Itanhaém: memória e desenho da cidade

Page 1



Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Itanhaém: memória e desenho da cidade Trabalho Final de Graduação

Diogo Cavallari Bella Orientador: Luís Antônio Jorge 2012



Agradecimentos

Ao Luís Antônio Jorge pela atenciosa orientação. Ao co-orientador Fábio Mariz pelas preciosas discussões. Aos professores Alexandre Delijaicov e Karina Leitão. Ao Marcelo Ferraz pela presença na banca. Aos colegas do H+F e aos amigos Flávia Cavalcanti, Isadora Almeida, Mariah Peruzzo, Luís Tavares, Paulo Catto e Victor Berbel, sem os quais este trabalho não seria o mesmo. Aos meus pais pelo apoio incondicional.



Índice

Apresentação

09 12

1

24

2

3

4

118

Problemáticas da Região Metropolitana da Baixada Santista

Objetivos e propostas do trabalho A construção da memória da pesca

42 46

A metrópole

Os municípios A atividade pesqueira A ferrovia

31 34 35 38

A pesca A pesca e a construção de culturas Desenvolvimento da pesca artesanal no Brasil

25 26 30

O caiçara O caiçara de Itanhaém Transformações O caiçara hoje

14 18 23

5

Projeto Bibliografia



Apresentação

Falar em memória pode, por vezes, trazer a noção equívoca de um produto acabado, uma instância voltada para o passado, no entanto, segundo o professor Ulpiano Bezerra de Meneses é importante associar a memória à ideia de processo, imaginando-a como relação dinâmica entre passado e presente. A memória é o meio de transmissão da cultura entre as gerações e, portanto, é resultado do trabalho do homem na criação de seus sistemas simbólicos e do ambiente em que vive, os quais está continuamente transformando. Nesse processo, são atribuídos valores, sentidos e funções às construções humanas e, desse modo, objetos, artefatos, modos de fazer e diversas formas de expressão da cultura são transformados em bens, ou seja, patrimônio. É condição necessária do patrimônio que ele seja preservado, para que tenhamos pontos de contato do presente com o passado, necessários à construção de novas memórias e identidades. Porém, a questão da preservação é mais complexa, pois é necessário determinar o que será levado adiante. Isso porque “os bens não são simplesmente legados de uma geração para outra (...), eles chegam às gerações sucessivas como herança(...), mas sua persistência no tempo resulta de ações e interpretações que partem do presente em direção ao passado”.1 A preservação deve, então, ser pensada como trabalho transformador e seletivo de lembrança e esquecimento. Preservar a memória pressupõe um processo de construção do presente, feito não pelo memorialista, mas pelo indivíduo capaz de agir. Daí o papel do museu: registrar uma memória para que esta sirva como informação para ARANTES, Antonio Augusto (org.). Produzindo o passado : estratégias de construção do patrimônio cultural. São Paulo : Brasiliense, 1984. p.08.

uma ação futura. Informar para agir, essa é a função da memória. A arquitetura, então, como forma de ação, se vale da memória como algo que pode ser estimulado para uma criação futura e, nesse caso, o que foi herdado pode se tornar fator indispensável e muito significativo para a mudança, para o projeto, para a construção da cidade.

O presente trabalho foi desenvolvido em Itanhaém, município do litoral sul de São Paulo, cidade em que eu vivia antes de iniciar o curso de Arquitetura. A cidade abriga em seu centro histórico um dos únicos vestígios da passagem do colonizador português na região, registro de uma época em que se processava intenso confronto cultural entre o europeu e o índio. Desse processo, originou-se a população caiçara, cuja cultura tem grande importância para este trabalho. Em especial a pesca, tradição que persistiu através dos séculos e que detém saberes específicos em diversas frentes: na construção de barcos, na captura, no preparo do peixe. Entende-se aqui a tradição também como processo, levado a cabo por homens, que são por natureza “seres incompletos, inacabados, projeto em construção”.2 Comecemos pelo homem.

1

2

Ibid. p.63.

Apresentação

09


Pesca de arrasto com bois Praia Grande



1 12

O caiçara Itanhaém: memória e desenho da cidade


Praieiros Caboclo Ribeirinho Amazônico Estrativista Babaçueiro Sertanejo Vaqueiro Jangadeiros Caipiras e Sitiantes Pescadores Artesanais Caiçaras Açorianos Ribeirinho não-amazônico Pantaneiros Campeiros Quilombolas

A pesca está na base da formação de inúmeras culturas litorâneas regionais nas quais emergiram, ao longo do processo de colonização portuguesa, modos de vida específicos, bem diferentes dos grupos continentais. Nesse período foram geradas culturas como a do jangadeiro, do Ceará ao sul da Bahia; do açoriano, no litoral de Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e a do caiçara no litoral de Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Estes povos são originários das primeiras miscigenações genéticas e culturais do colonizador português com o indígena do litoral, a qual formou uma população de mamelucos que rapidamente se multiplicou moldada, principalmente, pelo patrimônio milenar de adaptação à floresta tropical dos Tupi-Guarani.1 É dessa mistura que surge o caiçara, como uma expressão regional do caipira do interior. O caiçara, assim como os outros povos brasileiros, é formado da simbiose de conhecimentos indígenas e lusitanos. Lavrador e pescador, esse povo herdou do índio técnicas agrícolas, de manejo da terra e da mata, e do português conhecimentos técnicos relacionados à pesca, carpintaria, marcenaria. Materiais da mata covivem com taipa e adobe na construção de habitações. A pesca caiçara continuou a usar a técnica indígena do cerco de pesca na curva do rio, e também as ubás - canoas de um pau só - , mas se diversificou com a apropriação de novos modos de construir barcos, do conhecimento de como enfrentar as marés e correntezas, de que tipo de rede jogar, reinventando a atividade pelo uso dos materiais nativos: a fibra de tucum [1] Mapa de populações tradicionais não-indígenas

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

1

1. O caiçara

13


para as linhadas e redes, a taboa para as esteiras, o covo para os camarões. Quanto às manifestações religiosas, estas mantiveramse mais próximas à cultura portuguesa, como a festa do divino, tradição que permanece forte ainda hoje, enquanto que as receitas culinárias e medicinais e a feitura dos utensílios domésticos guardam mais traços de herança indígena. O importante a ressaltar aqui é que esse processo de deglutição de referências contrastantes não foi exclusividade do caiçara, mas sim a regra que regeu a formação dos mamelucos em todas as regiões do Brasil. Darcy Ribeiro fala destes mestiços nascidos nas primeiras décadas da colonização, como os primeiros brasileiros conscientes de si. Uma vez impossibilitados de se identificarem como índios ou como europeus, apropriaram-se de culturas opostas e construíram uma entidade-cultural nova num permanente esforço de elaboração de sua própria imagem. Foi sobre essa célula inicial - da qual o caiçara faz parte - que recaiu a tarefa de fazer o Brasil, dando início ao “diversificado, longo e dramático processo de assunção de sua própria identidade pelos brasileiros.”2 O caiçara de Itanhaém Benedito Calixto, pelos meados do século XIX, assim descreve a formação da população caiçara de Itanhaém: apenas “três ou quatro famílias de estrangeiros portugueses, ou descendentes destes, constituíam o único Ibid., p. 117.

2

14

Itanhaém: memória e desenho da cidade

[2] Coleta de moluscos Itanhaém,1950


[3] Família caiçara Itanhaém,1950

elemento estranho no meio dessa população aborígene, que se estende de um a outro extremo da praia de Peruíbe. Alguns desses brancos possuíam escravos, na mor parte mulatos e caboclos, porém onde o elemento africano foi sempre escasso. Esses senhores e cativos foram, pouco a pouco assimilando-se à população e extinguindo-se afinal; ou por outra, misturando-se com a raça indígena, formou essa mescla de mestiços que hoje vemos, mas onde predomina ainda o tipo indígena.”3 Essa composição manteve-se basicamente a mesma até as primeiras décadas do século XX, tendo o caiçara até essa época pouco se diferenciado dos seus antepassados, mantendo-se tal qual fora há 100 ou 200 anos.4 A primitividade que se via na diminuta população da região deixava ver a inferioridade econômica de Itanhaém em relação às outras cidades do litoral de São Paulo, como Cananeia, Iguape ou São Sebastião. Isso porque Itanhaém nunca teve uma grande riqueza no passado, e mesmo quando foi cabeça de capitania, de 1624 a 1763, exercia um poder meramente teórico, pois esse período coincidiu justamente com a corrida para a exploração do ouro das Gerais, o que atraiu grande parte de sua já reduzida população. Provendo de técnica primitiva, o caiçara de Itanhaém dispôs de reduzidos meios para superar as dificuldades naturais. A configuração da costa - retilínea, sem portos naturais – afastou a maior parte do povo da navegação e direcionou-os ao cultivo das amplas planícies da baixada Apud. SIMÃO, A. & GOLDMAN, F. Itanhaém. Estudo sobre o desenvolvimento econômico e social de uma comunidade litorânea. São Paulo: FFCLUSP, Boletim n. 226, Sociologia II, n. 1, 1958. 4 ARAÚJO FILHO, J. R. Baixada do rio Itanhaém. São Paulo: FFLCH, 1950. 3

