Orientações pastorais sobre a misericórdia e o sacramento da reconciliação

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Orientações Pastorais sobre

A Misericórdia e o Sacramento da Reconciliação Aos presbíteros, religiosos, religiosas, seminaristas, às lideranças de nossas comunidades e a todos cristãos católicos de nossa Diocese. 1. Neste Ano do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco nos convida a experimentarmos a misericórdia divina e a nos educarmos para um “estilo de vida” misericordioso. Na Bula de proclamação do Jubileu, o Papa convidou para que “a Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus.” (MisericordiӕVultus, 17). Partimos de uma verdade, tantas vezes repetida pelo nosso Papa, que “o nome de Deus é misericórdia”, revelado de maneira gradativa na Sagrada Escritura e culminando na vida, nas palavras e atitudes do Filho, que é o “rosto da misericórdia do Pai” (MV 1). Por isso,“a primeira tarefa da Igreja consiste em anunciar a mensagem da misericórdia”. (W. KASPER, A misericórdia: condição fundamental do Evangelho e chave da vida cristã, 2015, p.196). Na Oração Eucarística Sobre a Reconciliação, rezamos: “Vós, Deus de ternura e de bondade, nunca vos cansais de perdoar. Ofereceis vosso perdão a todos, convidando os pecadores a entregar-se confiantes à vossa misericórdia”. 2. Desejamos, com estas Orientações Pastorais, dirigidas a toda a Diocese de Cruz Alta, sublinhar o valor e a beleza do sacramento da Reconciliação, como lugar privilegiado da manifestação gratuita da misericórdia de Deus, que nos move a sermos “misericordiosos como o Pai” (Lc 6,36). Acolhemos a orientação do Papa para que “os pastores, especialmente durante o tempo forte da Quaresma, sejam solícitos em convidar os fiéis a aproximar-se 'do trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e encontrar graça' (Hb 4,16)”. (MV, 18). Desafios pastorais diante do Sacramento da Reconciliação Desafios pastorais diante do Sacramento da Reconciliação

3. O Sacramento da Reconciliação nem sempre é vivido pelos nossos católicos como a alegre notícia do perdão de Deus que, por causa de sua misericórdia, regenera a graça batismal. Para sermos autênticos discípulos missionários de Jesus Cristo, conscientes de que o pecado habita em nós (cf. Rm 7,14-20), a Igreja nos convida a um permanente encontro com o Filho, que revela o rosto misericordioso de Deus Pai que, pela ação renovadora do Espírito Santo, nunca se cansa de perdoar, mas reiteradamente, pelo Sacramento da Reconciliação, apaga nossos pecados e nos dá a oportunidade de um novo começo. 4. A prática eclesial deste sacramento passou por muitas mudanças. De certo rigorismo, da confissão semanal para poder comungar, passou-se a dar maior acento noutros âmbitos da vida cristã, certamente também importantes. Este sacramento passou a ser entendido, com frequência, como uma obrigação ao invés de ser um “presente


