Pontifícia Universidade Católica de Campinas Centro de Linguagem e Comunicação Faculdade de Jornalismo Turno Noturno – Período 5º Semestre
CARLA GIOVANNA VIDO GABRIELA FERREIRA ROSSI PRISCILA MICHELE DE SOUZA RAPHAEL MAESTRI GNIPPER RAYSSA FAGUNDES SANTOS SHEILA APARECIDA FIRMINO
Análise do Processo de Produção da revista Caros Amigos
CAMPINAS 2011
CARLA GIOVANNA VIDO GABRIELA FERREIRA ROSSI PRISCILA MICHELE DE SOUZA RAPHAEL MAESTRI GNIPPER RAYSSA FAGUNDES SANTOS SHEILA APARECIDA FIRMINO
Análise do Processo de Produção da revista Caros Amigos
Monografia apresentada como exigência parcial para aprovação na disciplina Pesquisa Aplicada ao Jornalismo, da Faculdade de Jornalismo, do Centro de Linguagem e Comunicação, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, sob a orientação do Profª. Rosemary Bars Mendez.
CAMPINAS 2011
Dedicamos Este trabalho a todos os que entenderam e nos
apoiaram
a
cada
momento
da
elaboração do mesmo, pois nosso esforço fez com que os valorizasse ainda mais pela compreensão momentos informações
de
destinada
a
nós
nos
ausência
e
busca
por
que
conteúdo deste.
complementassem
o
"O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter." (Cláudio Abramo)
RESUMO Desenvolvido de uma forma que o leitor possa entender por completo como é feita a Revista Caros Amigos, este trabalho tem por finalidade analisar o processo de produção da revista, desde a reunião de pauta até a finalização do periódico, tudo isso dividido em três capítulos. O primeiro capítulo é baseado em uma bibliografia onde são explicados os elementos da revista, como Fotojornalismo, o Jornalismo de Revista além do Jornalismo Generalizado e da Caros Amigos. No segundo capítulo a metodologia é desenvolvida de maneira compreensiva para que o leitor possa compreender como a revista foi analisada, além de esclarecer um pouco a Teoria do Newsmaking, base deste trabalho. Ao final do trabalho, o terceiro capítulo explica toda a análise que foi feita durante o processo, desde a introdução até a análise dos assuntos que são abordados na revista.
Palavras-chave: Jornalismo; revista; newsmaking; Caros Amigos.
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................... 07 CAPÍTULO 1 1.1 JORNALISMO DE REVISTA ......................................................................... 08 1.2 JORNALISMO E REPORTAGEM ................................................................. 12 1.3 FOTOGRAFIA EM REVISTA ........................................................................ 18 1.4 A CAROS AMIGOS ....................................................................................... 20
CAPÍTULO 2 METODOLOGIA ............................................................................ 24 2.1 EMBASAMENTO TEÓRICO ......................................................................... 24 2.2 NEWSMAKING ............................................................................................. 24 2.3 AMOSTRAGEM NÃO PROBABILÍSTICA ..................................................... 27 2.4 ANÁLISE QUALITATIVA...................................................................................28 2.5 ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE................................................................29 2.5.1 SELEÇÃO DOS INFORMANTES..................................................................30 CAPÍTULO 3. ANÁLISE DO OBJETO PESQUISADO...........................................32 3.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................32 3.2 COLABORADORES.........................................................................................33 3.3 ESTÉTICA DA REVISTA..................................................................................34 3.4 AMOSTRAGEM...............................................................................................35 3.5 PAUTA.............................................................................................................35 3.6 ANÁLISE DOAS ASSUNTOS ABORDADOS...................................................37 CONCLUSÃO....................................................................................................... 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 42 ANEXOS .............................................................................................................. 43
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INTRODUÇÃO Como o próprio título deste trabalho descreve, o objetivo do mesmo é levar ao conhecimento e entendimento o que realmente é preciso aprender sobre o processo de produção da Caros Amigos. Desde o início da elaboração desse projeto, o critério para a escolha da revista como objeto de estudo foi motivado pela escassez de pesquisas sobre ele. Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento da pesquisa foi a familiaridade dos membros do grupo com a revista, uma vez que a Caros Amigos faz parte do acervo de leitura dos integrantes. O trabalho a seguir foi dividido em três capítulos: O primeiro, baseado em análise bibliográfica e pautado por autores como Cremilda Medina de Araújo, José Francisco Bicudo Pereira Filho e Marilia Scalzo para conceituar os elementos presentes na publicação como Jornalismo em Revista, Fotojornalismo, Jornalismo Generalizado e a Caros Amigos. No segundo capítulo, são apresentadas metodologia e técnicas de pesquisa através das quais analisou-se a Caros Amigos. Para tanto, tomou-se como base a teoria do newsmaking, uma vez que, mediante análise, concluiu-se que o processo de produção da revista influencia diretamente na seleção e conteúdo dela. Por meio de análise descritiva, entrevista em profundidade e amostragem não-probabilística dissecamos a publicação. Por fim, o terceiro capítulo desmembra e explica o processo de produção da Caros Amigos para proporcionar melhor entendimento sobre este periódico.
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1. Análise Bibliográfica Neste capítulo vão ser discutidos quatro temas fundamentais que compõem a revista Caros Amigos: O Jornalismo de Revista, A Fotografia na Revista, A Caros Amigos e O Jornalismo Generalizado. A partir de referências bibliográficas, os temas vão ser desenvolvidos com embasamentos teóricos de autores referentes ao conteúdo da revista. O objetivo deste capítulo é proporcionar ao leitor uma compreensão maior de como a revista é combinada.
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Jornalismo de revista A maneira minuciosa que o jornalismo de revista usa para chamar a atenção
de seu público leitor. A estrutura de como é montado um texto jornalístico de revista, o que é completamente diferente nos demais veículos de comunicação. Os autores usados para fazer essa distinção mostram passo a passo de como é a linguagem no texto de revista é de alguma maneira diferente. O jornalismo de revista sempre deve ser claro e conciso em seu texto para que o leitor possa entender sem tantas dificuldades o que ele realmente está lendo. Palavras difíceis na matéria não são muito recomendadas, pois dependendo de quem vai ler a pessoa pode não ter um conhecimento tão vasto nas palavras. De acordo com Vila Boas, isso acaba deixando o leitor exausto e confuso e assim o faz perder a vontade de continuar a leitura. “Saber o significado de palavras difíceis não significa que deva usá-las. É uma questão de bom senso e respeito pelo projeto” (VILAS BOAS, 1996, p. 18). Portanto, a linguagem da revista deve ser de total compreensão, para que o público leia sem qualquer dificuldade. Segundo Marília Scalzo (2003), uma boa revista dever ser clara e com uma escrita acessível. "Os textos do Reader's tinham quer ser, obrigatoriamente, de leitura agradável, linguagem acessível e tom otimista, vendendo o sonho e a ideologia norte-americana" (SCALZO, 2003, p. 23). O texto de revista além de ser de compreensão de todos, deve também ter semelhança com a imagem para mostrar o que a reportagem quer passar. Isso favorece mais o texto. Para Marília Scalzo (2003), no final do século XIX, a revista
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foi aperfeiçoada com o desenvolvimento da fotografia e da impressão com meio-tom. Diz ainda “que uma boa imagem vale mais do que uma boa descrição.” Por isso mesmo valoriza ao máximo a reportagem fotográfica. A revista se propõe "ver a vida; ver o mundo; testemunhar grandes acontecimentos; observar o rosto do pobre e os gestos dos orgulhosos; ver coisas estranhas” (SCALZO, 2003, p. 23). As revistas em geral têm um estilo próprio, tanto nos editorias, quanto na linguagem utilizada para escrever. Para Vilas Boas (1996), o estilo é uma forma pessoal de expressão, mas não necessariamente individual no sentido de indivíduo. O que geralmente caracteriza um estilo é a decisão de escolher um elemento em vez de inúmeros outros disponíveis. A língua dispõe de um conjunto finito de regras que geram um número infinito de frases. Desse modo, a escolha se efetua em dois níveis: na seleção e na combinação. A primeira implica a exclusão de outras formas; na segunda, a construção de uma frase, com um determinado arranjo, pode ser original, mas é característica de um determinado autor. O estilo está vinculado ao tempo, ao espaço, à interpretação que o autor dá às suas experiências, leituras e a toda sua relação com o que o cerca (VILAS BOAS, 1996, p. 33).
Segundo Vilas Boas (1996), a linguagem do jornalismo é adotada para atingir o maior número possível de pessoas, tirando uma média entre o leitor de instrução primária e o que tem diploma universitário. A partir dessa reflexão, podemos dizer também que a matéria de revista é fundamentada por uma boa entrevista e apuração da notícia, através da pauta que é feita. Isso favorece muito na hora de montar uma boa matéria. Para Cremilda Medina (2000), a entrevista jornalística é o momento de definição da pauta na sua consecução e passa por quatro níveis:
Como se fosse quatro ampliações de propósitos - explícitos ou implícitos - do comunicador social. Primeiro, pesa o suporte delimitado pelo estágio histórico de técnica comunicacional. Segundo almejado pelo entrevistador. Terceiro, suas possibilidades de criação e de ruptura com as rotinas empobrecedoras das empresas ou instituições comunicacionais. Quarto, um propósito que ultrapassa os limites da técnica imediatista, ou seja, a tentativa de desvendamento do real - uma atitude de profunda especulação acerca da pauta (MEDINA, 2000, p. 27).
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Outra questão fundamental é levantado por Marília Scalzo (2003), é sobre o trabalho em equipe, um diálogo entre os jornalistas, isso ajuda na criação de uma boa revista. “Não existe revista sem trabalho em equipe. A figura do jornalista solitário não tem lugar na redação de revista (a não ser o colunista, que geralmente nem trabalha na redação)” (SCALZO, 2003, p. 59). A integração entre os jornalistas, fotógrafos é obrigatória em um ambiente de trabalho. Só assim a revista vai oferecer aos seus leitores um conteúdo de qualidade. Todo bom profissional precisa da ajuda do outro para compor uma matéria. Se o jornalista tiver uma ideia prévia daquilo que ele vai fazer ajuda muito na hora de fazer uma boa reportagem. "O jornalista e grande editor de revistas Thomas Souto Corrêa costuma dizer que pesquisas, por si só, não fazem uma revista" (SCALZO, 2003, p. 38). Os textos de revista muitas vezes passam por muitas mudanças para não cair na mesmice, como se fosse apenas espalhar palavras sobre o papel e deixar que elas por si só e sozinhas se reformulassem. Mas de acordo Vilas Boas (1996), o texto ideal se renova a cada reportagem escrita: Mas as circunstâncias que levam jornalista e escritor a espalhar palavras sobre o papel podem ser as mesmas. Para fugir da mediocridade, ambos devem tomar o ato de escrever como um momento de livrar o corpo e o espírito de uma coceira, que apenas sossega quando o texto está pronto. Diz-se, muita oportunidade, que escrever é uma obsessão, uma praga. A busca do texto ideal não tem fim, porque se renova a cada reportagem escrita. Pode haver, inclusive, certa ansiedade do jornalista na hora de começar a escrever a matéria (VILAS BOAS, 1996, p. 61).
O autor Vilas Boas (1996) ressalta que os trechos econômicos ajudam o leitor a entender melhor o texto, para que ele use um pouco mais a cabeça, além do mais o texto leve é mais legível e rico em informações. “Por isso, às vezes é preciso mostrar, mais do que simplesmente contar; sugerir. Mais do que explicar; e dizer mais do que parece ter sido dito. O texto leve é mais legível, proveitoso e intrigante” (VILAS BOAS, 1996, p. 29). Para o autor Vilas Boas (1996), "a revista não precisa de um lead, qualquer que seja o tipo. A revista precisa de uma abertura envolvente". Já a autora Cremilda
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Medina (2000), acredita no estilo noticioso padrão, basta encontrar o lead, para começar a abertura de uma boa matéria: Sem apelar para mais nenhuma fuga, chega a hora, na redação, de pôr no papel a matéria. Ainda bem que há certas fórmulas que se incorporam rapidamente: no estilo noticioso padrão, basta encontrar o lead, abertura da matéria, e, a seguir, montar os parágrafos - etapas da informação - que, por sua vez, absorvem as declarações dos entrevistados entre aspas. Estamos diante do modelo corriqueiro da narração indireta, na terceira pessoa (do repórter), em que se encadeiam as falas da fonte de informação (MEDINA, 2000, p. 53).
Posto que a leitura seja sempre produção de significados, o autor Vilas Boas (1996), considera que para escrever um texto jornalístico de uma revista mensal precisa ter jogo de cintura, muita credibilidade e requer muita habilidade com as palavras e motivação de querer escrever bem: Há quem diga que é possível aprender escrever certo, mas não a escrever bem, com estilo próprio. De certa forma, o tecnicismo do ensino e a padronização podem mesmo "ensinar" a escrever certo. Mas a dedicação, o gosto e a leitura precisam ser motivados no aluno. Se você quer, você pode. Desde que tenha vontade de arregaçar as mangas. Pode parecer um clichê, mas o hábito de escrever e ler faz o jornalista, assim como - dizem - faz o monge. Além do mais, há algo de escritor que se insinua no jornalista com bom texto (VILAS BOAS, 1996, p. 48).
Sergio Vilas (1996, p. 48), ao citar Spikol (1990, p.10), Talento é potencial. Desenvolva-o e você conseguirá alguma coisa. Permita que ele se atrofie e você o desperdiçará. Talento não é habilidade. Para Marília Scalzo (2003), o que também diferencia os textos em revistas de outros meios de comunicação é poder perguntar para o leitor o que ele achou da edição anterior e assim por diante, isso ajuda a revista a se reestruturar conforme a opinião aberta aos leitores. “Seja por intermédio de pesquisas, qualitativas e quantitativas, ou mesmo por meio de telefonemas, cartas e e-mails enviados à redação. Para quem trabalha numa publicação que depende muito da sintonia fina com seu público, esse contato é essencial” (SCALZO, 2003, p. 37). Para Marília Scalzo (2003), o texto em revista tem que ter um tempero a mais,
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além de muita qualidade na escrita quanto na visual: Texto de revista é diferente, sim, do texto de jornal, de Internet, de televisão, de livro e de rádio. Principalmente, o texto de uma boa revista. Além de conter informações de qualidade, exclusivas e bem apuradas, o texto de revista precisa de um tempero a mais. Diferente do leitor de jornal, o de revista espera, além de receber a informação, recebê-la de forma prazerosa. Ele quer a informação correta, simples e clara - seja o exercício para o abdômen, a receita de bolo, a nota política, o roteiro de viagem, mas quer também um texto que não seja seco, como um mero aperto de mão. Resumindo: costumo dizer que, em revista, bom texto é o que deixa o leitor feliz, além de suprir suas necessidades de informação, cultura e entretenimento (SCALZO, 2003, p. 75-6).
O autor Vilas Boas (1996) também ressalta que a reportagem é aquela escrita nos mínimos detalhes. “A boa reportagem é aquela que consegue apresentar a notícia em profundidade, com o objetivo e padrão ético” (VILAS BOAS, 1996, p. 78). O texto jornalístico em revista precisa de toques no modo em que o leitor possa imaginar o que está acontecendo, isso é importante para os sustentos da matéria. Portanto precisa- se de leveza e clareza na escrita. Vilas Boas (1996) diz para manter viva a atenção do leitor na página, você precisa também de detalhes da aparência, modos, trejeitos, a forma como o personagem fala ou move. Os pequenos toques humanos, que até podem não ser fundamentais para impulsionar a narrativa, mas fazem os personagens parecerem reais (VILAS BOAS, 1996, p. 47) Já para Cremilda Medina (2000), o que garante e compõe uma matéria é a pauta executada pelo pauteiro ou até mesmo pelo jornalista, pois através da entrevista é possível garantir uma boa estrutura formada no processo jornalístico da revista. Contudo essas são as regras e técnicas básicas utilizadas por cada um dos autores. Fatores fundamentais para a criação de uma boa matéria, pois além de serem bem escritos, têm o aprofundado de conteúdo que o jornalismo impresso e outros meios de comunicação não faz.
