CURRENT DIAGNOSTICO DE TRATAMENTO GASTROENTEROLOGIA HEPATOLOGIA E ENDOSCOPIA

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Seção I. Considerações gerais

Dor abdominal aguda: princípios básicos & desafios atuais Frederick L. Makrauer, MD Norton J. Greenberger, MD

CONCEITOS ESSENCIAIS f As causas não cirúrgicas de dor abdominal aguda que simu lam o abdome agudo respondem por até 30% das internações hospitalares. f A tomografia computadorizada com multidetector (MDCT) é a modalidade de imagem de referência para avaliação da dor abdominal aguda, exceto em pacientes com dor no quadrante superior direito (QSD) e alterações nos testes de função hepática (TFHs) e em mulheres que estão ou podem estar grávidas. f A ultrassonografia é o exame de imagem inicial em pacien tes com dor no QSD, alterações dos TFHs, e com suspeita de doença do trato biliar. f A ultrassonografia é o exame de imagem inicial preferido em mulheres jovens e gestantes. f Os exames de imagem devem ser sempre realizados em pacientes com diagnóstico clínico de apendicite aguda. f A síndrome do intestino irritável, a síndrome de dor abdominal funcional, e ansiedade podem confundir o -diag nóstico e estão associadas a alta taxa de apendicectomia negativa. f A medicação analgésica à base de narcóticos, quando indicada, não deve ser suspensa em paciente com dor abdomi nal aguda; ela não dificulta o reconhecimento dos achados físicos principais e pode melhorar a acurácia diagnóstica ao relaxar o paciente. f A dose cumulativa de radiação para o paciente deve ser considerada antes de escolher um método de imagem, particularmente em jovens e mulheres em idade fértil. f O estupro deve ser sempre considerado em pacientes com dor abdominal recorrente, qualquer que seja a idade ou sexo.

� Considerações gerais A dor abdominal aguda é definida como dor severa com duração superior a seis horas, que ocorre em indivíduo previamente saudável, e requer diagnóstico e trata mento agressivo, geralmente cirúrgico.

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Este capítulo enfoca os princípios básicos e os desafios encontrados na avaliação do paciente adulto que apre senta dor abdominal aguda de origem não traumática. São enfatizadas as ferramentas atualmente disponíveis para melhorar a precisão diagnóstica. O paciente com dor abdominal aguda continua a representar um desafio clínico para o gastroenterologista. O tratamento bem -sucedido requer uma história e exame físico adequados e uma compreensão sobre a tecnologia de imagem atual. Os escores clínicos podem ser úteis para determinar e quantificar o grau de severidade da doença, e para orientar o tratamento da pancreatite aguda e da doença inflamatória intestinal. O médico deve estar condicionado a “pensar fora da caixa” e considerar a apresentação atípica de doenças comuns. O manejo da apendicite aguda é o exemplo ideal de como os princípios gerais descritos neste capítulo podem ser efetivamente aplicados aos cuidados de doenças gastrointestinais, e será discutido detalhada mente a seguir. O médico deve aplicar esses princípios ao considerar outras condições discutidas nos capítulos subsequentes. Lembrar que toda informação deve ser anotada e que a percepção de novos insights e experiên cia devem ser sempre levadas em conta (Tabela 1-1). A dor abdominal continua a ser a queixa principal nos serviços de emergência dos EUA. A população dos EUA envelhece progressivamente, e o número de idosos (definido como idade > 64 anos) deverá atin gir 20% até 2030. Atualmente os idosos respondem por 20% de todas as emergências anuais nos Estados Unidos e por mais de 4% dos pacientes com dor abdo minal aguda. Apendicite, colecistite e coledocolitíase, obstrução intestinal, pancreatite, isquemia mesentérica, perfuração intestinal, e diverticulite são responsáveis por dois terços das internações hospitalares por dor abdominal aguda e estão associadas a morbidade e mortalidade significativa. Atenção deve ser dada às


CAPÍTULO 1

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DOR ABDOMINAL AGUDA

Tabela 1-1. Diagnóstico diferencial da dor abdominal aguda. Condições comuns

Testes diagnósticos

Apendicite aguda

TC, ultrassonografia

Colecistite aguda

Ultrassonografia

Coledocolitíase

Ultrassonografia, CPRM

Diverticulite aguda

TC

Pancreatite aguda

Amilase/lipase séricas, TC

Perfuração intestinal

TC

Isquemia mesentérica aguda

Angiograma por TC, RM

Colite isquêmica

TC, colonoscopia

Obstrução intestinal

RX simples em ortostase, TC

Dor em parede abdominal anterior

Sinal de Carnett, e sinal de Fothergill, TC

(hematoma do músculo reto)

Transtornos não cirúrgicos que Ver Tabela 1-2 simulam abdome agudo Dor abdominal aguda em mulheres: HCG, ALT, EAS, exame pélvico, • Doença inflamatória pélvica ultrassom pélvico, RM, laparoscopia Exame pélvico • Gravidez ectópica Ultrassom • Doenças anexiais Volvo do sigmoide

Enema de bário

Ruptura do duto biliar ou pancreático

CPRM, CPER (cintigrafia com enxofre

coloidal-tecnécio-99).

ALT, alanina transferase; TC, tomografia computadorizada; CPER, colangiopancreatografia endoscópica retrógrada; HCG, hormônio gonadotrófico coriônico; CPRM, colangiopancreatografia por ressonância magnética; RM, ressonância magnética; EAS, análise urinária.

causas não cirúrgicas de dor abdominal que podem mascarar doenças cirúrgicas e conduzir a cirurgias desnecessárias, em particular os distúrbios funcionais. O diagnóstico inicial do paciente com dor abdomi nal aguda pode representar um desafio e é muitas vezes incorreto em idosos, jovens e mulheres em idade fértil. A história e o exame físico devem ser baseados em uma minuciosa compreensão da anatomia e da fisiologia da dor abdominal. Eles continuam a representar o primeiro passo importante para o tratamento eficaz. Os exames de laboratório são de valor limitado. O hemo grama completo (CBC), TFH, análise urinária, e teste de gravidez são mais úteis, especialmente quando estão alterados. A tomografia computadorizada (TC) tem contri buído para a melhoria no atendimento de pacientes com dor abdominal aguda. Seu valor para um determinado paciente depende da experiência de uma determinada instituição com a utilização do método e interpretação das imagens. A dose de radiação cumulativa a que o paciente é submetido deve ser sempre considerada antes de indicar esse exame.

