100 CASOS EM DERMATOLOGIA

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rachael morris-Jones PhD PCmE FrCP Consultant Dermatologist & Honorary Senior Lecturer, King's College Hospital, London, uK Ann-marie Powell Consultant Dermatologist, St John's institute of Dermatology, guy's and St thomas' NHS trust, London, uK Emma Benton mB ChB mrCP Post-CCt Clinical research Fellow, St John's institute of Dermatology, guy's and St thomas' NHS trust, London, uK 100 Cases Series Editor: Professor P John rees mD FrCP Dean of medical undergraduate Education, King's College London School of medicine at guy's, King's and St thomas' Hospitals, London, uK


100Casos em Dermatologia Copyright © 2013 by Di Livros Editora Ltda.

ISBN 978-85-8053-043-8

Rua Dr. Satamini, 55 – Tijuca Rio de Janeiro – RJ/Brasil CEP 20270-232 Telefax: (21) 2254-0335 dilivros@dilivros.com.br www.dilivros.com.br

Tradução:

CAROLYNEDE FARIAS DE ARAÚJO Dermatologista – Membro Titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia Supervisão da Tradução:

CAIO ROBERTOSHWAFATY DE SIQUEIRA Sócio Efetivo da Sociedade Brasileira de Dermatologia Formado pela Universidade Estadual Paulista – UNESP

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, total ou parcialmente, por quaisquer meios, sem autorização, por escrito, da Editora. Nota A medicina é uma ciência em constante evolução. As precauções de segurança padronizada devem ser seguidas, mas, à medida que novas pesquisas e a experiência clínica ampliam o nosso conhecimento, são necessárias e apropriadas modificações no tratamento e na farmacoterapia. Os leitores são aconselhados a verificar as informações mais recentes fornecidas pelo fabricante de cada produto a ser administrado, a fim de confirmar a dose recomendada, o método e a duração do tratamento e as contraindicações. Ao profissional de saúde cabe a responsabilidade de, com base em sua experiência e no conhecimento do paciente, determinar as doses e o melhor tratamento para cada caso. Para todas as finalidades legais, nem a Editora nem o(s) Autor(es) assumem qualquer responsabilidade por quaisquer lesões ou danos causados às pessoas ou à propriedade em decorrência desta publicação. A responsabilidade, perante terceiros e a Editora Di Livros, sobre o conteúdo total desta publicação, incluindo ilustrações, autorizações e créditos correspondentes, é inteira e exclusivamente do(s) autor(es) da mesma. A Editora

Edição original: 100Cases in Dermatology © 2011 Rachael Morris-Jones, Ann-Marie Powell and Emma Benton

ISBN-13

978-1-444-11793-6

This edition of 100 Cases in Dermatology by Rachael Morris-Jones, Ann-Marie Powell and Emma Bentonis published by HODDER ARNOLD, an imprint of Hodder Education, a division of Hachette UK

Impresso no Brasil – Printed in Brazil


Sumário Prefácio

ix

Agradecimentos

xi

Glossário

xiii

1: Lactente com prurido e crescimento lento

1

2: Criança atópica e agitada

3

3: Erupção monomórfica aguda em uma criança atópica com alterações sistêmicas

5

4: Erupção facial inestética recorrente em um adulto jovem estressado, mas saudável 7 5: Bolhas nas mãos e nos pés de um homem atlético

9

6: Erupção eritematosa pruriginosa crônica nas pernas

11

7: Erupção pruriginosa localizada

13

8: Erupção eczematosa complicando úlceras venosas

16

9: Erupção pruriginosa transitória exacerbada pelo calor

19

10: Criança com placas acastanhadas que ficam urticariformes

23

11: Edema agudo de tecidos moles associado a sintomas sistêmicos

25

12: Placas descamativas crônicas nos joelhos

27

13: Erupção descamativa disseminada aparece após amigdalite

29

14: Paciente apresenta doença aguda com toda a pele eritematosa e quente

31

15: Erupção pruriginosa no tórax e braços após exposição solar

33

16: Bolhas lineares de início agudo nas pernas

35

17: Erupção bolhosa crônica no dorso das mãos

37

18: Dor, eritema e má cicatrização cutânea induzidos pelo sol em uma criança

39

19: Erupção disseminada de início súbito

41

20: Lesões eritematosas anulares recorrentes que recidivam em sítios cutâneos idênticos

43

21: Lesão labial dolorosa associada a uma erupção vesiculosa localizada e desconforto bucal

45

22: Erosão dolorosa nas membranas mucosas e lesões cutâneas

47

23: Bolhas e necrose cutânea extensa de início agudo com envolvimento mucoso

49

24: Febre, epilepsia e erupção cutânea disseminada com edema facial exuberante

51

25: múltiplas pústulas de início agudo sobre pele eritematosa

53

26: Erupção cutânea aguda que não desaparece à digitopressão associada à amigdalite

55

v


100 Casos em Dermatologia

27: Erupção papular pruriginosa nos tornozelos

57

28: Erupção vesicobolhosa generalizada em uma idosa

59

29: início súbito de erosões, bolhas e fragilidade cutânea após úlceras orais com piora progressiva

63

30: Erupção vesiculosa pruriginosa na face extensora do membro associada à má absorção

65

31: Erupção bolhosa pruriginosa recorrendo em uma segunda gravidez

67

32: Estrias muito pruriginosas no terceiro trimestre da gravidez

69

33: Placas brancas escleróticas assintomáticas no tronco

71

34: Espessamento da pele dos membros de início insidioso

73

35: Erupção facial aguda, febre e dor articular em uma mulher jovem

75

36: Erupção anular eritematosa de início súbito

79

37: Alopecia, lesões cutâneas cicatriciais e fotossensibilidade

81

38: Erupção eritematosa e fraqueza muscular

83

39: Erupção maculopapular no tronco e na face com sintomas gripais

85

40: Despigmentação lenta e assintomática da pele

87

41: Adulto jovem com hipertensão arterial, pigmentação irregular e nódulos cutâneos

89

42: Adolescente com sobrepeso e espessamento da pele ao redor do pescoço

93

43: Úlcera dolorosa e exuberante em uma paciente jovem, sem evidência de infecção 95 44: Lesões assintomáticas de início lento no terço inferior das pernas de uma paciente diabética

97

45: Edema e descoloração lenta e progressiva no terço inferior das pernas

99

46: Lesões anulares assintomáticas nos membros

101

47: Erupção papulosa e anular assintomática

103

48: Úlcera na região medial da perna em um contexto doloroso

105

49: Edema unilateral indolor na perna de início lento

107

50: idoso enfermo com doença arterial e úlcera no calcanhar

111

51: Úlcera incurável no pé de um paciente diabético

113

52: Lesão vascular em regressão em um pré-escolar

117

53: marca de nascimento “vermelho-vivo” em um recém-nascido

120

54: Desenvolvimento lento de uma placa descamativa em um quirodáctilo

123

55: Nódulo ulcerado que não cicatriza de crescimento lento na face

125

56: múltiplos carcinomas basocelulares em um paciente jovem

127

57: Lesão ulcerada no couro cabeludo com crescimento há mais de 4 meses

129

58: Lesão de crescimento rápido no dorso das mãos

131

59: Nódulo normocrômico crônico na face

133

60: múltiplos nevos discretamente atípicos no tronco

137

61: mácula pigmentada com crescimento progressivo na face de um idoso

139

62: Erupção unilateral ao redor do mamilo

141

63: Lesão pigmentada com alterações progressivas na perna

143

vi


Sumário

64: Nódulo pigmentado no dorso

145

65: Placas eritematosas descamativas com curso crônico

147

66: Nódulo cutâneo eritematovioláceo de crescimento lento

149

67: Erupção papulopustulosa na face com má cicatrização

151

68: Face vermelha com pápulas e pústulas

153

69: Bolhas e crostas de início súbito na face de uma criança

155

70: Face eritematosa e dolorosa

157

71: Perna quente e edematosa

159

72: Erosões dolorosas nas áreas flexurais de uma criança

161

73: Placas eritematosas descamativas assintomáticas nas palmas e plantas

163

74: Vesículas labiais de início agudo com edema e dor na face

165

75: Erupção vesiculosa dolorosa e localizada

167

76: múltiplas pápulas normocrômicas na face

169

77: múltiplas pápulas e nódulos ceratósicos nos quirodáctilos

171

78: Exantema maculopapular de início súbito com conjuntivite e mal-estar

173

79: Vesículas agrupadas que se disseminam em uma criança com alterações gastrointestinais