pascal e uma libertação.” (W. KASPER, 2015, p. 201). Além disso, há quem pense que este é um meio de controle que a Igreja tem sobre os cristãos, sobre suas consciências. Há, ainda, os que tiveram experiências negativas com este sacramento, mais ligadas ao medo do que à graça de Deus ou por alguma palavra excessivamente dura ouvida do confessor. Mas, certamente, a grande causa é o esfriamento da fé, que leva a considerar como desnecessária esta prática sacramental. Somam-se, ainda, confissões mal feitas, com superficialidade ou que acentuam demasiadamente os pecados contra o sexto mandamento em detrimento de outros igualmente danosos para a vida espiritual e pessoal. Assistimos, assim, uma diminuição drástica de penitentes, que está presente até entre as lideranças mais atuantes nas comunidades. Os sacerdotes, por sua vez, envolvidos com paróquias imensas e um escasso número de padres, não conseguem mais dispor do tempo necessário para esta importante missão. Por sua vez, o Documento de Aparecida recorda que os padres “dediquem tempo generosamente ao sacramento da reconciliação.” (DAp 201). 5. Compreendemos que não é fácil para ninguém confessar seus pecados. Exige um grande ato de humildade. Além de que, os pecados costumam se repetir, com frequência, e a pessoa pode até desanimar da “luta espiritual” para crescer e superá-los. O próprio fato, em si, de poder falar de si mesmo a alguém que “escuta com o coração” já é libertador e possui um caráter pedagógico de não permitir que nossa consciência se acostume com o erro e passe a não mais vê-los como pecados. “Mas todo aquele que os confessa e a quem é dito depois absolvo te, não em geral e de forma anônima, mas concreta e pessoalmente, conhece a libertação interior, a paz espiritual e a alegria que este sacramento confere.” (W. KASPER, 2015, p. 201). 6. É claro que a confissão não é o único meio penitencial. Recordamos a oração, a eucaristia, o jejum, as obras de misericórdia e, a maior delas, a caridade. Muito importante, no caminho espiritual, é também a direção espiritual. De muito valor na atualidade tem se mostrado o aconselhamento psicológico, quando realizado com uma antropologia de base cristã. Porém, nenhum substitui o sacramento da Penitência. “Os conselheiros e psicólogos podem ajudar-nos a compreender-nos e a compreender melhor a nossa situação enviesada, assim como endireitar o que está torto, a aceitar-nos a nós mesmos e a aceitar os outros, dando-nos bons conselhos a esse respeito. [...] Mas nenhum psicólogo, nem nenhum conselheiro, pode dizer ‘os teus pecados estão perdoados, vai em paz’” (W. KASPER, 2015, p.204). 7. Soma-se a isto a perda do sentido do pecado, diretamente ligada ao crescente processo de descristianização e secularização da sociedade. A miragem da onipotência humana, fruto do paradigma do antropocentrismo e do progresso tecnológico, denunciado várias vezes pelo Papa Francisco (cf. Laudato Si, cap. III), prometem ao homem a autosalvação. Esta autorreferencialidade humana torna-se critério único para decisões morais, levando ao relativismo. A antropologia cristã, porém, não é ingênua: sabe que no coração humano residem a ambição, o ódio, a violência e o egoísmo. A história humana da liberdade é de uma liberdade que precisa ser libertada. É a fratura entre o querer e o fazer. “Não faço o que eu quero, mas o que odeio” (Rm 7,15). Jesus Cristo, a misericórdia do Pai

8. Jesus, sintetizando em si todo o caminho de proximidade de Deus com seu povo, na Aliança e na fidelidade, iniciado no Antigo Testamento, revela em suas palavras e


