Os Concelhos Ribeirinhos da Margem Esquerda do Estuário do Tejo e a Cidade de Lisboa

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OS CONCELHOS RIBEIRINHOS DA MARGEM ESQUERDA DO ESTUÁRIO DO TEJO E A CIDADE DE LISBOA NOS SÉCS. XIV-XIX CONFERÊNCIAS, COLÓQUIOS E OUTROS ESCRITOS (TEXTOS) António Gonçalves Ventura | Câmara Municipal da Moita


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FICHA TÉCNICA

TÍTULO. Os concelhos ribeirinhos da margem esquerda do estuário do Tejo e a cidade de Lisboa nos sécs. XIV-XIX: conferências, colóquios e outros escritos (Textos). AUTOR. António Gonçalves Ventura IMAGENS DA CAPA. Brasão antigo da vila de Alhos Vedros – Capela mor, parede exterior da Igreja de São Lourenço, Matriz de Alhos Vedros (fotografia de António Gonçalves Ventura); Planta de Vale de Zebro, 1845, Francisco Maria Pereira da Silva (autor), cópia digital, Biblioteca Nacional de Lisboa; Mapa geográfico de uma parte das províncias de Alentejo e Estremadura, 1801, J. M. d. N. C. (autor), cópia digital, Biblioteca Nacional de Lisboa. IMAGENS | AGRADECIMENTOS. Biblioteca Nacional de Lisboa; Padre Carlos Póvoa Alves / Igreja de São Lourenço, Matriz de Alhos Vedros. REVISÃO DO TEXTO. Teresa Silva DESIGN GRÁFICO:. Carlos Jorge EDIÇÃO. Câmara Municipal da Moita / Departamento de Assuntos Sociais e Cultura / Divisão de Cultura 1ª Edição DATA DA EDIÇÃO. novembro de 2020 IMPRESSÃO. Espírito de Papel ISBN. 978-989-54876-2-2 DEPÓSITO LEGAL. 000 00000 00 TIRAGEM. 300 exemplares

Esta obra respeita o novo Acordo Ortográfico


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À população de Alhos Vedros, para que a sua História não seja esquecida


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ÍNDICE

NOTA DE APRESENTAÇÃO AGRADECIMENTOS NOTA DE ABERTURA 1. COMUNICAÇÕES E ESTUDOS DE CAMPO 1.1 A “Outra Banda” e a Expansão Portuguesa: o contributo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro 1.2 “Dois dedos de conversa” acerca do Barreiro pré-industrial 1.3 Os pinhais de Alhos Vedros nos séculos XV e XVI 1.4 Alhos Vedros no contexto da margem esquerda do estuário do Tejo: uma perspetiva económica nos séculos XIV-XIX 1.5 Moinhos de maré no atual concelho do Barreiro: o moinho pequeno de Alburrica-estado de conservação, restauro e aproveitamento didático-pedagógico 1.6 Aldeia Galega pré-republicana no contexto dos concelhos ribeirinhos da margem esquerda do estuário do Tejo 2. ARTIGOS DE REVISTA 2.1 Algumas considerações acerca da população de Alhos Vedros durante o Antigo Regime 2.2 Alhos Vedros na Expansão Portuguesa 2.3 A organização político-administrativa do concelho de Alhos Vedros no Antigo Regime 2.4 As visitações da Ordem de Santiago 2.5 O Poder Local e a gestão da produção e consumo dos vinhos em Alhos Vedros no Antigo Regime 2.6 O Porto de Alhos Vedros 2.7 Ascensão e queda do concelho de Alhos Vedros 3. ARTIGOS DE JORNAL 3.1 Alhos Vedros na Expansão Portuguesa 3.2 O antigo concelho de Ribatejo (1) 3.3 O antigo concelho de Ribatejo (2) 3.4 Poder Local e Património Cultural 3.5 O complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro: contributo para a História do concelho de Alhos Vedros 3.6 Aspetos a considerar acerca das primeiras jornadas na Moita sobre História e Património Local em setembro de 2001

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Duas palavras sobre o papel dos sapais na dinamização dos espaços ribeirinhos À descoberta da História Local (I) À descoberta da História Local (II) Os moinhos de Alhos Vedros: contributos para o seu conhecimento A Estalagem do Porto de Alhos Vedros Ainda sobre os “Mendonça Furtado” e os Moinhos de Alhos Vedros Um registo para a História da Baixa da Banheira A função formativa da imprensa regional e local Quebra da Carta de Vizinhança entre Alhos Vedros e Barreiro em 1686 Um mercado em Palhais no século XVI: “recriação histórica”

4. ANEXOS 4.1 Formação de professores (Centro de Formação do Barreiro e Moita): Ação sobre Património Local e Regional e Projeto-Turma 4.2 UTI (Universidade da Terceira Idade do Barreiro): Programa de formação sobre História Regional e Local

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NOTA DE APRESENTAÇÃO

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Câmara Municipal da Moita tem prosseguido um esforço empenhado no conhecimento, divulgação e preservação do nosso património, o que tem suscitado a publicação de variadas obras que, acreditamos, têm contribuído para suscitar uma cada vez maior atenção à riquíssima história destes territórios ribeirinhos, da sua ocupação humana e dos seus múltiplos testemunhos. O âmbito geográico do que é hoje o concelho da Moita, pela sua situação, na embocadura de uma das principais vias de comunicação e comércio luvial, deu-lhe uma importância estratégica, tanto na ligação com os outros concelhos ribeirinhos, como com a grande cidade da outra margem do Tejo. Do fornecimento de bens essenciais, como o sal, até ao abastecimento alimentar, passando pelo porto seguro para a construção e reparação das embarcações ou o entreposto comercial dos mais diversos produtos, o nosso território concelhio assumiu uma centralidade que se reletiu na ixação de comunidades que nos legaram o património material, mas também de usos, costumes e saberes que foram moldando a nossa identidade. É da maior importância o trabalho que hoje damos à estampa, reunindo um conjunto de textos de António Gonçalves Ventura, de reconhecido rigor cientíico e metodológico, que, apesar de já editados, dispersos por diversas publicações, beneiciam de estarem agora reunidos em antologia, facilitando o seu acesso e estudo. Agradecemos assim ao historiador, a forma séria e fundamentada com que prosseguiu um rigoroso trabalho de recolha e análise crítica das fontes, permitindo-nos um olhar atento sobre o enquadramento histórico-administrativo do antigo concelho de Alhos Vedros num período que vai do século XIV ao XIX. Esta é, pois, uma obra que representa um contributo incontornável para um conhecimento mais aprofundado da nossa história e que contribuirá, estamos certos, para alcançar os objectivos confessos do autor, que partilhamos e valorizamos: incrementar o interesse pela história regional e local e, por essa via, contribuir para um melhor conhecimento da história nacional, formando novos públicos, particularmente junto das escolas, cativando os mais novos para o conhecimento e importância da preservação dos nossos valores patrimoniais. Rui Garcia Presidente da Câmara Municipal da Moita


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AGRADECIMENTOS

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ueremos agradecer à Câmara Municipal da Moita pelo interesse manifestado na publicação deste volume, depois de consultado o teor dos textos nele inscritos, visto tratar-se, salvo raras exceções, de escritos correspondentes ao antigo concelho de Alhos Vedros, e muitos dos documentos tratados terem sido consultados no Arquivo Municipal da Moita. Queremos também manifestar os nossos agradecimentos aos diretores da Revista “Aliusvetus” e do Jornal “O Rio”, por nos terem convidado a participar com artigos sobre História Local, nomeadamente acerca da História do antigo concelho de Alhos Vedros, cujos periódicos, e pela qualidade dos artigos de todos os intervenientes neles publicados, em muito contribuíram para o conhecimento e divulgação da História e Património Local. Uma palavra de agradecimento à Mestre Teresa Silva, pela disponibilidade em todo o apoio prestado nos trabalhos técnicos e de revisão, durante a elaboração de todo o processo conducente à publicação.


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NOTA DE ABERTURA

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ste volume reúne alguns dos textos proferidos em conferências, colóquios e palestras, muitos dos quais já editados anteriormente em livros de atas, revistas e jornais. Pela sua dispersão, e porque no essencial tratam de matérias relacionadas com a margem esquerda do estuário do Tejo nos séculos XIV-XIX, achámos por bem que fossem aqui reunidos de forma a facilitar a sua consulta por quem se interesse pela História Regional e Local dos concelhos ribeirinhos do espaço em questão, e que não tenha tido acesso aos grandes temas de onde parte dos excertos foram extraídos, nomeadamente a dissertação de mestrado e a tese de doutoramento do autor. Por tratar-se de assuntos transversais aos diferentes concelhos por nós aqui abordados, tornou-se necessário, por vezes, recorrermos aos mesmos documentos em comunicações diferentes para fundamentar o nosso raciocínio relativamente à evolução administrativa, económica e demográica durante o longo período por nós estudado de forma comparada. Pretendemos com esta publicação dar corpo a três ideias fundamentais, pelas quais nos temos batido desde há cerca de três décadas: 1. Incrementar o interesse pela História e Património Regional e Local, no sentido de um melhor conhecimento sobre o meio circundante; 2. Fomentar o interesse pelo Património Regional e Local junto das Escolas, não só para o seu conhecimento, mas também para a sua preservação por parte dos alunos; 3. Contribuir para um melhor conhecimento da História Nacional a partir da História Regional e Local. Os trabalhos desenvolvidos nas últimas décadas, quer ao nível das Câmaras Municipais, quer por pessoas individuais através de estudos académicos ou de outra qualquer natureza, muito têm contribuído para o aprofundamento de algumas áreas da História Local, mas ainda muito centrados na época contemporânea. No que respeita à Idade Média e Idade Moderna, salvo algumas exceções, os trabalhos realizados


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poucos têm ido para além de aspetos de natureza institucional e política tendencialmente em torno do acontecimento, marcados pela historiograia positivista dos inais do século XIX e inícios do século XX, sobrevalorizando os documentos e factos históricos enquanto valor absoluto, e subvalorizando o papel do historiador na construção da História. A História faz-se com documentos, mas os documentos, para além de não serem inocentes, são “sacos vazios” e cabe ao historiador dar-lhes forma e enchê-los a partir da sua interpretação, depois uma minuciosa análise crítica, tanto externa como interna. Crítica externa, de forma a observar a sua autenticidade: se o documento é verdadeiro ou falso,1 ou se sofreu manipulações ao longo do tempo. Crítica interna, para analisar a sua credibilidade através da interpretação do seu signiicado, da competência e honestidade do seu autor, as condições de produção e, sempre que possível, confrontá-lo com outros testemunhos. Sem o seu trabalho, não existe História, mas apenas a matéria prima com a qual se produz. Constata-se que muitas das pesquisas efetuadas sobre essas épocas se tenham orientado em torno da exploração exaustiva dos forais manuelinos, das informações paroquiais, na procura dos documentos mais antigos sobre a região, localidade ou instituições que delas fazem parte, ou ainda curiosidades, nomeadamente sobre personalidades relevantes da aristocracia que, de alguma maneira, tivessem tido qualquer ligação aos espaços dos concelhos entretanto formados a partir do antigo concelho de Ribatejo, com maior incidência sobre o primitivo concelho de Alhos Vedros. Apesar da sua importância, e alguns têm excelente qualidade, são sempre fragmentos dispersos e muito localizados no tempo, razão por que o nosso trabalho tem vindo a ser desenvolvido em torno de uma História interpretativa, o que nos obriga a tentar a explicação da sua evolução no tempo longo, no alargamento do espaço, e na participação de todos os protagonistas que nela intervêm, independentemente da sua condição social ou cultural e da atividade proissional que exercessem. Mas isto também signiica que, do ponto de vista de uma História interpretativa, a História Local se anula frequentemente e caminha no sentido de uma História total. Na verdade, sempre que o historiador procura a explicação de algum fenómeno considerado de interesse histórico relevante numa localidade, dá por si a alargar o seu território, a saltar as fronteiras locais e a percorrer todo o território nacional, quando não mesmo todo o mundo, situação particularmente sentida no âmbito da História Económica2. Como airma Lucien Febvre, “O homem assim deinido pode ser agarrado, por razões de comodidade, por este ou aquele membro, pela perna ou pelo braço, em vez de pela cabeça; é sempre o homem inteiro que vem atrás, desde que se puxe, não se pode partir este homem em bocados, é matá-lo: então, o historiador Mesmo sendo falso, nem por isso deixa de ser um documento histórico. Podemos dar como exemplo os quantitativos (conhecidos), de biscoito produzido em Vale de Zebro entre os anos 1496 e 1507, ou nos Fornos das Portas da Cruz em Lisboa. O extraordinário aumento da produção nestes anos só pode ser explicado pelo avanço da expansão marítima, principalmente com a chegada e instalação dos portugueses na Índia e no Brasil. 1

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não terá senão bocados de cadáveres (…) o objeto dos nossos estudos não é um fragmento do real, um dos aspetos isolados da atividade humana – mas é o próprio homem, entendido no seio dos grupos de que faz parte”3. Esperamos que os textos que se seguem, assim como os estudos de onde foram extraídos, permitam uma visão mais alargada no tempo e no espaço, e mais atualizada acerca da organização político-administrativa dos concelhos ribeirinhos da margem esquerda do estuário do Tejo, mas também sobre a evolução demográica nos referidos espaços durante o Antigo Regime e, principalmente, para um melhor conhecimento da dinâmica económica aí existente e da sua relação com a cidade de Lisboa. Numa outra área não menos importante, os estudos já realizados no âmbito da Arqueologia têm trazido à superície informação relevante sobre os povos que ocuparam a margem esquerda do estuário do Tejo desde tempos remotos. Não sendo este o espaço próprio para desenvolvimento do assunto, recomenda-se, no entanto, a consulta dos estudos efetuados por especialistas, muitos dos quais publicados pela Câmara Municipal da Moita4. No entanto, e paralelamente aos aspetos positivos que todos estes resultados contemplam, não deixam de existir algumas preocupações que não devem ser ignoradas. O surgimento crescente de escritos da parte de alguns curiosos, ou de pessoas não suicientemente preparadas cientiicamente para o efeito, pretendendo enaltecer a grandeza das suas terras, descontextualizando do espaço e do tempo as realizações dos homens, ou através do enaltecimento seletivo de algumas personagens, omitindo outras pretensamente menos importantes, destituindo-as, assim, do seu papel na História, pode contribuir de forma perigosa para o surgimento de uma espécie de “nacionalismo doméstico” e diicultar a construção da História com o rigor cientíico que lhe é exigido5. Felizmente existem pessoas que, tendo pouca ou nenhuma preparação académica para o efeito, têm dedicado de forma séria e às suas expensas, parte das suas vidas a recolher documentos, alguns dos quais reunidos em volumes já publicados. Não sendo História, não deixam de constituir matéria-prima útil para consulta e posterior tratamento historiográico sobre as matérias correspondentes aos respetivos conteúdos. Até cerca de duas décadas atrás, os escritos sobre a “outra banda” basearam-se, fundamentalmente, em referências de autores coevos, algumas das quais muito

Lucien Febvre, Combates pela História, Editorial Presença, Lisboa, 1985, pp. 29-31. De entre outras publicações sobre o tema, cf. I Jornadas de História e Património Local, Câmara Municipal da Moita, Teresa Silva (Org.), Belgráfica, novembro de 2004; Musa, museus, arqueologia e outros patrimónios, Victor Borrego (Dir.), Edição Fórum Intermuseus do Distrito de Setúbal, Vol. I, Setúbal, 2004; Idem, Vol. II, 2005/2007; Ciclo de Conferências ”A Memória do que foi, o registo do que é, o projeto do que será, CACAV – Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros/Grupo de Estudos de História Local, Câmara Municipal da Moita, dezembro de 2015. 5 Esta preocupação não é exclusiva da nossa parte. O investigador José Manuel Vargas já fez referência a este problema na Revista “Aliusvetus” nº 1, de dezembro de 2007, p. 8, alertando para os vários exemplos da falta de rigor no que respeita à História de Alhos Vedros, e na “repetição de erros e de fantasias que, podendo parecer muito sugestivas, nada ajudam ao avanço do conhecimento histórico”. 3

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vagas, outras dotadas do exagero próprio da historiograia da época6. Estes autores foram sendo repetidos até à exaustão, permitindo que este espaço continuasse ao longo dos séculos que os procederam a ser visto de forma muito geral, homogénea e estática, facto que a nossa investigação no terreno provou não corresponder à realidade, do ponto de vista da duração, e precisar de uma nova arrumação. Em primeiro lugar, uma nova arrumação administrativa. As fronteiras do antigo concelho de Ribatejo sofreram várias alterações ao longo dos tempos em resultado da sua sucessiva fragmentação em novos concelhos, obrigando-nos ao enquadramento dos novos espaços administrativos nos tempos em que foram criados, assim como a atividade humana neles desenvolvida. E isto não se trata de uma questão de somenos importância: trata-se de uma questão de rigor no discurso historiográico, condição fundamental na escrita da História. São diversas as situações que procurámos, explícita ou implicitamente, esclarecer, algumas das quais constam nos textos publicados neste volume, outras podem ser consultadas noutros textos do autor, de entre as quais podemos citar alguns exemplos que urgem correção em nome da credibilidade da História Regional e Local. Do muito que se tem escrito sobre a “outra banda” na época dos descobrimentos e expansão portuguesa7, o Barreiro surge, frequentemente, como um dos principais concelhos cujo contributo terá sido fundamental para o empreendimento. No entanto, ou não se clariica, ou apenas se fazem referências muito vagas de que Barreiro se trata. Na verdade, até à sua autonomia administrativa em 1521 concedida através de Carta de Vila8, o Barreiro era apenas mais um dos vários lugares existentes na Referimo-nos aos seguintes autores: Luís Mendes de Vasconcelos, Do Sítio de Lisboa – Diálogos (1608), Livros Horizonte, Lisboa, 1990; Manuel Severim de Faria, Notícias de Portugal, António Gomes, Lisboa, 1791; Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, Livro IV, vol. I, Ponta Delgada, 1924; Cristóvão Rodrigues de Oliveira, Lisboa em 1551 - Sumário, Livros Horizonte, Lisboa, 1987; João Brandão (de Buarcos), Grandezas e Abastança de Lisboa em 1552, organização e notas de José Felicidade Alves, Livros Horizonte, Lisboa, 1990; Fernão de Oliveira, Liuro da Fabrica das Naos, Leitura de Lopes de Mendonça, Tradução de Manuel Leitão, Academia de Marinha, Lisboa, 1991; Damião de Góis, Descrição da cidade de Lisboa (1554), Livros Horizonte, 1987; Duarte Nunes de Leão, Descripção do Reino de Portugal (1610), Lisboa; Nicolau de Oliveira, Livro das Grandezas de Lisboa, Ed. Fac-similada do original de 1620, texto atualizado de Maria Helena Bastos, Prefácio de Francisco Santana, Coleção Conhecer Lisboa, Lisboa, 1991. Fernado Bouza Álvarez, da Universidade Complutense de Madrid, alerta precisamente para a historiografia portuguesa do período filipino, “(…) durante o qual cresceram os elogios a Lisboa e as histórias da sua fundação e grandeza, sem dúvida por ser necessário enaltecer a cidade abandonada, não por um breve espaço de tempo, mas por décadas”. Cf. Fernado Bouza Álvarez, “Lisboa Sozinha, Quase Viúva – a Cidade e a Mudança da Corte no Portugal dos Filipes”, in Penélope, Fazer e Desfazer a História, Edição Cosmos e Cooperativa Penélope, Lisboa, 1994, pp. 71-93. Leonor Costa Freire também aponta alguma dificuldade na confirmação dos números dos carpinteiros e calafates existentes na cidade de Lisboa, apontados pelos autores coevos. Cf. Leonor Costa Freire, Penélope, “Carpinteiros e Calafates na Ribeira das Naus – Um Olhar Sobre Lisboa de Quinhentos”, Edições Cosmos, Lisboa, 1994. Sendo fontes importantes, não dispensam, no entanto, um trabalho “cirúrgico” na análise e interpretação da terminologia e dados utilizados e, sempre que possível, cruzando-os com outras fontes. 7 Para uma definição dos conceitos de “descobrimentos” e “expansão portuguesa”, assim como a problemática em seu torno, cf. Francisco Contente Domingues, Dicionário da Expansão Portuguesa 1415-1460 (Dir.), Vol. I, Círculo dos Leitores, p. 527 e segs. Cf. também Jaime Cortesão, Os Descobrimentos Portugueses, Vol. IV, 3ª edição, Livros Horizonte, Lisboa, fevereiro de 1981, p. 909 e segs. 8 Cuja Carta de Vila consta em edição publicada em 2007 pela Câmara Municipal do Barreiro, estudo, tradução e glossário da Drª Rosalina Carmona. 6


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parte ocidental do concelho de Alhos Vedros9. Por esta altura já os portugueses, que tinham iniciado a expansão marítima com a tomada de Ceuta em 1415 (cerca de 106 anos antes!), se tinham instalado na costa ocidental de África e parte da costa oriental, no Oriente, no Brasil, no Extremo Oriente e numa Feitoria em Antuérpia. E mesmo depois de se desagregar de Alhos Vedros e de ser elevado a vila e concelho, o seu território era bastante reduzido, cujas fronteiras pouco superariam a mancha urbana da atual cidade, assim continuando até meados do século XIX. Isto signiica que o restante território que preenche o espaço do atual concelho do Barreiro continuou a pertencer ao concelho de Alhos Vedros (exceto Coina10), pelo menos até 1670, data da formação do concelho do Lavradio. O concelho de Coina, de formação anterior ao do Barreiro e que também desempenhou um papel relevante no empreendimento expansionista, principalmente através do seu porto, também viria a ser anexado ao Barreiro assim como o concelho do Lavradio, dando origem ao espaço territorial que hoje apresenta. Portanto, associar os fornos de biscoito de Vale de Zebro, os fornos de cerâmica da mata da Machada, a Telha onde terá existido um estaleiro naval de grandes dimensões de apoio à Ribeira das Naus (cujas dimensões ainda não foram solidamente comprovadas documentalmente), ao concelho do Barreiro na época dos descobrimentos, só porque cerca de quatro séculos e meio depois esse território foi anexado ao concelho e até hoje por si administrado, não passa de um exercício destituído de rigor histórico, que em vez de clarificar confunde11. Para além de constituir um claro desrespeito pela memória histórica dos alhosvedrenses a cujo concelho pertenciam, propiciando as condições ideais para o despertar de uma certa narrativa de pendor saudosista de um passado histórico que lhes é omitido, e que, tendo o seu lugar na literatura, é frequentemente interpretada como História pelo cidadão comum. Bourdieu alerta precisamente para os perigos do discurso do culto do passado no presente, identiicando-o de forma mais marcada em contextos ou categorias sociais em declínio, ou ainda no sentimento nostálgico das massas industrializadas provocado pela aceleração da História12. Apesar de fazer referência ao “contexto histórico”, o texto do site de divulgação Apesar do foral manuelino datar de 1514, documentação diversa atesta que Alhos Vedros já era concelho desde o século anterior. Contudo, não se confirma que o fosse já em 1415, data do início da expansão, tudo indicando que Alhos Vedros por essa altura ainda pertenceria ao concelho de Ribatejo, embora os registos da paróquia de São Lourenço recuem a tempos anteriores. 10 Cuja Carta de Foral foi publicada pela Câmara Municipal do Barreiro em fevereiro de 2017, trabalho da autoria do Dr. José Manuel Vargas. 11 Contrariando as exigências do texto histórico, um dos princípios básicos ensinados na universidade na Disciplina de História: “(…) o texto histórico terá de ser rigoroso, objetivo, bem fundamentado, mas também claro (…)”. José Mattoso, A Escrita da História, outubro de 2019, p. 27. 12 “(…) a aceleração da História induziu as massas dos países industrializados a ligarem-se nostalgicamente à suas raízes: daí a moda retro, o gosto pela História e a arqueologia, o interesse pelo folclore, o entusiasmo pela fotografia, criadora de memória e recordações, o prestígio da noção de património”. Situação também manifestada no interesse pelo passado na literatura, nomeadamente em Proust e Joyce. Cf. Pierre Bourdieu, cit. por Jacques le Goff, História e Memória, Vol. I Edições 70, Lisboa, agosto de 2000, pp. 186, 187. 9