O papel da laparoscopia no manejo do paciente, sobretudo em jovens e mulheres grávidas, permanece controverso e muito debatido. A causa da dor abdominal aguda permanece sem esclarecimento por ocasião da alta em até 30% dos pacientes. Uma grande variedade de doenças não - cirúr gicas deve ser considerada nesse subgrupo de pacientes (Tabela 1-2 ). Os idosos e as mulheres jovens com sín drome da dor abdominal funcional (SDAF) represen tam uma grande parte dessa população de pacientes. Um diagnóstico prévio de síndrome do intestino irri tável está associado a uma probabilidade aumentada de apendicectomia negativa. É fortemente recomendado avaliação e acompanhamento rigoroso dos pacientes diagnosticados com dor abdominal aguda.

Tabela 1-2. Transtornos não cirúrgicos que causam dor abdominal aguda. Categoria

Característica(s) diagnóstica(s)

Metabólica/Endócrina Cetoacidose diabética

Glicose sérica elevada; cetoacidose

Hipertireoidismo

T4 elevado, TSH baixo

Hipercalcemia

Cálcio sérico elevado

Hipocalemia

Potássio sérico baixo

Hipofosfatemia

Fosfato sérico baixo

Doença de Addison

Cortisol sérico baixo, ACTH elevado

Porfiria

Porfobilinogênio e delta-ALA elevados

Febre mediterrânica familiar

Duração de 1–3 dias; pleurite e peritonite

Vascular/Cardiopulmonar Isquemia miocárdica/infarto

ECG anormal, troponina elevada

Dissecção aórtica

Mediastino alargado e angiograma

por TC Síndrome do ligamento arqueado

ARM ou ATC

mediano Pneumonia/pleurisia

Radiografia de tórax

Embolia pulmonar

Escore de Wells, dímero-D elevado,

embolia pulmonar, angiografia por TC Medicamentos/Toxinas Salicilato

Zumbido, confusão, alcalose respiratória mista e acidose metabólica

Anticolinérgicos

Confusão, pupilas dilatadas, taquicardia, íleo, retenção urinária

Antidepressivos tricíclicos (TCAs) Delírio, sintomas anticolinérgicos, alterações do ECG, dosagem de TCA

sérico e urinário (continua)


DOR ABDOMINAL AGUDA

Tabela 1-2. Transtornos não cirúrgicos que causam dor abdominal aguda. (continuação) Categoria Cocaína

Metais pesados

Tabela 1-2. Transtornos não cirúrgicos que causam dor abdominal aguda. (continuação)

Característica(s) diagnóstica(s) Taquicardia, hipertensão, isquemia sistêmica de órgão nobre, screen toxicológico positivo

Toxicidade renal e neurológica, exame de urina de 24 h

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Categoria

Característica(s) diagnóstica(s)

Musculoesquelética Síndrome da “costela escorregadia” Dor provocada por compressão da (margem inferior das costelas) costela apenas no lado afetado

Hematoma da bainha do músculo reto/neuroma

Sinais de Carnett e Fothergill

Síndrome de dor crônica da parede abdominal

Sensibilidade dolorosa no QSD (principalmente) e sinal de Carnett positivo

Vasculite/Tecido conjuntivo Lúpus eritematoso sistêmico (LES)

Vasculite sistêmica

Esclerodermia

> 4 dos 11 critérios de LES Doença multiorgânica com P-ANCA e ANA positivos, complemento baixo

Herpes-zóster

Alterações cutâneas, fenômeno de Raynaud, doença visceral, anticorpos anti Scl-70

Hematológica/Imunológica Crises falcêmicas

História, dor periarticular, derrames

Púrpura de Henoch-Schönlein

Biópsia de pele: vasculite leucocitoclástica com depósitos de IgA e C3

Síndrome hemolítico-urêmica

Neuropsiquiátrica

IRA com esquizócitos no esfregaço

Enxaqueca abdominal

Adolescentes, ocorrência cíclica

Convulsões do lobo temporal

Adolescentes, aura, EEG anormal

Radiculopatia

Dor mecânica na distribuição do dermátomo, RM positiva

Síndrome da dor abdominal funcional

Ver Camilleri, 2006, citado no texto

Síndrome do intestino irritável

Critérios de Manning ou de Roma III

Edema angioneurótico hereditário Baixo nível de inibidor de

esterase C1 Doença sistêmica dos mastócitos

Síndrome de ativação de mastócitos

Alergia alimentar

Púrpura trombocitopênica trombótica

Síndrome intestinal causada por Aumento ou redução recente das narcóticos doses de narcóticos

Triptase sérica, histamina urinária, prostaglandina D2 elevadas; aumento do número de mastócitos nos tecidos; anormalidades na biópsia de medula óssea

Marcadores sorológicos descritos anteriormente História, aumento do nível de IgE, alerta para o diagnóstico; eosinofilia em mucosa

Febre, confusão, trombocitopenia, esquizócitos

Infecciosa Estafilotoxina

Febre, hipotensão, erupção cutânea (encaminhar ao CDC para definição de caso)

Doença de Bornholm

Febre, erupção, dor espasmódica, enterovírus (Coxsackie/echo)

Yersinia enterocolitica

Diarreia, febre, cultura de fezes positiva, inflamação ileal

Mesenterite tuberculosa

Febre, cansaço, diarreia, massa no QID e ascite, biópsia positiva

Dengue

Febre, anemia hemolítica, mialgias/artralgias, plaquetas baixas, TFH elevados, sorologia positiva

Malária

Erupção vesicular dolorosa unilateral na distribuição do dermátomo, AFD da lesão positivo ou PCR do líquido da lesão

Febre, calafrios, sudorese, anemia hemolítica, mialgia, tosse, doença de múltiplos órgãos, esfregaço para avaliação de hemácias (RBC)

(continua)

Renal Nefrolitíase/ureterolitíase

Hematúria e TC positiva

Necrose papilar

Hematúria, uropatia obstrutiva, diabetes, anemia falciforme

ACTH, hormônio adrenocorticotrófico; ANA, anticorpo antinuclear; IRA, insuficiência renal aguda; CDC, Centers for Disease Control and Prevention; TC, tomografia computadorizada; ATC, angiografia por TC; posteroanterior; delta-ALA, ácido delta-aminolevulínico (teste); AFD, anticorpo fluorescente direto; ECG, eletrocardiograma; EEG, eletroencefalograma; IgA, imunoglobulina A; IgE, imunoglobulina E; TFH, teste de função hepática; ARM, angiografia por ressonância magnética; RM, ressonância magnética; P-ANCA, anticorpo citoplasmático antineutrofílico perinuclear; PCR, reação em cadeia da polimerase (amplificação); RBC, células vermelhas do sangue; QID, quadrante inferior direito; QSD, quadrante superior direito, T4, tiroxina; TSH, hormônio estimulador da tireoide.

