A relação de deus com suas criaturas

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A RELAÇÃO DE DEUS COM SUAS CRIATURAS

A PROVIDÊNCIA DIVINA Quando entendemos que Deus é o Criador todo-poderoso, parece sensato concluir que ele também preserva e governa tudo no universo. Embora o termo providência não se encontre nas Escrituras, tem sido tradicionalmente usado para resumir a contínua relação de Deus com a sua criação. Quando aceitamos a doutrina bíblica da providência, evitamos quatro erros comuns na concepção do relacionamento de Deus com a criação: 1° O deísmo (que ensina que Deus criou o mundo e depois abandonou-o); 2° O panteísmo (que prega que a criação não tem uma existência real e distinta em si mesma, mas meramente faz parte de Deus); 3° A casualidade (afirma que os acontecimentos da criação são determinados pelo acaso); 4° O determinismo (diz que os acontecimentos da criação são determinados por um destino impessoal). Podemos definir assim a providência divina: Deus está continuamente envolvido com todas as coisas criadas de forma tal que (1) as preserva como elementos existentes, que conservam as propriedades com que ele as criou; (2) coopera com as coisas criadas em cada ato, dirigindo as suas propriedades características a fim de fazê-las agir como agem; e (3) as orienta no cumprimento dos seus propósitos. Há três elementos da providência divina; preservação, cooperação e governo. I. PRESERVAÇÃO Deus preserva todas as coisas criadas como elementos existentes, que conservam as propriedades com que ele os criou. Hebreus 1.3 nos diz que Cristo está “sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder”. A palavra grega traduzida como “sustentando” é pherō, “carregar, suportar”. É usada comumente no NT com o sentido de carregar algo de um lugar para outro, como nos seguintes exemplos: Lucas 5.18 (levar um paralítico num leito até Jesus), João 2.8 (levar vinho ao encarregado do banquete) e 2Timóteo 4.13 (levar uma capa e livros para Paulo). Não significa simplesmente “sustentar”, mas encerra a ideia de controle ativo e deliberado da coisa que se carrega de um lugar a outro. Do mesmo modo, em Colossenses 1.17, Paulo diz de Cristo que “nele, tudo subsiste”. O termo “tudo” se refere a cada coisa criada do universo (v.16), e o versículo afirma que Cristo mantém a existência de todas as coisas – nele, elas continuam a existir. Os dois versículos indicam que se Cristo interrompesse a sua contínua atividade de sustentação de todas as coisas do universo, tudo instantaneamente deixaria de existir. Isso também é ensinado por Paulo, quando diz que “nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17.28) e por Esdras: “Só tu és SENHOR, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto há neles; e tu os preservas a todos com vida, e o exército dos céus te adora” (Ne 9.6). Pedro também diz que “os céus que agora existem e a terra” estão “reservados para o Dia do Juízo” (2Pe 3.7). Um aspecto da providencial preservação divina é o fato de ele continuamente nos dar a respiração, a cada momento. Assim diz o salmista: “Se ele pusesse o seu coração contra o homem, e recolhesse para si o seu espírito e o seu fôlego, toda a carne juntamente expiraria, e o homem voltaria ao pó.” (Jó 34.14,15; cf. Sl 104.29). II. COOPERAÇÃO Deus coopera com as coisas criadas em cada ato, dirigindo a s suas propriedades características a fim de fazêlas agirem como agem. Esse segundo aspecto da providência, a cooperação, é uma ampliação da ideia contida no primeiro aspecto, a preservação. Em Efésios 1.11, Paulo diz que Deus “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”. A palavra traduzida por “faz”, no grego energeō, indica que Deus “elabora” ou “realiza” todas as coisas segundo a sua própria vontade. Evento nenhum da criação escapa à sua providência. Logicamente esse fato fica oculto aos nossos olhos a menos que o leiamos nas Escrituras. A exemplo da preservação, a obra divina da cooperação não é claramente patente apenas pela observação do mundo natural que nos cerca. Eis algumas provas bíblicas da cooperação: 1. A criação inanimada. Há muitas coisas na criação que concebemos ocorrências meramente “naturais”. Contudo, as Escrituras afirmam que Deus as faz acontecer. Lemos que “fogo e saraiva, neve e vapor e ventos procelosos [...] lhe executam a palavra” (Sl 148.8). Leia mais em (Jó 37.6-13; 38.22-30). Ainda, o salmista declara que o Senhor fez tudo quanto lhe aprouve (Sl 135.6,7; 104.4). Deus também faz a relva crescer para os animais e a verdura para o sustento do homem (Sl 104.14). Ele dirige de contínuo o surgimento da manhã (Jó 38.12), fato que