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do “Barreiro e os Descobrimentos”,13 apenas refere o “atual território do concelho do Barreiro”, omitindo o enquadramento histórico-administrativo em que as realizações nele descritas se operaram, nas quais o Barreiro de então terá tido um papel relativamente reduzido, ou ainda não suicientemente conhecido. Como disse o historiador Francisco Contente Domingues a propósito da polémica entre Portugal e Espanha acerca de Fernão de Magalhães, “não há duas Histórias, há só uma”. Do mesmo modo, também aqui não podem existir duas Histórias no que respeita ao mesmo objeto de estudo: uma do contributo do concelho de Alhos Vedros para os descobrimentos e expansão portuguesa, e outra do concelho do Barreiro, reclamando o mesmo objeto para o mesmo espaço (ou espaços), e no mesmo tempo14. Desenquadrar do tempo e do espaço a atividade dos homens, quer por omissão, quer através de generalizações dúbias apenas por uma questão de conveniência, não tem cabimento na escrita da História, nem tão pouco deve ser alimentada a pretensa produção historiográica existente assente em tais pressupostos. As autarquias terão, certamente, proissionais da área de História cientíica e deontologicamente preparados, a quem caberá corrigir estas imprecisões, não só quanto ao rigor da produção escrita, mas também no que respeita à sua divulgação pública. Presentemente, não falta informação acreditada pelas instituições universitárias sobre o assunto, e há que escolher entre uma “história” iccionada desenquadrada do tempo e do espaço, baseada em descrições vagas e confusas, e uma História sem subterfúgios habilidosos, fundamentada documentalmente e desprovida de interesses diversos, que respeite a atividade dos homens no tempo e no espaço15 em que a realizaram. https://www.cm-barreiro.pt/pages/839 - Barreiro e os Descobrimentos - Contexto Histórico: “Desde os primórdios da Expansão Portuguesa que o Barreiro desempenhou um papel de excecional relevância na logística dos Descobrimentos. Ao longo dos séculos XV a XVII, o incremento económico foi particularmente sensível na Margem Sul do Tejo e em especial no atual território do Concelho do Barreiro, revestindo esta zona de aspetos cujos vestígios ainda atualmente nos são contemporâneos. O vinho, a lenha, a madeira, o sal, a moagem e a pesca, entre outras, foram atividades que exprimiram o potencial de riqueza que a «Outra Banda» ofereceu ao consumo lisboeta. A existência de infraestruturas de produção como o Complexo Real de Vale de Zebro (sécs. XV a XIX), o Estaleiro Naval da Telha (finais do séc. XV), o Forno Cerâmico da Mata da Machada (sécs. XV/XVI), constituem testemunhos de um passado em que várias especializações funcionais se congregaram, trazendo para esta região gentes de diversos e muitos saberes. Aqui encontramos profissões como carpinteiros de machado, calafates, lapidários de diamantes, marinheiros, feitores, almoxarifes, biscouteiros, entre muitos outros. Ao nível da arquitetura e da arte, existem alguns testemunhos, que embora sem o grande fulgor do manuelino, atestam a importância que a expansão teve localmente. São disso exemplo, a Igreja de Palhais (Monumento Nacional desde 1922), o portal manuelino da antiga Ermida de S. Sebastião no Barreiro, o Convento da Madre de Deus da Verderena e o extinto Convento de Nª Sª dos Prazeres em Palhais. Estes monumentos devem a sua edificação, ou a eles estão ligadas figuras proeminentes da expansão portuguesa como Álvaro Velho do Barreiro, autor do manuscrito sobre a viagem de Vasco da Gama à Índia, D. Francisca de Azambuja, esposa do cavaleiro Álvaro Mendes de Vasconcelos perecido na batalha de Alcácer Quibir, D. Francisco da Gama, filho do grande navegador D. Vasco da Gama, entre outros”. 14 Não sendo este o espaço para teorização, convém lembrar que a escrita da História sofreu avanços significativos, atingindo um nível de exigência na atualidade em termos de rigor na seleção, sistematização e interpretação crítica das fontes, incompatível com alguma persistência, ainda existente, em escolher do passado apenas o que agrada, ou privilegiar a estética do discurso, poetizando-o ou interpretando alguns dados eliminando outros, apenas porque não nos agradam. Mattoso também é explícito sobre esse aspeto: “Sem se estabelecer como a condição prévia a objetividade, crítica dos dados e sua associação em termos científicos, a História tornada apenas narrativa, em nada difere da ficção. Com o defeito de, neste caso, infringir as regras do jogo, isto é, de negar o seu caráter de ficção”. José Mattoso, op cit, p. 40. 15 Espaço administrativo, neste caso. 13


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Está por fazer o contributo do Barreiro para os descobrimentos e expansão portuguesa, mesmo após ter recebido autonomia administrativa em 1521, respeitando o espaço que lhe era devido nessa época enquanto concelho. Salvo vagas referências, o vazio documental sobre esse assunto nesse período, aliado à sua dispersão, apenas nos permite obter alguma informação “indireta” sobre o assunto. Contudo, o rápido crescimento populacional num território tão restrito e de solos pouco dotados a culturas arvenses, aliado a uma escassa reserva arbórea e arbustiva assim como de pastos para os gados, precisamente pela reduzida dimensão do seu território, leva-nos a sugerir que o seu maior contributo terá vindo da atividade piscatória e do fornecimento de homens experientes na área da navegação, para além da indústria moageira. Um estudo por nós efetuado sobre o Barreiro pré-industrial, o qual consta neste volume, fornece-nos indicadores interessantes nesse sentido que devemos considerar. Nos inais do século XVII ainda eram batizados mais ilhos de pescadores na paróquia de Santa Cruz no Barreiro, do que o conjunto de todos os ilhos de pais com outras proissões: dos 195 batismos registados no quinquénio 1696-1700, 114 são ilhos de pescadores, o que equivale a 58% das crianças batizadas. Lembremo-nos que, apesar de restrito, o concelho do Barreiro retirou ao concelho de Alhos Vedros uma parte signiicativa do acesso a dois rios (Tejo e Coina), desde junto da Verderena até às proximidades do Lavradio, os quais serviam de fronteira a Norte e a Ocidente, cujas fronteiras luviais seriam superiores às do interior. Isto é muito relevante, considerando a importância que o transporte lúvio-marítimo desempenhava no transporte de pessoas e bens até ao advento dos caminhos de ferro na segunda metade do século XIX, assim como os produtos extraídos dos respetivos rios e do mar por lhes facilitar o acesso. O Barreiro (assim como qualquer outra terra), não necessita que se lhe acrescente mais ao seu passado histórico do que aquele que efetivamente lhe pertence, em qualquer das diferentes fases por que passou administrativamente ao longo dos tempos. Independentemente dos registos conhecidos, terá dado em todas elas o seu contributo para o desenvolvimento do país, e tem História e Património suicientes para que os barreirenses se orgulhem da sua terra, com particular ênfase a partir da segunda metade do século XIX com a instalação dos caminhos de ferro, CUF, Indústria corticeira e, consequentemente, com os relexos daí emergentes em termos de desenvolvimento não apenas económico, mas também sóciocultural e político. Precisará, certamente, que se forme uma equipa de investigadores o mais abrangente possível, assim como a construção de um roteiro que integre todos os concelhos da margem esquerda do estuário do Tejo posteriormente formados, restituindo-lhe a unidade geográica que então apresentava para efeitos de divulgação da História e Património da margem esquerda do estuário do Tejo, cujo contributo foi fundamental durante os descobrimentos e expansão portuguesa16. Para além das competências específicas de especialistas das diferentes áreas dos elementos da equipa (historiadores, arqueólogos, geógrafos, antropólogos e até biólogos, dada a natureza do espaço), obriga também a abandonar a propensão para o individual, nem sempre recomendável para a construção da História. A experiência de quem andou décadas mergulhado nos arquivos dá para sentir, com frequência, a falta do trabalho em equipa. Quanto à construção de um roteiro abrangendo os atuais concelhos da margem sul do Tejo, essa proposta já foi delineada pelo museólogo António Nabais nos finais dos anos 80, a qual consideramos atual e pertinente. Cf. “Barreiro e Descobrimentos”, Um Olhar Sobre o Barreiro, Augusto Pereira Valegas (Dir.), Nº I, II Série, junho de 1989, p. 5. 16


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Estamos convencidos que uma colaboração conjunta de âmbito intermunicipal, facilitaria os trabalhos de investigação, principalmente no período mais obscuro em termos documentais, especialmente desde os princípios do século XV, data do início da expansão, até meados do século XIX, data da formação do atual concelho do Barreiro. Quanto ao estaleiro naval da Telha, está por provar a importância que lhe tem sido atribuída no âmbito do apoio à construção naval de embarcações de grande calado para as armadas dos descobrimentos portugueses. Não pondo em causa a sua existência, até porque estaleiros existiam vários na margem esquerda estuarina do rio Tejo17, mas aceitar como credíveis airmações que, direta ou indiretamente, levem o leitor a inferir que ali foram construídas as naus da frota que Vasco da Gama levou à Índia, que a designação de Ribeira das Naus se refere ao rio Coina, apenas pela existência de registos ténues e isolados nesse sentido, ou até que o próprio rei D. Manuel terá assistido ao batismo dos navios e à largada da referida frota, a partir da Igreja de Santo André, sem suporte documental suicientemente sólido que as conirmem, (uma quase lenda, no dizer do CTEN FZ J. Semedo de Matos)18, não passam de um exercício de imaginação sem cabimento na História enquanto ciência. Aliás, investigações relativamente recentes, e fundamentadas documentalmente através do recurso ao cruzamento de outras fontes, feitas por um especialista na área, apontam precisamente no sentido de que as embarcações S. Gabriel e S. Rafael terão sido construídas não na Telha, nem tão pouco em Lisboa como é comum 17 Embora numa primeira fase da expansão marítima as referências apontem para dois estaleiros principais, Lisboa e Porto. Assim o afirma Damião Peres, baseando-se em Azurara a propósito da conquista de Ceuta, segundo o qual existia uma “buliçosa faina movimentadora dos estaleiros de Lisboa e Porto, ao prepararem-se as frotas que foram à conquista de Ceuta em 1415”. As referências cartográficas que têm sido usadas para fundamentação do estaleiro na Telha, justificam a sua existência, mas não a sua dimensão, e muito menos o empolamento gerado em seu torno no sentido do enaltecimento da História Local, como se pode observar nas palavras de Caro Proença sobre a Ribeira das Naus em Coina: “José Caro Proença salientou o período que classificou de “pré-revolução industrial” que ocorreu no território do concelho do Barreiro, no período dos descobrimentos, nomeadamente nas margens do Coina onde, sublinhou – “pela primeira vez se construíram naus em Portugal” – rotulando aquelas margens como “berço das naus e náutica”, a verdadeira “Ribeira das Naus”. In. Jornal “Rostos”, 3 de março de 2012. Com o progresso expansionista ao longo do século XV, os principais estaleiros passariam a ser quatro (Lisboa, Porto, Gaia e Tavira). Cf. Damião Peres, História de Portugal – Palestras na Emissora Nacional, vol. II Portucalense Editora, Porto, 1966, pp. 238, 239. Nos inícios do século XVI, ainda eram construídos navios por particulares na Ribeira de Lisboa. Assim o atesta uma Carta régia de 15 de maio de 1508, “A favor de Fernam Gomes, para a Câmara consentir a permanência de uma barraca, que ele construíra na Ribeira, e onde arrecadava as ferramentas e executava certos trabalhos necessários «ao fazimento de uma nau que na dita Ribeira faz (. . .) e a não ser para mais que para três meses ou quatro, em que a dita nau será acabada»”. Cf. Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa, Tomo I, 1ª Parte, Typographia Universal, Lisboa, 1885, p. 401. 18 J. Semedo de Matos, Capitão Tenente Fz, “A Esquadra de Vasco da Gama”, Revista da Armada nº 331, p. 16, maio de 2000. O autor refere-se a Júlio de Castilho, A Ribeira de Lisboa, p. 48 e segs., cuja informação continua a ser utilizada na divulgação da História e Património, sem ser questionada, como se pode observar na nota seguinte: http://www.jf-assav.pt/identidade/santo-andre/patrimonio.html: “A ribeira das Naus data dos sécs. XVI a XVIII. A instalação da Ribeira das Naus ou Feitoria na Telha, foi determinada pelo facto do esteiro do rio Coina ser abrigado e pela abundância de madeira nesta zona. Este Estaleiro Naval foi um importante ponto de apoio na Época dos Descobrimentos, sendo o local onde as naus em desarmamento podiam ancorar em segurança. Funcionava em complementaridade com a Ribeira das Naus em Lisboa. Assim a construção dos navios era iniciada no Verão em Lisboa e concluída no Inverno na Azinheira Velha, por se tratar de um local abrigado. Na Telha, no séc. XVI, na extinta Igreja de Stº André, D. Manuel I terá assistido ao lançamento ao Tejo da Armada de Vasco da Gama. A Feitoria foi atingida pelo Terramoto de 1755 ficando em ruínas. Foram aqui encontradas peças de artilharia do séc. XVIII, âncoras, mastros e cepos de madeira para construção naval. No local do antigo estaleiro, em 1891 instala-se uma “Seca de Bacalhau”, atividade já centenária neste concelho.


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aceitar-se, mas sim nos estaleiros navais do Porto. A caravela Bérrio comprada a um piloto chamado Birrio (daí o nome Bérrio), e a nau S. Miguel comprada a um tal Aires Correia de Lisboa19. Partilhamos da ideia que, à falta de documentos escritos que conirmem sem margem para dúvidas, só uma prospeção arqueológica devidamente orientada poderá trazer à superície novos dados, incluindo a profundidade do rio no local (ou locais), e época em que os estaleiros aí terão funcionado20. Urge estabelecer uma fronteira clara entre o real e o imaginário. Investigue-se primeiro, prove-se documentalmente, e airme-se depois através de um discurso historiográico conceptualizado, objetivo, rigoroso e, sobretudo, claro. No atual estado da arte, excetuando os estudos de Amândio Jorge Morais Barros, não é diícil aceitar que, tal como se difundiu em certa literatura local a construção das naus da armada de Vasco da Gama na Telha, a mesma construção possa ser reclamada e divulgada com o mesmo teor em pelo menos mais dois locais diferentes: Ribeiras de Lisboa e do Porto. E como o tema não nos parece completamente encerrado, remete-nos para uma quarta hipótese, ou seja, a de as diferentes embarcações terem sido construídas em todos, ou em parte, dos referidos locais, já que eram quatro embarcações, indiciando que também não terão sido todas construídas ao mesmo tempo21. Isto signiica que a historiograia sobre este assunto, para além de Amândio Jorge Morais Barros que airma perentoriamente que foram construídas na cidade do Porto, pouco tem acrescentado às fontes clássicas, centrada fundamentalmente nas Crónicas do Reino22. “E como quer que el-rei D. Manuel assim como sucedeu nos reinos a el-rei D. João, assim também lhe sucedeu nos desejos que tinha de descobrir a Índia; logo aos dois anos de seu reinado entendeu no seu descobrimento para que lhe aproveitou muito as instruções que lhe ficaram d`el-rei D. João, e seus regimentos para esta navegação: e mandou fazer dois navios de madeira que el-rei D. João mandara cortar. E um que era de cento e vinte toneladas houve nome S. Gabriel: e outro de cento S. Rafael: e comprou para ir com estes navios uma caravela de cinquenta toneladas a um piloto chamado Birrio de que a caravela tomou o nome. (…) E por quanto nos navios da armada não podiam ir mantimentos que abastassem à gente dela até três anos, comprou el-rei uma nau a um Aire Correia de Lisboa que era de duzentos toneis, para que fosse carregada de mantimentos até à aguada de S. Braz, e ali se despejaria e a queimariam”. Fernão Lopes de Castanheda, História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses, Introdução e revisão de M. Lopes de Almeida, vol. I, Porto, Lello e Irmãos Editores, 1979, pp. 10,11. Citado por Amândio Jorge Morais Barros, in “O Porto e a construção dos navios de Vasco da Gama”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Marques, Vol. I, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2006, pp. 131-141 A atualização da grafia é nossa. 20 Prospeção arqueológica, cuja necessidade já foi referida por António Nabais in “Um Olhar Sobre o Barreiro, nº 5, 1ª série, Barreiro, Ed. Augusto Valegas, agosto de 1987, p. 7. 21 Aliás, a nau de abastecimentos seria um navio velho, o que significa que terá sido construído muito antes em estaleiro desconhecido. Cf. Elaine Sanceau, A Viagem de Vasco da Gama, Livraria Civilização-Editora, 6ª edição, 1973, p. 23. De resto, as contradições entre as fontes continuam a não ter sido ainda definitivamente sanadas, nomeadamente no que respeita aos escritos de Garcia de Resende e Duarte Pacheco, sobre a quem se deve atribuir o mérito da construção da armada e respetiva organização do evento, se a D. João II, se a D. Manuel. Cf. Jaime Cortesão, op. cit., Vol. III, p. 882 e segs. 22 Cujas reproduções fac-similadas podem ser consultadas em A Viagem do Gama, Nota prévia e introdução de Aurélio de Oliveira, Compolito, Artes Gráficas Lda., Braga, 1988. O livro contém os capítulos referentes à viagem de Vasco da Gama dos seguintes autores: Duarte Pacheco Pereira, Esmeraldo de Situs Orbis; Gaspar Correa, Lendas da Índia; Fernão Lopes de Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia; João de Barros, Década Primeira da Ásia; Garcia de Resende, Chronida del Rey D. João II; António Galvão, Tratado de todos os Descobrimentos; Damião de Goes, Chronica de Serenisimo Rey D. Manoel; D. Jeronimo Osorio, Da Vida e feitos d`El-rei D. Manoel. 19


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Como airmou Luís de Albuquerque a propósito de alguma historiograia dos descobrimentos portugueses: “(…) continua-se a dar livre curso à imaginação (…) e a procurar reunir à pilha de duendes históricos, que nos povoam o passado, novos acréscimos com maior ou menor habilidade arrancados ao vazio, através de manipulação ardilosa (o vazio é o vazio!) (…)”23. No âmbito de uma ação de formação sobre História e Património Regional e Local, um grupo de professores de História conhecedores e muito interessados por esta temática, aos quais icamos gratos pela sua colaboração e pelo trabalho que têm desenvolvido incrementando a relação entre a Escola e o meio envolvente, chamou-nos à atenção sobre os problemas que estes registos podem trazer para a posteridade também ao nível da toponímia, de cujo texto, pela pertinência e clareza na exposição, considerámos relevante registar a seguinte passagem24: “Mais concretamente, o bairro da Quinta da Lomba oferece uma toponímia urbana claramente programática. A maioria das ruas desse núcleo urbano apresenta designações que remetem para o Império Português do Oriente. Este facto radica-se claramente na época que nasceu ou se constituiu urbanisticamente o bairro (anos 50)25, a qual acaba praticamente de coincidir com a perda do Estado Português da Índia, após a invasão das forças militares da União Indiana em 1961. À semelhança do que se passou em outros locais por volta do mesmo período (como por exemplo, para não sairmos da mesma zona, na Baixa da Banheira), parece-nos ter existido uma vaga de patriotismo e nacionalismo, promovida ou aproveitada pelo regime do Estado Novo, que se reletiu na escolha de personalidades do período áureo da expansão no Índico, e que foram relevantes na expansão do nosso Império Oriental, designadamente governadores e vice-reis, mas igualmente gente dos meios religiosos e culturais ou cientíicos.” Ao realizarem um trabalho de campo com os seus alunos sobre a freguesia de Santo André (hoje pertencente ao concelho do Barreiro, mas antes ao concelho de Alhos Vedros e posteriormente ao concelho do Lavradio), registaram os seguintes topónimos: a) Topónimos ligados a personalidades de âmbito político-militar: – Praça Vasco da Gama, Quinta da Lomba; – Rua D. Francisco de Almeida (Quinta da Lomba); – Rua D. Afonso de Albuquerque (Quinta da Lomba); – Rua D. Estêvão da Gama (Quinta da Lomba); – Rua D. João de Castro (Quinta da Lomba); – Rua D. Jorge de Lencastre (Quinta da Lomba); – Rua D. Luís de Ataíde (Quinta da Lomba); 23 Luís Albuquerque, Dúvidas e Certezas na História dos Descobrimentos Portugueses, 2 vols., Círculo dos Leitores, Lisboa, 1991, vol. I, pp. 8-10. 24 Grupo constituído pelos Professores de História José Gomes, Nélia Salema, Glória Flor e Berta Custódio. 25 “(…) Bairro da Quinta da Lomba, cujo início se pode fixar no ano de 1949, sendo atualmente (1965), uma zona habitacional populosa”. In Armando da Silva Pais, O Barreiro Contemporâneo, Vol. I, pp. 395-397. Nota de rodapé e texto da autoria do Professor José Gomes.


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– Rua Lopo Soares de Albergaria (Quinta da Lomba); – Rua Capitão Tenente Oliveira e Carmo (Quinta da Lomba);

b) Topónimos ligados a personalidades de âmbito cultural e cientíico: – Rua Duarte Pacheco Pereira (Quinta da Lomba); – Rua D. João de Castro, aqui visto também como homem de saber e cultura (Quinta da Lomba); c) Topónimos ligados a personalidades de âmbito religioso: – Praça Francisco Xavier (Quinta da Lomba);

d) Topónimos de origem geográica ligados ao Índico / Império Português do Oriente: – Rua de Dadrá (Quinta da Lomba); – Rua de Damão (Quinta da Lomba); – Rua de Dili (Quinta da Lomba); – Rua de Dio (Quinta da Lomba); – Rua de Goa (Quinta da Lomba); – Rua de Mombaça (Quinta da Lomba); – Rua de Ormuz (Quinta da Lomba); – Rua de Pangim (Quinta da Lomba); – Rua Nagar Aveli (Quinta da Lomba);

E continua: “Parece-me bastante pertinente notar a continuação da tendência de utilizar, atualmente, topónimos de inspiração ultramarina na freguesia de Santo André. De algum modo – independentemente de ter havido uma mudança de contexto histórico e político entre os anos 60 e as últimas décadas do século 20, ou mesmo a primeira do século XXI – é como se tivesse sido criada uma dinâmica em que, por inércia ou intenção deliberada, se reassume a vontade de perpetuar os feitos e os laços pluricontinentais de Portugal. Desta feita, porventura, não por intenção colonialista, mas antes universalista, de apelo a uma nova fraternidade no âmbito dos PALOPs, ou como precursora da globalização tão em moda nos tempos “hodiernos”. Os topónimos urbanos que se seguem correspondem, signiicativamente, a zonas de crescimento urbano mais recente na freguesia de Santo André, já coevas do Portugal democrático: – Rua da Boa Esperança (Alto do Romão); – Rua do Oceano Índico (Alto do Romão); – Rua da Nau São Gabriel (Quinta Nova da Telha); – Rua de Benguela (Quinta dos Arcos); – Rua de Bissau (Quinta dos Arcos); – Rua de Luanda (Quinta dos Arcos); – Rua de Maputo (Quinta dos Arcos); – Rua de Nampula (Quinta dos Arcos);


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Também sintomática de uma visão do papel desta zona no contexto dos Descobrimentos, é a Rua das Naus, na Quinta Velha da Telha. Esta designação tende a reforçar, ou alimentar de forma subliminar, a ideia segundo a qual o esteiro do Coina, e em concreto a zona da Telha Velha, desempenhou uma importante função no âmbito da construção naval ligada à expansão marítima. (…)”26. Compreende-se a preocupação dos professores de História, na medida em que torna diícil o seu trabalho sempre que são solicitados a estabelecer uma relação histórica, cientiicamente comprovada, entre a extensa lista de topónimos nas localidades em referência, e as personagens que lhes deram o nome. Uma nova arrumação no que respeita aos produtos da “outra banda” para a cidade de Lisboa, nomeadamente a lenha, carvão e madeira. Na realidade, o facto de a charneca da margem esquerda do estuário do Tejo ser ainda descrita nos inais do século XVI e princípios do século XVII como “de lenha (e carvão) fecundíssima para o provimento da cidade”, não signiica que o continuasse a ser de forma homogénea e em todo o espaço referido nos séculos que se seguiram, a avaliar pelo desgaste a que foi submetida posteriormente. A nossa investigação demonstrou que o aumento do consumo de combustível na cidade de Lisboa levou a uma progressiva delapidação do manto arbóreo e arbustivo da “outra banda” a partir do século XVI, empurrando a exploração da lenha, carvão e madeira cada vez mais para o interior e para os concelhos da Moita, Aldeia Galega e Alcochete, produtos que numa primeira fase eram extraídos essencialmente da parte ocidental do concelho de Alhos Vedros. A partir do século XVII, parte signiicativa destes bens já vem de longas distâncias, nomeadamente a madeira das margens do rio Sado até junto de Alcácer do Sal, e o carvão da comarca de Coimbra e até mesmo do Algarve. Também nem sempre a situação icou clara quanto ao sal de Ribatejo, deixando margem para interpretações dúbias quanto ao seu papel ao longo dos séculos. A nossa investigação demonstrou que, apesar do Ribatejo ser um dos principais centros produtores durante os séculos XIV e XV, não só para satisfazer as necessidades de Lisboa, mas produzindo excedentes direcionados para o comércio e exportação, isso não signiica que o continuasse a ser nos séculos seguintes. Problemas de natureza diversa, não só no âmbito da produção pela fraca qualidade do sal das marinhas da parte ocidental do antigo concelho de Ribatejo, especialmente a partir de Alhos Vedros para poente, mas também problemas resultantes da indisciplina dos vendedores na cidade de Lisboa onde não se praticava a “roda do “sal” e, não menos importante, as diiculdades criadas pelos intermediários aos produtores a mando de grandes comerciantes nacionais e estrangeiros, gerando falta de sal Lisboa. Também os atravessadores prevaricavam e obrigando o rei a mandar tirar devassa todos os anos sobre os atravessadores que desviavam o sal para outros destinos e não para a cidade de Lisboa, onde frequentemente escasseava27. Ibidem, texto da autoria do Professor José Gomes. Sobre a produção e comercialização do sal de Ribatejo, cf. António Gonçalves Ventura, A Banda d`Além e a cidade de Lisboa durante o Antigo Regime: uma perspetiva de História Económica Regional Comparada, Tese de Doutoramento apresentada à Reitoria da Universidade de Lisboa, Junho de 2008, p. 251 e segs. 26 27