Cartwright SL, Knudson MP. Evaluation of acute abdominal pain in adults. Am Fam Physician. 2008;77:971–978. [PMID: 18441863] Flasar MH, Goldberg E. Acute abdominal pain. Med Clin North Am. 2006;90:481–503. [PMID: 16473101] Langell JT, Mulvihill SJ. Gastrointestinal perforation and the acute abdomen. Med Clin North Am. 2008;92:599–625. [PMID: 18387378] Leschka S, Alkadhi H, Wildermuth S, et al. Multi-detector computed tomography of acute abdomen. Euro Radiol. 2005;15:2435–2447. [PMID: 16132914] Pearigen PD. Unusual causes of abdominal pain. Emerg Med Clin North Am. 1996;14:593–613. [PMID: 8681886]


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CAPÍTULO 1

DOR ABDOMINAL AGUDA

cossociais, anatômicos e fisiopatológicos. A síndrome intestinal causada pelo uso de entorpecentes foi descrita Shanley CJ, Weinberger JB. Acute abdominal vascular pela primeira vez em 1984. Pode aparecer em pacientes emergencies. Med Clin North Am. 2008;92:627–647. [PMID: 18387379] com trato digestivo previamente normal e tornou-se Singh VK, Wu BU, Bollen TL, et al. A prospective evaluation mais comum com o uso crescente de narcóticos para of the bedside index for severity in acute pancreatitis score tratamento da dor abdominal funcional. Muitas vezes in assessing mortality and intermediate markers of severity in acute pancreatitis. Am J Gastroenterol. 2009;104:966–971. passa despercebida, e os sintomas mimetizam a SDAF. [PMID: 19293787] O exame de imagem pode sugerir obstrução intestinal, Singh VK, Wu BU, Bollen TL, et al. Early systemic inflammatory ou seja, pseudo-obstrução. Vale ressaltar que a dor response syndrome is associated with severe acute pancreatitis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2009;7:1247–1251. [PMID: pode permanecer inalterada ou apresentar piora com o 19686869] aumento ou diminuição da dose de narcóticos. Turner D, Seow CH, Greenberg GR, et al. A systematic prospective comparison of noninvasive disease activity indices in ulcerative Reações adversas aos alimentos são comuns, -afe colitis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2009;7:1081–1088. [PMID: tando até 20% da população adulta. Elas podem ser 19577010] imunomediadas (imunoglobulina E, síndromes eosinofílicas) ou não imunomediadas. O diagnóstico da síndrome de ativação de mastócitos DOR ABDOMINAL AGUDA EM IDOSOS (SAM) precisa ser considerado em todos os pacientes Cinquenta por cento dos pacientes idosos com dor com dor abdominal aguda recorrente, especialmente abdominal aguda são internados em hospital, e 33% após resultados negativos dos exames de sangue de deles, eventualmente, são submetidos à cirurgia. Pode rotina, endoscopia digestiva alta e baixa, e estudos de ser muito difícil obter uma história exata, por causa do imagem (tomografia computadorizada, e ultrassom). grande número de informações, incluindo relatos de Os fatores principais a serem considerados em caso de familiares e amigos, e pelo estado mental alterado. Os dor abdominal aguda recorrente são: (1) sexo feminino, achados físicos e laboratoriais podem ser sutis, pela pre (2) rubor, (3) dermatografismo, (4) diarreia, (5) into sença de desnutrição, uso de medicamentos, tais como lerância ao álcool, (6) episódios de confusão mental betabloqueadores, hipotermia fisiológica, e diminuição (ou seja, incapacidade para concentrar-se), (7) dores de de função das células T ou da resposta leucocitária. O cabeça e (8) aumento da sudorese. Oitenta por cento estado mental alterado e a hipotensão podem ser os dos pacientes apresentam a tríade de dor abdominal, únicos indicadores de doença abdominal grave. Mais rubor e dermatografismo. Os resultados dos exames de 40% dos idosos não têm diagnóstico esclarecido no laboratoriais que confirmam o diagnóstico incluem a momento da alta. elevação da histamina e prostaglandina D 2 urinárias, e aumento da triptase sérica. É especialmente importante Flasar MH, Goldberg E. Acute abdominal pain. Med Clin North suspeitar desse diagnóstico em pacientes que apresen Am. 2006;90:481–503. [PMID: 16473101] tam as características clínicas descritas acima porque a resposta à terapia com antagonistas histamínicos TRANSTORNOS NÃO CIRÚRGICOS QUE SIMULAM dos receptores H1 e H2 e com outros mediadores de mastócitos muitas vezes apresenta resultado bastante ABDOME AGUDO dramático. Um número considerável de internações de emergência por dor abdominal aguda permanece sem diagnóstico definitivo. Os distúrbios funcionais ocupam grande parte desse grupo de pacientes. Os episódios- recor Camilleri M. Management of patients with chronic abdominal pain in clinical practice. Neurogastroenterol Motil. 2006;18: rentes têm sido relatados em até 30% dos pacientes e 499–506. [PMID: 16771765] podem ser decorrentes de maus-tratos. A síndrome do Choung RS, Locke GR 3rd, Zinsmeister AR, et al. Opioid bowel dysfunction and narcotic bowel syndrome: a populationbased intestino irritável que ocorre após quadro infeccioso study. Am J Gastroenterol. 2009;104:1199–1204. [PMID: pode ser acompanhada de alterações inflamatórias da 19367263] mucosa. A dor abdominal crônica da parede abdo Costanza CD, Longstreth GF, Liu AL. Chronic abdominal wall pain: clinical features, health care costs, and long-term outcome.Clin minal (DCPA) e a SDAF podem ser distinguidas pela Gastroenterol Hepatol. 2004;2:395–399. [PMID: 15118977] resposta do paciente à ingesta alimentar e pelo caráter Degaetani MA, Crowe SE. A 41-year-old woman with abdominal dos movimentos intestinais. Os sintomas constitucio complaints: is it food allergy or food intolerance? How to tell the difference. Clin Gastroenterol Hepatol. 2010;8:755–759. nais usualmente estão ausentes. Os obstáculos para o [PMID: 20363367] diagnóstico correto incluem fatores experienciais, psi -