175

80: múltiplos abscessos cutâneos com mais de 12 meses de evolução

177

81: Dor e maceração de evolução crônica na região interdigital das mãos

179

82: Lesões cutâneas violáceas assintomáticas nos membros e tronco

181

83: Erupção pruriginosa disseminada que atrapalha o sono

183

84: Lesão eritematosa indolor no nariz com crescimento há mais de 4 meses

185

85: Descamação no couro cabeludo com linfadenopatia occipital associada em uma criança

187

86: Erupção anular pruriginosa com acometimento familiar

189

87: Descamação progressiva palmar associada à distrofia ungueal

193

88: Placas assintomáticas de alopecia no couro cabeludo

195

89: Alopecia frontal em uma mulher

197

90: Excesso de pelos faciais em uma mulher jovem

199

91: múltiplas lesões cutâneas desenvolvem-se em um transplantado renal

201

92: rigidez cutânea após transplante de medula óssea

203

93: Alterações em faixa em uma criança e uma história de abortamento materno

205

94: Adulto jovem com convulsões e fotodano marcado

207

95: Homem jovem procura aconselhamento genético por causa de sua pele seca

209

96: Bolhas de caráter recorrente nas extremidades associadas à mínima pressão/fricção 211 97: Número crescente de lesões faciais assintomáticas em um menino

213

98: macroglossia, fadiga e dorsalgia em uma idosa

217

99: Erupção eritematosa pruriginosa subaguda em uma paciente idosa com história de emagrecimento

219

100: menina com cicatrizes incomuns e injúrias inexplicáveis

223

Índice Remissivo

225

vii



PREFÁCIO

A

dermatologia é uma especialidade extensa e altamente cativante, na qual os clínicos podem realmente visualizar de perto todos os padrões de doença – “na pele”. Sob vários aspectos, a dermatologia é a arte do médico “à moda antiga”, que se baseia na anamnese e no exame físico para chegar à maioria dos diagnósticos. Para o não especialista, os diagnósticos dermatológicos pontuais, feitos somente pelo reconhecimento de padrões, podem ser desafiadores; portanto, este livro empenha-se em oferecer apresentações clássicas de doenças cutâneas comuns por meio de ferramentas fundamentais da Medicina – uma história detalhada e a observação dos sinais clínicos. Parte do fascínio das doenças dermatológicas está na habilidade do médico em diagnosticar doenças sistêmicas pela observação de mudanças na pele. Consequentemente, o reconhecimento acurado das desordens cutâneas é pertinente a todos os médicos de qualquer campo da medicina/cirurgia. Dessa forma, os casos selecionados neste livro refletem principalmente a interface entre a medicina interna e a dermatologia. É frequentemente dito que uma imagem vale mais do que mil palavras; assim, esperamos que as fotografias clínicas que acompanham cada caso falem por elas mesmas em muito mais palavras do que nós poderíamos escrever. Rachael Morris-Jones Ann-Marie Powell Emma Benton

ix


AGRADECIMENTOS

A

s autoras têm uma dívida para com todos os pacientes que gentilmente nos permitiram incluir suas fotografias neste livro para ilustrar os sinais clínicos. Também agradecemos, sinceramente, ao Medical Photography Department do St John’s Institute of Dermatology, Guy’s and St Thomas’ Hospital NHS Trust e King’s College Hospital NHS Trust pela excelente qualidade das imagens clínicas; e pelo papel crucial que isso representa no cuidado com o paciente e no apoio à Educação Médica.

xi



GLOSSÁRIO Abscesso: coleção profunda de pus causada por infecção cutânea Angioedema: edema cutâneo temporário e de evolução rápida Anular: lesão em forma de anel Atrofia: perda de densidade do tecido Bolha: vesícula grande > 1 cm Cisto: estrutura fechada “em forma de saco” distinta, geralmente fluida, com substância semissólida Crosta: fluido cutâneo que secou Dermografismo: “escrever na pele”; lesão cutânea eritematosa ou esbranquiçada, em relevo, provocada por toque mais firme (o dermografismo pode ser eritematoso ou branco) Descamação: saída de escamas superficiais Edema: acúmulo de fluido na pele Emoliente: hidratante para amaciar e suavizar a pele Equimose: contusão; mancha de sangue na pele Erosão: perda superficial da epiderme Escoriações: marcas de coçadura que causam perda parcial ou completa da epiderme Estomatite: inflamação da mucosa da cavidade oral Fissuras: rachaduras em toda a espessura da epiderme Fômites: objetos inanimados capazes de carrear e transferir partículas infecciosas Fototipo cutâneo de Fitzpatrick: classificação numérica da cor da pele, que vai do tipo I (branco) ao tipo VI (negro) Furúnculos: abscesso profundo (infeccioso) que acomete todo o folículo piloso HAART: do inglês Highly Active Antiretroviral Therapy (Terapia Antirretroviral Altamente Ativa) Hiperceratose: aumento da espessura do estrato córneo da epiderme Hipertricose: crescimento excessivo de pelos percebido na pele Induração: endurecimento da pele (p. ex., por inflamação, acúmulo de fluidos ou de células tumorais) Koebner, fenômeno de: aparecimento de lesões cutâneas sobre áreas de trauma Lentigos: pequenas áreas de aumento de pigmentação da pele Liquenificação: aumento da espessura da pele, com acentuação das linhas cutâneas Maceração: pele continuamente úmida, que se torna macia e esbranquiçada Mácula: mudança de pigmentação na pele sem elevação (não palpável) Nikolsky, sinal de: descolamento da epiderme sobre a derme por pressão lateral (adjacente à lesão) Nódulo: lesão circunscrita elevada maior do que 1 cm de diâmetro Onicólise: separação/descolamento da lâmina ungueal do leito ungueal Pápula: lesão circunscrita elevada que mede de 0,5 cm–1 cm de diâmetro Pedunculado(a): lesão que se apoia em base mais fina Placa: lesão circunscrita elevada, em platô (achatada), geralmente maior que 1 cm de diâmetro Prurido: coceira (sensação subjetiva) Púrpura: cor violácea da pele que não some à digitopressão, geralmente devido a dano vascular Telangiectasia: pequenos vasos sanguíneos dilatados próximos à superfície cutânea/mucosa Ulceração: resultante da perda de toda a epiderme e a derme Vesícula:lesão de conteúdo líquido (geralmente claro, embora também possa ser hemorrágico) com até 1 cm de diâmetro

xiii



Caso 1:

LACTENTE COM PRURIDO E CRESCIMENTO LENTO História

Lactente do sexo masculino, 26 semanas de vida, chega ao seu consultório acompanhado da mãe. Ele desenvolveu nas últimas 7 semanas uma erupção eritematosa, pruriginosa, ressecada e generalizada. Sua mãe tem aplicado regularmente emolientes, além de usá-los para banho. Refere que o paciente tem acordado mais frequentemente à noite e se mostra incomodado com a pele. Ela está preocupada com o desmame. O paciente é normalmente amamentado pela mãe, e ela tem uma dieta irrestrita. Foi oferecido ao lactente uma mamadeira de fórmula à base de leite, mas ele só aceitou 60 mL antes de vomitar e desenvolver uma erupção cutânea. Ele também desenvolveu a erupção cutânea quando o seu pai o beijou imediatamente após ter comido um sanduíche de maionese com ovo. O paciente é o primeiro fi lho dos pais; sua mãe teve asma na infância e seu pai é alérgico a mariscos. Não possuem animais de estimação em casa. Seu pai é tabagista. O lactente nasceu de parto vaginal a termo. Vacinação em dia para a idade. Exame físico Sua altura atingiu um platô há 8 semanas e encontra-se no nono percentil para sua idade. Ele está alerta e feliz, embora coce vigorosamente suas pernas quando despido. Apresenta xerose cutânea generalizada, com eritema difuso e placas mal defi nidas de eczema agudo; há escoriações difusas (Fig. 1.1) e não há evidências clínicas de impetiginização. Ele possui microlinfadenopatia generalizada. O restante do exame físico é normal.