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Uma nova arrumação no que respeita à demograia, na medida em que esta deve a sua sustentação ao desenvolvimento económico observado nos diferentes concelhos que emergiram da fragmentação do antigo concelho do Ribatejo. O levantamento por nós efetuado dos batismos, casamentos e óbitos registados nestes concelhos, mostram que nem todos evoluíram no mesmo sentido, havendo mesmo concelhos que perderam população a partir do século XVII, nomeadamente os concelhos de Alhos Vedros e Coina. Pelo contrário, nas vilas do Barreiro, Moita e Alcochete, as linhas seguem uma tendência ascendente, com os batismos a superarem os óbitos, razão por que estas vilas viram a sua população aumentar de forma verdadeiramente expressiva durante o século XVIII. Quanto ao segundo ponto, tem sido prática permanente da nossa parte introduzir nas escolas o gosto e interesse pela História e Património Regional e Local, quer através de visitas de estudo previamente preparadas aos locais de interesse relevante, quer através da realização de colóquios e conferências com a participação dos alunos e da população local, ou ainda na formação de professores na área de História e Património como foi referido no ponto anterior28. Criámos uma Disciplina sobre História e Património Local para lecionar na Universidade da Terceira Idade do Barreiro29; iniciámos o processo para a criação de secções nas bibliotecas escolares sobre História e Património Local, munindo-as de bibliograia especíica para a área requerida junto das autarquias30, e estivemos também envolvidos nas primeiras dramatizações históricas realizadas neste espaço, conferindo-lhes o rigor histórico possível e incrementando o envolvimento dos alunos nesses eventos. Presentemente, vulgarizaram-se estas atividades. No entanto, o que ganharam em frequência e dimensão, perderam em rigor histórico e na fraca participação das escolas, fatores para nós considerados essenciais. A nossa experiência demonstrou que o envolvimento dos alunos nestas atividades como temas aglutinadores, e até da restante comunidade educativa, incutia-lhes uma forte ligação ao meio e à sua História marcante, para o resto das suas vidas. Assim, partilhamos a ideia de que a História e Património Regional e Local pode desempenhar um papel importante nas estratégias psicopedagógicas de aprendizagem, independentemente da natureza das atividades desenvolvidas, na medida em que: – Facilita a interação Escola-Meio; – Estreita a relação inter-turmas e inter-níveis; – Desenvolve capacidades e competências (aprender-fazendo); – Incentiva o espírito de investigação e pesquisa; – Desenvolve práticas corretas de análise e tratamento da informação; Seguem em anexo os formulários por nós utilizados na formação de professores na modalidade Oficina de Formação, na Ação sobre Património Local e Regional e Projeto Turma. Poderão eventualmente ser úteis em aplicações futuras. 29 Disciplina lecionada pelo autor deste estudo e pela Drª Ana Reis Barata, no Barreiro, cujo programa segue também em anexo documental, com os desejos que tenha continuação, dado o sucesso e a grande quantidade de formandos participantes. 30 Iniciativa criada na Escola Secundária Poeta Joaquim Serra. 28


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– Valoriza os saberes diversos de forma integradora (saber, saber fazer, saber ser, saber estar); – Promove a interdisciplinaridade, pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade; – Fortalece os laços sócioafetivos entre alunos, alunos-professores e comunidade educativa.

No que concerne ao terceiro ponto, podemos airmar que os estudos por nós realizados contribuíram para um melhor conhecimento da dinâmica económica, administrativa e demográica dos concelhos ribeirinhos da margem esquerda do estuário do Tejo, assim como para uma melhor compreensão das relações que se foram estabelecendo entre estes concelhos e a cidade de Lisboa (e Alentejo), desde o alvorecer da Idade Moderna até inais do Antigo Regime. Embora sendo uma das principais bases de apoio à cidade de Lisboa, principalmente no início do período expansionista, a margem esquerda do estuário do Tejo cedo começou a mostrar sinais de desgaste, e não apenas nos seus tradicionais setores de produção. Também os produtos provenientes do Sul, principalmente do Alentejo, começaram a sofrer estrangulamentos nos circuitos de comercialização por ação dos intermediários, açambarcadores e atravessadores. Conhecedores experientes das leis do mercado, esperavam que os produtos escasseassem na cidade de Lisboa retendo-os na “outra banda” até que os preços subissem e, consequentemente, os lucros daí obtidos, criando sérias diiculdades aos habitantes da capital no que respeita a vários tipos de produtos, de entre os quais podemos destacar os cereais, a carne, o carvão e, muito particularmente a palha, um produto pouco referido mas de signiicativa importância para os atafoneiros, um setor de produção muito importante na capital do reino. Sem palha para o sustento dos seus animais, ou tendo-a tardiamente, mas a preços exorbitantes, viam-se na contingência de perder os seus animais e ter de abandonar a atividade. Portanto, a margem esquerda estuarina, que até ao alvorecer da Idade Moderna funcionou como o sustentáculo base de apoio à cidade de Lisboa, a partir do século XVI começou a reclamar o seu quinhão, e longe de ser um modelo de dar e receber, nem sempre, a partir de então, essa partilha foi pacíica e muito menos de fácil resolução pelas autoridades respetivas, pela diiculdade em controlar os prevaricadores. Para além disso, o centro nevrálgico de apoio económico à cidade de Lisboa que até ao século XVI se situou na parte ocidental do concelho de Ribatejo, em que o rio Coina e a atividade desenvolvida nas suas margens foi fulcral, sofreu uma deslocação progressiva para oriente com o evoluir do tempo e o correspondente alargamento do espaço. A partir de então, o tráfego do porto de Coina iria ser deslocado para o porto da Moita, de águas mais profundas e com melhores condições de apoio ao transporte de pessoas e bens para a cidade de Setúbal e algumas zonas do Alentejo. O porto de Aldeia Galega passaria, entretanto, a ser o principal porto de ligação entre Lisboa, o Sul do país e Espanha.


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I.

COMUNICAÇÕES E ESTUDOS DE CAMPO


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1.1 A “OUTRA BANDA” E A EXPANSÃO PORTUGUESA: O CONTRIBUTO DOS FORNOS DE BISCOITO DE VALE DE ZEBRO (Comunicação apresentada na Academia de Marinha em junho de 2009)

A

construção do complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro, provavelmente o maior empreendimento desta natureza no país, deve ser compreendido no âmbito das necessidades impostas pela emergência do complexo históricogeográico quatrocentista1, fundamentalmente assente na empresa marítima, cujas áreas de inluência progrediam a um ritmo mais ou menos acelerado, consoante os rumos imprimidos pelas forças intervenientes. Na verdade, se a falta de cereais se mostrou ser um problema endémico do reino desde os primórdios da sua existência2 e que com mais ou menos diiculdades se ia solucionando com o recurso ao "trigo do mar"3, a moagem e a paniicação transformavamse numa preocupação permanente dos responsáveis pelos destinos do país. Depois de cerca de um século de estagnação, a população do reino apresentava, inalmente, sinais de recuperação4. Lisboa, a cidade mais populosa do reino, contrastava já nos inícios do século XVI com as demais cidades portuguesas5, e a população das localidades periféricas, nomeadamente de algumas da margem Sul, crescia de uma forma invulgar, tornandose necessário alimentálas. As atividades marítimas desdobravamse entre as descobertas umas vezes, as conquistas tantas outras, mas ambas com um denominador comum: a necessidade de pão para alimentar não só as tripulações das armadas, mas também as tropas que guarneciam as praças, fortalezas e feitorias onde os portugueses se estabeleciam.

Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios sobre História de Portugal, vol. II, Sá da Costa Editora, Lisboa, 1968, pp. 18-22. Utilizamos a expressão "complexo histórico-geográfico" quatrocentista de Vitorino Magalhães Godinho, por nos parecer o termo mais adequado para assinalar as estruturas económica, social e política, de Portugal de quatrocentos, fundamentalmente assente no espaço geográfico que compreende Portugal, as ilhas do Atlântico e a costa ocidental africana. Já economicamente mercantilizado, o Estado português expandia a sua influência à exploração do ouro sudanês, ao apresamento e resgate de escravos, à exploração da cana sacarina e, à tentativa de controlo dos mercados de cereais. 2 Conclusão a que chegaram vários historiadores, nomeadamente Vitorino Magalhães Godinho, in Os Descobrimentos e a Economia Mundial, vol. II, Editora Arcádia, Lisboa, 1965, p. 264 e segs. 3 Termo utilizado para designar o trigo importado. 4 Depois de uma descida acentuada da curva demográfica por volta de meados do século XIV, em consequência dos malefícios do primeiro surto de peste negra, só cerca de 1460 se manifesta uma recuperação definitiva e rápida, pensando-se que os primeiros anos do século XVI tenham conseguido repor os valores populacionais de cerca de duzentos anos atrás, conforme se pode constatar no artigo de A. H de Oliveira Marques, "Demografia", in Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão, vol. II, Livraria Figueirinhas, Porto, 1990, pp. 281-282. 5 Teresa Ferreira Rodrigues, "Demografia", in História de Portugal, vol. III, dir. de José Mattoso, Círculo dos Leitores, Lisboa, 1993, p. 197 e segs. Com base no numeramento de 1527, a autora admite que Lisboa contaria por essa altura entre 50 000 e 60 000 habitantes, enquanto que a população do Porto, não ultrapassaria as 15 000 almas. 1


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A captura de determinadas espécies de pescado obrigava progressivamente os pescadores a ultrapassarem a pesca costeira e a penetrarem em águas profundas. Com embarcações de maior calado e de uma maior tripulação, o precioso alimento tornavase cada vez mais necessário. O comércio externo por via marítima, especialmente com o Noroeste europeu, aumentava de intensidade, arrastando consigo o aumento da necessidade de pão. Os sistemas de moagem e paniicação tradicionais já não satisfaziam as novas exigências e a produção do biscoito em larga escala tornarase numa das prioridades dominantes e não apenas no que respeita às imediações da capital. Em 1435, procedese à conirmação do emprazamento celebrado em 1408, em três vidas, a Rui Gonçalves, de um forno de biscoito na vila de Tavira, "pela pensão anual de sete dobras mouriscas de bom ouro e justo peso"6. Em 1450, é concedida uma carta de mercê a Pêro Vaz, escudeiro do Infante D. Fernando e escrivão dos fornos do biscoito na cidade de Lisboa, em lugar de Gonçalo Vaz, seu pai, que renunciou ao oício7. Em 1472 são concedidos os privilégios dos moedeiros de Lisboa aos fabricantes dos fornos do biscoito da mesma cidade, em número de dezanove, incluindo o porteiro e medidor, decisão bem demonstrativa, digase, da importância deste produto, pelas exigências impostas tanto na quantidade como na qualidade de fabrico: "Dom affonsso etc. A quamtos esta carta virem fazemos saber que comsijrando nos a neçessidade que teemos davermos mester bizcoyto pera as armadas que mandamos fazer comthinuadamente comtra os jmiees pera o quall sam neçessarios homeens deestros que o saybam muy bem fazer e temperar de amassar e cozer e biscoytar e se pera ello nom tuessemos homeens praticos nom o poderiam tambem fazer como compre a nosso seruiço. E porem hordenamos pera sse milhor averem os ditos homeens praticos. darmos priuillegio na casa dos ditos nossos fornos de biscoyto pera dez e noue homeens que achamos que razoavelmente pera ello sam neçessarios. comtamdo nelles huum medidor e porteyro que ambos os dous ofiçios pode seruir"8. O fabrico do biscoito tornavase assim uma preocupação permanente que exigia solução imediata. Assim se compreende a construção do complexo dos fornos de biscoito da Porta da Cruz, nas Tercenas, empreendimento já de dimensões consideráveis, a julgar pela onerosidade das suas obras, conforme se pode constatar a partir da Carta de Quitação a João de Alter, Almoxarife do Paço da Madeira e do Paço Real de Lisboa, de tudo o que despendeu de 1479 a 1496:

6 J. M. da Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, vol. I, Instituto Nacional de Investigação Científica, Lisboa, 1988, p. 19. 7 Ibidem, p. 482. 8 Ibidem, vol. III, p. 122. Temos registos que demonstram que ainda em finais do séc. XVII os funcionários dos fornos estavam dispensados de servir outros cargos. Assim aconteceu com João de Resende da Costa em 27 de janeiro de 1686, o qual não podiam obrigar a servir cargos por ser escrivão dos Fornos de Vale de Zebro. AMM, Livro de Actas da Câmara de Alhos Vedros – 1683-1692, fls.75, 75v.


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"... E bem asy dos djnheiros que ho anno de lxxxbij Recebeo pera o fazimento dos fornos do biscoito da porta da cruz e da casa da Rollaçom E mostrou se per as ditas Recadaçoees Reçebeer o dito Joham dalter sete comtos Noveçentos e corenta dous mill e oitoçemtos e oitemta reaes e meio per esta guisa a saber ... E os Clx 160.000 reais Recebeo o anno de lxxxbij pera fazimemto dos fornos do biscoito da porta da cruz e da Casa da Relaçam ..."9. A construção dos fornos de biscoito de Vale de Zebro, provavelmente por volta dos inais do século XV10, apresentavase assim como uma tarefa prioritária. A empresa marítima tinha atingido proporções tais que só a produção de biscoito em larga escala poderia responder às necessidades crescentes e a construção de um complexo de dimensões tão arrojadas implicava um estudo cauteloso quanto à sua localização, pois nem todos os locais reuniam as condições necessárias para o efeito e Vale de Zebro apresentavase como uma hipótese a não ignorar. Relativamente próximo da cidade de Lisboa, local privilegiado de escoamento do produto inal, ele era também um local de acesso fácil para os cereais quer fossem importados, quer se tratasse de semente nacional. Dada a precariedade dos transportes, a proximidade da fonte calórica terá sido decisiva na escolha deste local. Para alimentar 27 fornos a cozer biscoito ininterruptamente, era necessária muita lenha, e as matas da "outra banda", mais especiicamente as matas das proximidades dos fornos e o pinhal d`ElRei, constituíam uma excelente reserva que garantia a laboração permanente deste complexo industrial de paniicação. Ibidem, pp. 486-487. Desconhece-se a data da construção dos fornos e moinho de Vale de Zebro. No entanto, temos indicadores que indiciam que poderão ser contemporâneos dos seus congéneres das Portas da Cruz em Lisboa, contrariando a ideia mais ou menos aceite, mas ainda não suficientemente confirmada por fontes, de que teriam sido construídos durante o reinado de D. Afonso V. O facto de o rei ter comprado um pinhal na Quinta da Ramagem em 5 de novembro de 1488 a Catarina Luís, viúva de João Vicente, morador na vila de Coina, fornece-nos dados que nos levam a pensar que, por esta altura, ainda os fornos não estariam construídos. Mais ainda: permite-nos pensar que esta compra fazia parte da estratégia real no sentido da aquisição de matas e pinhais nas imediações do local onde decidira instalar o complexo dos fornos de Vale de Zebro. Vejamos as confrontações da referida Quinta: “E partia de huua parte com quimtaa de vall de zeuor e da outra parte com o mar salgado. E da outra parte com o termo da villa de couna (…). E que ora el Rey nosso senhor lhe queria comprar o dito pinhal por lhe seer mujto neçessario para os seus moinhos que hi tem. E que sua alteza se concertara com ella caterina luís de lhe aver de comprar o dito pinhal por preço de trimta mill reais bramcos (…)”. Uma análise cuidada desta passagem, leva-nos a pensar que os fornos ainda não existiam na altura do contrato, mas sim que já estava decidida a sua construção e o local de edificação. Vejamos: primeiro, porque a confrontação refere-se à Quinta de Vale de Zebro e não aos fornos do rei; segundo, porque alega que o pinhal é necessário para os seus moinhos que aí tem, não fazendo, mais uma vez, referência aos fornos; terceiro, porque a compra do referido pinhal pode enquadrar-se numa estratégia de prévia aquisição de lenha e madeira nas proximidades de forma a garantir a sua laboração contínua; quarto, porque o facto da referência à existência a tanto material de construção na Carta de Quitação do rei a Pêro Lopes pode significar que tenha sido utilizado precisamente na sua construção, e não no seu alargamento. Até porque este foi um período fulcral nas viagens dos descobrimentos e da expansão portuguesa, cujas exigências em termos de víveres para as tripulações tinham de ser repensadas. Assim sendo, parece-nos mais sensato deixar a questão em aberto para ulteriores investigações, do que aceitarmos como certa a opinião tradicionalmente aceite. Cf. Baeta Neves, dir., História Florestal, Aquícola e Cinegética, Ministério da Agricultura e Pescas, Direcção Geral do Ordenamento e gestão Florestal, vol. III, pp. 118-120. De qualquer forma, na viragem do século XV para o século XVI, a sua produção atingia níveis elevados, conforme o demonstra a Carta de Quitação d`El-Rei D. Manuel a Pêro Lopez, Almoxarife dos fornos de Vale de Zebro, referente aos anos de 1489 a 1496. Cf. Anselmo Braamcamp Freire, "Cartas de Quitação d`el Rei D. Manuel", Archivo Historico Portuguez, vol. V, pp. 156-157. 9

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Por outro lado, era nas margens do rio Coina, pleno de esteiros naturais, que se erguiam moinhos de maré desde séculos anteriores, os quais, pela elevada capacidade moageira, garantiam quantidades suicientes de farinha para a laboração contínua dos respetivos fornos. Junto às instalações dos fornos, foi mesmo ediicado um moinho, também propriedade real, facto só possível pela existência de um esteiro a poente, a apenas algumas dezenas de metros de distância do referido complexo de biscoito. Todavia, tudo indica que o aumento acelerado da produção de biscoito neste complexo, izesse com que a farinha produzida no respetivo moinho fosse insuiciente, e o recurso ao produto farinado noutros moinhos existentes na proximidade tornouse uma alternativa frequente, os quais tinham de dar prioridade às necessidades dos fornos de Vale de Zebro, sempre que para tal fossem solicitados11. Aliás, o Almoxarife era uma autoridade local, como o atesta um termo de vereação da Câmara de Alhos Vedros datado de 25 de maio de 1686, sobre a repartição da carne em Palhais: “E logo na dita camara foi aberta huma carta do Almoxarife dos fornos del Rei, em que pedia a esta Camara aseitase para Repartir a Carne do talho de palhais a Bernardo de souza, morador no dito lugar, e lhe desem Juramen to dos Santos evangelhos pera que bem e na verdade izese a dita Repartiçam pera se evitarem bulhas e Ruinas que pode aconteser do dito talho; e logo hi pareceu o dito Bernardo de souza, o qual o dito Juiz lhe deu logo o Juramento dos santos evangelhos emhum livro delles sob cargo do quoal lhe mandou encarregar que elle izesse bem e naverdade a Reparticam da carne do dito talho do lugar de palhais, dando a cada hum o seu pezo, mas nam uzaria desta Reparticam senam em falta de almotase, porque este estando prezente a nam podera fazer o dito Bernardo de souza. E pello Juramento que Recebeo, prometeo de tudo assim cumprir, de que is este termo em que asinou, e eu Jgnacio Lameira o escrevi”12. Tal como acontece com os fornos, também a data da construção do moinho d`ElRei permanece desconhecida. Parece, no entanto, ser contemporânea dos fornos, já que são várias as referências aos moinhos de Vale de Zebro ainda durante o século XV.

"Regimento dos Fornos de Vale de Zebro", in Systema ou Colecção dos Regimentos Reaes, Tomo III, 1785, p. 346. AMM, Livro de Actas da Câmara de Alhos Vedros -1683-1692, fls.100v, 101. Os almoxarifes eram pessoas poderosas e de completa confiança do rei. Nos anos 70 do século XVII, era Almoxarife nos Fornos de Vale de Zebro e neles morador, Sebastião Homem de Meneses, cavaleiro do hábito de Cristo, o qual comprou umas casas no lugar da Moita, temo de Alhos Vedros, por 270.000 réis, as quais andavam arrendadas ao seu sogro António Ferreira. ADS, Notarial de Alhos Vedros, cx. 4380, liv. 26, fls. 3-6v. Faleceu pouco depois, segundo o traslado de testamento datado de 24 de janeiro de 1681. Ibidem, fls. 49-54v.

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FORMA DO BISCOITO


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MAPA 1 Secções das Cartas Militares 442 e 443, nas quais estão assinalados o sítio de Vale de Zebro e a caldeira do moinho de maré13

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Cartas Militares de Portugal nos 442 e 443. Instituto Geográfico do Exército (escala de 1/25.000).