1. O caiçara

15


do rio Itanhaém, fazendo do habitante local mais lavrador que pescador. A pesca era, então, praticada como complemento à agricultura de subsistência, por uma minoria. Enquanto a pesca de rio - feita com linha e armadilhas de pau de taquara - era acessível a todos, a grande pesca era praticada apenas pelos moradores mais próximos da orla, exigindo conhecimentos do alto mar e dos locais a serem evitados, habilidade no lançamento e na puxada de redes e no reconhecimento da aproximação dos cardumes. Além disso, a pesca marítima exigia numerosos braços, o que tornava propício o trabalho feito em parceria. Cabia ao dono da rede a convocação de gente para o lançamento da rede no cerco ao cardume, para o arrasto e também para a aparação dos peixes que saltavam da rede quando esta tocava a areia. Os peixes colhidos na aparação ficavam para o aparador, um terço do pescado cabia ao dono da rede e o restante era dividido igualmente entre os pescadores. Nessa atividade,

16

Itanhaém: memória e desenho da cidade

apesar de haver um líder não havia subordinação social, todos os indivíduos participavam em sua plena qualidade de cooperadores numa atividade de ajuda mútua. É interessante apontar que as principais atividades caiçaras – a lavoura e a pesca – aconteciam por meio de formas coletivas de trabalho, ancoradas numa estrutura social de vizinhança e na organização autônoma do trabalho. Assim, dentro do regime de subsistência, não se criavam diferenciações sociais, mas áreas de vizinhança, de acordo com o esquema fundamental da sociabilidade caipira. Outro grupo dessa sociedade era constituído pelos residentes da Vila, diferenciados dos demais pela predominância de formas individuais de trabalho. Ocupavam-se na lavoura parcialmente mercantil, no comércio, artesanato, e nos serviços assalariados, e eram distintos ainda “pelo tipo de habitação, equipamento doméstico, disposição de vestuário e dieta alimentar”. Constituindo “um grupo que possuía – consideradas as variações circunstanciais de quantidade e qualidade – tipos

[4] Extensão de praia retilínea


[5] Pesca de arrasto Praia Grande

1. O caiรงara

17


de móveis, louças, vasilhas de metal e talheres então usuais nos centros urbanos, além de utensílios confeccionados na região”5, demonstrando tratar-se de um grupo situado numa área de confluência da cultura rural e da incipiente cultura urbana da época. No inicio do século XX, a emergência de relações capitalistas de trabalho na vila passou a influenciar também os bairros caiçaras. Desse modo, dentro do grupo anteriormente ligado exclusivamente às tarefas coletivas surgiram aqueles que também se assalariavam como camaradas de caçadores, na agricultura, no comércio, na indústria extrativa ou nos transportes, dando início a um incipiente mercado de trabalho. Como consequência a organização do trabalho deixou de ser autônoma, passando a ser determinada por agentes econômicos hierarquicamente superiores. Tinha início o processo que alterará profundamente as relações sociais da sociedade caiçara. Transformações De Itanhaém para Santos, partia-se de manhã; almoçava-se a meio caminho; pousava-se antes do canal, sem ponte, que era atravessado em canoa, na manha seguinte. Ou, então, fazia-se a viagem à noite, transpondo o canal pela manhã. Com o trem, o tempo encurtou a distância. Os itanhaenses podiam alcançar Santos em menos de duas horas. Então começou a acabar a antiga sociedade de Itanhaém.6

5 6

SIMÃO, A. & GOLDMAN, F. Op. cit., p. 41. Ibid., p. 55.

18

Itanhaém: memória e desenho da cidade


[7] Ferrovia margeando o morro do convento Itanhaém

[6] A Vila Itanhaém, 1950

A partir da década de 1920, observaram-se significativas transformações na antiga sociedade caiçara da região devido ao declínio do mundo pré-industrial que se articulara até então, quando da formação e desenvolvimento daquelas comunidades. A ferrovia Santos-Juquiá chega em 1915, construída pela companhia inglesa “Southern São Paulo Railway”, facilitando a locomoção e propiciando movimentos de chegada e evasão que alteraram profundamente o modo de vida regido por condutas relacionadas ao parentesco e à convivência. Enquanto o movimento de evasão era liderado pelos moços da vila, o de chegada constituía-se por trabalhadores brasileiros e estrangeiros - principalmente portugueses e espanhóis - atraídos pela perspectiva de novo mercado de bens de serviços e pelas terras de lavoura disponíveis. Como informam Aziz Simão e Frank Goldman7, entre 1915 e 1920 o contingente de forasteiros já era maior que o de retirantes, sendo assim o balanço favorável ao aumento demográfico. Somado a esse processo, o movimento turístico veio criando, desde 1920 um mercado imobiliário crescente, que se alargou muito durante a guerra e anos seguintes. À medida que as terras próximas à praia se valorizavam, os antigos moradores vendiam suas propriedades e mudavamse, em geral, para São Vicente, Santos e São Paulo, num processo de substituição acompanhado pela intensidade do movimento turístico: muito lento até 1935; vagaroso até 1945, assumindo desde então ritmo acelerado. Nos anos 1950 toda a praia, de São Vicente a Itanhaém, do mar à ferrovia, achava-se loteada, em mãos de companhias 7

Ibid., p. 55.

1. O caiçara

19


[8] [9] Anúncios com ofertas de lotes O Estado de S.Paulo

[8]

20

Itanhaém: memória e desenho da cidade

[9]


[10] Carregamento de banana no porto do Baixio Itanhaém, 1950

[11] Estação do Suarão Itanhaém

imobiliárias ou proprietários individuais. Nessa época, Araújo Filho resume bem o resultado: “O veranista chega, o caiçara sai”.8 À intensificação desse movimento de expulsão contribuiu também a invasão ocasionada pela bananicultura. A partir da década de 1930, Itanhaém possuiu as zonas pioneiras mais importantes do litoral, com a criação de mais de 4 milhões de touceiras de bananeiras que, à medida que avançavam pela zona rural, forçavam ao êxodo tanto elementos da antiga população quanto gente de fora. Não tendo mais onde plantar, expulso pelos bananais na zona rural e pelo alto valor das terras próximas à praia, o caiçara lavrador-pescador passa a se dedicar cada vez mais, em detrimento da lavoura, à atividade pesqueira. Agora não apenas para consumo próprio, mas integrado ao sistema mercantil, atribuindo valor de mercado ao seu produto e dispondo da facilidade introduzida pela ferrovia de remeter o pescado a Santos. É nesse momento que surge um advento tecnológico que irá promover toda uma mudança no sistema de valores do caiçara: o barco à motor. Permitindo que se passasse a explorar os ambientes costeiros além da barra, a motorização alterou a importância da roça para a população praiana. O abandono das atividades agrícolas de subsistência marcou a passagem para uma economia monetarizada e fez da pesca artesanal a atividade mais importante para o caiçara. Com o fim das lavouras de subsistência também as atividades ligadas ao turismo se intensificaram. À medida 8

que se desintegrava sua comunidade, os antigos moradores que não se retiraram da região e as novas gerações foram se integrando às novas condições de vida, trabalhando no transporte, no comércio, nos serviços e na indústria. Como resultado, em 1950 a população urbana já supera a rural, acompanhando o movimento demográfico de Santos e do planalto.

ARAÚJO FILHO, J. R. Op. cit., p. 53.

1. O caiçara

21


[12] Ônibus Santos-Itanhaém Itanhaém, 1930.

[13] Barco de pesca artesanal Itanhaém

22

Itanhaém: memória e desenho da cidade


O caiçara hoje No processo de urbanização do século XX, a comunidade caiçara se mostrou extremamente vulnerável às pressões da sociedade moderna. À medida que emergia a racionalidade do sistema de mercado aceleravam-se a evasão da população local e a desintegração das relações de trabalho cooperativo. Como consequência, estas comunidades e sua memória vêm desaparecendo, e com os mais idosos vai-se uma parte da cultura brasileira. Silenciosamente, vão saindo de cena receitas e estórias, conhecimentos do mar, do rio e do mato. Rareiam também os mestres artesãos, e com eles a diversidade de embarcações: Eu aprendi com meu avô a entalhar uma canoa. Hoje quero ensinar e não tem quem queira aprender – é triste ver essa arte morrer com a gente.

Renato Xavier, um dos últimos mestres canoeiros da região, natural de Iguape e hoje residente em Itanhaém.

