço que ele merece ser morto. Mas depois que o senhor se tornar rei, como será contada sua história, se matar esse homem insensato? O que as pessoas vão dizer do senhor? Irá ficar com as mãos manchadas. Peço-lhe que não toque nele. Deus castigará meu marido. Davi acalmou-se rapidamente. Aquela raiva assassina logo desapareceu de seu olhar, e ele passou a fitar essa mulher notável com admiração e apreço. Reconhecendo que era Deus quem lhe falava através dela, disse: "Então Davi disse a Abigail: Bendito o Senhor Deus de Israel que hoje te enviou ao meu encontro. Bendita seja a tua prudência, e bendita sejas tu mesma, que hoje me tolheste de derramar sangue, e de que por minha própria mão me vingasse. Porque, tão certo como vive o Senhor Deus de Israel, que me impediu de que te fizesse mal, se tu não te apressaras, e me não vieras ao encontro, não teria ficado a Nabal até ao amanhecer nem um sequer do sexo masculino." (1 Sm 25.32-34.) Ali estava uma mulher que Davi nunca vira antes. E assim que ela lhe mostrou como era insensato o que pretendia fazer, ele, que era o homem mais temido de Israel, respondeu: — Muito obrigado. Obrigado por ter me detido. Você tem razão. Teria sido um ato horrível. E Deus cuidou de tudo. Poucos dias depois, o marido dela morreu, e mais tarde Davi mandou buscá-la; e ela, de bom grado, tornou-se esposa dele. No Salmo 51 Davi diz o seguinte: "Coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus." Ele sempre mostrava um coração quebrantado com relação ao seu pecado. Não estendia o dedo acusador para outros, como Saul fazia. Pelo contrário,

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deixava que apontassem o dedo para ele. Mesmo depois, quando já era rei, e se encontrava nas alturas, várias vezes Davi descia de seu trono, ajoelhava-se e dizia: "Pequei contra o Senhor." E Deus sempre o perdoava. Em nenhum momento vemos Davi defendendo-se, como Saul fazia. Nunca o vemos procurando justificar seus erros. Assim que alguém lhe apontava um erro ou pecado seu, ele dizia: — Você tem razão. Eu sou culpado. Que Deus me perdoe. Essa é a grande diferença entre os dois. Há tantas pessoas hoje querendo defender-se, recusando-se a reconhecer sua culpa e pecado. Vemos os homossexuais negando seu pecado, procurando racionalizar uma condenação que está tão clara e distinta nas Escrituras. O mesmo acontece com o adultério. Vemos um número cada vez maior de pessoas que arrogantemente contestam a mensagem clara da Palavra de Deus dizendo: — Que há de errado em eu querer me divorciar de minha mulher e casar com outra? Deus quer que eu seja feliz; quer que eu viva em paz. E pior do que o pecado em si, é a arrogância desses indivíduos que desobedecem a Deus frontalmente. Mas quando uma pessoa que pecou se quebranta sinceramente diante de Deus, e concorda com ele, afirmando que ele está certo em relação ao pecado dela, e depois se dispõe a mudar de direção, essa pessoa encontrará purificação e restauração. Deus mesmo é o primeiro a perdoá-la (e em alguns casos é o único). Você já se quebrantou realmente por causa de seus pecados? Já chorou diante do Senhor? Talvez não derramasse lágrimas, mas já chorou interiormente por causa de sua pecaminosidade, e concordou com a posição de Deus, isto é, com a afirmação dele de que você errou?

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Davi não era perfeito; mas tinha muita vontade de o ser. Desejava profundamente ser santo. Ele orou nos seguintes termos: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno." (Sl 139.23,24.) Ele não apenas concordava com o que Deus afirmava acerca de seus pecados, mas interiormente desejava também concordar com o que ele afirmava sobre a santidade. Ele diz o seguinte no salmo 139: "Ó Deus, teus pensamentos são tão belos. Eu poderia passar horas e horas contando-os. E se me pusesse a somá-los, veria que são mais numerosos que as areias. O Senhor, eu detesto o pecado. Detesto o pecado das outras pessoas. Detesto o meu pecado. Instrui-me, Senhor. Sonda minhas motivações e meus pensamentos. Senhor, mostra-me o que não é certo. Examina minha vida, e mostra se há nela algo que te cause tristeza." Davi foi um soldado, um general, um tipo às vezes imprevisível, mas era também um homem de coração quebrantado, que desejava ser santo. Você quer ter uma vida santa? Ou talvez você seja daqueles que dizem: — Ah, não quero saber de santidade não. Isso é antiquado. Ou você deseja ser santo? É claro que todos nós temos pensamentos impuros, e eles nos sobrevêm quando menos esperamos. Todos nós passamos por momentos em que temos uma atitude errada e depois, passado aquele momento, temos raiva de nós mesmos por causa daquilo. Mas a questão não é essa; a grande questão é: você quer ser santo? Quer ser puro? Tem muita vontade de se sentir limpo interiormente? Gostaria de ser uma pessoa totalmente aberta perante Deus e os homens? Procure ficar a sós com Deus e ore. Fale a ele o seguinte: "Ó Senhor, eu quero amar a santidade. Ensina-me a ser santo.

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Opera em meu espírito para que eu tenha essa mesma sede de santidade que Davi possuía." Nós os crentes possuímos o Espírito Santo habitando em nós. Pode haver melhor Mestre? UM CORAÇÃO FELIZ E CHEIO DE LOUVOR Eu poderia mencionar muitas outras qualidades que Davi possuía e que faziam dele um homem segundo o coração de Deus. Uma delas é que tinha um espírito alegre. Isso não quer dizer que nunca ficasse triste, ou nunca se encolerizasse. Davi teve muitos motivos para se entristecer — talvez até mais do que nós. Mas havia um elemento de magnetismo nele. Era o tipo de pessoa capaz de arrebanhar quatrocentos homens rebeldes, amargurados, marginalizados, e, com menos de um ano, transformá-los num exército leal. Percebemos isso em muitos dos seus salmos. Ele podia estar fugido pelos morros, escondido numa caverna ou no meio de uma batalha, bem como sentado em seu trono, mas sempre entoava louvores a Deus. E sempre que cantava procurava exaltar o Senhor e extasiar-se diante da graça e da grandeza de Deus. Por vezes é bom ler estes salmos numa versão diferente da que lemos costumeiramente. É que ficamos tão acostumados a essas palavras que parece que passamos por cima delas e não penetram nosso coração. Mas quando a lemos numa outra tradução, essas palavras do diário de Davi como que parecem saltar da página e vir ao nosso encontro. Desde pequeno, eu sempre li a Bíblia em espanhol. Para mim então essa versão é semelhante à versão mais antiga e conhecida de pessoas de outros países. Conheço os termos empregados nessa versão espanhola desde quando era garotinho. E quando a leio, posso até ganhar de Davi na leitura. Mas quando pego uma tradução em inglês moderno, por exemplo, ela se torna tão revigorante que parece outra Bíblia. Qual é a impressão que têm as pessoas que convivem com você, que trabalham ao seu lado diariamente? Se de repente

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você fosse chamado ao céu, como é que as pessoas que o conheceram descreverão sua vida? Vão dizer que você era um homem de coração alegre e cheio de louvor? Uma mulher com quem era agradável conviver? Davi era um entusiasmado pela vida— tinha alegria em ser servo de Deus. E sabe o que mais? Deus gosta disso. Deus ama as pessoas. Ele está procurando pessoas que o adorem em espírito e em verdade.

4. O REI-PASTOR Antes de considerarmos o rei-pastor, precisávamos examinar o pastor do Rei. Antes de analisarmos a posição de Davi como líder, precisávamos vê-lo na condição de liderado, na sua condição de servo de Deus. Agora que já observamos o

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homem segundo o coração de Deus, estamos preparados para estudar o rei escolhido por Deus. "NÃO FOSTES VÓS QUE ME ESCOLHESTES A MIM..." Lembra-se do que Deus disse a Samuel, depois que Saul errou e acabou destruindo seu próprio reinado? "Até quando terás pena de Saul, havendo-o eu rejeitado, para que não reine sobre Israel? Enche um chifre de azeite, e vem; enviar-te-ei a Jessé, o belemita; porque dentre os seus filhos me provi de um rei." (1 Sm 16.1.) Como foi que Davi veio a ser rei? Deus disse: Eu me provi de um rei. Davi tornou-se rei não por iniciativa própria, mas porque Deus o escolheu para ser rei. Não foi também porque um famoso profeta tivesse imposto as mãos sobre ele, derramando azeite em sua cabeça, e tivesse dito: "Este é o rei!" Não; o filho de Jessé foi escolhido por Deus para ocupar o cargo. No momento em que o profeta impôs as mãos sobre ele, estava apenas confirmando uma deliberação tomada por Deus. Isso foi um ato público de confirmação, perante a família de Davi, pois de outra forma não teriam acreditado nele. No que dizia respeito a Deus, Davi já fora escolhido havia tempos, ainda adolescente, enquanto pastoreava as ovelhas de seu pai, pelos morros. Que linda frase essa de Deus: "Eu me provi de um rei." Não deixemos essas palavras perdidas no meio da história dos hebreus; nem vamos arquivá-las apenas como um belo pensamento. Lembre-se de que ele escolheu você também. Em João 15 lemos as seguintes palavras do Filho de Davi: "Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros, e vos designei para que vades e deis frutos" (v. 16). Nós que pertencemos a Jesus Cristo sabemos indicar o momento exato em que fizemos essa decisão em nossa vida, mesmo que não nos lembremos com exatidão da data e de

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todos os outros detalhes da experiência. Pode ter sido numa campanha evangelística, num acampamento, num culto de uma igreja, ou talvez até sozinhos em nossa casa. Mas seja como for, naquele momento demos nossa vida a Deus. Foi um momento em que tomamos uma decisão, mas na verdade nós é que fomos escolhidos por Deus. Como é reconfortante saber disso! Nunca me canso de pensar nisso. Se estou aqui escrevendo essas palavras, foi porque Deus me escolheu. E ele escolheu você também. Mas não perca tempo tentando entender esse fato. Deixe apenas que ele opere em você, fazendo brotar um revigorante rio de estímulo espiritual em seu espírito, agora. Deus nos diz: "Quero que você seja um dos meus. “Quero que seja rei.” Lemos em Apocalipse 1.6 que somos "reino, sacerdotes" para Deus e Pai. Em outras palavras, podemos ser reis exatamente como somos agora. Lembre-se sempre disso! Sendo filho de Deus você está revestido de grande dignidade e de um valor infinito. Você não é um vermezinho qualquer, nem uma criatura vil, derrotada e humilhada, que tem que andar de cabeça baixa; não. Fomos escolhidos pelo Rei dos reis para sermos dele, e ele deu a todos nós, e por mais insignificantes e pequenos que sejamos aos nossos próprios olhos, uma tarefa cujas implicações adentram a eternidade. E em segundo lugar, Deus não apenas escolheu Davi para ser o rei, mas fez mais. Lemos em 1 Samuel 16.3 que ele diz: "Convidarás a Jessé ao sacrifício; eu te mostrarei o que hás de fazer, e ungirá a quem eu te designar”. Deus não apenas escolheu Davi, mas ungiu-o também. Os instrutores bíblicos ensinam que essa unção com azeite é uma figura da presença do Espírito Santo na vida dos crentes. Cada um de nós que pertence a Cristo foi escolhido pelo próprio Deus e por ele ungido. Mas essa unção, essa plenitude do Espírito Santo não é uma bênção para ostentarmos diante de outros. Pelo contrário, é algo que temos de oferecer a Deus,

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com gratidão e louvor. E devemos ter a seguinte atitude: "Senhor Jesus, quando tu me ungiste com teu Espírito, fizesteo para tua honra e glória. Glória seja dada ao teu nome!" E quando o inimigo vier cochichar em seu ouvido que você não vale nada, que não é nada aos olhos de Deus, lembrese dessas palavras, pois o que Satanás diz é mentira. UM GRANDE DESEJO DE UNIR A NAÇÃO Como rei escolhido por Deus, Davi foi logo dominado pelo forte desejo de unificar seu povo, que se encontrava tão fragmentado. Hoje mesmo, Israel é uma das nações mais divididas da face da terra. Naquela época, as doze tribos estavam sempre em luta umas com as outras. Embora supostamente devessem ser uma nação só, governada por Deus, não o eram. Os líderes, os juízes, estavam sempre surgindo e desaparecendo. Judá lutava contra esta tribo aqui; Rúben lutava contra aquela ali. Elas só se uniam e se auxiliavam mutuamente quando eram atacados por um inimigo de fora. Isso não lembra um pouco a situação das nossas denominações evangélicas? Parecemos preferir estar desunidos, mas assim que um inimigo externo, como o comunismo, por exemplo, avança contra nós e ameaça destruir toda a igreja, então aí, dizemos: — Vamos lá! Vamos nos unir! Vamos sentar e planejar. Tenho viajado pelo mundo inteiro, e observei uma coisa interessante. Nos países onde a igreja sofre perseguição, as pessoas não se preocupam com diferenças denominacionais. Nunca perguntam: — Você é presbiteriano? Batista? Pentecostal? Nãopentecostal? Anti-pentecostal?... Não; são todos eles parte de um pequeno grupo de crentes que se auxiliam mutuamente, escondem uns aos outros, e são achegados uns aos outros como irmãos de verdade. E o são mesmo.

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Um dos maiores sonhos de Davi, quando subiu ao trono, era destruir os inimigos internos da nação, e unificá-la. Na ocasião em que o povo de Israel saíra do Egito, Deus havia dito: — Olhe, este é o território que vou dar a vocês. Vocês vão apossar-se dele passo a passo. Terão que desalojar totalmente as pessoas que agora habitam nele, pois esta terra pertence a vocês. Mas o povo de Israel não fez isso. Como fez Saul, começaram a reservar para si o melhor disto ou daquilo. Perdoava este grupo aqui, aquele acolá. E mais tarde, esses grupos que eles perdoaram, e que segundo a ordem de Deus deveriam ter exterminado, vieram a ser seus piores inimigos. Então quando Davi subiu ao trono, estavam firmemente decididos a executar a ordem que Deus dera aos israelitas centenas de anos antes, e a extirpar da terra seus inimigos internos. Queria remover a idolatria do meio do povo de Israel, e unificar a nação. E o conseguiu. Pela graça de Deus, e pelo poder de Jeová, ele se lançou à guerra. Começou destruindo os filisteus, os amalequitas, e destruiu todos os outros povos de que já ouvimos falar. E quando seu filho, Salomão, subiu ao trono, a terra estava toda unida e em paz. E o governo de Salomão iria ser um tipo — uma figura — do milênio. O filho de Davi governou um país unido e pacificado. Davi, um homem segundo o coração de Deus, um rei escolhido pelo próprio Deus, tinha um profundo desejo de conseguir a união de seu povo. Ele queria que o povo de Israel se tornasse a grande nação que deveria ser pelos propósitos de Deus. E sabia que isso só seria possível se eles se unissem. Isso contém uma grande lição para nós, os crentes. Nunca poderemos ser uma pessoa segundo o coração de Deus enquanto tivermos algum sentimento negativo para com outros membros do Corpo de Cristo. Se essas pessoas são

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regeneradas, se são remidas através da morte de Cristo na cruz, então são participantes do Corpo de Cristo. AMAR TODO O CORPO Há muitas pessoas que têm um amor cristão igual ao dos fariseus. Amam apenas aqueles que as amam, e não demonstram a menor tolerância para com os que são diferentes delas. São muito poucos os crentes que amam todo o Corpo de Cristo. E esses poucos que amam logo atingem posições de proeminência na liderança do povo de Deus. Tenho percebido isso em minhas viagens — já passei por cerca de sessenta países do mundo. São pouquíssimos os crentes que aceitam de coração uma outra pessoa meramente pelo fato de ela ser um irmão em Cristo. Normalmente, assim que começam a conversar põem-se a especificar crenças e práticas — calvinista ou arminiano, pentecostal ou anti-pentecostal, e assim por diante. A Bíblia diz, com muita clareza, em Atos 20.28, que a igreja — o Corpo de nosso Senhor Jesus Cristo — foi comprada com o sangue de Cristo. Olhe aqui, se Jesus Cristo me resgatou com seu precioso sangue, e se alguém não gosta muito de mim, terá que enfrentar a Jesus. Se Jesus deu seu sangue para me salvar, isso significa que eu custei alguma coisa para ele. E o Senhor me ama e me amará sempre, mesmo que eu cometa alguns erros... E eu os cometo. E ele redimiu também aquele outro ali, mesmo que ele tenha feito algo digno de censura, mesmo que ele seja uma pessoa de difícil convivência. Se for um remido, eu o amarei porque ele é remido. Você deseja ser um homem de Deus? Se deseja, então deve amar todo o Corpo de Cristo. Isso não quer dizer que você precisa concordar com tudo que vê, ou que aprova tudo que os outros estão fazendo por aí. Não se trata de um sentimento hipócrita, do tipo "amor pela humanidade"; não. Também não é uma experiência emocional absolutamente. Esse amor pelo Corpo de Cristo existe quando permitimos que

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o Espírito Santo nos controle totalmente, de modo que o amor de Cristo se manifeste em nós. Você estaria disposto a permitir que ele operasse dessa forma em sua vida? Conheço muitas pessoas que estão na iminência de atingir posições de liderança no mundo evangélico, como grandes servos de Deus, exercendo uma influência bem ampla. Alguns são amigos meus. Mas não querem fazer concessões em certas coisas. Preferem continuar sendo anti-isso ou anti-aquilo. E Deus não pode derramar suas bênçãos — e não as derramará — sobre uma pessoa que não ama com sinceridade a todos aqueles que são remidos pelo sangue da cruz. Pense nisso e convença-se dessa verdade antes de resolver acomodar-se no conforto e segurança de seu cantinho denominacional. As questões em jogo aqui são muito mais importantes do que às vezes imaginamos. DEUS EM PRIMEIRO LUGAR É muito comum observar-se que, uma pessoa que na juventude demonstrava uma grande devoção a Deus, com o passar dos anos e com o sucesso na vida, deixa essa devoção turvar-se e obscurecer-se. Um jovem que era um candidato ideal a esse tipo de experiência era Davi. Afinal, uma coisa é buscar a Deus quando se é um adolescente, e se passa os dias sozinho em lugares desérticos, com um bando de ovelhas. É fácil compreender que um jovem sensível, que escuta com certo temor o ribombar do trovão, e passa as noites acordado, olhando os astros, demonstre fervor religioso. Mas o que acontece depois que aquela exuberância própria da juventude começa a declinar? O que acontece quando um jovem se coloca à luz dos holofotes da vida pública, e conhece o peso das responsabilidades de uma família e do mais alto posto de um governo? O que acontece quando o moço pobre, de repente, se torna rico, e o adolescente solitário ganha honras de herói nacional? Como fica aquele seu fervor por Deus? No que diz respeito a Davi, não mudou nada. O rapazinho segundo o coração de Deus tornou-se um homem