1.2 Jornalismo e Reportagem
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O jornalismo tratado aqui sob o ponto de vista dos autores citados, tem como objetivo informar o público, ou grande massa, por meio de reportagens e matérias. No entanto, a forma como se dá este processo, e se a finalidade destes conteúdos é informar o público, ou simplesmente tratar as matérias e reportagens como produto, por meio da indústria cultural, são os pontos levantados pelos autores. Começando por Cremilda Medina, a autora aborda a questão do desenvolvimento da sociedade e como o jornalismo, caminha junto a este crescimento acelerado. Vencida a questão do tempo e espaço, através, dos recursos tecnológicos que circulam a informação, o jornalismo se torna acessível a todos. “A identificação da mensagem com atividades urbanas, primeiro comerciais e em seguida industriais, leva a expansão que hoje se identifica na comunicação de massa” (MEDINA, 1986, p. 15). Em meio a esse desenvolvimento acelerado de informações, Nilson Lage vai apontar como a reportagem é essencial para produção das matérias, e como seu desenvolvimento começando na pauta, é fundamental para um jornal. Com isso ele destaca a importância do repórter para produção de uma reportagem. “O repórter está onde o leitor, ouvinte ou espectador não pode estar. Tem uma delegação ou representação táctica que o autoriza a ser os ouvidos e os olhos remotos do público, selecionar e lhe transmitir o que possa ser interessante. Essa função é exatamente a definida como a de agente inteligente” (LAGE, 2008, P. 23). Mas, de acordo com Cremilda Medina, assim como a indústria esta adaptada aos avanços tecnológicos, o jornalismo segue essa mesma linha, com isso, acaba se tornando produto, a comunicação de massa, chamada de indústria cultural. “Nesse momento, é preciso examinar o problema no seu enquadramento geral: informação jornalística como produto de comunicação de massa, comunicação de massa como indústria cultural e indústria cultural como fenômeno da sociedade urbana e industrializada” (MEDINA, 1986, p. 16). A informação é direito de todos. Porém, Cremilda Medina aponta que a forma como a informação é transmitida está ligada a interesse de poucos. Desta forma, a informação segue um conceito imposto pela classe dominante. “Neste sentido, as informações, fruto de mentes privilegiadas, circulam controladas por aqueles que têm a chave do conhecimento” (MEDINA, 1986, p. 17). Já para Nilson Lage, a informação terá que estar próxima e acessível ao ouvinte, leitor ou telespectador. Por isso cabe ao repórter transmitir, o que acredita
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ser relevante para o público. “A mente humana trabalha com uma lógica peculiar: ela procura o melhor resultado com o menor esforço; uma informação que não se relaciona com algo que já sabemos tem custo de memorização muito elevado e tende a ser, portanto, ignorada” (LAGE, 2008, p. 60). Em um breve histórico do desenvolvimento do jornalismo no Brasil, Cremilda Medina, destaca como o processo da industrialização de massa contribuiu para o jornalismo de hoje. “A mensagem se diversifica em função de certas facilidades técnicas e em função de oferecer mais para um consumidor urbano” (MEDINA, 1986, p.65). Para Cremilda Medina a informação é sim um dos produtos de consumo da industrial cultura, tendo como foco a sociedade urbanizada. Mas não um produto só revestido de conotações negativas associadas à crítica do sistema pós-industrialização. Um produto dinâmico pelo ângulo da oferta e da demanda. Um produto típico das sociedades urbanas e industrializadas, reproduzindo em grande escala, fabricado para atingir a massa (MEDINA, 1986, p.40).
Já Nilson Lage aponta a credibilidade como produto para o jornalismo, é através dela que o jornalista consegue passar clareza para o público e suas fontes. “E credibilidade torna-se o produto mais caro e difícil de recuperar, para qualquer empresa ou instituição. Eis o argumento prático, o risco contábil, em defesa de maior responsabilidade com a informação” (LAGE, 2008, p. 70). Nilson Lage destaca sobre outro ponto de vista o jornalismo como produto para o público. “O jornal - a informação jornalística em geral, em impressos, no rádio na televisão ou na internet – é atualmente produto de primeira necessidade, sem o qual o homem moderno não consegue gerir sua vida produtiva, programar seu lazer, orientar-se no mundo e, finalmente, formular suas opiniões” (LAGE, 2008, p. 174). Segundo ele, cabe ao jornalista não tratar a informação como produto, pelo menos não como um produto a venda. “Só que a tarefa do jornalista não é a venda do produto, e sim de um padrão de gosto. Quer dizer: quem escreve a crítica sobre uma nova peça de teatro ou reportagem sobre um ator cômico deve ter compromissos com o teatro, não com a peça em si ou com aquele ator em particular” (LAGE, 2008, P. 119).
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Já Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, abordam a importância do repórter para produção de matérias e reportagens, destacando que não cabe a ele ser o centro da matéria, mas que sua função é estabelecer um elo mais próximo possível entre o leitor e o fato narrado. “O repórter é aquele “que está presente”, servindo de ponte (e, portanto, diminuindo a distância) entre o leitor e o acontecimento. Mesmo não sendo feita em primeira pessoa, a narrativa deverá carregar em seu discurso um tom impressionista que favoreça essa aproximação” (SODRÉ e FERRARI, 1986, p. 15). Cremilda Medina acredita que o repórter precisa estar atento à realidade da sociedade, identificando suas necessidades e comportamentos, para assim produzir matérias que são realmente do interesse das pessoas. “E os acontecimentos de consumo garantido, pela importância internacional ou imediata de seus efeitos, provocam um esforço dos editores em completar as matérias com contexto, antecedentes, opiniões especializadas e um nível mais profundo de humanização” (MEDINA, 1986, p.72). Nilson Lage aponta que é desnecessário veicular fatos sensacionalistas para simplesmente chamar a atenção do público, com o objetivo de atrair audiência. “No entanto, o que se informa ao público é o que é de seu interesse real, nem sempre o de sua curiosidade” (LAGE, 2008, p. 94). Já para Cremilda Medina os meios de comunicação ou empresas que os jornalistas estão inseridos, podem interferir diretamente na elaboração de suas matérias. A angulação, que visa render credibilidade para empresa que vende a notícia é outro aspecto abordado. “Ao poucos a dita angulação da empresa entra até pelos poros do repórter como necessidade de ascensão. Naturalmente isso vai influenciar os processos de captação dos dados numa reportagem” (MEDINA, 1986, p. 74). No entanto, jornalista não pode ser ético sozinho destaca Nilson Lage, as fontes e a empresa que ele presta serviço, precisam ser também, porém se estes outros não forem éticos, será difícil fazer um jornalismo transparente. “É possível imaginar que a ética do jornalista seja ética que lhe convém, isto é, a ética do patrão ou da fonte, o que significa eventualmente, nenhuma ética” (LAGE, 2008, p. 103). Outra forma de se fazer o jornalismo urbano industrializado, levantado por Cremilda Medina, é a dramatização, que utiliza narrativas para a venda da notícia. Isso segundo ela corresponde à industrialização da informação como produto,
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visando à transformação de públicos restritos em nível-massa. “A mensagem jornalística como um produto de consumo da indústria cultural desenvolveu um componente verbal especifico, que serve para chamar a atenção e conquistar o leitor para o produto/matéria” (MEDINA,1986, p. 118). Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari apontam o objetivo do discurso de comunicação de massa, a informação, e destacam que fatos só são denominados notícia, quando anunciados. Não se pode esquecer que o discurso de comunicação de massa está subordinado a seu objetivo primordial – a informação – e que, embora possa haver variedades nos enunciados, os dados referenciais ligados a fatos e pessoas assumem proeminência. Isso, tanto no que se refere à notícia como à reportagem (SODRÈ e FERRARI, 1986, p. 17).
Cabe à imprensa estabelecer critérios para a divulgação de reportagens e matérias consideradas negativas e positivas, segundo Nilson Lage, apresentando os fatos sem sensacionalismo e sem criar uma realidade imaginária para o público. Supostos desafios éticos fundamentam-se na tese radical de que a divulgação de um procedimento é capaz de induzir pessoas a reproduzi-lo. Por esse critério, não se divulgaria suicídios, para evitar que as pessoas, por imitação se suicidassem, nem roubos ardilosos, para impedir que o ardil
fosse
reproduzido.
Levado
às
últimas
(mas
necessárias)
consequências, tal critério impediria a divulgação de todas as notícias negativas,
construindo
na
imprensa
um
mundo
maravilhoso,
de
comportamentos corretos e éticos – só que, lamentavelmente imaginário (LAGE, 2008, p. 101).
Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari destacam que as diferenças entre notícia e reportagem. A notícia e o tempo estão sempre em mesma sintonia, tendo a necessidade da precisão imediata para sua veiculação. Embora a reportagem não prescinda de atualidade, esta não terá o mesmo caráter imediato que determina a notícia, na medida em que a função do texto é diversa: a reportagem oferece detalhamento e contextualização aquilo que já foi anunciado, mesmo que seu teor seja predominantemente informativo (SODRÉ e FERRARI, 1986, p. 18).
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O processo de produção das reportagens especiais, nas quais muitas vezes o jornalista precisa de tempo para sua investigação, é outro ponto destacado por Nilson Lage, isso pode contribuir no conteúdo das matérias, que diferente das reportagens
elaboradas
de
forma
mais
rápida.
“Empresas
jornalísticas
frequentemente resistem à ideia de deslocar um profissional do trabalho rotineiro para um processo de investigação. Preocupação inicial de quem se lança a uma pesquisa mais extensa é, sem dúvida, como financiá-la” (LAGE, 2008, p. 136). Segundo Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, a abertura das matérias e reportagens é outro recurso importante para sua produção, porém é preciso usar este recurso com o objetivo de conduzir o público para a matéria, não simplesmente só atrair. “Nem sempre é fácil ser original. Tampouco é bom deixar o leitor na expectativa de algo fantástico e depois decepcioná-lo” (SODRÈ e FERRARI, 1986, p. 67). Com este resultado. principalmente se tratando de reportagem, de acordo com Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, é o final esperado pelo público. “Mas a novidade maior da reportagem é, sem dúvida, seu final surpreendente” (SODRÈ e FERRARI, 1986, p. 108). O profissional que tem uma especialização e assume a função de jornalista, tratando só de assuntos referentes à sua especialidade, é uma outra questão levantada por Nilson Lage, que poderá em alguns casos atrapalhar o processo de produção nas redações. “A teoria da cognição sustenta que para transmitir o conhecimento de algo, é preciso entender esse algo – isto é, construir um modelo mental dele. Um modelo mental é uma estrutura incompleta, aproximada e referida a um contexto cultural que é o acervo da memória” (LAGE, 2008, p. 111). Finalizando sobre o processo de produção jornalística, Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari apontam novamente que, bem mais que prender a atenção do leitor, telespectador e ouvinte, é preciso conduzi-los até o fim da narrativa. “Força – Um texto tem força quando arrebata o leitor e faz com que ele chegue ao fim da narrativa. Os pressupostos para tal resultado estão ligados à seleção de elementos (isto é: omissão ou expansão de pontos) que combinados em seqüência, produzem um efeito” (SODRÈ e FERRARI, 1986, p. 75). Para os autores Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, este efeito pode atrair o receptor pela emoção ou razão, dependendo assim do conteúdo da matéria ou reportagem.
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1.3 Fotografia em revista Diferentemente da fotografia publicitária, a fotografia em revista tem por objetivo documentar um fato para que ele fique arquivado e possa ser pesquisado futuramente. Este tópico analisará também a questão da manipulação na fotografia na visão de três autores diferentes. Para Pedro Jorge Sousa (2002) os gêneros fotojornalísticos são possuem moldes fixos, diferentemente dos gêneros redacionais que podem ser definidos de acordo com cada estilo de texto. Além dos gêneros, Sousa também fala sobre a ética no fotojornalismo, uma questão bem delicada para os dias atuais, devido a tanta tecnologia existente que pode ser capaz de realizar modificações que qualquer pessoa gostaria, como mudanças na coloração de roupas, cabelos, olhos e até mesmo a inserção de outra pessoa na fotografia. Quando se trata da questão de manipulação, outro autor que também dá um alerta para a questão da facilidade nas mudanças de imagem é Nelson Chinalia (2002). Na tese defendida pelo fotógrafo e professor da PUC-Campinas, ele conta brevemente a história do surgimento da fotografia até o aparecimento das impressões coloridas, o que foi um marco para a sociedade europeia da época. Em ambos os textos, os autores utilizaram de técnicas fotográficas para explicar ao leitor como é feito um processo de manipulação ou até mesmo explicar o momento certo de retratar uma fotografia. De acordo com o autor, a fotografia veio para ficar e é utilizada como memória e testemunha dos fatos que aconteceram. Outro autor que também cita a fotografia como memória, é Pedro Jorge Sousa (1998) e, segundo ele, a fotografia já nasceu em um meio onde a função dela era retratar a verdade e ao longo dos tempos foi se criando a relação do fotodocumentalismo, que são os relatos históricos armazenados para possíveis. Os gêneros fotojornalísticos não são estanques, tal como os redatoriais. A identificação de um gênero fotojornalístico passa, por vezes, pela intenção jornalística e pelo contexto de inserção das fotos numa peça. O conteúdo e forma do texto são, assim, essenciais para explicitar o gênero fotojornalístico (não se pode esquecer que o fotojornalismo integra texto e fotografia) (SOUSA, 2002, p.110).
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O autor cita neste trecho as diferenças entre os gêneros fotojornalísticos e redatoriais, que são completamente diferentes. Os fotojornalísticos não possuem um termo fixo como os redatoriais possuem. Ele afirma ainda que, o fotojornalismo é uma combinação entre a fotografia como peça e o texto sobre a peça. Tornou-se fácil, por exemplo, alterar, nas fotografias, as cores do cabelo, da roupa, dos olhos e da pele, alterar penteados, colocar frente a frente pessoas que nunca se viram, inserir pessoas e objetos em ambientes diferentes, criar imagens virtuais e combiná-las com imagens da realidade, etc (SOUSA, 2002, p.146).
A manipulação também é citada pelo autor quando as questões da facilidade e da tecnologia são citadas no texto. Não se deve olhar para uma imagem sem prestar atenção nos detalhes, na coloração e também na composição da fotografia. Atualmente ser enganado por uma simples foto é muito fácil. As novas tecnologias têm propiciado uma verdadeira revolução nas formas de captação e transmissão de imagens, o que leva o fotojornalista a perder o controle sobre sua produção, pois, no processo de elaboração da informação, suas imagens podem ganhar novos contornos, novos tratamentos para buscar não somente a representação da notícia, mas também para obter a estetização e, consequentemente, a manipulação (CHINALIA, 2002, p.115).