Frente a esse anonimato cultural é premente a realização cuidadosa de um projeto de documentação dessa cultura pouco estudada. É um projeto também educacional, no qual cabe registrar e difundir o que ela foi e o que dela sobrevive, reconhecer seus valores e superar preconceitos. Para isso é essencial que possamos dispor de museus, exposições, livros, cursos universitários e quaisquer outras formas de aprendizagem e reprodução. Serão estes conhecimentos a matéria prima sobre a qual se dará o desenvolvimento econômico, social e cultural, pois uma modernização que faça sentido só pode existir a partir da preocupação permanente com a boa aplicação da história herdada na construção da nossa cultura. Não para ‘resgatar’ tempos passados, mas para construir uma modernização condizente com o que nós somos, e por isso, muito mais rica que a globalizada.

1. O caiçara

23


2 24

A pesca Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade


A pesca e a construção de culturas Pela prática da pesca, caiçaras aproximam-se culturalmente de jangadeiros, açorianos e de pescadores artesanais de outras partes do mundo, como Portugal, Itália ou Grécia. Tendo em comum o ambiente marinho como referencial geográfico, as comunidades que trabalham no mar constroem um universo de imagens típicas, autoexplicativas, inspiradas pela dualidade oceano/terra presente em todo o processo da atividade pesqueira. A pesca, ao apropriar-se dos produtos do mar, tem como característica intrínseca a construção de uma narrativa que se costura dentro e fora d’água, na qual a captura é apenas um trecho da estória. Nesse contexto, seu repertório de imagens começa com a confecção de apetrechos de pesca e com a construção naval; alimenta-se da experiência do pescador nas diversas artes da pesca e na leitura dos indicativos naturais – movimento das marés, das cheias dos rios e das fases da lua; e, de volta a terra, se vale dos papéis assumidos por aqueles que limpam o pescado, que

o preparam e o comercializam. Neste encadeamento de acontecimentos, conhecimentos passados de geração em geração produzem regras próprias, caracterizam um modo de pensar e agir característico dos povos do mar, uma cultura geral na qual outras culturas se inserem. O processo que envolve a captura do peixe promove, a identificação entre a vida do grupo e a paisagem das regiões costeiras, conferindo significado ao espaço e, desta forma, reafirmando-o como suporte fundamental da memória. Cerca o peixe, bate o remo, puxa corda, colhe a rede, ô canoeiro puxa rede do mar. Dorival Caymmi - Pescaria

2. A pesca

25


Desenvolvimento da pesca artesanal no Brasil Com fins comerciais e de subsistência, a pesca artesanal utiliza embarcações de pequeno e médio portes, geralmente de madeira, motorizadas ou não, e que suportam pequenos e médios volumes de pescado. Em nosso país, cerca de 60% do pescado nacional é proveniente dessa atividade, sendo os outros 40% capturados pela pesca de escala industrial.1 Esta predominância do pescado proveniente da pequena escala - apesar de seu pequeno raio de ação em relação à pesca industrial - tem ligação direta com o fato de o número de embarcações de pequeno porte representar 90% da frota marinha-estuarina brasileira, mobilizando mais de 278.000 pescadores artesanais no país.2 Na narrativa da pesca, porém, o número de envolvidos é bem maior. Soma-se aí o trabalho dos encarregados das atividades de terra: as famílias dos pescadores, o grupo de vizinhança e trabalhadores em diversos segmentos da cadeia produtiva. A pesca artesanal tem vínculos com o comércio, os serviços, a indústria e o turismo, empregando manipuladores, descarregadores, peixeiros e feirantes, armazenadores e comerciantes, além de pessoal necessário à fabricação e manutenção de barcos, à fabricação de gelo e dos apetrechos de pesca. Como cerca de 22% da população brasileira se concentra na faixa considerada como beira-mar3, é fácil perceber a importância econômica e cultural desta atividade que é SILVA, J.G.S. da. Caiçaras e jangadeiros: cultura marítima e modernização no Brasil. São Paulo: CEMAR/USP, 1993. p.66. 2 Ibid. p.61. 3 Ibid. p.67. 1

26

Itanhaém: memória e desenho da cidade

[1] Construção naval Itanhaém


responsável por “aproximadamente 800 mil empregos diretos e cerca de 3 milhões de pessoas dependentes direta ou indiretamente do setor”.4 (PESCA brasileira, 2006). No entanto, o quadro que se constrói para a pesca de pequena escala desde a década de 1960 é contrário às suas potencialidades. Enquanto a década de 1950 caracterizou-se por suave desenvolvimento da economia pesqueira de pequena escala, as décadas de 1960 e 1970 presenciariam grandes subsídios para a pesca industrial, sendo implantado pelo Governo Brasileiro em 1967, um programa de incentivos fiscais para este setor, a fim de acelerar os investimentos privados na pesca e aumentar a produção. O que se verificou foi um aumento da produção nacional de pescado até 1985, quando se atingiu 971,5 mil toneladas, decrescendo a partir daí para 798,6 mil toneladas em 1989, 697,6 mil toneladas em 1994 e uma média 650.000 toneladas/ano para o quinquênio 1996-2000 confirmando a tendência de desaceleração da produção de pescado no Brasil.5 No período após meados da década 60, apesar de a pesca artesanal ter incorporado novas tecnologias relacionadas à capacidade dos barcos e dos apetrechos de pesca, seguiu perdendo dinamismo, devido principalmente à concorrência com a pesca de grande escala. Na competição entre a pesca artesanal e a industrial, o Estado historicamente se posicionou favorável às grandes empresas, seja investindo diretamente ou omitindo-se, e em ambos os casos o que ocorreu foi o aumento da concentração de capital. Pouco considerando 4 5

Ibid. p.67. Ibid. p.66.

2. A pesca

27


a complexidade econômica da pequena produção, a oposição entre dois segmentos antagônicos foi tratada de forma dualista – antigo versus moderno -, e o pescador artesanal considerado predador.6 Na prática, porém, a pesca industrial se mostra muito mais predatória. Redes de cerco com mais de dois quilômetros de comprimento e 60 metros de altura são capazes de juntar mais de 10 toneladas de peixes com apenas duas voltas ao redor de um cardume. A malha fina captura tudo que surge pelo caminho, e animais que não interessam economicamente são despejados mortos no mar. A partir da constatação dos danos sociais e ambientais gerados pela pesca industrial, Natacha Carvalho do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores após comparação de dados da atividade pesqueira nos Açores, de 1995 a 2005, concluiu que a pesca artesanal no arquipélago é mais rentável que a industrial. Nos Açores, 90% da frota pesqueira tem menos de 12 metros, e apesar de embarcações maiores serem as que recebem mais subsídios governamentais, os barcos menores empregam mais gente, gastam menos combustível, têm menos pesca acidental e rendem mais por tonelada.7 Os resultados da pesquisa nos Açores alertam para o fato de que a produção de pequena escala pode sim ser capaz de aliar maneiras mais racionais de utilização dos recursos pesqueiros à elevada produtividade, podendo se tornar especialmente competitiva caso receba o devido incentivo. Hoje, no Brasil, faltam atracadouros, estaleiros, instalações Ibid. p.80. Disponível em <http://www.rtp.pt/acores/index.php?t=Acores-A-pescaartesanal-nos-Acores-e-mais-rentavel-que-a-pesca-industria.rtp&article=2107 2&visual=3&layout=10&tm=10&rss=0>.

6 7

28

Itanhaém: memória e desenho da cidade


[3] Descascamento do camarão Itanhaém

de beneficiamento, de armazenamento e de venda do pescado. É urgente superar o processo de desmonte pelo qual passa o setor e profissionalizar a pesca artesanal através de investimentos tanto em infraestrutura quanto em capacitação profissional. Nesse sentido, devem adquirir papel central as colônias de pescadores, fortalecidas como associações que garantem segurança social para quem vive do mar. A exemplo das “lotas” de Portugal, as colônias devem exercer o controle da produção, executando as ações de venda do produto entregue pelos pescadores e pagandoos após a comercialização. Cada colônia deve funcionar como uma pequena indústria cooperativa, com estrutura de beneficiamento e armazenamento, sendo capaz de promover o aproveitamento integral e diversificado do pescado, qualificar produtos e subprodutos e, dessa maneira, agregar valor à produção. A estruturação do setor artesanal torna possível aumentar a produção de forma sustentável, ambiental e socialmente, desconcentrando o capital das grandes indústrias pesqueiras, reduzindo a ação de atravessadores e promovendo desenvolvimento com inclusão social.