DOR ABDOMINAL AGUDA

Grunkemeier DM, Cassara JE, Dalton CB, et al. The narcotic bowel syndrome: clinical features, pathophysiology, and management. Clin Gastroenterol Hepatol. 2007;5:1126–1139. [PMID: 17916540] Hamilton MJ, Hornick JL, Akin C, et al. Mast cell activation syndrome—a newly recognized disorder with systemic manifestations.J Allergy Clin Immunol. 2011;128:147–152. [PMID: 21621255]. Longstreth GF. Avoiding unnecessary surgery in irritable bowel syndrome.Gut. 2007;56:608–610. [PMID: 17440179] Marshall JK, Thabane M, Garg AX, et al. Eight year prognosis of postinfectious irritable bowel syndrome following waterborne bacterial dysentery. Gut. 2010;59:605–611. [PMID: 20427395] Pearigen PD. Unusual causes of abdominal pain. Emerg Med Clin North Am.1996;14:593–613. [PMID: 8681886] Weijenborg PT, Gardien K, Toorenvliet BR, et al. Acute abdominal pain in women at an emergency department: predictors of chronicity. Eur J Pain. 2010;14:183–188. [PMID: 19419889] Youssef NN, Atienza K, Langseder AL, et al. Chronic abdominal pain and depressive symptoms: analysis of the national longitudinal study of adolescent health. Clin Gastroenterol Hepatol. 2008;6:329–332. [PMID: 18258491]

AVALIAÇÃO DO ABDOME AGUDO � História clínica “Erros diagnósticos são mais imputados à falta de perspicácia ao pesquisar ou interpretar os sintomas do que à falha em ouvir um murmúrio, sentir uma massa ou fazer um eletrocardiograma.” – F. Dennette Adams, 1958

A história clínica adequada da dor abdominal aguda deve começar ao primeiro contato com o paciente. Uma queixa de dor no quadrante inferior esquerdo (QIE), relatada pelo telefone por uma mãe de 24 anos de idade, às 15 horas, durante o inverno, ocupada em suas tarefas, provavelmente representará um diagnóstico diferencial diferente da de uma mulher de 75 anos de idade que a 1 hora apresenta uma temperatura de 38,3C, e que recentemente foi submetida à quimioterapia ambulatorial para câncer ovariano estágio IV. O clínico pode localizar melhor o órgão responsável pela dor, determinando primeiro a região do abdome assinalada pelo paciente ( Figura 1-1). Pode ser feita a distinção entre a origemvisceral e somática (peritoneal), observando se o paciente a descreve como de início lento, pouco localizada, insidiosa, características relacionadas com a primeira, ou aguda, bem localizada, desconforto lateral (e às vezes referida), características da última. Deve ser lembrado que a dor visceral pode ser referida em um local distante do órgão afetado, simulando a dor somática, quando as fibras autonô micas penetram em um segmento da medula espinal compartilhado por uma via espinotalâmica não rela cionada. A dor desproporcional aos achados físicos deve sempre levantar a suspeita de isquemia mesentérica.

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A percepção da dor por parte do paciente representa o somatório dos efeitos causados pela idade do paciente, estado mental, e uso de medicamentos. Moderadores fisiológicos da percepção dolorosa foram recente mente reconhecidos e explicam a hiperalgesia visceral e a nocicepção inibitória prejudicada. O nível cultural, status socioeconômico, história de abuso físico e mental, e contato prévio com os profissionais da área médica e doenças prévias, também são fatores contribuintes.

� Exame físico O exame do abdome em um paciente com dor aguda continua sendo uma ferramenta importante e, juntamente com uma história adequada, permitirá o diag nóstico correto em pelo menos 50% dos casos. A qualidade do exame físico realizado por estagiários neófitos mostrou ser deficiente. Os programas de trei namento devem dar ênfase continuada ao exame físico, notadamente à medida que aumenta a confiabilidade dos exames de imagem. Os analgésicos narcóticos podem alterar os achados físicos, mas não ao ponto de afetar a acurácia diagnóstica ou o tratamento. Mediante as várias manobras simples de cabeceira, o clínico pode fazer a distinção entre a dor da parede torácica e abdominal e a doença intra-abdominal. A dor causada pelo assim chamado deslizamento de costela (também chamado de síndrome da margem inferior das costelas), pode ser provocada ao segurar o gradil costal (geralmente à esquerda) com os dedos e, em seguida, exercer tração para cima. A dor muscular devido a hematoma da bainha do reto, ruptura muscular ou neuroma pós-operatório pode ser diagnosticada pela pesquisa dos sinais de Carnett e Fothergill. O sinal de Carnett é pesquisado em pacientes que se queixam de dor durante a palpação convencional. Solicita-se ao paciente que contraia a parede abdominal e flexione o pescoço (para proteger as vísceras e a cavidade abdo minal da pressão exercida pelas mãos do examinador), reexaminando-se o abdome em seguida. O aumento do desconforto sugere um distúrbio da parede abdo minal. Se ele diminui, um processo intra-abdominal é mais provável. O sinal de Fothergill aparece quando um hematoma da bainha do músculo reto produz uma massa dolorosa, que não cruza a linha média e perma nece palpável quando o músculo reto está contraído. Cherry WB, Mueller PS. Rectus sheath hematoma: review of 126 cases at a single institution. Medicine (Baltimore). 2006;85: 105–110. [PMID: 16609349] Elsenbruch S, Rosenberger C, Bingel U, et al. Patients with irritable bowel syndrome have altered emotional modulation of


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CAPÍTULO 1

DOR ABDOMINAL AGUDA

� Exames de laboratório neural responses to visceral stimuli. Gastroenterology. 2010;139: 1310–1319. [PMID: 20600024] Olesen SS, Brock C, Krarup AL, et al. Descending inhibitory pain modulation is impaired in patients with chronic pancreatitis.Clin Gastroenterol Hepatol. 2010;8:724–730. [PMID: 20304100] Ranji SR, Goldman LE, Simel DL, et al. Do opiates affect the clinical evaluation of patients with acute abdominal pain? JAMA. 2006;296:1764–1774. [PMID: 17032990]

A má interpretação dos exames laboratoriais básicos pode levar a erros de diagnóstico e de tratamento do paciente, e qualquer resultado deve ser visto com cautela. A supervalorização (p. ex., leucocitose em um paciente que faz uso de corticosteroides) ou a não valorização (p. ex., contagem normal de leucócitos em um paciente idoso ou submetido à quimioterapia) dos

= Visceral = Somática = Referida UD perfurada Ruptura esplênica

Colecistite aguda UD perfurada

Esofagite

Região epigástrica DUP Pancreatite Esofagite Angina, IM Aneurisma

QSD Colecistite Pneumonia/pleurisia Pielonefrite

Região umbilical Apendicite (precoce) OID Isquemia mesentérica AAA

QID Colecistite Apendicite (tardia) DII OB/GIN Pielonefrite Hérnia

Região hipogástrica DII OB/GIN Diverticulite ITU

QSE DUP Infarto esplênico Pancreatite Pneumonia Pielonefrite

QIE SII OB/GIN Pielonefrite Diverticulite Hérnia

Diverticulite

Cólica renal

A

Figura 1-1.Anatomia da dor abdominal: locais mais frequentes. A: Vista anterior. B: Vista posterior. AAA, aneurisma da aorta abdominal; UD, úlcera duodenal; DII, doença inflamatória intestinal; SII, síndrome do intestino irritável; QIE, quadrante inferior esquerdo; QSE, quadrante superior esquerdo; IM, infarto do miocárdio; OB/GIN, condições obstétricas/ginecológicas; DUP, doença ulcerosa péptica; QID, quadrante inferior direito; QSD, quadrante superior direito; OID, obstrução do intestino delgado; ITU, infecção do trato urinário. (Com permissão de Frederick L. Makrauer, MD.)