Jesus afirmou ao dizer que Deus “faz nascer o seu sol sobre os maus e bons e vir chuvas sobre os justos e injustos” (Mt 5.45). 2. Os animais. As Escrituras afirmam que Deus alimenta os animais selvagens do campo, pois “todos esperam de ti que lhes dê de comer a seu tempo. Se lhes dás, eles o recolhem; se lhes abres a mão, eles se fartam de bens. Se ocultas o rosto, eles se perturbam” (Sl 104.27-29; cf. Jó 38.39-41). Jesus também afirmou isso ao dizer: “Observai as aves do céu [...] vosso Pai celeste as sustenta” (Mt 6.26). E ele disse que nenhum pardal “cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai” (Mt 10.29). 3. As questões nacionais. As Escrituras também falam do controle providencial divino das questões humanas. Lemos que Deus “multiplica as nações e as faz perecer; dispersa-as e de novo as congrega” (Jó 12.23). “Pois do SENHOR é o reino, é ele quem governa as nações” (Sl 22.28). Ele já determinou o tempo de existência e o lugar de cada nação na terra, pois Paulo diz: “[Deus] de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites de sua habitação” (At 17.26; cf. 14.16). E quando Nabucodonosor se arrependeu, aprendeu a louvar a Deus (Dn 4.34,35). 4. Todos os aspectos da nossa vida. É surpreendente ver até que ponto as Escrituras atribuem a Deus os vários eventos da nossa vida. Por exemplo, nossa dependência de Deus para o alimento de cada dia é afirmada cada vez que oramos “O pão de cada dia dá-nos hoje” (Mt 6.11). Do mesmo modo, Paulo, mirando as coisas com os olhos da fé, afirma em (Fp 4.19). Deus planeja os nossos dias antes mesmos que nasçamos (Sl 139.16). E Jó diz que os nossos dias estão contados (Jó 14.5). Isso se pode ver na vida de Paulo, que diz que Deus “me separou antes de eu nascer” (Gl 1.15), e de Jeremias (Jr 1.5). Todas as nossas ações dependem do cuidado providencial de Deus, pois “nele vivemos, e nos movemos” (At 17.28). Cada passo que damos diariamente é dirigido pelo Senhor (Jr 10.23; Pv 20.24; 16.9). Os planos do homem são determinados pelo Senhor (Pv 16.1). O sucesso e o fracasso provêm de Deus, pois lemos que ele a um abate e a outro exalta (Sl 75.6,7). Ele derruba os poderosos e exalta os humildes (Lc 1.52). Todos os nossos talentos e capacidades provêm do Senhor, pois Paulo diz aos coríntios que os seus dons vinham dele (1Co 4.7). Davi sabia que sua destreza militar era dádiva de Deus (Sl 18.34). Deus influencia os governantes nas suas decisões (Pv 21.1). Exemplo disso foi quando o Senhor mudou “o coração do rei da Assíria” a favor do seu povo (Ed 6.22), ou quando “despertou o SENHOR o espírito de Ciro, rei da Pérsia” (Ed 1.1) para ajudar o seu povo. Mas não é só o coração do rei que Deus influencia, pois “ele observa todos os moradores da terra” e “forma o coração de todos eles” (Sl 133.14,15). Deus orienta especialmente os desejos e as inclinações dos crentes, efetuando em nós “tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13). 5. E o mal? Se Deus de fato causa, mediante a sua ação providencial, tudo o que vem acontecer no mundo, então surge a pergunta: Qual a relação entre Deus e o mal que existe no mundo? Será que Deus realmente causa os atos maus das pessoas? Se o faz, então não seria Deus responsável pelo pecado? Para tratar dessa questão, melhor é primeiro ler as passagens bíblicas que mais diretamente a abordam. Podemos começar pela análise de várias passagens que afirmam que Deus, de fato, provocou acontecimentos maus e fez que se cometessem atos maus. Mas é importante lembrar que em todas essas passagens fica bem claro que as Escrituras, em momento nenhum, retratam Deus fazendo diretamente algo mau; retratam, sim, Deus causando atos maus por meio das ações voluntárias das criaturas morais. Além disso, as Escrituras jamais culpam a Deus pelo mal, nem dão a entender que Deus encontra prazer no mal, tampouco desculpam aos homens o mal que cometem. Seja como for que compreendamos a relação de Deus com o mal, jamais devemos chegar ao ponto de não nos julgar responsáveis pelo mal que fazemos, ou de pensar que Deus encontra prazer no mal, ou é culpado dele. Tal conclusão contraria nitidamente as Escrituras. Eis alguns textos para análise: O endurecimento do coração de faraó (Ex 4.21; 7.3; cf. Rm 9.17); Quando os cananeus foram destruídos na conquista da Palestina sob o comando de Josué (Js 11.20). A obstinação de Sansão em casar-se com uma filisteia descrente (Jz 14.4). Os filhos de Eli quando repreendido pelas suas iniquidades (1Sm 2.25). Quando Saul era atormentado por um espírito maligno (1Sm 16.14). Quando Davi pecou com Bate-Seba (2Sm 12.11,12). O pecado de Davi em fazer o censo do povo (2Sm 24.1,10; 1Cr 21.1). O espírito mentiroso na boca dos profetas de Acabe (1Rs 22.23). Em muitas passagens mencionadas acima, Deus traz o mal e a destruição ao povo em castigo pelos seus pecados: foram desobedientes ou desencaminharam-se para a idolatria, e assim o Senhor lança mão de homens maus