[2] Pesca na boca da barra Itanhaém

2. A pesca

29


3

A metr贸pole


Problemáticas da Região Metropolitana da Baixada Santista 7

10

Os municípios Criada em 1996, a Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) é contígua ao maior mercado consumidor da America latina – a Região Metropolitana de São Paulo – e compõe com esta e com a Região Metropolitana de Campinas o Complexo Metropolitano Expandido, agrupamento que destaca-se no âmbito nacional pela participação de 15,51% no contingente populacional e por responder por 27,7% do PIB.1 Em relação ao Estado de São Paulo, a RMBS participa com 3,2% do PIB (IBGE/2008) e 4% da população, cerca de 1,6 milhões de pessoas.2A base de sua economia é composta pelo polo industrial petroquímico e siderúrgico de Cubatão, pelo complexo portuário de Santos, o maior do país, pela atividade turística balneária e pela pesca, tendo o conjunto dessas atividades possibilitado a formação de um amplo setor terciário distribuído preponderantemente nos municípios centrais da região. Santos configura-se historicamente como cabeceira regional: a atividade portuária e suas irradiações na geração de atividades associadas conferiram à cidade o perfil de um polo expressivo de comércio e serviços. Cubatão, por sua vez, adquire posição singular como polo especializado nos aspectos industrial e logístico, uma vez que possui em seu território a usina hidrelétrica de Henry Borden, a Refinaria

11

2 8

9

4

12

5 1 13 6 3

Legenda 1

RM São Paulo

2

RM Campinas

3

RM Baixada Santista

4

AU Jundiaí

5

AU Sorocaba

6

MR São Roque

7

MR Circuito das Águas

8

MR Bragantina

9

AU Macro-eixo Paraíba

10 MR Mantiqueira 11 MR Bocaina 12 MR Alto Paraíba 13 MR Litoral Norte

AU Aglomeração Urbana MR Microrregião RM Região Metropolitana

[1] Complexo Metropolitano Expandido

PMDI; p. 30, 2002

1 2

Ibid.

3. A metrópole

31


Presidente Bernardes, segmentos de petroquímica e siderurgia e base operacional das ferrovias Santos-Jundiaí e Mairinque-Santos. Juntos, esses dois municípios geram 64% da riqueza produzida na região. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.3 Os municípios de Guarujá, Praia Grande e São Vicente têm, de acordo com o Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado, funções de suporte logístico - devido à proximidade com os municípios centrais - e de provimentos de ofertas de turismo e lazer. E para as cidades mais distantes do centro - Bertioga, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe – fala-se apenas da especialização em lazer e turismo como função econômica. Essa análise do PMDI denuncia o crescente enfraquecimento das atividades econômicas à medida que se afasta dos dois municípios centrais. Enquanto Santos e Cubatão beneficiam-se enormemente do porto e do parque industrial, observa-se nos municípios mais próximos das extremidades da região, além da pouca diversificação das atividades, grande dependência econômica de uma modalidade de turismo bastante problemática: a de veraneio. O turismo baseado na sazonalidade consolidou-se ao longo do século XX, quando a produção imobiliária voltou-se para a criação de significativo parque de residências de férias, o que demanda a implantação de infraestrutura urbana para atender os picos de temporadas de veraneio, deixando-a ociosa grande parte do ano. Esse fenômeno ocorreu principalmente nas extremidades da RMBS, sobretudo nos municípios do sul. Em Praia Em < http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 06 de maio de 2012.

3

32

Itanhaém: memória e desenho da cidade

Cubatão

Bertioga Santos

S. Vicente Guarujá Praia Grande Mongaguá Itanhaém

Peruíbe

[2] Baixada Santista: Municípios centrais e periféricos


Grande e Itanhaém a população flutuante chega a representar três vezes e meia a população residente. Nestas cidades, grandes extensões nas orlas marítimas tornam-se praticamente desabitadas nos dias úteis, restando a infraestrutura urbana, o comércio e os serviços ociosos, mostrando que esse modelo de turismo não representa uma alternativa de estabilidade para a economia regional. Como resultado da escassez de atividades rentáveis nos municípios mais distantes do centro temos a continuação da histórica relação de disparidade econômica e social entre municípios centrais e periféricos na baixada santista. Exemplificado em números, Santos responde por 50% dos postos de trabalho da baixada e por 87,6% do número de matrículas em cursos superiores da região4, do que decorrem graves inconvenientes como os custosos deslocamentos diários dentro da baixada. Contudo, observa-se nas últimas décadas a diminuição da participação de Santos na população da região. Sua população, que em 1970 representava 52% do total, em 2000 já era 28,3%. Concomitantemente, cresciam os municípios não centrais e, de 1996 a 2000 5Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe foram os que mais cresceram, tendência que continuou a se verificar na última década. Ao crescimento populacional destas cidades não vem correspondendo, porém, aumento proporcional da participação na geração de riquezas. A economia frágil, pouco diversificada e veraneia impede o desenvolvimento geral desses municípios e, consequentemente, a consolidação da RMBS como bloco coeso, capaz de colocar em prática um sólido planejamento regional integrado.

4 CARRIÇO, José Marques. Baixada Santista: transformações produtivas e sócio-espaciais na crise do capitalismo após a década de 1980. Tese de doutorado. São Paulo, 2006. p. 215. 5 Ibid. p. 91.

3. A metrópole

33


A atividade pesqueira A região metropolitana da baixada santista chegou, na década de 1980, a ser responsável por mais de 80% do pescado consumido no estado de São Paulo1, entretanto, o setor atravessa há muitos anos uma crise. O desembarque de pescado na baixada vem perdendo importância em relação a outros locais, com a evolução dos custos operacionais e com o arrendamento do Entreposto Federal de Pesca de Santos. Criado em 1958, o entreposto era ativo centro de comercialização de pescado e referência nacional para a pesquisa científica na área. A estrutura contava com várias câmaras frigoríficas, fábrica de gelo, salão de vendas de pescado, depósitos de armazenamento de equipamentos de pesca, espaços destinados a escritórios de venda das empresas, além de também abrigar centro de informações meteorológicas e de dados estatísticos sobre a pesca, mantido pelo Instituto da Pesca, em cooperação com o setor produtivo. O período em que o Entreposto funcionou coincidiu com o auge da atividade pesqueira na baixada exatamente pela organização da produção que essa infraestrutura proporcionava. Seu arrendamento em 1989, levou ao desmonte de parte da infraestrutura – filtros, fábricas de gelo, escritórios – expulsando a maioria das pequenas e médias embarcações para outros locais de desembarque, levando à clandestinidade grande número de pescadores artesanais que dele dependiam. A partir de então a pesca de pequena escala teve suas possibilidades reduzidas. A produção que antes era armazenada no entreposto passou para as caixas de 6

Ibid. p. 148.

34

Itanhaém: memória e desenho da cidade

[3] Entreposto de pesca Santos, 1985


isopor e carcaças de geladeiras, ou para as poucas câmaras frias de propriedade de pescadores, enquanto o processamento ficou restrito à retirada de carapaça dos camarões e eventual filetagem do pescado não vendido imediatamente após a captura. A venda, então, tinha a ser feita para intermediários, privando os pescadores da maior parte do lucro gerado; ou diretamente aos consumidores, principalmente turistas, situação em que mais uma vez se estabelece a dependência econômica das épocas de temporada e fins de semana prolongados. É dessa maneira, portanto, que mesmo estando na linha da costa, a baixada santista demonstra a sua falta de cultura marítima. A despeito do enorme efeito multiplicador de empregos da pesca e da sua capacidade de absorver mão de obra com pouca qualificação, a atividade segue se fragilizando, deixando crescente número de pescadores sem renda e contribuindo para a piora do quadro social na Região Metropolitana da Baixada Santista.

[4] Anúncio da Cooperativa de pesca de Santos 1985

A ferrovia A estrada de ferro teve papel decisivo nas transformações urbanas da baixada santista, alterarando profundamente a estrutura da sociedade caiçara. Núcleos de povoamento se formaram ao redor das paradas do trem, tendo vários municípios se originado a partir de emancipações. São exemplos desse processo a criação de Itariri em1938, e de Mongaguá e Peruíbe em 1959, todos anteriormente pertencentes à Itanhaém; e a emancipação de Praia Grande, Cubatão, Guarujá e Bertioga dos municípios de Santos e São Vicente. No entanto, o grande fator de impulsão desse movimento - a ferrovia Santos-Juquiá – tendo atingido seu auge em

3. A metrópole

35


meados do século XX - transportando banana, chá e calcário - entra a partir daí em período de decadência. A Rodovia Padre Manuel da Nóbrega, inaugurada em 1970, substitui a estrada de ferro em seu papel de eixo estruturador do transporte na baixada e rapidamente gera o sucateamento das instalações ferroviárias. Em 1997 chega ao fim o transporte de passageiros e em 2003 ocorre a completa desativação com o cessamento do transporte de cargas, deixando suas instalações e seu patrimônio abandonados. A partir de então, a Região Metropolitana da Baixada Santista coloca-se em contraditória situação. Mesmo sendo um dos maiores aglomerados urbanos do país e apesar da interdependência entre seus municípios, da integração física da malha urbana e da inter-relação econômica no espaço regional, abrimos mão do transporte por trens e passamos a depender exclusivamente do modal rodoviário.