ações a misericórdia do Pai. Ao lermos a vida e a missão de Jesus Cristo sob este olhar da misericórdia, vemos que ele a viveu como um “estilo de vida”. Ele moveu-se pela misericórdia. “Ao ver as multidões tem compaixão delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas sem pastor.” (Mt 9,36). É um amor “visceral”, das entranhas, um coração que se volta para os “míseros”, os pequenos e sofredores. Não é uma questão de simpatia, mas de deixar-se tocar por aquilo que as pessoas viviam e necessitavam. “Tudo n´Ele fala de misericórdia. N´Ele, nada há que seja desprovido de compaixão. Em todas as circunstâncias, o que movia Jesus era apenas a misericórdia, com a qual lia no coração dos seus interlocutores e dava resposta às necessidades mais autênticas que tinham.” (MV 8). 9. Em Jericó, o olhar de Jesus a Zaqueu provocou nele a necessidade de uma mudança de vida e a acolhida de Jesus “em sua casa” (cf. Mt 19,5). No encontro com o jovem rico, “Jesus, olhando para ele, o amou” (Mc 10,21). Podemos, também, imaginar o olhar de Jesus a Pedro, na terceira vez que o negou: “O Senhor voltou-se e olhou diretamente para Pedro. [...] Saindo dali, chorou amargamente”. (Lc 22, 61.62). As palavras de Jesus sobre a misericórdia são muitas. Vale recordar as parábolas do Bom Samaritano, que mostra que o fazer-se próximo, ser misericordioso, é o caminho para a vida eterna. O próximo é “aquele que usou de misericórdia para com ele. Então Jesus lhe disse: Vai e faze a mesma coisa” (Lc 10, 36-37). A parábola do Pai Misericordioso (Lc 15,11-31) é, provavelmente, a mais conhecida sobre a misericórdia. E a mais realista de todas é a descrição do Juízo Final (Mt 25, 31-46), em que Jesus se identifica com os pobres: “quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.” (Mt 25,35). Não somente o olhar e as palavra, mas também as atitudes de Jesus eram sempre de misericórdia. Recordo alguns momentos: o perdão à mulher adultera: “Nem eu te condeno; vai e não peques mais” (Jo 8,10); quando fez voltar à vida o filho da viúva de Naim: “Quando o Senhor a viu, sentiu compaixão dela e lhe disse: Pare de chorar”. (Lc 7,13); quando dirigiu-se às mulheres que choravam por ele, na sua paixão, diz: “Filhas de Jerusalém, não chorem por mim” (Lc 23,26). 10. Nosso Deus é o pai da parábola do filho pródigo, que saiu ao encontro do seu filho, que está perto dos pecadores e lhes oferece a sua graça e misericórdia, inclusive quando se julgam estar longe. Os espera para acolhê-los novamente junto a Si e lhes devolve a filiação, sua maior dignidade (cf. Lc 15, 20-24). Age como o bom samaritano, inclinando-se sobre eles quando estão na valeta, semi-mortos e trata suas feridas (cf. Lc 10, 30-35). Como o Bom Pastor, sai para ir em busca dos que se perdem, leva-os nos ombros e reintegra-os, cheio de alegria, na comunidade cristã. (cf. W. KASPER, 2015, p. 198). 11. “A misericórdia apresentada por Cristo na parábola do filho pródigo tem a característica interior do amor, que no Novo Testamento é chamado «ágape». Este amor é capaz de debruçar-se sobre todos os filhos pródigos, sobre qualquer miséria humana e, especialmente, sobre toda miséria moral, sobre o pecado. Quando isto acontece, aquele que é objeto da misericórdia não se sente humilhado, mas como que reencontrado e «revalorizado». O pai manifesta-lhe alegria, antes de mais por ele ter sido «reencontrado» e por ter «voltado à vida». Esta alegria indica um bem que não foi destruído: o filho, embora pródigo, não deixa de ser realmente filho de seu pai. Indica ainda um bem reencontrado: no caso do filho pródigo, o regresso à verdade sobre si próprio.” (JOÃO PAULO II, Dives in Misericordia, 6).


12. Talvez tenha sido deficitária, em nossos católicos, a iniciação cristã, que não conseguiu, com seus métodos, fazer os cristãos compreenderem este rosto de Deus misericordioso. Falta a experiência da gratuidade ao homem marcado pela lógica do mercado e pela justiça fria e cega. E a misericórdia é gratuidade pura. Não há méritos por parte do pecador para poder ser perdoado Notemos que quando Jesus cura os leprosos (Lc 17,12), cura a mulher que há doze anos era atormentada por um fluxo de sangue (Mt 9,20), cura o homem doente que há 38 anos espera a beira da piscina de Betesda (Jo 5, 8), acolhe a mulher adúltera (Jo 8,2) e ressuscita o filho da viúva de Naim (Lc 7, 12) – como em muitos outros relatos das ações de Jesus – Ele o faz com gratuidade e não porque estes haviam feito algo anteriormente que precisasse recompensá-los. Daí a necessidade de anunciarmos a verdadeira imagem de Deus, o Pai misericordioso, que, na contramão da lógica do mercado de consumo, que atinge inclusive instituições religiosas, não age de acordo com a retribuição e a recompensa, mas movido por um amor livre, gratuito e generoso, desprovido de interesses, anterior a qualquer ação humana. A Igreja como sacramento da misericórdia