INVESTIGAÇÃO testes cutâneos Alérgeno

Resultado

Interpretação

Controle positivo Controle negativo Clara do ovo gema do ovo Proteína do leite da vaca Soja trigo Salmão Bacalhau Amendoim

5 mm 0 mm 11 mm 4 mm 8 mm 7 mm 0 mm 2 mm 1 mm 9 mm

teste funcionante Alergia muito provável Alergia possível Alergia muito provável Alergia muito provável Sem alergia Sem alergia Sem alergia Alergia muito provável

Questões • O que é essa erupção? • Qual condição associada o paciente apresenta? • Quais as recomendações dietéticas devem ser feitas ao bebê (e a sua mãe)?

figura 1.1

1


RESPOSTAS DO Caso 1 Trata-se de eczema. A história contada pela mãe torna provável a associação à alergia alimentar – provavelmente a ovo e proteína do leite da vaca (PLV). Isso, em combinação com uma história familiar positiva para alergia alimentar e asma, signifi ca que podemos classifi car sua doença cutânea como eczema atópico. Sua mãe tem razão em estar ansiosa sobre o desmame do fi lho. Seria apropriado para esse bebê ser investigado quanto a alergia alimentar. Alergia alimentar é mais comum em lactentes que apresentam eczema desde muito cedo, e é possível que a alergia alimentar possa estar contribuindo para a atividade do eczema e vice-versa. A primeira linha de investigação deve ser com teste cutâneo (prick test) para os alérgenos proteicos dos alimentos mais comumente introduzidos durante o desmame (PLV, ovo, soja, trigo e peixe). Amendoim é normalmente adicionado à investigação inicial. A história sugere que o lactente é provavelmente alérgico a ovo eàPLV, o que foi confi rmado pelo teste cutâneo. Pode ser válido restringir o consumo materno dessas proteínas, se a mãe pretender continuar com o aleitamento materno, uma vez que isso pode ajudar a controlar o eczema. Se a mãe desejar interromper o aleitamento materno, a alternativa mais apropriada para um lactente com essa idade seria uma fórmula à base de aminoácidos. A incidência de alergia simultânea à PLV e à soja é alta e um teste cutâneo positivo poderia sugerir que o bebê é alérgico a ambas. PLV e ovo são nutricionalmente importantes e garantir uma dieta balanceada que restrinja ambos pode ser desafi ador; aconselhamento dietético com especialista é importante nesses casos. Exposição de baixo grau a proteínas alergênicas através do leite materno pode estar contribuindo com as lesões cutâneas e com o estacionamento dos padrões de crescimento. O uso regular de emolientes tópicos e evitar o uso de detergentes são essenciais para a manutenção da barreira cutânea funcionante nos lactentes com eczema. É improvável, entretanto, que emolientes e restrição dietética sozinhos serão sufi cientes no controle do eczema. Os pais têm de ser apresentados aos aspectos práticos da terapêutica tópica e a um controle cuidadoso dos surtos. Eles devem ser ensinados a identifi car os surtos precocemente e a iniciar terapia efi caz rapidamente. A associação de eczema de início precoce com alergia ao ovo implica um risco 3 vezes maior de asma no fi m da infância. Essa é uma oportunidade importante de discutir o papel que o tabagismo paterno terá no aumento desse risco. Reafi rmando, tanto a alergia ao ovo quanto a alergia à PLV são superáveis frequentemente, enquanto a alergia ao amendoim normalmente persiste por toda a vida.

PONTOS-CHAVE • Eczema atópico frequentemente se apresenta no primeiro ano de vida e o início precoce está associado a um risco de alergia alimentar concomitante. • Eczema antes de 1 ano de idade e alergia ao ovo estão associados a risco aumentado de desenvolver asma. • teste alérgico cutâneo apropriado e aconselhamento dietético irão ajudar a prevenir o manejo dietético não supervisionado de pais bem intencionados mas não orientados, e pode ajudar a controlar o eczema.

2


Caso 2:

CRIANÇA ATÓPICA E AGITADA

História Uma menina com 5 anos de idade, conhecida paciente sua, comparece ao consultório acompanhada pela sua mãe. Ela está incomodada com uma piora do prurido cutâneo nas últimas 6 semanas. Perdeu mais de 10 dias de aula no último mês. Sua mãe refere que a paciente acorda frequentemente à noite e fi ca letárgica e mal-humorada durante o dia. Sua roupa de cama fi ca coberta de manchas de sangue pela manhã. A menina é sabidamente alérgica a ovo, peixe e amendoim, e começou a desenvolver sintomas de rinoconjuntivite alérgica sazonal nos últimos 2 meses. Ela tem história familiar positiva de atopia, ambos os pais são alérgicos a animais e seu irmão mais velho tem asma. Seu irmão mais novo foi recentemente mandado para a enfermaria do colégio por conta de um impetigo. Seu tratamento inclui emoliente tanto no banho quanto no pós-banho e várias potências de corticoides tópicos variando desde os de baixíssima até os de moderada potência, dependendo do local e da gravidade do eczema. Quando questionada, entretanto, a mãe refere que a pele da sua fi lha está tão dolorida, que ela se recusa a tomar banho ou a aplicar seu tratamento tópico. Exame físico Um exame completo revelou uma criança indócil; ela é incapaz de parar de coçar a pele, uma vez despida. É magra, com sua altura no percentil 25 e o peso no percentil 4 da curva para a sua idade. Possui linfadenopatia levemente dolorosa disseminada (cervical, axilar e inguinal). Sua pele está levemente eritrodérmica e muitíssimo escoriada, principalmente nos membros (Fig. 2.1), pescoço e região inferior do dorso. As escoriações são cobertas por crostas hemorrágicas e por exsudato amarelado.

figura 2.1

INVESTIGAÇÃO Normal Hemoglobina Volume corpuscular médio Leucócitos Plaquetas Sódio Potássio ureia Creatinina Albumina Bilirrubina tgP Fosfatase alcalina Ferritina Vitamina D

11,2 g/dL 87 fL 13,7 × 109/L 498 × 109/L 135 mmol/L 4,2 mmol/L 5,7 mmol/L 68 mmol/L 38 g/L 12 mmol/L 26 iu/L 238 iu/L 22 ng/mL 38 ng/mL

13,3–17,7 g/dL 90–99 fL 3,9–10,6 × 109/L 150–440 × 109/L 135–145 mmol/L 3,5–5 mmol/L 2,5–6,7 mmol/L 70–120 µmol/L 35–50 g/L 3–17 mmol/L 5–35 iu/L 30–300 iu/L 20–200 ng/mL 40–80 ng/mL

Questões • Qual é o diagnóstico primário? • Que complicações estão exacerbando o prurido? • Como você trataria essa paciente?

3


RESPOSTAS DO Caso 2 O diagnóstico primário é eczema atópico associado a uma história familiar positiva de atopia, assim como manifestações de hipersensibilidade (tipo imediato) mediada por IgE (alergia alimentar e rinoconjuntivite alérgica). Claramente trata-se de exacerbação moderada a grave de seu eczema. A severidade do eczema pode ser pontuada por vários sistemas de pontuação subjetivos (p. ex., CDLQI, do inglês children’s dermatology life quality index – índice de qualidade de vida dermatológico da criança) e objetivos. Grosseiramente, entretanto, o impacto no sono e frequência escolar, bem como a gravidade do eczema demonstrada na fotografi a denotam eczema grave com distúrbio funcional signifi cativo. Pode haver vários fatores contribuindo para a exacerbação atual. É provável que haja um elemento de infecção secundária por Staphylococcus aureus ou impetiginização do eczema da criança. As extensas escoriações com crostas amareladas, a linfadenopatia dolorosa e o fato de o seu irmão estar com impetigo sugerem colonização da paciente e potencialmente dos outros membros da família. Difi culdade em aderir ao regime de banhos possivelmente contribui para tal fato. Outros fatores potenciais que pioram o prurido incluem defi ciência de ferro. Ela também possui defi ciência de vitamina D, presumidamente devida a sua restrição dietética (ovo e peixe são duas das principais fontes dietéticas de vitamina D). É importante controlar o eczema dessa criança rapidamente.Swabs devem ser feitos e encaminhados para cultura microbiológica e o teste de sensibilidade para o paciente e seus familiares imediatos. Como aparentemente pelo menos dois membros da família estão infectados pelo Staphylococcus aureus, deve-se considerar protocolo de descolonização para a família inteira (p. ex., com banhos antissépticos e pomada nasal à base de antibiótico). A paciente deve benefi ciar-se de um curso de 5–10 dias de antibiótico com boa cobertura contra Staphylococcus aureus (primeira linha: fl ucloxacilina; segunda linha: eritromicina ou amoxicilina+clavulanato). O uso extensivo de um corticoide tópico de moderada potência por 2–4 semanas pode ser necessário antes de se retroceder para preparações mais fracas ou inibidores de calcineurina como terapia de manutenção.

PONTOS-CHAVE • Eczema atópico é, por definição, associado a uma história pessoal e/ou familiar de atopia. • Staphylococcus aureuspode causar grave exacerbação do eczema. • o manejo de tal exacerbação inclui erradicação do Staphylococcus aureus bem como tratamento apropriado do eczema.