Santos Guarujá S. Vicente

Mongaguá

Itanhaém Peruíbe

Iguape

[antes de 1938]

[1959]

Miracatu Praia Grande

[1938]

[1967]

Cubatão Bertioga

Juquiá

Itariri

[1948]

[1991]

Pedro de Toledo

[5] Datas de emancipação dos municípios ao longo da ferrovia Santos-Juquiá

36

Itanhaém: memória e desenho da cidade

[1949]

[6] Ferrovia desativada Itanhaém



4

Objetivos e propostas do trabalho


A interdependência entre os municípios da Região Metropolitana da Baixada Santista configura uma situação em que praticamente nenhum problema urbano relevante encontra solução dentro de um município, o que torna obrigatório o exercício do planejamento regional integrado. A conurbação que se estende do norte ao sul da região cria demandas comuns por serviço e infraestrutura para cerca de 1,6 milhão de pessoas1 - número que tende a crescer com o desenvolvimento econômico que pode ser gerado com a exploração do Pré-Sal na bacia de Santos – sendo a primeira e mais importante a questão da mobilidade na metrópole. De acordo com a pesquisa Origem-Destino de 2008, Santos e São Vicente recebem mais de 60% das viagens [1]Rede de transporte sobre trilhos Trem DMU (Unidade Diesel Múltipla) interligado ao VLT

1Em < http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 06 de maio de 2012.

intermunicipais diárias,2 sendo que 62% das viagens motorizadas são feitas por transporte coletivo, ou seja, ônibus. A partir daí podemos constatar a necessidade de um sistema de transporte de massa mais eficiente que o rodoviário para conectar municípios periféricos e centrais. Assim, propõe-se a reativação da ferrovia para transporte de passageiros de Peruíbe a São Vicente, integrado ao VLT que será implantado entre São Vicente e Santos, esquema já proposto no Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado de 2000.3 De forma complementar é proposta uma rede de transporte hidroviário que atenda toda a Baixada Santista. Agência Metropolitana da Baixada Santista. Pesquisa Origem-Destino Região Metropolitana da Baixada Santista. 3 2

4. Objetivos e propostas

39


rede de transportes hidroViáros Linhas propostas a

tiog

Ber

Ita

te Nor ro

a1

Sul

3

ro 1

2

Vila No

va 11

guá

Santo s

uar

Monga

Cent

Cen t

Car

aém

Centro

Norte

nh

ra Rivie

Centro

Ponta da Praia 10

Sul 15 Cen

tro

ma 8

quê

te en Vic

Fábricas 3

iras

mbuc o4 Perna

t

ngu e

ica

cha

Pita

áut

Por

5

Ilha

Per e

.N

idt

Schm

R. A.

aru

1 C.

Gu

Cid

17

S

16

7

6

osa

aR ant

Sã o

Itape

Praia Grand

e

Rádio Clube 9

2 Centro

Itanhaém: memória e desenho da cidade

Peruíbe

14

40

Bases: GOOGLE EARTH (2010)

tro Cen

A rede aqui proposta é a elaborada por Alexandre Gaiser em seu Trabalho Final de Graduação, no qual se ressalta a adequação do modal hidroviário à região tanto pelo fato de, em muitos casos, o transporte por barcos ser o mais fácil, quanto por auxiliar a construir a compreensão da Bertioga importância da água para a região. Além de interferir positivamente na dinâmica de14 deslocamentos cotidianos, a nova rede de transportes rodo-hidro-ferroviária tem importante papel propulsor Canal de 13 na região. de uma atividade turística mais sustentável Piaçaguera Canal de Não se pode negar que a RMBS, pela Bertiogaproximidade com Estuário de Santos a RMSP, tem grande responsabilidade no tocante ao lazer de expressiva parcela da população paulista, porém, a maneira12com que oVicente turismo atua – sazonalmente – tem se 8 de 9 6 Carvalho 11 mostrado problemática. São Santos Vicente É essencial ao fortalecimento do setor em todos os 4 17 municípios da região elevar a demanda turística na baixa 10 Mar estação, reduzindo o desequilíbrio em relação à alta equeno Guarujá estação. Para isso,7 torna-se 5 premente o incremento da competitividade via integração regional: utilizando-se do apelo turístico do transporte sobre trilhos e sobre a água, os atrativos turísticos de um município podem ser complementados pelos existentes em outros, valorizando as diversidades de cada um de modo que cada município possa desenvolver ações específicas. Desse modo, aumenta-se o tempo de permanência do turismo na região e, por consequência, a receita desse segmento para a economia local. No entanto, apesar dos benefícios ao setor de comércio e serviços que podem ser promovidos pelo turismo bem distribuído ao longo do ano, não se coloca em segundo plano a necessidade do incentivo e da criação

Cubatão

[2] Rede de transporte hidroviário proposta no TFG de Alexandre Gaiser

35


de outras atividades. Citando Ascher, “não é o turismo que permite o desenvolvimento, mas é o desenvolvimento geral (...) que torna o turismo rentável”.4 A diversificação das atividades econômicas nos municípios mais distantes do centro se faz necessária à redução da disparidade econômica, social e cultural na baixada. Na busca por alternativas ao turismo, deve ser prioridade o incentivo a atividades econômicas que já tenham alguma tradição na região, e que possam ter grande efeito multiplicador de empregos. Nos municípios da baixada, uma atividade que persiste ao longo do tempo, apesar da falta de atenção do poder público é a pesca. Há décadas, porém, que a pesca artesanal vem sendo desconsiderada quanto ao seu potencial econômico e seu significado cultural, bem como quanto à sua capacidade de agir no equilíbrio de forças políticas, econômicas e sociais da região. Faz-se necessário que o planejamento regional integrado mova sólidos investimentos à criação de infraestruturas de apoio à atividade na baixada santista, como portos de pesca, atracadouros e estaleiros. Cada colônia municipal de pescadores deve ter sua sede, onde ocorrerá o controle da produção, beneficiamento, armazenamento e venda do pescado. Ademais da consideração da pesca como atividade econômica rentável, tem-se como objetivo fortalecer os laços do homem litorâneo com o mar, processo que exige trabalho árduo no incentivo à cultura da navegação, à cultura gastronômica marinha, à cultura da pesca. Concordando com Lodovici acerca da baixada santista, “É na consolidação de hábitos marítimos que estamos convencidos residir o poderoso agente de desenvolvimento desse litoral.”5

Apud. CARRIÇO, José Marques. Baixada Santista: transformações produtivas e sócio-espaciais na crise do capitalismo após a década de 1980. Tese de doutorado. São Paulo, 2006. p. 201. 5 LODOVICI, José Carlos. Marinas: contribuição conceitual ao desenvolvimento de projetos. Estudos de caso no litoral do Estado de São Paulo. Tese (doutorado) FAUUSP. São Paulo, 1999. p.73. 4

4. Objetivos e propostas

41


A construção da memória da pesca A lembrança do passado é sempre alterada pelos nossos valores atuais. Um mesmo acontecimento, evocado em diferentes fases da vida, acaba adquirindo diferentes conotações em cada uma delas, da mesma maneira que “a releitura de um livro não revive, mas refaz a experiência da primeira”1. Pela memória individual o passado vem à tona, mas sempre se mistura com as nossas percepções atuais, nunca retorna da mesma forma, o que faz da memória não um produto - pronto e acabado -, mas um processo. De modo semelhante, a memória de grupos e coletividades sempre se reorganiza e se refaz, adaptandose constantemente às dinâmicas sociais. Assim, a tentativa de resgatar memórias no passado é uma ilusão, pois sua elaboração está no presente e, segundo Bergson, “é do presente que parte o chamado ao qual a memória responde”.2 A memória das antigas sociedades caiçaras baseava-se na estabilidade e na confiança, no trabalho coletivo em regime de subsistência e nas relações de vizinhança, típicas da sociabilidade caipira. Em face do processo de desintegração das relações sociais e de trabalho dessas comunidades no início do século XX e da passagem para uma economia monetarizada, não há sentido em hoje se falar do “resgate da cultura caiçara”.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade : lembranças dos velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p.57. 2 Apud. BOSI, Ecléa. Memória e sociedade : lembranças dos velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p.48.

A memória caiçara – como qualquer outra – é algo que se constrói socialmente, e inserida nessa construção é que surge a proposta de criar situações para que a pesca seja valorizada na baixada santista, culminando com o projeto do Núcleo de pesca artesanal de Itanhaém. A escolha da pesca vem da sua relação com o trabalho de diversos setores produtivos, criando um grupo que, direta ou indiretamente, trabalha em conjunto. É quando isso acontece que observamos a tendência de surgirem esquemas comuns de interpretação dos fatos - universos de significado - e dessa maneira “o ponto de vista do grupo constrói e procura fixar a sua imagem para a história”3 atuando na construção da identidade. O grupo, em nosso caso, envolve as já citadas categorias relacionadas à pesca: pescadores, descarregadores, feirantes, etc.; mas também é composto por todas as atividades que participam da formação de hábitos marítimos como a navegação, a gastronomia que tem por base os frutos do mar, os esportes náuticos, o surf. O exercício deste trabalho é projetar a partir dos aspectos representativos da nossa cultura, daquilo que temos de singular, não tomando esses elementos como um conjunto de valores estáticos, definidos no passado, mas vendo-os como matéria a ser trabalhada. Arquitetura é invenção.

1

42

Itanhaém: memória e desenho da cidade

Ibid. p.66.