13. Os discípulos de Jesus Cristo são chamados a reproduzir seu “estilo de vida”, a vivermos a misericórdia. “A Igreja sente, fortemente, a urgência de anunciar a misericórdia de Deus”, nos diz o Papa Francisco. (MV 25). Anunciar e agir de maneira misericordiosa. Enquanto Corpo de Cristo, a Igreja é sacramento da permanente e eficaz presença de Cristo no mundo e, por isso, sacramento da misericórdia. Através da Palavra e do Sacramento, mas também a partir de toda a sua vida, a Igreja tem que tornar presente na história e na vida do cristão o evangelho da misericórdia, que é o próprio Jesus. Mas, ela própria é objeto da misericórdia divina. Como Corpo de Cristo foi salva por Jesus Cristo. Porém, em seu seio acolhe pecadores e, por isso, deve ser purificada, a fim de existir pura e santa (Cf. Ef 5,23-26) e testemunhar ao mundo “a alegria do Evangelho”. (cf. W. KASPER, 2015, p.193-196). 14. Isto significa que a misericórdia marca um modo de viver dos cristãos, seja nas relações familiares, seja nas relações comunitárias ou nas relações sociais. A misericórdia é capaz de acolher, perdoar e corrigir, sem humilhar. Ela é condição para um convívio sadio e para a construção da paz e da fraternidade humana. A Igreja tem a missão de anunciá-la, através daproclamação do Evangelho. Mas, também, de oferecêla, concretamente, através do Sacramento da Reconciliação e de atitudes misericordiosas. O Sacramento da Reconciliação 15. Uma vez que a vida nova da graça recebida no Batismo não suprimiu a fraqueza da natureza humana nem a inclinação ao pecado, Cristo instituiu esse sacramento para a conversão dos batizados que se afastaram dele pelo pecado. Os apóstolos recebem de Jesus a missão de perdoar os pecados e reconciliar. Disse Jesus: “Tudo o que vocês ligarem na terra, será ligado no céu, e tudo o que vocês desligarem na terra será desligado no céu.” (Mt 16,19 e Mt 18,18). E, após a sua ressurreição, ao enviá-los em missão: “Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados.” (Jo 20,23).