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Caso 3:

ERUPÇÃO MONOMÓRFICA AGUDA EM UMA CRIANÇA ATÓPICA COM ALTERAÇÕES SISTÊMICAS

História Um menino de 6 anos de idade é trazido ao departamento de emergência por seus pais com história de 5 dias de evolução de piora do eczema associada a mal-estar e letargia. Em adição à piora do pru rido e insônia, ele reclama de dor na pele, particularmente na face, pescoço, tórax e antebraços. Ele quantifica o nível de dor como 8 em 10. A atual exacerbação não tem respondido à aplicação regular dos seus tratamentos tópicos de acordo com o plano de tratamento gradual. O início do eczema foi aos 4 meses de idade e, apesar de ser de gravidade moderada na infância, tem sido controlado razoavelmente desde que começou na educação fundamental, com uso regular de emolientes e corticoides tópicos de potência baixa a média. Sua história patológica pregressa inclui alergia a ovo (agora parcialmente superada, tanto que ele tolera ovo bem cozido em bolos) e asma, atualmente estável. Ele nunca foi internado em hospital. Vacinação em dia e teve varicela aos 4 anos. Seu pai sofre de febre do feno e teve eczema e asma na infância. Ele possui uma irmã mais velha (14 anos), que está bem. Suas medicações incluem: • Emolientes regulares, tanto sem enxágue, quanto como substitutos de sabonete. • Tacrolimus a 0,1% tópico, usado 2 vezes ao dia sobre as áreas afetadas para o manejo - das exacer bações. • Hidroxizine 10 mg noturnos durante as exacerbações e salbutamol inalável. Exame físico Mal estado geral, com febre de 38,5 oC. Exame sistêmico está normal, exceto por linfadenopatia- dis seminada. Não há evidência de eritema conjuntival e sua visão está normal. Ele possui moderado a grave eczema generalizado com eritema, ressecamento, escoriação e liquenificação. Possui erupção monomórfica sobreposta na porção inferior da face, tórax e antebraços. A erupção é composta por múltiplas lesões monomórficas eritematosas com 23 mm em vários estágios de evolução (Fig. 3.1). Algumas das lesões são vesiculosas, outras pustulosas, algumas coalescem, a maioria está erosada e coberta por exsudato dourado e outras por crostas hemorrágicas. Questões • • • •

O que são essas lesões? Como você confirmaria o diagnóstico? Quais complicações podem estar associadas? Como é o tratamento?

figura 3.1

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RESPOSTAS DO Caso 3 Essas lesões são típicas de infecção pelo herpes simples vírus (HSV) complicando um eczema atópico. Essa erupção é chamada de eczema herpético, ou menos comumente de erupção variceliforme de Kaposi. O diagnóstico pode ser confi rmado por um swab viral de uma vesícula ou de uma área erosada. Vários testes podem detectar HSV no tecido ou no conteúdo da vesícula. Pode-se inferir o HSV após coloração positiva ou por microscopia eletrônica ou por identifi cação específi ca por imunofl uorescência, cultura ou reação em cadeia da polimerase dos tipos HSV-1 e HSV-2. Swab bacteriano para microscopia e cultura também deve ser colhido. Morbidade signifi cativa está associada ao eczema herpético. As maiores complicações incluem infecção bacteriana sobreposta S ( taphylococcus ou Streptococcus) com risco de sepse, envolvimento ocular (em particular ceratite por HSV) e, raramente, infecção sistêmica pelo HSV com risco de disseminação para o fígado, pulmões, cérebro, trato gastrointestinal e até glândulas suprarrenais. Além disso, dor e desconforto associados ao eczema herpético são signifi cativos. O manejo do eczema herpético disseminado inclui tratamento sistêmico da infecção pelo HSV com aciclovir, identifi cação e tratamento de qualquer infecção bacteriana sobreposta ou estratégias para prevenir infecção secundária, como cremes e banhos com agentes antibacterianos. Tacrolimus tópico deve ser descontinuado nesse paciente, pois pode proporcionar a disseminação cutânea do HSV. Esses casos normalmente são tratados com internação hospitalar, inicialmente com aciclovir intravenoso – pois pode haver má absorção, se administrado oralmente. Revisão oftalmológica deve ser feita nos casos com infecção facial difusa por herpes simples ou quando se suspeita de envolvimento conjuntival ou córneo. Em uma minoria dos casos pode haver recorrências. O rápido tratamento das lesões incipientes com aciclovir tópico pode ajudar a prevenir o eczema herpético disseminado.

PONTOS-CHAVE • infecção pelo herpes simples nos pacientes com eczema pode levar a lesões disseminadas e a um risco associado de infecção bacteriana secundária e sepse. • É importante considerar e excluir a rara complicação associada: ceratite herpética. • internação hospitalar com terapia antiviral sistêmica, medidas antissépticas tópicas, alívio da dor e, quando indicado, terapia antibiótica.

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Caso 4:

ERUPÇÃO FACIAL INESTÉTICA RECORRENTE EM UM ADULTO JOVEM ESTRESSADO, MAS SAUDÁVEL

História Um homem de 29 anos de idade chega ao seu consultório com história de 4 anos de evolução de uma erupção facial recorrente que ele acha inestética. Ele reparou que a erupção piora no inverno e tende a melhorar no verão. Ele atualmente está estudando para algumas provas e acha que o estresse associado possa ter desencadeado a exacerbação atual. Ele evita o uso de sabonetes, que fazem sua pele ficar mais sensível, e recentemente reduziu a ingestão de álcool, numa tentativa de melhorar a doença. Apesar de tudo, ele está bem e não usa medicação alguma. Exame físico O exame físico completo está impecável exceto pela pele da face, pescoço, região central do tórax e couro cabeludo. Existem placas eritematosas mal definidas com descamação acinzentada aderente nos sulcos nasolabiais estendendo-se às bochechas (Fig. 4.1). Suas sobrancelhas, couro cabeludo, nuca e o tórax central possuem alterações semelhantes. Questões • O que é essa erupção? • Quais grupos etários são afetados? • Como você conduziria esse paciente?

figura 4.1

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RESPOSTAS DO Caso 4 Trata-se de dermatite seborreica. Ela é mais comum entre homens e tipicamente afeta áreas ricas em sebo da face, couro cabeludo e tórax. A fi siopatologia da dermatite seborreica não está completamente elucidada, entretanto. Está ligada à levedura do gênero Malassezia, ativação do complemento e anormalidades na imunidade celular (células T). Ela pode agravar em indivíduos infectados pelo HIV ou por doença de Parkinson. A doença normalmente inicia-se na época da puberdade, com um pico de incidência entre os 25– 40 anos de idade. Uma forma de dermatite seborreica que acomete lactentes pode se manifestar como crosta láctea (Fig. 4.2), dermatite descamativa facial, dermatite de fraldas e, raramente, como eritrodermia. Em indivíduos predispostos, a dermatite seborreica normalmente recidiva. O objetivo do tratamento é reduzir morbidade e prevenir exacerbações. As metas do tratamento consistem em duas etapas: reduzir a proliferação fúngica como uma medida preventiva secundária e o tratamento da dermatite secundária resultante quando ela ocorrer. Embora corticoides tópicos possam melhorar a dermatite a curto prazo, eles podem acelerar uma recorrência e promover dependência devido a um “efeito rebote” e não devem ser utilizados. O uso de xampu de cetoconazol em lavagens frequentes e com tempo de contato prolongado geralmente melhora a descamação fi na e pode melhorar o envolvimento facial pela depleção da Malassezia. O uso de xampu de cetoconazol como enxaguante facial pode ter caráter irritativo, mas, se tolerado, pode ajudar a melhorar o eritema e a descamação. Creme de cetoconazol ou de miconazol, inibidores de calcineurina em combinação com emolientes para a limpeza são recomendados. Para dermatite seborreica grave ou refratária, itraconazol sistêmico em curso curto ou como “pulso” (uma semana por mês) é altamente efi caz em reduzir a infecção pela levedura.

figura 4.2

PONTOS-CHAVE • Dermatite seborreica é caracterizada por placas eritematosas mal definidas com oleosidade sobrejacente e escamas castanho-amareladas localizadas nas áreas ricas em sebo. • ocorre normalmente nos homens desde a adolescência até a idade mediana. Eczema seborreico no lactente também pode ocorrer. • infecção pelo HiV e doença de Parkinson estão associadas a dermatite seborreica refratária.