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segundo o coração de Deus. O jovem fervoroso tornou-se um rei fervoroso. Quando Davi ainda era pastor de ovelhas e ficava pelas colinas, ele sempre colocava Deus em todos os aspectos de sua vida, de seus pensamentos, de suas músicas, de sua alegria, de seus sonhos. Deus estava no centro de sua vida. Então, assim que se tornou rei de Israel, era natural que Deus ocupasse também o primeiro lugar no centro da vida da nação. Uma das maneiras como demonstrou isso foi trazendo a arca da aliança para a capital. Todos sabemos que a arca da aliança fora confeccionada por Israel quando o povo estava vagueando pelo deserto sob a liderança de Moisés, com o objetivo de ser o centro da adoração, no tabernáculo. Ela era uma figura da presença de Deus no meio deles. E, na verdade, Deus dissera que iria comunicar-se com os filhos de Israel através do propiciatório que ficava na face superior da arca, entre as asas de dois querubins. E a arca ficava sempre num aposento separado, chamado o Santo dos santos, no qual o sumo sacerdote entrava apenas uma vez por ano. E era dessa forma que Deus visitava seu povo. O povo entrou em Israel levando a arca, mas pouco depois já não prestavam muita atenção a ela. Mais tarde, durante o período em que o país foi governado por juízes, eles praticamente esqueceram a presença de Deus. A arca estava ali, em algum canto. Mas ninguém pensava muito nela, a não ser quando surgia um juiz mais consciente, que resolvia arrumar um pouco as coisas. Contudo, na maior parte do tempo, a arca passava despercebida, e Deus não ocupava o primeiro lugar na vida da nação. Quando Davi subiu ao trono, a nação de Israel estava tão abalada e castigada por guerras, problemas e divisões, que a presença de Deus não passava de uma lembrança remota. Sem Deus no centro dela, Israel perdeu sua estabilidade, unidade e propósito como nação. Jogada de um lado para outro pelas ondas do poder e opiniões humanas, a embarcação de Israel

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estava constantemente sendo atingida por disputas, brigas e franca hostilidade entre as pessoas do país. E isso não acontece também entre nós, quando um grupo de crentes esquece qual é seu verdadeiro objetivo? Ocorre um problema na igreja, e as pessoas logo se põem a mexericar, ou conversam e discutem sobre o caso. Às vezes ficam reunidos até meia-noite, ou passam a noite inteira orando. Mas na verdade a mente delas volta-se muito pouco para Deus — já tomaram suas próprias decisões. Isso aconteceu na igreja de uns parentes meus. Ao ouvilos conversar sobre o problema, pensei comigo mesmo: "Graças, Senhor, porque me retiraste desse tipo de situação." A igreja deles estava discutindo sobre ninharias. Estavam obcecados com a observância de certas regras. Estavam querendo excluir um jovem pastor porque fora assistir a um filme ("Os Dez Mandamentos"). Ninguém conversava sobre a ressurreição de Cristo, nem sobre os maravilhosos feitos de Deus em nossos dias, nem sobre o poder do Espírito Santo, nem ganhar almas para Cristo. Como um bando de inquisidores autocráticos, aquelas pessoas circulavam pelo bairro montadas em seus cavalos brancos, procurando argueiros nos olhos dos irmãos. Que bobagem! Seus olhos estavam tão atentos a todos os aspectos negativos, que não conseguiam enxergar a grande força positiva que se encontrava no meio delas. Como sucedera aos israelitas, na época dos juízes, sua visão saíra de foco, e não estavam vendo mais o principal propósito de sua existência. Lembro-me de uma reunião a que assisti pouco tempo antes de eu e minha esposa partirmos para a Colômbia, onde iríamos trabalhar como missionários. Foi uma coisa triste! Um homem se levantou e disse: — O pastor tem que ser mandado embora por causa disso e disso. Em seguida levantou-se uma mulher que disse:

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— Isso mesmo, irmão. Amém! Depois, a filha do pastor levantou-se chorando e falou: — Por que está tratando meu pai dessa maneira, ele que é um homem tão bom! E a coisa continuou pela noite adentro. Brigas, irritações, palavras duras. E pensei: "Senhor, a Igreja do Deus vivo é isso aí? Olhe só essa gente!" Muitas vezes esquecemos que, se surgem brigas, é porque Deus não está ocupando o lugar de direito em nosso meio. Quando o culto a Deus passa a ocupar uma posição secundária, as discussões passam para o primeiro lugar. Isso sempre acontece. E Davi enxergou isso em Israel. E quando o jovem rei conseguiu trazer a negligenciada arca para um lugar de importância na Cidade de Davi, quase não podia conter-se de alegria. "Davi e toda a casa de Israel alegravam-se perante o Senhor, com toda sorte de instrumentos de pau de faia, com harpas, com saltérios, com tamboris, com pandeiros e com címbalos. Davi dançava com todas as suas forças diante do Senhor; c estava cingido duma estola sacerdotal de Unho. Assim Davi, com todo o Israel, fez subir a arca do Senhor, com júbilo, e ao som de trombetas." (2 Sm 6.5,14,15.) Que festa! Estou certo de que ninguém dormiu nesse culto! Nenhum homem pensou no jogo de futebol que estava sendo transmitido pela televisão e que ele estava perdendo. Nenhuma mulher pensou na carne que deixara assando em casa. E Davi? Ah, ele esqueceu toda a sua pompa e protocolo real. Não se preocupou nem um pouco com sua imagem pública. A arca do Deus vivo estava chegando à cidade. E ele dançou "com todas as suas forças". Ele empregou todas as suas energias físicas e emocionais, nessa festa de boas-vindas à arca que voltava ao seu lugar, ao centro da nação. E trazer de volta a arca foi o primeiro passo que Davi deu para realizar o sonho de sua vida: construir um templo para Deus.

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Deus está procurando pessoas que tenham esse tipo de sonho, que desejem a glória de Deus acima de tudo. Ele quer usar pessoas como Davi, que coloquem Deus no centro de sua vida e de seus objetivos. Foi por isso que Deus, referindo-se a Davi, disse: "Eis aí um homem segundo o meu coração. Ele tropeça; e vez por outra erra, mas estou vendo o grande anseio de sua alma. Ele quer me dar o primeiro lugar em sua vida — quer que eu esteja no centro de tudo." Com sinceridade, você poderia afirmar isso a seu respeito, a respeito do seu coração? É muito fácil levantar-se num culto e dizer: — Sim! Jesus é Senhor! Amém! Mas será que bem lá no fundo, bem no seu interior, Jesus é mesmo o Senhor? Ele ocupa o centro de sua vida, de seus planos, de sua família, de suas esperanças e sonhos? Sua visão está focalizada nele? Sinceramente, você tem a certeza absoluta e a confiança de que, não importa o que lhe aconteça, o Senhor Jesus habita em seu coração pela fé? Veja como Paulo expressou isso. "Estou crucificado com Cristo; logo. já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim." (Gl 2.20.) Davi também possuía essa certeza de que o Senhor ocupava o primeiro lugar em sua vida. E Deus derramou suas bênçãos sobre ele. Você quer que Deus abençoe sua vida, sua família? Então tire alguns momentos para fazer um inventário de sua condição espiritual. O que está dominando seus sonhos e ocupando o foco de sua visão? Seu ser interior está todo ocupado por desejos egoístas e objetivos materialistas? Recoloque Deus no lugar que lhe pertence. Coloque-o no centro de sua vida. Ele sabe como ninguém arrumar uma casa que está em desordem.

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BUSCANDO A VONTADE DE DEUS Uma terceira qualidade do reinado de Davi no trono de Israel, como o rei escolhido por Deus, foi que ele constantemente buscava saber a vontade de Deus nas decisões militares. Lemos em 1 Samuel 23 como ele foi atacado por dois exércitos inimigos ao mesmo tempo, um de cada lado. De um lado, ele estava se preparando para livrar a cidade de Queila do ataque de um bando de filisteus. De outro lado, estava sendo caçado por Saul e outros israelitas. E nas duas situações ele procurou, antes de tudo, saber a vontade de Deus. Em outras palavras, ele poderia ter tomado a seguinte atitude: — Vamos lá, rapazes. Temos outra empreitada. Vamos a ela. Deus quer que destruamos estes hereges. Então vamos pegá-los. Mas não tomou. O que ele disse foi: — Vamos ver o que o Senhor vai nos dizer a respeito disso. "Consultou Davi ao Senhor, dizendo: Irei eu, e ferirei a estes filisteus? Respondeu o Senhor a Davi: Vai, e ferirás os filisteus, e livrarás a Queila.” (l Sm 23.2.) Mas quando Davi disse isso para os seus soldados, eles ficaram meio desinquietos. Não tinham muita certeza se deviam arriscar-se a atacar Queila. — Estamos correndo desesperadamente, fugindo do exército de Israel, e você ainda vem falar sobre atacar os filisteus... Essa reação abalou um pouco a confiança de Davi e ele voltou a consultar o Senhor: — Senhor, meus amigos estão dizendo que não devemos ir. O que o Senhor responde? Está bem; nós iremos. É maravilhoso ficar ouvindo a conversa dele com Deus. Embora ele já tivesse participado de tantas batalhas, tivesse derrotado Golias, os filisteus e muitos outros inimigos, todas as

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vezes que se via diante de uma nova luta, não ficava confiado nessas vitórias do passado. Voltava a consultar o Senhor, pedindo novas orientações. No meu trabalho de evangelismo, gosto muito de relembrar como Davi sempre buscava o Senhor para se orientar com relação às novas batalhas. Muitas vezes, em meio às nossas campanhas em países do exterior, somos obrigados a tomar decisões difíceis. E há momentos em que, levados pela empolgação de se ver a possibilidade de um determinado curso de ação, somos tentados a dizer: — Ah, nesse caso aqui não precisamos consultar o Senhor. A medida a ser tomada está tão óbvia. Mas depois fracassamos escandalosamente, e aí nos perguntamos: — O que será que aconteceu? E a resposta é óbvia: em vez de consultar o Senhor, fizemos o que era "óbvio", mas que não era necessariamente a vontade de Deus para aquele momento. Se Davi tivesse aplicado esse mesmo princípio na condução de seu lar, como teria sido diferente a história de sua família. Ele buscou a Deus antes de tomar suas decisões militares, mas não fez o mesmo quando se tratava da questão do casamento. Ele simplesmente não orou sobre seu relacionamento com as mulheres. E isso prejudicou seriamente a eficiência de seu serviço para Deus. Mas isso não acontece apenas com Davi; acontece a muita gente. As pessoas oram com relação a empregos, igreja, parentes não-convertidos, lição da escola dominical, etc. Mas quando se trata de escolher uma namorada (ou namorado), pensam: "Ah, nisso aqui a decisão é minha. Não preciso envolver Deus nessa questão." E se recusam ou se esquecem de consultar o Senhor sobre esse aspecto de sua vida. Em Provérbios, lemos o seguinte:

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"Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida." (Pv 4.23.) Muitos pais crentes deixam de orar seriamente por essa área da vida de seus filhos. Eles já sabem direitinho o que querem para o filho ou para a filha. Para a filha, eles querem aquele médico simpático, com um carro último modelo, uma casa com piscina e tudo o mais. Aí então fica difícil orar sobre o assunto. Então se limitam a dizer: — Vamos orar ao Senhor... Mas case. E os jovens se casam logo, mas dez meses depois, ou talvez dez anos depois, eles estão procurando aconselhamento. Pode ser também que ela não se tenha casado com aquele médico, mas com outra pessoa, sem ter orado a respeito dele — e depois descobre que ele é um alcoólatra, um adúltero, ou qualquer coisa assim. Precisamos aprender a tirar lições da vida de Davi — tanto de seus triunfos como de seus erros. Foi por isso que essas coisas ficaram registradas na Bíblia: para que tiremos proveito de sua dedicação a Deus, e também aprendamos a evitar as tragédias que ele sofreu e que quase arruinaram sua vida. UM CORAÇÃO DE SERVO Do ponto de vista humano, se uma pessoa quiser atingir uma posição de liderança no mundo tem que possuir certos atributos tais como boa aparência, muito carisma, ser um bom relações-públicas e dar entrevistas pela televisão. Mas que ninguém tente usar essas mesmas armas para se posicionar bem no reino de Deus. Elas não funcionam. O Espírito Santo não permite isso. O que Deus procura no líder que ele elege é um coração de servo. E quem possui um coração de servo pode ser grandemente usado por Deus. Em Davi, as evidências de que ele possuía esse coração já se manifestavam na adolescência. Quando jovem, ele ajudava o pai vigiando as ovelhas no campo, enquanto os outros filhos de Jessé tentavam fazer carreira no exército. Eliabe, Abinadabe,

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Samá e todos os outros vinham para casa nas folgas, envergando pomposamente suas vistosas fardas, mas Davi — bom, já se sabe — estava fora, cuidando do rebanho. Mas o fato é que, enquanto os filhos mais velhos de Jessé estavam fazendo treinamento de manobras militares no exército de Saul, Davi estava sozinho, pelos campos, recebendo instruções do Deus de Israel. Não é maravilhoso como Deus passa por cima dos regulamentos (das leis dos homens) para realizar sua vontade perfeita? Isso é que é belo nessa vida de discípulo de Cristo. Deus nunca se preocupa muito em fazer as coisas da maneira esperada, passando pelos "canais competentes". Ele cria seus próprios canais; estabelece seus próprios métodos. Parece que às vezes temos vontade de chegar-nos a Deus com nosso manual de instruções, e dizer para ele: — Ei, olhe aqui; é deste jeito que se faz isso. O regulamento é este aqui. Olha aqui o sujeito certo para esta função! Mas Deus mesmo é quem escolhe os líderes que deseja. Ele não se importa nem um pouco se o homem é pastor de ovelhas, lavrador, pescador ou coletor de impostos. O que ele procura é um coração receptivo. Pergunte a Raabe, a prostituta, se não é assim. Ele não está nem um pouco impressionado com o título profissional do indivíduo, nem com sua conta no banco, nem com sua posição na comunidade. Ele está procurando um coração de servo. E naquele dia, quando espiava as colinas de Israel, seu olhar passou de relance por Eliabe, o filho mais velho, com sua farda vistosa, e parou no jovem pastor. — Aqui está um homem segundo meu coração, disse ele. Esse rapazinho será o rei de todos eles. E Davi poderia ter replicado: — Mas, Senhor, pastoreando ovelhas? Andando com elas pelos pastos desertos? Como é que vou chegar a ser rei?

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Mas foi exatamente ali, naqueles pastos, que Deus lhe deu a orientação necessária para se tornar rei. E os presunçosos irmãos dele, que estavam tentando a todo custo subir de posto, e que "pisavam" em Davi, nunca chegaram a ser nada na vida. No dia em que Davi apareceu no campo da batalha, eles disseram: — O que está fazendo aqui, garoto? Está querendo exibir-se? Vá embora! Vá cuidar de suas ovelhas! Contudo, depois que Davi derrotou Golias, alguém ouviu falar o nome deles? Chega a ser difícil lembrá-los. Quando o pai de Davi lhe pedira para ir levar mantimento para seus irmãos no campo de batalha, ele poderia ter dito: — Mas por que eu tenho que levar comida para eles? Estão sempre me depreciando. Não gosto deles. Mande um dos servos. Mas não disse isso. Ele falou: — Está bem, pai; eu irei. E foi justamente por ter obedecido e ter ido levar aquele mantimento para eles que lhe aconteceu o quê? Teve seu confronto com Golias. Se ele não tivesse obedecido a seu pai, e não tivesse feito o que ele mandara, não teria ido ao local da batalha exatamente na hora certa, no momento perfeito, determinado por Deus. E não teria derrotado Golias, e, do ponto-de-vista humano, poderia ter continuado a ser um simples pastor de ovelhas pelo resto da vida. Mas como obedeceu em tudo, já que na juventude possuía um coração de servo, todas as coisas se encaixaram nos seus devidos lugares. Deus fez com que se encaixassem. Observemos também que, quando Saul chamou Davi para que se tornasse seu auxiliar, ele demonstrou uma atitude humilde, de servo. A essa altura, Davi já sabia que seria rei depois de Saul. Já fora ungido por Samuel. E quando foram lhe

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pedir que tocasse a lira para que Saul acalmasse os nervos, acedeu prontamente, sem resmungar. Ele poderia ter dito: — Ei, eu sou o sujeito que calou a boca daquele falador do Golias! As mulheres estão cantando canções a meu respeito. Por que tenho de ficar aqui sentado, tocando lira para esse rei velho e nervoso? Mas não disse. Pelo contrário, disse o seguinte: — Está bem; se tenho de tocar para este rei que está querendo matar-me, tocarei. FIEL NO POUCO A Bíblia diz que a pessoa que é fiel no pouco, também será fiel no muito. Vamos raciocinar. Para Davi, cuidar das ovelhas de seu pai era pouco, não era? Mas o fato é que Deus estava observando-o. Também era "pouco" levar alimento para seus irmãos na frente de batalha. Mas Deus estava preparando uma grande oportunidade para ele, nessa ocasião. O que é o "pouco" e o que é o "muito"? Será que existe mesmo esse "pouco", existem pequenas responsabilidades ou pequenas tarefas na obra de Cristo? Lembremos que Deus não mede as coisas pelo mesmo padrão com que medimos. Calculamos a medida do sucesso de uma pessoa pela divulgação que ela recebe, pela aclamação popular, pelo seu reconhecimento público. Mas Deus olha a fidelidade dela. Qual foi o "pouco" que Deus lhe deu para realizar? Quais as pequenas responsabilidades de que ele o encarregou? Você se sente esquecido, ignorado, abandonado? Consagre seu serviço a Deus. Peça-lhe que o ajude a realizá-lo com a força dele, pela perspectiva dele, refletindo a alegria dele. Existem muitas pessoas famosas no mundo hoje, recebendo muita atenção e aclamação geral. Deus não olha para elas, mas procura pessoas insignificantes, que estão realizando tarefas simples, mas com grande fidelidade a Deus e com o coração totalmente dedicado a ele. Será que os olhos dele estão voltados para você?