DOR ABDOMINAL AGUDA

= Referida UD perfurada Ruptura esplênica

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idade fértil, e para investigação de doença do trato biliar. A RM, que também é livre de radiação ionizante, tem valor especial na investigação de doença biliar e pancreática. Os métodos de imagem abdominais mais eficazes, atualmente disponíveis, e suas aplicações, são discutidos nos Capítulos 9, 35 e 36, que contêm- infor mações detalhadas sobre cada modalidade de imagem.

Cólica biliar Pancreatite aguda Cólica renal Dor uterina e retal

B

Cartwright SL, Knudson MP. Evaluation of acute abdominal pain in adults. Am Fam Physician. 2008;77:971–978. [PMID: 18441863] Dixon AK, Watson CJ. Imaging in patients with acute abdominal pain. BMJ.2009;338:b1678. [PMID: 19561055] Karla MK, Francis IR. Personalized dose reduction for computed tomography scanning: size matters, so does prior radiation exposures.Clin Gastroenterol Hepatol. 2010;8:231–232. [PMID: 20005984] Laméris W, van Randen A, van Es HW, et al. Imaging strategies for detection of urgent conditions in patients with acute abdominal pain: diagnostic accuracy study. BMJ. 2009;338:b2431. [PMID: 19561056] Leschka S, Alkadhi H, Wildermuth S, et al. Multi-detector computed tomography of acute abdomen. Euro Radiol. 2005;15:2435–2447. [PMID: 16132914] Pedrosa I, Rofsky NM. MR imaging in abdominal emergencies. Radiol Clin North Am. 2003;41:1243–1273. [PMID: 14661669]

Figura 1-1.(Continuação)

resultados não é incomum. A contagem de leucócitos e o hematócrito pode ser normal em um paciente que apresenta uma catástrofe abdominal incipiente. Uma análise de urina normal não exclui nefrolitíase. O eletrocardiograma e a radiografia de tórax não excluem doença cardiovascular ou pulmonar. Um teste de gravidez deve ser sempre realizado nas mulheres em idade fértil. Os pacientes muitas vezes estão mais comprome tidos do que os exames de laboratório sugerem, particu larmente idosos, imunodeprimidos ou grávidas.

� Exames de imagem O papel da imagem na avaliação e tratamento do paciente com dor abdominal aguda foi revolucionado pela ultrassonografia abdominal, tomografia computa dorizada com multidetector (MDCT), e pela ressonân cia magnética (RM). A escolha do médico pelo método de imagem deve ter em conta o provável diagnóstico, a condição clínica do paciente, e a dose cumulativa de irradiação. O exame é seguro, está disponível, é de fácil interpretação? Tem valor terapêutico? A MDCT continua sendo o “padrão-ouro” pela sua sensibilidade e especificidade para avaliação global da dor abdominal aguda e crônica, e pelas informações adicionais que ela proporciona. A ultrassonografia deve ser sempre o primeiro método utilizado em mulheres jovens em

APENDICITE AGUDA � Considerações gerais A apendicite aguda é muito comum, apresenta risco de vida de 7–8%, favorecendo ligeiramente os homens. A apendicectomia é a operação de emergência mais comumente realizada em todo o mundo. A incidência diminuiu em mais de 50% nas últimas três décadas, por motivos desconhecidos. Mais de 250.000 pacientes são admitidos anualmente para tratamento de apendicite nos Estados Unidos, com maior incidência na segunda e terceira décadas de vida. A taxa de perfuração do apêndice pode ser de até 80%. A mortalidade caiu para menos de 1% com o diagnóstico mais rápido e preciso em grupos de alto risco e com os avanços nas técnicas de imagem. O diagnóstico tardio em mulheres, idosos, e afro-americanos representa uma situação preocupante. A patogênese da apendicite aguda é a proliferação bac teriana secundária à obstrução da luz em decorrência de uma das múltiplas desordens, incluindo citomegalovírus ou enterite por adenovírus, doença de Crohn, cálculo, corpo estranho ou tumor. A apresentação da apendi cite depende da idade do paciente, comprimento do apêndice, hábitos corporais, e do trimestre gestacional. A apresentação “clássica” (dor periumbilical aguda com migração para o ponto de McBurney, seguida de náuseas e vômitos) ocorre em apenas 30–60% dos pacientes.


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CAPÍTULO 1

DOR ABDOMINAL AGUDA

A taxa de perfuração pode chegar a 50–70% e é diretamente proporcional a um atraso no diagnóstico de mais de 24 horas. Em idosos, a taxa de mortalidade decorrente de apendicite é oito vezes maior que a da população geral, e representa 50% das mortes por essa doença. Recentemente, o crescente índice de massa cor poral e o tabagismo também foram apontados como fatores de risco para uma evolução complicada. O diagnóstico é particularmente difícil em jovens e idosos, bem como durante a gravidez. Grynspan D, Rabah R. Adenoviral appendicitis presenting clinically as acute appendicitis. Pediatr Dev Pathol. 2008;11:138–141. [PMID: 17990936] Ingraham AM, Cohen ME, Bilimoria KY, et al. Effect of delay to operation on outcomes in adults with acute appendicitis. Arch Surg.2010;145:886–892. [PMID: 20855760] Papadopoulos AA, Polymeros D, Kateri M, et al. Dramatic decline of acute appendicitis in Greece over 30 years: index of improvement of socioeconomic conditions or diagnostic aids? Dig Dis. 2008;26:80–84. [PMID: 18277072]

� Achados clínicos A. Sintomas e sinais A história e o exame abdominal podem variar depen dendo da localização do apêndice. O diagnóstico -é retar dado, e, portanto, a perfuração ocorre mais comumente em indivíduos muito jovens (< 3 anos), grávidas e idosos (> 64 anos), estes últimos apresentando manifestação atípica em mais de 70% dos casos. O status socioeconô mico, mas não a raça, também pode influenciar a taxa de perfuração. A localização atípica do apêndice no terceiro trimestre de gestação representa um desafio diagnóstico particular (ver Figura 7-3). A febre pode ser de baixo grau.