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Caso 5:

BOLHAS NAS MÃOS E NOS PÉS DE UM HOMEM ATLÉTICO

História Um homem com 27 anos de idade comparece ao seu consultório com uma história de 3 dias de evolução de prurido e queimação intensos nas mãos, associado a surgimento de vesículas localizadas e alterações semelhantes, porém menos intensas nos pés. Apesar do quadro descrito, ele está bem, embora haja relato de asma na infância e episódios ocasionais de febre do feno. Não faz uso regular de medicação. Ele trabalha como designer gráfico e seus hobbies são ciclismo e futebol americano; não teve exposição a alérgenos ou irritantes. Não se lembra de nenhum fator que possa ter desenca deado o quadro atual. Exame físico O paciente apresenta vesículas difusas, que coalescem formando bolhas sobre as faces palmares das mãos e se estendem aos espaços interdigitais (Fig. 5.1) e ao dorso dos quirodáctilos e da mão. Além disso, possui eritema, maceração, fissuras e descamação entre o quarto e quinto pododáctilos à esquerda e pústulas bilaterais, embora assimétricas (pior à esquerda do que à direita), sobre o dorso dos pés.

figura 5.1

Questões • Qual é o diagnóstico? • Quais investigações devem ser feitas? • Quais tratamentos você iniciaria?

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RESPOSTAS DO Caso 5 O diagnóstico é pônfolix ou eczema disidrótico, as vesículas simétricas e difusas nas palmas das mãos associadas ao prurido são altamente sugestivas e o diagnóstico é baseado em aspectos clínicos. Outros diagnósticos diferenciais a serem considerados incluem dermatite de contato (irritante ou alérgica), bolhas relacionadas com fricção (p. ex., epidermólise bolhosa simples), infecção por herpes simples e psoríase pustulosa palmoplantar. A atopia parece ser um fator de predisposição a pônfolix. Existem vários possíveis fatores desencadeadores da pônfolix, incluindo estresse e uma reação do tipo “ide” a uma infecção a distância por dermatófi to. Nesse caso, os achados de maceração interdigital associada a vesículas e pústulas no dorso dos pés são altamente sugestivos de tinea pedis infl amatória. A investigação deve incluir raspado cutâneo dos pés (espaços interdigitais e áreas afetadas nas plantas) e das mãos para teste micológico (microscopia direta e cultura). Nesse caso, o raspado dos pés mostrou hifas e esporos à microscopia direta com cultura subsequente, confi rmando a presença de um fungo zoofílico, o Trichophyton mentagrophytes var. mentagrophytes. Não existia infecção fúngica nas mãos. O tratamento de uma reação do tipo “ide” com pônfolix envolve o tratamento da tinea pedis bem como o tratamento da pônfolix propriamente dito. A tinea pedis infl amatória é normalmente tratada com terapia antifúngica sistêmica (itraconazol, terbinafi na ou fl uconazol). Escamas infectadas podem estar presentes nas roupas ou nos calçados, portanto é recomendado lavá-los frequentemente. A drenagem da maior bolha com uma agulha estéril reduzirá o desconforto. Compressas ou banhos com permanganato de potássio diluído ajudarão a secar as vesículas e a prevenir infecção secundária bacteriana. Corticoides tópicos potentes ou superpotentes são o ponto principal da terapia. A curto prazo uma combinação de corticoide tópico com um agente antibacteriano será útil. Ocasionalmente, corticoides sistêmicos são necessários.

PONTOS-CHAVE • Pônfolix ocorre como manifestação de eczema de mão, dermatite irritativa ou alérgica e como uma reação do tipo “ide” a uma infecção distante por dermatófito. • o objetivo principal do tratamento é a prevenção de infecção secundária e o uso de corticoide tópico potente ou superpotente, bem como a identificação ou erradicação do fator desencadeador.

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Caso 6:

ERUPÇÃO ERITEMATOSA PRURIGINOSA CRÔNICA NAS PERNAS

História Uma mulher de 67 anos consulta um cirurgião vascular devido a veias varicosas. Ela possui história pregressa de úlcera venosa, que já cicatrizou e está aguardando cirurgia vascular para varizes bilaterais. Na consulta, reclamou de uma história de 3 meses de evolução de eritema e prurido cutâneos, particularmente no terço inferior da perna direita. Devido ao eritema unilateral que foi observado à consulta, ela foi encaminhada ao dermatologista, para uma opinião. Exame físico A paciente possui veias tortuosas e dilatadas perceptíveis em ambas as pernas. Eritema confl uente é visto no terço inferior da perna direita, com pequenas erosões e escoriações superfi ciais eritematosas de aspecto infl amatório (Fig. 6.1). A palpação revelou calor, xerose e pele áspera no sítio afetado.

INVESTIGAÇÃO Estudo vascular Pressão em repouso direita: 174 mmHg, esquerda: 180 mmHg, braquial: 167 mmHg Índice de pressão tornozelo/braquial em repouso direito: 1,042, esquerdo: 1,078. ondas pulsáteis trifásicas bilaterais os estudos venosos mostraram refluxo safenofemoral bilateral.

Questões • Qual é o diagnóstico? • Que tratamento você recomendaria para ser feito na perna direita antes da cirurgia? • É apropriado o uso de meias elásticas de compressão nessa paciente, com base no estudo vascular?

figura 6.1

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RESPOSTAS DO Caso 6 A paciente tem alterações cutâneas crônicas na perna direita compatíveis com o diagnóstico de eczema varicoso ou de estase. Essa erupção cutânea comum normalmente tem início insidioso de muitas semanas a meses, num paciente com insufi ciência venosa associada. A pele afetada apresenta prurido e xerose com eritema marcado, que pode ser variável em sua intensidade, dependendo da sua cronicidade. No contexto de insufi ciência venosa, edema puntiforme pode desenvolver-se, devido ao retorno venoso pobre, deixando a pele esticada e edematosa. Isso resulta em redução do fl uxo sanguíneo para a pele, provocando eritema violáceo e erosões ou até ulcerações. Eczema varicoso pode ser distinguido prontamente de celulite que afeta a perna. O eczema varicoso normalmente desenvolve-se lentamente, é, com frequência, bilateral, o prurido é marcado, a superfície cutânea é esticada e xerótica, e normalmente existem veias varicosas associadas. Em geral existe uma coloração acastanhada de fundo na pele afetada, decorrente do depósito de hemossiderina. O pigmento hemossiderina é derivado da hemoglobina, que é depositada na pele quando as hemáceas extravasam no tecido. O manejo da pele requer uma combinação de terapia tópica e, se possível, compressão. A perna deve ser lavada com um creme aquoso ou um emoliente antisséptico como Dermol 500 ®. Um corticoide tópico de moderada potência deve ser aplicado sobre as áreas eczematosas, bem como um emoliente suave. Meias elásticas de compressão ou duas a quatro camadas de atadura são essenciais para “espremer” o fl uido das pernas e permitir a melhora da pele. Se o índice de pressão tornozelo/braquial está acima de 0,8, então as artérias estão sufi cientemente patentes para permitir compressão sem comprometimento do suprimento sanguíneo arterial para as extremidades inferiores.

PONTOS-CHAVE • Eczema varicoso pode ser distinguido de celulite pelo início lento, prurido e xerose cutânea. • manejo do eczema varicoso não terá sucesso sem que o edema subjacente seja resolvido. • Corticoides tópicos potentes devem ser aplicados nas áreas de eczema ativo, além de emolientes e compressão.

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Caso 7:

ERUPÇÃO PRURIGINOSA LOCALIZADA

História Um motorista de ônibus de 59 anos de idade apresenta história de 5 meses de evolução de uma placa persistente pruriginosa abaixo do umbigo. Inicialmente, ela começou como uma erupção intermitente, indo e vindo em um padrão aparentemente randômico; nas últimas 6 semanas, desde que o clima ficou mais quente, as lesões não mais sumiram. O paciente está bem e não tem história de doenças cutâneas prévias. Não faz uso de medicamento algum. Exame físico Existe uma área de liquenificação bem delimitada, hiperpigmentação pós-inflamatória, escoriação e erosão na linha média abaixo do umbigo (Fig. 7.1). A pele ao redor tem uma área mais difusa de liquenificação, hiperpigmentação e eritema discreto.

figura 7.1

Questões • O que poderia ser essa erupção? • Como ela poderia ser investigada? • Que informação esse paciente precisa?