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Do espólio referido na Carta de Quitação referente aos anos compreendidos entre 1489 e 1496, constam, para além de vários produtos e artigos diversos, "mós de moer triguo, 6 peças, e de moegas com seus calços, 3 peças, e de veos de ferro, 3 peças, e de segurelhas de ferro, 3 peças, e de chaves de ferro em que andam rodízios, 3 pares, e de cruzetas, 5 peças, e de relas velhas, 3 peças, e de rodízios velhos, 3 peças, e de picadeiras de ferro, 3 peças, e de argolas de ferro, 3 peças, e de grades de pao, em que decem mós, 1 peça, ..."14. A quitação feita a Pero Coresma a 18 de maio de 1497 faz referência a "todo o que recebeo e despendeo nos nossos fornos e moinhos de Vall de Zebro no tempo em que nelles esteve por recebedor"15. Também se estipula através de um decreto de 20 de fevereiro de 1512, que Álvaro Raposo, recebedor dos fornos e moinhos de Vale de Zebro, dê a Duarte da Gama quatro moios de trigo: "Nós ElRey Mandamos a vós Alvaro Raposo, Recebedor dos fornos e moinhos de Valle de Zebro, que de a Duarte da Gama Provedor da dita casa quatro moios de trigo, de que lhe fazemos mercê, dos quaes vós fazeis muito bom pagamento, ... feito em Lisboa, aos 20 de Fevereiro de 1512, Bastião Lopes a fez"16. Em 1513, Duarte Freire, Almoxarife dos fornos e moinhos de Vale de Zebro e Álvaro Raposo, recebedor dos ditos fornos, tomaram conhecimento do recibo por que consta receberem 162 quintais, 2 arrobas e 21 arráteis de biscoito e trigo do Alentejo17. Em 1518, 3 de janeiro, um alvará d`ElRei determina que se entreguem ao Almoxarife dos moinhos de Vale de Zebro até 200$000 réis para pagamento dos carretos de trigo18. A 27 de Outubro do mesmo ano, outro alvará real estabelece que o Almoxarife das obras de Belém dê todo o pão que tiver no celeiro do Regimento de Algés, ao Almoxarife dos moinhos de Vale de Zebro19. O complexo dos fornos de Vale de Zebro representa, na realidade, uma importância muito mais vasta para o dinamismo económico regional, pelo menos durante os séculos XV e XVI, período a que se refere este estudo, do que "à priori" se possa imaginar. Na verdade, não se trata apenas de um local onde se produzia o biscoito para as armadas que sulcavam os mares nas mais diversas direções e com os mais díspares objetivos: Vale de Zebro transformouse num polo de atração e de desenvolvimento económico da "outra banda", dinamizando em seu torno um conjunto de atividades económicas, complementares ou paralelas, de certa forma direta ou indiretamente relacionadas com este complexo industrial. Anselmo Braamcamp Freire, op. cit, vol. V, pp. 156-157. Ibidem, p. 236. 16 António Lopes da Costa e Almeida, "Memória Histórico-Topográfica dos Estabelecimentos de Vale de Zebro, Telha e Azinheira", in Annais Marítimos e Coloniais, IV série, Lisboa, 1844, pp. 365-366. 17 ANTT., Corpo Cronológico, Parte 2ª, mç. 41, nº 105. 18 ANTT., Corpo Cronológico, Parte 1ª, mç. 23, nº 3. 19 ANTT., Corpo Cronológico, mç. 23, nº 127. 14 15


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Não sendo esta região transtagana dotada de solos férteis para a cultura cerealífera, era preciso recorrer quase na totalidade, ao trigo proveniente do exterior e o volume de cereal transformado neste complexo desencadeia desde logo um aumento acentuado no tráfego luvial, onde as "barcas dos moinhos" circulam num vaivém incessante, transportando o cereal, a farinha e o produto inal: o pão. A proveniência do cereal transformado neste complexo era de origem diversa. Durante os oito anos em que Pêro Lopez foi Almoxarife dos fornos de Vale de Zebro, entre 1489 e 1496, portanto, recebeu 4.186 moios, 11 quarteiros e meio de trigo do Alentejo; 108 moios e 55 alqueires de trigo tremês; 108 moios e 50 alqueires de trigo barrão; 8 moios de trigo da casa do Cavaleiro; 33 moios e 14 alqueires de trigo gorgulhento; 46 moios e 4 quarteiros de trigo podre das bardas; 1 moio de farinha; 1 moio de cevada; 214 moios e 47 quarteiros de farelos; 14.989 quintais, 4 arrobas e 8 arráteis de biscoito de trigo do Alentejo; 3.910 quintais, 3 arrobas e quatro libras de biscoito e trigo tremês e barrão; 412 quintais, 1 arroba e 3 libras de biscoito de trigo podre e gorgulhento20. Em 1500, 17 de fevereiro, uma carta de quitação dava conta de tudo o que Pero Brandão tinha recebido durante o tempo em que foi recebedor dos moinhos de Vale de Zebro. Do extenso inventário consta o cereal de diversas proveniências, nomeadamente do Alentejo, de Castela, da casa do Cavaleiro e de Mazagão: "Mandamos tomar comta a Pero Brandão que Deos haja, e a seus erdeiros, de todo ho que recebeo e despendeo em todo o tempo que teve careguo de recebedor nos nossos moinhos de Val dAzebro, e assi de algumas obras que nos ditos moinhos per nosso mandado mandou fazer. ... e 9.300 de Fernam de Loronha de 31 moios de trigo que lavrou nos ditos fornos; e 450 de Julliã Jocunde de hum moio de trigo que lavrou; e o mais dinheiro pera comprimento dos 2.161.843 rs. recebeo de si mesmo per venda de bisquoito, trigo, farellos e duas mós que vendeo. E 26 escravos; e 22. 678 quintais, 1 arrova, 3 livras de bisquoito; e 3.696 moios, 58 alqueires huma quarta e 4 maquias de trigo, a saber: 3001 moios, 13 alqueires, 5 maquias de Alemtejo e Castella, e os 695 moios, 45 alqueires, 2 maquias de casa do Cavaleiro e Mazagam; 31 moios, 38 alqueires e meio de cevada; e 94 moios de cevada, ..."21. Alcácer do Sal representava um porto de escoamento de dimensões consideráveis para o trigo proveniente do Alentejo e até mesmo de Espanha. Uma quitação de 1522 referente a Ruy da Fonseca que foi recebedor dos cereais em Alcácer do Sal nos anos de 1518 e 1519, dava conta "do paão que á dita villa foy trazido pera dahy ser levado aos nosos moinhos de Vall de Zevro ... a saber: 1.017 moios e 52 alqueires de Gonçalo Vaaz, almoxarife de Beja; e 823 moios, 25 alqueires de Antonio de Sequeira, que teve careguo de comprar o triguo em Olivença os ditos annos ..."22. Anselmo Braamcamp Freire. op. cit., vol. V, pp. 156-157. Ibidem, p. 76. 22 Ibidem, Vol. VIII, p. 397. A problemática da proveniência e transporte dos cereais para a capital do reino, especialmente no que respeita ao pão do Alentejo, assim como o papel que as vilas de Alcácer do Sal e Setúbal desempenharam nesse sentido, é assunto que desenvolvemos noutro volume referente ao Antigo Regime, embora em parte se refira ainda ao período por nós abordado neste estudo. 20 21


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Assim sendo, o cereal transformado nos fornos de biscoito de Vale de Zebro vinha praticamente todo de fora desta região, sendo o Alentejo e a parte oriental do Ribatejo, as regiões que mais terão contribuído para o abastecimento deste complexo industrial. No entanto, o incremento da exploração cerealífera nas ilhas atlânticas veio aumentar a oferta deste tão procurado produto, veriicandose a partir de então o recurso ao trigo das ilhas23 com alguma frequência, embora o recurso ao trigo im portado continuasse a ser uma constante, especialmente em anos de fracas colheitas em território nacional24. Como se pode veriicar através do volume e proveniência dos cereais, a questão do transporte passou a ser de uma importância vital, razão porque desde cedo passaram a existir a sulcar as águas do Tejo e Coina as "barcas dos moinhos", transportando ininterruptamente o cereal e o seu derivado para a transformação nos moinhos e fornos de Vale de Zebro. Segundo João Brandão, de entre as centenas de embarcações que em meados do século XVI cruzavam diariamente as águas do Tejo com os mais diversos produtos, encontramse as que carregam trigo25, tal como se pode veriicar ainda nos inais do mesmo século a partir do Regimento dos Barqueiros de 1572 em que "... todo o barqueiro que acarretar pão para os moinhos da banda dalem daraa iança e haveraa alvara della e haveraa juramento pelo escrivão da Comarca para segurança dos donos do pão, e nenhum será tão ousado que leve desta cidade trigo algum ou outro pão em sua barca soomente aquelle que se houver de fazer em farinha nos seus moinhos para que elle acarreta..."26. Para além do transporte dos cereais e da farinha, era preciso fazer chegar o biscoito às embarcações de grande calado, visto que elas constituíam a principal base de escoamento do produto, quer fosse para consumo das suas próprias tripulações, quer se tratasse de biscoito para a sobrevivência das guarnições das feitorias e fortalezas que entretanto se ediicavam ao longo do litoral africano e posteriormente, na primeira década do século XVI, no Índico. Este dinamismo crescente em torno do complexo dos fornos de Vale de Zebro foi, de resto, observado por Gaspar Frutuoso que ao referirse às riquezas de Lisboa e dos seus arredores no século XVI, designava os fornos d`ElRei como "cousa rica"27, opinião de certa forma corroborada a partir das preocupações observadas pelas medidas de prevenção tomadas pelo rei em torno deste estabelecimento e de que o Regimento dos Fornos de Valzebro28 é um verdadeiro exemplo de rigor em termos de deinição de competências, de tabelamento de salários, bem como das normas de funcionamento. Designava-se por "trigo das ilhas" o trigo que era oriundo das ilhas da Madeira e dos Açores. Vitorino Magalhães Godinho, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, vol. VII, Editora Arcádia, Lisboa, 1965, pp. 263 e segs. 25 João Brandão (de Buarcos), Grandezas e Abastança de Lisboa em 1552, organização e notas de José da Felicidade Alves, Livros Horizonte, Lisboa, 1990, pp. 110-111. 26 Livro dos regimentos dos officiais mecanicos da mui nobre e sempre cidade de Lixboa (1572), publicado e prefaciado pelo Dr. Virgílio Correia, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926, p. 195. 27 Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, Livro IV, Vol.I, Ponta Delgada, Tip. do Diário dos Açores, 1924, p. 243-244. 28 "Regimento dos Fornos de Valzebro", in Systema ou Colecção dos Regimentos Reais, Tomo III, 1785. 23

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A importância deste estabelecimento pode também veriicarse a partir de outros indicadores não menos signiicativos. Pedro de Paiva, escudeiro d`ElRei e escrivão dos fornos de Vale de Zebro, mandou fazer inquirição em 1496, para saber a quem pertencia o pinhal d`ElRei que se encontrava junto dos referidos fornos: "Pedro de Paiva, Escudeiro d´Elrei e Escrivão dos fornos de Valle de Zebro, fez inquirição a quem pertencia o pinhal d´Elrei, se ao Concelho de Alhos Vedros, e se delle se pagava foro ao dito Concelho; chamados os Vereadores da Câmara, Almoxarife dos Fornos, e os homens bons e antigos, um delles, Affonso Annes, disse que aquelle pinhal pertencia ao Concelho, e que tinha possuído por 15 annos e pago a elle foro, e avaliaram o pinhal em 12$000 réis; porém que por estar onde estava o dito pinhal, e junto de outros pinhais d`ElRei e proximamente dos fornos, valia 18$000 réis"29. Este auto, feito aos 2 de Abril do ano de 1496 por Gonçalo Vaz, tabelião da vila de Alhos Vedros e suas freguesias, revela a importância que tinha a madeira e a lenha da "outra banda", importância essa redobrada para aquelas que se situavam nas imediações do estabelecimento dos fornos do rei, razão porque o referido pinhal valeria 18$000 réis em vez de 12$000, acréscimo esse superior a 30%, o que é, no nosso entendimento, bastante signiicativo e revelador das alterações que este complexo provocou na dinâmica do mercado nas suas proximidades, bem como das preocupações existentes em torno dos fornos e da lenha para os alimentar. Centro produtor por excelência, este complexo tornouse também um centro consumidor de proporções consideráveis, visto que aí aluíam diariamente mercadorias várias e das mais diversas proveniências. Em 1550, 17 de Fevereiro, era feito o levantamento de tudo o que Pêro Brandão  que já falecera entretanto  aos seus herdeiros, recebeu e despendeu durante todo o tempo em que foi recebedor dos moinhos de Vale de Zebro, e assim como de algumas obras que aí mandou fazer, tendose concluído que o valor referente aos produtos transacionados terá rondado os cerca de 2.161$843 réis em dinheiro, valor bastante signiicativo. Na relação dos bens, os cereais surgem frequentemente como o principal produto transacionado. No entanto, são mencionados produtos de natureza diversa que diariamente eram consumidos ou utilizados nesta unidade, e este movimento de pessoas e mercadorias era tanto mais intenso quanto eram frequentes as obras, quer nos moinhos, como aconteceu durante o período em que Pêro Brandão foi recebedor, quer nos fornos, como podemos veriicar através de outra informação complementar. Assim, recebeu 94 moios de cal; 5.053 pregos; 460 sacos de liteiro; 13 moios e 39 alqueires de sal; 30 dúzias e 3 tábuas; 27.900 tijolos; 3.000 telhas; 29 cântaros de azeite; e 26 escravos, e "outras muitas cousas meudas"30. A lista dos materiais constantes no relatório da conta feita em 1499 a Pero Lopez, Almoxarife dos fornos de Vale de Zebro, correspondente aos anos compreendidos 29 30

António Lopes da Costa e Almeida, op. cit. pp. 365-366. Anselmo Braamcamp Freire, op. cit. vol. V. p. 76.


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entre 1489 e 1496, é bem elucidativa do movimento de pessoas e bens operado em torno deste complexo, a avaliar pela quantidade e diversidade dos produtos aí consumidos ou utilizados. A relação é muito extensa e fastidiosa, no entanto e por isso mesmo, bem elucidativa do tipo de exigências que se impunham para pôr em funcionamento o estabelecimento: Alcofas e esteiras de palma e de esparto, pás de pejar, bandejar e pavear trigo, masseiras de amassar biscoito, bancos, mesas de tender pão, cortadeiras de ferro, caldeiras de cobre grandes e pequenas, cântaros e tachos de cobre, forcados de ferro, textos de barro para molhar varredoiros, hastes para rodos, varredoiros e pás, esteiras de tábua, cordas de linho, cadeados de ferro, balanças de ferro e respetivos pesos, cestos, pás de ferro e de fornar, sacos de liteiro, cal, joeiros, mantas do Alentejo, cavalos para carretas, pipas de melaço, pipas de remel, açúcar, batedeiras e espumadeiras de cobre, sinos de barro, formas de barro, ancinhos de ferro, machados, foices roçadoiras, enxadas, lenha para os fornos, e muitas outras peças relacionadas com os fornos e moinhos, muitas das quais já anteriormente mencionadas a propósito dos moinhos d`ElRei. São ainda referidos escravos brancos e negros: "e de espravas e espravos negros, 19 peças; e de espravas brancas com ilhos, 11 pares"31. Para além dos materiais necessários à produção, este complexo ocupava muita gente que, de uma ou outra forma, estava relacionada com a transformação do produto. Desde o almoxarife, entidade máxima, de coniança real e por si nomeada, existia ainda uma rede hierarquizada de funcionários, passando pelo escrivão, meirinho, iel ou guarda, mestres dos fornos e dos moinhos, biscoiteiros e, inalmente, os escravos. No entanto, a necessidade de desenvolver e proteger outras atividades ligadas à produção do biscoito, exigia que estivessem estipuladas normas rígidas de forma a garantir os serviços subsidiários complementares à sua produção. Assim acontece com a proteção das matas periféricas, cujos guardas deveriam garantir a sua proteção, bem como a produção e fornecimento de determinados utensílios considerados imprescindíveis na confeção do produto. Referimonos particularmente à olaria e à construção dos fornos de cerâmica da Mata da Machada, muito perto do complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro, os quais revelam a necessidade de incrementar a indústria cerâmica nas imediações dos fornos, de forma a colmatar as necessidades de peças de uso corrente na produção do biscoito, de entre as quais as "formas do biscoito"32 representavam uma importância fundamental, pois era sobre elas que se apoiavam as bolachas na altura da cozedura. No período compreendido entre 1489 e 1496, teriam entrado nos fornos de Vale de Zebro 400 "formas de barro com seus porooes" e 160 " sinos de barro"33. Da conta mandada fazer a Afonso Monteiro em 1510, recebedor dos fornos de Vale de Zebro durante os anos de 1505, 1506 e 150734, constam também, de entre Ibidem, pp. 156-157. A "forma do biscoito" consistia numa espécie de pratos rasos, redondos, portanto, com um diâmetro de cerca de 20 centímetros, sobre os quais era colocada a bolacha durante a cozedura. 33 Anselmo Braamcamp Freire, op. cit., vol. V, p. 157. 34 Ibidem., vol. I, pp. 201-202. 31

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muitos outros objetos, 400 tigelas, quantitativo bastante expressivo da utilidade destes objetos na atividade diária da produção do biscoito. O complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro constituiu assim um dos principais polos dinamizadores da economia da margem esquerda do estuário do Tejo na época dos descobrimentos e da expansão portuguesa. Situado na margem direita do rio Coina e já relativamente próximo da sua foz, ladeado a poente pelas águas calmas e espraiadas deste pequeno rio e a nascente por extensas matas e pinhais que lhe proporcionavam lenha para a sua laboração, cedo desencadeou à sua volta um conjunto de atividades complementares e indispensáveis à sua laboração: contribuiu para a dinamização do tráfego lúviomarítimo e terrestre, na medida em que impulsionou o transporte de cereais, farinha ou biscoito, bem como de outros materiais necessários à manutenção das infraestruturas, ou de utensilagem diversa utilizada no quotidiano das instalações. A indústria moageira sofreu também um inevitável impulso a partir da instalação dos fornos neste espaço. Os cuidados manifestados com o aprovisionamento de farinha para que esta não faltasse nos fornos, levou a que fossem construídas moendas adstritas ao complexo, obrigando, apesar disso, a que outros moinhos próximos tivessem de dar prioridade aos fornos d`ElRei no que respeita ao destino das suas farinhas, sempre que para isso fossem solicitados. Este tipo de paniicação exigia a utilização de múltiplos utensílios de barro, nomeadamente as formas do biscoito, tigelas, lamparinas, barris e muitos outros recipientes que apesar da sua débil consistência, eram indispensáveis na prática diária dos operacionais de fabrico. Assim se justiica o incremento da olaria nos fornos de cerâmica da Mata da Machada, os quais devem ser enquadrados no contexto do desenvolvimento do fabrico do biscoito, sendo a sua localização um testemunho dessa relação entre a olaria e a paniicação, dada a pouca distância entre ambos35. Os indicadores relativos aos quantitativos de biscoito produzidos nos fornos de Vale de Zebro, se bem que apenas aproximados, permitem formular um quadro evolutivo da sua produção durante os anos compreendidos entre 1496 e 1507, os quais, se analisados comparativamente com outros indicadores da mesma época, nomeadamente a chegada dos portugueses ao Oriente, não deixam de se revestir de alguma importância36.

35 Do extenso espólio encontrado em apenas um dos vários fornos explorados na Mata da Machada sob a orientação do Dr. Cláudio Torres, fazem parte inúmeros fragmentos de "formas do biscoito", algumas das quais reconstituídas, fazendo parte do património arqueológico da Câmara Municipal do Barreiro. Aí foram encontradas outras peças, direta ou indiretamente relacionadas com a expansão portuguesa, nomeadamente "formas de pão-de-açúcar" para a purga do açúcar, tigelas, barris, panelas, pesos de rede para a pesca, lamparinas, milhares de cavaletes de enfornamento, e muita louça vidrada para fins mais requintados. Cláudio Torres, "A cintura industrial da Lisboa de quatrocentos: uma abordagem arqueológica", in Separata das Actas das Jornadas de História Medieval: 1383-85 e a Crise Geral dos séculos XIV-XV, Lisboa, 1985. 36 Referimo-nos aos dados avançados por A. H. de Oliveira Marques, in Introdução à História da Agricultura em Portugal, Edição Cosmos, Lisboa, 1968, p. 204.


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QUADRO I QUANTITATIVO DO BISCOITO PRODUZIDO NOS FORNOS DE VALE DE ZEBRO NOS ANOS DE 1496-150737 ANOS

QUINTAS

1496 1497/98 1499 1500 1505/06/07

680 3.144 3.271 2.054 14.487

Ao aproximar-se o século XVI, a produção de biscoito nos fornos de Vale de Zebro aumenta de uma forma bastante acentuada, atingindo por volta de meados da primeira década de quinhentos, proporções até então nunca vistas, facto compreensível38 desde que enquadrado no contexto do novo complexo histórico-geográico criado com a chegada dos portugueses ao Oriente e ao Brasil39. Na realidade, a coincidência entre este impulso na produção do biscoito e o alargamento do espaço dominado pelos portugueses a partir do início da centúria de quinhentos, indicia a existência de uma relação estreita entre a produção deste precioso alimento e a expansão portuguesa, dado tratar-se de um dos nutrientes básicos, tanto para as tripulações das armadas40, como para as guarnições das praças que se iam ediicando ao longo dos territórios dominados. Na verdade, se por um lado a chegada dos portugueses ao Oriente e ao Brasil teve um impacto direto no biscoito, na medida em que incentivou a sua produção como forma de responder às necessidades das tripulações sujeitas a viagens cada vez mais longas, contudo, este impacto fez-se sentir também de forma indireta, na Ibidem, p. 204. Quirino da Fonseca, in Os Portugueses no Mar, Memórias Históricas e Arqueológicas das Naus de Portugal, Tipografia do Comércio, Lisboa, 1926, p. 140. Já nos anos de 1488 e 1499, segundo este autor, teriam sido aprestadas no Tejo ou em outros portos do continente com direção a vários destinos, cerca de 84 embarcações, de entre elas 48 caravelas, 20 tafoneiras, 8 navios, 2 fuscas, albetoças, 2 galés, 1 nau e 1 falua. Durante o reinado de D. Manuel, o mesmo autor dava como prováveis a existência de cerca de 200 naus portuguesas a circular pelo mundo, o que não deixa de dar uma interessante ideia da grandeza da marinha portuguesa por estas alturas e o consequente gasto em mantimentos para as suas tripulações. Entre 1500 e 1635, partiram cerca de 912 navios em direção ao Índico e, de entre esses, uma parte significativa situa-se entre 1500 e 1509 (138). De regresso, o autor apenas aponta cerca de 64, para o período entre 1501-1510. Vitorino Magalhães Godinho, Mito e Mercadoria e Prática de Navegar, Sécs. XIII-XVIII, Difel, Lisboa, 1990, p. 338. 39 Referimo-nos ao complexo histórico-geográfico a que Vitorino Magalhães Godinho faz referência, o qual inicia a sua estruturação nos finais do século XV em torno da rota do Cabo e o trato das especiarias do Oriente, dispersando-se por um imenso espaço que, desde Antuérpia à China, do Mediterrâneo central ao Brasil e à Terra Nova, implementa uma dinâmica comercial decisiva, pois põe em relação economias monetárias com outras muito menos desenvolvidas. Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios Sobre História de Portugal, vol. II, Sá da Costa Editora, Lisboa, 1968, pp. 18-22. 40 Os acontecimentos verificados em 1510 a bordo da nau Flor da Rosa, capitaneada por Bernardim Freire, que integrava a armada que D. Francisco Coutinho levou para a Índia em 1509, são bem reveladores da importância do biscoito para as tripulações dos navios. As privações de alimentos suportadas pela tripulação foram de tal ordem que Afonso de Albuquerque não se fiando em Bernardim Freire que era muito jovem, entregou a chave do paiol da nau Flor da Rosa ao escrivão da nau, recomendando-lhe que fosse muito parco na distribuição do biscoito". Quirino da Fonseca, op. cit, p. 247. 37

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medida em que o acesso direto pelos portugueses às fontes abastecedoras das especiarias orientais, viria a ter profundas implicações nas relações comerciais de Portugal com o Noroeste europeu, passando a partir de então a ser Antuérpia o principal centro distribuidor dos produtos asiáticos e africanos41 e em cuja capital económica o Estado português passa a ter um estatuto privilegiado. Assim, detentores do monopólio das especiarias orientais e de África, esboçando os alicerces do domínio da vastidão do litoral brasileiro – pese embora as suas riquezas permanecessem ainda incógnitas – o deslocamento da feitoria portuguesa da Flandres para Antuérpia marca um novo período nas relações comerciais dos portugueses com o resto da Europa, cuja dinâmica se relete no desenvolvimento do tráfego marítimo e consequentemente, nas necessidades daí emergentes em termos de abastecimento de biscoito42. Segundo um cálculo apresentado por Vitorino Magalhães Godinho43, da ração diária por pessoa a bordo de uma nau, fazem parte entre 1 arrátel 1/2 para as armadas destinadas à Costa, Ilhas e Estreito de Gibraltar e 1 arrátel 3/4 para viagens mais longínquas, nomeadamente para o Oriente e o Brasil, o que equivale a cerca de 0,680Kg e 0,800Kg, respetivamente, a quantidade de biscoito que, em média, era disponibilizado para cada tripulante. Os tempos de viagem variavam entre limites muito amplos. Contudo, a duração de grande parte das viagens para a Índia durante o século XVI situavam-se entre os quatro meses e meio e os sete meses, chegando mesmo aos dez meses44, e bastante mais para Malaca. O regresso é ainda menos conhecido, no entanto, e tendo em consideração a intensidade do tráfego marítimo rumo ao Oriente, tanto na fase de domínio e ocupação do Índico, como na de comercialização e transporte, tudo se conjuga para que a procura do biscoito tenha incentivado a produção, conforme o demonstra o quadro a que izemos referência45. Apesar da importância destes estabelecimentos (fornos e moinho) se ter reduzido com o avançar dos séculos pela generalização destes estabelecimentos por várias partes do Império, em 1762 ainda encontramos o registo das seguintes pessoas na condição de assistentes nos referidos fornos: 41 Cf. António Augusto Marques de Almeida, O Eixo Lisboa Antuérpia - Capitais e capitalistas no comércio da especiaria (1501-1549). Aproximação a um estudo de Geofinança, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 1989. 42 De entre os vários indicadores que revelam que o período de transição do século XV para o século XVI foi bastante agitado, procedendo-se a obras de beneficiação na área da empresa marítima, consta um alvará régio de 19 de Janeiro de 1499, determinando a realização de obras de limpeza e segurança nos cais do Tejo, de forma que "se alimpe toda a Ribeira da dita çidade, segundo que se faz diante da porta das Tarceenas e se faça hum lanço da dita Ribeira de estacada (...) e se faça o cays de todallas outras obras mais necessayras a çidade". in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livros de Reis, vol. IV, Lisboa, 1955, p.47. 43 Vitorino Magalhães Godinho, Mito e Mercadoria Utopia e Prática de Navegar, Séculos XIII-XVIII, Difel, Lisboa, 1990, p. 370. 44 Cerca de 88% das idas para a Índia situam-se neste intervalo de tempo de viagem, o que não significa que quando estas tivessem de invernar, o tempo não disparasse para dez ou mais meses. Cf. Vitorino Magalhães Godinho, op. cit. pp. 337-344. 45 Segundo Vitorino Magalhães Godinho, cada nau de tonelagem média (400 a 500 tonéis) transportava um total de 400 a 500 pessoas, o que equivale ao consumo de largos milhares de quintais de biscoito por cada viagem. Vitorino Magalhães Godinho, op. cit., p. 365.