B. Achados laboratoriais Os exames laboratoriais de rotina têm valor limitado no diagnóstico da apendicite aguda. A leucocitose pode ser modesta ou ausente. Os exames bioquímicos e de urina são geralmente normais. Um teste de gravidez deve sempre ser realizado nas mulheres em idade fértil. C. Exames de imagem 1. Questões e controvérsias — A fisiopatologia e as alte rações dos exames de imagem na apendicite aguda decorrem da obstrução luminal, independentemente da etiologia. A vantagem dos exames de imagem pré -operatórios em comparação com a avaliação clínica isolada continua a ser contestada por alguns estudos. Vários centros têm relatado aumento do tempo de acesso à sala de operações, aumento do tempo operatório e de internação, e dos custos, sem redução da taxa de apendicectomia negativa nos pacientes cuja cirurgia foi adiada para a realização de TC ou ultrassonografia. Por outro lado, até mesmo entre os pacientes com alta probabilidade de apendicite, quase um terço apresenta imagens compatíveis com outro diagnóstico ou exame normal (Tabela 1-3). Acreditamos que as divergências anteriores são em grande parte decorrentes da variabilidade da experiência institucional e recomendamos que os exames de imagem (TC, RM ou ultrassonografia) sejam realizados em todos os pacientes com suspeita de apendicite aguda, mesmo naqueles com alta probabilidade clínica para a doença (ver Figura 9-17). A TC com um protocolo para apendicite é adequada à maioria dos pacientes. A vantagem do contraste retal continua a ser discutida. 2. Ultrassonografia — Tem sensibilidade e valor preditivo

Pieracci FM, Eachempati SR, Barie PS, et al. Insurance status, but not race, predicts perforation in adult patients with acute appendicitis. J Am Coll Surg. 2007;205:445–452. [PMID: 17765161]

negativo de aproximadamente 98% e 100%, respectivamente, com especificidade de 70–100%. Os resultados são altamente dependentes do operador.

Tabela 1-3. Valor dos exames de imagem no pré-operatório de apendicite aguda. Apresentação clínica Diagnóstico operatório definitivo

Baixa probabilidade (n = 109)

Probabilidade intermediária

(n = 97)

Probabilidade alta (n = 144)

Apendicite aguda

11 (10%)

23 (24%)

99 (65%)

Outros

34 (31%)

37 (38%)

26 (18%)

Doença inflamatória intestinal

7 (6%)

9 (9%)

6 (4%)

Enterite

15 (14%)

8 (8%)

1 (<1%)

Diverticulite à direita

0 (0%)

1 (1%)

5 (3%)

Cisto ovariano

3 (3%)

3 (3%)

1 (<1%)

Achados normais

64 (59%)

37 (38%)

24 (17%)


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Os achados sugestivos de apendicite aguda incluem espessamento, lúmen terminando em fundo cego (ao contrário da extremidade aberta de uma trompa ou veia gonadal) com diâmetro > 6 mm, mal definido e preenchido por líquido, e a presença de apendicolito. Pode haver dor à compressão. A ultrassonografia deve ser utilizada como modalidade única de imagem, apenas para pacientes com alta probabilidade da doença. Os resultados falso-positivos ocorrem comumente (33% dos casos) em pacientes com doença inflamatória intestinal, diverticulite cecal, e doença inflamatória pélvica. O valor da ultrassonografia é limitado em pacientes com obesidade mórbida, na presença de perfuração, ou em apêndice retrocecal, e quando há incapacidade para comprimir o quadrante inferior direito (QID). A ultrassonografia deve ser considerada como o exame de escolha nos grupos mais vulneráveis à radiação ionizante, especialmente em crianças e mulheres em idade fértil. As informações adicionais sobre a anato mia pélvica feminina também podem ser clinicamente valiosas. 3. TC —A TC helicoidal contrastada apresenta sensi bilidade de 96–98% e especificidade de 83–89% na apendicite aguda, particularmente para demonstração do apendicolito. A MDTC pode melhorar ainda mais a especificidade. Os achados positivos incluem um diâmetro > 6 mm, parede espessada com realce, retração da gordura periapendicular e apendicolito. Na TC, um apêndice preenchido por ar essencialmente exclui apen dicite aguda. O espessamento focal do íleo terminal ou ceco pode ser confundido com a doença de Crohn e a dilatação do apêndice pode ser falsamente atribuída à infecção da trompa de Falópio direita. Um foco oval de atenuação da gordura com borda hiperatenuada próxima à serosa colônica, faz distinção com a apendicite epiploica. A enterite infecciosa deve ser facilmente diferenciada pela natureza difusa do espessamento e realce do intestino, na presença de um apêndice normal. Condições menos comuns que podem confundir o diagnóstico incluem a mucocele do apêndice, distúrbios dos ovários e endo metriose. Uma vantagem da TC sobre a ultrassonografia é sua capacidade de visualizar todo o abdome, podendo mostrar um diagnóstico alternativo em 15% dos casos. Outros 15% dos pacientes apresentam exame normal. Um índice elevado de suspeita clínica de apendicite aguda requer a utilização de um protocolo de apendicite com contraste intravenoso e retal isolado, reduzindo o tempo de estudo para apenas 15 minutos, ao eliminar a administração de contraste oral. Durante a gravidez, a TC deve ser utilizada com grande discrição; recomenda-se

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a ultrassonografia ou a ressonância magnética. Desde a introdução da TC, não houve redução das taxas de apen dicectomia negativa, refletindo provavelmente a presença de padrões de desempenho inconsistentes. Rettenbacher T, Hollerweger A, Gritzmann N, et al. Appendicitis: should diagnostic imaging be performed if the clinical presentation is highly suggestive of the disease? Gastroenterology. 2002;123:992–998. [PMID: 12360459]

� Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial da apendicite aguda é amplo, refletindo as apresentações clássicas e atípicas da doença. Ele inclui a linfadenite mesentérica, enterite bacteriana, diverticulite aguda, cálculo ureteral, doença de Crohn, colecistite, apendicite epiploica, diverticulite de Meckel, e distúrbios ginecológicos diversos incluindo salpingite aguda (doença inflamatória pélvica), ruptura de folí culo ovariano (mittelschmerz) e prenhez ectópica rota. Esses transtornos serão analisados em outros capítulos e apenas a apendicite epiploica será discutida detalha damente a seguir.