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RESPOSTAS DO Caso 7 Essas lesões são mais bem descritas como crônicas e eczematizadas. Um problema tão localizado como esse sugere uma etiologia exógena (a Fig. 7.1 mostra uma pista). O diagnóstico mais provável é uma dermatite alérgica de contato (DAC), embora possa ser muito difícil diferenciar clinicamente entre DAC e dermatite irritativa de contato. Ocasionalmente, psoríase pode apresentar-se como uma placa única, particularmente em um local de trauma (efeito de Koebner); entretanto, rara mente é tão pruriginosa quanto essa lesão. Dermatite atópica é normalmente uma erupção mais generalizada; embora eczema numular ou discoide seja caracterizado como muito bem definido, em formato de moeda, intensamente pruriginoso e com áreas inflamadas de pele liquenificada. Uma tinea corporis inflamatória associada particularmente com um organismo zoofílico também deve ser considerada. A apresentação da dermatite de contato pode variar, incluindo despigmentação, lesões pustulosas, urticária, atrofia, reações fototóxicas e eczema. É apropriado obter um raspado cutâneo para investigação micológica. Teste de contato (patch test) (Fig. 7.2) é o teste diagnóstico para detectar sensibilização a alérgenos de contato. (Embora um teste de contato não seja necessário para esse diagnóstico; alergia ao níquel é um dos poucos tipos de dermatite alérgica de contato em que a história da exposição associada aos sinais e sintomas são bem distintos.) De fato, muitos pacientes não procuram consulta médica, pois conseguem perceber a associação por eles mesmos. Se uma bateria de teste de contato confirma a presença de alergia ao níquel, sua relevância para a lesão atual deve ser confirmada. Um teste com dimetilglioxima (DMG) é um jeito simples e barato de determinar se o objeto em questão contém níquel, devido a uma al teração de cor (do incolor para o rosa). Cromo, paládio e cobalto são normalmente achados juntos ao níquel e uma alergia concomitante pode existir. Níquel é a maior causa de dermatite alérgica de contato e é responsável por mais casos do que todos os outros metais juntos. Algumas ocupações com alta exposição ao níquel, como caixas, cabeleireiros, pessoas que trabalham com metal, empregadas domésticas, pessoas que manuseiam comida, trabalham em bar, e pintores também estão sob o risco de desenvolver dermatite por níquel. Pacien tes com eczema atópico também possuem risco aumentado. O suor pode aumentar a gravidade da dermatite. O cloreto de sódio do suor causa a corrosão do metal e aumenta a exposição ao níquel. O manejo desse caso inclui a remoção da fivela do cinto que contém níquel ou do botão da calça, e aplicação tópica de cremes com corticoide até a erupção resolver-se. O paciente também deve ser informado sobre sua alergia, que ele sempre será alérgico ao níquel e a fontes comuns ou não esperadas de níquel. A alergia ao níquel é normalmente associada ao uso de brincos e jóias ou pier cing corporal. O níquel pode ser encontrado em vários itens do cotidiano – de moedas a fechos de colares, de pulseira de relógio a armações de óculos, e ferramentas e utensílios usados no trabalho e no domicílio.

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teste de contato (fig. 7.2) figura 7.2 Exemplo de teste de contato em outro paciente. As áreas eritematosas no dorso superior mostram reações eczematosas positivas no quinto dia do teste.

dia 1

História detalhada: o questionamento é focado na exposição em casa e no trabalho. Deve-se entender o ambiente de trabalho. melhora ou piora durante as férias? Listar todos os produtos de cuidado pessoal. Atividades de lazer e passatempos. Escolha da bateria de teste cutâneo: o bateria europeia padrão (25 alérgenos de contato comuns) identificará cerca de 80% dos alérgenos de contato. Executar baterias específicas de acordo com o tipo de exposição (p. ex., baterias de profissionais de saúde). Aplicação do teste de contato: alérgenos aplicados em câmaras de Finn diretamente no dorso superior, protegidos por fita adesiva.

dia 3 (após 48 horas)

Primeira leitura: o paciente retorna. inspecionar as placas (assegurar adesão adequada). marcar sítios individuais. Pontuar quaisquer possíveis reações (+/–, 1+ a 3+ ou irritante).

dia 5 (após 72 horas)

Segunda leitura: pontuar quaisquer reações positivas (como acima). interpretar os resultados. rever exposição e os componentes dos produtos. informar ao paciente: uma vez identificado, é fornecido aos pacientes informação, por escrito, sobre todos os alérgenos aos quais eles reagiram.

PONTOS-CHAVE • o níquel é o alérgeno mais comum detectado no teste de contato em todo o mundo. É um metal de cor prateada forte, normalmente usado em fivelas, utensílios e moedas. Ele não deve estar presente em jóias compradas na união Europeia. • um teste útil para confirmar se um item em particular contém níquel é o teste da dimetilglioxima (Dmg). • o manejo inclui o tratamento da lesão e evitar o contato direto com o níquel.

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Caso 8:

ERUPÇÃO ECZEMATOSA COMPLICANDO ÚLCERAS VENOSAS

História Você é solicitado a rever uma cabeleireira aposentada de 72 anos, que frequenta a clínica de úlcera venosa, por causa de uma história de 4 semanas de evolução de um prurido com piora progressi va no terço inferior da perna direita. Antes do atual quadro, ela possuía uma úlcera venosa sobre o maléolo medial da perna direita, que se curou lentamente depois de um período de 4 meses de aplicação regular de 3 camadas de bandagens compressivas pelas enfermeiras locais. Seu regime de tratamento inclui higiene com uma loção emoliente contendo clorexidina, aplicação de um emo liente à base de parafina em toda a perna, seguida por uma pomada de neomicina com betametaso na aplicada diretamente nas áreas de eczema de estase e gaze sobre a área ulcerada. As três camadas de bandagens são trocadas duas vezes por semana. Swabs cutâneos foram colhidos nas últimas duas semanas, devido à piora da erupção cutânea. A paciente encontra-se em bom estado geral. Sua única medicação oral é bendroflumetiazida 2,5 mg diariamente para hipertensão. Exame físico O exame físico revela grande área localizada de eritema intenso e edema cutâneo restritos às faces anterior, posterior e medial do terço inferior da perna direita (Fig. 8.1). Há exsudação marcada com certa vesiculação na superfície. Não há envolvimento aparente da pele acima do joelho ou do pé. Embora a sua pele esteja sensível e pruriginosa, não há edema ou dor na panturrilha. Não há linfadenopatia palpável. O restante de seu exame, incluindo o exame arterial periférico, estava normal.

figura 8.1

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INVESTIGAÇÃO Normal Hemoglobina Volume corpuscular médio Leucócitos Plaquetas Proteína C reativa Sódio Potássio ureia Creatinina Albumina glicose Bilirrubina tgo tgP

12,8 g/dL 91 gL 45 × 109/L 196 × 109/L 4 136 4 5,3 69 38 4,3 18 32 146

Swab cutâneo (4 e 12 dias atrás – coleta idêntica)

Sem crescimento

13,3–17,7 g/dL 80–99 fL 3,9–10,6 × 109/L 150-440 × 109/L < 5 mg/L 135–145 mmol/L 3,5–5 mmol/L 2,5–6,7 mmol/L 70–120 mmol/L 35–50 g/L 4–6 mmol/L 3–17 mmol/L 5–35 iu/L 30–300 iu/L

Questões • Qual a causa possível da deteriorização aguda do quadro? • Como você investigaria essa paciente? • Que conselho você dará a essa paciente?

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RESPOSTAS DO Caso 8 Com o eritema agudo e o edema da perna, um dos mais importantes diagnósticos diferenciais a ser considerado seria uma trombose venosa profunda (TVP). Entretanto, TVPs não estão associadas a alteração signifi cativa cutânea vista nesse caso, particularmente na ausência de qualquer outra característica sugestiva (como edema ou dor intramuscular). O swab negativo não exclui celulite; a morfologia e a distribuição da erupção poderiam, entretanto, ser atípicas, e a ausência de leucocitose ou marcadores infl amatórios efetivamente descarta a celulite. As características clínicas desse caso são altamente sugestivas de dermatite (de estase, por irritante ou dermatite alérgica de contato). O extenso envolvimento e a vesiculação seriam incomuns para dermatite de estase, que normalmente é confi nada à área do terço inferior da perna, principalmente acima do maléolo medial. A investigação mais apropriada deveria ser por um teste de contato. Os indivíduos com dermatite de estase e úlceras de estase têm alto risco de desenvolver dermatite alérgica de contato a medicações tópicas aplicadas a áreas de pele infl amada ou ulcerada. Os pacientes também podem desenvolver alergias aos constituintes das bandagens e das coberturas aplicadas. A cronicidade dessa condição e a frequente oclusão das medicações aplicadas nesses pacientes contribuem para o alto risco de dermatite alérgica de contato aos conservantes das medicações e/ou aos princípios ativos das medicações tópicas. Embora a neomicina penetre pobremente na pele intacta, é uma causa importante de dermatite alérgica de contato quando aplicada em pacientes com estase venosa/ulceração. Ela é usada, surpreendentemente, com frequência, apesar da falta de documentação da sua efi cácia como tratamento das úlceras de estase. (Sua baixa penetração pode explicar por que um teste de contato positivo à neomicina pode ter um atraso de quatro dias ou mais em relação à aplicação inicial.) Os indivíduos podem desenvolver dermatite disseminada decorrente de medicações tópicas aplicadas nas úlceras de perna ou por reações cruzadas a medicações sistêmicas administradas por via intravenosa. A neomicina é também comumente encontrada em preparações combinadas com outros antibacterianos e corticoides. Essas preparações são utilizadas para tratar uma variedade de desordens cutâneas, oculares ou otológicas que se tornaram infectadas e infl amadas. A neomicina também está presente como conservante em algumas vacinas. Deve-se presumir que indivíduos alérgicos à neomicina também são alérgicos a antibióticos do tipo aminoglicosídeos quimicamente relacionados (p. ex., gentamicina, tobramicina) e esses agentes também devem ser evitados (topicamente ou sistemicamente).