Neste trecho do texto o autor fala sobre o que a tecnologia é capaz de fazer com uma foto, no caso o poder de manipulação fica mais fácil com os inúmeros programas que hoje em dia existem em função da estética da fotografia. “O leitor deveria saber que tudo pode ser uma grande farsa manipulada segundo os interesses de cada jornal. Até mesmo nas redações muda o perfil do editor” (CHINALIA, 2002, p.116). A manipulação é o assunto mais citado no texto, e o autor em vários momentos chama atenção do leitor para que este não acredite sempre no que vê de primeira, pois a manipulação pode acrescentar e modificar objetos presentes ou não na peça fotográfica sem ser perceptível. Durante o conflito, não raras vezes a fotografia serviu a manipulação e a propaganda, com o fito evidente de ajudar a controlar as
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populações e direccionar e estimular, os seus ódios e afectos. Os ministérios franceses da Guerra e das Belas Artes, por exemplo, criaram o Serviço Fotográfico do Exército, com os objectivos de registar os tempos de luta que se viviam e, sobretudo, de controlar a obtenção e difusão de imagens, impedindo a disseminação das fotoschoque, aquelas que retratavam a face odiosa da guerra (SOUSA, 1998, p.56).
Neste trecho o autor deixa claro o objetivo da fotografia no final do século XIX e começo do século XX. O que acontece com algumas fotografias até os dias atuais.
1.4 A Caros Amigos A analise segue a visão de três autores diferentes sobre a Caros Amigos, cada um usando uma teoria e avaliando-a de perspectivas diferentes culminando assim para o entendimento do periódico. O artigo de Lucília Romão (2008) parte dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de tradição francesa com o objetivo de explorar a materialidade discursiva da revista, que representa a chamada mídia alternativa nos dias de hoje no Brasil. Já o trabalho de Rodolfo Fiorucci (2007) procura fazer um retrato dos intelectuais que formaram o periódico, entender as redes de sociabilidade e as relações individuais que permitiram a união desses jornalistas para sua formação. O livro de Francisco José Bicudo Pereira Filho (2004) é uma pesquisa sobre a revista, que para ele, é exemplo de jornalismo político e cultural em um país tomado pelo capitalismo selvagem. Romão (2008) e Fiorucci (2007) usam maneiras diferentes para pesquisá-la. A primeira parte de um texto publicado na edição número 109, a linguagem e o segundo das pessoas que no início se uniram para formá-la. Já Pereira (2004) faz uma análise geral, explica como tudo começou, passa pela crise do jornalismo e origens do periódico, disserta sobre o jeito consagrado de fazer jornalismo, explora a entrevista explosiva como carro-chefe e fecha com recentes conquistas e dificuldades anunciadas.
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De certo modo os textos se complementam, pois sabendo quem está por trás da publicação podemos analisar melhor sua linguagem, a partir do estilo de escrita e ideologia de seus criadores e escritores. Para isso, o trabalho de Romão (2008) sustenta-se no conceito de discurso de Michel Pêcheux e o discurso jornalístico e o trabalho de Fiorucci (2007) sustentase no conceito de gerações. Pereira (2004) conta sua história através da fala de Sérgio de Souza, um dos sócios da editora e fundador da publicação: Sérgio revela que Caros Amigos nasceu de uma conversa casual com o jornalista José Carlos Mourão, que também havia trabalhado em Realidade e manifestava a intenção de criar uma publicação que falasse sobre o bairro da Vila Madalena, exatamente onde fora instalada a editora. O projeto, no entanto, cresceu, deu uma forte guinada, as discussões incorporam outros personagens, dentre eles Alberto Dines, Mathew Shirts, Francisco Vasconcellos, João Noro e Roberto Freire, grande companheiro de Sérgio desde os idos de Realidade (PEREIRA, 2004, p. 111).
Romão (2008) destaca sua singularidade com relação às outras mídias. “A revista é considerada hoje como representante da imprensa dita “alternativa” na medida em que promove a circulação de sentidos dissonantes daqueles impostos pela chamada “grande imprensa (...)” (ROMÃO, 2008, p. 106). Observando a imprensa nacional depois do período da ditadura, quando essa entrou no período democrático e obteve plena liberdade de expressão, entretanto preferiu não fazer críticas ao neoliberalismo, Fiorucci (2007) introduz a criação do periódico no texto. “Foi exatamente nesse período, em abril de 1997, que a revista Caros Amigos foi lançada. Tinha o objetivo de criticar o neoliberalismo, abrir espaço para as questões sociais, elaborar textos com maior profundidade analítica e destoar da grande imprensa nacional” (FIORUCCI, 2007, p. 59). Criticando a grande imprensa por ser voltada para a classe média, através da fala de Sérgio de Souza, um dos fundadores da revista, Pereira (2004) também discursa sobre o assunto:
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Procurando ocupar esse espaço, em abril de 1997 chega às bancas a primeira edição de Caros Amigos. Formato tablóide, maior do que o convencional utilizado pelas revistas, trazia na capa uma foto meio desfocada do jornalista Juca Kfouri, personagem da “entrevistaexplosiva”, que logo se consagraria como o carro-chefe da revista. A capa era toda em preto e branco. Tiragem inicial da revista: 50 mil exemplares. Seus princípios básicos de atuação são resumidos pelo editorial desse primeiro número (PEREIRA, 2004, p. 114).
Mais a frente Fiorucci (2007) traça o perfil dos jornalistas que idealizaram a revista, enfatizando que grande parte deles fez parte da imprensa alternativa dos anos 60-70. “Mais do que inseridos numa mesma geração e compartilharem de uma determinada cultura política, percebe-se que estes homens de imprensa, desde os tempos negros da ditadura, criaram laços afetivos e de amizade, pois enfrentaram unidos, a repressão do governo” (FIORUCCI, 2007, p. 60). Ele também examina os periódicos que serviram de inspiração para a criação sua criação, pois os jornalistas que fizeram parte da imprensa alternativa no Brasil na década de 60-70 buscaram fazer parte de órgãos de imprensa diferenciados com o fim do governo autoritário. “Estes, muitas vezes, eram feitos clandestinamente, sem apoio financeiro nem publicidade, e sob grande pressão, fato que não se repete no cenário atual, que é marcado pela liberdade de expressão e por um regime democrático de governo” (FIORUCCI, 2007, p. 60). A importância da linguagem é destacada por Romão (2008). Ela caracteriza a linguagem como um jogo dinâmico e dialético. “Considerando o caráter alternativo da revista, na qual foi instalado este discurso, a Caros Amigos, tais sentidos ganham ainda mais tom de acidez e denúncia” (ROMÃO, 2008, p. 111). Ela conclui sua análise apoiada na teoria do discurso: Com base no trabalho de análise de recortes da textualização “Haja cruz”, de autoria de José Arbex Jr., inferimos que esta publicação promove a circulação de sentidos dissonantes daqueles impostos pela chamada “grande imprensa”. Assim, instaura a possibilidade de ruptura com os sentidos colocados em curso pela formação discursiva (FD) dominante em relação aos movimentos sociais do campo e suas estratégias de luta política, dando voz àqueles que geralmente são falados como algozes da violência (ROMÃO, 2008, p. 112).
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Fiorucci (2008) destaca que a revista tem problemas e virtudes e é alternativa, destoa da grande imprensa, faz um jornalismo crítico e diferenciado, assim complementando a fala de Romão. E finaliza retomando seus fundadores: Nesse sentido, buscou-se fazer um breve esboço de suas trajetórias profissionais e suas concepções políticas, para entender o porquê de compartilharem de determinada cultura política e engajarem-se num projeto que, aparentemente, seria muito arriscado (FIORUCCI, 2007, p. 63).
Pereira (2004) também conclui sua obra afirmando que a Caros Amigos combate a “mídia monodiscursiva”, enfatiza que é muito difícil nadar contra a corrente, enfrentar os poderes e desafiar os supostamente invencíveis. Destaca as edições da revista que a fizeram vender milhares de exemplares e finaliza citando um trecho de Luis Fernando Veríssimo, que diz que da resistência, finalmente, veio o renascimento.
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2. Metodologia Neste capítulo são explicados os processos e técnicas metodológicas por meio das quais analisou-se a revista “Caros Amigos”. O projeto tem como objetivo dissecar os principais elementos da publicação mensal – artigos, fotos, colunas e reportagens – e entender seu processo de seleção e criação por meio da teoria do newsmaking, explicada nos tópicos seguintes. Para tanto, optou-se pelo modo de análise qualitativa e descritiva dos exemplares tendo a amostragem sido feita de forma não probabilística com seis números da revista.
2.1 Embasamento teórico O projeto utiliza como um de seus principais pilares de sustentação a teoria do newsmaking, analisando portanto o “fazer jornalístico” e a revista enquanto objeto dentro da redação, sujeita então, a ser moldada pela vontade de um editor, o que muitos autores vão chamar de gatekeeper , pelos news values, descritos por Mario Wolf (2006) como “acontecimentos que são considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícias (...) ” (WOLF, 2006, p.195) aferidos a um determinado fato e ao processo produtivo dentro da própria redação.
2.2 Newsmaking A teoria do newsmaking está bastante presente em discussões acerca da rotina de produção do jornalismo. A partir da constante interação entre pessoas especializadas em comunicação surge a notícia. Tendo como base o newsmaking, avalia-se desde os valores notícia (news values) até as relações pessoais dentro da empresa em que se trabalha. Assim, procura-se entender a relação do jornalista, que passa a ser produtor de notícia e não mero reprodutor da realidade : A perspectiva da teoria do newsmaking é construtivista e rejeita claramente a teoria do espelho. Na verdade, o método construtivista apenas enfatiza o caráter convencional das notícias, admitindo que elas informam e têm referência na realidade. (PENA, 2006 , p.129)
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O newsmaking lança sobre o processo de produção da notícia o olhar da influência. Aqui se questiona quais fatores internos, como cultura e ideologia do jornalista e externos, relacionados a interesses políticos, convivência na redação e hierarquia, são decisivos na hora de escolher aquilo que vai ou não ser publicado. Dentre os fatores que podem influenciar na escolha da notícia fala-se em valores de notícia. Mauro Wolf (2006) enfatiza que os valores devem ser estipulados de modo que ajudem o jornalista a selecionar de forma rápida e objetiva aquilo que é passível de publicação. O rigor dos valores/notícia não é, pois, o de uma classificação abstracta, teoreticamente coerente e organizada; é, antes, a lógica de uma tipificação que tem por objectivo atingir fins práticos de uma forma programada e que se destina, acima de tudo, a tornar possível a repetitividade de certos procedimentos. Por isso, os valores/notícia devem permitir que a selecção do material seja executada com rapidez, de um modo quase “automático” (...) (WOLF, 2006, p.197)
Na sociedade cada vez mais veloz dos mass media, os news values nunca se mantém os mesmos por muito tempo. É bom destacar seu constante dinamismo e mutabilidade. A medida em que o tempo passa, se transformam de acordo com a necessidade de quem consome a notícia, como define Mauro Wolf (2006) : “(...) embora revelem uma forte homogeneidade no interior da cultura profissional – para lá de divisões ideológicas, de geração, de meio de expressão, etc. - , não permanecem sempre os mesmos.” Dentre os vários critérios de noticiabilidade citados tanto por Mauro Wolf (2006) quanto Felipe Pena como nível hierárquico dos indivíduos envolvidos no acontecimento, impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional, quantidade de pessoas que o acontecimento envolve e significatividade do acontecimento quanto à evolução futura de uma determinada situação, pode-se notar que a medida em que a tecnologia evolui e os meios de comunicação exigem do profissional ligado à área de produção noticiosa mais velocidade, criam-se novos critérios atrelados ao espaço destinado ao fato e seu tempo de apuração. Aliás, tendo o relógio como inimigo, o jornalista se vê obrigado muitas vezes a deixar de lado boas histórias ou a conta-las de forma resumida, não aproveitando assim seu potencial máximo:
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Em outras palavras, Tuchman quer dizer que o processo de produção da notícia é planejado como uma rotina industrial. Tem procedimentos próprios e limites organizacionais. Portanto, embora o jornalista seja participante ativo na construção da realidade, não há uma autonomia incondicional em sua prática profissional, mas sim a submissão a um planejamento produtivo. O que diminui a pertinência de alguns enfoques conspiratórios na teoria do jornalismo, como, por exemplo, uma suposta intenção manipuladora por parte do jornalista (...) . (PENA,2006 p. 129)
O que Felipe Pena quer dizer por meio da citação da socióloga Gaye Tuchman é que o jornalista não tem tempo para manipular. A produção jornalística passou a funcionar em escala industrial para atender a demanda de um público consumidor de informação cada vez mais exigente. Para comportar um volume tão grande de informação, o newsmaking, o “fazer jornalístico” das redações teve de mudar. Um dos pontos de mudança passa pelo foco e organização dos fatos que chegam às mãos dos jornalistas: “Diante da imprevisibilidade dos acontecimentos, as empresas jornalísticas precisam colocar ordem no tempo e espaço. Para isso, estabelecem determinadas práticas unificadas na produção de notícia.” Felipe Pena (2006). Ainda sobre a organização nas redações Pena vai mais longe ao comparar o ambiente de trabalho do jornalista ao de uma indústria: A divisão de tarefas é uma das rotinas: pauteiros, repórteres e editores tem funções específicas embora estejam interligadas. A divisão em editorias também ajuda a organizar o trabalho. E o processo industrial, com hora de fechamento e cartão de ponto, encerra a trilogia organizacional.
(PENA,
2006 p. 129)
A organização nas redações é vista como reflexo dos critérios de noticiabilidade que nela vigoram por Mauro Wolf. Para ele, a divisão em editorias facilita o trabalho do jornalista. “são indicações, a nível do órgão de informação, dos critérios de noticiabilidade que nele vigoram” Mauro Wolf (2006) . Pena, no entanto, apesar de defender essa ordenação dos fatos, critica o que ele chama de “senso comum das redações”: Os próprios valores notícia são usados para sistematizar o trabalho na redação. Eles são contextualizados no processo produtivo, adquirem significado e função, e tornam-se dados evidentes para os profissionais
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envolvidos no processo: o chamado senso comum das redações. Ou seja, qualquer jornalista sabe dizer o que é notícia e o que não é de acordo com esse senso comum. (PENA, 2006, p.129)
Ainda na área do senso comum é importante destacar o quanto valores, experiências, cultura e vivência do jornalista interferem na escolha da notícia. Podese dizer que o próprio jornalista chama para si a função de um critério de noticiabilidade. Para Djair Moraes (2005), “As teorias culturalistas não constituem propriamente uma Escola, formam um movimento em torno do imperativo moral de transformar o mundo”. É justamente em torno desse ideal transformador do mundo que o jornalista vai orbitar. Suas definições de pauta, reportagens, enfoques e notícias partirão do tipo de relação subjetiva que tem com o objetivo, no caso, a notícia. O fato só passará a ser notícia mediante a relação que o noticiador tiver com ele. Do repertório que ele tem. Repertório esse, aliás, que pode ser facilmente identificado na fala de Eduardo Meditsch (1998) acerca daquilo que o jornalismo procura revelar: (...) o jornalismo não revela mal nem revela menos a realidade do que a ciência; ele simplesmente revela diferente. E ao revelar diferente, pode mesmo revelar aspectos da realidade que os outros modos de conhecimento não são capazes de revelar. Além desta maneira distinta de produzir conhecimento, o Jornalismo também tem uma maneira diferenciada de o reproduzir, vinculada à função de comunicação que lhe é inerente. O jornalismo não apenas reproduz o conhecimento que ele próprio produz, reproduz também o conhecimento produzido por quem faz notícia. (MEDITSCH,1998,p.28)
Conclui-se por meio desse pensamento então que a máquina do jornalismo está muito mais atrelada ao modo como o jornalista vê o mundo do que a representação do modo que ele realmente é.