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QUADRO II ASSISTENTES NOS FORNOS DA VILA DE ALHOS VEDROS EM 176246 N.º NOME

PROFISSÃO

ORDENADO (EM RÉIS)

DÉCIMA/MANEIO (EM RÉIS)

1

Francisco Xavier Soares

Almoxarife

200 000 (pagos em Lisboa)

Cobrava em Lisboa

2

José de Moira

Escrivão da fábrica

130 000

Cobrava em Lisboa

3

José Gomes

Meirinho

30 000

200 (e o restante em Lisboa)

4

Luis

Fiel

40 000

400

5

José Francisco

Trabalhador e jornaleiro

Não especifica

200

6

José Alexandre Ferreira

Trabalhador e jornaleiro

Não especifica

200

7

Silvestre Pinheiro

Trabalhador e jornaleiro

Não especifica

200

8

José de Sousa

Marítimo

Não especifica

200

9

Joaquim Duarte

Oficial de carpinteiro

Não especifica

400

10 António da Fonseca Stª Marta

Trabalhador e jornaleiro

Não especifica

200

Não especificado

24 moedas de ouro

11 540

12 António

Criado do escrivão José de Moiras Carreiro

24 000

960

13 Manuel Serôdio

Criado de André Coelho da Mota Carreiro

Também não quis declarar ordenado

960

11 André Coelho da Mota47

46 IAN/TT, Alhos Vedros, Impostos (1762) – Lançamento da décima de prédios urbanos, rústicos e maneio, Liv. 257, fls. 64-65v. 47 O texto tem o seguinte teor: “André Coelho da Mota, que não quis declarar seu rendimento e ordenado que se refugiou e examinou pelos lançadores na forma do regimento, e por informação que se tirou particular e constar ter de ordenado vinte e quatro moedas de oiro ordinárias, de cuja quantia vem a décima onze mil quinhentos e quarenta réis”. Ibidem, fl. 65. O mesmo aconteceu com Manuel Serôdio, indicado no nº 13 desta lista.


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Esta Fábrica, que teria icado muito daniicada com o Terramoto de 1755, viria a ser desativada e extinto o seu almoxarifado e respetivos cargos, instituído em 1653. Contudo, razões de ordem económica levariam à sua reediicação, como consta no Diário do Governo, Nº 209, de 5 de Setembro de 1851: “havendo-se reconhecido terem sido bastantemente excessivos os preços , por que, nestes últimos anos, foi contratado o fornecimento das rações de pão e bolacha para consumo das tripulações dos Navios de Guerra e das praças do Batalhão Naval, sendo ainda na última praça, que se mandou abrir em Junho do corrente ano, para a arrematação do sobredito contrato, o menor lanço, que se obteve, foi de 36 réis por cada ração de 24 onças, e 4$400 réis por cada quintal de bolacha. Houve Sua Majestade a Rainha por bem determinar, por Portaria dirigida ao Conselho de Administração de Marinha em 4 de Agosto último, que nos fornos do Estabelecimento de Vale de Zebro, há longo tempo desaproveitados, se fabricasse, como por experiência, uma porção dos ditos géneros por conta da Repartição da Marinha, para se conhecer, se, com maior vantagem para a Fazenda Pública, se poderia conseguir o referido fornecimento; e havendo-se recebido um Oício do mesmo conselho de Administração, dando conhecimento do resultado que obteve da experiência que lhe foi ordenada, por onde se mostra, que, depois de calculada toda a despesa em manipulação, combustível, e matéria-prima para as rações de pão e bolacha fabricadas no dito Estabelecimento para fornecimento de dezanove dias, veio a sair cada pão de 24 onças pelo preço de réis 26$, e cada quintal de bolacha por 3$352, dando assim uma diferença para menos dos últimos preços oferecidos em hasta pública, de 3$ réis em cada ração de pão, e de 1$048 em cada quintal de bolacha, diferença esta que, calculada sobre o termo médio das rações, que nestes últimos três anos tem sido distribuídas às tripulações dos Navios de Guerra e praças do Batalhão Naval, dá uma economia anual de perto de cinco contos de reis, a qual necessariamente deve aumentar à medida que for sendo maior o movimento da Marinha de Guerra. Manda a Mesma Augusta Senhora, pela Secretaria d’Estado dos Negócios da Marinha e do Ultramar, que o Conselho de Administração de Marinha faça continuar no Estabelecimento de Vale de Zebro o fabrico de todo o pão e bolacha que for necessária para o fornecimento das sobreditas rações, procurando que aquele fabrico ali se consiga com a maior economia possível, para o que fará evitar o aumento do pessoal do dito Estabelecimento, e que todas as mais despesas se reduzam às restritamente indispensáveis. Paço em 4 de setembro de 1851. – António Maria de Fontes Pereira de Mello”. (Diário do Governo de 5 de setembro, Nº 209)48 De qualquer forma, o inventário das propriedades, móveis, alfaias e mantimentos mandado efetuar no primeiro dia do ano de 1800, ainda se encontram os seguintes registos: Citado por Ana C. de Sousa Leal, "Abordagens Documentais para a História dos Moinhos do Barreiro", in Um Olhar Sobre o Barreiro, nº 2, 3ª série, Barreiro, edição de Augusto Valegas, novembro de 1993, p. 30.

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– Fábrica: Pátio, Ermida, Casa do Peso, Celeiro de Trigo, Paiol para Farinha e outro para Farelos, Casa dos Fornos com duas cercas para lenhas, Casas dos Paióis do Biscoito, Oicinas, residência do Administrador, Escriturário, Fiel e Serventes da Fábrica, bem como as casas de quem vai receber o biscoito; – Nove casas pequenas e térreas ao serviço de pessoas pobres do serviço da mesma Fábrica; – Uma casa que serviu noutros tempos de cadeia e uma outra que servia de palheiro; – Um pinhal com sua língua de mato; – Uma Quinta “A Esperta” sita no dito pinhal, com vinha, casas e lagarissas arrendada por D. Isabel Narcisa em 10.000 réis anuais; – Uma hortinha junto à Fábrica; as Terras da Feitoria da Telha, sem cultivo49. Assim sendo, e à laia de conclusão, podemos dizer que a ediicação do complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro na margem direita do rio Coina deve ser

e da expansão portuguesa. Ao aproximar-se o século XVI, o aumento da produção de biscoito, um dos principais alimentos das tripulações das armadas, tornou-se uma necessidade imperiosa. A “descoberta” e colonização das ilhas do Atlântico, o alargamento do espaço das pescarias no Atlântico e, sobretudo, a progressão ao longo da costa ocidental africana e a certeza de comunicabilidade entre os oceanos Atlântico e Índico a partir de 1487, obrigou os governantes a repensar a estratégia de abastecimento dos víveres das tripulações, não só pelo aumento das distâncias e, consequentemente, dos tempos das viagens, mas também pelo aumento da quantidade de embarcações que se avizinhavam necessárias para o tão desejado empreendimento: as especiarias orientais. Para além da sua utilidade especíica para abastecimento das armadas e de muitas praças entretanto construídas, os fornos de biscoito em Vale de Zebro terão sido também responsáveis pela dinamização de outras indústrias subsidiárias indispensáveis à expansão portuguesa, nomeadamente a indústria moageira junto do rio Coina, em cujas margens foram identiicados cerca de 20 moinhos de maré e a indústria de cerâmica da Mata da Machada, assim como contribuíram para a intensiicação do tráfego luvial nos rios Coina e Tejo. O trigo vinha do exterior: do Alentejo, da parte oriental do Ribatejo, das ilhas e do mar. A farinha tinha de ser transportada para os fornos, e o biscoito canalizado para os locais de escoamento, normalmente as armadas, ou embarcações de grande calado com destino às longas viagens. A lenha nas suas proximidades tornou-se objeto de preocupação pelos responsáveis do estabelecimento. Para garantir a sua laboração contínua, era necessária bastante lenha. O seu elevado consumo na cidade de Lisboa, comprometia seriamente as matas da “outra banda” 49 Ibidem, p. 31 e segs. Por ser demasiado extensa, não expomos a relação completa, remetendo o leitor para a Revista citada. De qualquer forma, cumpre referir que os valores das avaliações ascendem a 2:113$950 réis.


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e era urgente prevenir contra o seu consumo excessivo, razão porque cedo foram tomadas medidas restritivas no sentido de obviar essa situação. O complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro constituiu assim um dos principais polos dinamizadores da economia da margem esquerda do estuário do Tejo na época dos descobrimentos e da expansão portuguesa e o “ex-libris” do contributo da margem esquerda estuarina para a empresa dos descobrimentos. Situado na margem direita do rio Coina e já relativamente próximo da sua foz, ladeado a poente pelas águas calmas e espraiadas deste pequeno rio e a nascente por extensas matas e pinhais que lhe proporcionavam lenha para a sua laboração, cedo desencadeou à sua volta um conjunto de atividades complementares e indispensáveis à sua laboração: contribuiu para a dinamização do tráfego lúvio-marítimo e terrestre, na medida em que impulsionou o transporte de cereais, farinha ou biscoito, bem como de outros materiais necessários à manutenção das infraestruturas, ou de utensilagem diversa utilizada no quotidiano das instalações. Porém, pertenceram ao espaço correspondente ao antigo concelho de Alhos Vedros até meados do século XIX e não ao concelho do Barreiro, razão porque nos parece cientiicamente incorreto e intelectualmente desonesto para a memória da população de Alhos Vedros a produção de um discurso historiográico que não tenha em consideração esta realidade histórica.


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1.2 “DOIS DEDOS DE CONVERSA” ACERCA DO BARREIRO PRÉ-INDUSTRIAL (Comunicação apresentada no arquivo Municipal do Barreiro em novembro de 2009)

À

semelhança de outros concelhos ribeirinhos da margem esquerda estuarina, também o estudo do concelho do Barreiro se reveste de alguma complexidade. Na verdade, toda a faixa litorânea desde as proximidades de Cacilhas até próximo da Ribeira das Enguias, partilha de características geomorfológicas e climáticas semelhantes e, consequentemente, de uma cobertura arbórea e arbustiva que a distingue do resto da península da Arrábida, conferindolhe uma isionomia algo própria e uma unidade especíica. Isto signiica que, do ponto de vista da exploração económica dos seus recursos numa primeira fase de ocupação, as fronteiras político administrativas que se foram desenhando com a desintegração deste espaço em diversos concelhos, incluindo o do Barreiro por diversas vezes alterado, serão sempre transitórias, e até artiiciais1. Em segundo lugar, pela escassez de documentos sobre este espaço, especialmente para os tempos mais recuados. À semelhança de outros concelhos ribeirinhos da margem esquerda, também existem grandes lacunas documentais no que respeita ao concelho do Barreiro, limitandonos na produção historiográica em alguns momentos e sobre aspetos de relevada importância, nomeadamente sobre a economia e a sociedade. Em terceiro lugar porque as fronteiras do atual concelho do Barreiro resultam de uma complexa sucessão de alterações administrativas, razão porque do ponto de vista da duração não existe apenas um Barreiro, mas vários. Os diferentes espaços históricos que coniguraram o seu território ao longo dos séculos, terão de ser considerados, se bem que compreendidos num espaço mais alargado, no qual se integravam e com ele partilharam ainidades diversas, principalmente económicas: a margem esquerda do estuário do Tejo e a cidade de Lisboa. Assim sendo, considerando a natureza especíica do espaço ou espaços em estudo assim como o reduzido texto historiográico que temos para a apresentação desta comunicação, optámos por fazer uma abordagem muito geral e estabelecer a industrialização como marco cronológico da nossa exposição, o que corresponde “grosso modo” ao antigo concelho do Barreiro. A introdução dos CaminhosdeFerro e posteriormente de outras indústrias, especialmente as fábricas da CUF e a indústria corticeira, assim como o desenvolvimento do comércio local, provocaram alterações a vários níveis e de tal forma signiicativas que justiicam, no nosso entendimento, a marcação de um ponto de viragem no desenvolvimento económico, social, cultural

Sobre este assunto cf. António Gonçalves Ventura, A Banda d`Além e a cidade de Lisboa durante o Antigo Regime: uma perspetiva de História Económica Regional Comparada, Tese de Doutoramento apresentada à Reitoria da Universidade de Lisboa, Junho de 2008, p. 14 e segs.

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e até mental do Barreiro e das suas gentes. Também porque coincide com a arrumação mais ou menos deinitiva das suas fronteiras, pondo im ao primitivo concelho manuelino. Para além disso, pensamos que é o período que mais carece de alguma “arrumação” em termos historiográicos, visto que muito do que se tem dito e escrito sobre o Barreiro destes tempos nem sempre ter sustentação documental, contribuindo para a situação algo confusa em que este período se encontra. De qualquer forma, e porque o atual concelho do Barreiro integra os territórios aproximados dos antigos concelhos do Lavradio e Coina, e até uma parcela do de Alhos Vedros, introduziremos neste texto alguma informação documental sobre esses concelhos no período em estudo. Estamos convencidos que ajudará na compreensão do nosso raciocínio, como poderão eventualmente servir para estudos posteriores. A CIRCUNSCRIÇÃO ADMINISTRATIVA DO ANTIGO CONCELHO DO BARREIRO O Barreiro, um lugar do termo de Alhos Vedros que contava com cerca de 54 fogos em 1487, foi elevado à condição de vila e concelho através de carta de vila datada de 1521 às expensas de uma pequena parcela do território do concelho ao qual pertencia, como resposta às solicitações dos seus moradores, no sentido destes poderem resolver os seus problemas administrativos sem necessitarem de se deslocar a Alhos Vedros para o fazer, sede concelhia de então. Passados cerca de 45 anos, em 1532, já foram registados 134 fogos, um aumento populacional verdadeiramente expressivo para um tão curto período. O território do primitivo concelho do Barreiro era muito reduzido, cujas fronteiras deixavam de fora a Verderena a grande e o Lavradio, território que não ia muito para além do espaço ocupado pela mancha urbana da cidade atual, como se pode inferir pela descrição feita a propósito do numeramento populacional mandado efetuar entre 152732 por D. João III. Esta realidade tem sido frequentemente omitida pela historiograia atual, e por alguns curiosos que, por razões que desconhecemos, muito têm contribuído para que persista alguma confusão sobre de que Barreiro falamos, quando nos referimos ao concelho manuelino de 15212. Tratase de um espaço histórico de longa duração, delimitado jurisdicionalmente, cujas fronteiras permaneceram inalteradas durante mais de trezentos anos, contrariamente aos concelhos de Alhos Vedros e Lavradio, em que as suas fronteiras foram sucessivamente alteradas durante este período de tempo. 2 Segundo os registos, as fronteiras eram as seguintes: "parte per todalas partes com Alhos Vedros. Item, tem pera Alhos Vedros mea legoa; e he Alhos Vedros hua. Item, pera Couna outra mea legoa ao sul; e he a Couna outra legoa. Item, pera o ponemte ata o rio de Couna outra mea legoa. E pera o norte com o rio de Lixboa". Anselmo Braamcamp Freire, "Povoação de Entre Tejo e Odiana", in Archivo Historico Portuguez, vol. IV, p. 354. Posteriormente, viriam a ser agregados ao concelho do Barreiro para efeitos administrativos, por decreto de 24 de Dezembro de 1851, os concelhos da Moita e de Alhos Vedros, dando origem a uma agremiação denominada de Administração dos Concelhos Reunidos do Barreiro, Alhos Vedros e Moita. A incorporação definitiva daqueles dois concelhos no do Barreiro virá a efetuar-se em 24 de outubro de 1855, dando assim origem à primeira alteração territorial ao primitivo concelho do Barreiro. Atualmente, Alhos Vedros faz parte do concelho da Moita, enquanto que o Lavradio corresponde a uma das freguesias do concelho do Barreiro.


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Nos inícios do século XVIII, o Padre Carvalho da Costa descrevia a vila do Barreiro da seguinte forma: “A Villa do Barreyro ica duas legoas de Lisboa para o Sul junto ao mar; tem trezentos vizinhos com huma parochia, Orago Santa Cruz, com Prior & hum Beneiciado da Ordem de Santiago, de que he Comenda da Mesa Mestral, que rende quatrocentos & cincoenta mil reis. Tem Casa de Misericordia, Hospital, & tres Ermidas. He fértil de vinho, igos, hortaliça, frutas, lenha, & muyto marisco: tem dous Juizes, hum procurador do Concelho, Escrivão da Camera, Juiz dos Orfãos com seu Escrivão, hum Tabelião do Judicial, & Notas, hum Alcaide, & huma Companhia da Ordenança”3. Apesar do seu território relativamente reduzido e, por isso mesmo, limitados os seus recursos rurais, o Barreiro foi uma das localidades neste espaço ribeirinho onde se veriicou um crescimento populacional mais rápido, depressa ultrapassando a população de Alhos Vedros, situação veriicada logo a partir do século XVI. Este crescimento icou a deverse fundamentalmente à frequente chegada de gente proveniente de diversas partes do país, e ao elevado número de crianças nascidas neste concelho comparativamente com o que se veriicou no mesmo período na Paróquia de São Lourenço em Alhos Vedros. Entre 1601 e 1620, foram registados cerca de 533 batismos na Paróquia de Santa Cruz do Barreiro4, contra cerca de 326 na Paróquia de Alhos Vedros5, o que signiica que das cerca de 859 crianças batizadas nestas duas paróquias nas duas primeiras décadas do século XVII, 62% pertenciam ao Barreiro, enquanto que apenas 38% a Alhos Vedros. Isto é ainda mais signiicativo se nos lembrarmos que pouco mais de um século antes, em 1487, a população do Barreiro contava apenas com 54 fogos6. Cerca de um século depois, os registos de batismos nestas duas paróquias dis param para diferenças ainda maiores. Entre 1697 e 1716, foram registados 856 batismos na Paróquia de Santa Cruz7, uma média estabilizada de cerca de 43 batismos por ano, enquanto na Paróquia de São Lourenço de Alhos Vedros apenas se veriicaram 392 registos8, o que equivale apenas a 31% dos 1248 registos por nós contabilizados neste período nestas duas paróquias, cuja média anual se queda pelos 19,5. Nos inais do século XIX, os batismos na Paróquia de Santa Cruz dispararam para mais de 100 registos por ano. Nos anos 18911898, foram batizadas nesta Igreja 968 crianças, o que equivale a uma média anual de 121 batismos9. Carvalho da Costa, Corografia Portugueza e descripçãm Topográfica do famoso Reyno de Portugal, Tomo III, 2ª edição, Braga, p. 226 e segs. 4 ADS, Registos paroquiais do Barreiro, batismos, cx. 5748. 5 ADS, Paroquiais de Alhos Vedros, batismos, cx. 5856. 6 Segundo Nicolau de Oliveira, em 1620 a população de Alhos Vedros seria de 183 fogos, enquanto que a do Barreiro já ascendia a 250. Porém, estas diferenças (58% para 42%), são percentualmente menos significativas do que as verificadas nos batismos (62% para 38%). Nicolau de Oliveira, Livro das Grandezas de Lisboa, Edição Fac-similada da do original de 1620, com texto atualizado de Maria Helena Bastos, Prefácio de Francisco Santana, Coleção Conhecer Lisboa, Lisboa, 1991, Cap. IV, p. 557 e segs. 7 ADS, Registos paroquiais do Barreiro, batismos, cx. 5748. 8 ADS, Paroquiais de Alhos Vedros, batismos, cx. 5856. 9 ADS, Registos paroquiais do Barreiro, batismos, cx. 7878. 3


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GRÁFICO I REGISTOS COMPARADOS DE BAPTISMOS NO BARREIRO E EM ALHOS VEDROS NOS ANOS 1697-1716

Baptismos em Alhos Vedros

Baptismos no Barreiro

Tal facto revela a existência de uma população menos envelhecida do que a de Alhos Vedros, e só pode ser compreendido no quadro da especiicidade geográica do concelho do Barreiro, pois ao retirar ao concelho de Alhos Vedros uma parte signiicativa do acesso aos rios Tejo e Coina, limitando os seus recursos luviais que desde há muito constituíam uma das suas principais fontes de riqueza, chamou a si essa maisvalia, icando com quase 2/3 de fronteiras luviais, vocacionandoo para aquilo que viria a ser o seu principal meio de subsistência, a pesca, pelo menos até à segunda metade do século XIX. Um estudo por nós efetuado revelou dados curiosos, porque verdadeiramente expressivos, sobre o peso que a atividade piscatória tinha nesta localidade, contrariando algumas teorias nunca fundamentadas, sobre as características sociais das gentes deste concelho. Dos 195 batismos registados no quinquénio 16961700, 114 são ilhos de pescadores, o que equivale a 58% das crianças batizadas, mais de metade, portanto. Neste quinquénio, apenas no ano de 1698 foram batizados nesta paróquia menos ilhos de pescadores do que o somatório de todas as outras proissões em 39 batismos, 16 eram ilhos de pescadores. Nos restantes anos, a percentagem de ilhos de pescadores foi sempre superior ao somatório de todas as outras proissões, mais de 50%, portanto, atingindo mesmo 68% em 1699, como podemos ver no gráico seguinte:


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GRÁFICO II

Como podemos observar, estes indicadores revelam que, numa fase já bastante tardia, ainda a população do Barreiro era essencialmente piscatória, conirmando o nosso raciocínio. Aliás, esta atividade era verdadeiramente avassaladora, não se encontrando nenhuma outra com dados expressivos. Em 1699, por exemplo, em 47 registos de batismo, 32 eram ilhos de pescadores, o que revela que não sendo uma comunidade exclusivamente piscatória, o Barreiro apresentava-se como uma comunidade de características piscatórias. Até mesmo os padrinhos dos recém-nascidos eram quase todos também pescadores. De outras proissões neste mesmo ano, encontramos 3 carpinteiros, 3 moleiros, 1 pedreiro, 1 calafate para além de uma ou outra proissão pouco signiicativa, tendência que só virá a apresentar sinais signiicativos de mudança nos inais do século XIX, altura em que começam a surgir outras proissões relacionadas com as indústrias locais então implantadas: maquinistas, fogueiros, condutores, corticeiros, rolheiros, serralheiros, cordoeiros, ferreiros, caixeiros, proprietários, empregados nos caminhos-de-ferro, empregados de comércio, etc., para além das proissões tradicionais, de entre as quais os “marítimos”, termo que progressivamente foi substituindo o tradicional “pescador”. Assim sendo, neste primeiro período da sua existência, o concelho do Barreiro era parco em rendimentos, especialmente tendo em consideração a elevada concentração populacional num território tão reduzido e de solos relativamente pobres para a exploração de culturas arvenses, razão porque teve de se direcionar para as atividades marítimas e luviais. Para além da pesca, a atividade moageira produzida pelos vários moinhos de maré que possuía no seu pequeno território, a exploração de algumas vinhas e a progressiva exploração hortícola, o Barreiro pouco mais tinha de onde extrair as suas subsistências.


