Obra em reivindicatória configura atentado

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Obra em uma ação reivindicatória ou possessória configura atentado A construção ou prosseguimento da obra em uma ação reivindicatória ou possessória configura atentado? Por TASSUS DINAMARCO

Configura, pelos seguintes motivos: art. 879. Comete atentado a parte que no curso do processo I – viola (...) imissão na posse; II – prossegue em obra embargada; III – pratica outra qualquer inovação ilegal no estado de fato. Humberto Theodoro Jr., citando Pontes de Miranda, fala que “A ação de atentado tem lugar frente a qualquer espécie de ação: condenatórias, constitutivas, declaratórias, executivas ou cautelares” (Processo Cautelar, 21ª ed., Leud, SP, 2004, p. 409). Mais à frente, contudo, pondera Theodoro Jr., citando Jorge Americano, “Assim, nas reivindicatórias, não constitui atentado a construção, ou prosseguimento da obra. Deve-se ter presente que não pode a lei processual causar dano ao réu que é possuidor, o qual, tanto como o reivindicante, pode ser proprietário, enquanto pende a lide, porque aquele exterioriza a propriedade pelo exercício da posse” (Processo Cautelar, ob. cit. p. 412). Malgrado o lúcido argumento do mineiro, a construção ou prosseguimento da obra em uma ação reivindicatória ou possessória pode configurar atentado, mormente se o requerido não ostentar a qualidade de possuidor-proprietário ou só possuidor do imóvel. Imagine-se o esbulhador... Nesses casos pode caber atentado. Esbulhador em regra não tem direito sobre o bem invadido em razão de sua má-fé e contrariedade ao ordenamento jurídico.

Qual a natureza da sentença que julga a ação cautelar de atentado?

Creio que a sentença que se baseia no caput do art. 881, exclusivamente, tem natureza jurídica de decisão condenatória, espécie de decisão judicial construída pela Teoria Clássica ou Trinária relativamente aos efeitos do provimento jurisdicional. Há divergência na doutrina sobre as espécies “mandamentais” e “executivas (lato sensu)” das decisões judiciais, tendo vozes como a de Alexandre Freitas Câmara, Humberto Theodoro Jr. e Cândido Rangel Dinamarco, exemplificativamente, que negam a existência destas duas últimas espécies, dizendo estes doutrinadores que são, em verdade, decisões judiciais condenatórias cujos efeitos não escapam da construção de Enrico Tullio Liebman quando desenvolveu a Teoria Clássica ou Trinária, incorporada ao CPC pela influência de Alfredo Buzaid no anteprojeto do referido diploma processual. Nelson Nery Jr., Rosa Maria de Andrade Nery, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, de outra banda, defendem peculiaridades capazes de demonstrar, segundo eles, a derrogação da teoria construída pelo Código de 73. Essa corrente encampa a Teoria Moderna ou Quinária quanto à natureza jurídica das decisões judiciais. Seria um verdadeiro dislate introduzir comentários a respeito destas teorias neste momento. Assim, tendo por conta tanto uma quanto a outra e sem desprezo de qualquer uma delas, trata-se de decisão condenatória para a corrente clássica e talvez decisão mandamental para a corrente moderna.


A decisão judicial prevista no parágrafo único do mesmo dispositivo é mais facilmente identificada pelo intérprete, pois expressamente usa o termo “...condenar o réu a ressarcir...”, não fugindo, destarte, do que foi dito a respeito da sentença lastreada no caput do art. 881 do Código relativamente à natureza jurídica de decisão condenatória pura. Tanto faz, quanto ao parágrafo único, a corrente adotada, moderna ou clássica. É decisão condenatória caso seja julgada procedente a ação de atentado. É declaratória se julgada improcedente, negando a alteração ilegal no estado de fato.

Qual a finalidade da suspensão do processo principal? É obrigatória? A restituição ao estado anterior é prejudicial ao julgamento do processo principal? Isso não prejudica a parte inocente e possibilita que a ação possa ser utilizada para postergar indevidamente a solução do litígio?