16. Este sacramento tem vários nomes, que indicam seus diferentes aspectos. É Sacramento da Conversão, pois pede uma mudança, a busca de um novo rumo, um retorno a Cristo e ao bem. Chama-se Penitência, pois supõe esforço, a luta interior, tantas vezes penosa. É o Sacramento da Confissão, pois o penitente fala de si, expõe ao confessor sua vida e seus pecados, sem temor. É o Sacramento do Perdão, pois Deus, por meio do ministro da Igreja, concede ao penitente “perdão e a paz”. Enfim, é chamado de Sacramento da Reconciliação, pois readmite à comunhão com os irmãos, com a Igreja e com Deus. É fonte de serenidade e paz. 17. “O movimento de volta a Deus, chamado conversão e arrependimento, implica uma dor e uma aversão aos pecados cometidos e o firme propósito de não mais pecar no futuro. A conversão atinge, portanto, o passado e o futuro; nutre-se da esperança na misericórdia divina.” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n.1490). A conversão é um processo contínuo. Significa assumir a causa de Cristo; ver o mundo com os olhos de Cristo; “ter os mesmos sentimentos que havia em Cristo” (Fl 2,5) e superar os hábitos arraigados do pecado. 18. Como fazer uma boa confissão? Transcrevo a resposta do Papa Francisco a esta pergunta: “Que coloque as realidades de sua vida diante de Deus, o que está sentindo, o que está pensando. Que saiba olhar com sinceridade para si mesmo e para o seu pecado. E que se sinta pecador, que se deixe surpreender, ser tocado por Deus. Para que Ele nos preencha com o dom da Sua misericórdia infinita, temos de sentir a nossa necessidade, o nosso vazio, a nossa miséria. Não podemos ser soberbos.” (FRANCISCO, O nome de Deus é misericórdia, 2016, p. 77-78). É muito mais do que apresentar uma lista de transgressões, mas o movimento interior de uma vida que se sente necessitada da misericórdia divina. O sacerdote, ministro do Sacramento da Reconciliação 19. Antes de tudo, como um bom cristão, chamado a ser modelo para os fieis, o presbítero tem necessidade de confessar os seus pecados e fraquezas. Sabe-se pecador e necessitado da graça do perdão. Temos o exemplo de nosso patrono, São João Maria Vianney, totalmente identificado com sua missão sacerdotal, totalmente reconciliado. 20. Neste sentido, o Papa Francisco fala da atitude interior do sacerdote ao atender o penitente: “Que pense nos seus pecados, que escute com ternura, que peça ao Senhor para lhe dar um coração misericordioso como o Seu, que jamais atire a primeira pedra, porque também ele é um pecador necessitado de perdão. E que tente assemelhar-se a Deus na sua misericórdia.” ( FRANCISCO, 2016, p.79). 21.“Ao celebrar o sacramento da Penitência, o sacerdote cumpre o ministério do bom pastor, que busca a ovelha perdida; do bom samaritano, que cura as feridas; do Pai que espera o filho pródigo e o acolhe ao voltar; do justo juiz que não faz acepção de pessoa e cujo julgamento é justo e misericordioso ao mesmo tempo. Em suma, o sacerdote é o sinal e o instrumento do amor misericordioso de Deus para com o pecador. O confessor não é o senhor, mas o servo do perdão de Deus.” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1465-1466).


22. Muitos pensam que podem obter o perdão diretamente de Deus, sem precisar se confessar com um padre. Nosso Papa responde: “Não basta pedir perdão ao Senhor na própria mente e no próprio coração, mas é necessário confessar humildemente e com confiança os próprios pecados ao ministro da Igreja. Na celebração deste Sacramento, o sacerdote não representa somente Deus, mas toda a comunidade, que se reconhece na fragilidade de cada um de seus membros, que escuta comovida o seu arrependimento, que se reconcilia com ele, que o encoraja e o acompanha no caminho de conversão e amadurecimento cristão. Alguém pode dizer: eu me confesso somente com Deus. Sim, você pode dizer a Deus “perdoa-me”, e dizer os teus pecados, mas os nossos pecados são também contra os irmãos, contra a Igreja. Por isto é necessário pedir perdão à Igreja, aos irmãos, na pessoa do sacerdote.” (Audiência Geral, 19/02/14). Não devemos temer a confissão de nossos pecados. É uma grande graça, que cura e liberta! Noutra oportunidade, assim disse nosso Papa: “Confessar-se com um sacerdote é uma forma de colocar minha vida nas mãos e no coração de outra pessoa, que naquele momento age no lugar e em nome de Jesus. [...] É importante que eu vá ao confessionário, que me coloque diante de um sacerdote que personifica Jesus, que me ajoelhe perante a Mãe Igreja, chamada a distribuir a misericórdia de Deus.” (FRANCISCO, 2016, p. 52-53). 23. Faz parte da missão sacerdotal, também, mostrar aos fieis a importância deste Sacramento para buscarmos a santidade e podermos ser instrumentos de reconciliação. “Os sacerdotes devem incentivar os fiéis a receberem o sacramento da Penitência e devem mostrar-se disponíveis a celebrar este sacramento cada vez que os cristãos o pedirem de modo conveniente.” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1464). 24. Vale recordar, ainda, o “segredo de confissão”. “Dada a delicadeza e a grandiosidade desse ministério e o respeito devido às pessoas, todo confessor é obrigado, sem exceção alguma e sob penas muito severas, a guardar o sigilo sacramental, ou seja, o absoluto segredo acerca dos pecados conhecidos na confissão.” (COMPÊNDIO DO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 309). A reconciliação, fruto do perdão 25. A sempre sugestiva parábola de Lucas do pai e seus dois filhos perdidos (Cf. Lc 15, 11-31), nos indica que a reconciliação, em primeiro lugar é a devolução da dignidade filial. A primeira reconciliação é com Deus, presente de sua misericórdia, como está bem exemplificada na atitude paterna da devolução do anel e das vestes, “porque este meu filho estava morto e tornou a viver” (Lc 15,24). Porém, porque o perdão se realiza por meio da Igreja, no ministro que a representa, além de um regresso a Deus, o perdão é um regresso à comunidade eclesial. “Este sacramento nos reconcilia com a Igreja” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n.1469) e exerce sobre todo Povo de Deus seu benefício, fazendo todo corpo eclesial ser melhor. 26. A reconciliação expande suas raízes ainda mais além. “É preciso acrescentar que tal reconciliação com Deus tem como consequência, por assim dizer, outras reconciliações, que vão remediar tantas rupturas, causadas pelo pecado: o penitente perdoado reconcilia-se consigo próprio no íntimo mais profundo do próprio ser, onde recupera a própria verdade interior; reconcilia-se com os irmãos, por ele de alguma maneira agredidos e lesados; reconcilia-se com a Igreja e reconcilia-se com toda a criação” (JOÃO PAULO II, Reconciliatio et Paenitentia, 31).