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Nesta fase da sua existência, a introdução do complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro, ou do estaleiro naval que terá existido na Telha neste espaço histórico que constitui o concelho do Barreiro nos séculos XVI-XIX, só porque os abrange na atualidade, não passa de um mero exercício criativo sem rigor histórico e que apenas serve para confundir e não para explicar, a História do Barreiro. Acresce ainda o facto de algumas das fontes que têm servido de suporte à historiograia sobre a margem esquerda do Tejo serem sempre as mesmas, e repetidas até à exaustão, nem sempre conirmadas pela investigação no terreno10. O termo “fértil” utilizado pelo autor da Corografia Portugueza não é sinónimo de abundância, e as fontes não nos conirmam que todos os produtos assinalados pelo Padre Carvalho da Costa fossem de facto abundantes neste concelho nos inícios do século XVIII, e duvidamos mesmo que suprissem as necessidades locais, nomeadamente a lenha, a madeira, o carvão e o vinho, assim como as pastagens para os seus gados. A nossa suspeição não se alicerça apenas no facto das reduzidas dimensões territoriais do concelho não o permitirem para uma população tão acrescentada, mas também, e sobretudo, porque na realidade as fontes apontam em sentido contrário, nomeadamente no que respeita aos produtos lorestais neste concelho, os quais, para além de poucos, estavam sujeitos a uma delapidação progressiva para efeitos de plantação da vinha e de outras culturas necessárias ao quotidiano da população, especialmente a horticultura. Em 6 de Abril de 1686, quando o senado da Câmara de Alhos Vedros decide quebrar as relações de boa vizinhança com o concelho do Barreiro, não só por não estar a cumprir a tradição no que respeita à sua participação na festa do Domingo de Ramos com as respetivas “choramelas”, mas também pela forma como os oiciais da Câmara vizinha se dirigiram ao senado de Alhos Vedros, respondendo “(…) que nunca foi nem achamos ser contrato nem obrigação mais que uma simples devoção, que os vizinhos desta vila tinham a Nossa Senhora dos Anjos (…) que os moradores desta vila sejam obrigados a dar ou mandar a essa uma dança para a procissão de Corpus Christi, não sabemos que houvesse nunca tal devoção ou obrigação, nem vossas mercês o poderão mostrar, porque no tempo que nesta vila governavam os infantes nunca tal sonharam, nem desta vila lhe foi, e menos irá agora, porque depois que o Sr. Rei Dom Manuel, que santa glória haja, a desanexou dessa, dela fez mercê ao Sr. D. Jorge, Duque de Coimbra e de Santiago e de Avis (…)”11, a reação do senado da Câmara de Alhos Vedros não se fez esperar. Sentindo-se insultado com o conteúdo e forma da carta dos oiciais da Câmara do Barreiro, cujo traslado está inserto em ata da reunião de Câmara acima referida, respondeu de forma severa, cortando as relações de boa vizinhança entre os dois concelhos, e estabelecendo pesadas penas para quem violasse as proibições, ou conhecendo-as, não as denunciasse, como consta na postura que se segue, a qual, pela sua importância, considerámos oportuno intercalar neste texto: Referimo-nos aos autores coevos, os quais têm sido repetidos sucessivamente, cujas afirmações por vezes são exageradas, pouco exatas ou até mesmo incorretas. Sobre este aspeto cf. António Gonçalves Ventura, Tese de Doutoramento (…). 11 AMM, Livro de Atas da Câmara de Alhos Vedros, 1683-1692, fls. 90v-92v. 10


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(…) “E logo na dita Câmara e vereação, assentaram e concordaram os ditos oiciais e procurador do concelho, que vista a resposta da carta atrás escrita dos oiciais da Câmara da vila do Barreiro não quererem cumprir com suas obrigações como consta o faziam pelos termos que estão feitos nesta Câmara, e se mostrarem rebeldes, houveram por quebrada a Carta de Vizinhança, visto não mandarem choramelas nem sírio, nem fogaças, nem a Cruz à procissão de Ramos como eram obrigados a esta (…) vila em antiquíssima posse de assim o fazerem, assim acordaram e izeram postura, que todo o carreteiro ou carreiro desta vila e seu termo que levar rama de pinho, tojo, marvalhas, ou tranca à dita vila, pague de coima seis mil réis pagos da cadeia, e a mesma pena terão os mateiros que a cortarem, e todo o gado vacum que for da dita vila achado no termo desta vila, pagará de coima cada um mil réis, e o gado miúdo cinquenta réis por cada uma cabeça, cada cavalo nos baldios pagará de coima quinhentos réis, e no tempo proibido pelas posturas desta Câmara mil réis, e todo o morador da dita vila, assim homens como mulheres, rapazes que forem achados com lenha e tojo, ou outro qualquer género de mato no termo desta vila, pagarão de coima mil réis, tudo pago da cadeia, e sendo pinheiros pelo pé, dois mil réis, e toda a pessoa desta vila e seu termo que vir as tais pessoas da vila do Barreiro e não der parte logo às justiças desta vila e juízes das vintenas dos lugares para que os prendam e os tragam à cadeia, pagarão a pena que elas merecerem, e dando em que forem condenadas, e mandaram fosse apregoada esta postura pelo porteiro deste conselho Miguel Gonçalves, e que todos os carreteiros desta vila e seu termo os notiicasse na forma desta postura para que viesse à notícia de todos, para que a nenhum tempo possam alegar ignorância, e para de tudo constar, mandaram fazer este termo de postura em que assinaram, e eu Inácio Lameiros, que o escrevi”12. Seguem-se as assinaturas Este documento sugere-nos a importância que o território de Alhos Vedros tinha para a população do Barreiro, não só no que respeita à lenha, carvão e madeira, mas também que era habitual os moradores desta vila apascentarem os seus gados no território vizinho, situação que, nesta altura, já os obrigava a atravessar o território do recém-formado concelho do Lavradio para lhe ter acesso, visto este ter sido criado em 1670 à custa de mais uma estreita faixa de território do concelho de Alhos Vedros, que se interpunha entre ambos. Na verdade, a criação do concelho do Lavradio em 1670 sacriicando mais um pedaço do território do concelho de Alhos Vedros, viria também a produzir efeitos colaterais aos moradores do Barreiro, limitando-lhes ainda mais o acesso aos produtos rurais junto da sua fronteira, agora com uma gestão mais rigorosa, porque mais próxima. Temos indicadores que revelam que, tal como o Barreiro, também o Lavradio tinha população a mais para os meios de subsistência que tinha, incluindo o espaço rural.

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Ibidem, 1683-1692, fls. 90v-92v.


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Encontrámos vários cortes de vinha no território de Alhos Vedros exploradas exclusivamente por trabalhadores do Lavradio, facto que demonstra a justeza do nosso raciocínio e a progressiva apropriação por este recém-formado concelho de toda a faixa que se estendia desde a Verderena até junto dos Fornos de Vale de Zebro, cujas propriedades juntamos em anexo a este texto, porque presentemente faz parte do concelho do Barreiro. O Lavradio adquire a sua autonomia administrativa através de uma carta de vila, esta doada por D. Pedro II a D. Luís de Mendonça Furtado, vice-rei da Índia e conde da dita terra, como forma de compensação pelos serviços prestados à coroa. Porque o conde faleceu sem sucessores, esta vila passou para a coroa, mantendo, no entanto, autonomia administrativa até à sua anexação ao concelho de Alhos Vedros em 1836, dotada de governo municipal, cujo senado era composto pelo corpo de oiciais, como consta nos escritos de Carvalho da Costa13. Apesar de relativamente curta, a história deste concelho não é de todo linear. Na verdade, a morte do conde sem que tivesse deixado sucessores, viria a originar a transferência da sua administração para a responsabilidade da coroa, sob alçada da qual icaria até ser de novo integrado no concelho de Alhos Vedros. Mas a sua irregularidade não se ica pelos aspetos político-institucionais. Também o seu território não foi uniforme durante o período da sua existência. Causas ainda não suicientemente esclarecidas, izeram com que este pequeno concelho, que inicialmente abrangia uma estreita faixa retirada ao concelho de Alhos Vedros ao longo da fronteira com o concelho do Barreiro, na qual se incluía a Verderena Grande, fosse aumentando progressivamente o seu território para Sul, vindo a anexar posteriormente os lugares da Telha e Palhais14. De qualquer forma, não nos parece que a ocupação progressiva deste espaço tenha sido por mero acaso, pois feito o levantamento da propriedade aí existente, constata-se que coincide perfeitamente com o espaço de maior concentração de hortas, fazendas, quintas e morgados, totalizando cerca de três dezenas, conforme consta em anexo documental, e alterando de forma dramática a já débil situação económica do concelho de Alhos Vedros, do qual também fazia parte. O “golpe” inal no concelho de Alhos Vedros viria a ser dado cerca de 21 anos depois, em 1691, quando a Moita também reclamou a sua autonomia e foi cedida ao conde de Alvor, às expensas de mais uma considerável porção do seu espaço, para além de uma extensa faixa costeira que se estendia desde Sarilhos pequenos até à parte ocidental da Moita. 13 “A Villa do Lavradio fica duas léguas de Lisboa, para Sul, foy dada por El-Rey D. Pedro o Segundo a Jeronymo de Mendonça, Viso-Rey da Índia, hoje he da coroa, tem cento & quarenta vizinhos com o lugar da Verderena, & huma Parochia, Priorado. He fertil de pão, gado, caça, & peyxe, & tem hum Juiz Ordinário, Vereadores, hum Procurador do Concelho, Escrivão da Camera, Juiz dos Órfãos com seu escrivão, hum Alcayde, Y huma Companhia da Ordenança. No lugar da Verderena há hum Convento de Frades Arrabidos, em que residem quinze Religiosos”. Carvalho da Costa, Corografia Portugueza e descripçãm Topográfica do famoso Reyno de Portugal, Tomo III, 2ª edição, Braga, 1709, p. 226. 14 Os primeiros sinais de anexação surgem ainda nos finais do século XVII. Em 30 de Junho de 1693, foi realizada uma escritura de arrendamento do ramo da comenda de Alhos Vedros, na parte respeitante à vila do Lavradio, a qual incluía a Verderena, Telha, Palhais, Santo António, Barra Cheia, em que o capitão António da Rosa Florim trespassava a Domingos Ferreira da Silva e João Mendes de Castro, moradores em Alhos Vedros, por um ano, pelo valor de 400.000 réis. ADS, Notarial de Alhos Vedros, cx. 4380, liv. 30, fls. 73-74v.


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Um documento por nós encontrado no Arquivo Distrital de Setúbal, fornece-nos dados preciosos sobre esta matéria, já que nos permite fazer um estudo comparativo, se bem que apenas transversal e muito localizado no tempo, sobre os rendimentos dos diferentes concelhos por nós abordados em estudos anteriores, através dos valores apurados em 28 de Fevereiro de 1804 para efeitos de pagamento ao provedor da comarca15. Permite-nos ainda enquadrar os rendimentos destes concelhos no contexto de toda a comarca, possibilitando-nos assim veriicar o seu peso económico no conjunto da mesma, assim como os efeitos para o concelho de Alhos Vedros da desintegração do seu espaço e formação de novos concelhos16. QUADRO I

PARCELAS CONTRIBUTIVAS DOS CONCELHOS RIBEIRINHOS DA MARGEM ESQUERDA DO ESTUÁRIO DO TEJO, PARA O ORDENADO DO PROVEDOR DA COMARCA17 CONCELHOS

PARCELAS A PAGAR (EM RÉIS)

Moita Alhos Vedros Lavradio Coina Barreiro Aldeia Galega Alcochete TOTAL

1.964 568 414 342 899 19.158 5.247 28.592

GRÁFICO III ASPETO GRÁFICO DA TABELA ANTERIOR18

Apesar do documento dar cobertura a todos os concelhos da comarca de Setúbal, referir-nos-emos apenas aos concelhos da margem esquerda do estuário do Tejo, na medida em que foi este o espaço que selecionámos para efeitos comparativos em termos de rendimentos. 16 Sobre o quadro geral dos rendimentos da comarca, cf. António Gonçalves Ventura, Tese de Doutoramento (…), p. 41 e segs. 17 ADS, Livro de registo de Leis, Provisões, Alvarás e mais ordens, cx. 372, liv. 238, fl. 22v. Dados referentes aos concelhos da margem esquerda do estuário do Tejo. 18 Ibidem, o mesmo documento, referente aos concelhos ribeirinhos da margem esquerda do estuário do Tejo. 15


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GRÁFICO IV DADOS COMPARATIVOS DO RENDIMENTO DOS CONCELHOS QUE FORAM FORMADOS A PARTIR DO ESPAÇO DO CONCELHO MANUELINO DE ALHOS VEDROS19

Os dados são bastante expressivos das diferenças de rendimentos entre os concelhos ribeirinhos da margem esquerda do Tejo nos inícios do século XIX, e até nos elucidam sobre os efeitos das alterações territoriais operadas entre os princípios do século XVI e os inais do Antigo Regime em Portugal no que respeita ao concelho de Alhos Vedros. Este concelho, que durante os primeiros tempos da sua existência cobria toda a extensão territorial entre Sarilhos Pequenos e a margem direita do rio Coina, cerca de metade do território do antigo concelho de Ribatejo, viu-se reduzido no seu rendimento a uma parcela correspondente a cerca de 15% do espaço que outrora ocupava em termos de rendimentos, enquanto que o relativamente recente concelho da Moita arrecadava 51% do rendimento do referido espaço, e o Barreiro 23%. O Lavradio, por esta altura, icava-se pelos 11%. Do ponto de vista global, o concelho de Aldeia Galega abafava todos os outros, pois sozinho obtinha rendimentos superiores à totalidade dos restantes, atingindo o elevado valor de 68%. Até mesmo o concelho de Alcochete conseguia rendimentos superiores à soma dos concelhos de Alhos Vedros, Lavradio, Moita, Barreiro e Coina (18% contra 14%), facto que demonstra que o centro de gravidade em termos económicos, que durante algum tempo se situou junto do rio Coina, como oportunamente veremos, foi-se deslocando progressivamente para Oriente, vindo a centrar-se em Aldeia Galega a partir dos inais do século XVI, aí se mantendo até ser desalojado para o Barreiro na segunda metade do século XIX em consequência da escolha desse local para “terminus” da linha dos Caminhos-de-Ferro do Sul e Sueste. Alhos Vedros, no cômputo dos concelhos da margem esquerda estuarina (incluindo Coina), icava-se pelos 2%, como podemos observar no gráico em referência. De uma forma geral, o núcleo estruturante que caracterizou a economia da “outra banda” Rendimento do concelho de Alhos Vedros, comparado com os restantes concelhos que foram formados a partir do seu território.

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durante os séculos XV e XVI, manteve-se durante os dois séculos que os procederam: o combustível e a madeira da loresta, o sal, o vinho, a moagem e paniicação e a pesca e a caça, continuaram a ser o sustentáculo económico da “banda d`além” durante o Antigo Regime. Contudo, um estudo mais aprofundado a partir de novas fontes mostra-nos que, vista de forma estática, essa aparente realidade esconde vários perigos que muito têm inluenciado a historiograia tradicional. O Barreiro beneiciou bastante da sua proximidade ao rio Coina, não só pelo aproveitamento dos seus esteiros para a construção de moinhos de maré e para a captura de peixe e marisco, mas também pela intensidade do tráfego que diariamente por ele se efetuava em direção ao porto de Coina, transportando lenha, madeira, carvão, cereais, farinha, palha, produtos diversos e pessoas. Este porto desempenhou durante vários séculos um papel fundamental nas travessias do rio Tejo, principalmente na ligação entre Lisboa – Setúbal – Alentejo, via – Azeitão, e constituía uma das principais fontes de rendimento deste concelho. Contudo, com o decorrer dos séculos, um conjunto de circunstâncias desfavoráveis izeram com que este porto fosse perdendo o seu interesse em beneício de outros portos da margem esquerda do estuário do Tejo, de entre os quais os portos da Moita, Aldeia Galega e Alcochete. Desde os tempos da reconquista que o porto de Coina era utilizado para ins civis e militares. A existência de um “castelo” em Coina a Velha, próximo de Azeitão, para ins de defesa, fazia deste porto luvial o local mais avançado nessa direção onde pudessem ser expedidos e recebidos equipamentos, pessoas e bens por barco, o principal meio de transporte de então. A partir dos séculos XIII-XIV, o rápido desenvolvimento económico veriicado nas margens deste pequeno rio viria a incrementar de forma verdadeiramente extraordinária o crescimento da população desta vila, transformando-a num local apetecível para viver e trabalhar, apesar da reduzida dimensão do território do seu concelho20. Aí foram construídos os primeiros moinhos de maré, que depois proliferaram em torno das duas margens (cerca de vinte, nas duas margens). Mais tarde, com o advento da expansão portuguesa e as necessidades daí emergentes, também seria construído o complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro na margem direita do rio Coina, relativamente próximo desta localidade. Para além disso, também a exploração da vinha, pesca, produtos lorestais da charneca, paniicação, criação de gado e alguns produtos agrícolas foram riquezas extraídas desta localidade, particularmente a vinha, onde a sua exploração atingiu níveis bastante elevados durante os séculos XIV e XV, tornando-a num dos principais espaços de exploração vitícola da margem esquerda estuarina nos inais da Idade Média, como se pode observar pelos registos que anexamos a este texto. Porém, um conjunto de situações desfavoráveis, iria ditar o seu atroiamento no alvorecer da Idade Moderna. As fontes indicam que “o Porto de Coina ainda em 1583 estava se não em ótimo, pelo menos em muito bom estado, e com tal altura de No censo populacional de 1532, a vila de Coina registou 131 fogos, quase tantos como Alhos Vedros (138) e muito mais do que Aldeia Galega de Ribatejo que registou apenas 106 fogos.

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água do Tejo, que no dia 18 de Junho desse ano, saíram de Setúbal forças de umas seis companhias alemãs, e foram embarcar no dia seguinte no porto de Coina, donde passaram a Lisboa, e daqui, embarcando num navio veneziano, foram na expedição que partia para a Ilha Terceira”21, tudo indicando que é precisamente a partir desta altura que este entra em declínio. QUADRO II CASAS ARRUINADAS E/OU DEVOLUTAS EM COINA EM 176222 RUAS/CASAS

ARRUINADAS

DEVOLUTAS

DEMOLIDAS

Rua Direita do Pelourinho (lado direito) Rua Direita do Pelourinho (lado esquerdo) Rua da Misericórdia (lado direito) Rua da Misericórdia (lado esquerdo) Travessa do Forno (lado direito) Travessa do Forno (lado esquerdo) Rua Direita da Estalagem (lado direito) Rua Direita da Estalagem (lado esquerdo) Rua da Cadeia (lado direito) Travessa da Gingeira (lado direito) Rua da Figueira (lado direito) Rua do Areal (lado direito) Rua do Areal (lado esquerdo) Rua de João Coelho (lado direito) Rua de João Coelho (lado esquerdo) Rua do Jogo da Bola (lado direito)

– – – – – – – – – – – – – – – 1

– 1 – – 2 2 – 2 – 1 – – – 1 1 –

6 5 2 1 – 1 1 – 2 1 1 3 2 – 1 4

Como em tantas outras circunstâncias, o declínio do porto de Coina não deve ser explicado apenas pelos problemas diversos que esta vila experimentou, mas sim no contexto de toda a península da Arrábida e na sua relação com a cidade de Lisboa, à semelhança do que acontecera durante o período de crescimento. Estamos convictos de que os problemas económicos, e as consequentes repercussões sociais que se izeram sentir a partir dos inais do século XVI, teriam dado origem aos primeiros sinais de diminuição da atividade portuária nesta vila, cuja atividade económica muito dependia do seu porto, agravados pelas marcas deixadas por cataclismos naturais, nomeadamente o terramoto de 1531, o qual provocou pesados estragos nesta vila. A natureza dos seus solos e a sua localização izeram com que esta vila fosse sacriicada sempre que sismos de forte intensidade se veriicavam nas suas proximidades. Alia-se ainda o facto da pouca profundidade do rio diicultar a circulação luvial permanente com embarcações de grande calado, estando, por isso mesmo, muito dependente das marés, facto que em muito prejudicava a atividade luvial no seu porto. 21 22

ADS, Arquivo de Almeida Carvalho, cx. 104/19. IAN/TT, Coina, Impostos, liv. 1790.


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Apesar de tudo, pensamos que foram fatores exógenos à vila que terão sido determinantes no seu declínio. Embora continuasse a ser um porto de ligação a Lisboa, o porto de Coina via cada vez mais reduzido o seu campo de ação a atividades de natureza local, perdendo, em simultâneo, o seu papel histórico como principal eixo de ligação entre Lisboa – Setúbal – Alentejo, fenómeno que se viria a agravar com as guerras que se seguiram à Restauração. Dotados de maior profundidade, menos sujeitos aos condicionalismos das marés e mais adequados estrategicamente, os portos da Moita e de Aldeia Galega irão chamar a si o protagonismo que antes pertencia a Coina, suportando de forma menos onerosa, porque mais rápida e eiciente, a circulação de inúmeros e pesados meios militares em direção a Setúbal e ao Alentejo, onde durante décadas as hostilidades persistiram. O transporte dos produtos entre Setúbal e Coina era maioritariamente feito pelos almocreves, mediante contratos, entre as autoridades destas localidades, em que se estabeleciam os preços e procedimentos a respeitar por ambas as partes intervenientes. Compreende-se que, para o transporte de mercadorias de dimensões e pesos consideráveis, houvesse o recurso a outros meios de transporte, nomeadamente carretas ou carroças para mercadorias afastadas da costa, ou ao transporte marítimo para cargas de grandes tonelagens. Porém, a travessia da cordilheira junto de Azeitão convidava os carreteiros a evitar esse trajeto, pois era diícil de transpor, situação substancialmente reduzida nos trajetos entre a Moita ou Aldeia Galega e Setúbal, na medida em que os terrenos são consideravelmente mais planos. De tal maneira esta transferência para os portos mais a Oriente se foi efetuando que, em princípios do século XVIII, o porto de Coina estava reduzido a uma mera sombra da prosperidade que apresentara cerca de dois séculos antes. Assim o demonstra um importante e extenso documento datado de 15 de abril de 1721 a que tivemos acesso e que anexamos a este texto. Muito apagado, diga-se, e de diícil leitura, cujo conteúdo revela um porto insalubre onde tudo faltava aos passageiros, exceto os problemas, claro. Trata-se de um contrato estabelecido entre os almocreves da vila de Setúbal e os arrais dos barcos da Moita, no qual e pela voz do seu procurador, o doutor Vicente de Matos, os almocreves de Setúbal, se queixam que: "(…) customam de fazer a jornada pella uilla de coi/na tem exprementado os dittos almocreues e os paçageyros tão/repetidos danos que não são sufriueis por quanto pos paçageyros/tem o discomodo de não acharem sustento camas mosso que lhe/meta e tire o seu fatto do barco e sobretudo grande uiolencia/nos moradores da dita Villa por cuja causa muitos paçageyros/tem grande disgosto na dita paçagem e elles almocreues ainda expre/mentão muntos maiores Ruínas porque como na Villa de Coyna/não há ferradores socede muitas uezes que logo ao sahir da Villa /de Setuual se desferra huma besta e nessa forma conthinoa a jorna/da the uoLtar segunda ues para a dita uilla e uoLgarmente por//por(?) causa(?) da moléstia que della se lhe originão maior en (…) guarne/ções ao que aja da muntua aspereza o (?) horribilidade(?) (…) milhor/por ser tão fragozo que na premera legoa e meia uão as bestas com/cuidado e risco com o mesmo uão os paçageiros no que sendo tem/exprementado poucas desgraças pellas quais todos ou o maior com/parco de peçoas de Alentejo e algarue


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se extrauiarão do dito cami/nho priuando assim aos ditos almocreues da utillidade que lhe fa/ria a paçage dos ditos algaruios e alentejões e por estes motiuos e/outros já não menos eicazes se achão os ditos almocreues com graues/detrimentos e os paçageiros indistintamente com rezulução de não/continuarem pella paçage de Coyna maiormente pella esterilli/dade das agoas assim no caminho como na propia uilla pois nem/para os paçageiros se acha sem grande cançaço hu púcaro de a/goa nem para as bestas hum balde della e antes elles almocreues o/lhando para a perdição das suas bestas se acomodão a Leua menos/estipendio pellos alogueres da paçage da Moyta no que os paçageiros/tem comodo alem da excelência breuidade do caminho e milhor/a existência de estalagens pois na areia que há em coyna apenas ha/duas camas as quais tanto que se ocupão icão os outros dezacomoda/dos e sem poderem aquartelar em outra caza pella coyna que lhe/lamção de seis mil reis sendo lhe mais fácil paçar pello caminho da/Moyta adonde os paçageyros podem embarcar as suas bestas o que lhe/não he pociuel nos barcos de Coyna e ultimamente exprementão/os almocreues pella ditta uilla de coyna o rigor de agrauarem com coy/mas em que não são cumpreces nem para ellas sitados e pe/lla sua execução lhe uão todas os dias caminheiros a uilla de Se/tuual sendo a utillidade das ditas coymas para peçoas particulares/que nem em os Liuros se Lanção (…)”23. Como podemos observar, este documento parece-nos bastante elucidativo do estado em que se encontrava o porto de Coina (e a própria vila) no primeiro quartel do século XVIII, e terá sido decisivo na construção do cais de pedra da Moita pelos arrais dos barcos no ano seguinte. Tudo indica que a situação ter-se-á agravado precisamente nesta altura, pois temos indicadores de que em 1712 ainda parte do comércio e movimento da população de Setúbal com a margem esquerda do Tejo era dirigido por Coina, mas já com a feroz concorrência da Moita, Aldeia Galega e Alhos Vedros, conforme se pode inferir pela taxa dos alugueres das cavalgaduras, segundo uma postura de 8 de Junho de 171224. Nesta data, resolvia a comarca que os alugueres das cavalgaduras fossem os seguintes: – De Setúbal para Coina, ou Moita, 1 cruzado velho; – De Setúbal para Aldeia Galega, Barreiro, ou Alhos Vedros 500 réis; – De Setúbal para Cacilhas, 800 réis; E tudo sob pena 2.000 réis pagos em cadeia por cada infração25. Como em 1706, apenas seis anos antes, a vereação tinha estabelecido que os almocreves não podiam levar mais de 350 réis de aluguer por cada cavalgadura de Setúbal para Coina ou Moita26, constata-se que os preços sofreram uma inlação considerável neste período, o que justiica as queixas dos almocreves, visto não corresponderem à falta de condições na vila de Coina, se comparada com a vila da Moita, como aliás reclamavam. A avaliar pelas queixas dos almocreves da vila de Setúbal, ADS, Notarial da Moita, cx. 4610, liv. 3, fls. 112-114. Este documento consta em anexo no final deste texto. ADS, Arquivo de Almeida Carvalho, cx. 81/11. 25 Ibidem, cx. 81/12. 26 Ibidem, cx. 82/55. 23