2.3 Amostragem não probabilística O projeto pretende, por meio da análise quantitativa submetida à amostragem não probabilística, elencar os elementos que caracterizam a revista “Caros Amigos”. A escolha pelo tipo de amostragem não probabilística intencional foi feita uma vez
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que os critérios de seleção não obedeceram a uma ordem lógica e numérica, assim obedecendo apenas aos critérios pré-estabelecidos pelos pesquisadores. Enquadram-se aqui os diversos casos em que o amostrador deliberadamente escolhe certos elementos para pertencer à amostra, por julgar tais elementos bem representativos. O perigo desse tipo de amostragem é grande, pois o amostrador pode facilmente se enganar em seu pré-julgamento. (LAKATOS, 2009, p.37)
A escolha das seis edições da revista foi feita para que não coincidisse com a cobertura de grandes eventos – eleições, Copa do Mundo, atentados – justamente para que os textos pudessem ser analisados em cenários “neutros”, longe dos holofotes de grandes eventos.
2.4 Analise qualitativa Neste estudo acerca do processo de produção da revista Caros Amigos, a metodologia adotada foi baseada em análises qualitativas do objeto, uma vez que este tipo de abordagem, segundo Santaella (2001) é tipicamente utilizada para análises mais específicas, onde as qualidades quantitativas perdem importância perante interpretação dos dados. Tem caráter exploratório, isto é, estimula os entrevistados a pensarem livremente sobre algum tema, objeto ou conceito. Mostra aspectos subjetivos e atingem motivações não explícitas, ou mesmo conscientes, de maneira espontânea (...) é uma pesquisa indutiva, isto é, o pesquisador desenvolve conceitos, idéias e entendimentos a partir de padrões encontrados nos dados, ao invés de coletar dados para comprovar teorias, hipóteses e modelos pré-concebidos. (CAVALCANTE E DANTAS, 2006, p. 2).
A pesquisa qualitativa se baseia na interpretação, a partir de embasamento teórico, dos dados coletados, sejam eles textos, documentos ou mesmo relatos. Neste trabalho como o objetivo é mostrar o funcionamento de uma revista já que segundo MINAYO e SANCHES (1993) “estudos de avaliação de características do ambiente organizacional são especialmente por métodos qualitativos” e assim um
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dos procedimentos utilizados foi o de entrevista em profundidade, que será explicitado posteriormente. Esta análise depende muito do embasamento do pesquisador e do conteúdo do material adquirido para a pesquisa, já que não há estatísticas e dados matemáticos para comprovação dos resultados, “uma análise qualitativa completa interpreta o conteúdo dos discursos” (MINAYO E SANCHES, 1993, p. 246). Em suma, o objetivo do modelo de análise adotada é descrever e explicar o processo de produção de nosso objeto de estudo, a partir da interpretação de dados coletados a partir de pesquisa bibliográfica e informações obtidas a partir de fontes diretamente ligadas à revista.
2.5 Entrevista em profundidade Para obtenção de informações e dar continuidade ao processo de pesquisa, um dos procedimentos metodológicos utilizados é o de entrevista em profundidade, que se trata de “uma técnica qualitativa que explora um assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências de informantes para analisá-las e apresentá-las de forma estruturada.” (DUARTE, 2009, p. 62). Tal método permite que o pesquisador conheça aspectos do tema pesquisado a partir das visões e experiências do entrevistado, “trata-se, portanto de uma interação entre pesquisador e pesquisado.” (SEVERINO, 2007, pág.124). E ainda, segundo Jorge Duarte (2009), tem como qualidade a flexibilidade dada tanto ao entrevistador em formular as perguntas de acordo com o que é preciso saber e ao entrevistado de respondê-las da maneira que lhe for mais agradável e conveniente. Assim como os princípios básicos da pesquisa qualitativa, anteriormente descritos, a entrevista em profundidade não busca coleta de dados de comprovação, “o pesquisador visa aprender o que os sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e argumentam” (SEVERINO, 2007, p. 124), ou seja, o que realmente se espera é a possibilidade de aumentar o conhecimento do pesquisador sobre o tema. A entrevista em profundidade não permite testar hipóteses, dar tratamento estatístico às informações, definir a amplitude ou quantidade de um fenômeno. Não se busca, por exemplo, saber quantas ou qual a proporção de pessoas que identifica determinado atributo na empresa "A". Objetiva-se saber como ela é percebida pelo conjunto de entrevistados. Seu objetivo está relacionado ao fornecimento de elementos para compreensão de uma
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situação ou estrutura de um problema. Deste modo, como nos estudos qualitativos em geral, o objetivo muitas vezes está mais relacionado à aprendizagem por meio da identificação da riqueza e diversidade, pela integração das informações e síntese das descobertas do que ao estabelecimento de conclusões precisas e definitivas. (DUARTE, 2009, p. 63)
Para realização desta pesquisa a entrevista em profundidade tem ainda outra delimitação, é do tipo semi-aberta, aquela na qual “as questões são direcionadas e previamente estabelecidas, com determinada articulação interna.” (SEVERINO, 2007, p.125). Duarte (2009) diz ainda que para a elaboração da lista de questões é preciso às mesmas tenham origem no problema apresentado na pesquisa, para que seja possível, assim, tratar o tema com a amplitude necessária. No modelo semi-aberto a flexibilidade aparece no decorrer da entrevista, onde o entrevistador tem a possibilidade de ir adequando as questões de acordo com a necessidade e com disposição do entrevistado em responder conjugando “a flexibilidade da questão não estruturada com um roteiro de controle” (DUARTE, 2009, p. 66).
2.5.1 Seleção dos informantes Em uma pesquisa onde parte da coleta de dados é dependente de entrevistas o processo de seleção dos informantes se torna primordial, pois “uma boa pesquisa exige fontes que sejam capazes de ajudar a responder sobre o problema proposto. Elas deverão ter envolvimento com o assunto, disponibilidade e disposição em falar.” (DUARTE, 2009, p. 68). Neste contexto fica a critério do pesquisador escolher, a partir de embasamento teórico e estudo prévio do produto analisado, e definir os sujeitos capazes de ceder informações úteis à pesquisa. Em pesquisas qualitativas a quantidade de entrevistados é reduzida e se dá preferência a qualidade de relatos, ao invés de números, ou seja, é preciso analisar se a pessoa irá realmente contribuir com a pesquisa. (DUARTE, 2009). Ainda sobre a seleção dos informantes, na pesquisa qualitativa ela pode ser feita de duas maneiras, de acordo com a proposta do trabalho ou mesmo da disponibilidade do pesquisador.
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A seleção dos entrevistados em estudos qualitativos tende a ser não probabilística, ou seja, sua definição depende do julgamento do pesquisador e não de sorteio a partir do universo, que garante igual chance a todos (característica das amostras probabilísticas). Existem dois tipos básicos de amostras não probabilísticas para uso em entrevistas qualitativas: por conveniência ou intencional. (DUARTE, 2009, p. 69).
Aqui, a seleção intencional será o método adotado e assim, as fontes serão definidas de acordo com sua proximidade e conhecimento do objeto analisado. Em estudos qualitativos, como já dito anteriormente, não há o objetivo provar dados estatísticos, assim a validade e confiabilidade do resultado obtido por meio de entrevistas se dá a partir da boa escolha de fontes, estas que tenham autoridade para falar sobre o assunto pesquisado, alinhado ao embasamento teórico e rigor metodológico. (DUARTE, 2009). Assim, como esta pesquisa visa compreender o processo de produção da revista Caros Amigos, a escolha foi baseada a partir de pessoas que estão presentes neste processo, chegando a definição de que o editor-chefe, repórteres e colaboradores poderiam, a partir do tipo de participação de cada um, explicar as etapas para o preparo de cada edição e por fim, contribuir para a compreensão e explicação dos processos pelos quais a revista passa para chegar as bancas.
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3. Análise do objeto pesquisado 3.1 Introdução Do processo de seleção dos colunistas à construção do texto. Dos ensaios em preto e branco ao espaço dedicado à opinião do leitor. Na Caros Amigos nenhum elemento é impensado. A revista prima por ir na contramão de outras publicações existentes no mercado: primeiro ideologicamente, já que suas páginas trazem, ainda que na sutileza das entrelinhas, conteúdo e opiniões claramente “alinhadas à esquerda”. Isso não significa necessariamente uma postura política, mas sim um “encaminhamento de vida”, um olhar diferente para uma sociedade que todos vêem igual. É isso a que a Caros Amigos se propõe: ser diferente e estimular o pensamento diferente. É pré-requisito básico para fazer parte da revista que o colunista seja militante de alguma causa social. Seja ela MST, movimento dos funkeiros ou qualquer outro que abale as estruturas de uma sociedade acostumada às tradicionais revistas semanais informativas. Uma vez dentro do casting, o escritor tem total liberdade para falar o que pensa sobre o que quiser, mostrando, na maioria das vezes, um “lado b” inusitado, largamente suprimido pela velocidade e pela falta de espaço do jornalismo diário, porém, amplamente explorado pela publicação mensal. Aos leitores, cabe o espaço para a reflexão. A Caros Amigos por se propor tão diferente visa um público bem seleto: universitários de 18 a 30 anos de classe AA, que, em teoria, são futuros construtores de realidade e formadores de opinião. A estrutura opinativa permite conhecer por meio das páginas da revista novas realidades, como por exemplo, a outra face do cubo na controversa morte de Tim Lopes, contada sob o ponto de vista do colunista MC Leonardo – versão que apenas pela “formação das ruas” do colunista e seu linguajar, dificilmente figuraria nas páginas de uma Veja, por exemplo. Longe de querer seguir o estilo Robin Hood das revistas, a Caros Amigos consegue partir da premissa de democracia para abrir espaço para todos – guardadas as devidas proporções como citado no início do texto – sem que sejam discriminados por sua classe social ou nível de estudo. A ideologia da revista está atrelada ao colunismo militante: ela quer dar voz a quem geralmente
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não teria em outros lugares sem deixar de construir sua própria, baseada principalmente na liberdade de expressão. A Caros Amigos flerta com o cult sendo pautada pelo popular. Não é uma revista para ser lida, mas sim consumida devagar. Pode-se dizer que é o espaço para quem quer - escrever e ler – mais do que o trivial. A revista se propõe a ser diferente de um modo provocativo – nos artigos, colunas, charges – sem banalizar assuntos importantes. É da sua ideologia fazer o detalhe simples ganhar páginas e mais páginas sem que se perca o foco.
3.2 Colaboradores Segundo Hamilton Octavio de Souza, a Caros Amigos conta com um pequeno grupo de colaboradores que enviam seus artigos todo mês para serem publicados. “Tem um número de colaboradores que mandam seus artigos, não participam da produção. Eles mandam os artigos nos dias estabelecidos. São uns 12 colaboradores que todo mês atualmente entram na revista”.1. Ainda, segundo ele, os colaboradores são de diversas partes do país e não têm muito contato com os jornalistas da redação. “(...) tem gente de vários lugares. Tem gente de São Paulo, Rio, Brasília, gente de vários lugares (...) os colaboradores mandam por email, têm pouco contato com a redação e o resto, as entrevistas, reportagens são produzidos pela equipe fixa de produção, que fica aqui.” Octavio de Souza explica que a maioria dos colaboradores foi escolhida por Sérgio de Souza, que dirigiu a revista até seu falecimento, em 2008. Mas é possível, em linhas gerais, estabelecer quais critérios foram usados na escolha desses colaboradores. “O critério que dá para perceber que ele seguiu é um pouco de pessoas que estão ligadas a setores, segmentos diferentes, por exemplo, o MC Leonardo é do movimento funk do Rio de Janeiro. Aqui em São Paulo tinha o Ferréz que era ligado com o pessoal de Capão Redondo. Hoje o Ferréz saiu e é o Sergio Vás que ligado ao movimento dos Saraus da Coperifa, que é uma cooperativa da periferia de São Paulo.”
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O editor afirma ainda que dentre esses colaboradores há pessoas ligadas à política, à academia, professores universitários, a poesia, música, sociólogos. É preciso representar uma determinada parcela da sociedade brasileira. A princípio, quando a revista foi criada, a idéia era ter domínio total do neoliberalismo, reunir pessoas que se contrapunham ao neoliberalismo, que é o pensamento dominante, que pudessem fazer um a crítica a isso, questionar. E foram essas pessoas que se tornaram os primeiros colaboradores, os que se opunham a visão dominante. Há alguns anos parte desses colaboradores saiu ou foi dispensada porque o espaço de reportagem está sendo aumentado e os colaboradores escrevem artigos e crônicas. Ainda sobre a colaboração, o cantor de funk MC Leozinho fala da experiência de escrever em uma revista de plena liberdade de expressão. “De lá pra cá, em junho agora eu faço três anos na revista, fico muito orgulhoso de estar em uma revista que nunca tirou uma vírgula do que eu falei, nunca opinou em nada.S empre publicaram aquilo que estava na minha cabeça. Então essa liberdade eu tenho na "Caros 2
Amigos" até hoje (...)”.
3.3
Estética da revista
Basicamente todas as edições do primeiro semestre de 2010 da revista Caros Amigos seguem o mesmo padrão: capa com ênfase no entrevistado, um ensaio fotográfico, duas entrevistas, além de ilustrações no final de cada edição. É uma revista que prioriza o conteúdo de seus jornalistas, colunistas e colaboradores, por isso não chega a ocupar matérias com grandes fotos, quando isso é necessário o espaço Ensaio é publicado na edição. Apesar de as editorias não serem fixas, as matérias geralmente são divididas igualmente por assunto em cada edição, ou seja, cada edição geralmente tem o mesmo número de matérias de cada assunto, seguem a mesma ordem e sempre se iniciam por política, que também é a editoria mais citada nas revistas.
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3.4
Amostragem
As revistas foram selecionadas por meio de uma amostragem não probabilística, ou seja, uma amostragem que não segue uma ordem numérica. O estabelecimento foi feito a partir da neutralidade da revista de acordo com os textos publicados, ou seja, que nenhum evento influenciasse a análise da revista. Foi decidido então, que os seis volumes do primeiro semestre de 2010 seriam mais indicados para compor a análise da Caros Amigos, já que no próximo semestre, seria mais voltado para as eleições e consequentemente poderia ter a interferência de algum tema na revista.
3.5
Pautas
Diferentemente de outras mídias, que sempre pautam suas matérias nos acontecimentos factuais, a Caros Amigos não tem esse propósito, pelo contrário, suas pautas têm como base o debate e a reflexão, tendo como objetivo aprofundar os assuntos tratados, que geralmente são temas ligados à política, cultura, questões sociais e um questionamento ao sistema econômico. Por isso, não existe interesse de tratar de assuntos que estão em evidencia na mídia, a não ser que sejam temas que a revista considere de importância para o debate e reflexão de seus leitores. Como afirma, Hamilton Octavio de Souza, editor chefe da revista. “A pauta que a gente faz é dentro de uma preocupação que a gente não fica em cima do factual, fica mais na reflexão, no debate, ouvir e aprofundar determinado assunto. Então, a não ser que aconteça algo que justifique você incluir no mês algo que não estava previsto na pauta” ¹
As pautas são definidas nas reuniões mensais, onde toda a equipe sugere assuntos a serem publicados, variando de 10 a 30 propostas por reunião e juntamente com o editor são definidos os assuntos e temas relevantes a serem publicados no mês vigente, levando em consideração as condições econômicas da revista. “Normalmente o processo de produção dela é o seguinte, fazemos a reunião de pauta no dia primeiro e a entrega das matérias no dia 20. Então são 20 dias para produzir as matérias, normalmente cada
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repórter fica responsável por uma matérias (...). Cada um sugere, às vezes tem 10, 20, 30 propostas e a gente escolhe o que é viável, que a gente tem condições de cobrir”
².