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UM CORAÇÃO DE PASTOR Por fim, encontramos uma quinta virtude no reinado de Davi, como rei eleito por Deus. O filho de Jessé tinha, para com seu povo, um coração terno, um coração de pastor. Ele pode ter sido um soldado rude, que corria pelas montanhas de Judá como um cabrito montês. Pode ter sido um político que sabia manobrar o sistema, e que, quando a situação exigia, sabia ser duro e frio. Mas em seu coração ele amava o povo de Israel. Ele possuía uma ternura que chega a nos surpreender. Chegava a chamar o povo de ovelhas. Isso começara quando ele ainda era bem jovem, no dia em que se defrontara com o gigante Golias. Ele saiu para enfrentá-lo dizendo: — Este filisteu está insultando os exércitos de Deus. Está sendo uma vergonha para todo o Israel. Vou enfrentá-lo em nome do Senhor. Ele amava o povo de Israel mesmo quando eles se mostravam ímpios, rebeldes e ingratos. Aliás, muitas das pessoas pelas quais ele arriscou a vida na guerra não o queriam como rei. Nos primeiros sete anos e meio após a morte de Saul só foi reconhecido como rei pelas tribos de Judá e Benjamim. Alguns diziam: — Quem é Davi? Quem é esse filho de Jessé? E, no entanto, ele não deixou de amar a nação. Afinal, quando as outras tribos o reconheceram como governante, ele poderia ter dito: — Ei, onde é que vocês estavam nesses últimos sete anos? Podem ir plantar batatas! Mas não. Davi não faria uma coisa dessas. Com muita humildade, o que ele disse foi: — Está bem. Reinarei sobre vocês também, se o quiserem.

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E é nos atos de seu governo que vemos seu profundo amor para com seu povo. Em 1 Crônicas 21, temos, por exemplo, o relato do episódio em que Satanás tentou Davi para que se orgulhasse do número dos habitantes do país. Fazer o censo ou a contagem do povo em si não é errado. Aliás, houve uma ocasião em que Deus ordenou a Davi que levantasse o censo, como já tinha ordenado a Moisés que fizesse a contagem do povo de Israel anteriormente. Mas na ocasião mencionada o que atrapalhou foi a razão pela qual Davi queria contar o povo. Foi uma questão de orgulho. Tenho a impressão de que não foi apenas Davi que ficou empolgado com a alta contagem, mas o povo também ficou. Ao que parece eles pensavam: "Veja só quanta gente! Agora somos uma grande nação. Podemos defender nossas fronteiras do ataque inimigo. Podemos andar de cabeça erguida no cenário mundial. Temos grande força. Contamos com muitos soldados para lutar contra nossos inimigos. Temos Davi como nosso general, e Abner como assessor dele. Podemos vencer sozinhos." Mas Deus não se agradou disso. E nem bem chegavam os resultados provenientes dos últimos povoados, e já Deus derramava sua ira sobre Davi e sobre o povo. Ele mandou uma peste que matou setenta mil pessoas. Elas caíam mortas de um lado e de outro. "Levantando Davi os olhos, viu o anjo do Senhor, que estava entre a terra e o céu, com a espada desembainhada na mão estendida contra Jerusalém; então Davi e os anciãos, cobertos de panos de saco, se prostraram com o rosto em terra. Disse Davi a Deus: Não sou eu o que disse que se contasse o povo? Eu é que pequei, eu é que fiz muito mal; porém estas ovelhas que fizeram? Ah, Senhor, meu Deus, seja, pois, a tua mão contra mim, e contra a casa de meu pai, e não para castigo do teu povo." (1 Cr 21.16,17.) Esse episódio é muito comovente. Observe que Davi não tinha medo de sangue. Ele já matara muitas pessoas, ou em guerras ou em incursões pelas cidades inimigas. Mas aqui ele se

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achava diante do fato de que ele pecara contra Deus. E por causa de seu pecado, Deus enviara uma peste ao país. Então ele orou nos seguintes termos: "O Senhor, eu sou o culpado. Castiga-me; pune-me. Mas deixa em paz essas ovelhas. Sou o único que merece ser punido." Notemos que ele não põe a culpa nos outros; ele não disse: — Eles também merecem castigo. Também são pecadores. Que Deus os castigue à sua maneira. Não; ele fez uma oração em favor do povo; suplicou de todo o coração. Ele os amava como um pastor. E Deus atendeu sua oração e deteve a peste. É interessante fazer uma comparação entre Davi e seu filho Salomão. Sob o ponto-de-vista humano, Salomão foi o maior rei de Israel. Com sua incomparável sabedoria e sua grande capacidade administrativa, ele teve um excelente governo e tudo funcionava com perfeição, como um relógio de precisão. Além disso, ele alcançou uma riqueza, um poder e prestígio internacional que o pai dele nunca sonhou ter. Ambos foram figuras importantíssimas na história dessa nação que se chama Israel. Mas só um deles foi um homem segundo o coração de Deus, e não foi Salomão. Abra a Bíblia e faça uma listagem das virtudes de caráter de Davi. Responda à seguinte pergunta: o que havia em Davi que o tornava um homem segundo o coração de Deus? Mas não pare aí. Não foi só por causa do registro histórico que Deus deixou essas coisas na Bíblia para as lermos. Nesses séculos todos, ele tem procurado pessoas que estejam dispostas a deixar a mediocridade e passar a segui-lo de todo o coração. E ainda as está procurando.

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5. "NEM TODOS OS CAVALOS DO REI, NEM TODOS OS SOLDADOS DO REI” Lembra-se de como foi o declínio e queda de Saul? Não foi uma queda catastrófica — uma inundação súbita. Não foi como se certo dia, ao tomar o café da manhã, ele tivesse de repente resolvido rejeitar a Deus e rebelar-se contra seus profetas. A destruição de Saul, ocasionada pelo seu pecado, não foi uma enchente repentina — ela foi destruindo-o aos poucos, como numa erosão. Não foi semelhante à destruição de uma casa pelo fogo; foi mais como uma ação de cupins. Saul mantinha uma aparência exterior majestosa, mas por dentro estava sendo carcomido. Um pecado chamava outro pecado; uma mentira, outra mentira; um ciúme, outro ciúme; uma desobediência, outro ato de desobediência. E afinal não restava muita coisa para ser destruída pelos filisteus. Mas então a queda de Davi deve ter sido diferente, dirá alguém. A de Saul foi como uma ferrugem que o corroeu lentamente; mas a de Davi deve ter sido um desabamento instantâneo. Como uma estrela cadente. Afinal não era ele um homem segundo o coração de Deus? Ele deve ter tirado os olhos da estrada por um instante, e daí — bum! — pouco depois caía na valeta. Mas não foi assim que aconteceu. Ninguém cai de repente. Nem mesmo Davi. Lembremos uma coisa: o grande pecado de Davi não foi resultado de um único e impulsivo momento de paixão impetuosa; não. Como no caso de Saul, a queda de Davi foi provocada por um pecado não refreado, que afinal o dominou e embaçou sua visão num instante crucial. Certa vez alguém me disse:

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— Ninguém se torna esquerdista ou marxista da noite para o dia. A pessoa vai passando da direita para a esquerda num processo gradual, e um belo dia acorda e percebe que é marxista. Assim também ninguém fica gordo da noite para o dia. É uma pizza hoje, outra amanhã; um sorvete hoje, outro amanhã. E a gente nem nota nada, até que um dia o filho chega perto, coloca o dedinho em nossa barriga e diz: — Ih, pai, o senhor está tão gordão! A imoralidade começa com pequeninas coisas que são semeadas em nós, ainda na juventude. São coisas pequenas, pequenas atitudes, pequenos hábitos. Pode ser uma excessiva intimidade num namoro, ou leitura pornográfica que cai em nossas mãos, ou um fascínio por contos e romances eróticos. São pequenas coisas. Se não crucificarmos essas coisas, se não as submetermos a Deus, se não encararmos essas coisas como pecado, elas podem destruir-nos. E um dia, num momento de crise, numa encruzilhada irreversível, elas podem embaçar nossa visão, prejudicando nosso senso moral. No dia 5 de junho de 1976 a imensa estrutura da barragem Teton, em Idaho, cedeu, e todo mundo ficou estupefato. Foi um acontecimento inesperado; o céu estava claro, e de repente a grande barragem se rompeu, e milhões de litros de água desceram pela bacia do rio Snake. Uma catástrofe súbita? Um desastre instantâneo? Era o que parecia, pela aparência da coisa. Mas a verdade é que na base da barragem, sob a montanha de água, havia um problema que os engenheiros não detectaram e que aos poucos foi enfraquecendo a estrutura. No início era uma coisa muito pequena; apenas um ponto fraco, uma pequenina erosão. Ninguém a viu, e o problema não foi corrigido. Quando afinal o defeito foi descoberto, já era tarde. Os operários que trabalhavam na barragem mal tiveram tempo de fugir para se salvar. Ninguém vira a pequena falha; mas todos presenciaram o grande rompimento da barragem.

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O relato da queda moral de Davi está registrado em 2 Samuel 11.1-12.15. Está todo aí, com todos os detalhes. E quando vemos tudo que esse "homem segundo o coração de Deus" fez, como ele estuprou a mulher de outro homem, tentou encobrir seu erro e depois assassinou o marido dela, quedamo-nos boquiabertos e sem palavras. E pensamos: "Como pode ter acontecido uma coisa dessas? O doce cantor de Israel? É incrível!" E hoje vemos a mesma reação nas igrejas quando se sabe de um escandaloso caso de imoralidade sexual no meio de uma congregação, e todos são colhidos de surpresa. "Ah, que coisa! Uma mulher tão bonita! Não usava maquiagem, não bebia, estava sempre copiando os sermões do pastor, ouvia fitas religiosas no toca-fitas do carro. E agora ela fugiu com o Fulano Eu até assisti o batismo do Fulano. Como ele pôde fazer uma coisa dessas? Como eles puderam fazer isso?" E alguns dizem: "Foi um deslize!" Ora, convenhamos. Deslize coisa nenhuma! Foi tudo planejado, uma queda estrondosa que camuflou a pequenina fenda que havia na barragem. Os jogadores de futebol gostam muito de fazer uma determinada falta, quando o juiz não está olhando. Despercebidamente, eles colocam o pé na frente do adversário que está correndo pelo campo. É um gesto muito rápido, bem feito, difícil de ser detectado, e quem vê tem a impressão de que o outro simplesmente tropeçou sozinho. Quando se diz que uma pessoa teve um tropeço moral tem-se a impressão de que aquele jovem inocente estava apenas passeando tranqüilo, e de repente Satanás estica o pé na frente dele e pronto, bum! Ele ou ela caiu... e o que se pode dizer? Todos já ouvimos as explicações que alguns dão: — Ah, querido, me perdoa! Foi um caso sem importância. Nunca mais me vou encontrar com aquele homem!

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— Irmãos diáconos, foi apenas uma pequena queda. Vocês sabem como essas coisas acontecem... Eu não tinha a intenção. Deixem-me voltar a participar da ceia do Senhor, e tudo vai ficar bem. Terminei tudo com aquele homem... Eu apenas... Tropecei. Nada disso. Ninguém cai em pecado sexual por acaso. Ninguém comete um pecado de prostituição, adultério ou homossexualismo de repente, como se tivesse sido atingido por um vento forte. A coisa vai crescendo lentamente dentro de nós. A queda é simplesmente o resultado final de um acúmulo de tentações e paixões que vão ficando em nosso coração, e não são levadas à cruz. Portanto, quando soubermos que alguém caiu não devemos sentir pena dele. Podemos chorar, é claro, mas não sentir aquela pena sentimentalóide, cujo impulso é encobrir tudo. A pessoa terá que trazer seu pecado à cruz; terá que quebrantar-se diante de Deus e confessar tudo. Tem de reconhecer que, aos olhos de Deus, seu pecado é um ato odioso. Se não formos rígidos em relação ao pecado, as pessoas não se quebrantarão, mas tentarão camuflá-lo. Já houve pessoas que me procuraram para me dizer o seguinte: — Vá com calma, Luis. Abrande um pouco as coisas. Alguns desses indivíduos já sofreram muito. Assim você fere o sentimento deles. Mas permitir que o pecado seja encoberto não significa ajudar o outro absolutamente; pelo contrário, implica em prejuízo para ele, um grande prejuízo. O pecado de imoralidade é um mau canceroso, que mata. Enquanto não levarmos a pessoa a enxergar que precisa quebrantar-se diante de Deus, não a estamos ajudando em nada. Só depois que ela confessa seu pecado diante de Deus e é purificada, poderá receber a restauração total. Antes disso, não. EU ENTREGO TUDO... MENOS...

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Mas como foi que isso aconteceu com Davi? Como é que o rei escolhido pelo próprio Deus pôde sofrer uma queda tão trágica? Tudo começou muitos anos antes, quando Davi era jovem. Examinando essa vida notável, percebemos que o filho de Jessé era um homem de oração. Ele orava a respeito de quase tudo. Orava antes de uma batalha, e depois dela. Orava a respeito de seus inimigos e seus amigos. Orava pedindo orientação de Deus, orava fazendo sua dedicação a Deus; orava pedindo saúde e felicidade; orava quando estava no alto, e quando estava no baixo; orava em cavernas e em palácios. Ele apresentava tudo diante de Deus. Com uma exceção — não encontramos nada na Bíblia que nos mostre que ele orava por sua vida afetiva. Nem uma vez. Embora tivesse tido oito esposas e diversas concubinas, não encontramos nenhum registro bíblico que comprove que ele conversasse com Deus a respeito do casamento, buscando a orientação dele. Foi uma área de sua vida que ele nunca entregou a Deus, e quase acabou com ele. Nós, seres humanos, somos constituídos de três partes: corpo, alma e espírito. O espírito nos coloca em contato com o nosso Deus. A alma é a nossa personalidade, constituída de intelecto, emoções e vontade. Davi possuía um belíssimo espírito. Quando lemos o livro de Salmos, temos até vontade de dizer: — Mas que homem extraordinário era Davi! Como eu gostaria de ser irmão dele. Gostaria de ter carregado a espada para ele. Eu faria qualquer coisa por ele. A alma de Davi também é uma das mais belas do Velho Testamento. Seu intelecto era excepcional — que mente incrível, criativa! Quanto às suas emoções, bem, às vezes ele era um pouco extravagante, mas expressava suas emoções vividamente, nos dois extremos do sentimento. E assim, talvez possamos dizer que ele mantinha certo equilíbrio. E a vontade? Aquilo que ele resolvia fazer, fazia mesmo. Veja o exemplo de Golias. Mas o corpo. Aí a história era outra. Quando se tratava de lutar contra as paixões carnais, Davi se tornava extremamente

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negligente. E pagou muito caro por isso. No espírito, ele ganhava difíceis batalhas. Na alma, era irresistível — todos o amavam ou então o respeitavam profundamente. Mas era tão indisciplinado com relação a seu corpo que isso arrasou a vida dele, e destruiu seus sonhos. É por isso que todos nós precisamos estar atentos a essas áreas de nossa vida. Precisamos cuidar bem de nosso espírito: decorar textos bíblicos, assistir a cultos, louvar a Deus, participar de estudos bíblicos, e se possível estudar num instituto bíblico. Precisamos fazer tudo isso. Precisamos cuidar de nossa alma também: manter o intelecto límpido, aprendermos o mais que pudermos; ler, escrever; cultivar o cérebro para que seja o melhor do mundo; manter as emoções em equilíbrio e colocar nossa vontade sob o controle do Espírito Santo. Mas precisamos ter controle sobre nosso corpo. Foi aí que Davi falhou. Ele deixava o corpo entregue às paixões carnais. E quando se viu tentado no caso de Bate-Seba, caiu imediatamente, sem um momento de hesitação. Não houve uma voz interior que o compelisse a resistir; não houve nenhuma objeção interior. Seu corpo indisciplinado gritou mais alto que sua alma e seu espírito. E Davi deu ouvido a ele. E caiu. ESPERAR A DECISÃO DE DEUS Como é importante colocarmos essa área de nossa vida sob o controle e orientação do Espírito Santo de Deus. Não existe nada mais trágico e triste do que ver um crente com seu relacionamento conjugal mergulhado em amargura, tristeza e arrependimento. Eu vivo aconselhando, desesperado, os jovens crentes a não agirem insensatamente com relação ao casamento e ao sexo. Se houve uma geração que precisasse consultar nosso amoroso e sábio Deus com relação a qualquer área de

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sua vida, é esta geração, e é esta a área. Mas muitas vezes eles não consultam. Os jovens precisam estar constantemente de joelhos diante de Deus, perguntando-lhe se devem casar-se, quando devem casar-se, e com quem devem casar-se. Precisam orar fervorosamente e pedir que Deus lhe mostre quais as características que deve ter um bom cônjuge. O que torna uma jovem uma boa esposa não são seus belos olhos, nem um corpo bonito, cheio de curvas; nem são seus lindos cílios, sempre piscando (mais tarde, eles caem). Lembremos que, por mais que cuidemos do corpo, fazendo nosso Cooper, tomando iogurte, ele irá entrar em declínio, envelhecer e enrugar-se. O homem olha para a aparência, mas o Senhor olha o coração. Não quero dizer que uma moça ou um jovem bonitos não possam ter um coração belo também; não. Mas quero insistir em que devemos agir com muita cautela. Sempre que negligenciarmos um ensinamento das Escrituras a respeito de alguma área de nossa vida, mais cedo ou mais tarde isso nos derrotará. Todos nós sabemos, por exemplo, que a Bíblia ensina que não podemos nos casar com incrédulos. "Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto, que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? ou que comunhão da luz com as trevas? Que harmonia entre Cristo e o Maligno? ou que união do crente com o incrédulo?" (2 Co 6.14,15.) Certa vez, numa série de conferências, pus-me a conversar com uma jovem, cujos pais tinham estudado numa escola bíblica. Pelo que conversamos, pude perceber que eles estavam-se descuidando desse princípio bíblico. — Quero ser missionária, disse a moça. Conheci uns missionários a semana passada e gostei muito deles. Gosto muito de missionários. O senhor é um ótimo missionário. Meus pais contribuem para o seu sustento. E eu quero ser missionária na América Latina.