“Somente nas hipóteses em que o prosseguimento encontra-se obstado pela inovação, como no bem ocultado que não pode ser levado à hasta pública, é que se opera a suspensão do processo; nos demais casos, não”, afirma Paulo Afonso Garrido de Paula (Código de Processo Civil interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, Atlas, SP, 2004, p. 2336). Essa a finalidade da suspensão. Como se extrai do texto doutrinário, não é obrigatória a suspensão. “A suspensão do processo originário nem sempre será necessária, devendo o juiz verificar as particularidades do caso concreto, mormente porque a paralisação poderá impor maiores prejuízos à parte lesada pelo atentado” (idem, ibidem). O prejuízo, lembrado por Garrido de Paula, deve, por isso, ser levado em conta pelo juiz ao suspender ou não o feito, segundo seu prudente e decantado bom senso. Apesar da locução do art. 881, caput, do CPC, “A sentença, que julgar procedente a ação, ordenará o restabelecimento do estado anterior, a suspensão da causa principal e a proibição...”, não se pode subtrair do juiz analisar a necessidade ou não de se suspender o procedimento, até porque outros valores previstos no próprio Código e na Constituição Federal determinam o prosseguimento do feito se verificado que a suspensão inegavelmente causará maior prejuízo à parte, conforme o art. 125, II, do CPC, e art. 5º, LXXVIII da CF na redação da EC 45/04. Nem por isso se proíbe eventual suspensão do processo cautelar, desde que o juiz, obviamente, fundamente sua decisão nos termos do art. 93, IX, da CF.

Cabe liminar na ação cautelar de atentado, haja vista o disposto no art. 880 do CPC?

Sem fugir do direito positivo, pode o juiz determinar o adimplemento do direito se valendo dos arts. 461 e 461-A do CPC. É o que defende Paulo A. Garrido de Paula: “Nesse aspecto a sentença contém verdadeira ordem de fazer ou de entregar coisa, consistente na adoção de providências que recomponha a situação de fato ao estado anterior à inovação. Seu descumprimento importa a adoção das providências dos arts. 461 e 461-A, de modo que o juiz pode, ultrapassando o prazo fixado para o cumprimento voluntário do preceito, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial” (CPC interpretado,


ob. cit. p. 2336). Em se tratando de adimplemento do direito liminarmente, entendido como o momento em que o juiz, antes de qualquer outra atividade processual - como audiência de justificação do requerente ou ouvir a parte contrária - determina o cumprimento de decisão incidental, provisória, e investida de cognição por verossimilhança, não é ilícito se invocar a fungibilidade da medida cautelar com a antecipação total ou parcial da tutela pretendida, nos termos do art. 273, § 7º, do CPC, parágrafo acrescentado pela Lei 10.444/02. Ora, admitindo a fungibilidade, em decisão fundamentada, pode o juiz antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida liminarmente, eis que o dispositivo da “Teoria Geral da Tutela Antecipada” (art. 273 do CPC) de lege lata não proíbe o emprego da liminar; pelo contrário, incentiva-a. Fungibilidade essa adotada nos casos em que o juiz entenda que o atentado é medida cautelar propriamente dita (v. Humberto Theodoro Jr., Processo Cautelar, ob. cit. p. 409), pois aí se justifica falarmos em “fungibilidade”. Já para Paulo A. Garrido de Paula, como não se trata de medida cautelar, o fundamento de validade da decisão incidental, concedida liminarmente, seria o art. 273 do CPC com exclusão de seu § 7º, sem abandonar, evidentemente, o procedimento previsto no art. 879 e ss. do Código de Processo Civil (v. CPC, interpretado, ob. cit. p. 2333).

A simples venda ou transferência do bem constringido enseja a propositura da ação cautelar de atentado?