Quando há a necessidade de entrevistar pessoas que são de fora da cidade de São Paulo, as matérias são feitas por e-mail, ou por gravação de áudio (telefone), pois a revista na maioria das vezes não tem recursos para custear as viagens dos repórteres para outras cidades, estados ou mesmo fora do país. Quando saem matérias que fogem deste padrão é porque, geralmente, o repórter dispõe de lugar para hospedagem, sendo que em alguns casos é a própria residência dos entrevistados. As pautas são distribuídas individualmente entre os repórteres, sendo que normalmente cada um fica responsável por uma matéria naquele mês; daí a condição de se aprofundar no tema em questão e tratar a matéria com mais reflexão e abertura para o debate. Uma questão que tem grande influência em todo o processo de produção da revista é o recurso financeiro disponível. A redação fica localizada dentro da editora Casa Amarela, ocupando uma pequena sala onde ficam os dez repórteres e o editor – chefe, já mostrando que a estrutura física e financeira da revista é limitada. Como se trata de uma revista de viés diferenciado, questionador, ela acaba por não receber muitos anúncios, estes que são os meios de manter a revista, fora é claro, da venda em banca, que eles dependem muito. As empresas em geral não colocam anúncios na Caros Amigos, então nós temos dificuldade, porque como é que você sustenta uma revista? É por publicidade e pela venda em banca, não tem outra maneira. A não ser que faça matéria paga, tem algumas revistas que fazem isso, mas não é o nosso caso. Então a receita dela é muito pequena e tem a ver com o projeto editorial, claro. Se a gente fizesse uma revista a favor do sistema a gente provavelmente teria muito anúncio. É outro sistema, nós temos uma posição diferenciada e aí os caras não vão jogar dinheiro naquilo que está batendo neles” ³.
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Esta limitação apesar de ser um fator de relevância consegue ser contornada e eles conseguem desenvolver bem o trabalho ao qual se propõem. Tudo isso faz parte da proposta da revista, que é ir contra o sistema e levar informações reais à população independente de interesses políticos e econômicos, cumprindo o papel do jornalismo.
3.6
Análise dos assuntos abordados
As análises das matérias foram feitas das revistas do primeiro semestre de 2010, de janeiro a junho. Ao observar cada um dos assuntos contidos na revista, ressaltam-se os que se encontram com mais frequência e os que ocupam os maiores espaços, como por exemplo, a editoria de política, fica atrás apenas das partes reservadas para entrevistas e foto ensaios.
Número de matérias de Política 12
11
11
10 8 8 6
Polí…
5
4
3 2
2 0 Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Entre os outros assuntos que se encontram com mais frequencia na revista, está entretenimento, que são considerados os contos, poemas, charges, crônicas etc. Brasil e Mundo que juntos somam uma quantidade de 69 matérias. Brasil
e
Mundo
representam
29
e
Entretenimento,
40.
38
Assuntos predominantes no período analisado Cultura
12
Entretenimento
10
Política Esporte
8
Educação Cidades
6
Saúde
4
Entrevista
2
Ciência/Tecnol ogia Economia
0
Brasil/Mundo
Janeiro Fevereiro Março
Abril
Maio
Junho
O que mais intriga é a pouca quantidade de matérias falando sobre educação, pois por ser uma revista que tem seu maior público no meio universitário deveria de ter mais matérias sobre esse tipo de assunto, algo realmente relevante para o público alvo. Outra questão a levantar é a quantidade de matérias sobre saúde, há apenas uma matéria em todo semestre analisado. Os assuntos relacionados a Trabalho, Esporte e Economia andam juntos no quesito de pouca aparição na revista, pois tiveram respectivamente três, quatro e cinco matérias durante o processo de análise. Outro assunto que aparece poucas vezes é Cultura com apenas onze matérias, e o espaço reservado para esse tipo de assunto foi bem pouco, comparando ao espaço reservado para política e entretenimento. A revista Caros Amigos em Ciência e Tecnologia apresenta apenas uma pequena quantidade de matérias, quatro. Os espaços para os quais a revista prioriza, com destaque, é Ensaio Fotográfico e Entrevista. Foram seis ensaios e 12 entrevistas publicados entre janeiro e junho de 2010. Contudo vale ressaltar que a Caros Amigos aborda todos os tipos de assuntos, desde política a religião, mas os assuntos que entrarão em pauta sempre estão nas mesmas editorias, há pouca variação a cada mês.
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Total de matĂŠrias por assunto no perĂodo analisado 45
40 40
40 35
29
30 25 20 15 10 5 0
11
11 4
9 5 1
4
5
6 2
0
3
40
Conclusão Ao terminarmos este trabalho foi possível observar a diferença existente entre o momento no qual o idealizamos para o que temos hoje. A Caros Amigos era antes o objeto a ser desvendado e hoje podemos dizer que o fizemos. Ao longo das pesquisas pudemos observar que apesar do slogan “A primeira à esquerda” a Caros Amigos se encontra muito mais à esquerda do que diz, consideramos que o periódico tem ideologia de extrema esquerda. Uma revista completamente diferente do que vemos no mercado jornalístico, a começar pelo formato, é maior que o padrão A4 das revistas comuns, a cor só se vê na capa e na contracapa, por dentro é inteiramente branca e preta e principalmente os textos, que chamam atenção por ser jornalismo opinativo e assumir essa posição, não tentando esconder a opinião de quem escreve. Apesar de não partilharem as mesmas filiações políticas e ideologias todos os colaboradores são respeitados e têm seu espaço no periódico para expressarem sua opinião de forma igualitária. Esta pesquisa além de sua fundamentação teórica se baseou principalmente no que foi visto e ouvido durante a visita de membros do grupo às instalações da revista. A partir do momento que entramos no prédio começamos a ter a verdadeira noção de como funcionava aquela publicação e podemos dizer, que nos surpreendeu, afinal, por mais que não imaginássemos nada grandioso foi ainda menor do que esperávamos, em relação a estrutura é claro. Ela é feita por poucas pessoas dentro de um pequeno espaço, também que isso não afeta no conteúdo da revista. De uma forma bem informal, mas um pouco restrita, o editor Hamilton Octávio de Sousa nos recebeu e em menos de três horas fizemos uma pequena entrevista seguida de algumas fotos com os repórteres e um dos colaboradores da revista, MC Leonardo, além da repórter Lucia Rodrigues, que nos contaram sua trajetória dentro da revista e como é feito o trabalho de cada um. O posicionamento esquerdista se faz ainda mais claro, quando durante uma conversa, sem a imparcialidade imposta pelo jornalismo , ouvimos as opiniões e o engajamento dos jornalistas que ali trabalham, todos são militantes de movimentos
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sociais, o que acaba por alimentar a consciência necessária na hora de se fazer jornalismo. A jornada até o fim deste trabalho foi longa, trabalhosa e árdua. Ao longo de um ano, de sua elaboração até a execução, convivemos com a revista em seu âmbito físico não apenas enquanto publicação de papel e tinta mas também numa esfera superior, mental, enquanto estilo de vida e ideologia. Pudemos perceber então que muito mais do que simplesmente informar, a revista está preocupada em construir, fazer refletir. Apesar dessa certeza já estar formada desde que a Caros Amigos foi escolhida como objeto de estudo, a confirmação veio por meio da convivência diária com as páginas e colunistas (ainda que apenas no papel) da publicação. Entendemos a realidade na qual eles vivem e, ainda que em alguns pontos discordemos, aprendemos a respeitar um jornalismo combativo, diferente do que é proposto pelos grandes veículos de comunicação. Embora ainda não tenha tanto poder para “mudar o mundo” como se propõe, a Caros Amigos se prepara lentamente para angariar soldados dispostos a ao menos tentar. O que pode se dizer, é que os membros desse grupo ainda não fazem parte desse exército, porém, a partir do momento em que estudaram e conheceram o trabalho da revista, se propuseram ao menos a se alistar.
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Anexos Entrevista com a repórter da Caros Amigos, Lúcia Rodriguêz Como é feita a produção da revista Caros Amigos? A gente se reúne toda a equipe, aí a gente vai apresentando as pautas, aí depois no final os editores se unem e consolidam, aí decidimos vamos pegar isso por aqui por ali, aí você corre atrás. Não tem direcionamento de fontes nada o repórter que cuida enfim. Agora no caso a pauta é vocês só querem discutir isso, vocês querem saber como é a dinâmica. Qual é o processo que vocês fazem a matéria à reportagem? A revista ela é mensal e tem os especiais que agora estão saindo intercalados entre as edições. E a gente se dedica aquela matéria, e às vezes a gente produz alguma coisa para o site também. Só que como a demanda esta muito grande não da tempo você está entendendo, porque as matérias são muito bem apuradas, tem muitas fonte, então você não consegue fazer mais do que uma, porque assim a gente quer dar o que os outro não dão, a gente quer dar de uma forma que os outros não dão. Você destrincha aquilo você mostra mesmo pra sociedade o que está acontecendo por uma ótica que não é mostrada na grande imprensa. Então a gente tem toda essa preocupação de fazer uma coisa bem ampla uma investigação, um jornalismo investigativo. A gente valoriza muito a reportagem, a gente não quer jornalismo “Fast Food” à gente quer um jornalismo investigativo, consciente e reflexivo que a gente possa levar mais que uma simples matéria, mas que a gente possa levar às pessoas a reflexão com as nossas matérias. A gente não que uma coisa só por simples e jogar lá e tudo bem. A gente quer que as pessoas pensem em cima que elaborem e construa suas próprias convicções, basicamente é isso. Quanto tempo você está aqui? Vai fazer dois anos em maio. Você já tinha trabalhado em qual meio de comunicação?
Eu já tinha trabalhado. Já trabalhei em rádio, o meu primeiro emprego foi em rádio. E eu passei pela grande imprensa, na folha de São Paulo, no jornal do Brasil, aqui de São Paulo. E agora além daqui eu trabalho em uma rádio de manhã. Eu cuido da pauta e fico assim cuidando do espelho de reportagem e faço algumas entrevistas também. Qual rádio? Rádio terra FM, só que é da rádio Brasil atual que é pela web. Rádio web 98,9. Aí eu cuido mais da pauta. Que é outra dinâmica sabe, tem outros veículos e suas expressividades. Tem o jornalismo diário, que eu fiquei na folha bastante tempo também. E revista é completamente diferente o texto a forma de apurar, a forma de elaborar assim as matérias. E rádio é outra coisa, completamente diferente enfim. Cada veículo tem suas expressividades. Aí cabe ao repórter saber qual é mais à praia dele enfim. Por que rádio tem que ser instantâneo. Pra mim rádio é um veículo mais instantâneo que a própria internet. A internet não conseguiu derrubar o rádio. Por que, a internet você precisa estar concentrada e parada em algum lugar pra ler. Se bem que agora você já está recebendo até pelo celular, mas rádio você pode usar o foninho para escutar o rádio no ônibus, no metrô e você está sendo informado. Quer dizer a relação com o ouvinte, com a população é muito direta, por exemplo, é um veículo poderosíssimo, você entendeu é um meio de comunicação que eu acho que é assim dificilmente vai ser derrubado. Eu acho que tem espaço para todas as plataformas. A televisão a vai acabar com o rádio aí não acabou. Agora veio a internet a vai acabar com isso, mas não acaba assim você entendeu. Têm públicos nisso. Agora a forma de fazer jornalismo em cada um dos veículos é completamente diferente. Quanto tempo você já é jornalista? Nossa tem um bom tempo. Meu primeiro emprego foi em 94, como jornalista. Comecei em rádio. Qual veículo você mais gostou? Então menina eu gosto de todos, mas eu adoro escrever para a Caros Amigos, poder fazer reportagem reflexiva, e poder levar isso para a população que
nem eu te falei. E é muito legal trabalhar em rádio, sendo completamente diferente. Sabe às vezes eu acho que eu vou enlouquecer, por que assim a demanda é completamente diferente, mas eu gosto. Agora Gostei de trabalhar em jornalismo diário também, é bem bacana. E televisão? TV eu nunca fiz. Já fiz vídeo, mas TV eu nunca trabalhei não. Já trabalhei em todos, mas o que eu gosto mais não sei dizer sinceramente. Eu tinha feito há muito tempo atrás como eu te falei, e to voltando agora e estou gostando muito, muito, muito, muito. É enquanto der para produzir para os dois eu vou ficar assim. E quanto tempo você fica na rádio e aqui? Então eu divido faço meio período aqui e lá também. Mas tem dias que na rádio eu tenho que entrar ao vivo. Então eu tenho que sair de madrugada de casa pra entrar ao vivo e fazer entrevistas. Teve duas oportunidades de fazer ao vivo do Egito. Estava rolando lá queda do Mubarak. Aí foi uma sexta-feira o Mubarak não tinha caído ainda. Eu entrei ao vivo com um professor da USP de língua árabe do curso de árabe da USP. Que é o tradutor de 2000 e uma noite (...). Isso em uma sexta, aí ele disse aqui está desse jeito. Sabe quando da aquela sensação para o ouvinte do que está acontecendo isso que é legal. Aí no domingo, no sábado à noite o cara caiu. No domingo eu liguei da minha casa pra ele, o meu editor liga aí depois eu te dou o dinheiro do telefone. Liga aí e acerta com ele. Segunda-feira de manhã eu fui entrevistar ele ao vivo. Aí já era outro clima as pessoas já estavam na rua comemorando. É muito legal assim a possibilidade de você poder entrar ao vivo, por que tem muita coisa gravada também e nem tudo é ao vivo. Mas a instantaneidade de você poder trabalhar com o ouvinte ao vivo, assim tem coisa que você não consegue pum aconteceu ai falou já foi às vezes o cara fala uma coisa que não tem nada a ver. Mas é isso que eu acho interessante, eu acho que o rádio nesse sentindo é até mais interessante do que a TV. TV é mais quadradinha, tem toda uma produção, mas é diferente. Eu não trabalhei, mas eu conheço várias pessoas que trabalharam. A produção tem que ser até maior. E você tem que pensar no que vai transmitir visualmente. Imagens em tudo isso assim.
Mas e vocês o que mais gostam? Rádio, TV e impresso. Quando eu me formei eu queria trabalhar em jornal diário, porque eu trabalhei na folha, no jornalismo diário e os cadernos diários e também os semanais. Eu não gostava dos cadernos semanais, não gostava sabe por quê? Por que o cara fica te enrolando você vai fazer uma entrevista aí ele fica falando a pode ser amanhã? Aí você sempre fica a refém do cara sempre. Se for hoje você pode me responder até tal hora, não pode mais então ta não vai sair. A reportagem procurou e o cara não quis dizer, aí você coloca lá. Então nesse sentido eu prefiro jornalismo diário. Se for para trabalhar em caderno semanal dentro do jornal eu não gosto, não gosto mesmo eu acho que perde o ponto. Se for para trabalhar impresso que seja em um caderno diário.
Entrevista com o editor da Caros Amigos, Hamilton Octávio de Souza
Como o senhor definiria a revista? Grnades grupos, grandes editoras você tem geralmente um processo mais complexo. Revistas semanais são muito mais complexas em termos de edição, você imagina toda semana você tirar uma revista que demanda um número maior de profissionais, uma infra-estrutura mais forte e tal. No nosso caso, a revista em si é bastante simples, porque é uma revista mensal, ela não é grande tem 48 páginas normalmente, esse mês que vai ser especial. Vai sair uma edição com 56 páginas sobre o Saara Ocidental, mas normalmente são 48 páginas. Tem um número de colaboradores que mandam seus artigos, não participam da produção. Eles mandam os artigos nos dias estabelecidos. São uns 12 colaboradores que todo mês atualmente entram na revista.