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esta vila não oferecia as condições mínimas para dar comodidade, conforto e segurança aos que por ela passavam, o que não deixa de ser intrigante ao pensar que cerca de dois séculos antes, apresentava uma dinâmica extraordinária, enquanto que no tempo a que nos reportamos, nem água potável tinha em quantidade e qualidade suicientes para oferecer às pessoas e animais que por aí passavam ou precisavam de pernoitar, assim como pessoal disponível para dar serventia nas cargas e descargas no cais, ou até um ferrador para ferrar as cavalgaduras. Sendo a vida em torno das estalagens um aferidor da dinâmica destas vilas portuárias, compreende-se que nesta vila estas estivessem a desaparecer. No levantamento dos prédios rústicos mandado efetuar em 1762 para efeitos de pagamento do imposto da décima, consta na Rua do Pelourinho, lado esquerdo, “Casas da comenda da vila que foi estalagem e a maior parte demolida, com um sobrado e loja, arrendados a Francisco de Gouveia”27. Mas o acordo estabelecido entre os almocreves de Setúbal e os arrais dos barcos da Moita levanta ainda a questão da distância relativamente à vila de Setúbal, mais favorável para a Moita, porque menos onerosa, não pelos preços dos fretes, certamente, já que eram idênticos como anteriormente veriicámos, mas porque a natureza do percurso, alojamento, víveres disponíveis, assistência e condições de transporte na travessia, eram qualitativamente superiores. De resto, estamos em presença de duas situações distintas: uma vila em regressão, onde a qualidade de vida foi regredindo progressivamente até atingir níveis pouco satisfatórios, e uma vila jovem, próspera, cheia de dinamismo e de esperança para aqueles que aspiravam a ter uma vida melhor. Os indicadores populacionais que apresentámos em estudos anteriores conferem essa realidade28. As posturas de 1780, um texto manuscrito de rara beleza composto por 36 títulos, dedicam ainda alguns títulos à atividade desenvolvida em torno do cais, sendo mesmo o Título 1º, composto por dezasseis artigos, dedicado ao regimento dos arrais dos barcos e o Título 2º ao regimento dos estalajadeiros, atividade fundamental em vilas e cidades portuárias e, no seu Título 4º, ao regimento dos ferradores, o que não deixa de causar algum espanto se considerarmos que sessenta anos antes os almocreves de Setúbal se queixavam de que não havia quem ferrasse as bestas nesta vila. No entanto, como a maior parte dos artigos são decalques de posturas antigas, pensamos que estas posturas novas resultam mais de atividades que em tempos mereceram particular atenção pela sua dinâmica, e não tanto pelo peso que estas tivessem nos inais do século XVIII29. Até porque nesta altura o porto já se encontrava IAN/TT, Coina Impostos, 1762, liv. 1790, fl. 4v. Referimo-nos à Tese de doutoramento do autor deste texto. 29 Da estatística obtida em 1860 na Repartição do Imposto Municipal de Lisboa, já nem consta o porto de Coina. Pensamos que as embarcações que por lá circulavam já estivessem adstritas ao Barreiro, vila de onde faziam parte por esta altura, 1 barco, 19 botes, 2 faluas e 1 fragata. Em Alhos Vedros apenas constam 3 embarcações (1 barco, 1 bote e 1 falua), enquanto que na Moita constam 19 embarcações, 9 das quais fragatas, 4 barcos e 6 botes. No Lavradio constam 3 embarcações, sendo 2 aveiros e 1 barco, enquanto que em Aldeia Galega constam 51 embarcações (3 aveiros, 3 barcos, 1 batel, 35 botes e 9 faluas). Repare-se que, mais do que a quantidade, a tipologia das embarcações a circular nos respetivos portos também é muito significativa. 27

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OS CONCELHOS RIBEIRINHOS DA MARGEM ESQUERDA DO ESTUÁRIO DO TEJO E A CIDADE DE LISBOA NOS SÉCS. XIV-XIX CONFERÊNCIAS, COLÓQUIOS E OUTROS ESCRITOS (TEXTOS) António Gonçalves Ventura | Câmara Municipal da Moita

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bastante assoreado, a julgar pela informação que nos chegou. De qualquer forma, as atividades continuavam a existir e as posturas tratavam de matérias muito para além das atividades portuárias, as quais precisavam de ser regulamentadas, ou melhor, necessitavam de atualização, como está consignado no preâmbulo do Título 1º: “(…) por cujos motivos o Senhor Rey Dom Manuel de Glorioza memoria se dignou dar sobre esta importante matéria as mais saudáveis providencias; conformando-se com elas, e acrescentando as mais que as circunstâncias ocorrentes, e a diversidade dos tempos tem feito de indispensável necessidade (…)”30. Assim sendo, partilhamos da ideia de José Augusto Pimenta, que viveu de perto a transição entre estes “dois Barreiros”, quando airma o seguinte a propósito da introdução dos caminhos-de-ferro no Barreiro: “Antigamente o Barreiro era muito doentio; ainda não há muitos anos que costumava ser assaltado quase anualmente por horríveis epidemias que vinham lançar a desgraça e o terror no seio da população, envolvendo no luto e na miséria centenas de pescadores pobres que, mal podendo arcar com a fome, tinham ainda de lutar atrozmente com a doença (…). (…) Uma praia bela, linda, asseadíssima em si, a única que se mira no famoso espelho da capital, sacode pelos nortes e noroestes que ali, no verão, calam certos, muita da sua areia sobre as casas deste lado, havendo telhado quase ao nível do chão! Sendo por consequência a dita rua invadida de carradas e carradas de areia numa só tarde de vento rijo (…)”. O Barreiro de hoje (1886) não conserva nenhuma das horríveis recordações de então, a areia limita-se apenas a uma larga faixa à borda do Tejo, formando uma magníica praia, o pântano desapareceu (…). O matadouro hoje colocado num ótimo local, fora da vila (…). As ruas são planas e espaçosas, todas calçadas e limpas, orladas de muitos prédios na maioria modernos e elegantes (…) o caminho de ferro foi, para esta povoação, o braço vigoroso do atleta que veio rasgar o véu de tristeza e miséria que a envolvia”31.

30 31

AMB, Colleção das Leys Municipais desta Villa de Coina, 1780, Título 1º, fl. 7. José Augusto Pimenta, Memória Histórica e Descritiva da Vila do Barreiro, Lisboa, 1886, pp. 10-13.


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DOCUMENTOS


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DOC. I ESCRIPTURA DE CONTRATO QUE FAZEM OS ALMOCREUES DA VILLª DE SETUUAL COM OS ARRAZES DOS BARCOS DESTA VILLª32 Em nome de Deos amem Saybão quantos este publico instromento de/escriptura de contrato que faz o Doutor Vicente da Motta de carua/lho como procurador dos almocreues da Villa de Setuual com os arra/zes dos barcos desta uilla uirem que no anno do nassimento de nosso/senhor Jesus christo de mil e setecentos e uinte e hum annos aos uinte/e dois dias do mês de Abril do dito anno nesta uilla da Moyta e cazas/da morada de Antonio Baptista Monteyro aonde eu taballião/fui chamado estando ahi prezente de huma parte o Doutor Vicen/te da Motta morador na uilla de Setuual em nome e como pro/curador dos almocreues da ditta uilla de Setuual como mostrou/ser por uertude de sua procuração que no im desta hira tresladada/e bem assim da outra parte os arrazes dos barcos desta dita uilla pe/çoas conhecidas de mim tabaLião e das testemunhas ao im escriptas/e declaradas logo pello dito Doutor Vicente da Motta foy dito a /mim taballião prezemtes as ditas testemunhas que os seus constetuin/tes tem as suas bestas que alugão aos paçageyros para paçarem a/cidade de Lisboa e customam de fazer a jornada pella uilla de coi/na tem exprementado os dittos almocreues e os paçageyros tão/repetidos danos que não são sufriueis por quanto pos paçageyros/tem o discomodo de não acharem sustento camas mosso que lhe/meta e tire o seu fatto do barco e sobretudo grande uiolencia/nos moradores da dita Villa por cuja causa muitos paçageyros/tem grande disgosto na dita paçagem e elles almocreues ainda expre/mentão muntos maiores Ruínas porque como na Villa de Coyna/não há ferradores socede muitas uezes que logo ao sahir da Villa /de Setuual se desferra huma besta e nessa forma conthinoa a jorna/da the uoLtar segunda ues para a dita uilla e uoLgarmente por//por(?) causa(?) da moléstia que della se lhe originão maior en (…) guarne/ções ao que aja da muntua aspereza o (?) horribilidade(?) (…) milhor/por ser tão fragozo que na premera legoa e meia uão as bestas com/cuidado e risco com o mesmo uão os paçageiros no que sendo tem/exprementado poucas desgraças pellas quais todos ou o maior com/parco de peçoas de Alentejo e algarue se extrauiarão do dito cami/nho priuando assim aos ditos almocreues da utillidade que lhe fa/ria a paçage dos ditos algaruios e alentejões e por estes motiuos e/outros já não menos eicazes se achão os ditos almocreues com graues/detrimentos e os paçageiros indistintamente com rezulução de não/continuarem pella paçage de Coyna maiormente pella esterilli/dade das agoas assim no caminho como na propia uilla pois nem/para os paçageiros se acha sem grande cançaço hu 32

ADS, Notarial da Moita, cx. 4610, liv. 3, fls. 112-114.


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púcaro de a/goa nem para as bestas hum balde della e antes elles almocreues o/lhando para a perdição das suas bestas se acomodão a Leua menos/estipendio pellos alogueres da paçage da Moyta no que os paçageiros/tem comodo alem da excelência breuidade do caminho e milhor/a existência de estalagens pois na areia que há em coyna apenas ha/duas camas as quais tanto que se ocupão icão os outros dezacomoda/dos e sem poderem aquartelar em outra caza pella coyna que lhe/lamção de seis mil reis sendo lhe mais fácil paçar pello caminho da/Moyta adonde os paçageyros podem embarcar as suas bestas o que lhe/não he pociuel nos barcos de Coyna e ultimamente exprementão/os almocreues pella ditta uilla de coyna o rigor de agrauarem com coy/mas em que não são cumpreces nem para ellas sitados e pe/lla sua execução lhe uão todas os dias caminheiros a uilla de Se/tuual sendo a utillidade das ditas coymas para peçoas particulares/que nem em os Liuros se Lanção por exorbitantes e assim obrigados/os ditos almocreues de todos os ponderados motiuos e dos incessantes/rogos de todos os paçageiros que he motiuo mais principal da sua/rezulução se contratarão e contrata elle dito procurador em no/me de seus constetuintes com os mestres arrazes dos barcos desta uilla/Antonio Rodrigues Antonio de Almeida Manoel Rodrigues Jo/Zeph Ferreira Antonio Nunes Martinho Manoel dos Santos Pedro/Dias e Luís Gomes por si e em nome dos entereçados nos ditos barcos/que abacho hirão asinados e declarados com os iadores que elles di/tos arrazes serão obrigados em cada huma maré assim de dia/como de noyte a porem dois barcos promptos para fazerem uiage/a cidade de Lisboa uoltando della os emsmos dois barcos em ca/da huma das referidas mares e estes serão os menos porque a/uendo necessidade de mais barcos hirão mais sem duuida al/guma para o que bastara que cada hum delles tenha doze/tostões de frete e do mesmo modo auendo duas the três peçoas que/queirão fretar huma bateyra em muntas hira cada huma fretada/por hum cruzado nouo e querendo hir mais peçoas das três paga/rão meio tostão cada huma ao barco da carreira que he o preço que/cada huma das peçoas há de pagar e do mesmo modo cada hu// cada huma das cargas e declararão elle dito procurador dos/almocreues e os mesmos arrazes que no cazo de auer tem/poral desfeyto e dos mais crecidos em tal cazo querendo/alguma peçoa paçar e auendo arais que rezulutamente/se atreua a fazer a uiage em tal cazo será o frete por conuenção do/paçageiro e do arais e não querendo o da carreira poderá o pa/çageiro hir naquelle barco que mais comueniencia lhe izer e serão/os ditos arais obrigados a aportar no cais da pedra e recolher ahi a /gente para paçar a esta uilla e declarou elle dito procurador que/em Rezão dos ditos seus constetuintes conhecerem que com a paçage/das peçoas que trazem nas suas bestas se anima o cais desta uilla elles/de sua liure uontade sem pena ou constrangimento algum se o/brigão a pagar cada hum por cada huma das bestas que tiuer des tostões/neste primeiro anno exceto Manoel Fernandes que pagara somen/te das quatro bestas ainda que mais tenha e nos mais annos seguintes/pagarão por cada huma das bestas a sinco tostões emquanto durar/a obra no dito cais e esta obra logo terá seu principio porque des/pois de principiada ella darão logo metade e depois de se hir/continuando com boa frequência darão outra metade sem du/uida alguma e a este donatiuo se obriga elle dito procurador pe/llos bens dos ditos seus constetuintes e suas peçoas


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e no cazo que logo se fa/brique o dito cais sempre contribuirão por espaço dos mais annos/seguintes os ditos cinco tostões e no cazo que alguns almocreues mais/que os asinados na procuração que elle dito procurador aprezentou/queyrão asinar e obrigarem a este uolontario donatiuo o poderão/fazer no im desta escriptura asinando a com huma declaração/de mim taballião ou querendo elle dito seu procurador em nome de/seus constetuintes se obriga como também se obriga a que faltan/do os ditos seus constetuintes as condições aqui declaradas a paga/rem cada hum de por se uinte cruzados de pena conuencional/para os ditos digo para os obras do dito cais e logo por estarem pre/zentes os ditos aRazes disserão que elles aceitauão a obrigação feita/pello dito procurador em nome de seus constetuintes e pella sua/parte se obrigauão a prehencher todas as condições em que elles/uão grauados nesta escriptura por si e sues bens em o cazo que/faltem a alguma das condições em parte ou em todo se obriga/cada hum a pagar uinte cruzados que serão aplicados pa/ra quem os ditos almocreues resolverem e serão executa/dos por mandado dos juízes ordinários desta uilla sem mais/igura de juízo que huma sumaria a formação da sua/custa em o cazo que as faltas delles ditos aRazes sejão continua/das e crecidas por forma a que aja geral queixa dos paçagei/ros pella falta de espedição de barco em tal cazo são contentes/que se lhes faça o dito ajuste fazendo o primeiro a saber as jus/tiças desta uilla e auerigandose que as mesmas justiças não/ocorrem a necessidade e bom agazalho dos paçageiros e por de tu/do elles partes estarem contentes pedindo a mim taballião escreue/se esta escriptura nesta notta e logo eu taballião trasladei aqui a //aqui a procuração que he seguinte Saybão quantos este publico /instromento de bastante procuração uirem que no anno do nassimen/to de nosso senhor Jezus christo de mil e settecentos e uinte e hum an/nos aos dezoyto dias do mês de Março do dito anno nesta uilla de/Setuual e cazas da morada de mim taballião aparecerão pre/sentes Marcos Rodrigues João Martins Manoel Fernandes Anto/nio João Manoel ferreyra Jozeph da Silua fançisco gonçal/ues Jerónimo Pereira joão gonçalues casado Manoel gon/çalues bons annos Paschoal Francisco Semião dos Santos Mano/el Rodrigues Saio Domingos Lourenço Paschoal jorge Ma/noel da Silua herades jozeph Lopes Manoel gonçalues fran/gainho e Pedro Fernandes todos almocreues moradores nes/ta uilla e peçoas conhecidas de mim taballião ahi por todos/juntos e cada hum de per si (…) foi dito a mi taba/Lião que elles na melhor forma e uia do direito fazião e cons/tetuião seu certo e bastante procurador ao Doutor Vicente da/Motta de carualho aduogado nos auditórios desta uilla pe/ra que elle dito seu procurador em nome delles outrogan/tes possa assinar huma escriptura de ajuste e contrato que/elles outrogantes querem fazer com a câmara da uilla da/Moyta ou com os moradores della sobre a paçage que per/tendem fazer desta uilla para a cidade de Lisboa pella/dita uilla da Moyta por terem nella elles outrogantes mais/utillidade e milhor comodos suas caualgaduras e sobre/o que o dito seu procurador ajustar sobre o dito ajuste ou con/trato poderá assinar todas as escripturas que necessário fo/rem com todas as clauzulas e seguranças necessárias a fauor delles/outrogantes obrigando ao comprimento de todas as suas peçoas e bens/e que todo pello dito seu procurador feyto dito este querião/assinado auerião por bem e irme e ualiozo para


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sempre e de/nunca o Reuogarem de que tudo is este termo de procura/ção que os sobreditos asinarão e eu jozeph Rodrigues aluares/taballião do judicial e nottas desta dita uilla de Setuual que/o escreui e asinei em publico logar do sinal publico//João /Martins//de João Gonçalves cazado huma crus de Paschoal /francisco huma crus jozeph Lopes de Pedro Fernandes huma/crus de Manoel Rodrigues saio huma crus de Manoel/gonçalves bons annos huma crus de Semião dos Santos huma/crus de Manoel da Silua huma crus de Marcos Rodrigues/huma crus Manoel gonçalues frango de Jozeph da Silua/huma crus de Domingos Lourenço huma crus de francysco/gonçalues huma crus de Antonio João huma crus e não se conti/nha mais a dita procuração que ica em meu poder a que me/reporto e Logo por estarem prezentes Antonio Carualho e Antonio Ba/tista Monteyro entereçados nestes ditos barcos por elles foi dito que elles/por si e seus bens abonão a obrigação feyta pelos Arazes dos ditos//Dos ditos barcos sendo a tudo prezentes por testemunhas João/Rodrigues de Siqueira e Antonio gonçalues moradores/nesta dita uilla que diserão serem os próprios perante os/quais outrogarão esta escriptura e aceitarão e todos aqui asina/rão depois de ella lida eu Bento Dias de Mattos taballião que a/escreuy Assinaturas Vicente da Motta de Carvalhº Antonio Batistª Monteyrº Jozeph Lopes pereira Antonio de Almeida Antonio Carualho Antonio Gonçalves João Rodrigues de Siqueira Manoel Rodrigues Antonio Rodrigues - cruz Manoel dos Santos o mosso Afonso Nunes - cruz Pedro Dinis-cruz Luís Gomes-cruz


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DOC. II VINHAS PERTENCENTES À VILA DO LAVRADIO EM 174733 N.º DE VINHAS

LOCAL

PROPRIETÁRIO

EXPLORADOR/ RENDEIRO

DÉCIMA (EM RÉIS)34

1 1 1 1 1 1 1

Lavradio “ “ “ “ “ “

Quem a fizer Manuel Rodrigues Palmela António sa Costa Baeta Domingos Dias Raposo Quem fizer António da Costa, ourives Quem fizer

800 100 120 200 140 160 180

1

100

1 1

“ “

– –

300 400

1 1 1 1 Várias 1 2 1 1 1

Lavradio Lavradio Lagoa Lagoa Verderenas “ “ “ “ “

O próprio O próprio O próprio A própria Quem as fizer Quem as fizer Quem as fizer O próprio O próprio A própria

200 100 100 100 300 120 120 240 240 120

1 1 1 1 1 1

“ “ “ “ “ “

Quem a fizer Quem fizer O próprio A própria O próprio Quem fizer

150 120 100 120 200 60

1 1 Várias 1

“ Lavradio Lavradio Lavradio

Quem fizer Quem fizer Quem fizer O próprio

120 200 100 200

1

Lavradio

O próprio

200

1 1 1 1 1 1 1

Lagoa Lagoa Lavradio Gateira “ “ “

Não especifica Brás Teles35 “ Domingos Dias Raposo Francisco Xavier de Castro Silvério Semedo Herdeiros de Pedro Pereira Dias que fez Clemente da Costa Desembargador José Simões Barbosa Capitão Manuel Martins Capitão Sebastião Dias Ayala, ou herdeiros Jozeph Ferreira da Silva36 Manuel Simões António dos Santos, do Barreiro Joana Caetana Foram de Manuel da Costa Jozeph de Torres da Fonseca Manuel da Costa Manuel Dias Gabriel de França Rolim Antónia Pereira, viúva de António da Silveira Jozeph Duarte de Oliveira João Dias Candeio Francisco Jozeph Antónia da Silva a Branca Jozeph Dias Raposo Jozeph Duarte de Oliveira, que foi de Daniel Lopes Luís Coelho Gabriel de França Rolim Antónia Maria Caetana Capitão Sebastião Dinis Ayala, ou herdeiros Manuel Pereira da Silva ou seus herdeiros Herdeiros de Pedro Pereira Dias João de Sousa Valadares Pedro Araújo Gonçalo do Couto Miguel Baptista Francisco Xavier de Castro Gregório Rangel ou herdeiros

O próprio Quem fizer O próprio O próprio Quem a fizer Quem a fizer O próprio

60 120 240 120 160 300 240

AMM, Livro dos 4,5% referente ao concelho do Lavradio. Imposto de 4,5 por cento sobre o valor do rendimento do imóvel ou da exploração. 35 Trata-se de bens do morgado de Brás Teles, ao qual pertencia a Quinta da Barra-a-Barra, também coletada neste imposto. 36 Médico na vila de Alhos Vedros. 33

34


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VINHAS PERTENCENTES À VILA DO LAVRADIO EM 1747 (CONT.)

37 38

N.º DE VINHAS

LOCAL

PROPRIETÁRIO

EXPLORADOR/ RENDEIRO

1 1 1

Gateira “ “

O próprio O próprio O próprio

200 50 300

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 Várias Várias 1 1 Várias Várias Várias 1 Várias Várias 1 1 1 1 1 1 1 1 Várias 1 1 1

“ Lavradio Lavradio Lavradio Socos “ “ “ “ “ “ Mato Mato Mato Telha Lavradio Lavradio Lavradio Lavradio Lavradio Lavradio Carrasqueira Telha Socos Lavradio Maceda Verderena Lavradio Malmeajudas Lavradio Palhais “ “ “ “ “ “

Manuel Rodrigues Carranço João Rodrigues Sebastião Dinis Ayala ou seus herdeiros Gabriel de França Rolim Manuel da Palma (foi de) Jozeph Duarte de Oliveira O Abelha Jozeph Batista Coutinho António de Matos, do Barreiro Jozeph Dias Raposo Maria Rodrigues, do Barreiro Marcos da Costa, do Barreiro Jozeph Gonçalves, do Barreiro Manuel da Costa (que ficaram de) Francisco Jozeph de Faria Jozeph Ribeiro Domingos Dias Luís Gomes, alfaiate João Rodrigues Cardoso Manuel de Torres Pedro Pereira Dias João Ribeiro (ficou de) Domigos Pires de Castro Manuel da Costa Gama António Rodrigues Cosciência Maria Francisca Capitão Bernardo Pereira e Sousa João Rodrigues Cardoso Duarte Ferreira Semedo Jorge de Sousa e Távora Filipe Rodrigues Domingos Ferreira, do Barreiro João Marques Citra (foi de) Bernardo Batista Bernardo Batista Francisco de Barros Tomás de Faria Francisco Nogueira Jorge de Sousa e Távora Manuel Ferreira da Fonseca

600 60 240 160 200 200 200 200 800 160 300 40 300 300 100 400 200 100 100 160 140 120 200 1 000 300 200 800 100 60 100 200 60 120 500 300 200 150

1

Silvestre Pinheiro

Várias

Várias 1 1

“ “ “

Luísa Maria, viúva de Mateus Rodrigues Manuel da Silva Maricota Manuel Ferreira da Fonseca

Ou quem a fizer Quem a fizer Quem fizer Quem fizer O próprio O próprio O próprio O próprio O próprio O próprio Quem fizer O próprio O próprio O próprio O próprio Quem fizer Ou quem as fizer Quem fizer Quem fizer O próprio Quem fizer O próprio A própria O próprio Quem trouxer Ou quem a fizer O próprio O próprio O próprio Quem fizer Quem as fizer Inácio, ou que a fizer Quem a fizer Quem as fizer Quem a fizer Quem fizer Manuel Bandeira, ou quem a fizer António Francisco, ou quem a fizer Quem as fizer “ Jozeph Rodrigues, caseiro38 João dos Santos, ou quem a fizer

120 100 120

Imposto de 4,5 por cento sobre o valor do rendimento do imóvel ou da exploração. Ou quem a fizer, ou Teresa Maria, viúva de Mateus Rodrigues.

DÉCIMA (EM RÉIS)37

100 400


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VINHAS PERTENCENTES À VILA DO LAVRADIO EM 1747 (CONT.)