Pode ensejar nos termos do art. 879 do CPC. Se violada a penhora, o arresto ou a imissão na posse; quando haja prosseguimento em obra embargada; ou quando haja prática de outra qualquer inovação ilegal no estado de fato. Não creio que haja “simples venda” nestes casos, ou seja, no sentido do prejuízo ao requerente do atentado, em bem penhorado, arrestado – cujo futuro é a conversão em penhora – ou diante de outra qualquer inovação ilegal no estado de fato, hipóteses cometidas pelo dispositivo mencionado, pelo direito posto, portanto. A venda de imóvel ordinariamente dá ensejo à fraude contra credores ou mesmo fraude à execução, cujas conseqüências serão sentidas pelo requerido que assim proceder se por ventura o juízo reconhecer alguma dessas atividades tidas como ilícitas ao (s) direito (s) do (s) credor (ou credores). Sem prejuízo de se cometer atos atentatórios ao exercício da jurisdição (art. 14, V, cc art. 600, ambos do CPC), a alienação da coisa litigiosa, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes segundo o art. 42, caput, do CPC. Humberto Theodoro Jr., examinando o casuísmo legal do inciso III do art. 879, elucida que “É ainda de exigir-se o requisito do prejuízo, de forma que não é qualquer alteração de fato que configura o atentado, mas tão-somente aquela que possa afetar, lesivamente, o interesse da parte a ser eventualmente tutelado na procedência final de mérito” (Processo Cautelar, ob. cit. p. 412). Fica então ao caso concreto e à subsunção do preceito normativo a observância da necessidade ou não em se deferir atentado ao requerente na venda ou transferência do bem constringido. Num juízo provisório ou sumário de cognição, há atentado.

Cabe ação cautelar de atentado contra ato de terceiro estranho à lide?


Terceiro detentor de interesse jurídico na lide pode ser sujeito passivo do atentado previsto no caput do art. 881 do CPC. Causando danos e perdas ao requerente, titular do direito violado, pode, igualmente, ser condenado pelo parágrafo único do mesmo dispositivo. Não obstante, “terceiro estranho à lide”, aquele que não participa – principalmente com atos materiais de violação ao direito do requerente – não tem legitimidade passiva ad causam na ação cautelar de atentado. Só a tem nos casos em que participa da lide efetivamente, sem o que há carência da ação pelo art. 267, VI, do CPC. Pode, ao revés, responder pelas sanções do art. 14, V, do CPC, se, por exemplo, impede a execução de desfazimento de uma obra embargada, contrária ao direito do requerente, mesmo não tendo nenhuma relação jurídico-processual direta com a lide como teria se viesse mediante legitimação ordinária ou extraordinária, defendendo direito próprio ou alheio.

O prazo de eficácia do art. 806 do CPC se aplica à ação cautelar de produção antecipada de provas?

“O prazo de trinta dias previsto no art. 806 do CPC só se aplica às cautelares que importarem em restrição de direitos. A produção antecipada de provas é medida conservativa de direito, portanto, não está obrigado o autor a propor a ação principal no referido prazo de modo a ter como válidas as provas antes produzidas” (STJ, REsp 59507/SP, 5ª Turma, rel. Min. Edson Vidigal, j. 10.11.1997, DJ 1.12.2997, p. 62767). Doutrina e jurisprudência vacilam a respeito, havendo árduas discussões: se a produção antecipada de provas do processo cautelar se sujeita ou não ao prazo do art. 806 do CPC. Mesmo acreditando em sua natureza cautelar, as circunstâncias do caso concreto podem afastar a necessidade do ajuizamento em trinta dias da ação principal, sem que se exclua do rol das medidas cautelares propriamente dias a produção antecipada de provas.

Qual a natureza da sentença que julga a ação cautelar de produção antecipada de provas?