E esses colaboradores são de São Paulo ou não? Não, tem gente de vários lugares. Tem gente de São Paulo, Rio, Brasília, gente de vários lugares. Inclusive estava aqui o MC Leonardo que é do Rio.
É a Simone comentou com a gente. É... eu não sei se ele já foi ou se está aqui ainda. Está meio tumultuado aqui hoje, tem um monte de coisa. Mas então, os colaboradores mandam por email, têm pouco contato com a redação e o resto, as entrevistas, reportagens são produzidos pela equipe fixa de produção, que fica aqui. Que é esse grupo todo que está aqui. A gente tem um cronograma de fechamento, por exemplo, segunda feira nós fizemos uma reunião de pauta que estabelecemos as entregas das matérias.
Elas são feitas todo começo de mês?
Então, nós estamos com o fechamento um pouco atrasado em relação a data do mês. A revista estava fechando no final do mês anterior a data, o mês de abril fechava no mês de março e no começo de abril já estava indo pra banca. Acontece que nós tivemos durante dois meses um atraso no fechamento da revista por questões de anúncio e problemas com gráfica e atrasou a rodagem da revista e nós tivemos que fazer um cronograma pra ir puxando a data de novo, devagar porque tem o tempo que você tem que deixar na banca e não adianta você substituir rapidamente a revista. Então nós estamos fechando no final do mês, quer dizer nós fechamos agora a edição de abril, que vai pra banca lá pelo dia 15, 18 por aí. Ela está chegando atrasada na banca. Normalmente ela tem que entrar em banca na primeira semana do mês. Mas eu não posso puxar a data de uma vez. Quando você atrasa de um mês para o outro você tem que ir puxando a data aos poucos. Assim vai sair no dia 18 agora, mês que vem no dia 15, depois no dia 12, 10 e assim por diante. Pra voltar ao normal.
E acontece bastante de passar a data? Nos tínhamos feito no ano passado, por exemplo, nós conseguimos colocar em dia. Esse ano nós tivemos um atraso de 15 dias em um mês que prejudicou todo nosso organograma, atrapalhou tudo. Mas normalmente o processo de produção dela é o seguinte, fazemos a reunião de pauta no dia primeiro e a entrega das matérias no dia 20. Então são 20 dias pra produzir as matérias, normalmente cada repórter fica responsável por uma matérias. A partir do dia 20 você fecha e até o dia 26, 27 vai pra gráfica e roda e depois vai pra distribuidora. Aí você já inicia o processo de produção do número seguinte. A edição normal dela demora 10 a 15 dias, não mais que isso. A gente tem poucos recursos, não temos verba disponível, por exemplo, para comprar fotografia, fazer viagens é tudo muito contido, muito limitado. O pessoal sai aqui às vezes de ônibus, de táxi, tinha um carro que foi roubado, mas todo mundo trabalha aqui com muita dificuldade. A gente produz uma revista que é muito mais preocupada em oferecer um bom conteúdo, mas com poucos recursos, é muito sacrifício. Não tem a estrutura de uma grande editora, né. Sabe assim da Abril, da Globo, das grandes editoras que têm banco de dados, arquivos, um monte de
recursos, você quer comprar uma frota você manda comprar não importa o preço. Aqui não, aqui é tudo muito, muito... discutido, daí vai para fazer uma ilustração, quanto que é, vai pagar pouco pela ilustração. Na fotografia os fotógrafos que trabalham pra gente também cobram menos do que a tabela do sindicato dos jornalistas, então a tabela não é cumprida, paga menos. Por falta de grana, não tem grana.
Quantos fotógrafos trabalham pra vocês? Nós temos hoje praticamente um fotógrafo free lancer, que faz a maior parte das matérias e nós temos mais um ou outro que são chamados quando este não dá conta, Você chama outro, né. A gente trabalha com 2 ou 3 fotógrafos normalmente, não mais que isso.
E quando vocês não conseguem a verba, o que é feito? Olha, uma boa parte de matérias que a gente faz aqui são matérias de entrevista, que são feitas pessoalmente ou por telefone e às vezes se usa até email, esse tipo de coisa. As reportagens boa parte ficam dentro de São Paulo, a não ser algumas especiais como, por exemplo, a Tatiana foi agora pra África, então é uma situação especial. Ela tinha lugar pra ficar, tinha convite, então a despesa foi a passagem de avião e uma ajuda de custo, não foi uma coisa grande. Nós não temos condições de bancar coisas grandes, grandes viagens, coisas caras. Geralmente fazemos as coisas mais baratas possíveis e produz, dá pra produzir. Nós temos uma coisa, muita gente colabora com a Caros Amigos. Pessoas, por exemplo, o entrevistado o Silvio Tender, o último, da edição passada, ele mora no Rio aí pra gente entrevistálo no Rio ia custar muito, aí nós perguntamos se ele não aceitava vir até São Paulo e nós só pagamos à passagem de avião pra ele. Essas passagens de promoção e tal, é mais barato. Então ao invés de irem três ou quatro pessoas pro Rio pra entrevistalo, ele topou vir pra cá e fizemos a entrevista com ele aqui. É boa vontade, ele aceitou o convite de ser entrevistado e se dispôs a viajar pra cá para dar a entrevista, outras publicações não conseguem isso. É diferente, né? É, geralmente é o contrario. Às vezes o cara ainda quer cobrar pra dar entrevista. O pessoal que agente tem entrevistado é tudo gente que gosta da revista, que a gente tem certa afinidade política, então há a boa vontade. Conhecem as nossas dificuldades, sabem que nós não temos dinheiros, sabem que a gente vive com poucos recursos e tal. Então há colaboração e compreensão.
Quantos as pautas, como elas são definidas? Reunião de pauta. Cada um sugere, às vezes tem 10, 20, 30 propostas e a gente escolhe o que é viável, que a gente tem condições de cobrir. Dentro dos recursos? Claro e cada um pega uma. Essas pautas chegam a mudar? Às vezes tem algum acontecimento que justifique, mas normalmente a pauta que a gente faz é dentro de uma preocupação que a gente não fica em cima do factual, fica mais na reflexão, no debate, ouvir e aprofundar determinado assunto. Então, a não ser que aconteça algo que justifique você incluir no mês algo que não estava previsto na pauta. Às vezes acontece, mas não é algo obrigatório, que acontece todo mês, porque a gente não cobre o dia a dia, né. Nós pegamos algumas questões que são atuais e existe demanda por debate, por reflexão em cima delas, mas nem sempre tá na cobertura da grande imprensa, né. Diante de todas essas dificuldades quais as vantagens de fazer a revista? Se você for comparar a situação do mercado de trabalho nosso, na maior parte das editoras você tem primeiro, muitas revistas voltadas pro mercado, em cima dos interesses das classes dominantes, dos grupos de interesses das classes empresariais. Nós temos uma proposta, um projeto editorial que é questionador, que vai à contra mão do sistema dominante. Então nosso material tem sempre uma visão crítica ao sistema que está aí, procura questionar o modelo econômico, etc. A maior parte das publicações você tem uma hierarquia bastante rígida obedecendo à voz de comando dos empresários, né. E aqui não, aqui nós temos uma redação que nós temos um espaço de reflexão de liberdade que permite a gente fazer matérias, pautas que não estão dentro desse espectro da cobertura da imprensa de mercado. Então a satisfação de você poder atuar com muito mais liberdade e principalmente muito conflito ideológico, sem se sentir violentado por ter que distorcer, que mentir ou fazer coisas que normalmente você faz na Veja, na Época... Todas as revistas você é obrigado a fazer o que te mandam fazer. Aqui não, você faz aquilo que acha que é interessante. Então o pessoal aqui faz aquilo que acredita que apura, você não tem nenhum tipo de censura, de restrição. Você tem um debate, uma discussão, uma troca de ideias que é normal, mas você não é obrigado a ‘olha você tem que escrever a favor da Camargo Correa’. As revistas brasileiras fazem isso, aqui nós não fazemos.
Mas chega a ter algum problema por não seguir essa linha?
Você já viu a revista? A revista não tem anúncio. Quem que banca anúncio? As empresas, o sistema capitalista, nós não estamos dentro. Nós temos um ou outro anúncio às vezes do governo do Estado e eles fazem isso pra dizer que são democráticos, que mandam pra todo mundo. Às vezes algum outro que cai aí, muito mais por amizade de algum media, alguma coisa assim, do que por empresa que quer anunciar aqui. Por exemplo, de vez em quando aparece algum anúncio da Coca Cola, daí todo mundo fala ‘vocês tão recebendo anúncio da Coca Cola, é que o dono da Caros Amigos trabalhou muitos anos com o rapaz que trabalha na agência que coloca os anúncios, daí as vezes agente pede pra ele “pô, a gente está sem dinheiro, manda um anuncio pra gente”, daí ele manda. A veiculação do anuncio da Coca Cola é porque é amigo, pra ajudar, não que a Coca Cola considere a revista um bom veículo para publicidade dela. Então a maior parte da publicidade que nós temos ou vem do governo ou como este da Coca. As empresas em geral não colocam anúncios na Caros Amigos, então nós temos dificuldade, porque como é que você sustenta uma revista? É por publicidade e pela venda em banca, não tem outra maneira. A não ser que faça matéria paga, tem algumas revistas que fazem isso, mas não é o nosso caso. Então a receita dela é muito pequena e tem a ver com o projeto editorial, claro. Se a gente fizesse uma revista a favor do sistema a gente provavelmente teria muito anúncio. É outro sistema, nós temos uma posição diferenciada e aí é claro né, os caras não vão jogar dinheiro naquilo que está batendo neles. É só você pegar a revista que você vê, por exemplo, nós fizemos uma matéria quando saiu àquela operação da Policia Federal que indiciou vários dirigentes da Camargo Correa por corrupção, nós demos uma bela matéria colocando tudo. A grande imprensa procura esconder, mascarar esse tipo de coisa. Nós estamos saindo agora com uma matéria de porrada na indústria farmacêutica, que é uma industria que esfola o povo brasileiro. Ela cobra caro nos remédios, ela vende um monte de drogas que estão proibidas em outros países. Tem o monopólio de vários medicamentos, de patentes que seriam medicamentos que deveriam estar sendo liberados para doentes crônicos, etc. e tal. É uma indústria que suga o povo brasileiro de maneira cruel. Grandes empresas multinacionais e tal e nós estamos dizendo isso na matéria e claro que nenhuma indústria farmacêutica vai colocar anúncio aqui, pelo contrario, nós corremos o risco de ser atropelados na porta de casa ou eles mandarem matar, etc. e tal. Mas é por aí. Agora de outro lado nós estamos cumprindo o papel de jornalista de mostrar pra sociedade brasileira o que está acontecendo. Nós estamos levando uma informação que é útil para a população brasileira, uma compreensão da realidade que a gente vive. Então no ponto de vista de cumprir o papel de jornalista, nós estamos cumprindo com muito orgulho. Agora agente ganha menos que nos outros lugares. O salário é pouco, atrasa, ninguém aqui tem registro, é fora da lei, nós somos clandestinos. Nós somos funcionários fantasmas (risos)
Mas são todos formados? Sim, todo mundo formado. A única que não é formada é uma jovenzinha. São várias gerações aqui, começa por mim o mais velho e vai 30 anos de jornalismo, 20 anos, 15... Jovenzinhas com um ano de jornalismo, a Bárbara, a Gabi, a Débora que tem dois, está velha já, ela da UNESP de Bauru, a Tati é da Cásper Libero, a Lúcia da Metodista, a Gabi e Barbara da PUC de São Paulo, Cecília da USP... Cada um de um lugar. Mas todo mundo formado. Como que faz com os que ainda estão estudando por que não costuma saber fazer muito bem ainda? Começa com matérias mais simples, mas o pessoal aqui, que eu tenho experiência ainda estudante de terceiro, quarto ano, de gente que já está fazendo matérias mesmo, pega a pauta e faz. Às vezes tem algumas dificuldades aqui e ali, mas isso é coisa que aprende rápido. O lance é ter um ambiente que você possa desenvolver um trabalho com bastante liberdade, com autonomia. Às vezes tem que acertar a abertura da matéria, às vezes falta uma informação, mas o pessoal está vindo pra cá, pelo menos com o contato que eu tenho, é gente que dá conta do recado, que pega e faz. O pessoal mais novo aí, por exemplo, a Gabi e Bárbara, começaram aqui elas não estavam formadas, saíram o ano passado e já estavam produzindo, já fazendo reportagem numa boa. É um pouco também a escola, a experiência... A escola tem que ajudar, estimular, formação mais crítica, colocar contato com as lutas sociais, os movimentos, é isso que dá experiência. Outra, o pessoal aqui todo é militante, todo mundo está ligado a algum tipo de luta, ou luta das mulheres, ou movimentos sociais, ou todo tem uma inserção na luta concreta, a militância em varias áreas, como direitos humanos, área de movimento de moradia, movimento contra aumento do preço dos ônibus, esse tipo de coisa (risos).
Está sempre ligado a alguma coisa. Isso faz com que o estudante
desenvolva não só a parte técnica, mas desenvolva sua noção de mundo, seus compromissos, a sua ligação com a sociedade, com o mundo real, com as lutas concretas. Por isso que o pessoal que tem experiência com militância geralmente é o pessoal preparado.
Hamilton e em relação ao publico da revista, como que funciona o processo pra saber como está? Nós temos primeiro a venda em banca, que você tem sempre um resultado: vendeu tantas revistas. Então isso daí é algo que primeiro tem a ver com o momento geral da condição de vida das pessoas, está com dinheiro, sem dinheiro... Tem a ver com a pauta que você está colocando na revista, a capa, tem a ver com a distribuição, porque se você distribui em cinco mil bancas e é uma coisa, se você distribui em 10 mil é outra. Se o jornaleiro expõe ou esconde a revista. Existe todo um jogo de mercado e disputa de mercado muito pesado. Porque você tem hoje quatro, cinco mil títulos colocados em banca todo mês. Você vai numa banca aí e pergunta pro jornaleiro quantas revistas ele tem lá, títulos, ele vai falar quatro, cinco mil títulos colocados em bancas. Você tem também editoras que disputam ferozmente o controle dessas bancas, as grandes editoras. Você tem o monopólio da distribuição que é da DNAP, que é do grupo abril, que é a única distribuidora de revistas no Brasil. Ela controla isso de uma maneira bastante ditatorial. É lógico que, como ela é ligada ao grupo Abril, ela faz um esquema com o jornaleiro de favorecimento das revistas do grupo, as revistas aparecem mais, tem aqueles displays expondo as revistas, o jornaleiro às vezes ganha brindes pelo número de revistas que ele vende, então a disputa de banca é uma disputa muito feroz e é claro que a Caros Amigos, tem as revistas que concorrem na mesma área, mais ou menos com o mesmo perfil, revistas que estão próximas, tem uma pauta parecida, estão dentro do mesmo campo que chamamos de esquerda, nós somos uma revista de esquerda e têm várias revistas de esquerda. Mais a gente tem os dados, às vezes tem uma oscilação, mas tem sempre uma tendência. Durante os últimos nos a Caros acabou perdendo leitores de banca, em parte por causa do preço também, o preço de capa é 9,90 é um preço alto e a condição de vida do povo brasileiro não dá pra comprar a revista. Eu tenho alunos meus, eu sou professor da PUC, a maior parte reclama que não tem dinheiro pra comprar a revista, isso numa universidade de classe media, né. Mas a gente tem hoje a venda estabilizada e tem a venda de assinaturas, que é outro esquema, porque a assinatura você vende ela ou pela internet ou promoções que são feitas por aí, vai com a banquinha nos eventos vende. E assinatura vem crescendo e cresce muitas vezes por promoções que são feitas, você muitas vezes consegue o preço da revista bem mais baixo que o da banca. O preço da assinatura
dá pra fazer mais baixo porque a banca e a distribuidora pegam uma parte do valor de capa, por exemplo, a revista na banca é vendida por R$ 9, 90, mas volta pra editora R$ 5,50, os outros R$ 4,40 ficam entre o jornaleiro e a editora. Então a gente consegue vender a assinatura a seis reais, por exemplo, ou 6,50 pela remessa do correio. A venda em banca é muito disputada. Aqui em São Paulo a gente percebeu que uma boa parte das bancas estava escondendo a revista, porque tem uma concorrente no esquema da Abril que é a Piauí, então os caras escondiam a caros amigos e deixavam a Piauí exposta, que era um maneira de favorecer a venda. Agora nos temos um serviço, uma moça na verdade, que percorre as bancas pra dar uma olhada, ver se não está escondida, conversar com o jornaleiro pra ver se ele expõe a revista e tal. E isso interfere muito o processo. Você pega algumas bancas na paulista, porta de universidade, por exemplo, a banca lá em frente da PUC vende 40 exemplares por mês, se você esconde a revista, imagine isso e várias bancas, você deixa de vender porque o cara chega na banca e não vê, a não ser que o cara seja leitor assíduo. Então é uma disputa mafiosa muito forte, nas bancas.