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Parecia que ela estava mesmo decidida a fazer isso. Sabia falar espanhol, e tinha um bom vocabulário, e gostava muito de tudo que dizia respeito à América Latina. A certa altura, a conversa foi esfriando e então eu entrei com o assunto que sempre abordo quando falo com jovens. — Você tem namorado? — Claro! Respondeu sorrindo. — Ele é crente? — Hmmmmm... Não. — Termine o namoro hoje mesmo, falei. — Ah, não. Não posso. — Pois então continue vivendo em pecado, repliquei. — Mas eu não estou vivendo em pecado, disse ela. Amo a Deus e quero ser missionária. — Olhe aqui, disse eu, se você está namorando um incrédulo, pode desistir do seu ideal missionário. Você está apenas brincando. É pecado namorar um incrédulo. — Mas o que há de mal nisso? Indagou ela. Não vou me casar com ele. — Então por que está namorando-o? — Ah, eu não... — Você não está agindo com seriedade; está brincando. — Não, não. Eu não estou brincando, não. Estou levando a sério. — Se estiver levando a sério, então vai se casar com ele. — Não, não. Não vou me casar. — Então está apenas passando tempo. — Não, não estou não; é que... — Ora, vamos, falei. Você vai-se casar com esse moço ou está namorando-o apenas por divertimento?

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Aí ela apresentou todas as desculpas típicas; e eu anotei todas. — Não tenho intenção de me casar com ele. — Então por que a intimidade, abraços e beijos? — Todas as minhas amigas crentes estão namorando rapazes incrédulos. — Então deixe que elas vivam nesse inferno. Mas por que você quer viver nele? — É que meu namorado está muito interessado. Tenho pregado muito para ele. — Olhe aqui, o melhor testemunho que você pode dar é ter uma boa conversa com ele hoje à noite, ou no mais tardar amanhã, e dizer: "Olhe, estive pensando sobre o nosso namoro, e compreendi que estou desobedecendo a Palavra de Deus. Gosto muito de você, mas não podemos continuar namorando porque a Bíblia diz que não posso me casar com um incrédulo. Não quero enganá-lo, levando-o a pensar que estou namorando a sério e que vou casar com você. Isso é contra a vontade de Deus. Estou em pecado. Mas já pedi perdão a Deus, e temos que terminar tudo." Mas ela contrapôs: — Se eu terminar com ele estarei dando um péssimo testemunho. — Por que isso seria um péssimo testemunho? — Bom, se eu terminasse com ele assim, sem mais nem menos, ele ficaria tão arrasado que se revoltaria contra o Evangelho. — Pois que se revolte contra o Evangelho, repliquei. Mas você tem de obedecer à Palavra de Deus. E é claro que ele não se revoltará. Aí ela apresentou a maior desculpa até então. — Eu e minha mãe estamos orando por ele.

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A mãe dela já dissera o mesmo à minha esposa, Pat. E eu repliquei: — Então você e sua mãe estão em pecado. — É pecado orar pelo meu namorado? Perguntou ela. — É, respondi. No sentido em que você está orando, é. Você não pode pedir a Deus que abençoe uma coisa que ele desaprova. O fato é que essa mãe, uma pessoa que estudou numa escola bíblica e que contribui para o sustento de missionários, está aos poucos levando a filha para a desobediência, e no futuro isso gerará muitos problemas para a jovem, quando ela se casar. Ela deveria dizer à filha: "Minha filha, se você quer orar pelo fulano, primeiro deve terminar o namoro com ele; depois oramos para que ele se converta." Há muitos crentes que estão vivendo num inferno com seus filhos simplesmente porque desobedeceram a essa ordem de Deus para não se unirem em jugo desigual com o incrédulo. O Senhor, em sua graça, pode até salvar aquele cônjuge não crente, mas a verdade é que o que se passa nesse período intermediário não compensa. E essa situação não é a melhor que Deus quer para seus filhos. Foi nessa questão que Davi destruiu sua vida. A Bíblia mostra claramente que esse tipo de tragédia atinge até mesmo os melhores crentes — até jovens que têm o coração inteiramente dedicado a Deus. Ninguém está imune. Isso aconteceu com Davi, com relação a segunda maior decisão de sua vida. Na primeira, seu relacionamento com Deus, tudo estava bem. Mas na segunda — a questão do casamento — ele agiu displicentemente. Embora naquela época fosse comum um homem ter muitas esposas, isso não tinha a aprovação de Deus. E Davi sabia disso. Bastava que ele lesse Deuteronômio 17.17, onde a orientação era clara: "Tão pouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração se não desvie." Deus está dizendo ao

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povo que o rei que ele iria escolher não deveria ter muitas esposas, pois elas afastariam o coração dele de Deus. E Davi sabia, desde que era bem jovem, que um dia seria rei de Israel. Além disso, conhecia também a lei. Mas preferiu ignorar esse pequeno detalhe dela. Não conseguia superar sua fraqueza por mulheres. Se essa lei fosse dirigida ao povo em geral, em vez de ser orientada especificamente para os reis, ele poderia dizer: "Ora, Senhor, esta lei é para a ralé, para o povo em geral. E se não houvesse essas leis, a sociedade viraria uma confusão. Mas o Senhor sabe; eu fui ungido rei. Tenho dinheiro para sustentar muitas esposas." Mas não havia nenhuma razão para ele não entender essa lei — era uma lei específica para reis. E ele transgrediu a lei de Deus. Afrontosamente. O PRINCÍPIO DE GÁLATAS 6 O que aconteceu a Davi depois disso? Ficou espiritualmente ressequido. Vemos isso no Salmo 32.3,4: "Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia. Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim; e o meu vigor se tornou em sequidão de estio." Enquanto não confessou seu pecado, diz ele, seus ossos estavam-se secando. Não existe nada que tenha maior capacidade de ressecar a vida do crente e até do crente mais entusiasmado, do que um pecado de imoralidade sexual. Pode ser até que ele mantenha uma boa fachada, e continue a usar da mesma linguagem de sempre; mas seus ossos se ressecam. Ele fica morto por dentro. Isso acontece porque o Espírito Santo se entristece. E enquanto não fizer a reparação do erro e o acerto diante de Deus e diante da igreja, e de todos que foram afetados pelo pecado, não recuperará a alegria. Assim que Davi confessou seu pecado, ele foi restaurado espiritualmente. Isso aconteceu no momento em que fez ao Senhor, na presença do profeta, a seguinte confissão: "Pequei contra o Senhor." E depois que ele disse isso, o profeta

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replicou: "O Senhor perdoou seus pecados." Mas veja o que ele disse depois: "Mas, posto que com isto deste motivo a que blasfemassem os inimigos do Senhor, também o filho que te nasceu morrerá." (2 Sm 12.14.) Esse é o princípio exposto em Gálatas 6. O pecado de Davi deixaria conseqüências. Alguém talvez diga: — Mas Deus não perdoa? Deus não restaura o pecador? E a resposta é: — Sim... Entretanto... É esse o princípio de Gálatas 6. Alguém poderá dizer: — Mas Deus não é compreensivo, e compassivo e bondoso? A Bíblia não afirma que Deus é amor? É... porém... É o princípio de Gálatas 6. "Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia para a sua própria carne, da carne colherá corrupção; mas o que semeia para o Espírito, do Espírito colherá vida eterna." (Gl 6.7,8.) Tudo o que o homem semeia, colhe. Se semear coisas que agradam a sua carne, terá uma colheita de morte e destruição. Se semear no sentido de agradar ao Espírito de Deus, colherá a vida eterna. Esse princípio de Gálatas 6 afirma que somos responsáveis por aquilo que já semeamos e pelo que estamos semeando. Mesmo que confessemos nossos pecados a Deus e recebamos o perdão dele, a verdade é que o mal já entrou em ação. Colheremos aquilo que semearmos. Embora Deus já houvesse removido o pecado de Davi, as conseqüências dele ainda estariam presentes para atormentálo, como uma maré de amargura.

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E Deus disse a Davi: "Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste, e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher." Existe um velho poeminha infantil que diz mais ou menos o seguinte: Humpty-Dumpty1sentou-se no muro Humpty-Dumpty levou um grande tombo. E nem todos os cavalos do rei, Nem todos os soldados do rei, Conseguiriam consertar Humpty de novo. Existem algumas analogias entre o Rei Davi e HumptyDumpty. No começo, esse personagem de histórias infantis se acha em perfeitas condições. E Davi também. Mas o homenzinho não possuía equilíbrio suficiente para se sentar no muro. E Davi não possuía autodisciplina. E foi isso que quase o destruiu, que colocou um freio na sua carreira em ascensão, trouxe uma maldição à sua família e abriu uma fenda no meio do povo de Deus. Contudo, existe uma grande diferença entre Davi e Humpty-Dumpty. Davi tinha um Rei poderoso, que conseguiu restaurá-lo, não sem deixar visíveis rachaduras. Ele nunca chegou a ser o rei que poderia ter sido. E hoje não temos idéia de tudo que ele perdeu por causa de sua grande queda; nem ele tampouco. Mas Davi ainda era Davi. A menina dos olhos de Deus ainda era a menina dos olhos de Deus. Quebrantado e humilhado diante daquele que servira com tanto ardor, o filho de Jessé estava novamente pronto para palmilhar a estrada em que caminhara com fervor desde a juventude, o caminho do qual tanto se afastara: o caminho que ia direto ao coração de Deus.

1 Humpty-Dumpty é uma personagem de um poema infantil da literatura popular americana. É a personificação de um ovo. NT.

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E esta é a maravilha, a esperança e o gozo de se servir a Deus. É possível voltar. Por meio de Cristo, o caminho está sempre aberto. O coração de Deus ainda deseja ter comunhão conosco. Graças a Deus que ele é o Deus que nos dá uma segunda oportunidade... E uma terceira... E uma centésima... O salmista diz isso: "Se observares, Senhor, iniqüidades, quem Senhor, subsistirá? Contigo, porém, está o perdão, para que te temam." (Sl 130.3,4.) Tempestades iriam abater-se sobre Davi — tempestades de fogo: traição, perseguição, tristeza e decepções. Mas ele agora estava preparado. Agora podem encarar Deus face a face de novo. Podia escrever novos hinos para a glória de Deus. E embora agora a melodia fosse entre doce e amarga, o tema era sempre o mesmo. "Aguardo o Senhor, a minha alma o aguarda; eu espero na sua palavra. A minha alma anseia pelo Senhor, mais do que os guardas pelo romper da manhã. Mais do que os guardas pelo romper da manhã, espere Israel no Senhor." (Sl 130.5-7a.)

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6. ''TENHO-VOS CHAMADO AMIGOS" O homem segundo o coração de Deus tinha um coração amigo para com os homens. O registro bíblico mostra o filho de Jessé, clara e nitidamente, como um amigo leal. E isso é lógico, não é? Um homem pode dizer-se amigo de Deus e ao mesmo tempo negar sua amizade aos outros? Se o próprio Criador deseja ter comunhão com o homem que criou à sua imagem, embora ele se tenha tornado rebelde, será que o crente, o homem que anda com Deus, pode manter-se indiferente ao seu semelhante? Pois não devemos estranhar o fato de que uma pessoa que demonstra tão profunda dedicação a seu Deus tivesse amizades sinceras com outros. O ANSEIO DE TER AMIGOS Pela minha maneira de ser, estou convencido de que todos os homens desejam ter uma amizade profunda com um homem ou com um pequeno grupo. Existe algo no coração do homem que faz com que ele deseje uma alma-irmã — um irmão pelo qual ele estaria disposto a morrer. E acredito que foi Deus quem colocou este anseio no mais profundo de nosso ser. Não sei quanto às mulheres, mas tenho certeza de que muitos homens pensam assim. Todos têm um sonho interior de um dia, se as circunstâncias o exigirem, dar a vida por um companheiro, apesar de todo o egoísmo e pecaminosidade humanos.

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É claro que isso em nada diminui a amizade de um homem por sua esposa. Pat, minha esposa, é a melhor amiga que tenho no mundo. Não trocaria a amizade dela por nenhuma outra, de homem ou de mulher. Agostinho comentou certa vez, que, quando Deus notou que Adão estava sozinho, não criou dez amigos para ele, mas uma esposa. Contudo, apesar de nossa esposa ser a pessoa que se acha mais próxima de nós, parece que os homens possuem ainda uma inquietação, um anseio de ter a amizade e a confiança de outro homem, ou de outros homens. Um amigo em cuja companhia ele possa fazer coisas arrojadas; um amigo que o ajude a lutar contra o mundo, que fique ao lado dele, na vitória ou derrota, nos bons ou nos maus momentos. Talvez seja por isso que a história de Jônatas e Davi emocione tanto os homens. Talvez por isso essa passagem da Palavra de Deus nos pareça tão interessante e comovente. Civilizações já surgiram e desapareceram; exércitos poderosos já marcharam sobre a terra e pereceram; já houve reis grandiosos, governantes e imperadores autonomeados que hoje estão esquecidos no pó da terra. Mas a amizade de Jônatas e Davi, passados quatro mil anos, continua cativando corações, emocionando a muitos. E que amizade notável! Não que Jônatas fosse o único amigo de Davi, mas o fato é que eles foram amigos até a morte. UM EXEMPLO DE AMIZADE Já relembramos aqui aquele dia histórico em que o filho mais jovem do fazendeiro de Belém derrubou o gigante Golias com uma pedrada, propiciando assim aos exércitos israelitas uma grande vitória sobre a ameaça dos filisteus. Mas em torno desse episódio central houve vários outros secundários. Foi nesse dia que começou, por exemplo, a mais notável amizade de todos os tempos. "Sucedeu que, acabando Davi de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a de Davi; e Jônatas o amou, como à sua própria

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alma. Saul naquele dia o tomou, e não lhe permitiu que tornasse para a casa de seu pai. Despojou-se Jônatas da capa que vestia e a deu a Davi, como também a armadura, inclusive a espada, o arco e o cinto." (1 Sm 18.1,2,4.) Sob todos os aspectos eles eram pessoas que deveriam ser inimigas. Ambos tinham direito ao trono de Israel; Jônatas por ser filho do rei, e Davi por ter sido ungido por Samuel. Naquela época, quando um homem queria liquidar um inimigo político não punha aparelhagem eletrônica em seus gabinetes, nem escuta em seu telefone, nem lançava campanhas difamatórias contra ele. Simplesmente procurava matá-lo. De todos os meios e por todos os modos. Mas isso não se deu com Davi e Jônatas. Não havia entre eles o menor traço de rivalidade. Assim que Jônatas viu o outro derrotar o grande herói de seus inimigos, sua alma se ligou à do filho de Jessé. Foi uma união imediata e indissolúvel. Jônatas passou a gostar de Davi, como de si mesmo. E foi então que esse príncipe israelita fez uma coisa inesperada, incrível mesmo. Bem diante de seu pai e dos generais de seus exércitos, diante de todo o Israel, ele tirou sua capa real, a espada e outros acessórios que o identificavam como herdeiro do trono, e colocou tudo aos pés daquele jovem pastorzinho. Será que compreendemos bem as implicações de tal ato? Talvez alguém esteja pensando: "Um belo gesto. Deu ao amigo uma roupa nova. Mas e daí?" Vamos tentar imaginar que estamos na seguinte situação. Imaginemos que estamos visitando Londres, e vamos fazer um passeio pelo Palácio de Buckingham. E ao caminharmos pelos belíssimos aposentos do Palácio seguindo o guia, temos a agradável surpresa de ver toda a família real, vestida em trajes formais, de pé em um dos salões. E com espanto você diz: — Puxa! Não sabia que isso estava incluído na visita.

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O guia faz uma parada para que todos apreciem bem a cena. E no momento em que cada um pega sua máquina fotográfica, o Príncipe Charles dá um passo à frente e cochicha alguma coisa com um daqueles seríssimos guardas de honra. E de repente o soldado chama você, indicando que deve se aproximar e ajoelhar-se diante da família real. Estupefato e sem palavras, você se separa do grupo, que fica ali boquiaberto, e caminha meio tropegamente em direção a Sua Alteza. Assim que você se ajoelha, o príncipe caminha em sua direção, olha-o por um instante, e depois tira seu próprio manto real e o coloca sobre seus ombros. E antes mesmo que você possa recuperar o fôlego, ele remove seu anel com sinete e o coloca em seu dedo; em seguida, coloca o cetro de ouro em sua mão, e a velha coroa real em sua cabeça. Dá para imaginar isso? Se der, então talvez possamos começar a entender o que se passou nas fileiras do povo de Israel, quando Jônatas praticou esse ato simbólico. — Davi, meu amigo, dizia Jônatas, isso é meu compromisso de lealdade a você. Nem mesmo o trono poderá separar-nos. E parece que, em vez de competir um com o outro, eles estavam sempre tentando "promover" um ao outro. Isso é a verdadeira amizade. Quando um homem gosta de outro, ou uma mulher gosta de outra, a ponto de sempre procurar elevar a outra pessoa, e não a si mesmo, está dando provas de uma afeição genuína, de uma verdadeira amizade. A LEALDADE DA AMIZADE A amizade de Davi e Jônatas floresceu ao sol da comemoração de uma vitória. E se fortaleceu sob o Céu sombrio do despeito do rei e das intrigas políticas, pois o sorriso benévolo de Saul logo se tornou uma carranca de suspeita. E não demorou muito. "Sucedeu, porém, que, vindo Saul e seu exército, e voltando também Davi de ferir os filisteus, as mulheres de todas as cidades de Israel

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saíram ao encontro do rei Saul, cantando e dançando, com tambores, com júbilo e com instrumentos de música. As mulheres se alegravam e, cantando alternadamente, diziam: Saul feriu os seus milhares, porém Davi os seus dez milhares. Então se indignou muito, pois estas palavras lhe desagradaram em extremo; e disse: Dez milhares deram elas a Davi, e a mim somente milhares; na verdade, que lhe falta, senão o reino? Daquele dia em diante, Saul não via a Davi com bons olhos." (1 Sm 18.6-9.) E a mensagem foi divulgada. A partir daquele momento, Davi, o rapaz que se tornara herói de um momento para outro, agora era um homem marcado. E nem era preciso colar sua fotografia num cartaz com os dizeres: "Procura-se", e espalhar pela cidade. A mensagem foi sendo transmitida: Saul queria Davi fora de seu caminho, para sempre. E assim, qualquer cidadão de Israel que quisesse subir de posto nas fileiras oficiais, sem prestar concurso, já sabia o que tinha a fazer. Era o mesmo que Davi tivesse pregado um desenho de um alvo nas costas de sua jaqueta. Mas aí... Entra em cena Jônatas. Conhecendo muito bem o nível em que estava o ódio de seu pai, o filho, do rei se armou de toda a sua coragem para proteger seu novo amigo. "Então Jônatas falou bem de Davi a Saul, seu pai, e lhe disse: Não peque o rei contra seu servo, Davi, porque ele não pecou contra ti, e os seus feitos para contigo têm sido mui importantes." (1 Sm 19.4.) Ao encontrar o pai em uma de suas raras ocasiões de receptividade, o príncipe herdeiro se pôs a falar dos valorosos feitos de Davi em favor da nação. — O senhor está lembrado do que sentiu, meu pai, quando Davi silenciou Golias? Está lembrando, papai? E lembra-se de como perseguimos aqueles filisteus, e eles fugiram como codornas à chegada dos caçadores? E lembra-se como bebemos vinho, e como rimos, cantamos e dançamos? Lembra? Agora o senhor está querendo derramar o sangue de seu servo Davi, o homem que canta como um anjo, e toca a harpa para acalmar seus nervos abalados? Pense nisso, papai. Não tem lógica. Não faz sentido.