“A sentença em ação cautelar de prova pericial é simplesmente homologatória” (RT 543/173). Precisamos ter cuidado com essa afirmação, pois em sentido estrito ocorre homologação quando as partes praticam transação, compondo o litígio sob a condição de concessões recíprocas em face do direito pretendido por um e resistido pelo outro (v. art. 840 do Código Civil). Deferida a


produção cautelar de prova pericial, por exemplo, tendo a outra parte impugnado o laudo, como podemos afirmar a existência de “homologação” da prova ali produzida tendo-se em vista que o requerido tomou a iniciativa de desdizer a prova consignada pelo experto? Afirmar que a sentença da ação cautelar de prova pericial antecipada é homologatória pode significar desconstituir os institutos de direito privado e processual, ao mesmo tempo. Diversamente, pode a sentença que julga a ação nessas condições ser declaratória ou constitutiva. Registre-se que Pontes de Miranda sempre teve cuidado com a rubrica dos institutos. Dissecava o jurista alagoano a natureza jurídica das prescrições legais e doutrinárias. Eram, pois, uma constante preocupação. Doutrina e jurisprudência, retornando, vacilam a respeito: se a produção antecipada de provas é ação cautelar ou não. A tendência é a de se considerar como sentença homologatória a decisão que aprecia o atentado, sem que o juiz possa valor a prova. Tendo a produção antecipada de provas como medida cautelar, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, in Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 7ª ed., RT, SP, 2003, p. 1103. Concordo com Nelson Nery e Rosa Nery porque a medida preenche os requisitos atinentes às cautelares, garantindo o resultado prático, útil e equivalente do direito material quando instaurado o processo principal, tempo que significaria a ruína da prova se não houvesse a antecipada produção. Demonstrado o verossímil perigo da demora pelo requerente não há como negar a natureza jurídica de espécie típica e genuína prevista no Livro III do CPC.

É possível a antecipação de outras espécies de prova além daquelas mencionadas no art. 846 do CPC?

Defende Paulo Afonso Garrido de Paula a possibilidade do deferimento de prova documental mediante cautelar operada através de busca e apreensão (CPC interpretado, ob. cit. p. 2305). Desde que não se extrapole o juízo provisório e de verossimilhança na cognição, característica do processo cautelar, nada impede a produção de prova lícita e legítima segundo o ordenamento jurídico. O art. 846, nesse sentido, pode ser interpretado extensivamente. Ademais, levanta-se como argumento o poder geral de cautela do magistrado, cujo exemplo dado pela doutrina é a inspeção judicial.

A ação exibitória é uma espécie de ação cautelar de produção de prova?

Paulo Afonso Garrido de Paula nega essa possibilidade, pois para ele “Tratase, portanto, de cautelar imprópria, destinada a defesa do alegado interesse juridicamente protegido de ver, que nem sempre corresponde a obrigação de mostrar” (CPC interpretado, ob. cit. p. 2299). Fora isso, mesmo que a exibição esteja prevista no Livro III do Código (Do Processo Cautelar) de forma heterotópica segundo muitos doutrinadores, inegavelmente contém atos que se assemelham à produção antecipada de provas prevista no art. 846 e ss do CPC. Note-se que a ação de exibição empresta um procedimento aplicável, no que couber, ao disposto nos arts. 355 a 363, e 381 e 382 (art. 845 do CPC). Pode, assim, ser tratada como


outra espécie de ação cautelar de produção antecipada de provas. Tal alegação, porém, não é consensual na doutrina e nos tribunais.

O entendimento corporificado na antiga Súmula 263 do TFR (“a produção antecipada de provas, por si só, não previne a competência para a ação principal”) é compatível com o ordenamento jurídico vigente?