3

[3] Caixas de peixarias no porto do Baixio Itanhaém


43

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade



O passado, visto como presente histórico, é ainda vivo, é um presente que ajuda a evitar as várias arapucas. Diante do presente histórico nossa tarefa é forjar um outro presente, “verdadeiro”, e para isso é necessário não um conhecimento profundo de especialista, mas uma capacidade de entender historicamente o passado, saber distinguir o que irá servir para novas situações de hoje que se apresentam a vocês, e tudo isto não se aprende somente nos livros. Lina Bo Bardi, “Uma aula de arquitetura”, Revista Projeto, 1990.


5

Projeto



Os investimentos na atividade pesqueira na RMBS geridos pelo planejamento regional integrado devem prestar atenção às particularidades de cada município. Na porção sul da região, por exemplo, temos três cidades com características semelhantes: Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe. Nestes três municípios é grande o número de pescadores artesanais, que trabalham com pouca ou nenhuma infraestrutura. Cada uma dessas cidades deve ter seu entreposto de pesca artesanal, não apenas para suprir a demanda existente, mas prevendo um aumento de pessoas ligadas à atividade devido à adoção de políticas em prol da pesca. Essa é uma proposta de caráter prioritário visto que Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe são os municípios que mais sofrem os já citados efeitos da dependência do turismo de veraneio e que, portanto, mais têm urgência em fortalecer outras atividades econômicas. O entreposto escolhido para projeto é o de Itanhaém, município do qual Mongaguá e Peruíbe se emanciparam em 1959. Com cerca de 90000 habitantes, Itanhaém tem perspectivas de expansão demográfica, pois está situada em área de influência da exploração do pré-sal e seu aeroporto terá função de apoio às atividades nas fases de teste, pilotos de produção e desenvolvimento da mesma. (RIMA na bacia de Santos, 2011) A colônia de pescadores de Itanhaém - Z-13 “José Anchieta” -, informa que existem cerca de 430 pescadores artesanais no município e reivindica há anos frente à prefeitura a construção de uma sede para o exercício de suas atividades: locais para descarga, venda, beneficiamento e armazenamento do pescado, além de espaços de capacitação para a pesca, confecção de barcos

48

Itanhaém: memória e desenho da cidade


e trabalho em cooperativa. A partir destas reivindicações constrói-se o programa de necessidades do Núcleo de Pesca Artesanal de Itanhaém: Porto de pesca artesanal Local de atracadouro de embarcações e descarga do pescado. Sede da colônia dos pescadores Equipada com espaço para beneficiamento, seja ele manual ou com máquinas, mercado para venda direta ao consumidor – evitando atravessadores -, câmaras frigoríficas para estocagem e fábrica de gelo. O gelo é um dos principais obstáculos da prática da pesca, assim, a fabricação do produto no local pode reduzir os custos em até 50%. Também é na sede da colônia que deve ocorrer a capacitação com relação às diferentes técnicas de pesca e às práticas de manipulação do pescado, os treinamentos em Associativismo e Cooperativismo, informações sobre a legislação pertinente à pesca artesanal e sobre acesso às linhas de crédito disponíveis, além de formação educacional para pescadores e suas famílias.

[1] Construção de barco às margens do rio Itanhaém

Estaleiro-Escola Quanto ao principal instrumento de trabalho, o barco, é essencial que haja estaleiro para manutenção e fabricação, mas também cursos – técnicos ou de curta duração – para qualificação da mão de obra necessária à atividade. Segundo ofício enviado pela colônia Z-13 à prefeitura:

5. Projeto

49


“atualmente paga-se caro por esse trabalho (manutenção) e alguns nem conseguem fazer, pondo suas vidas em risco em alto mar com embarcações em péssimo estado de conservação”. Nesse sentido, este estudo se baseia numa iniciativa pioneira realizada em São Luís no Maranhão: o Estaleiro-Escola. Trata-se de um sítio do século XVIII abandonado às margens do Rio Bacanga que teve suas instalações restauradas e hoje é uma unidade de ensino e profissionalização em técnicas de produção de embarcações maranhenses tradicionais. Aproveitando o conhecimento dos mestres carpinteiros hoje em ativa no estado, o projeto promove o Curso Técnico de Nível Médio em Construção de Embarcações Artesanais no Maranhão, o único no país, ligado à Universidade Virtual do Maranhão (UNIVIMA). Além de aulas práticas, são ministradas disciplinas como ecologia, materiais, geografia e outras específicas da área de construção, e com este conhecimento, o técnico torna-se capaz de dominar todas as etapas, desde a construção até a manutenção. Além de atividades pedagógicas, o Estaleiro-Escola de São Luís realiza atividades de prestação de serviços de manutenção da frota existente, além de contar com setor de pesquisas e documentação, oficina de modelismo naval e setor museográfico, com salão de exposições. É esse o ambiente que se quer criar em Itanhaém. A proposta é que seja instalado um Estaleiro-Escola na cidade, para atuar na manutenção das embarcações existentes, fabricação de novos e ensino do ofício. O cursos a serem ministrados deverão ser o Técnico em Construção de Embarcações Artesanais Paulistas e o Técnico em

50

Itanhaém: memória e desenho da cidade

[2]

[3]

[4]

[2] [3] [4] Estaleiro-Escola São Luís, Maranhão


Recursos Pesqueiros, podendo haver também cursos profissionalizantes de curta duração como reciclagem, marcenaria e ecologia. Assim como a experiência em São Luís, o EstaleiroEscola de Itanhaém deverá ser acompanhado por uma universidade pública. Universidade pública Mover esforços para instalar na cidade uma universidade pública que poderia ser a Universidade Estadual Paulista - UNESP - que tem a característica de ser descentralizada - ou a Universidade Pública da Baixada – que ainda não existe, mas é uma diretriz do PMDI para a Região Metropolitana da Baixada Santista. Terá cursos correlatos à pesca e será importante no desenvolvimento de pesquisa relacionada à atividade, assim como na formação de mão de obra qualificada para toda a região. Como cursos superiores prioritários propõese três: . Oceanografia, pelo conhecimento dos fenômenos ambientais e pelo monitoramento da poluição marinha; . Biologia Marinha, pelo conhecimento da estrutura e do funcionamento do ecossistema marinho, atuando na conservação e manejo da biodiversidade e na gestão ambiental; . Turismo, importante no planejamento do crescimento sustentável da atividade na região, além de atuar no treinamento de recepcionistas, garçons, chefes de cozinha, cozinheiros, agentes de viagem, guias de turismo e outros. Além destes, deve ser prevista expansão com cursos como gastronomia e engenharia de alimentos ou mesmo

especializações de outras áreas como a Socioantropologia Marítima - ou da Pesca – que estuda as particularidades da gente do mar, seus sistemas técnicos, sociais e simbólicos. Além da valorização das atividades ligadas ao mar, a proposta de implantação da universidade pública em Itanhaém responde à necessidade de atenuar a grande concentração de cursos superiores na cidade de Santos, detentora de 87,6% das matrículas da região. Pela capacidade do ensino superior em gerar empregos diretos e indiretos, trazê-lo para ao sul da RMBS significa também conter a evasão de população que atinge os municípios dessa área. Museu da Cidade Gerido pela universidade, terá acervo relacionado à história da cidade, à cultura caiçara e ao mar, além de espaço para exposições temporárias.

5. Projeto

51


O Núcleo de Pesca será implantado próximo à área que historicamente se consolidou como atracadouro dos barcos artesanais no município: as margens do Rio Itanhaém, na parte em que este se aproxima do centro da cidade, próxima à boca da barra. Aí estão os tradicionais portos do Baixio e do Guaraú, importantes para o escoamento da produção de banana a Santos em meados do século XX e hoje principais locais de descarga de pescado no município. A bacia do Rio Itanhaém é a maior da baixada santista e a segunda maior do litoral paulista - atrás apenas da bacia do Ribeira de Iguape – sendo formada pelos dois rios com maior área de drenagem da baixada: o Preto e o Branco. Correndo junto ao morro do Sapucaitava, a foz do Itanhaém constitui o único acidente geográfico em quase 70 km de praia e divide-a em Praia Grande - a norte - e Praia de Peruíbe - a sul. Foi às suas margens que nasceu a Vila de Itanhaém foi fundada por Martim Afonso em 1549, quando o rio desenhava outro caminho e tocava o morro do Itaguaçu, como indica o mapa elaborado por Benedito Calixto a partir de documentos de época. [imagem] A atual configuração geográfica foi resultado de sucessivos aterros, que empurraram o rio sobre sua margem direita, afastando-o do centro histórico e levando-o ao encontro do morro do Sapucaitava. Como consequência a barra tornou-se de mais difícil acesso e a cidade viu seu porto se distanciar, fazendo da margem esquerda do rio não mais frente, mas fundo da cidade.