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Então Saul se lembrou e se arrependeu. Por alguns dias. Mas um rei despeitado tem memória curta, quando se trata de lembrar os feitos valorosos de seus rivais. E então, após uma breve trégua, ele voltou à carga de novo. E dessa vez, quando Jonatas tentou intervir, isso quase lhe custou a vida. "Então se acendeu a ira de Saul contra Jonatas, e disse-lhe: Filho de mulher perversa e rebelde; não sei eu que elegeste o filho de Jessé, para vergonha tua e para vergonha do recato de tua mãe? Pois enquanto o filho de Jessé viver sobre a terra nem tu estarás seguro, nem seguro o teu reino; pelo que manda buscá-lo agora, porque deve morrer." (1 Sm 20.30,31.) Mas Jonatas insistiu em sua defesa, e Saul, irado, atirou sua lança contra ele, e o teria matado se o rapaz não se desviasse dela. Quando se tratava da segurança de seu amigo Davi, Jonatas não dava muito valor à sua vida. Estava disposto a defender o filho de Jessé a qualquer custo — mesmo que o preço fosse à morte. Esses dois homens eram totalmente dedicados um ao outro, e fizeram um juramento mútuo de que, quem sobrevivesse e fosse o vitorioso no fim, iria proteger os filhos do outro. Jonatas, porém, não tinha muita dúvida de quem seria o vencedor no final. Certa vez, quando Davi estava escondido numa floresta, Jonatas foi procurá-lo para animá-lo e fortalecer sua "confiança em Deus". "E lhe disse: Não temas, porque a mão de Saul, meu pai, não te achará; porém tu reinarás sobre Israel, e eu serei contigo o segundo; o que também Saul, meu pai, bem sabe." (1 Sm 23.17.) O que Jônatas estava querendo dizer era o seguinte: — Davi, tudo vai ser maravilhoso. Eu e você. Você será o rei e eu serei seu braço direito — haja o que houver. E Israel irá desenvolver-se e crescer, Davi. Você não sente isso? Jônatas tinha um sonho. Em espírito, ele já enxergava o início da glória de Davi — uma dinastia poderosa e eterna. E de modo algum iria deixar que seu egoísmo e aspirações pessoais impedissem a realização desse sonho. Davi reinaria. E

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Jônatas ficaria feliz em poder abdicar de seus direitos, e posicionar-se ao lado do rei escolhido por Deus. Estava disposto a ser o número 2. Disposto a deixar que Deus exaltasse o outro como quisesse. Como seria maravilhoso se houvesse mais desse tipo de atitude no Corpo de Cristo! Amizades que nunca fossem empanadas por orgulho pessoal. Amizades sem temor, de uma dedicação total. Amizades que nunca se abalassem com tensões, dificuldades, ou variações súbitas das circunstâncias. Amizades que fossem sempre sinceras, quer na presença um do outro, ou separados por quilômetros de distância. Mas o fato é que, quando falamos em amizade ou em comunhão cristã, não estamos pensando num laço como o que unia Davi e Jônatas. Levantamos barreiras invisíveis entre nós e nossos amigos, como que a dizer: — Até aqui, tudo bem; mas que não passe daqui. Serei seu amigo se isso não for muito difícil e custoso. Serei seu amigo... Desde que isso não implique em um compromisso muito profundo. Serei seu amigo, mas só enquanto não formos separados pela distância, ou por uma promoção, ou por atividades diversas. Serei seu amigo... Enquanto isso for conveniente para mim... Enquanto isso não me tolher, nem interferir no meu modo de vida... Enquanto isso me trouxer satisfação pessoal. Mas, se exigir mais que isso, então, adeus. Vivemos numa era cuja filosofia é a seguinte: "Vive-se apenas uma vez, e, por isso, companheiro, temos que agarrar tudo que pudermos. Tenha amigos, case-se, crie sua família, tudo bem. Mas se essas coisas começarem a barrar seu progresso na vida, descarte-se delas. Risque-as de sua vida. Afinal temos que cuidar da pessoa mais importante do mundo. Então, use quem for preciso para conseguir o que deseja. Mas depois, se começar a atravessar em seu caminho, então, dê-lhe um beijo e mande-o embora." É assim o mundo em que vivemos. Um mundo que exteriormente é orgulhoso e vaidoso, mas por dentro está

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sofrendo de solidão e angústia. Quando Deus nos criou, ele colocou dentro de nós a necessidade de segurança e de compromissos pessoais em nossas relações com outros; em nosso relacionamento com Deus, com nossos familiares e com nossos amigos. Na medida em que permanecermos fiéis aos nossos compromissos, na medida em que estivermos dispostos a sacrificar nossos interesses a fim de edificar e promover outras vidas, na medida em que fizermos isso, nessa mesma medida realizamos nossos mais profundos anseios. Jônatas e Davi fizeram o juramento de cuidarem um da família do outro, se alguma coisa acontecesse a um deles. É como se Jônatas tivesse dito: — Olhe aqui, Davi, se você partir antes de mim, não se preocupe com sua família. Cuidarei de todos como se fosse a minha própria família. Então, companheiro, fique descansado. Pode ter certeza disso. E Davi diria o mesmo. E quanto a você? Se o seu melhor amigo morresse hoje, o que você faria? Mandaria à esposa dele um cartãozinho de condolências? Ou mandaria uma dúzia de rosas que daí a três dias estariam murchas? Faria uma visita de cinco minutos a cada seis meses para um cumprimento rápido? O que é que amizade realmente significa para você? Temo que muitos de nós sejamos doutores quando se trata de amar de "palavra e de língua", mas quando chega à hora de amar "de fato e de verdade", nem sinal de nós. Como as palavras saem de nossa boca com fluência e facilidade! "Eu o amo, meu irmão. Eu a amo, minha irmã." "Estarei orando por você." "Gosto de ter comunhão com você." Será verdade? Analise com muita atenção as palavras de amor e compromisso que você pronuncia. Deus está atento a elas. Um dia estaremos diante do trono do Senhor para darmos conta de "toda palavra frívola" que proferimos. (Mt 12.36.) Que tipo de amigo é você?

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O TRABALHO DE EQUIPE DA AMIZADE Neste meu ministério evangelístico, de âmbito mundial, Deus tem me dado o privilégio de trabalhar com uma boa equipe. Somos todos pecadores salvos pela graça de Deus, mas ainda assim vivemos uns para os outros e oramos diariamente uns pelos outros. Alguns membros dessa equipe moram há dezesseis mil quilômetros daqui, na Argentina. Alguns moram no México, outros na Guatemala, outros no Equador, outros no Chile. Mas sempre que nos encontramos, abraçamo-nos efusivamente como bons latinos, e gostamos de trabalhar em grupo, como se tivéssemos nos separado há apenas algumas semanas. É maravilhoso quando um grupo de pessoas pode trabalhar em equipe dessa maneira. Tenho amigos que passo meses sem ver, mas logo que nos encontramos, é como se tivéssemos tomado um cafezinho juntos na semana passada. Sentimo-nos envoltos numa atmosfera de familiaridade. A amizade de Davi e Jônatas era assim. E sabe de uma coisa, se fôssemos mais semelhantes a Jesus Cristo, mais dirigidos pela sua presença interior, seríamos mais dedicados a um número cada vez maior de pessoas. Não seríamos ligados a apenas uns dois ou três. Embora não possamos ser amigos íntimos de todo mundo, pois o tempo não o permite, podemos ter uma atitude de amor, ternura e calor humano para com todos. Como eu desejo ser assim! Mas Jesus pode tornar-nos uma pessoa assim, pois ele vive em nós; e ele foi e é o Amigo mais perfeito. O texto de Provérbios 18.24 afirma: "O homem que tem muitos amigos sai perdendo; mas há amigo mais chegado do que um irmão." Todos os verdadeiros seguidores de Jesus Cristo, nestes séculos todos, já descobriram que essas palavras se aplicam muito bem ao seu Mestre. Ele já é seu amigo? Faz alguns anos a revista Decision publicou a história de dois jovens missionários, solteiros, que se achavam na África por ocasião da revolução do povo Simba. Naquela situação,

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confessar que era cidadão americano era o mesmo que assinar a sentença de morte. Um dos missionários era inglês, e poderia ter-se salvado da multidão que os atacou se tivesse mostrado seu passaporte britânico. Mas em vez de fazer isso, ele ficou ao lado de seu amigo americano, que estava sendo ameaçado de morte. O inglês escondeu seu passaporte, e quando os simbas vieram atacar o americano a pauladas, ele se colocou na frente dele e foi morto. Amizade. Não é um simples sentimento; é mais que isso. Não é apenas mandar cartões de Natal e retratos dos filhos. É muito mais que isso. Jesus disse: "Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos." Você é um amigo assim? Só podemos ser assim, por meio dele. A TRISTEZA DO AMIGO A reação mais comum que uma pessoa tem ante a destruição ou fracasso de um inimigo seu é a de uma alegria reprimida, quando não de franca comemoração. Podemos até reconhecer que temos de nos mostrar exteriormente sérios, mas é difícil impedir que os cantos da boca se repuxem num sorriso. E interiormente pensamos: "Puxa, ele teve o que mereceu. É bem-feito." Se havia uma pessoa que tinha todo o direito de ter uma satisfação interior com a morte de Saul, essa pessoa era Davi. Durante anos a fio, ele fora caçado e acossado pelo rei enciumado, e ele teria tido muito tempo para planejar a comemoração da vitória futura, quando estava fugindo de uma caverna para outra, de uma trincheira para outra. Devido à perseguição de Saul, ele fora obrigado a viver fugindo, e estar separado de seus amigos e familiares, a lutar pela sobrevivência num deserto agreste, e até a fazer alianças com inimigos. Quantas noites ele deve ter tremido de frio, dormindo ao relento, impedido de procurar abrigo, sem saber quando seria seu último suspiro, devido à implacável perseguição do exército de Saul? Quantas lágrimas de saudade e de exaustão e deses-

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pero deve ter derramado sozinho no deserto ou numa caverna úmida, por medo da espada de Saul? Então, quando lhe chegou a notícia de que Saul fora morto, seria surpresa se ele... Se comovesse e chorasse? Que coisa admirável! O mínimo que se poderia esperar era uma mistura de sentimentos, pois juntamente com Saul também Jônatas havia perecido às mãos dos filisteus. Mas Davi não fez acepção entre um e outro. Chorou a morte dos dois: "Então apanhou Davi as suas próprias vestes e as rasgou, e assim fizeram todos os homens que estavam com ele. Prantearam, choraram e jejuaram até à tarde por Saul e por Jônatas seu filho, e pelo povo do Senhor e pela casa de Israel, porque tinham caído à espada." (1 Sm 1.11,12.) Pensemos nisso. Lembremos quem era Saul. Ele era inimigo mortal de Davi, mas era o rei. Mas o filho de Jessé tinha respeito, reverência e lealdade para com o ungido de Deus, fosse ele quem fosse. Quando recebeu a notícia em Ziclague, ele poderia muito bem ter dito: — Viva o rei! Eu sou o rei! Mas Davi chorou. Eu me pergunto quantas das pessoas que trabalharam entusiasticamente na campanha eleitoral do Presidente Nixon choraram quando ele foi deposto? Nossa amizade é assim: só de ocasião. Ficamos ao lado de uma pessoa enquanto ela estiver por cima. Mas no momento em que ela começa a ter problemas, saímos correndo dali, e tão depressa que poderíamos até ganhar uma medalha de ouro nas Olimpíadas. E já estamos dispostos a apoiar o primeiro que ganhar proeminência. Vamos encarar a verdade: no que depender de nossa natureza carnal, nossa tendência básica é para a deslealdade e falsidade. Mas Davi não era assim. E estou convencido de que, para termos lealdade de coração para com outros, precisamos pedir isso a Deus. E não falamos de lealdade apenas ao marido ou à esposa — que aliás já está muito tênue em nossa sociedade, onde à menor provocação as pessoas partem para

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uma separação não litigiosa — mas também aos amigos, a empregados, aos irmãos do Corpo de Cristo. Observemos atentamente os atos de Davi nos dois primeiros capítulos de 2 Samuel. Seria muito natural que ele pegasse logo a coroa de Saul e a colocasse sobre sua própria cabeça, proclamando-se rei sobre todo o Israel. Afinal, ele não fora ungido por Samuel? Mas ele não fez isso. Depois de entoar um comovente canto fúnebre em honra a Saul e Jônatas, o filho de Jessé ajoelhou-se. "Depois disto consultou Davi ao Senhor, dizendo: Subirei a alguma das cidades de Judá? Respondeu-lhe o Senhor: Sobe. Perguntou Davi: para onde subirei? Respondeu o Senhor: Para Hebrom. Subiu Davi para lá, e também as suas duas mulheres, Ainoã, a jesreelita, e Abigail, viúva de Nabal, o carmelita." (2 Sm 2.1,2.) Em vez de se empoleirar num carro alegórico e sair fazendo campanha pelo território de Israel e Judá, ele simplesmente voltou-se para Deus. — Está bem, Senhor; e agora? O que vou fazer? Estou pronto para seguir em frente ou para ficar. A decisão é tua. A BONDADE DO AMIGO Anos se passaram, mas Davi nunca se esqueceu de sua dedicação a Jonatas e Saul, e um dia disse: "Resta ainda, porventura, alguém da casa de Saul, para que use-me de bondade para com ele, por amor de Jonatas?" (2 Sm 9.1.) Quando lhe responderam que havia uma pessoa, o filho de Jonatas, Mefibosete, que era aleijado de ambos os pés, Davi mandou buscá-lo para morar em seu palácio real, tratando-o como um filho do rei. Mesmo depois de tantos anos, ele ainda se lembrava da promessa que fizera a Jonatas, seu amigo. E isso não foi um cumprimento passivo de seu juramento, pois na verdade teve que procurar Mefibosete, já que o filho de Jonatas estava escondido.

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Em minha opinião, outro comovente exemplo da lealdade de que Davi era capaz, é o fato de que, embora tivesse trazido Mefibosete para o palácio por causa de Jonatas, muitas e muitas vezes referia-se ao avô dele, a Saul. Haviam-se passado muitos anos, mas ele ainda se recordava da ocasião em que, no auge da batalha, ele tivera Saul à sua mercê. O rei estava numa caverna, e Davi viera do fundo da caverna e cortara um pedaço de seu manto. Chegando do lado de fora, ele gritou para Saul. — Ei, Saul! Olhe o que está aqui na minha mão! E Saul, num momento de fingido arrependimento, Diz: — O Davi, meu filho, é a sua voz? Quando você se tornar rei, jure que será misericordioso com meus descendentes. Naqueles dias, quando um rei era deposto, aquele que subia ao trono era obrigado a matar todos os seus familiares, para que nenhum de seus filhos insurgisse de novo. Mas Davi havia prometido a Saul que não faria isso. Assim que seu governo se firmou, ele se lembrou das palavras que dissera em juramento ao rei, agora morto, e disse ao neto de Saul: — Por causa de seu avô e de seu pai, você irá comer à minha mesa pelo resto de seus dias. Mefibosete ficou espantado. — Mas eu sou apenas como um cachorrinho aleijado. E quer que eu me sente à sua mesa? Na moderna China Vermelha, as pessoas que são vítimas dos expurgos políticos deixam de existir como pessoas. Não apenas são executadas e sepultadas em túmulos não identificados, como também seus nomes são apagados de todos os registros históricos. Suas fotografias são apagadas. Recortes de jornais que falam delas são destruídos. É como se elas nunca tivessem existido. Mefibosete deve ter-se sentido assim.