“Há entendimento jurisprudencial segundo o qual a produção, por si só, não previne a competência para a ação principal. Caso, no entanto, em que se entendeu que previne a competência, em face de marcante particularidade, não existentes nos acórdãos paradigmas” (STJ, REsp 80722/PR, 3ª Turma, rel. Min. Nilson Naves, j. 17.6.1997, DJ 8.9.1997, p. 42490). Doutrina e jurisprudência vacilam a respeito, havendo árduas discussões: é ação cautelar ou não? Quem admite se tratar de medida cautelar pura, genuína ou propriamente dita, deve, por coerência, sustentar que a produção antecipada de provas previne a competência jurisdicional, afastando-se a súmula 263 do antigo Tribunal Federal de Recursos, substituído pelo Superior Tribunal de Justiça após a CF/88. Já quem defende se tratar de medida de caráter satisfativo, tal como as decisões judiciais executivas da Teoria Moderna ou Quinária, esgotando-se o objeto da ação pelo deferimento do pedido, e, portanto, atendido o direito material perseguido em juízo, aí não há que se falar em prevenção desta falsa cautelar, até porque nem haverá necessidade de posterior ação principal discutindo a pretensão, esgotada no momento em que o pedido foi julgado procedente, verbi gratia. Para essa última corrente, ainda que por fundamento jurídico diferente, não tem aplicação a súmula 263 do TFR. Particularmente, creio que deferida a produção de prova no processo cautelar, principalmente quando o requerido acompanha o feito e, ainda, se defende naquela oportunidade, deve haver prevenção. A regra no ordenamento jurídico é a de que o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide (art. 132 do CPC). Mesmo não havendo resolução de mérito, mas antecipação de prova que poderá influir no julgamento da ação principal, a identidade física do juiz o alcança se ele instrui o procedimento segundo a interpretação sistemática do Código, aplicável à espécie, portanto. Não acredito que o novo juiz, aquele que não tomou conhecimento da causa, não instruiu a prova cautelar, anteriormente, tenha mais condições de julgar o mérito da ação principal senão aquele juiz que conheceu a ação preparatória cautelar. Prestigiar a prevenção nesses casos não agride a lei e torna o julgamento mais seguro às partes. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery falam que “O subprincípio da identidade física do juiz consiste no dever que tem o magistrado que concluiu a audiência de instrução e julgamento de proferir a sentença de mérito no processo civil” (CPC comentado, ob. cit. p. 533). Justifica-se com mais razão a prevenção na produção antecipada de prova contraditada pelo requerido, havendo, sem dúvida, parcial instrução do feito cuja legitimidade pode influir na decisão de mérito da ação principal. Daí a necessidade de se aplicar o art. 132 do Código de Processo Civil extensivamente à produção antecipada de provas.


O juiz estadual pode conhecer de ação cautelar de produção de provas que vise assegurar direito a ser pleiteado perante a Justiça Federal?

O § 3º do art. 109 da Constituição possibilita, desde que autorizada por lei infraconstitucional segundo a interpretação literal da norma, que o juiz estadual, através de sua competência residual ou subsidiária – ao contrário da competência da Justiça Federal, que é taxativa ou numerus clausus -, apreciar matérias de competência da JF quando não houver vara federal na comarca. Assim, pode conhecer ação cautelar de produção antecipada de provas visando assegurar direito a ser pleiteado em ação principal perante a Justiça Federal. Se, por exemplo, for criada uma vara federal após a apreciação cautelar a ação apreciada pelo juiz estadual terá sido de muita utilidade à parte, que não mais precisará renovar a ação cautelar neste sentido. Para quem defende se tratar de medida satisfativa ou executiva, exaurindo seus efeitos tão só com a produção da prova em si, sem que haja necessidade de posterior ajuizamento da ação principal (por ter esgotado o objeto do pedido segundo o direito material buscado pelo requerente), não havendo na comarca subseção judiciária da JF e só havendo o foro estadual para se demandar, é legítima aquela produção antecipada, cujo recurso deverá ser apreciado pelo Tribunal Regional Federal da Região onde foi proferida a decisão atacada, e não pelo Tribunal de Justiça do respectivo Estado. Trata-se de delegação da competência da JF à JE, e, por isso, o recurso se destina ao tribunal competente. Aquele que detém competência jurisdicional para reformar a decisão da vara federal acaso existisse na comarca onde foi produzida antecipadamente a prova. Quem defende se tratar de medida cautelar propriamente dita a produção antecipada de provas, o entendimento é o mesmo quanto ao destino do recurso interposto. Um munícipe de São Vicente/SP, por exemplo, teria que tomar outro caminho. Deveria ajuizar a produção antecipada de provas na cidade vizinha, Santos/SP, onde há varas judiciais competentes para apreciar causas afetas à Justiça Federal, pertencente à 4ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo nos termos do Provimento 114/95. Portanto, a viabilidade da produção antecipada de provas por juiz estadual mediante delegação de competência jurisdicional depende de como a lei de organização judiciária da respectiva comarca e a seção judiciária trataram do assunto. Essa é a prescrição do direito posto. Pondero, contudo. Como a jurisdição é uma garantia fundamental desta república, no silêncio de disposições infraconstitucionais deve o juiz estadual apreciar o feito nos termos do art. 109, § 3º, da CF, não podendo o Poder Judiciário frente a uma lesão ou ameaça de lesão deixar de conhecer o direito que se alega violado ou ameaçado nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Sobre a delegação de competência há previsão expressa no art. 15, II, da Lei 5.010/66, que organizou a Justiça Federal de primeira instância e deu outras providências.