27. Uma vida reconciliada deve se fazer instrumento de reconciliação. Na medida em que os cristãos forem agradecidos e fiéis a Deus pelo grande dom da reconciliação recebida, tornam-se testemunhas de reconciliação na existência cotidiana, na vida familiar, na comunidade e na sociedade humana. Como nos diz o Concílio, “a penitência quaresmal não deve ser apenas interna e individual, mas também externa e social.” (SC 110). O perdão e a reconciliação são condição para relações humanas e sociais fraternas. É um grande dom de Deus, expresso no sacramento da penitência, mas que nos empenha a todos, como diz Paulo: “Sejam bons e misericordiosos uns com os outros, como também Deus perdoou a vocês em Cristo.” (Ef 4,32). As obras de misericórdia 28. Qual a mística das obras de misericórdia? Neste Ano Jubilar, a Igreja nos convida a termos um estilo de vida misericordioso, como o Pai é misericordioso conosco. Importante sublinhar que as palavras de Jesus, identificando-se com os pequeninos necessitados são a motivação, a mística de todas as obras de misericórdia. Dizia São Cipriano: “o que não presta atenção àquele que sofre, menospreza o Senhor presente nele.” (Das Obras, 23). Para nós, cristãos, a justiça social, o pão que sacia a fome de todos, a acolhida do migrante, o cuidado com o doente, a presença junto aos encarcerados, a luta pela água potável para todos, tudo isto tem a ver com nossa fé. Tem a ver com nossa relação com Jesus Cristo. Não somos movidos por ideais humanitários ou ideologias. Vemos no faminto, que sintetiza em si as necessidades humanas básicas e todas as obras de misericórdia, o próprio Cristo. Isto nos escandalizaria se não víssemos o próprio Jesus, em Jerusalém, na última ceia com os apóstolos, partir e o pão, prometer estar sempre presente no pão eucarístico e fazer-se pão partido, entregue, para a humanidade e dizer: “Tomai todos e comei. Isto é o meu corpo, que será entregue por vós! Façam isto em memória de mim.” (Lc 22, 19). Claro, é a memória que realizamos na celebração eucarística, mas também, a continuidade do Cristo que se faz pão e se parte para saciar a fome. Esta mística, que brota do contínuo e sempre renovado encontro com Cristo, na sua Palavra, na Eucaristia, no grupo e na comunidade, não pode nos deixar encastelados na indiferença! 29. A apresentação das obras de misericórdia tem caráter pedagógico, pois nos educa a sairmos de nós mesmos, de nosso pequeno mundo, para olhar e deixar-se afetar, ter compaixão, pelas realidades de sofrimento humano. Elas nos ajudam a evitarmos espiritualismos, mas termos a concretude apresentada por Jesus na parábola de Mt 25, 31-46; “Quantas vezes fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.” (Mt 25,40). São João da Cruz as compreendeu bem, na clássica citação: “No entardecer desta vida, seremos julgados quando ao amor.” (Ditos de Luz e Amor, 57). As 14 obras de misericórdia devem se alargar conforme os novos rostos de pobreza e sofrimento vão surgindo na sociedade. Assim, o Cardeal W. Kasper, na obra já citada, (p. 178), as classifica como resposta a quatro categorias de pobreza. A primeira é a pobreza física, econômica ou estrutural, naqueles a quem somos chamados a dar de comer, a dar de beber, a vestir ou a dar abrigo. Já a pobreza relacional ou social é, sobretudo, caraterística dos doentes, dos reclusos, dos que sofrem o luto e a solidão. Mas o combate a esta pobreza relacional e social não pode ignorar aqueles a quem devemos o perdão, para poderem recomeçar, ou o nosso próximo, na sua fragilidade, a quem devemos “suportar na caridade”. Em resposta à pobreza cultural, são tão atuais as