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— O que está fazendo, Rei Davi? Quem sou eu? Eu sou um nada, um joão-ninguém. Não existo como pessoa. Por que deveria eu estar diante do rei? Por que deveria eu comer pão juntamente com os filhos do rei? E Davi lhe disse: — Não, Mefibosete, isso não tem nada a ver com alguma coisa boa ou ruim que você possa ter feito ou deixado de fazer. Eu o recebo aqui por causa de seu pai. Recebo-o porquê prometi isso a seu avô. Então, entre para a casa do rei, e desfrute de tudo que houver em minha mesa. Você será como um filho meu. Que figura perfeita do que Deus faz por nós! Entramos no Reino por causa de outra Pessoa. Nunca poderíamos ter conquistado esse direito por nós mesmos. Sentamo-nos à mesa do Rei e comemos sua comida com base nos méritos de nosso relacionamento com Outro. Somos aceitos no Amado. Apesar de nossa condição de aleijados, imperfeitos, apesar de não existirmos como pessoa em todos os sentidos da palavra, ele nos procurou e nos chamou. A única coisa que tivemos de fazer foi reconhecer seu amoroso chamado e aceitar o que ele nos oferecia. Mefibosete poderia ter rejeitado o oferecimento de Davi. Poderia ter preferido sua pobreza e miséria e obscuridade; poderia ter cuspido no mensageiro do rei e ter repelido a mensagem dele. Poderia ter agido como um tolo. E você? Já aceitou a incrível oferta de perdão e provisão que o seu Rei lhe dá? Já tirou alguns momentos hoje para agradecer ao Senhor por ter colocado um aleijado como você sentado à mesa do Rei? "Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, ao ponto de sermos chamados filhos de Deus." (1 Jo 3.1.) A DETURPAÇÃO DA AMIZADE Quando o mundo não consegue entender determinada coisa, ele a risca fora ou então a deturpa. O relacionamento de Davi e Jônatas era tão puro, tão altruísta, tão profundo e forte,

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que as pessoas que rejeitam a Deus não conseguem acreditar que pudesse ter sido assim. "Deve ter havido outras razões", pensam elas em sua mente pecaminosa. "Deve ter sido um relacionamento homossexual." E hoje em dia, quando vivemos uma época de declínio nacional, ouvimos essa afirmação distorcida mais que nunca. Como a mente do indivíduo sem Cristo não consegue conceber uma amizade verdadeira, sincera, com base em Cristo, ela distorce e deturpa a verdade das Escrituras, para que ela se ajuste à sua mentalidade deformada. Existe até homossexuais praticantes que têm a ousadia de apontar a amizade de Davi e Jônatas como base bíblica para sua prática ímpia e maligna. Sinto-me aturdido diante do grande número de crentes que tenho conhecido recentemente, que parece não ter convicção bíblica sobre a amizade pura ou sobre o fato de que homossexualismo e lesbianismo são práticas pecaminosas. Já houve casos de pessoas nos procurarem, a mim e a minha esposa, até mesmo em conferências e congressos evangélicos, e dizerem: — A Bíblia não fala nada sobre homossexualismo. Bom, ou essas pessoas estão lendo uma Bíblia condensada ou então precisam fazer um exame de vista. A Bíblia contém textos sobre o assunto em quantidade suficiente para se promover uma acusação séria contra essa perversão antiga e tão persistente. A posição bíblica é muito, muito clara. Vamos ver o que a Bíblia diz especificamente sobre o homossexualismo. Leia atentamente a passagem que se segue. Mas não salte nada; isso é muito importante. "A ira de Deus se revela do céu contra roda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das cousas que foram

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criadas. Tais homens são por isso indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendose-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos, e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. Por isso Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seus próprios corações, para desonrarem os seus corpos entre si; pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém. Por causa disso os entregou Deus a paixões infames; porque até as suas mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas, por outro contrário à natureza; semelhantemente, os homens também, deixando o contacto natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo em si mesmos a merecida punição do seu erro. “E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável para praticarem cousas inconvenientes.” (Rm 1.18-28.) Nessa expressiva passagem bíblica, vemos que a sentença final para o homossexual — homem ou mulher— que se recusa a arrepender-se é que Deus o entrega a uma total depravação de mente. A Bíblia Viva faz uma excelente paráfrase desse texto: "Assim quando eles abandonaram a Deus e nem mesmo O reconheceram, Deus os deixou fazer tudo quanto suas mentes malignas poderiam imaginar." (Rm 1.28 — BV.) As pessoas que se entregam a esse pecado estão trocando a verdade de Deus pela mentira. É uma troca maldita — e elas sabem disso. Elas estão plenamente conscientes do que estão fazendo. A própria natureza ensina o que é certo, mas elas invertem as coisas, promovendo sua própria destruição. Os homossexuais adoram a criatura, em vez de adorarem o Criador. Na verdade, adoram a si mesmos. Gostam de olhar para seu corpo. É por isso que Deus lhes diz: "Vocês estão

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transformando minha verdade em mentira. Estão adorando seu próprio corpo em vez de adorarem a mim. Então continuem; vão até o fim. Já que obstinadamente vocês viraram a cabeça nessa direção, não irei detê-los. Vou permitir que vejam o que significa obedecer à sua mente depravada em vez de obedecer a Deus." Mas lembremos que não é fácil para Deus fazer isso. Ele ama os perdidos, sem discriminação de sexo. Ele abriu o céu e enviou seu Filho ao mundo para sofrer e morrer por nossos pecados, por pecados como esse. Mas quando uma pessoa, deliberadamente, repele esse oferecimento, e pisa nele, Deus não a força a nada, deixando-a seguir seu livre arbítrio. Cada pessoa tem a liberdade de escolher a quem vai seguir. Hoje em dia estamos ouvindo argumentos os mais convincentes em favor dessa prática. E para alguns, eles são até lógicos. Isso mostra que esses possuem uma mente depravada, que se endureceu tanto contra Deus, que não mais se envergonham de sua corrupção. No passado, pelo menos, as pessoas eram hipócritas. Mas ainda é preferível ocultar-se a ser um indivíduo sem pudor, que ostenta sua imoralidade abertamente, em nome de "direitos pessoais" ou de "liberdade religiosa". Um hipócrita, pelo menos, com sua hipocrisia, está afirmando: — Olhe aqui, sou um pervertido sexual, mas não quero conversar sobre isso. Aqueles, porém, que põem de lado todas as restrições, posta-se de pé diante de todos e bradam: — É bom ser gay. É certo ser gay. Deus ama os gays. A verdade é que Deus entrega essas pessoas à sua própria depravação. E que tirano horrível esse a quem eles vão servir! Escancare-se essa porta, e das trevas surge todo tipo de perversão e tristeza imagináveis para dominar o que resta daquela mente.

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O apóstolo Paulo diz: "Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idolatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus." (1 Co 6.9,10.) Precisamos decorar esses textos, guardá-los na memória, e estar sempre alerta, não com o simples propósito de discutir, mas para estarmos prontos para citar a Palavra de Deus no poder do Espírito Santo. Se Deus não começar a operar no mundo ocidental, essas perversões irão inundar tudo como uma enchente, e acabarão por corroer os fundamentos de nossa sociedade. Você está preparado, está equipado para suportar a tormenta que se aproxima? Como é revigorante meditar na amizade e no amor de Davi e Jônatas. E mesmo numa época como a nossa, é possível haver uma amizade leal como essa, um amor persistente como esse, por meio daquele que disse: "De maneira alguma te deixarei nunca jamais te abandonarei." (Hb 13.5.) Podemos gozar o privilégio de mostrar a esse mundo incrédulo e atolado no pecado, o que é uma amizade verdadeira, pois Jesus Cristo nos chamou para sermos seus amigos.

7. DAVI TINHA UM SONHO Às vezes, basta uma pequena tempestade. Não há trovoadas, nem chuvas torrenciais, nem ululantes furacões — bastam umas nuvens escuras, um vento mais forte. E as paredes desabam. Algumas pessoas se estilhaçam em mil pedaços por causa de coisinhas — as pequenas dores e tragédias que a vida está sempre atirando no caminho da humanidade. Mas Davi enfrentou tempestades fortíssimas e catastróficas, e terríveis insurreições na vida. E como foi que ele suportou isso? Como é que se aprende a enfrentar as

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grandes e inevitáveis crises da vida? O fato é que Davi, apesar de todos os seus altos e baixos no campo emocional, via a vida por uma perspectiva dada por Deus. Ele aprendeu a enxergar as situações — até mesmo as grandes tristezas — pelo ponto-devista de Deus. Ele se tornou grande aos olhos de Deus e dos homens porque buscou ver tudo pela perspectiva divina, tanto em sua nação como no curso da História. Aliada a um coração cheio de amor, essa perspectiva ampliou-se, tornando-se uma visão mundial para servir ao povo de Deus. UMA VISÃO MUNDIAL A união desses dois elementos — uma perspectiva histórica e uma visão mundial — conferem estabilidade à vida de qualquer indivíduo. A pessoa que cultiva essas qualidades e as mantém tem menos probabilidade de se tornar vítima das circunstâncias difíceis e das pequenas tempestades. E embora essas coisas ocorram em sua vida, não conseguirão destruí-la, pois ela enxerga um quadro mais amplo, e não apenas o quadrinho pequeno da sua própria dor e do seu problema. Ela vê sua vida dentro do equilíbrio total da História. Muitas pessoas talvez tenham pequenos problemas em suas igrejas, mas se tiverem uma visão histórica e bíblica não cairão em desespero, achando que o mundo está no fim. A pessoa que tem a percepção correta das coisas não entra em pânico quando ouve dizer que explodiram bombas no aeroporto de Tel Avive, ou que tropas egípcias se posicionaram ao longo do Suez, achando que Jesus já voltou e ela ficou. Lendo a Bíblia, ela compreende que muitas das coisas que estão acontecendo hoje já aconteceram antes. A coisa mais importante para nós agora é aprender a enxergar corretamente tanto as crises mundiais como as pessoais, e mais, aprender a enfrentá-las. Um crente pode perguntar: — Como é que os crentes do passado enfrentavam essas coisas? Quero enfrentá-las do mesmo jeito. Quero tirar lições

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dos erros e das vitórias deles, bem como da fé deles (ver Hebreus 13.7). Davi via tudo por uma perspectiva histórica, embora não tivesse televisão, jornais, nem mapas modernos, nem jatos, nem a revista Veja. "Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam cousas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o Senhor e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas. Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles. Na sua ira, a seu tempo, lhes há de falar, e no seu furor os confundirá: Eu, porém constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião. Proclamarei o decreto do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Pedeme, e eu te darei as nações por herança, e as extremidades da terra por tua possessão. Com vara de ferro as regerás, e as despedaçarás como um vaso de oleiro." (Salmo 2.1-9.) Observemos principalmente esses últimos versos. Todos sabemos que eles se referem em parte a Jesus Cristo, o Messias. Mas o mais maravilhoso é o seguinte: embora Davi não tivesse conhecimento imediato dos eventos mundiais, como nós temos, ele possuía uma visão mundial e uma perspectiva histórica. Ele pôde como que dar um passo atrás e fazer uma avaliação dos povos segundo o relacionamento deles com Deus. Então ele pergunta: — Por que as nações se acham tão tumultuadas? Por que realizam conferências contra Deus e contra o seu Ungido? O que elas querem com isso? As nações podem até tramar suas estratégias, emitir seus ultimatos com relação a Jesus Cristo e seu evangelho, mas Deus simplesmente se rirá delas. Ele zombará delas. "Aqueles ínfimos seres finitos lá embaixo pensam que vão me destruir. Pensam que vão acabar com o Rei. Devem estar brincando; mas não estão. E como não estão, vou pisar neles todos — vou destroçá-los como se destroça um vaso de cerâmica atirado contra uma pedra."

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E hoje em dia as nações continuam revoltadas contra Deus. Estamos sempre lendo notícias de guerras e revoluções no mundo comunista, no mundo árabe e no mundo ocidental. Vemos forças militares que parecem estar-se organizando para a terceira guerra mundial. Mas o crente que possui uma visão ampla e histórica, uma visão mundial não entra em pânico como os não-crentes. Ele sabe o que está por trás de tudo isso. E tem consciência de que Deus também sabe. Veja como Davi conclui esse salmo. "Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos advertir, juízes da terra. Servi ao Senhor com temor, e alegrai-vos nele com tremor. Beijai o Filho para que se não irrite, e não pereçais no caminho- porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem-aventurados todos os que nele se refugiam." (Sl 2.10-12.) Embora Davi visse tudo por uma perspectiva realista, sabendo como Deus enxergava as nações em guerra, possuía também um grande amor por aqueles que não conheciam seu Senhor. E queria que todos viessem a adorar a Deus também. Eu tinha dezoito anos, e estava na Argentina, quando realmente comecei a consagrar minha vida a Deus. Freqüentava uma igreja bem pequena — o salão comportava apenas umas 120 a 130 pessoas comprimidas ali dentro. Às vezes, no verão, abríamos as janelas para que as pessoas que não conseguissem entrar ficassem junto às janelas, do lado de fora, e ouvissem tudo. Era uma igreja muito boa para os jovens, pois os líderes os incentivavam a pregar, e nos davam muitas oportunidades para nos treinarmos. Depois, eles nos reuniam e nos davam "dicas" de como poderíamos melhorar nossos sermões, a maneira de pregar, e etc. Mas com a ajuda de minha mãe e de outros amigos que oraram por mim, comecei a ter uma visão mais ampla que a de nossa pequena igreja na Argentina. O Salmo 22 começou a correr-me pelas veias. "Lembrar-se-ão do Senhor e a ele se converterão os confins da terra; perante ele se prostrarão todas as famílias das nações. Pois do

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Senhor é o reino, é ele quem governa as nações. Todos os opulentos da terra hão de comer e adorar, e todos os que descem ao pó se prostrarão perante ele, até aquele que não pode preservar a própria vida. A posteridade o servirá; falar-se-á do Senhor à geração vindoura. Hão de vir anunciar a justiça dele; ao povo que há de nascer, contarão que foi ele quem o fez." (Sl 22.27-31.) Neste salmo, Davi fala sobre "os confins da terra". Lembremos que naquele tempo não havia televisão, nem transporte aéreo supersônico, nem mapeamento feito por satélites. E mesmo assim, Davi possuía uma visão do mundo. Por quê? Porque ele estivera na presença de Deus. Fora instruído pelo próprio Deus. Embora não possuísse nem uma fração dos textos bíblicos que temos hoje, ele tinha o suficiente para receber instrução de Deus. E viu que um dia todas as famílias das nações do mundo iriam adorar a Deus. UMA PERSPECTIVA GLOBAL E nisso está uma importante fórmula de maturidade: aqueles que desejam integrar-se seriamente no serviço de Deus pedem a ele que lhes dê uma visão global, uma perspectiva bíblica, histórica. Quando leio os jornais, não fico parado nos detalhes políticos, mas tento enxergar a mão de Deus nos eventos que movimentam as nações. Ao saber que houve uma revolução em algum país, procuro não olhar o fato com a atitude mais comum: "Ah, é outro ególatra que enlouqueceu de vez. Matou o rei. Quem será que está no poder agora?" Não; em vez de pensar assim, pergunto a mim mesmo: "O que será que Deus está querendo fazer naquele país? Como será que isso afetará o trabalho missionário nessa região?" E embora possa até nunca vir a conhecer nenhum cidadão desse país, sei que posso orar pela nação. Aquele que quer realmente procurar conhecer a operação de Deus em todo o mundo, não deve contentar-se em levar uma vidinha tranqüila, buscando satisfazer seus anseios

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pessoais e seus desejos. Terá que ter uma visão mais ampla e uma paixão pelos perdidos. Davi agiu assim — e isso foi há milhares de anos. Quando eu era adolescente, minha mãe sempre dizia: — Existem milhões de pessoas que nunca ouviram falar de Jesus Cristo. Você tem que ir lá e falar a elas, Luís. Vamos realizar escolas dominicais. Vamos fazer cultos para crianças. Vamos fundar novas igrejas. E assim começamos a trabalhar para Deus, instruindo crianças e depois jovens. Às vezes tínhamos vigílias de oração, a noite toda, e muitas vezes levantávamos às cinco horas da manhã para estudar a Bíblia. UMA VISÃO QUE SE REALIZA Entre os meus dezoito e vinte e dois anos mais ou menos, Deus começou a me dar um grande anseio — um desejo intenso de evangelizar não apenas nosso bairro, mas toda a cidade. Depois, graças à influência de um certo missionário, essa visão se ampliou, e passei a pensar em todo o país, Argentina, e depois em toda a América Latina. Eu e meus amigos orávamos no sentido de que cinqüenta e um por cento da população de três países da América Latina se torrassem crentes realmente salvos. Na ocasião em que começamos a orar, isso nos parecia um sonho impossível. Mas hoje essa oração já está quase atendida em três ou quatro países da América Latina. E tenho fé para crer que um dia ainda verei presidentes crentes chegando ao poder em países desse continente. Portanto, não é de admirar que nossa visão esteja abrangendo o mundo todo. Sempre que prego em conferências ou em acampamentos evangélicos e tenho contato com jovens que amam a Deus, muitas vezes me pergunto se eles possuem essa mesma paixão pelas pessoas que ainda não estão em Cristo. Todos nós podemos ter essa mesma atitude, se nos dispusermos a passar muitos momentos em comunhão com Deus. Deus começou a

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colocar em minha mente a idéia de evangelizar milhões de pessoas através do rádio, da televisão e da literatura cristã, quando ainda tinha dezoito anos. Mas só depois, quando eu já estava com 32 anos, foi que apareceram as primeiras grandes oportunidades, embora antes disso Deus tivesse aberto algumas portas, aqui e ali. Mas esses anos de espera pareceram durar uma eternidade. Trabalhamos, esperamos, oramos e fizemos muitos planos. Fiz muitas anotações, gráficos, registrei idéias e planos, em vários cadernos. Houve momentos em que tive a impressão de que a resposta não viria nunca. Contudo, bem no fundo da alma, eu sabia que Deus estava realizando a obra. Não sabia como. Minha mãe era viúva e éramos muito pobres. Durante vários anos tive que trabalhar para sustentar minha mãe, cinco irmãs e um irmão. Entretanto, tinha certeza de que um dia Deus iria me atender. E durante aqueles doze anos sonhei, orei, planejei, fiz minhas anotações — e esperei. Eu creio que Davi tinha um sonho — o sonho de que um dia a terra se encheria da glória de Deus como as águas cobrem o mar. MESMO PERANTE REIS Quando eu tinha dezoito anos costumava orar da seguinte maneira: "Senhor Jesus, usa-me para evangelizar o mundo. Mas não apenas as crianças" — era o que eu fazia na ocasião, e não existe melhor maneira de se começar — "e não apenas com jovens e adultos, mas, Senhor, concede-me o privilégio de testemunhar de ti perante presidentes, reis e governadores." Mas não falei a ninguém sobre essa minha oração, pois as pessoas achariam que eu era meio convencido. Mas lá no fundo do coração eu desejava ter esse privilégio, e orava ao Senhor nesse sentido. Eu dizia: "Senhor Jesus, mesmo que eles me matem, falarei do evangelho para eles." Nesses últimos cinco ou seis anos, Deus me concedeu a bênção de ver realizado alguns desses grandes sonhos. Já tive

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diversas oportunidades de me sentar perante presidentes, e conversar com eles a respeito do Senhor Jesus com a mesma facilidade com que conversaria com uma criança num acampamento. É claro que me dirijo a eles com certo protocolo, mas o evangelho é o mesmo. Certa ocasião, Deus me deu a oportunidade de conversar com o presidente de um país da América Latina, em um Café presidencial. Antes de iniciar-se a reunião, ele me indagou: — Palau, sobre o que você vai conversar comigo? Quero saber para preparar uma resposta adequada. — Senhor Presidente, respondi, vou conversar sobre crises espirituais. — Crises! Exclamou ele erguendo as sobrancelhas. Eu é quem vou falar de crises! Ali estava eu, um evangelista, sentado ao lado do presidente, uma pessoa que eu conhecera fazia alguns minutos apenas, e no entanto ele já estava falando abertamente de crises profundas em sua vida pessoal. E enquanto ele falava, pensei comigo mesmo: "Não pode ser, Senhor. Este homem não é nenhum jovem estudante se abrindo comigo; é o Presidente da República que está abrindo seu coração, pedindo uma orientação espiritual." Anteriormente, já tínhamos ido a um outro país da América Central, e ali pedíramos uma entrevista com o Presidente. Concederam-nos apenas dez minutos para conversar com ele, mas ele nos reteve ali quarenta e cinco minutos. Quando a conversa começou a se tornar mais pessoal, ele pediu que seus assessores saíssem. Ficamos com ele apenas eu e mais dois membros de nossa equipe. Então, com grande emoção e falando devagar, ele disse: — A mensagem que vocês proclamam é a única solução para os problemas desta nação. Não existe nenhuma alternativa que possa salvar nosso país.