Área central e praias

[5] Mapa da primitiva Vila de Itanhaém reconstituído por Benedito Calixto

Legenda 1

Rodovia Pedro Taques

2

Ferrovia desativada Santos-Juquiá

3

Centro histórico

4

Porto do Guaraú

5

Porto do Baixio

6

Mangue

7

Praia dos sonhos

8

Praia dos pescadores

9

Praião

10 Ilha das cabras 11 Morro do Sapucaitava 12 Morro do Itaguaçu

52

Itanhaém: memória e desenho da cidade


6 4 1

o

Ri

m

aĂŠ

nh

Ita

12

2 5

3

9

11 7

8

5. Projeto 10

53


Área central

Legenda 1

Rodovia Pedro Taques

2

Ferrovia Santos-Juquiá

3

Porto do Guaraú

4

Porto do Baixio

5

Igreja Matriz

6

Casa de Câmara e Cadeia

7

Convento de N.S. Conceição

8

Casario colonial

9

Mercado Municipal

10 Ginásio de Itanhaém ( Arq. V. Artigas) 11 Estação ferroviária

54

Itanhaém: memória e desenho da cidade


1

3

ĂŠm

ha

o

Ri

n Ita

7 10

9

11

8

4

6 2

5

5. Projeto

55


[6] Parede lateral da Igreja Matriz

[7] Casa de C芒mara e Cadeia e casario ao fundo

56

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade

[8] Centro hist贸rico


5. Projeto

57


[9] Centro histórico Vista do morro do Itaguaçu

Igreja Matriz

58

Cruzeiro

Itanhaém: memória e desenho da cidade

Casa de Câmara e Cadeia

Casario


Morro do Sapucaitava

Convento

5. Projeto

59


[10] Carregamento de banana no porto do Baixio Itanhaém, 1950.

[11] Orla do Rio Itanhaém atual Em primeiro plano o porto do Baixio, ao fundo o porto do Guaraú

60

Itanhaém: memória e desenho da cidade


5. Projeto

61


62

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade


[12] Porto do GuaraĂş

5. Projeto

63


Com a chegada da ferrovia estabeleceu-se fisicamente a barreira entre a área urbana e às terras próximas ao rio, tendo a cidade se desenvolvido preferencialmente voltada para o mar, entre a linha férrea e a linha d’água. [mapa de evolução urbana] Hoje a cidade chegou às margens do rio, mas ainda assim, é claro o enfraquecimento de urbanidade em um percurso que saia do centro histórico, atravesse a ferrovia e siga em direção ao rio, decorrência tanto da ocupação rarefeita da área quanto da ausência de conexões entre os dois lados da ferrovia. A área de projeto chama atenção ainda pela fragmentação da orla fluvial, feita por terrenos de grandes dimensões: garagens náuticas, clube, campo de futebol municipal e sede do Departamento de Água e Energia Elétrica (ver mapa ao lado). O resultado é que só se consegue atingir a margem em determinados pontos, não sendo possível percorrê-la longitudinalmente.

Mapa de usos da orla fluvial

[13] Mapa de desenvolvimento urbano até 1950

Legenda 1

Campo de Futebol Municipal

2

DAEE

3

Clube

4

Garagens Náuticas

5

Residências Atuais possibilidades de contato com a orla fluvial

64

Itanhaém: memória e desenho da cidade


2 4 1 3

4 4 5 5 4

5. Projeto

65


Frente às contradições da área de estudo surge a proposta de que as estruturas de apoio à pesca possam mais que suprir uma demanda, mas agir como irradiadoras de um projeto urbano para a área que incorpore as atividades relacionadas à água à vivência diária da cidade. O projeto urbano tem, então, três premissas: a reapropriação da orla fluvial como espaço público [14]; a dissolução da ferrovia como barreira [15] e a aproximação física entre o rio e a cidade. Nesse sentido, os dois grandes terrenos públicos [16] de baixíssima ocupação – o campo municipal e o DAEE, com área de aproximadamente 94000 m² - colocam-se como uma oportunidade de implantação do núcleo de pesca. Pelas suas dimensões, surge a hipótese de interpenetração entre água e construído [17], braço d’água que se projeta para dentro do continente e reaproxima o rio do seu antigo leito.[18] [14] Orla fluvial destinada ao pedestre

66

Itanhaém: memória e desenho da cidade

[15] Dissolução da ferrovia como barreira


[16] Grandes terrenos públicos: DAEE e campo futebol municipal

[17] Possibilidade de Interpenetração cidade-rio

[18] Hipótese de porto urbano | Antigo leito do rio Itanhaém

5. Projeto

67



5. Projeto

69



5. Projeto

71


Projeto Urbano O projeto é estruturado a partir da criação de um porto urbano que se costura ao fundo da cidade existente trazendo a navegação para dentro do continente. A água rompe a barreira da ferrovia e chega ao centro, mostrandose a partir das ruas mais movimentadas da cidade e estabelecendo o convite à orla fluvial. A partir de desapropriações parciais dos lotes às margens do rio, recupera-se a orla para o pedestre, tornando-a contínua à orla marítima [19]. Também a orla ferroviária é requalificada, sendo acompanhada de passeios arborizados, pelo canal de escoamento e pela ciclovia. É proposta ainda uma nova transposição sobre o Rio Itanhaém, para pedestres e ciclistas, conectando o centro às principais praias da cidade. Em torno do porto são criadas novas frentes para a água. Quadras de habitação comércio e serviços de três a cinco pavimentos na margem sul e o Núcleo de Pesca Artesanal na margem norte. Na água coexistem quatro programas náuticos: atracadouro de barcos de pesca artesanal – na extremidade mais próxima ao centro da cidade-, marina de recreio, atracadouro de barcos turísticos e terminal de passageiros da rede de transporte hidroviário da Baixada Santista. A proposta é um lugar de intensa concentração da vida náutica, um espaço para o barco dentro da cidade, no centro, cenário onde se possam construir imagens marítimas e fluviais.

72

Itanhaém: memória e desenho da cidade

Implantação

[19] Continuidade de percurso entre as orlas fluvial e marítima

Legenda A

Porto

B

Núcleo de pesca artesanal

C

Habitações, comércio e serviços

D

Ferrovia

E

Ciclovia

F

Transposição


C A

B

D E

F

5. Projeto

73


Implantação

D

Legenda Existente

Proposto

1

Rodovia Pedro Taques

A

Porto de pesca artesanal

2

Ferrovia

B

Marina de recreio

3

Igreja Matriz

C

Atracadouro de barcos turísticos

4

Casa de Câmara e Cadeia

D

Terminal de passageiros

5

Convento de N.S. Conceição

E

Edifício sede do núcleo de pesca

6

Casario colonial

F

Biblioteca pública

G I

Museu da Cidade Quadras de habitação, comércio e serviços Canais

H

74

J

Ciclovia

K

Ponte móvel

L

Praça para eventos

Itanhaém: memória e desenho da cidade I


1

B

C

I

L K

H 5

J A

E

2 G F

I 6

4 3

5. Projeto

75


[20]

76

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade


[20][21] Referências: interpenetração água-cidade Docklands, Londres

[21]

5. Projeto

77




Corte transversal Quadras mistas e marina

80

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade


5. Projeto

81



5. Projeto

83




Núcleo de Pesca Artesanal O Núcleo de Pesca Artesanal constitui-se de três edifícios: o edifício Sede, localizado na frente d’água, abriga as faculdades, a escola técnica, o estaleiro, a sede da colônia dos pescadores, mercado municipal e auditório. O segundo edifício contém a biblioteca pública e a administração da universidade, além de restaurante universitário e bicicletário, no térreo. O terceiro é o Museu da Cidade, implantado na borda da praça onde estão A Matriz e a casa de Câmara e Cadeia, à frente do cruzeiro que marca a rampa de subida para o convento. O conjunto é organizado por dois eixos, um longitudinal ao cais do porto de pesca artesanal, e outro perpendicular a ele, que orienta a intervenção em direção ao centro histórico, contornando o morro do Itaguaçu. Do porto para o centro histórico, os edifícios diminuem de escala, apropriam-se dos fundos de lote e fundemse ao tecido urbano existente, estabelecendo conexões entre os dois lados da ferrovia e refazendo a frente para a orla ferroviária. Uma rua criada transpõe a ferrovia por baixo e se abre em um largo, espaço de convergência dos programas propostos. O trem torna-se ainda elemento de projeto ao atravessar, elevado, o largo, o edifício sede e o porto, participando ativamente da construção da arquitetura com sua paisagem sonora.