Em relação aos colaboradores, como vocês escolhem, são eles que vêm até vocês? Olha, a revista tem 14 anos e até três anos atrás foi dirigida pelo Sergio de Souza, que é o cara que criou a revista e que dirigiu ela durante todo esse tempo. A maior parte dos colaboradores que ainda estão na revista foram todos convidados por ele, tem alguns que são depois da morte dele, ele morreu em março/ abril de 2008. Desde 2008 pra cá entraram dois ou três colaboradores novos, o resto todos foram convidados por ele. O critério que dá pra perceber que ele seguiu é um pouco de pessoas que estão ligadas a setores, segmentos diferentes, por exemplo, o MC Leonardo é do movimento funk do Rio de Janeiro. Aqui em São Paulo tinha o Ferréz que era ligado com o pessoal de Capão Redondo. Hoje o Ferréz saiu e é o Sergio Vás que ligado ao movimento dos Saraus da Coperifa, que é uma cooperativa da periferia de São Paulo. Tem gente ligada à política, à academia, professores universitários, tem gente ligada a poesia, musica, sociólogos... É um negocio de ter várias visões, várias analises conforme o lugar que a pessoa está é um pouco eclético. Eu acho que é tentar algo que seja representativo de uma determinada parcela da sociedade brasileira. A idéia era, quando se criou a revista, você tinha um
domínio total do neoliberalismo, a idéia era reunir pessoas que se contrapunham ao neoliberalismo, que é o pensamento dominante. Que pudessem fazer um a critica a isso, questionar. Então o que foi agregando em torno da revista é o pessoal que se opunha a visão dominante, é essa a idéia. Alguns saíram, alguns agora foram dispensados da colaboração, porque a gente está aumentando o espaço de reportagem, mas é basicamente esse o critério da colaboração. Alguns estão desde e começo e alguns foram entrando com os anos.
Tem algum colaborador mais polêmico? Alguns né. Ao longo do tempo você tem vários que foram ou são geradores de polemica. O José Arbex é um polemista, o Gilberto Vasconcellos é outro que as coisas que ele escreve geralmente têm repercussão polemica. São esses os que costumam ter certo retorno polemico, são esses dois.
Você se lembra de alguma edição que teve muita repercussão, que vocês tiveram algum problema com o que foi escrito? Olha, eu estou na edição da revista há dois anos e pouco, antes eu era colaborador e tinha uma coluna de mídia, de crítica da imprensa, fiz isso por uns cinco, seis anos. E eu acompanhava sem estar presente na redação, assim como todos os colaboradores. Tinha às vezes alguma informação que era mais polêmica. As repercussões costumam ser diferentes, por exemplo, você tem assuntos que geram certo protesto pela ousadia do assunto e outras por alguma besteira que você fez. Nessas de besteira tem uma que eu me lembro, um rapaz que criticou os estudantes de jornalismo e ele criticou justamente a vanguarda do jornalismo que era o pessoal da Endecos. Ou seja, a crítica era invertida, ao invés de criticar aqueles que são passivos, acomodados, criticava aqueles que eram ativos. A matéria era completamente ao contrario, neurótica. Você combate quem não faz nada e não quem está fazendo, está lutando pra melhorar as coisas, melhorar os cursos de jornalismo. Então foi uma matéria com grande repercussão muito forte no meio estudantil pela imbecilidade dela, foi uma matéria completamente imbecil. Você tem hoje as matérias que causam reações positivas, por exemplo, o Tom Zé, ele é um cara polemista e é um cara muito inteligente e muito articulado e a entrevista com
ele teve uma boa reação. Essa entrevista com o Silvio Penta no último número e está tendo uma ótima repercussão, reação favorável, simpática de um cara que tem boas posições que faz uma crítica a falta de espaço do cinema brasileiro. Então você tem reações diferentes em função de cada matéria, às vezes são reações de protesto, ou de apoio. Por exemplo, nos últimos três anos nós ganhamos o prêmio Vladimir Herzog, na área de direitos humanos. Nessa área a gente tem sido, provavelmente, a publicação que mais atua nessa área, com denúncia de violação dos direitos humanos em vários aspectos e a gente tem ganhado prêmios. Esta é uma reação importante pra nós, ganhar prêmio por matérias que denunciam a violação dos direitos humanos. Nós temos denunciado tudo, em relação à mulher, ao preconceito, homofobia, tortura, prisão, criminalização dos movimentos sociais, aos agrotóxicos na comida, nós estamos todos comendo agrotóxico na comida e vamos todos morrer de câncer, preparem-se pra isso. E tudo isso nós temos denunciado e tudo é violação dos direitos humanos praticada por uma sociedade que visa o consumo, o lucro, transformar todos nós em imbecis consumidores daquilo que é produzido. Mas as reações são coisas positivas. Às vezes as pessoas ficam bravas com alguma coisa e depende de quem reage é sinal de que nos atingimos o objetivo. Às vezes a gente mexe com alguma coisa que os caras reagem, claro. Mas era esse o objetivo.
Aí deu certo, né. (risos) Claro, deu certo. Funcionou.
E eles reagem como? Ligam aqui? Ah, às vezes mandam cartas. Por exemplo, nós fizemos uma matéria falando do amianto, que é proibido em mais de 70 países, que é aquela telha Eternit, que ela é cancerígena. Olha, se em 70 países proibiram o amianto por que no Brasil continua existindo? Quem trabalha com o minério no processo de fabricação e quem usa aquilo está sujeito a sofrer de câncer. Tem vários processos trabalhistas contra as empresas que mexem com isso. Nós demos a matéria e a Eternit mandou uma carta reclamando que
a gente tinha usado o símbolo dela na matéria
e nós
pusemos na seção de cartas. Está no direito deles. Às vezes alguém manda alguma
coisa aí e agente põe na seção de cartas, não tem que esconder. Nós fizemos isso mesmo, era pra isso. Alertamos as pessoas, não use Eternit, porque dá câncer.
Tem alguma edição que saiu aos trancos e barrancos? Às vezes tem problemas no processo de produção, às vezes o pessoal atrasa a entrega da matéria, demora mais a edição, isso tem. Faz parte. É assim, dá pra fazer na maior tranqüilidade possível um bom material, questionador, uma boa revista... dá pra fazer. Não necessariamente a gente precisa ter muita pressa e neurose com o processo de produção e fechamento. Na grande imprensa tem muito isso, faz parte do estilo que é dado para a redação, que é de deixar as pessoas tensas e nervosas mesmo. Aqui a gente não tem essa preocupação, dá pra fechar com tranquilidade. Acontece que às vezes uma matéria num dá certo ou a pessoa não está conseguindo fechar a matéria em tempo, aí se cria um certo tensionamento, mas é normal. A gente tem conseguido trabalhar numa boa, numa equipe que se relaciona bem, tem um bom dialogo, toma cerveja frequentemente junto, porque ninguém é de ferro (risos). Mas aí deu errado, tem matéria de gaveta? Isso aí é um negocio que eu tento fazer, ter matéria. Por exemplo, essa edição não tinha nenhuma matéria de gaveta. Os editores costumam sempre ter uma cartinha escondida na manga, ele não pode abrir esse jogo pra todo mundo, mas sempre tem isso. Fui repórter por alguns anos e sei como que é. Mas é o seguinte, nós temos trabalhado sem gaveta, todas as matérias têm que dar certo, elas têm que sair. Cria um jogo muito difícil, porque você não tem margem de manobra. Eu quando eu posso, eu guardo. Eu sempre tenho uma gaveta, vou fazendo, sempre acerto com um frila, alguma coisa assim com alguém pra que de ultima hora eu tenha uma matéria pra colocar. Mas a gente tem fechado a seco, não tem gaveta, tudo que tem está na revista e ponto final. Às vezes tem que colocar um calhau, que é um anunciozinho pra tapar um buraco.
Entrevista com o colaborador da Caros Amigos, Renato Pompeu
Entrevista via e-mail Em 20/04/2011 09:46, Sheila Firmino < sheilafirmino@hotmail.com > escreveu: Bom dia Sr. Renato Pompeu. Seguem as perguntas. Qualquer coisa é só falar. PERGUNTAS: 1-
Como
é
trabalhar
para
uma
revista
como
os
Caros
Amigos?
Na minha visão, ela de um lado permite um trabalho mais profissional do que na grande mídia, pois tem menos temas-tabus. De outro lado, as condições são algo precárias,
dada
a
carência
de
meios
financeiros.
2- Há quanto tempo você trabalha de colaborador para a revista Caros Amigos? Sou
colaborador
desde
o
primeiro
número
e
funcionário
desde
2001.
3- Como você conseguiu entrar para o grupo de colaboradores Caros Amigos? Eu já tinha trabalhado com o Sérgio de Souza e a Marina Amaral, na Folha de S. Paulo e na revista Globo Rural, quando eles lançaram a Caros, abrindo as portas para quem quisesse colaborar. Ofereci-me como colaborador e eles aceitaram. 4- Há alguma dificuldade em trabalhar para a revista Caros Amigos? Se há Qual?
Explique?
As dificuldades são principalmente de ordem material. A revista não conta com publicidade à altura de seu público e o equipamento é algo precário. 5- Qual foi à experiência mais marcante que você passou em algum momento realizando
uma
matéria?
Foi fora da Caros, na Veja, nos fins dos anos 1970, quando, internado em hospital psiquiátrico,
escrevi
uma
matéria
sobre
tratamento
de doenças
mentais.
6- Qual foi à matéria mais importante que você escreveu para a revista? Por que
era
importante?
Foi a coluna Memórias de um jornalista não-investigativo, em que pude falar de distorções que observei ao longo de minha carreira de meio século na imprensa. 7- Hoje o senhor trabalha só para a Revista Caros amigos? Ou também em outros
lugares?
Trabalho para o Diário do Comércio, Carta Capital, Diário de S. Paulo e Revista do Brasil. 8- Como está a liberdade de impressa hoje no jornalismo? Se usarmos a definição tradicional de liberdade de imprensa, usada durante anos por um colunista do The New York Times, "the freedom of the press is the freedom of who has one", ou seja, "a liberdade de imprensa é a liberdade de quem tem uma impressora", vai muito bem.
9-Qual a diferença em escrever para a revista Veja, Folha de S. Paulo e Caros amigos?
E
a
diferença
nos
textos?
Há
alguma?
Só posso falar da minha própria experiência. Escrevi sempre do mesmo jeito, mas fui afastado da Veja, tive de me afastar da Folha de S. Paulo e na Caros só houve umas 10-
rusgas. Como
você
conceitua
a
revista
Caros
Amigos?
Se considerarmos que ela é uma empresa comercial que visa publicar a maior revista de esquerda do País, ela cumpre o seu papel, dentro de suas possibilidades materiais. O grande problema é que ela não tem recursos para investir em reportagens
mais
trabalhosas.
11- Sua longa carreira como jornalista teve muitos autos e baixos? Foi fácil chegar
onde
está
hoje
com
essa
carreira
brilhante?
Sinto-me como no começo de carreira, com o mesmo entusiasmo e dedicação, apenas com mais experiência. Cheguei a passar um ano desempregado, mas
continuei
fazendo
frilas.
Não
sei
como
vai
ser
o
futuro.
12- Colaborou também para as revistas IstoÉ, Bravo, Claudia, Playboy, no Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e hoje para a revistas Caros Amigos? Qual a experiência que você tira de tudo isso? A mesma conclusão a que chegou um personagem de Balzac no romance "Ilusões Perdidas": "O jornalismo é um inferno que, ao contrário do inferno de Dante, não tem nem mesmo um Virgílio para guiar o neófito". 13- Além da revista Caros Amigos, você colabora em outro meio de comunicação?
Se
sim,
qual?
Já respondido acima. Estou cursando o segundo ano de História no Centro Educacional
Claretiano,
em
Educação
à
Distância.