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— E nós achamos, Senhor Presidente, que essa é nossa contribuição para esta nação, expliquei. Queremos levar o maior número de pessoas possível a uma experiência de novo nascimento, com Cristo. Aí elas poderão ser melhores cidadãs, e a nação um lugar melhor. — Sei disso, falou ele. Estou de acordo com vocês. Sabe o que aconteceu? Dois anos depois, voltamos àquele país para fazer uma campanha na região ocidental dele. Quando entramos na segunda maior cidade do país, vimos ali cartazes que diziam o seguinte: "O governo convida a todos para ouvirem o pregador Luis Palau." O motorista do nosso carro quase saiu da pista! Aqueles cartazes tinham sido impressos na gráfica do governo, e tinham sido colados por funcionários do serviço público municipal, à noite, sem que tivéssemos de gastar um centavo. Eram cerca de cinco mil cartazes que foram pregados na cidade, por uma ordem do presidente ao seu pessoal de relações públicas. E tudo porque esse homem queria que seu povo ouvisse a mensagem de Jesus Cristo. Certa noite, quando saíamos de um dos cultos da campanha, notei um indivíduo com modos suspeitos que me observava meio escondido nas sombras, junto ao estádio. Então disse às pessoas que estavam comigo: — Fique de olho naquele homem, aquele que está indo para o carro. Parece muito apressado. Fiquem de olho nele. Assim que chegamos ao hotel, lá estava ele de novo, nas sombras, de pé na calçada. Entrei correndo e alertei os outros membros da equipe que foram lá e agarraram o homem. — O que você quer? Indagaram eles. — Foi o Presidente quem me mandou vir aqui, explicou. Ele era assessor do presidente para questões de turismo. — Se o Sr. Palau precisar de um carro, continuou, é só falar comigo. Também queremos colocá-lo num hotel melhor,

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e não neste hotel barato. Além disso, mandamos abrir a fronteira no norte, para que o povo possa entrar sem salvoconduto, para ouvir a pregação do Sr. Palau. E ele também pode vir aqui evangelizar todas as vezes que quiser. Deus abrira as portas. E nós nem tínhamos tido coragem de pedir coisas assim a ele. Alguém dirá: "Mas tudo isso para um evangelista argentino? Como foi que isso aconteceu?" Eu creio que isso aconteceu quando eu tinha dezoito anos, quando comecei a orar pedindo a Deus que nações inteiras pudessem ouvir as Boas-Novas. Pedi ao Senhor que fizesse isso. E o Senhor o fez, e ainda irá fazer mais, várias e várias vezes. QUE SUA LUZ RESPLANDEÇA ONDE VOCÊ ESTIVER O texto de Lucas 16.10 diz o seguinte: "Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito." Então, primeiramente, cada um deve "brilhar" no lugar onde se encontra — testemunhar a todas as pessoas que puder, na sua "Jerusalém". Dedique-se de todo coração ao serviço que Deus colocou em suas mãos, por mais secular e mais corriqueiro que ele pareça. Mas faça orações grandiosas, e cultive grandes sonhos diante de seu Pai. Isso não quer dizer que temos de ser perfeitos para que o Senhor nos use. Pergunte à minha esposa se sou perfeito... Ela lhe dirá. Mas esse texto ensina que, se alguém for fiel dentro do conhecimento que possui, se for obediente às orientações que Deus lhe apresentar a cada dia, ele abrirá outra porta de oportunidade, e depois outra. E depois mais outra. As únicas limitações que nosso serviço no reino de Deus pode encontrar são as que nós mesmos criamos, ou por infidelidade, ou por falta de santidade, ou por desobediência. Mas não sendo por isso, qualquer um de nós pode ser usado por Deus de maneira poderosa. Muitos sabem de certo país da América do Sul, onde os crentes eram perseguidos, mesmo recentemente, em 1958. Essa perseguição ainda ocorria quando eu e minha esposa e nossos dois filhos fomos morar lá. Naquela época, havia

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pouquíssimos missionários no país. Muitos haviam saído durante um período de violência, em que morreram duzentos e cinqüenta mil pessoas — das quais 135 eram pregadores do evangelho — e ainda não tinham retornado. Naquela época de trevas, oitenta e cinco igrejinhas tinham sido bombardeadas. Era uma época muito difícil. Achávamos que poderíamos até ser mortos. Sabíamos que poderíamos ser assassinados e nossos filhos seqüestrados. Mas sentimos paz com relação à nossa ida para lá, e quando orávamos com um dos diretores da missão, críamos que essa nação tão violenta iria abrir-se, e todo o seu povo iria ouvir o evangelho. Um padre jesuíta havia documentado os planos que o governo e a sua igreja tinham feito para destruir todos os crentes, nessa ocasião. E os planos quase tiveram pleno êxito; só que, como diz o Salmo 2, o Senhor riu-se deles. Deus interveio e, com a ajuda de muitos jovens daquela terra, começamos a fazer cultos ao ar livre e cruzadas evangelísticas. Os jovens organizaram também uma campanha para a mocidade, e resolveram fazer um desfile pela principal rua da capital. E eles foram carregando cartazes com os dizeres: "Eu creio em Jesus", e "Crê no Senhor Jesus Cristo". Uma estação de rádio local começou a tocar um disco de músicas evangélicas durante o desfile, e todos ali levavam radinhos de pilha para cantarem juntamente com a transmissão, enquanto marchavam pela rua. Não sabíamos se alguém viria, nem o que a polícia iria fazer. Foi uma cartada muito perigosa. Como fora eu quem levara os jovens a realizar aquela marcha, pediram-me que eu fosse o pregador da campanha, e tive que liderar a parada. E pensava: "Puxa, que maravilhosa maneira de se morrer!" Lá estava eu, com um rádio de pilha na mão, cantando "Avante, Avante, Oh, e ao mesmo tempo pensando de onde seria que a polícia iria surgir. Começamos com cerca de 7.000 pessoas, na maioria jovens, e alguns adultos. Eram de todas as partes do país, e

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tinham se reunido ali. Quando começamos a caminhada, outras pessoas se juntaram a nós. Aquele dia era feriado — o Dia da Virgem Maria — e então muitos outros se foram alinhando conosco, sem saber que procissão era aquela. Houve até seis padres que seguiram conosco. Quando chegamos à praça principal, no coração da cidade, lá já se encontravam cerca de vinte mil pessoas. Mais tarde, um de meus amigos me disse que subi as escadarias do edifício-sede do governo e me pus a rir. Não me lembro de ter feito isso, mas acredito. Estava-me sentindo muito feliz, pois chegara o dia pelo qual havia orado durante doze anos. E as portas tinham-se aberto de forma grandiosa. O gabinete do presidente da república era justamente nessa praça. E no momento em que cantávamos "Grandioso és tu!" ele saiu e aproximou-se da multidão ali reunida. Então perguntou a um dos membros da Cruzada Estudantil: — Afinal de contas, o que é isso? — São os crentes que estão cantando, Senhor Presidente, respondeu o outro. Eles vão colocar uma coroa de flores aos pés da estátua de Bolívar. E aquele homem que lá está vai fazer um discurso. — Ora, ora, comentou o presidente, se esses crentes conseguem reunir uma multidão assim na capital, então são capazes de eleger um presidente. Aquilo realmente o deixou abalado. Hoje, as igrejas evangélicas desse país são das que mais crescem no mundo. E tudo começou pela fé e pelas orações de muitos crentes — não éramos somente nós — incluindo alguns missionários fiéis, que aguardavam o momento em que Deus abrisse as portas, e já esperavam isso havia muitas décadas. De lá para cá, muitas coisas aconteceram. No ano passado, eu estava voltando do Peru, onde fora realizar uma cruzada evangelística, e passei por esse país, onde pregamos em uma campanha de três dias e uma conferência de pastores.

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Quando ali estávamos, recebi um telefonema da parte de um ex-presidente da nação, que também é um dos homens mais ricos da terra. Sabíamos que quinze ou vinte anos antes, pessoas da família dele também haviam apoiado a perseguição contra os crentes. Fui convidado a comparecer ao seu gabinete, no décimo nono andar de um edifício da cidade. Sentamo-nos, tomamos um cafezinho e conversamos sobre trivialidades por alguns instantes. Afinal, passamos a falar do que realmente interessava. — Estou achando que os ateus vão tomar nosso país, disse-me ele. Estamos convencidos de que a única mensagem que pode ideologicamente deter o ateísmo e evitar que a família se desmorone é o evangelho que vocês, os crentes, pregam. E isso foi dito por uma pessoa cujos aliados tinham estimulado a perseguição aos evangélicos, havia poucos anos. No decorrer da conversa, expliquei a ele que, num outro país, havíamos realizado um trabalho que denominávamos "Festival da Família". Nesse programa, nosso objetivo era ajudar as famílias com seus problemas, e para isso utilizávamos a televisão, o rádio, fazíamos cultos especiais, séries de conferências e tínhamos centros de aconselhamento. — Palau, disse ele, se você quiser realizar um desses festivais da família em nossa terra, para o país todo, ajudaremos a financiar o programa. Alguém poderá dizer: "Isso é jogada política". E eu respondo: "Se quiserem financiar o projeto, que façam sua jogada política. Enquanto isso, nós estamos tendo a oportunidade de pregar o evangelho para vinte e cinco milhões de pessoas." Deus pode fazer qualquer coisa; pode mover montanhas de granito. E pode fazer isso em nossos dias. Alguns meses depois dessa entrevista, fomos convidados para um banquete presidencial nessa mesma cidade. A lista de convidados era um verdadeiro rol de gente importante. Além

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do presidente, entre os presentes contavam-se três expresidentes, três candidatos a presidente, os mais altos oficiais militares, embaixadores de diversos países do mundo, e muitos homens ricos do país. Pediram-me que desse uma mensagem evangelística de trinta minutos, e o presidente disse: — Palau, essa mensagem vai ser transmitida para todo o país pela televisão. E o foi mesmo. Isso está acontecendo em toda a América do Sul. O povo está-se entregando a Cristo não de um em um, ou dois em dois, como antes, mas de vinte em vinte, cem em cem. PARTICIPE DESSE MILAGRE Você também pode participar de um milagre como esse. Mas talvez você pense: "Não, Luís, eu não tenho o talento que você tem. Não sou pregador. Não posso viajar como você." Não é isso que importa. Ninguém precisa ser um grande pregador, ou uma pessoa reconhecida publicamente. Você anda com Deus? Você faz grandes orações e tem grandes sonhos? Qualquer um de nós, se estiver andando com Deus como Davi andou, pode ser usado por ele para abalar grandes nações e ganhá-las para Cristo. Ninguém precisa ser um "super" em alguma coisa. Deus realiza coisas maravilhosas que não conseguimos entender. Davi queria ser usado por Deus para conduzir seu povo ao Senhor. E onde foi que Deus o encontrou? Num pasto — um adolescente cuidando de um bando de ovelhas. Mas ele tinha um coração totalmente voltado para Deus, um coração dedicado ao povo, possuía uma visão que abrangia todo o mundo, e uma perspectiva histórica ampla. Já naquela época, nos dias do Velho Testamento, Davi queria ser usado por Deus para levar os homens a ter um relacionamento correto com ele. Deixe-me perguntar-lhe uma coisa: você tem esse forte desejo de que as pessoas conheçam a Cristo? Se não tem, o que pode fazer? Pode orar nesse sentido. Ajoelhe-se sozinho, ou

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com seu cônjuge, e ore da seguinte maneira: "Senhor, quero ter compaixão pelos perdidos. Há momentos, Senhor, em que não me importo com eles. Mas sei que isso é errado. Dá-me esse amor pelas pessoas, e não apenas por meus parentes e vizinhos, mas pelas nações de que não gosto. Dá-me amor pelos perdidos." No Salmo 51, Davi diz o seguinte: "Purifica-me, Senhor; perdoa-me; dá-me um espírito voluntário. Então ensinarei o teu caminho aos transgressores, e os pecadores se converterão a ti." Deus pode usar qualquer pessoa que tenha um coração assim. Mesmo que você não tenha tido oportunidade de estudar como gostaria de ter tido — e isso teria sido muito bom — Deus pode usá-lo. Eu mesmo não estudei tudo que eu gostaria de ter estudado, mas Deus tem achado por bem usar-me em sua obra. Creio que ele me usa porque eu desejo de todo o coração ser usado por ele. E ele pode agir da mesma forma com você. Deus pode realizar coisas grandiosas por intermédio de qualquer pessoa que se colocar nas mãos dele — seja homem ou mulher, jovem ou idoso. Na conferência de Urbana2 em 1976, eu disse aos universitários crentes ali reunidos, cerca de 17.000 jovens: "Arranje um mapa. Pegue um mapa de um país que está em seu coração, ou mesmo um mapa-múndi, e comece a orar pelas nações. Passe um bom tempo a meditar sobre as nações. A intercessão é um ato espiritual, e orando no Espírito Santo podemos imobilizar os poderes das trevas. Ore até sentir que o contorno de um mapa de um país está como que “gravado a fogo em seu coração.” (Ver Romanos 15.30-33.) Pela oração, podemos mesmo deter a mão de Satanás (ver Daniel, caps. 9 e 10). Acredito que, pela oração no Espírito Santo, podemos até derrubar governos. Mas são muito poucas as pessoas que já aprenderam a orar assim e que praticam esse tipo de oração. Pode ser que Deus nunca o leve para a índia ou 2

Tradicional conferência com ênfase missionária, que a cada quatro anos reúne milhares de jovens no estado de Illinois, E.U.A.

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para o Paquistão, mas pode usá-lo, com sua intercessão, para abrir esses países para Jesus Cristo, e para o evangelho. Lembro-me de que na primeira vez em que visitei os Estados Unidos, fui a uma conferência sobre missões, em Michigan, e ali fiquei conhecendo um missionário que trabalhava no Paquistão. Então senti um peso muito grande para orar por esse país, embora meu trabalho evangelístico e minha missão estivessem concentrados na América Latina. E quando orava, senti que algum dia Deus iria levar-me ao Paquistão e à índia para pregar o evangelho de Jesus Cristo. Passaram-se dezesseis anos, e hoje estou recebendo convites para realizar campanhas evangelísticas em diversas cidades da índia. Quando estávamos realizando uma cruzada evangelística em Essen, na Alemanha, uma das maiores alegrias que tive ali foi conhecer um jovem paquistanês de nome Abdul, que estudava engenharia na Alemanha. E durante a cruzada Abdul entregou a vida a Jesus Cristo. Tenho uma fotografia dele — é um paquistanês muito simpático. E depois eu lhe disse: — Sabe de uma coisa, você é o primeiro paquistanês que eu ganho para Jesus. Para mim, isso é uma resposta de oração. Acredito que algum dia Deus vai levar-me ao seu país. Faz dezesseis anos que estou orando por sua terra. Ele me fitou admirado e disse: — Quer repetir o que disse? — Faz dezesseis anos que estou orando pelo Paquistão. — Mas por que está orando pelo Paquistão há dezesseis anos? Indagou ele comovido. — Porque amo todos vocês, embora não conheça os paquistaneses. Deus me deu esse peso de oração. Ele começou a chorar: — Então eu vou ajudá-lo a ganhar o Paquistão para Cristo, falou.

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Ele fora salvo havia cinco minutos, e já tinha o anseio de ganhar seu país. Deus pode realizar obras miraculosas em nossa vida. Mas temos que dar a ele a chance de operar em nós. O nosso problema é o seguinte: em vez de nos apresentarmos a ele como "ressurretos dentre os mortos", perdemos nosso tempo diante de aparelhos de televisão, ou com passatempos fúteis, ou passeios de férias, e não temos uma visão geral do mundo. Repetimos um amontoado de palavras vazias, dizendo que estamos ao dispor de Deus — mas se ele quisesse usar-nos, será que conseguiria comunicar-se conosco? Lembra como foi que David Wilkerson sentiu o chamado de Deus para trabalhar entre as perigosas quadrilhas de rua, de Nova Iorque? Isso aconteceu depois que ele resolveu vender seu aparelho de televisão e passar as horas que ele dedicava à televisão em oração diante de Deus. E uma noite, quando estava de joelhos em sua antiga saleta de tevê, Deus o desafiou a assumir esse grande ministério. O que estou querendo dizer com isso? Que todo mundo deve vender seu aparelho de televisão? Não é bem isso. A questão é: você está atento à voz de Deus? Até onde está disposto a orar e agonizar pelas pessoas não salvas, que não são seus amigos e parentes? Até onde está preparado para começar, aí onde está, a realizar a obra de ganhar vidas para Cristo, em seu próprio bairro, à sua maneira, por mais humilde que isto seja? Foi isso que o Rei Davi teve de fazer. Ele começou quando era adolescente. Aos trinta anos, ganhou parte do reino. E finalmente, aos trinta e sete, conquistou toda a nação. E onde quer que fosse, Deus lhe dava sucesso e fama. Você tem uma visão do mundo? Tem uma perspectiva ampla, histórica? Quando você lê os jornais ou as revistas semanais, você vê as nações com os olhos de Deus? Ao saber do que se está passando no mundo, você diz: "O que será que meu Pai está querendo fazer? O que ele está fazendo em

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Taiwan? O que está fazendo na China Vermelha? E em Nova Iorque?" Temos que nos envolver nas batalhas espirituais nos lugares celestiais. Leia Efésios 6.10-20. Deus pode atender as orações de pessoas praticamente desconhecidas, e abrir as portas das nações para si mesmo, e para sua glória. Ele fez isso por intermédio de Davi. Está fazendo o mesmo hoje. E poderá fazer também por seu intermédio. Ele quer fazer isso. E você, quer?