obras de misericórdia, tais como “dar bons conselhos”, “ensinar os ignorantes” e “corrigir os que erram”, que correspondem ao direito universal a uma educação integral e à necessidade de orientação espiritual. E não menos urgente é a atenção à pobreza anímica ou espiritual, que se faz sentir naqueles que clamam por consolação na tristeza e por oração como amparo e companhia, na vida e na morte. Também a pobreza espiritual é uma verdadeira pobreza, como disse nosso Papa: “desejo afirmar, com mágoa, que a pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual.” (EG 200). Alguns percursos pastorais a serem trilhados 30. Na formação cristã. a) No processo de iniciação cristã, apresentar o rosto amoroso e misericordioso de Deus, revelado na Sagrada Escritura, sobretudo em Jesus Cristo. Assim se irá superando uma visão de Deus castigador e juiz severo e colocaremos no centro de toda a vida e espiritualidade o amor de Deus e o amor que nos impele a sair de nós mesmos para viver a caridade. b) Recuperar o sentido mistagógico do Sacramento da Reconciliação, auxiliando os fiéis a se encontrarem com Cristo Ressuscitado, o rosto da misericórdia do Pai, através deste Sacramento e nele realizarem uma experiência real e concreta de Deus e do projeto de vida cristão que, no dizer do Documento de Aparecida, não é “uma decisão ética ou uma grande idéia”, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva.” (DAp, n.12) c) Educar para o sentido da penitência, sem rigorismos desnecessários, mas com o realismo das palavras de Jesus que convida os discípulos a tomar a cruz de cada dia. Educar para o sentido da liberdade cristã e a formação da consciência moral, que tem sua fonte primeira na acolhida da Palavra de Deus.Educar, também, para o sentido do pecado, seus diversos níveis de gravidade, e a ter o hábito do olhar, à luz da fé, sobre si mesmo para poder percebê-los. c) Oferecer formação para os cristãos sobre o sentido do Sacramento da Reconciliação. Os pais e catequistas devem falar disto aos seus filhos e educandos. Lembremos que o melhor ensinamento é o exemplo. Nas homilias, quando for oportuno, o padre deve exortar o povo e esclarecer sobre o sentido do Sacramento da Reconciliação, especialmente na Quaresma. d) Educar para a misericórdia e a reconciliação no cotidiano da vida, atualizando as obras de misericórdia corporais e espirituais. Propor aos jovens a participação nas diversas pastorais que vão ao encontro das situações de pobreza e sofrimento humano. 31. Na organização pastoral. a) Os padres, segundo as possibilidades, dispor de mais tempo para ouvir as pessoas, aconselhar e atender confissões. Uma atenção especial deve ser dada naquelas igrejas da Diocese que, neste Ano Jubilar, foram abertas as portas santas, a fim de que o povo possa obter as graças oferecidas pela Igreja neste Jubileu. Divulgar estes horários ao povo. Sabemos que nossos padres estão sobrecarregados, vários com duas paróquias ou com funções diocesanas além da paróquia. Porém, este serviço, que nosso povo tem