86

Itanhaém: memória e desenho da cidade


5. Projeto

87


[22] Edificações retiradas para implantação dos edifícios

88

Itanhaém: memória e desenho da cidade

[25] Eixo longitudinal ao porto: frente d’água

[23] Vazios e fundos de lote resultantes

[26] Eixo transversal ao porto | conexão ao centro histórico

[24] Implantação: costura do tecido urbano

[27] Abraço ao morro do convento


5. Projeto

89



5. Projeto

91


Térreo

Legenda 1

Estaleiro

2

Oficinas

3

Salas de beneficiamento do pescado

4

Câmaras frigoríficas e fábrica de gelo

5

Boxes para venda do pescado

6

Mercado Municipal

7

Largo

8

Foyer

9

Auditório

10 Bicicletário 11 Restaurante 12 Museu

92

Itanhaém: memória e desenho da cidade


12

10

11

6

4

7

5

3

8

1 9 2


Primeiro pavimento

Legenda

Colônia dos pescadores

Faculdades

1

Escritórios

2

Salas de Reunião

3

Sala de capacitação

4

Depósito de apetrechos de pesca

5

Salas de aula

6

Laboratórios

7

Núcleo de serviços

8

Área de estudo

9

Administração geral

10  Museu

94

Itanhaém: memória e desenho da cidade


10

9

1 8 7 4

3 6

6

2

5


Segundo pavimento

Legenda

Escola técnica

Faculdades

1

Salas de aula

2

Laboratórios

3

Núcleo de serviço

4

Salas de aula

5

Laboratórios

6

Departamentos

7

Área de estudo

8

Núcleo de serviços

9

Biblioteca

10 Museu

96

Itanhaém: memória e desenho da cidade


10

9 1

2

3 7 8

6

5

4


Rua de acesso e largo

98

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade


5. Projeto

99


Habitação Comércio Serviços

100

Itanhaém: memória e desenho da cidade

Faculdades e Escola técnica

Largo


Biblioteca

Museu

5. Projeto

101



Ciclovia

Ferrovia

Faculdades

Biblioteca

Restaurante

5. Projeto

Administração

103


104

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade


Ferrovia sobre o largo

Universidade: tĂŠrreo

5. Projeto

105



Mercado de peixe

Sede da colônia dos pescadores

Escola técnica

Biblioteca

Bicicletário

5. Projeto

107


Estaleiro

108

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade

C么lonia dos pescadores

Mercado

Escola t茅cnica


Ciclovia

Ferrovia

Faculdades

Audit贸rio

5. Projeto

109


Estaleiro

110

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade


5. Projeto

111


Escola tĂŠcnica

Faculdades


5. Projeto

113


114

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade


Museu

Ferrovia

Ciclovia

5. Projeto

115


Museuda cidade : chegada ao centro hist贸rico

116

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade


117

Itanha茅m: mem贸ria e desenho da cidade


Bibliografia

ADAMS, Cristina. As populações caiçaras e o mito do bom selvagem: a necessidade de uma nova abordagem interdisciplinar. Revista de Antropologia. São Paulo, v. 1, n. 43, p. 1-19, 2000. ARANTES, Antonio Augusto (org.) Produzindo o passado: estratégias de construção do patrimônio cultural. São Paulo : Brasiliense/ Secretaria de Estado da Cultura/ CONDEPHAAT, 1984. ARAÚJO FILHO, J. R. Baixada do rio Itanhaém. São Paulo: FFLCH, 1950. BERTATELI, Vladimir. O Imaginário Caiçara: conservação do seu espaço e transformações. Unesp, Revista de Iniciação Científica da FFC. Marília, v. 9, n. 1, p. 51- 63, 2009. BARDI, Lina Bo. Lina por escrito: textos escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo, Cosac Naify, 2009. BUCCI, Angelo. São Paulo, razões de arquitetura. Da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2010. BOSI, Ecléa. Memória e sociedade : lembranças dos velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. BRANCO, Alice. Cultura Caiçara - resgate de um povo. Peruíbe: Etecê, 2005. CARRIÇO, José Marques. Baixada Santista: transformações produtivas e sócio-espaciais na crise do capitalismo após a década de 1980. Tese de doutorado. São Paulo, 2006. DELIJAICOV, Alexandre Carlos Penha. Os Rios e o Desenho Urbano da Cidade: Proposta de Projeto para a Orla Fluvial da Grande São Paulo. Dissertação de Mestrado para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1998. DIEGUES, Antônio Carlos Sant’Ana. Pesca e marginalização no litoral paulista. 1973. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, Departamento de Ciências Sociais, São Paulo, 1973. ______, Antônio Carlos Sant’Ana. A interdisciplinaridade nos estudos do mar: o papel dasciências sociais. In: SEMANA DE OCEANOGRAFIA DA USP, 15, São Paulo, 2003. Anais. São Paulo, 2003. FERNANDES, Alexandre Gaiser. Porto. Trabalho Final de Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (Orientação: Alexandre Delijaicov). São Paulo, 2011. JORGE, Luís Antônio. O espaço seco: imaginário e poéticas da arquitetura na América. Dissertação (Doutorado) Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999.

118

Itanhaém: memória e desenho da cidade


MOURÃO, Fernando. Os pescadores do litoral sul do estado de São Paulo. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, Departamento de Ciências Sociais, São Paulo, 1971. PERUZZO, Mariah. Percurso Recuperação da Orla Ferroviária de Itanhaém. Trabalho Final de Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Santos. Santos, 2010. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. SILVA, Anelino Francisco da. Significado e identidade cultural da pesca em Portugal e no Brasil. Natal: Imagem Gráfica Ed. Ltda, 2008. SILVA, J.G.S. da. Caiçaras e jangadeiros: cultura marítima e modernização no Brasil. São Paulo: CEMAR/USP, 1993. SIMÃO, A. & GOLDMAN, F. Itanhaém. Estudo sobre o desenvolvimento econômico e social de uma comunidade litorânea. São Paulo: FFCL-USP, Boletim n. 226, Sociologia II, n. 1, 1958. SÓ, José Carlos. Itanhaém: histórias & estórias. Itanhaém: S.E., 1995. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001. Documentos Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura – Brasil 2010. Disponível em http://www.mpa.gov.br/ imprensa/noticias/300-boletim-estatistico-da-pesca-e-aquicultura-2010 Pesquisa Origem-Destino Região Metropolitana da Baixada Santista. Disponível em http://www.stm. sp.gov.br Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Município de Itanhaém. Plano Diretor de Turismo da Baixada Santista - PDTUR/BS. Disponível em <http://www.agem.sp.gov. br/projetos_pdtur.htm> Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da Baixada Santista. Disponível em <http://www. agem.sp.gov.br/projetos_pmdi.htm.>

Bibliografia

119


Créditos das imagens

[p.03] Acervo do autor [p.11] http://www.cidadaopg.sp.gov.br/imprensa/fotos/?attachment_id=7571 1. O caiçara [1] http://sosmataatlantica.blogspot.com.br/2007/05/as-populaes-tradicionais-da-mata.html [2] ARAÚJO FILHO, J. R. Baixada do rio Itanhaém. São Paulo: FFLCH, 1950. [3] Op. Cit. [4] Google Earth [5] http://www.cidadaopg.sp.gov.br/imprensa/fotos/?attachment_id=7569 [6] ARAÚJO FILHO, J. R. Baixada do rio Itanhaém. São Paulo: FFLCH, 1950. [7]Autor Desconhecido. [8] http://blogs.estadao.com.br/reclames-do-estadao/tag/itanhaem/ [9] http://blogs.estadao.com.br/reclames-do-estadao/tag/itanhaem/ [10] ARAÚJO FILHO, J. R. Baixada do rio Itanhaém. São Paulo: FFLCH, 1950. [11] Autor Desconhecido. [12] Autor Desconhecido. [13] Acervo do autor 2. A pesca [p.25] Acervo do autor [1] Acervo do autor [2] www.flickr.com [3] www.flickr.com 3. A metrópole [1] Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da Baixada Santista. Disponível em <http://www.agem.sp.gov.br/projetos_pmdi.htm.> [2] Op. Cit. [3] http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0371b.htm [4] http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0371b.htm [5] Produzido pelo autor. [6] http://www.estacoesferroviarias.com.br/ 4. Objetivos e propostas do trabalho [1] Google Earth

120

Itanhaém: memória e desenho da cidade


[2] FERNANDES, Alexandre Gaiser. Porto. Trabalho Final de Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (Orientação: Alexandre Delijaicov). São Paulo, 2011. [3] Acervo do autor 5. Projeto [p. 47] Acervo do autor [1] Acervo do autor [2] http://projovemtrabalhadorsaoluis.blogspot.com.br/2011_01_01_archive.html [3] Op. Cit. [4] Op. Cit. [5] ARAÚJO FILHO, J. R. Baixada do rio Itanhaém. São Paulo: FFLCH, 1950. [6] Acervo do autor [7] Acervo do autor [8] www.flickr.com [9] Acervo do autor [10] ARAÚJO FILHO, J. R. Baixada do rio Itanhaém. São Paulo: FFLCH, 1950. [11] Acervo do autor [12] Acervo do autor [13] ARAÚJO FILHO, J. R. Baixada do rio Itanhaém. São Paulo: FFLCH, 1950. [14] Google Earth [15] Op. Cit. [16] Op. Cit. [17] Op. Cit. [18] Op. Cit. [19] Op. Cit. [20] Op. Cit. [21] Op. Cit. [22] Op. Cit. [23] Op. Cit. [24] Op. Cit. [25] Op. Cit. [26] Op. Cit. [27] Op. Cit.

121




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.