8. UMA FLECHA AGUDA, PREPARADA 120

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Se alguém fosse fazer para Davi uma lápide com um epitáfio gravado, uma boa frase seria a que diz respeito a ele em Atos 13.36: "Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração conforme o desígnio de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu corrupção." Davi serviu à sua própria geração conforme os desígnios de Deus. Morreu. Foi sepultado. Esse é o destino de todos. As pessoas nascem, vivem, morrem e seus corpos entram em decomposição. Muitas pessoas criadas segundo a cultura ocidental não gostam de nada que diga respeito à morte. Quando alguém morre, ficam aflitas para que a funerária venha e leve o corpo. Hoje em dia a maioria das pessoas morre em hospitais, separados de suas famílias e principalmente longe da vista das crianças. Eu tinha dez anos quando meu pai morreu. Eles queriam que eu não fosse ao cemitério e não presenciasse a cerimônia fúnebre, mas eu quis ir. Então pulei a janela da cozinha e me escondi num caminhão que ia para o cemitério. E ali, um pouco distante, vi quando colocaram o corpo de meu pai na terra. Foi uma experiência traumatizante, mas também uma das mais salutares experiências de minha vida. Sabia que meu pai tinha morrido cantando um hino. Ele tinha consciência de que iria estar com Jesus após a morte. E a inerrante Palavra de Deus nos assegura: "Desejamos antes estar ausentes deste corpo, para estarmos presentes com o Senhor" (2 Co 5.8 — IBB). Vendo o corpo dele ser enterrado, lembreime de que me haviam dito que algum dia seu corpo ressuscitaria. E naquele momento, ali no cemitério, sozinho, eu cri nisso. Sofria muito ao saber que nunca mais iria ver meu pai; mas sabia também que ele estava melhor do que eu. Hoje me sinto feliz de ter visto meu pai ser sepultado. Aquilo me fez pensar na vida com muita seriedade, apesar de tão novo ainda. A partir daquele dia, compreendi que a morte

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era um fato real, e não algo que só acontece nos filmes. Compreendi que acontecia com pessoas de carne e osso, com nossos entes queridos. UMA RAZÃO PARA VIVER A todo momento há alguém morrendo. Você também irá morrer, a não ser que Jesus volte antes (1 Ts 4). Talvez você seja uma dessas pessoas que estão vivendo tranqüilamente — assinando cheques, fazendo a barba diariamente, tomando banho, almoçando e jantando, comprando e vendendo, criando seus filhos, pagando sua hipoteca, e pensando que a vida consiste apenas nisso. Mas será que a vida é isso? Não. A vida não é só isso; é mais. Existe um propósito definido na vida para aqueles que estão aguardando o momento de estar com Jesus. Davi tinha um propósito na vida; é o que afirma o texto de Atos 13.36. Seu propósito era o desígnio de Deus — em sua geração. Podemos nos ater aos erros da geração passada e ficar a todo tempo reclamando deles; sonhar com as gerações futuras e com o quanto podemos influenciá-las; mas não podemos fazer nada de prático com relação a essas duas gerações. Contudo, podemos causar um sensível impacto em nossa geração. Convivemos com apenas uma geração. É claro que podemos modificar um pouco os atos da geração passada. Podemos também deixar alguma influência para a futura. Mas Deus nos responsabiliza pela nossa geração. Ê nela que devemos concentrar nosso propósito de vida. Isso é maravilhoso! Todo ser humano normal, qualquer pessoa de bom-senso, na realidade quer viver uma vida proveitosa, uma vida útil. Só um alienado — e mais especificamente um alienado espiritual — quereria passar pela vida como mero espectador: pegar seu pagamento no fim do mês, sair de férias, pegarem outro pagamento, sair de férias outra vez, e deixar-se levar pela ilusão de que a vida é só isso. Muitas das pessoas que não pertencem ao Corpo de Cristo vivem assim. Mas não posso imaginar um verdadeiro crente que deseje apenas navegar sem rumo certo pelo rio da vida para

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ir acabar no mar ou bater de encontro a alguma rocha submersa. É muito melhor realizar o desígnio de Deus para nós. E a verdade é que ele tem um propósito para cada um. AS ARMAS DA JUSTIÇA Há um verso em Romanos que não menciona o nome de Davi mas que fala com grande autoridade sobre a maneira como ele viveu. "Nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros a Deus como instrumentos de justiça." (Rm 6.13.) Uma outra palavra que traduz esse termo "instrumentos" é armas. Então o verso ficaria assim: "Oferecei-vos a Deus como armas da justiça." Não é grandioso? Isso significa que na verdade posso como que pegar a mim mesmo, e me apresentar a Deus dizendo: — Senhor, ofereço-te os membros do meu corpo como armas da justiça, para tu as usares. E pensar que meus olhos, minhas mãos, minha boca, minha mente, minhas emoções, minha vontade — todos podem ser armas na mão de Deus. Que idéia que nos estimula espiritualmente! Como está você? Ê uma arma da justiça ou da iniqüidade? Lembre-se de que não há meio-termo. Ninguém pode dizer: "Ah, aos domingos sou uma arma da justiça, mas nos outros dias da semana a gente pode ir com calma, não é? Davi sempre quis ser uma arma poderosa nas mãos de Deus, desde os seus primeiros anos. E não é melhor tomar a decisão de servir a Deus desde a juventude? Quanto mais consagrado for o crente, o mais cedo possível na vida, mais poderoso será como arma nas mãos de Deus. Deus pode usar qualquer um. Aliás, certa vez, ele resolveu usar até uma jumen-

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ta. Mas, na verdade, ele prefere usar pessoas santas, totalmente rendidas a ele. Robert Murray M’Cheyne foi um discípulo de João Wesley. Era um jovem de grande poder, que morreu aos trinta e oito anos. A História guardou para nós uma das cartas que ele escreveu a um homem de nome Edwards. Tenho um trecho dela copiado na primeira página de minha Bíblia. Diz assim: "Sr. Edwards, o seu sucesso será proporcional a sua santidade. Um homem santo é uma arma poderosíssima nas mãos de Deus." Uma arma poderosíssima! Acredito que a maioria dos crentes tem que confessar que é qualquer coisa, menos uma arma poderosa. Contudo podemos sê-lo, e a Bíblia diz que somos armas. E como Deus deseja ouvir de nós esta oração: "Senhor, aqui estou eu. Aqui estão os membros de meu corpo. Eu os ofereço a ti. Usa-os como armas da justiça." É impossível calcular o que Deus pode fazer com uma vida que se rende a ele dessa forma. Ele pode usá-la poderosamente, pode levá-la a qualquer parte do mundo, pode fazer com ela o que ele desejar, mas, independentemente, sem dúvida, ele fará dela e dos membros de seu corpo armas de justiça. Por que você não toma essa decisão agora, baseado em Romanos 12.1,2? Seja você homem ou mulher, jovem ou idoso. Quanto mais cedo a tomar, melhor será. Dessa maneira estará previamente se poupando das cicatrizes e lembranças amargas e tormentosos remorsos de uma vida vivida longe de Deus. É por isso que tenho me dedicado a reuniões e cruzadas para jovens, em que estudantes e obreiros podem consagrar aos propósitos de Deus uma vida ainda nova, sem cicatrizes. Pode ser até que eles não compreendam todas as implicações da decisão tomada, mas, se estiverem sendo sinceros, Deus receberá essa decisão, e começará a usá-los. NÃO CAPACIDADE, MAS DISPONIBILIDADE

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Talvez alguém pense que não é muito inteligente, nem muito instruído, nem muito bonito, e portanto, Deus não pode usá-lo. Recordo-me de um fato sucedido em uma de nossas cruzadas evangelísticas, no Paraguai, há alguns anos. Como todos sabem, em nossas cruzadas, sempre abrimos centros de aconselhamento familiar, para fornecer orientação espiritual aos que nos procurarem. O encarregado de organizar esses centros e instruir os líderes locais é o Rev. James M. Williams, um dos membros de nossa equipe. Normalmente, ele convida para esse trabalho pastores ou profissionais liberais, pessoas com formação superior e pós-graduação. Ele procura conselheiros que saibam não só como levar pessoas a Cristo, mas também como lidar com sérios problemas familiares, com questões tais como divórcio, adultério, homossexualismo, etc. Nessa ocasião, no Paraguai, num dado momento, havia cerca de setenta pessoas aguardando para conversarem com um conselheiro. Mas como tínhamos apenas trinta e cinco crentes treinados para fazer esse trabalho, alguns tiveram de ficar esperando. Sendo o diretor desse trabalho, Jim começou a ficar nervoso com a situação, e mais ainda porque um dos crentes que ali fora para fazer treinamento de conselheiro, não era profissional. Na verdade, esse homem — vamos chamá-lo de José — não sabia ler nem escrever. Mas amava muito a Deus e tinha uma memória fantástica. Ele assistiu a todas as aulas de preparação dos conselheiros, e na hora de fazer o exame respondeu tudo com perfeição, pois tinha memorizado tudo durante as aulas. Mas como o José não sabia ler nem escrever, Jim pedira à recepcionista para não lhe encaminhar nenhum caso, a não ser que fosse coisa sem gravidade, pois ele poderia desorientar a pessoa. Certo dia, todos os conselheiros estavam ocupados, quando chegou um homem de excelente aparência. Era evidente que se tratava de pessoa da alta classe média, de alto nível. E o único conselheiro disponível era justo o José. A

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secretária ficou sem saber o que fazer. Mas José estava atento, e aproximou-se e disse: — Eu posso conversar com este senhor. A secretária ficou acanhada de recusá-lo e dizer: "Não, José, vamos chamar o supervisor, o Sr. Williams." Então os dois foram sentar-se, e José conversou com o homem e conduziu-o ao conhecimento de Jesus Cristo. Soubemos depois que o homem era médico. Nesse meio tempo, a secretária já conseguira entrar em contato com Jim e lhe explicara a situação. Quando José e o médico saíram da sala após o aconselhamento, Jim foi cumprimentar o médico bastante preocupado, mas em resposta só recebeu um rápido e formal "Olá!" Então pensou: "José deve ter estragado tudo." E virou para a secretária e disse: — Na próxima vez em que aparecer aqui alguma pessoa de aparência distinta procurando uma palavra de aconselhamento, encaminhe-o para outra pessoa, e não para o José. Se eu estiver ocupado pode ir me chamar assim mesmo, e eu cuido do caso. No dia seguinte, o médico voltou, mas dessa vez acompanhado de dois homens. Eles também eram bem vestidos, com aparência de pessoas importantes. E mais uma vez, o lugar estava lotado e todos os conselheiros ocupados, a não ser aquele irmãozinho analfabeto, que se achava ali sentado, sem fazer nada. A secretária correu para chamar o Jim, que veio apressadamente e logo se mostrou todo cheio de atenções. — Oi, doutor, como vai o senhor? E o médico respondeu: — Eu gostaria que meus dois amigos aqui tivessem uma entrevista com o homem que conversou comigo ontem e me ensinou a receber Jesus Cristo em minha vida.

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— Eu terei prazer em falar com o senhor, disse Jim. — Não, replicou o médico, quero que o José converse com eles. Então eles tiveram que ir chamar o irmão analfabeto. Ninguém sabe o que José disse àqueles homens, pois o médico quis que ficassem a sós. Mas a verdade é que ele ganhou aqueles outros dois — que também eram médicos — para Jesus Cristo. E para culminar, aqueles três, no dia seguinte, levaram um outro amigo que estava passando por problemas de relacionamento familiar. E o mesmo irmão analfabeto levou este quarto senhor a Jesus Cristo. Na semana seguinte, aqueles médicos deram uma festa, e a única pessoa do nosso grupo de aconselhamento que convidaram para ela foi o humilde e inculto José. A maioria das pessoas age como Jim. Nós teríamos olhado para o José e pensado: "Esse homem é totalmente incompetente." Até para preencher os cartões de decisão, ele precisava da ajuda de seu sobrinho de doze anos. Depois que ele conversava com o novo convertido, o garoto preenchia o cartão. Mas em três dias, Deus o usara para ganhar quatro médicos para Jesus. Aquilo que somos não tem muita importância para Deus; o que realmente importa é se estamos à disposição dele para o serviço. Se Deus pôde usar um irmão humilde como José para ganhar para Cristo pessoas sofisticadas, doutores — e eles gostaram tanto dele que deram uma festa para ele — o que não poderia fazer por seu intermédio se você se rendesse a ele? Quanto ele não poderia realizar se você lhe dissesse: "Senhor, eu lhe ofereço os membros do meu corpo como armas da justiça"? Davi fez isso. Ele serviu à sua própria geração, pela vontade de Deus. Depois adormeceu e viu a corrupção; em outras palavras, morreu. Esse foi o fim de Davi. E algum dia será o fim de todos nós. E quando morrermos, a pergunta que

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ficará no ar será: "Você obedeceu aos propósitos de Deus nesta geração, ou preferiu flutuar pela vida, como um peixe morto que é carregado pela correnteza?" A decisão é sua. PORTAS GRANDES, DOBRADIÇAS PEQUENAS Se você é crente, Deus, com toda certeza, tem um plano para você, quer que você faça alguma coisa. Talvez seja algo que até sobrepuje sua imaginação e sonhos mais ousados. Deus pode operar abundantemente em sua vida, muito mais do que você pensa, ou mais do que peça. Nasci e me criei na Argentina. Sou sul-americano. Não tinha amigos influentes. Minha mãe era viúva e eu tive que trabalhar para ajudar no sustento dela. Do ponto de vista humano, não havia a menor possibilidade de eu vir a realizar meu sonho de me tornar um evangelista de massas, no continente. Mas certo dia Deus mandou à Argentina dois homens, dois americanos de quem eu nunca ouvira falar. Um era o Dr. Dick Hillis, e o outro, o Dr. Ray Stedman. Nessa ocasião, eu tinha vinte e dois anos. Como havia estudado em colégio interno inglês entendia bem essa língua, e fui assistir aos cultos em que eles iriam pregar. Fui mais por curiosidade, mas também porque algo me atraía para lá. Após os cultos, ia conversar com eles. E como resultado desses contatos, que ao todo não duraram mais que trinta e seis horas, Deus abriu amplas portas para que seu nome fosse glorificado. Pouco depois ele me tirou da Argentina, e me levou para a escola bíblica de Multnomah, em Portland, Oregon. Ali conheci minha esposa, Patrícia. E mais e mais portas foram-se abrindo, e muitas outras coisas começaram a acontecer. Mas eu nunca poderia ter previsto isso em minha juventude. Eu não forcei Deus, nem a ninguém, para que isso acontecesse. Só fiquei esperando que ele agisse na hora certa. E você também pode fazer o mesmo. A promessa do Salmo 37.35 é para todos nós. Não quero dizer com isso, porém, que um dia você irá pregar o evangelho para presidentes. Pode ser que Deus tenha um plano até melhor para você. Existe um velho

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ditado que eu gostaria que fosse da Bíblia, e que diz o seguinte: "Portas grandes giram em dobradiças pequenas." Quando fui assistir àqueles cultos em que Hillis e Stedman estavam pregando, não tinha a menor idéia do que iria acontecer, nem imaginava que a partir daquele dia minha vida iria tomar um novo e maravilhoso rumo. Eu simplesmente fui àquele culto porque senti vontade de ir, e agora vejo que Deus queria que eu fosse. Eu poderia ter ficado em casa, lendo um livro, ou ter ido passear. E minha vida teria sido muito diferente. No dia em que Jessé pensou em mandar alimento para seus filhos que se achavam na frente de batalha, Davi poderia ter dito: — Ah, para que vou arriscar minha vida levando esses sanduíches para meus irmãos? Deixe que comam a comida do exército mesmo. Eu vou tomar conta das minhas ovelhas. Se tivesse dito isso, Davi nunca teria tido seu encontro com Golias... nem com seu grande destino. Mas talvez você esteja aguardando um grande evento. E esse grande evento pode nunca acontecer. Existe uma frase já muito batida e conhecida pelo mundo: "Levei vinte anos para ficar famoso da noite para o dia." Em outras palavras, isso não acontece da noite para o dia. CONFIE EM QUE DEUS AGIRÁ NA HORA CERTA O que Deus quer é que você esteja totalmente rendido a ele, e à disposição dele para o serviço, no lugar onde ele o colocou. Deixe-o operar em sua vida tornando-o uma poderosa arma da justiça. E se ele resolver deixá-lo por algum tempo em sua aljava, em vez de atirá-lo contra um grande alvo, então tudo bem. Não se preocupe com isso. Ele sabe o que está fazendo. Quanto a você, preocupe-se apenas em ser uma flecha aguda, preparada para ser usada — à disposição dele para a hora que ele quiser, para glorificá-lo.

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"Espera pelo Senhor, tem bom ânimo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo Senhor." (Sl 27.14.) Aceite esse conselho de uma pessoa que sabe do que está falando — do próprio Davi. Esperar no Senhor é a maior prova de que se possui um coração segundo o coração de Deus.

Luis Palau é o presidente do Grupo Evangelístico Luis Palau, um grupo internacional cujo ministério de âmbito mundial tem como objetivo declarado pregar a mensagem de Jesus Cristo onde ele mandar; incentivar, revitalizar, e mobilizar a igreja para que ela se empenhe num evangelismo mais eficaz; organizar novas igrejas; inspirar e incentivar jovens para que entrem no serviço cristão em tempo integral.

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