direito de ter do padre, só ele pode oferecer, é da missão específica do seu sacerdócio e meio inestimável de evangelização. b) É muito louvável o costume, na nossa Diocese, dos padres das regiões pastorais atenderem juntos as confissões nas paróquias, antes do Natal e da Páscoa. Incentivamos que isto seja continuado. Sugerimos que nas paróquias, possam ser oferecidos ao povo outros momentos para a confissão, além do Advento e Quaresma. Ficar atentos, também, se todas as comunidades participam destes momentos fortes de confissões, sobretudo pelas distâncias, e adequar-se à sua realidade. c) Em todos os retiros, seja das pastorais ou movimentos, seja oferecida a possibilidade de confessar-se. d) Continuar e firmar a prática da Diocese de realizar a celebração penitencial comunitária, de maneira orante, e a confissão e absolvição individuais. Esta é a maneira mais adequada, que conjuga a dimensão comunitária e pessoal do sacramento. Em nossa Diocese não se justifica o recurso à absolvição comunitária e não deve ser realizada. Cuidar, também, para não inventar outros ritos na celebração do sacramento, que não são aprovados pela Igreja. e) Nos tríduos e novenas das festas das comunidades, paróquias e na Romaria de Nossa Senhora de Fátima, motivar os fieis para buscar a reconciliação e organizar-se para ouvir as confissões dos penitentes. É preciso organizar melhor a presença e atuação dos padres para o atendimento de confissões no dia da Romaria diocesana. ***** Desejo que estes humildes pensamentos cheguem ao conhecimento de todos os diocesanos e produzam os efeitos desejados. Estas reflexões servem para iniciar estudos e debates sobre o tema, e devem ser enriquecidas pela participação de todos. Concluo invocando a intercessão da Virgem Maria, Nossa Senhora de Fátima, que nas suas aparições pediu para que se rezasse pela reconciliação da humanidade e se buscasse o Sacramento da Reconciliação. Mãe da Misericórdia, rogai por nós! Apresento a sugestiva oração de Madre Teresa de Calcutá, modelo de misericórdia e reconciliação, que será canonizada durante do Ano Santo da Misericórdia. Senhor, quando eu tiver fome, dai-me alguém que precise de comida! Quando tiver sede, dai-me alguém que precise de água. Quando sentir frio, dai-me alguém que precise de ser aquecido. Quando estiver ferido, dai-me alguém a consolar. Quando a minha cruz se tornar pesada, dai-me a cruz do outro a partilhar. Quando me achar pobre,


Conduzi-me a alguém necessitado. Quando não tiver tempo, dai-me alguém que possa ajudar por um instante. Quando sofrer uma humilhação, dai-me ocasião para elogiar alguém. Quando estiver desencorajada, dai-me alguém para lhe dar novo ânimo. Quando sentir necessidade da compreensão dos outros, dai-me alguém que precise da minha. Quando sentir necessidade de que cuidem de mim, dai-me alguém que eu tenha de atender. Quando pensar em mim mesma, voltai minha atenção para outra pessoa! Tornai-nos dignos, Senhor, de servir os nossos irmãos que vivem e morrem pobres e com fome, no mundo de hoje. Dai-lhes, através de nossas mãos, o pão de cada dia, e dai-lhes, graças ao nosso amor compassivo, a paz e a alegria. Cruz Alta, 20 de fevereiro de 2016.

Dom Adelar Baruffi Bispo Diocesano de Cruz Alta


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