Cabe denunciação à lide na ação cautelar de produção antecipada de provas?

“Não cabe denunciação da lide em medida cautelar de produção antecipada de prova. Precedente. É admissível a intervenção de terceiro em ação cautelar de produção antecipada de prova, na forma de assistência provocada, pois visa garantir a efetividade do princípio do contraditório, de modo a assegurar a eficácia


da prova produzida perante aquele que será denunciado à lide, posteriormente, no processo principal” (STJ, REsp 213556/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.8.2001, DJ 17.9.2001, p. 161). Pode o futuro denunciado à lide, que entretém relação jurídica direta com o réu da ação principal, admitida a denunciação e sendo instaurada outra relação jurídica processual nesta ação (entre denunciante e denunciado), defender-se com todas as provas admitidas pelo ordenamento jurídico, sem que haja necessidade, prematuramente, de intervir na produção antecipada de provas. É preciso que o denunciado na ação principal tenha em mente que pode sofrer o “efeito da intervenção” se intervir no processo cautelar. Fica sujeito à preclusão consumativa e/ou lógica e, ainda, fica sujeito, segundo alguns, à coisa julgada material dependendo da natureza jurídica da produção antecipada de provas endereçada pelo juiz, não sendo vantagem, no mais das vezes, intervir no processo cautelar como assistente (simples ou litisconsorcial, dependendo do caso concreto) ou como litisdenunciado em razão da finalidade específica e apertada do procedimento previsto no art. 846 e ss do CPC. Se for possível, que aguarde o ajuizamento da ação principal para que possa produzir prova e contradizer as eventualmente produzidas pelo requerente da cautelar, agora autor da ação que busca o mérito da lide.

Qual a diferença entre a ação de justificação e a cautelar de produção antecipada de provas?

A justificação, para muitos um instituto alheio ao regime geral do processo cautelar, não depende dos pressupostos inatos a qualquer cautelar pura, quais sejam: fumus boni iuris e periculum in mora. Além disso, possui procedimento diverso da produção antecipada de provas e, também, porque na justificação só se admite a oitiva de testemunhas à demonstração – sem conteúdo de prova propriamente dita por não possibilitar a defesa do requerido (art. 865 do CPC) – da existência de algum fato ou relação jurídica, para a produção de “simples documento” e “sem caráter contencioso” (art. 861 do CPC). Ao contrário, a produção antecipada de provas tem um raio de abrangência maior, servindo para a produção antecipada do interrogatório das partes (depoimento pessoal), inquirição de testemunhas e exame pericial (art. 846 do CPC), podendo, outrossim, servir como meio de prova desde que o requerido pratique defesa nos autos, participando do desencadeamento do feito pelo contraditório, hipótese que servirá a cautelar como prova propriamente dita na ação principal, pois respeitadas as garantias constitucionais do devido processo legal. A produção antecipada de provas, destarte, é mais ampla do que a justificação. Alega-se, ainda, que a justificação tende a constituir a prova, ao passo que a produção antecipada tem o sentido de assegurá-la.