�Tratamento A. Revisão A partir de 1886 a cirurgia tem sido reconhecida como tratamento definitivo para a apendicite. O momento adequado e a escolha da técnica (apendicectomia aberta vs. apendicectomia laparoscópica), e quais variáveis influenciariam essas decisões, continua a ser motivo de discussão. A incidência de apendicectomia negativa continua tão alta quanto 20% em alguns grupos de pacientes, sobretudo em mulheres jovens e em pacientes com sín drome do intestino irritável preexistente. Mulheres entre 15–45 anos apresentam taxa de apendicectomia negativa de 20%, 2–5 vezes maior do que a população em geral, atribuída às múltiplas causas de dor pélvica aguda e a localização atípica do apêndice no final da gravidez.

Clyde C, Bax T, Merg A, et al. Timing of intervention does not affect outcome in acute appendicitis in a large community practice.Am J Surg. 2008;195:590–593. [PMID: 18367138] Ditillo MF, Dziura JD, Rabinovici R. Is it safe to delay appendectomy in adults with acute appendicitis? Ann Surg. 2006;244: 656–660. [PMID: 17060754] Howell JM, Eddy OL, Lukens TW, et al. Clinical policy: critical issues in the evaluation and management of emergency department patients with suspected appendicitis. Ann Emerg Med. 2010;55:71–116. [PMID: 20116016] Longstreth GF. Avoiding unnecessary surgery in irritable bowel syndrome.Gut. 2007;56:608–610. [PMID: 17440179]


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CAPÍTULO 1

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B. Antibióticos Uma cefalosporina de terceira geração por via intrave nosa pode ser iniciada no pré-operatório de pacientes que apresentam comprometimento leve. Os pacientes mais comprometidos com sinais de perfuração e sepse exigem maior cobertura para anaeróbios, incluindo Bacteroides. A continuação dos antibióticos no -pós -operatório dependerá dos achados cirúrgicos e da res posta clínica do paciente. Com base na literatura atual, a terapia antibiótica, utilizada como tratamento isolado da apendicite aguda, deve ser vista com muita reserva e extrema cautela. C. Radiologia intervencionista A ruptura ou abscesso apendicular são encontrados em 25% dos pacientes no momento da apresentação. Quando um abscesso é encontrado no exame de ima gem, a drenagem guiada por TC e a terapia parenteral com antibiótico deve ser considerada a alternativa pre ferida em lugar da apendicectomia imediata. A apen dicectomia de intervalo, após o desaparecimento da coleção, deve ser realizada em data posterior. A decisão final deve ser tomada pelo cirurgião após consulta com o gastroenterologista e o radiologista. D. Cirurgia A cirurgia continua a ser o tratamento de escolha para a apendicite aguda. Atualmente, o momento e o tipo de abordagem cirúrgica para apendicite aguda é o aspecto mais debatido do tratamento, e o que se pretende é estabe lecer o balanço entre o diagnóstico preciso e a estabilização do paciente versus a prevenção da perfuração. A prevenção da perfuração continua a ser o objetivo principal, e a taxa de perfuração tornou-se um indicador de qualidade do atendimento em algumas instituições. A identificação de fatores preditivos mais confiáveis que a idade e o sexo dos pacientes tem sido um desafio. Um pequeno atraso volun tário para realizar os estudos de diagnóstico, iniciar anti bióticos, ou se adaptar as necessidades do staff, não provou aumentar o risco de complicações, incluindo a perfuração. O paciente com apresentação tardia ou atípica pode real mente se beneficiar de um período de observação, com a administração de antibióticos, enquanto o gastroente rologista obtém história adicional e analisa os exames de imagem e a resposta ao tratamento, em conjunto com o cirurgião ou ginecologista/obstetra. A terapia primária da apendicite aguda com antibióticos tem sido utilizada quando a intervenção cirúrgica não está prontamente dis ponível ou quando o cirurgião considera necessário o uso de antibióticos antes da operação. A apendicectomia laparoscópica vem obtendo apoio crescente como operação de escolha. Os pacientes apre

sentam menor índice de infecção da ferida, menos dor e menor permanência hospitalar em comparação com aqueles submetidos à colecistectomia aberta. O- cirur gião deve primeiro considerar o grau de certeza diag nóstica, evidência de complicação através de exames de imagem, estágio da apendicite, e a experiência com a técnica. Dados retrospectivos recentes sugerem que a raça e o status do seguro-saúde podem afetar a decisão. O debate continua sobre qual procedimento seria adequado, mas em mulheres, particularmente durante a gravidez, parece haver uma clara vantagem da apen dicectomia laparoscópica que pode identificar outras doenças ginecológicas e de reduzir a taxa de apendi cectomia negativa. A taxa de apendicectomia negativa em mulheres é inversamente proporcional à saúde do feto, e tem servido como referência para determinar o procedimento adequado em qualquer instituição. Nos homens, o benefício da apendicectomia laparoscópica negativa é bem menos estabelecido. Como observado anteriormente, a experiência cirúrgica de uma insti tuição deve ser sempre considerada antes de escolher definitivamente entre a colecistectomia laparoscópica versus aberta. O apêndice ressecado pode revelar dados -clíni cos úteis e inesperados em 2% dos casos -e, por tanto, deve sempre ser submetido à análise histológica. Recomenda-se, portanto, que os cirurgiões continuem a enviar o apêndice ressecado para análise histológica.

Jones AE, Phillips AW, Jarvis JR, et al. The value of routine histopathological examination of appendectomy specimens. BMC Surg. 2007;7:17. [PMID: 17692116] Paterson HM, Qadan M, de Luca SM, et al. Changing trends in surgery for acute appendicitis. Br J Surg. 2008;95:363–368. [PMID: 17939131]

APRESENTAÇÕES RARAS DE APENDICITE 1. Apendicite na gravidez (ver Capítulo 7) A apendicite ocorre em aproximadamente 1 em cada 800–1.500 gestações, e a apendicectomia é a operação não obstétrica mais comumente realizada durante a gravidez. A presença do feto e a posição alterada do apêndice proporcionam grande dificuldade diagnóstica. O diagnóstico pré-operatório é impreciso em 25–50% dos casos. Atualmente, a mortalidade materna é pratica mente zero, mas a perda fetal é de 2–3% sem perfuração e de 20% com perfuração apendicular. A ruptura do apêndice é relatada em 12–55% das gestantes. A escolha do método de imagem adequado para mulheres com apendicite foi discutida anteriormente. O risco de danos fetais decorrentes da exposição à


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radiação ionizante durante a TC deve ser comparado a acurácia relativamente baixa da ultrassonografia, especialmente no terceiro trimestre. A experiência da pró pria instituição com os métodos de imagem, sobretudo tendo em conta o crescente papel da RM, continua a ser muito importante e deve influenciar a escolha final do método de imagem. As taxas de apendicectomia negativa são maiores em mulheres grávidas (23%) do que em não grávidas (18%) e apresentam um aumento na odds ratio (razão de chance) de 2,69 para perda fetal. O objetivo de eli minar a apendicectomia negativa durante a gravidez, mediante melhor avaliação pré-operatória, deve ser balanceado com o atraso no tratamento cirúrgico e a expectativa do aumento de complicações e perfuração. Para o cirurgião experiente a apendicectomia laparos cópica parece ser segura e eficaz. McGory ML, Zingmond DS, Tillou A, et al. Negative appendectomy in pregnant women is associated with a substantial risk of fetal loss. J Am Coll Surg. 2007;205:534–540.