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reação cruzada com neomicina • • • •

Framicetina gentamicina Canamicina Paromomicina

• • • •

Espectinomicina Estreptomicina tobramicina Bacitracina

PONTOS-CHAVE • A possibilidade de uma dermatite de causa externa sempre deve ser considerada se a dermatite é linear ou possui bordas muito definidas. • medicações são causas importantes de dermatite alérgica de contato. indivíduos com dermatite de estase apresentam alto risco de desenvolver dermatite alérgica de contato. • indivíduos podem desenvolver alergia a conservantes de medicações e/ou aos princípios ativos presentes nas medicações tópicas, especialmente a neomicina e corticoides tópicos.

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Caso 9:

ERUPÇÃO PRURIGINOSA TRANSITÓRIA EXACERBADA PELO CALOR

História Uma mulher de 26 anos de idade comparece ao consultório dermatológico queixando-se de história de 4 meses de uma erupção pruriginosa. Ela descreve a erupção como “semelhante a nuvens”. Apresenta história pregressa de eczema na infância, mas a erupção atual é diferente. Ela refere que, embora a erupção apareça e desapareça, com lesões individuais durando de 8–12 horas, ela rara mente fica sem lesão alguma por mais do que meio dia. Às vezes ela vai deitar-se com a erupção e acorda sem ela, mas o oposto também ocorre. Ela nunca teve angioedema. Ela informa que o quadro é pior durante o período menstrual. Você a questiona sobre possíveis fatores precipitantes; ela informa que a erupção piora com exercício físico ou com banho quente, mas não parece agravar-se à pressão ou pelo frio. A erupção é parcialmente atenuada por cetirizina 10 mg ao dia, que ela está fazendo uso devido à febre do feno. A única outra medicação que usa ocasionalmente é ibuprofeno para dismenorreia. Não há história familiar de lesões cutâneas. Seus pais estão bem, embora sua mãe tenha osteoporose e reponha tiroxina. Ao ser questionada mais cuidadosamente, ela admite que, embora as circunstân cias no trabalho estejam estáveis e não têm mudado por um bom tempo, ela está tendo problemas com enfrentamento e frequentemente chora no trabalho. Exame físico Ao exame há várias lesões disseminadas no tronco, membros e face. Elas são compostas por placas eritematosas edematosas bem-definidas envoltas por um halo pálido (Fig. 9.1). As lesões variam em tamanho e forma, mas não na morfologia. Você não é capaz de descobrir dermografismo. A lesão que você rodelou inicialmente desapareceu quando a paciente foi tirar fotografia 2 horas depois, com novas lesões aparecendo sobre a pele adjacente. Não permanecem alterações cutâneas após o desapareci mento das lesões. Embora a erupção seja pruriginosa, não há evidência de liquenificação ou escoriações. Sua pressão arterial é 105/68 mmHg e pulso de 102 batimentos/minu to. O exame do sistema cardiorrespiratório está normal. Seu abdome está flácido e indolor. Você nota um grau de afrouxamento bilateral nas pálpebras superiores. Ela possui um bócio discreto e, ao esticar as mãos, um tremor fino. O restante do exame neurológico está normal. A urinálise foi negativa para hemácias, leucócitos e glicose. Você pede à paciente para vestir-se e andar ativamente no corredor de fora da sala. Após cinco minutos, ela retorna ao consultório com piora marcada da erupção, que agora se disseminou e generalizou sobre o tronco e membros proximais. Você de senha ao redor de uma lesão bem-definida e solicita outros exames complementares.

figura 9.1

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INVESTIGAÇÃO Hemograma ureia e eletrólitos Função hepática

Normal Normais Normal

Questões • O que é essa erupção? • Quais fatores da história e do exame físico podem estar contribuindo para o surgimento/agravamento da erupção? • Como você investigaria essa paciente? • Qual é o tratamento?

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RESPOSTAS DO Caso 9 A paciente está sofrendo de urticária, caracterizada por pápulas ou “urticas” que representam áreas de degranulação cutânea de mastócitos, que liberam histamina e outros mediadores, seguidas por edema e eritema transitórios. Quando a urticária persiste por mais do que 6 semanas, ela é classi ficada como urticária crônica. Isso representa um padrão de resposta tecidual e pode ser precipi tada por uma variedade de estímulos ou “gatilhos”. Muitas erupções cutâneas sabidamente podem apresentar-se como lesões “urticariformes” que não são transitórias. Pode haver mais de um fator precipitante da urticária num mesmo indivíduo. Embora haja um elemento de provocação por agente físico, que você demonstrou ao expor a paciente a exercício físico, a erupção pode estar presente ao acordar e, por isso, há mais fatores envolvidos do que -so mente urticária colinérgica. A paciente é atópica, um fator sabidamente associado à urticária. Ela fez uma observação interessante acerca da piora da sua urticária no período menstrual; o fenômeno de urticária provocada por progesterona está descrito. É mais provável, entretanto, que a exacerbação seja provocada pelo uso de anti-inflamatório não esteroidal (ibuprofeno). Notoriamente, ela possui sinais clínicos de tireotoxicose – a urticária crônica está associada a várias doenças autoimunes, par ticularmente com doença tireoidiana autoimune (doença de Graves), lúpus eritematoso sistêmico (LES) e crioglobulinemia. Urticária-vasculite é um diagnóstico diferencial importante com urticária crônica. Tipicamente as lesões de urticária-vasculite estão associadas a uma dor em queimação e persistem por mais do que 24 horas. Elas podem deixar hiperpigmentação pós-inflamatória ou equimoses após a resolução e podem ser diagnosticadas pela demonstração de vasculite leucocitoclástica na biópsia da pele afe tada. Quando se suspeita de urticária-vasculite, uma investigação de potencial vasculite sistêmica é importante. A investigação inicial dessa paciente deve incluir hemograma completo, velocidade de hemossedimentação, testes de função tireoidiana, anticorpos antitireoidianos (anticorpos antitireoide micros somais e peroxidase), ensaio de liberação de histamina pelos basófilos. Outros testes que devem ser considerados: biópsia cutânea, anticorpos antinucleares (FAN), C3, C4 (se característicos de urticária-vasculite ou angioedema associado sugerindo deficiência adquirida de C1 esterase secundária a LES), crioglobulinas e crioprecipitados (se história de urticária induzida pelo frio). Está claro que essa paciente possui tireotoxicose sintomática, então o seu manejo e controle devem melhorar significativamente ou até resolver a urticária. A curto prazo, o propranolol deve ser indica do até o carbimazol atingir o estado eutireoidiano. Para lesões remanescentes, anti-histamínicos não sedativos (anti-H1) são a parte principal do tratamento. A resposta a diferentes anti-histamínicos pode variar, então é válido experimentar diferentes agentes e, em alguns casos, podem ser necessárias doses maiores do que as utilizadas em rinoconjuntivite alérgica. A adição de anti-histamínicos anti-H2 como ranitidina ou cimetidina pode promover bloqueio adicional de receptores de hista mina e pode ser benéfica, assim como a adição de antagonistas de receptores de leucotrienos, como montelucaste. Geralmente, esses agentes são bem tolerados. Para os pacientes com evidência de associação autoimune e urticária persistente sintomática, terapia imunossupressora com agentes como ciclosporina ou metotrexato pode ser necessária.