O juiz pode indeferir de plano a produção antecipada de provas se verificar que o direito alegado pela parte foi atingido pela prescrição ou decadência?


Ainda que haja doutrinadores pessimistas quanto à aplicabilidade do instituto trazido pelo art. 219, § 5º, do CPC, na redação da Lei 11.280, de 2006, como Humberto Theodoro Jr., Alexandre Freitas Câmara e Fredie Didier Jr. - com menos intensidade este último -, há que se aplicar o dispositivo restritivo da pretensão do autor ainda que em sede cautelar de produção antecipada de provas. Há disposição expressa no art. 810 do CPC permitindo o juiz indeferir a pretensão inicial. O Direito serve a uma finalidade, não é pró-forma ou mero exercício de intelectuais. Absolutamente! Serve ao adimplemento do direito violado deduzido na petição inicial e muitas vezes resistido pela parte contrária quando aberto o contraditório. Penso que deve o juiz conhecer da prescrição e resolver o processo com julgamento de mérito – ou falso mérito segundo boa parte da doutrina – nos termos do art. 269, IV, do CPC na redação da Lei 11.232/2005, inviabilizando, assim, eventual ação principal pretendida pelo requerente-autor (sucumbente) da produção antecipada de provas. Este último se sujeita, inclusive, ao recolhimento das custas processuais e honorários de advogado por força do art. 20 do CPC.

Pode haver a inversão do ônus da prova, com base no CDC, em ação cautelar de produção antecipada de provas proposta pelo consumidor?

O art. 6º, VIII, do CDC, segundo boa parcela da doutrina, encerra uma regra de julgamento ou de juízo, não se tratando, assim, de efetivamente inverter o ônus da prova. Carlos Fonseca Monnerat, juiz de Direito na capital paulista e professor titular das turmas de pós-graduação da Universidade Católica de Santos, SP, em sua tese de doutorado defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, se manifestou a respeito do acalorado instituto. Inversão do ônus da prova no processo penal brasileiro, Communicar, SP, 2006, abordou a Teoria Geral da Prova. Nela, se viu que o mencionado dispositivo do Código do Consumidor traz inegável regra de julgamento e que determinado fato jurídico pode ser afeto ao direito material e, por isso, influi e causa alguns reflexos no direito processual na ocasião em que o juiz decide a lide, não se tratando, pois, de “inversão do ônus da prova” como quer parecer uma leitura mais apressada do art. 6º da lei 8.078. Cuidando de “inversão do ônus da prova propriamente dita” ou “regra de juízo ou de julgamento”, não importa neste átimo pelo seguinte motivo: a incidência do art. 6º, VIII, do CDC deve ser empregada somente em processo de conhecimento, onde há amplo debate entre as partes sob o devido processo legal mediante a bilateralidade construída pela doutrina e tribunais durante séculos e atualmente aplicável no processo judicial de qualquer Estado de Direito DemocráticoRepublicano, como o nosso nos termos do art. 1º da CF. A produção antecipada de provas tem finalidade específica, de “documentação” da prova, de “atestar os fatos relevantes” para um processo principal, não havendo razão em se falar em inversão do ônus da prova nas tutelas cautelares de produção antecipada de provas. De se lembrar que a doutrina tem se posicionado que a produção antecipada de provas somente tem o condão de “homologar” a “prova” ali constituída, reforçando, neste caso, a alegação de


que não haveria qualquer inversão do ônus da prova ou aplicabilidade da regra de julgamento neste sentido senão em processo de cognição ou de conhecimento.

Eis algumas questões sobre o atentado e a produção antecipada de provas à luz do processo cautelar brasileiro. Com razão, não é aqui o estádio para um maior desenvolvimento destes institutos.

Fonte: TASSUS DINAMARCO Advogado Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Santos, SP www.jurisway.org.br


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