ou forças demoníacas ou ainda catástrofes “naturais” para castigá-los. Talvez essa ideia de castigo do pecado possa nos ajudar a compreender, pelo menos em parte, como Deus pode, com justiça, provocar acontecimentos danosos. Por intermédio do profeta Isaías, diz Deus: “Eu formo a luz e crio as trevas; faço paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas as coisas” (Is 45.7). [...] Em Lamentações de Jeremias 3.38 lemos: “Acaso não procede do Altíssimo tanto o mal como o bem?”. O povo de Israel, numa hora de sentido arrependimento, clama a Deus e diz: “Ó SENHOR, por que nos fazes desviar dos teus caminhos? Por que endureces o nosso coração, para que te não temamos?” (Is 63.17). O ato que representa o auge do mal em toda a história, a crucificação de Cristo, foi ordenado por Deus – não só que o fato ocorreria, mas também os atos de indivíduos associados a ele. A igreja de Jerusalém reconheceu isso, pois orou: “... porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram” (At 4.27,28). Todas as ações de todos os participantes da crucificação de Jesus fora “predeterminadas” por Deus. No entanto os apóstolos nitidamente não atribuem a Deus nenhuma culpa moral, pois as ações resultaram de decisões voluntárias de pecadores. Pedro deixa isso claro no seu sermão no Pentecostes: “... sendo este [Jesus] entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mão de iníquos” (At 2.23). Num só período ele liga o desígnio e a presciência de Deus à culpa moral atribuída aos atos dos “iníquos”. Eles não foram obrigados por Deus a agir contra a sua vontade; antes, Deus realizou o seu plano por intermédio das suas decisões voluntárias, pelas quais eram assim mesmo responsáveis. Portanto, sobre aqueles que se recusam a obedecerem ao Senhor, lemos: “É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação do erro, para darem crédito à mentira, a fim de serem julgados todos quantos não derem crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça” (2Ts 2.11,12). De faraó, que resistiu a Deus, diz: “... Para isso mesmo te levantei, para em ti mostrar o meu poder e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra” (Rm 9.17). E Pedro diz aos seus leitores que aqueles que se opõem a eles e os perseguem, que rejeitam a Cristo como Messias, “tropeçam na palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos” (1Pe 2.8). 6. Somos “livres”? Temos “livre-arbítrio”? Se Deus exerce controle providencial sobre todos os eventos, será que em algum sentido somos livres? [...] As Escrituras em lugar nenhum dizem que somos “livres” no sentido de estar além do controle de Deus ou de ser capazes de tomar decisões não provocadas por algo. Tampouco dizem que somos “livres” no sentido de ser capazes de agir retamente por conta própria, sem auxílio do poder divino. No entanto somos livres no mais sublime sentido em que qualquer criatura de Deus pode ser livre – fazemos escolhas voluntárias, escolhas que provocam resultados reais. Precisamos insistir na ideia de que temos a capacidade da escolha voluntária; se não caímos no erro do fatalismo ou do determinismo, concluindo assim que nossas decisões não tem relevância, ou que não podemos na verdade fazer escolhas voluntárias. Por outro lado, o tipo de liberdade exigida por aqueles que negam o controle divino providencial de todas as coisas, liberdade alheia à atividade sustentadora e controladora de Deus, é impossível se Jesus Cristo de fato está “continuamente carregando consigo as coisas pela sua palavra de poder” (Hb 1.3, tradução do autor). Se isso é verdade, então estar além desse controle providencial seria simplesmente não existir! Uma “liberdade” absoluta, totalmente livre do controle de Deus, é simplesmente impossível num mundo providencialmente sustentado e dirigido pelo próprio Deus. III. GOVERNO Esse terceiro aspecto da providência divina sugere que Deus tem um propósito em tudo o que faz no mundo, e providencialmente governa ou dirige todas as coisas a fim de que cumpram esses propósitos divinos. Lemos em Salmos: “O seu reino domina sobre tudo” (Sl 103.19). Além disso, “segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35). Paulo afirma que “dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas” (Rm 11.36) e que “[Deus] todas as coisas sujeitou de baixo dos pés” (1Co 15.27). Deus é aquele “que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11), para que no final “ao nome de Jesus” todo joelho se dobre “nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus” (Fp 2.10,11). Como Paulo sabe que Deus é soberano sobre tudo e incute os seus desígnios em tudo o que acontece, pode declarar que “Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Rm 8.28 NVI). Bibliografia  GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática Atual e Exaustiva. São Paulo. Vida Nova, 1999.


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