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Causas de urticária crônica • Medicações: aspirina, outras drogas anti-inflamatórias não-esteroidais, opioides, inibidores de ECA, contrastes radiológicos. • Urticária física: as causas mais comuns de urticária física frequentemente coexistem: • dermografismo – toque firme • urticária de pressão tardia – pressão (6 – 24 horas após a aplicação da pressão) • urticária por exposição ao frio – frio • urticária aquagênica – exposição à água • urticária colinérgica – calor, exercício ou estresse • urticária solar – exposição ao sol • urticária vibratória – vibração • Doença autoimune: doença tireoidiana autoimune, lúpus eritematoso sistêmico, crioglobulinemia. • Urticária autoimune: autoanticorpos do tipo igg contra a subunidade alfa do receptor Fc da molécula de igE (35–40%) ou, menos comumente, auto-anticorpos do tipo igE (5–10%), podem ativar basófilos, que liberam histamina, a base do ensaio in vitro de liberação de histamina pelos basófilos. A urticária autoimune está intimamente associada a anticorpos antitireoidianos. • Infecções virais são a causa mais comum de urticária crônica em crianças. • Alimentos e conservantes de alimentos: alguns pacientes referem exacerbação da urticária associada ao consumo de certos alimentos, como comida apimentada, morangos, alimentos em conserva, ou alguns alimentos cozidos. Alguns desses alimentos contêm salicilatos naturais ou outras substâncias capazes de provocar a liberação de histamina. Essa reação é diferente da hipersensibilidade tipo i por igE a alimentos, que pode ser associada à urticária aguda. • Contactantes: o início de urticária localizada (ou até generalizada) após 30–60 minutos do contato com algum agente como o látex (especialmente em profissionais da área de saúde), plantas, animais (p. ex., lagartas, ácaros), medicações, e comida (p. ex., peixe, alho, cebola, tomate). • Síndromes autoinflamatórias:existem raras causas de urticária, como síndrome de muckleWells (amiloidose, surdez neural, e urticária) e síndrome de Schnitzler (febre, dor articular/ óssea, gamopatia monoclonal e urticária). • Urticária idiopática é o termo que descreve a urticária crônica que não se conseguiu identificar o fator desencadeante.

PONTOS-CHAVE • urticária é um padrão de reação cutânea caracterizado pela degranulação de mastócitos e urticas transitórias. • Existe um número considerável de potenciais precipitantes, fatores exacerbadores e causas subjacentes de urticária crônica. • o ponto principal da terapia consiste em corrigir quaisquer doenças subjacentes e no uso de anti-histamínicos não sedativos anti-H1.

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Caso 10:

CRIANÇA COM PLACAS ACASTANHADAS QUE FICAM URTICARIFORMES

História Lactente do sexo masculino com 16 meses de idade chega ao consultório dermatológico. Sua mãe notou um acúmulo gradual de “pontos marrons” na sua pele. As lesões não estavam presentes ao nascimento e a maioria apareceu conjuntamente num período de 4 meses perto do seu primeiro aniversário. Ela acha possível que novas lesões continuarão a surgir. O paciente apresentava uma lesão no antebraço direito, que se resolveu sozinha. Ela notou que algumas das lesões parecem evoluir para vesículas ou fi cam elevadas após o banho. Apesar de tudo, o paciente encontra-se bem; ele está desenvolvendo-se e tem uma dieta normal e completa. Não há sintomas gastrointestinais ou asma. Não há história familiar de lesões cutâneas semelhantes. O resto da família está bem. Exame físico Sua altura e seu peso estão, respectivamente, nos percentis 75 e 91 para sua idade. Ele coopera com o examinador e segue direções. Ele possui máculas eritemato-acastanhadas ovais pequenas, monomórfi cas e difusamente espalhadas, que predominam no tronco anterior e posterior, estendendo-se ao pescoço e algumas nos membros. Existem mais de 40 dessas lesões. Uma lesão abaixo do apêndice xifoide, quando friccionada, torna-se eritematosa e urticariforme transitoriamente, um sinal de Darier positivo (Fig. 10.1). O exame do sistema cardiorrespiratório e do abdome é normal. Não possui linfadenopatia. INVESTIGAÇÃO Normal Hemoglobina Volume corpuscular médio Leucócitos Plaquetas

12,9 g/dL 92 fL 4,8 × 109/L 275 × 109/L

Análise morfológica sanguínea

Normal

Sódio Potássio ureia Creatinina Albumina Bilirrubina tgo Fosfatase alcalina triptase

138 mmol/L 4 mmol/L 5,6 mmol/L 76 µmol/L 38 g/L 9 mmol/L 14 iu/L 90 iu/L 5 ng/L

13,3–17,7 g/dL 90–99 fL 3,9–10,6 × 109/L 150–440 × 109/L

135–145 mmol/L 3,5–5 mmol/L 2,5–6,7 mmol/L 70–120 µmol/L 35–50 g/L 3–17 mmol/L 5–35 iu/L 30–300 iu/L < 20 ng/L

Questões • O que são essas lesões? • Como seria a investigação complementar? • Qual é o tratamento?

figura 10.1

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RESPOSTAS DO Caso 10 As lesões representam múltiplos mastocitomas e a erupção em questão é referida como urticária pigmentosa. O sinal de Darier descreve o desenvolvimento de uma urtica com eritema ao redor em uma lesão após a fricção (degranulação física de mastócitos, liberando histamina). Mastocitose é o acúmulo anormal de mastócitos na pele e, raramente, outros órgãos (fígado, baço ou linfonodos). O diagnóstico diferencial deve incluir lentigos ou nevos melanocíticos (se o sinal de Darier for negativo) ou xantogranuloma, histiocitose X ou histiocitoma eruptivo generalizado (se as lesões forem elevadas ou induradas). Todas as formas de mastocitose na infância têm bom prognóstico e o envolvimento sistêmico é raro. A maioria dos casos resolve-se espontaneamente. Em adultos, entretanto, o envolvimento sistêmico pode ser agressivo ou até representar leucemia à custa de mastócitos. Sintomas de envolvimento sistêmico ou de degranulação aguda de lesões disseminadas podem incluir eritema facial, diarreia, náusea ou vômito, cólicas abdominais e broncoespasmo. Os adultos podem também referir síncope, angina, cefaleia e dor óssea. Embora esse jovem paciente não tenha sintomas de doença sistêmica, uma investigação básica deve ser feita, incluindo hemograma, triptase e função hepática. Biópsia cutânea pode ser feita, se existir dúvida diagnóstica. O infi ltrado de mastócitos pode ser difícil de identifi car pela coloração hematoxilina & eosina de rotina, e colorações especiais como o Giemsa ou o azul de toluidina serão necessárias, e demonstrarão a metacromasia dos mastócitos. Para pacientes com doença em rápida progressão e anormalidades durante a investigação descrita anteriormente, testes complementares podem ser indicados, como aspirado de medula óssea e biópsia, sob a supervisão de um hematologista. A demonstração de mutações ativadoras do proto-oncogene c-kit deverá ajudar na elaboração de terapia sob medida numa doença agressiva ou leucêmica (p. ex., imatinib). Como as lesões cutâneas provavelmente involuirão sozinhas até os 10 anos de idade, nenhum tratamento está indicado. Para pacientes com sintomas cutâneos, anti-histamínicos (bloqueadores de H1) podem ajudar. Exposição solar moderada pode antecipar a resolução de lesões difusas e psoraleno + UVA pode ser oferecido a adultos/crianças mais velhas. Pacientes com numerosas lesões ou doença disseminada deverão evitar agentes degranuladores de mastócitos, como anti-infl amatórios não esteroidais, opioides, cafeína, álcool, contrastes radiológicos e fatores físicos de degranulação abrupta, como banhos quentes ou outra mudança aguda de temperatura, fricção vigorosa (p. ex., enxugar a pele vigorosamente após o banho ou usar roupas apertadas). A exposição a agentes degranuladores ou a alérgenos (como picadas de insetos himenópteros – abelhas, vespas e formigas) pode potencialmente provocar anafi laxia.

PONTOS-CHAVE • A urticária pigmentosa é caracterizada por proliferação e acúmulo de mastócitos na pele. • Quando a urticária pigmentosa ou a lesão de mastocitoma é friccionada, ela tipicamente urtica, tornando-se pruriginosa, edematosa e eritematosa. Essa alteração recebe o nome de sinal de Darier. • A maioria dos pacientes com urticária pigmentosa tem seu início antes dos 2 anos de idade. A doença é associada a excelente prognóstico, normalmente com resolução na puberdade. o número de lesões diminui aproximadamente 10% ao ano.

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