[PMID: 17903726]

2. Apendicite atípica A apendicite retrocecal (ileal) apresenta-se com menos dor e rigidez, por causa da proteção da parede abdominal. A localização do desconforto pode ser mal definida pela falta de contato do apêndice com o peritônio, e é menos comum no QID. A apendicite pélvica é caracterizada por dor severa, constante, localizada em geral no QIE, acompanhada de urgência urinária e fecal. A sensibilidade dolorosa abdominal é variável, mas a dor severa pode estar pre sente no exame pélvico e retal. A apendicite atípica, mais comum em idosos, é considerada causa menos frequente de dor abdominal aguda. A dor é vaga, e está localizada no QID em apenas 20% dos pacientes. Pode não haver febre. O exame abdominal pode apresentar apenas uma massa indolor. A contagem de leucócitos pode ser inferior ao esperado. O tratamento adequado se baseia em um índice elevado de suspeita, na avaliação cuidadosa do paciente, e nos resultados da TC.

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O diagnóstico exato é difícil em função da resposta inflamatória circundante. A doença de Crohn, infecção, e neoplasia fazem parte do diagnóstico diferencial. A malignidade (carcinoide, adenocarcinoma do cólon, linfoma, e câncer de ovário) pode estar presente em 1% dos casos. Os estudos sobre apendicite tardia são retrospectivos, e foram realizados antes que a tomografia computadorizada avançada estivesse amplamente disponível. Trinta por cento dos pacientes necessitaram de um procedimento de drenagem, pois a cirurgia ini cial (apendicectomia) em geral foi postergada até que a sepse abdominal pudesse ser controlada. Os pacientes devem ser mantidos em NPO (nada por via oral), com administração de fluidos e antibióticos intravenosos. Quando possível, o paciente que não apresenta toxemia (sem taquicardia, rigidez abdominal ou oligúria) não deve ser submetido à intervenção cirúrgica imediata, para melhorar a precisão diagnós tica e evitar episódios recorrentes. As indicações para drenagem percutânea de abscesso dependem da cole ção, tamanho, consistência e acessibilidade, bem como da estabilidade do paciente. A drenagem percutânea não é recomendada como tratamento isolado da apendicite tardia porque, sem apendicectomia, a taxa de recidiva do abscesso é de 5–20%. A colonoscopia tem seu papel no manejo pré e pós-operatório de pacientes estáveis e que apresentam características clínicas e radiográficas de doença de Crohn ileocolônica. Note-se que o apên dice pode estar envolvido na doença de Crohn ileoco lônica e confundir o diagnóstico em pacientes com dor abdominal aguda no QID. Não existem critérios clínicos que possam prever o resultado da apendicectomia retardada ou o momento ideal da apendicectomia. A cirurgia curativa, de preferên cia por laparoscopia, é geralmente realizada em 2–3 meses.

4. Apendicite crônica (“recorrente”, “subaguda”)

Cinco a dez por cento dos pacientes com diagnóstico cirúrgico de apendicite aguda podem ter apresentado um surto prévio, e 1,5% apresenta sintomas por mais de três semanas. Tais observações levaram à descrição de um subgrupo de pacientes portadores da chamada apendicite crônica. A literatura é totalmente retros pectiva e não faz nenhuma distinção clínica entre os 3. Apendicite tardia (“retardada”) pacientes que apresentaram apêndice normal ou inflaA apendicite tardia é definida como aquela que apre mado durante a apendicectomia. A fibrose com obli senta sintomas por mais de 72 horas. Ela é mais- fre teração luminal tem sido descrita, mas sem fístula ou quente em jovens, idosos, e em mulheres em idade fértil, abscesso. O papel da apendicectomia nesses pacientes pois o diagnóstico preciso é mais difícil nesses grupos. é controverso, pois eles parecem representar um grupo Um fleimão pode ser palpável no QID ou ser visto na distinto que não apresenta o mau prognóstico asso TC, e em geral apresenta um componente de abscesso. ciado à apendicite “tardia” ou “retardada”.


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5. Apendicite epiploica A apendicite epiploica é muito rara. Em 70% dos pacientes, a doença é provocada por torção e isquemia de um ou mais dentre aproximadamente os 100 apên dices epiploicos (ou omentais) que surgem a partir da superfície serosa do cólon, produzindo sintoma dolo roso. Esses apêndices são orientados em duas fileiras e compostos por tecido adiposo e um pedículo vascular, e medem 0,5–5 cm de comprimento. As manifesta ções menos comuns são o encarceramento (20%) e a obstrução (10%). A condição ocorre mais frequen temente em homens, principalmente entre a quarta e quinta décadas, e mimetiza a apendicite aguda, diverticulite, mesenterite, e infarto omental com dor de início agudo no QID ou QIE, ocorrendo frequen temente após a refeição ou exercício, em indivíduo previamente saudável. Os fatores de risco incluem obesidade, hérnia e inatividade física. Febre e sinto

mas obstrutivos são incomuns. A contagem de glóbu los brancos é normal. O diagnóstico pré-operatório é raro, mesmo com a disponibilidade de tecnologias sensíveis como a ultrassonografia e a TC. Quando presentes, os achados da TC mostram lesões ovais de - 2–4 cm com densidade de gordura, inflamação circundante e atenuação central. Ao contrário da diverticulite, a espessura da parede e o diâmetro do cólon são normais. É importante fazer o diagnóstico, a fim de evitar cirurgias desnecessárias. O prognós tico é considerado benigno, embora um estudo tenha relatado uma taxa de recorrência de 40%. A cirurgia, quando realizada por sintomas recorrentes, consiste na ressecção dos apêndices inflamados. Sand M, Gelos M, Bechara FG, et al. Epiploic appendicitis— clinical characteristics of an uncommon surgical diagnosis. BMC Surg. 2007;7:11. [PMID: 17603914]


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