Entrevista com o colaborador da Caros Amigos, MC Leonardo Como te conheceram? Como começou sua história com a “Caros Amigos? Fui entrevistado pela antropóloga Adriana Paquina, professora da UFRJUniversidade Federal Fluminense - e ela tinha um número muito grande de gente entrevistada no mundo funk do Rio de Janeiro e viu a carência das pessoas, a desinformação, a falta de articulação. Viu vários problemas mas ninguém apresentou para ela soluções. Eu não só apresentei os problemas do funk para o mundo como dei a minha versão de um novo olhar que o governo do Rio de Janeiro poderia ter para a cultura do funk carioca. O funk sempre esteve em baixa na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro o tempo todo. Então, não reclamem de como os garotos estão falando. Não reclamem de como as meninas estão se vestindo. O governo não fez nada há 20 anos atrás. Ele colocou polícia pra tomar conta de tudo...E é isso que dá. Não só no Brasil, no Rio, mas no mundo todo. Polícia não conversa. Polícia age. Policiais. E quem toma conta lá é a polícia militar. A polícia militar que costuma agir militarmente. Então foi uma combinação horrível para o Rio de Janeiro onde mesmo assim o mercado do funk conseguiu crescer porque ele é popular, ele é barato. Ele cabe no bolso de quem curte. Mulher não paga a entrada e homem paga 5 reais. Pra quem recebe salário é a única opção. E depois que eu terminei de falar, eu tinha que fazer o funk ser reconhecido como cultura no estado do Rio de Janeiro pra que a gente pudesse ampliar as chances de incentivo colocar na parte da educação também, fazer oficinas dentro do colégio... O funk que é a linguagem que tanto disputa a juventude quanto vai migrando pra outra. Nós fizemos uma disputa pela juventude no Brasil inteiro. O Rio tem tiros, tem a milícia, tem o tráfico tem a própria corrupção policial que leva jovens. Policial militar também é um trabalhador...Sem informação plena nem dos seus direitos e seus deveres muitas vezes e dá a disputa aí. Os artistas do funk no Rio de Janeiro sofrem também com o monopólio das rádios abrindo mão de todos os seus direitos pra poder tocar na rádio. A Ivete Sangalo paga. Os artistas do funk dão tudo o que tem. Aí eles dizem que não paga nada. Mas e o programa, de quem é? De que maneira foi feito o negócio que não há negócio? Há um contrato abusivo ali e não negociável onde eles ficam com 100% do programa, da música. Quando eu terminei de falar com ela ela fechou a agenda. Falou "Olha Leonardo. Muito bonita a sua casa legal seu filho...sua esposa mas está havendo um desperdício muito grande aí. Porque a
informação que você tem tem que ser colocada pra frente. Eu vou te apresentar umas pessoas, você se propõe a fazer isso tudo que você falou?" Proponho. Foi e me apresentou o Marcelo Salles que era o jornalista daqui. Depois da entrevista ele me perguntou se eu já tinha alguma coisa escrita e tal e eu falei pra ele que tava escrevendo há pouco tempo mas que já tinha alguma coisa e dei pra ele três textos...eu não sabia que ele era da "Caros Amigos". Ele mandou pra Caros e eles disseram: "Não, eu quero publicar". Aí perguntou pra mim "Quanto tempo você conhece o Leonardo?". Pessoal da revista me perguntou quanto tempo eu conhecia o Leonardo. Ah, eu conheço o Leonardo há 24 horas. "Ah que pena, porque se você conhecesse ele há mais tempo pra escrever na revista." Aí ele falou "Eu conheço o Leonardo há 24 horas mas tenho certeza de que ele vai ocupar esse espaço de uma maneira legal". De lá pra cá, em junho agora eu faço 3 anos na revista, fico muito orgulhoso de estar em uma revista que nunca tirou uma vírgula do que eu falei, nunca opinou em nada...Sempre publicaram aquilo que estava na minha cabeça. Então essa liberdade eu tenho na "Caros Amigos" até hoje e nos meios universitários, Campinas mesmo eu estive num Fórum Linguístico , alias quando eu fui convidado eu aceitei por educação porque não sabia o que fazer num fórum linguístico. Não foi o primeiro que eu fui. Qual é a importância de se ter um “artista do morro” como colaborador de uma revista como a “Caros Amigos”? O que tem sido feito para mudar a realidade da comunidade por meio do funk? Na UFRJ nós montamos um negócio chamado "Roda de Funk". A gente junta os artistas pra dentro dessa roda, cada um cantar e falar o que pensa e sempre buscando adeptos àquela ideia. Fazer palestras...Participar de debates e palestras das unviersidades...Isso acaba unindo as universidades. Nós temos uma cartilha de direito autoral no Rio. Uma cartilha mesmo, de quadrinhos pra falar o que o moleque tem que fazer quando ele faz uma música e pensar. A necessidade da cartilha foi pensada na UFRJ...Foi diagramada e desenhada pela PUC e foi colocado os textos pelo grupo DPQ - Direito pra quem - da UERJ. Então a revista "Virus Comentária" da PUC do Rio participa ativamente disso e acabou sendo a fundadora da revista. Não foi fundada por favelado até porque a gente não sabia. Nós não estudamos. Então é a mesma coisa...O sem terra só vai conseguir terra quando o homem da cidade pedir terra pra ele. Setor nenhum altamente organizado não vai conseguir nada somente ele organizado. Ele tem que estar dentro de outras organizações pra ter
movimento. E pra ter movimento não pode ser só um setor organizado. Nós conseguimos mudar uma lei...Derrubar uma lei no rio que era a 10265 que dava poder pleno pra polícia dizer sim ou não se o baile podia acontecer. Nós derrubamos essa lei a partir de uma outra lei que revogou essa lei e implementamos uma outra tanto que hoje foi reconhecido pelo estado do Rio de Janeiro como movimento cultural do campo musical. Do campo musical e pedagógico do Rio de Janeiro. Então o que muda com isso? Lei é um pedaço de papel. Lei é igual cigarro: Cigarro não mata. Mata o fumo. Lei não muda nada. Lei é um ótimo instrumento de mudança. As pessoas tem que pegar ela e fazer ela valer. Fazer valer com atitudes, com ações. E você precisa explicar isso porque infelizmente a gente não tem...Nós temos hoje pessoas ligadas a grandes escritórios.
Grandes médicos, grandes
arquitetos...O cara que trabalha no marketing. São profissionais de área. Quando vai falar sobre direito há um abismo muito grande.. "O Brasil é assim mesmo" "Não muda nada" e pápápápá. Mas e o moleque da favela? Que não é profissional de área nenhuma? Então, fazer esse tipo de trabalho ApaFunk, a associação que nós fundamos ela é uma instituição que briga por direitos. Ela não é gravadora, não é uma editora. É uma instituição que briga por direitos. Nós já conseguimos unir as favelas, as universidades, conhecer o trâmit parlamentar que conhecemos o deputado Marcelo Frias, que é do PSOL junto com o Chico Alencar conseguiu levar o debate mais adiante. Colaborar com a “Caros Amigos” te permitiu conhecer uma série de coisas que antes você nem imaginaria. No que esse conhecimento de mundo te ajudou? A "Caros Amigos" também me levou a outros lugares, mas só voltando ao assunto de Campinas...Eu conheço lá a rádio Muda, galera toda lá. Eu fui com um alto preconceito de o que eu ia poder fazer ali e mudou totalmente a maneira como eu defendia o funk na questão linguistica.
Mudou porque eu vi que não é só o
funk...Tinha um rapaz que era cego, surdo e só ouvia muito de perto. Ele era escritor e ele falava bem. Daí ele fala "Como é que as pessoas vão falar comigo? Eu preciso ser tocado. As pessoas precisam chegar perto de mim e falar no meu ouvido e me tocar. Mas as pessoas não vão fazer isso nunca. Então eu sofro muito por saber falar, saber me comunicar mas não saber o que as pessoas estão achando." Aí chegou o rapaz do campo jurídico e diz: Eu tenho pena quando eu estou na frente do juiz defendendo o meu cliente e ele me falar o que aconteceu e ele me perguntar
o que houve pois não entendeu nada do que o juiz falou."Quando a questão é medicinal, relação médico-paciente, o médico ainda tenta. . Mas quando é questão de direito não. Quer dizer, o juiz vai falar falar falar e você não vai entender nada. Então eu fui vendo vários modelos de falta de comunicação. Então eu fui vendo a lógica. Pra muita gente, funkeiro é igual a preto que é igual a favelado. Como é que você muda isso? Essa frase "Corra atrás dos seus direitos" é uma frase errada porque só quando você tem que brigar por um direito que você não tem que você tem que correr atrás dos seus direitos. O direito que você não tem e que você precisa ter. O direito que já existe...Você não precisa correr atrás dele. Exija o seu direito. Direito não se implora nem se mendiga. Você exige que ele seja respeitado. Com relação ao funk, nós sabemos que você é engajado em mudar a imagem que se tem do movimento e da favela. Você tem conseguido de fato mudar essa imagem? Pensei que a gente fosse demorar mais tempo pra fazer o que a gente fez. Trazer o ministro pra cá...Levar pro Rio...Conversar com ele mostrar o que tava acontecendo. Chegar até o governador e falar "Ó, vou mudar isso aqui!" "Vou fazer a cultura quer o senhor queira quer não. Quer o deputado queira quer não." Porque o funk é cultura. Qualquer lugar do mundo que você chegue e que esteja tocando música eletrônica e toque funk, eles falam que é a música eletrônica brasileira. E o pessoal diz que isso aqui é feio lá fora. Não. Só porque é feito por quem não pode falar teoricamente. Outra coisa que eu não gosto é que a gente tem que dar voz: "Ah, tem que dar voz ao favelado. Tem que dar voz à população favelada". Não tem que dar voz à ninguém. Tem que dar ouvidos. Porque voz todo mundo tem. Agora tem que dar ouvidos. Quando fecharam a Rádio Muda eu escrevi na revista sobre a abertura da rádio. Que foi totalmente democrático...Os caras abriram a rádio lá as 8 horas da noite e tal. Eles, "Leonardo é aqui que a gente fala. E tem um maluco aqui que vai falar: Fala maluco". E eu saí falando e perguntando. Quando cheguei no Rio de Janeiro vi que tava aberta a rádio....Fechou mesmo. Eu fui no final de 2009 aí depois tive lá no passado e depois voltei fui para um encontro. E à noite fui embora de manhã e não desliguei da rádio lá. Esse negócio que rádio pirata derruba avião é palhaçada. Se fosse assim Bin Laden enchia o Afeganistão de rádio. Jornal da galera não rola. Vocês já ouviram falar da revista "Vírus Comentária"? "Vírus Comentária" nunca ouviram falar? É uma revista feita pelos estudantes da PUC lá no Rio muito maneira. Sabe uma revista muito legal, eles tavam distribuindo
agora estão cobrando 2 reais pela revista ficando uma coisa mais certa né? Porque eles começaram primeiro com um modo de sacrifício...Eu achei a revista um marco...Pra gente, um exemplo. Você é uma exceção em meio às pessoas que vivem a sua realidade. Quer dizer, conseguiu estudar, escrever e fazer com que as pessoas ouvissem sua voz. Como foi a sua vida na Rocinha? Qual foi o seu primeiro contato com o funk? Fui na Rocinha...A minha vida inteira 30 anos na Rocinha...Mas eu costumo dizer que não fui criado na Rocinha porque eu nasci na Rocinha mas fui criado em todas as favelas porque eu comecei a cantar muito cedo. Comecei a cantar com 16 anos...Ia fazer 17 anos quando eu comecei a cantar. E vivo do funk até hoje. A grande maioria dos artistas de funk que vocês já ouviram falar vieram depois de mim. Buchecha...Ele que ta fazendo 15 anos agora...Eu tenho quase 20. Eu vou fazer 20 anos ano que vem e to aí com o meu irmão cantando, falando do que a gente vê pra falar o que a gente sente porque a pior coisa que tem é você chegar e ouvir que os moleques estão cantando pra bandido. Vê a vida do moleque como é. Graças a Deus eu tive família, sou o caçula...Meus dois irmãos mais velhos estudaram mais que a gente. Meu irmão mais novo a mesma coisa, terminaram só o segundo grau. Eu estudei só até a 5a série. Parei. Eu nasci com problema no fêmur. Minha bacia nasceu inchada. Então eu já estava do peito até o tornozelo a minha infância toda. Então 2, 3 anos eu tinha que fazer todos os dias pra não atrofiar a bacia e não dar paralisia infantil. Durante esse tempo eu li tudo o que me caiu nas mãos. Nos dias de hoje seria mais livre...Com iPod, iPhone, internet essas coisas todas. Eu teria lido outras coisas aí. Então eu tive sorte de ler bons livros...Não li só bons livros mas os que me chamara a atenção eram livros bons e eu nem sabia o que eram. Eu li...Primeiro livro chato que eu li foi "Os Sertões" porque a primeira parte de "Os Sertões" é arrastada e porque o paciente estuprou o livro. E eu não tinha o que fazer. Então eu ali aquilo ali. Depois eu fui trabalhar na banca de jornal vivendo da noite... A única influência que eu tive de querer me movimentar foi a igreja. Porque eu fiz a primeira comunhão e crismei. Quando eu entrei na crisma eu fundei um grupo na Rocinha. Então aquela coisa do ensino biblico, discutir o evangelho dentro da comunidade. Logo depois da minha última cirurgia eu consegui fazer outras amizades e fui visitar um bairro carente, a casa de uma namoradinha que eu tinha e cheguei lá e falei "vou fazer o
que eu sei fazer". Minhas tias todas rimavam. Meu avô rimava.Eu já escrevia versos quando era moleque então o funk me achou. E eu achei um lugar que eu não precisava comprar instrumentos, que eu não precisava cantar bem, que eu não precisava ser bonito, que eu não precisava me vestir bem e me apresentava para quem entendia o que eu tava falando. O que eu vou falar todo mundo vai entender, e é isso. Quais os ritmos que mais influenciam a sua música? É difícil....Se você me perguntar qual é o meu ritmo principal eu digo que é o forró...To no meio do funk, da chanchada, do baião, do forró tradicional, do xote que eu adoro. Foi onde eu fui criado..Isso até 85 era só o que eu ouvia. Em 85 estourou outro ritmo no Rio de Janeiro e aí a rádio começou a tocar Fundo de Quintal, Ademir Brandão até que em 89 chegou um cd chamado "Funk Brasil" e eu comecei a ouvir. Era melô né...Porque era aquilo que eles ouviam mas eu fui pego mesmo em 92 quando fui pela primeira vez no baile mesmo pra curtir e me inscrevi no concurso de rap. Maluco cantando e a galera...E o negócio foi me comunicar. Eu achei um lugar pra me comunicar e to aí até hoje. A questão do rap das armas que foi feita em 92 também... Depois foi "Morro do dendê" que acabou saindo lá no DVD pirata mas no Tropa de Elite oficial mesmo somos eu e meu irmão cantando e no Tropa de Elite 2 agora a gente botou "Ta tudo errado" que é uma música de depois que eu entrei na militância cultural, digamos assim. Ta tudo errado já é uma música com todos os elementos necessários pra falar de uma classe não só da favela como da cidade toda. A sociedade em geral não tem uma visão muito otimista da favela nem do funk. Denúncias como as dos “proibidões” e da ainda inexplicável morte de Tim Lopes contribuem para que essa imagem seja reforçada. Entre o que é mostrado pela mídia e a realidade, o que é verdadeiro e o que é exagero? O que a televisão mostra é muito...Funkeiro sempre foi perseguido e sofre perseguição midiática...Mas vamos lá. Não existe baile funk da mulher sem calcinha. Mulher que vai sem calcinha pro baile funk vai sem calcinha pro restaurante, Carnaval sem calcinha. Não existe o baile.Não existe o trenzinho do sexo...É igual saci pererê...Caô. Outra coisa: Baile funk transmite aids. Isso foi capa de jornal do Rio de Janeiro. Baile funk engravida. Tim Lopes não morreu num baile funk. Tim Lopes não morreu num baile funk. Tim Lopes a polícia investigou e entregou na mão do Ministério Público que aceitou a investigação que foi pra Justiça que condenou 7
pessoas. Deu 248 horas de julgamento das 7 pessoas do Tim Lopes e em nenhum momento entra a palavra funk. Aliás, entra. “Tendo o motorista declarado em seu depoimento que pegara Tim Lopes às 10 horas da noite nas semanas anteriores fica desconfigurado a existência de gravação em algum baile funk (...) Tim Lopes jamais fora àquela localidade filmar qualquer outra coisa que não fosse armamento pesado.” Esse é o relatório da polícia. Mas a Rede Globo diz até hoje que Tim Lopes foi filmar uma denúncia que a Rede Globo diz que recebeu mas não diz quem monitora nem mostra o material. Nós tivemos acesso a 16 horas do Tim Lopes e em uma delas passa um carro, um Gol preto tocando: “Tchutchuca, vem aqui com o seu tigrão..” E isso saiu na gravação. A máquina do Tim Lopes era colocada as 8 da noite quando ele entrava na Vila Cruzeiro e só durava duas horas. 10 horas da noite ele ia voltar porque não tinha mais como gravar nada. Então não pode... Aí vem a perseguição. Quem deu incentivo pras bocas de fumo foi o Estado porque foi ele que caçou o alvará das casas que trabalhavam com funk na cidade toda. Tinha baile na Barra, tinha baile no Leblon...To te falando da área nobre. Barra da Tijuca tinha o “Baile Barra”..Num dos lugares mais caros do Rio de Janeiro. Você tinha os bailes no asfalto. Eles proibiram. E já que não encontraram ninguém pra pagar, levaram pra favela. Porque o traficante quer pagar. Nós aprendemos na marra o que é uma defensoria pública, promotoria pública, comissão de direitos humanos...Secretaria de educação municipal, estadual...Teve que aprender. As pessoas gastam dinheiro para se formar. E eu to adorando. Espero que o meu cansaço só chegue quando eu estiver bem velho. Pela necessidade de me comunicar e aprender como funcionam as coisas.
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