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N.º DE VINHAS

LOCAL

PROPRIETÁRIO

EXPLORADOR/ RENDEIRO

Várias

Palhais

Dona Maria

1 1 1 Várias 1

“ “ “ “ “

1 Várias 1 Várias 1 1 Várias Várias Várias

“ “ “ “ “ Telha “ “ “

João Rodrigues Páscoa da Ressurreição António Bandeira Manuel Ferreira da Fonseca Foi de Francisco de Barros, e hoje de Jozeph Lopes Barreto Francisco Xavier da Costa Dona Maria Jorge de Sousa e Távora Francisco de Sousa Dona Antónia Manuel Rodrigues Patrão Francisco Ferreira Raimundo António da Silva Costa Marcos da Costa

Caetano dos Santos, ou quem as fizer Ou quem a fizer Ou quem a fizer Ou quem a fizer Que faz António Rodrigues

Várias

1 Várias 1

“ “ “

Domingos de Oliveira, ou seus herdeiros Luís Gomes João Batista Luísa Maria

DÉCIMA (EM RÉIS)39

120 240 120 120 600 200

Quem fizer Quem fizer Ou quem o trouxer de renda Quem fizer Quem fizer Ou quem a fizer Ou quem a fizer Ou quem a fizer António Duarte de Oliveira ou quem as fizer Pelas vinhas

300 200 6 400 500 80 200 960 250 200

Casas de renda Ou quem as fabricar Domingos Gonçalves

80 200 80

Imposto de 4,5 por cento sobre o valor do rendimento do imóvel ou da exploração.

80


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DOC. III RELAÇÃO DAS HORTAS, QUINTAS, FAZENDAS E MORGADOS PERTENCENTES À VILA DO LAVRADIO EM 174740 LOCAL

TIPO DE PROPRIEDADE

PROPRIETÁRIO

MORADOR/ EXPLORADOR

DÉCIMA

Lavradio

Quinta da Barra a Barra (Morgado) Morgado Horta do meloal (e vinhas) Quinta da Várzea Quinta dos Gatos Quinta dos Socos (e vinhas) Quinta de Vasco (?) Quinta da Verderena Quinta dos Arcos Quintas da Estalagem Quinta Horta e casas dela (Quinta) Quinta

Não explica

Quem o fizer

8 000

Brás Teles Não especifica

Ou quem o fizer Quem o fizer

2 400 800

Não especifica Foi de Francisco de Sousa Capitão Bernardo Pereira e Sousa Não especifica Jorge de Sousa e Távora Não especifica Dona Maria Dona Eugénia da Silveira Francisco Xavier D. Pedro Martins Mascarenhas Jorge de Sousa e Távora Dom João de Almeida

Quem fizer Quem fizer O próprio

1 000 400 1 000

Quem fizer O próprio Quem fizer “ Ou quem a fizer Francisco Jozeph da Costa Ou quem a fizer

900 800 480 800 800 480 1 500

Quem trouxer

800 400

Ou quem a fizer Quem fizer Manuel de Pinho António de Almeida Quem trouxer Quem trouxer de Ou quem trouxer Quem a trouxer Ou quem a trouxer

360 120 180 100 4 000 7 000 1 000 1 200 960

Quem fizer Não especifica Quem trouxer

1 000 2 000 1 000

Jozeph António

200 80

Lavradio Lavradio Lavradio Lavradio Lavradio Lavradio Lavradio Lavradio Palhais Palhais Palhais Palhais Palhais Palhais Palhais Palhais Palhais Palhais Telha Telha Telha Telha Telha

Fazenda de Val de Romão Terras de semear de Santo António Quinta do Corvo Quinta do Migalha Horta do Viegas Horta do Viegas Moinho do Maricote Moinho do Duque Quinta Quintas Quinta e mais vinhas

Telha Telha Telha

Fazendas Quinta Quinta das Canas

Telha Telha

Fazenda de Vale de Romão Casas e vinha de Vale de Romão

40

Seu dono Não especifica Viegas Viegas Maricote Duque Joaquim dos Santos Branco Plácido de Sousa Francisco Ferreira Raimundo António Alves Ribeiro Arnaldo Banzeller Borralho Que trouxe de renda Domingos de Oliveira Dona Maria Luís Gomes

Segundo o livro dos impostos (4,5%), anteriormente referido.


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DOC. IV COURELAS DE VINHA NO CONCELHO DE COINA 1762-176341 N.º DE VINHAS

LOCAL/ SÍTIO

PROPRIETÁRIO

EXPLORADOR/ RENDEIRO

1

Herdeiros de João Gomes Dinis João Manuel Ribeiro João da Costa Freire Herdeiros de João Pedro Dinis Joaquim José de Couto

Manuel

5 000

500

1 1 1 1

Sítio das Alagoas “ “ “ “

960 960 4 500 0

95 95 450 0

1 1

“ “

2 400 8 000

240 800

1

Francisco Mendes

8 000

800

1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 4

O próprio O próprio O próprio O próprio A própria Gabriel Francisco O próprio A própria O próprio O próprio O próprio A própria A própria Gabriel Francisco O próprio O próprio O próprio O próprio A própria O próprio O próprio

240 2 460 480 2 800 960 4 000 470 480 1 200 1 200 2 400 1 900 720 1 000 1 920 480 240 480 480 1 920 6 240

25 285 50 295 95 400 48 48 120 120 240 190 72 100 192 48 24 48 48 192 624

1 1 1 1 2

“ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ Sítio da Ramagem “ “ “ “ “

Francisco Simões Herdeiros de João Gomes Dinis Herdeiros de João Gomes Dinis Joaquim José de Couto Francisco Simões Fernando José desta vila Francisco Rodrigues Dona Luísa João de Brito e Melo João Machado Ribeiro Maria Joaquina Francisco Barradas Lobo João Ribeiro Manuel de Azevedo Maria Joaquina Dona Luísa João de Brito desta vila Francisco Simões João Machado Ribeiro Francisco Barradas Lobo João Pedro desta vila Dona Luísa Francisco Barradas João da Mata

O próprio O próprio Simplício Gomes Um serrado que foi vinha O próprio Francisco Rodrigues

O próprio O próprio O próprio O próprio O próprio

380 1 920 4 800 1 680 4 800

48 192 480 168 480

2 2

“ “

O próprio O próprio

1 440 1 920

144 192

1

O próprio

C de 32 000r?

3 200

Pedro Vicente João Rodrigues Lima Joaquim José de Couto Pedro Vicente Vidal Herdeiros de Diogo de Pina Manique Pedro Vicente Vidal Herdeiros de Joaquim de Pina Manique Herdeiros de Joaquim de Pina Manique42

VALOR DA DÉCIMA RENDA (RÉIS)

IAN/TT, Coina, Impostos, liv. nº 1790, fl. 27 e segs. Trata-se da Quinta dos herdeiros de João de Pina Manique, constituída por casas, pomar de frutas, vinha, terras de pão e olival de azeite, que exploram por sua conta, cuja produção é a seguinte: 5 almudes de azeite; 4 800 réis de fruta; 13 alqueires de milho e 3 almudes de vinho. 41

42


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77

COURELAS DE VINHA NO CONCELHO DE COINA 1762-1763 N.º DE VINHAS

LOCAL/ SÍTIO

PROPRIETÁRIO

EXPLORADOR/ RENDEIRO

2

Pedro Vicente Vidal

O próprio

960

96

Manuel de Azevedo Francisco Barradas Lobo Francisco Simões Francisco Barradas Lobo José Ferreira

O próprio O próprio O próprio O próprio Manuel de Azevedo

1 920 970 480 240 480

192 960 48 25 48

1 1 1 1

Sítio das Ameixeiras “ “ “ “ Cruz das Maleitas “ “ “ “

Manuel de Azevedo O próprio O próprio O próprio

480 970 2 000 480

48 96 240

1 143

“ “

Francisco de Paiva Raposo João Rodrigues Lima Dionísio de Almeida Beneficiado de Paulo de Almeida António José Amado Francisco Barradas Lobo

O próprio O próprio

480 2 170

48 216

1 1 1 1 1

VALOR DA DÉCIMA RENDA (RÉIS)

TOTAL DE VINHAS EM COINA EM 1763, SEGUNDO O LEVANTAMENTO ANTERIORMENTE APRESENTADO

43

SÍTIO/LOCAL

TOTAL DE VINHAS

Lagoas Ramagem Ameixeiras Cruz das Maleitas Totais

29 15 7 7 58

VALOR DA DÉCIMA (EM RÉIS)

Uma Quinta chamada “a da Pinta”, propriedade de Francisco Barradas Lobo, de Lisboa.

5.620 5.228 1.277 696 12.821


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DOC. V TRAÇADO URBANO DA VILA DE COINA EM 176244 RUA DIREITA DO PELOURINHO (PELO LADO DIREITO) N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

1 2 3

Urbano Urbano Urbano

Maria da Silva (foram de) Stª Casa da Misericórdia António José Amado (desta vila)

4

Urbano

Maria Joaquina, viúva de Luís de Oliveira, de Palhais, termo do Lavradio

5

Urbano

6

Urbano

Maria Joaquina, viúva de Luís de Oliveira, de Palhais, termo do Lavradio Joé Martins caldeireiro, em Lisboa

7 8

Urbano Urbano

Capela de João de Barros Clara Maria da Silva, desta vila

9

Urbano

Clara Maria, viúva

10

Urbano

11

Urbano

12

Urbano

13

Urbano

14

Urbano

Francisco Barradas Lobo, de Lisboa Francisco Barradas Lobo, de Lisboa Francisco Rodrigues, trabalhador Pedro Vicente Vidal, de Lisboa Pedro Vicente Vidal, de Lisboa

Casas demolidas Casas demolidas Casas térreas: uma casa grande que foi armazém de trigo Casas térreas: duas repartições arrendadas a Gabriel Francisco, fazendeiro Casas térreas: duas repartições arrendadas a Francisca, padeira e viúva Casas térreas: duas repartições, legradouro, arrendadas a Francisco de Gouveia (vive de sua argência) Casas demolidas Casas térreas, arrendadas a Bertolo de Carvalho, trabalhador desta vila Casas térreas, uma loja repartida por si ocupada Casas demolidas

15

Urbano

16

Urbano

17

Urbano

Padre Diogo de Pina Manique de Lisboa Estêvão José dos Santos, da vila, vive de uma argência Estêvão José dos Santos

Uma loja, com adega e sobrada por si ocupada Casas com loja e sobrado, por si ocupadas Casas demolidas

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

0 0 6.400

0 0 575

7.000

630

2.400

215

4.000

430

0 4.000

0 360

4.000

360

0

0

3.000

270

4.000

360

0

0

Casas e logradouro, arrendadas 2.000 a trabalhadores de fora por 300 réis por mês, em tempo de seu trabalho Casas demolidas 0

180

Casas com um pátio, duas 7.200 lojas e três sobrados por si ocupados Casas térreas com duas 1.600 repartições, arrendadas a Manuel da Costa, Pastor de cabras

650

0

325

44 IAN/TT, Coina, Impostos, liv. 1790. Com termo de abertura, auto de lançamento e assinaturas, datado de 22 de Dezembro de 1762, nas casas da aposentadoria do Doutor Francisco Xavier Saraiva de Lucena, juiz de fora das vilas da Moita, Alhos Vedros, Lavradio, Barreiro e Coina e seus termos, presidente deste lançamento. Escrivão: Manuel de Gambôa. Lançadores para a décima: Prédios urbanos: Rafael de Carvalho, carpinteiro; António Gomes, pedreiro e Fernando José, pedreiro. Prédios rústicos: Gabriel Francisco, fazendeiro; Manuel de Azevedo, fazendeiro; Caetano Ferreira, fazendeiro. Comércio: Joaquim José de Couto; Estêvão José dos Santos; António de Oliveira. Maneios: Dionísio de Almeida; João Pedro; Luís Gomes. Fiscal: António José Amado.


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RUA DIREITA DO PELOURINHO (PELO LADO ESQUERDO) N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

18

Urbano

Casas demolidas

19 20

Urbano Urbano

Capela do padre Diogo de Pina Manique Pedro Vidal, de Lisboa Pedro Vidal, de Lisboa

21

Urbano

22

Urbano

23 24

Urbano Urbano

25

Urbano

26

Urbano

27

Urbano

28

Urbano

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

29

Urbano

Uma loja demolida

30

Urbano

31

Urbano

João Machado Ribeiro, de Lisboa Caetano Ferreira (lançador dos prédios rústicos?) desta vila que vive de sua argência Beneficiado Paulo de Almeida

32

Urbano

Comenda desta vila

33

Urbano

Comenda desta Terra

34

Urbano

Pedro Vicente Vidal, de Lisboa

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

Casas demolidas Casas devolutas, sem alugrador (servem de adega ao dono) Francisco Simões, marítimo Casas: uma loja e duas alcobas, com logradouro, por si ocupadas Paulino José da Costa, Casas térreas: quatro lojas escrivão do público três sobrados e um quintal desta vila e logradouro por si ocupados Herdeiros de Manuel Coutinho Casas demolidas Beneficiado Paulo de Almeida Duas casas com lagar e seu logradouro por si explorados Rosa Maria, viúva Casas térreas com loja, sobrado e logradouro Clara Maria, viúva Uma barraca de tabuado, arrendada a António Rodrigues, marítimo Gabril Francisco, fazendeiro Uma barraca de tabuado desta vila (o lançador com três repartições dos prédios rústicos) por si ocupada Comenda da vila Casas de comenda da vila, (que foi estalagem) que foi estalagem e a maior parte demolida, com um sobrado e loja arrendada a Francisco de Gouveia

0

0

0 0

0 0

3.200

290

6.000

540

0 3.200

0 0 (bens eclesiásticos)

4.000

360

1.400

215

1.200

110

4.800

0 (bens eclesiásticos)

RUA DA MISERICÓRDIA (LADO DIREITO) RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

0

Duas lojas repartidas arrendadas 4.000 a: Joana Maria Soromenha, padeira desta vila; Outra arrendada a Caetano Gonçalves, mateiro 5.000 Casas térreas: loja repartida 2.400 arrendadas a João Ferreira, Termo mateiro desta vila separado Casas térreas arrendadas 1.000 a Faustino do Espírito Santo p 1 000 r Casas térreas arrendadas 4.000 a António Quaresma, mateiro Casas demolidas 0

0 360 450 0 (bens eclesiásticos) 0 (bens eclesiásticos) 0 (bens eclesiásticos) 0


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RUA DA MISERICÓRDIA (LADO ESQUERDO) N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

35

Urbano

Clara da Silva, viúva de Domingos Coutinho

36

Urbano

Clara da Silva, viúva de Domingos Coutinho

37

Urbano

38

Urbano

Maria Baptista, viúva, padeira Rosa da Silva

39

Urbano

Herdeiros de Manuel dos Santos Cabaços

40

Urbano

41

Urbano

João Machado Ribeiro de Lisboa Stª Casa da Misericórdia

Uma casa térrea com seu logradouro, arrendada a Félix Ribeiro, marítimo Loja repartida, arrendada a Mateus da Esperança Carneiro Duas lojas por si ocupadas Casas: uma loja com seu repartimento arrendada a José Francisco mateiro Casas: Duas lojas e logradouro, arrendadas a Francisco de Gouveia desta vila Uma casa térrea que serve de adega, por si ocupada Casas demolidas

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

42

Urbano

Dionísio de Almeida

43

Urbano

44

Urbano

Dionísio de Almeida, vive de suas fazendas Dionísio de Almeida, que vive de suas fazendas

45

Urbano

Comenda da Vila

46

Urbano

Comenda da vila

47

Urbano

Pedro Vicente Vidal, de Lisboa

Casas: loja e sobrado arrendados a Felícia do Nascimento viúva (a loja é devoluta) Casas: duas lojas, dois sobrados e pátio, por si ocupadas Casas: uma loja e sobrado arrendados a José Francisco, sapateiro (loja é devoluta) Casas: adega e lagar onde se recolhem os fretes da comenda de que é rendeiro Caetano Francisco Uma loja que serve de forno arrendada a Manuel Fialho, mateiro desta vila Casas demolidas (?) com adega e lagar por si ocupadas, mas sem capacidade de se morar nelas

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

48

Urbano

Uma loja devoluta

0

0

49

Urbano

Pedro Vicente Vidal de Lisboa Pedro Vicente Vidal de Lisboa

Uma loja devoluta

0

0

6.000

540

4.000

360

3.000

270

2.400

215

5.000

450

2.000

180

0

0

TRAVESSA DO FORNO, LADO ESQUERDO RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

2.400

215

0 5.000

0 450

3.000

270

0 4.800

0 0 (bens eclesiásticos)

4.500

0

0

0

TRAVESSA DO FORNO, LADO DIREITO RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)


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RUA DIREITA DA ESTALEGEM, LADO DIREITO, (AO PÉ DA MISERICÓRDIA) N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

50

Urbano

51

Urbano

José António Barros Lobo de Lisboa Fernando José

52

Urbano

Comenda da vila

53

Urbano

54

Urbano

João Gomes Dinis, de Lisboa António de Oliveira que vive de sua argência

Casas: três lojas arrendadas a Maria da Conceição Casas térreas: duas lojas com seu logradouro, por si ocupadas Duas casas térreas, arrendadas a Maria da Encarnação, viúva Casas demolidas

55

Urbano

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

56

Urbano

Dom Filipe de Sousa

57

Urbano

58 59

Urbano Urbano

60

Urbano

61

Urbano

Herdeiros do Principal de Melo Joaquim José de Couto Francisco Barradas Lobo, de Lisboa Maria R. de Valadares, da vila Francisco Barradas Lobo

62

Urbano

Padre Diogo de Pina Manique

63

Urbano

João Machado Ribeiro, de Lisboa

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

64

Urbano

0

Urbano

Casas demolidas, com seu casarão Casas demolidas

0

65

0

0

66

Urbano

José António Barradas, de Lisboa Francisco Barradas, de Lisboa João Rodrigues Lima, de Lisboa

Duas lojas, dois sobrados e uma adega por si explorados

4.800

430

Dionísio de Almeida, desta vila

Uma casa térrea com seu repartimento e seu casarão, por si ocupada Loja e sobrado arrend. a António Ribeiro, marítimo, desta vila

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

5.000

450

1.600

150

3.000 0

0 (bens eclesiásticos) 0

3.000

270

3.000

270

RUA DIREITA DA ESTALEGEM (LADO ESQUERDO) CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

Um moinho com cinco 270. 00045 pedras, com sua loja, arrendado a José António de Abreu Três lojas com seu 0 logradouro, devolutas Uma loja devoluta 0 Uma loja arrendada 2.000 a Maria R. de Valadares Três lojas com seu 4.000 logradouro por si ocupadas Uma loja arrendada a José 3.600 Marques, marítimo, desta vila Casas demolidas, com uma 3.600 loja arrendada a António de Oliveira Casas térreas ocupadas 3.000 de graça por Manuel de Azevedo

18.200 0 0 180 360 325 325 270

RUA DA CADEIA (LADO DIREITO) RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

270.000 réis de renda. Os consertos eram da responsabilidade do dono, abatidos na forma do regimento de 30%, ficando líquido 182.000 r

45


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RUA DA CADEIA (LADO ESQUERDO) N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

67

Urbano

João da Mota, de Lisboa

68

Urbano

69

Urbano

João da Mota, de Lisboa João da Mota, de Lisboa (o mesmo)

Casa térrea, com seu repartimento, arrendada a José Francisco, trabalhador Casas térreas, arrendadas a António da Cunha, marítimo Casas térreas arrendadas a Manuel Pereira, mestre de carretas de Gaspar dos Reis

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

70

Urbano

João da Mota

71

Urbano

João da Mota

Uma casa térrea, com seu repartimento, devoluta Casas demolidas

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

72

Urbano

73

Urbano

António José Amado, que vive de seu negócio Vicência Maria, de Lisboa

Casas térreas; Várias lojas p si ocupadas Casas térreas: Casa ocupada por Crispim da Silva, marítimo

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

74

Urbano

75

Urbano

Herdeiros de João Gomes Dinis Herdeiros de Manuel Lopes

76

Urbano

Casas: duas alcobas e uma loja Arrendas a Luísa, desta vila Uma loja repartida, com seu sótão, Arrenda da a Bento Gomes, marítimo, desta vila Casas demolidas

77

Urbano

78

Urbano

Herdeiros de João Gomes Dinis

79

Urbano

Rodrigo da Costa, desta vila

80

Urbano

António da Mata (Mota?) de Lisboa

81

Urbano

António da Mata

4.000

360

4.000

360

4.000

360

TRAVESSA DA “GINGEIRA” (LADO DIREITO) RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

0

0

0

0

TRAVESSA DA “GINGEIRA” (LADO ESQUERDO) RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

8.000

775

2.400

215

RUA DA FIGUEIRA (LADO ESQUERDO)

Herdeiros de João Gomes Dinis Herdeiros de João Gomes Dinis

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

Casas térreas: loja e sobrado arrendados a Bertolo Rodrigues, marítimo, desta vila Uma loja com seu repartimento Arrenda da a Manuel de Oliveira desta vila Uma loja com seu repartimento, arrendada a Maria Inácia, desta vila Uma casa térrea com seu repartimento, arrendada a Francisco Gomes, moleiro, desta vila Uma loja com seu repartimento, arrendada a Francisco Pinto Bandeira, alcaide desta vila

2.800

250

2.600

250

0

0

4.000

60

4.000

360

3.000

270

2.400

215

4.000

360


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83

RUA DA FIGUEIRA (LADO DIREITO) N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

82

Urbano

António da Mata

83

Urbano

António da Mata

Uma loja que serve de adega e lagar, por si ocupada Casas: uma casa térrea arrendada a José Ribeiro

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

84

Urbano

85 86

Urbano Urbano

Herdeiros de João Gomes Dinis Dom Filipe de Sousa João Pedro, desta vila, que vive de sua argência

87

Urbano

Caetano Ferreira

88

Urbano

89

Urbano

Caetano Ferreira, que vive de sua argência Joaquim José do Couto

Uma loja que serve de palheiro, por si ocupada Casas demolidas Três lojas, uma adega e logradouro, por si ocupados Duas lojas com logradouro, arrendadas a Bento Rodrigues, mateiro, desta vila Uma loja por si ocupada

90

Urbano

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

2.000

180

2.400

215

RUA DO AREAL (LADO ESQUERDO)

Francisco Mendes trabalhador desta vila

Casas demolidas e uma loja arrendada a Domingos Valente, carreiro desta vila, onde tem seus bois Uma loja com seu logradouro, por si ocupada

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

1.600

145

0 4.800

0 430

4.800

430

1.200

110

1.000

90

RUA DO AREAL (LADO DIREITO) N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

91

Urbano

Casas demolidas

0

0

92

Urbano

Casas demolidas

0

0

93

Urbano

Herdeiros de João Gomes Dinis Joaquim José de Couto desta vila João de Sá, da vila de Azeitão

Casas demolidas


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RUA DE JOÃO COELHO (LADO ESQUERDO) N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

94

Urbano

Casas demolidas

0

0

95

Urbano

Herdeiros de João Gomes Dinis Herdeiros de João Gomes Dinis

4.000

360

96

Urbano

Herdeiros de João Gomes Dinis

4.000

360

97

Urbano

5.000

450

98

Urbano

Rodrigo da Costa, moleiro desta vila Herdeiros de João Gomes Dinis

3.600

325

99

Urbano

O mesmo

3.600

325

100 101 102

Urbano Urbano Urbano

Herdeiros de Maria Felícia António da Mata, de Lisboa Francisco Simões

0 0 2.000

0 0 180

103

Urbano

0

0

104

Urbano

Herdeiros de João Gomes Dinis Herdeiros de João Gomes Dinis

Uma casa com seu repartimento, arrendada a João Gonçalves Bugio, desta vila Uma loja com seu repartimento, arrendada a António José Cascais, oficial de ferreiro Duas lojas e um sobrado e o seu pátio, por si ocupados Uma loja arrendada a Pedro Machado, marítimo, desta vila, e um sobrado (ver n.º99) O sobrado arrendado a José Nogueira, da Igreja desta vila Loja e sobrado devolutos Loja e sobrado devolutos Uma casa térrea e seu sótão, ocupados por Rafael de Carvalho, carpinteiro, desta vila Casas demolidas

2.400

215

105

Urbano

Herdeiros de João Gomes Dinis

4.000

360

106

Urbano

Francisco Rodrigues, desta vila

Uma loja com sótão arrendada a António Rodrigues Castanha, marítimo, da vila Uma loja arrendada a Joaquim João, marítimo, da vila Uma loja com sobrado, arrendada a André Picão (?) escrivão da Câmara desta vila

4.000

360

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

107

Urbano

Herdeiros de João Gomes Dinis

Uma loja devoluta

RUA DE JOÃO COELHO (LADO DIREITO) RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

0

0


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85

RUA DO JOGO DA BOLA (LADO DIREITO) N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

108

Urbano

Faustino do Espírito Santo, desta vila

109

Urbano

110

Urbano

111

Urbano

Faustino do Espírito Santo, desta vila Bernardo Martins, de Lisboa Francisco Barradas Lobo

Uma loja com logradouro, arrendada a Domingos Valente, carreiro, desta vila Casas, arrendadas ao reverendo prior desta vila Lojas demolidas

112

Urbano

Herdeiros de João Gomes Dinis

113

Urbano

João Pedro, desta vila

114

Urbano

115

Urbano

116

Urbano

117

Urbano

Herdeiros de Jerónimo Manca Joaquim José de Couto, desta vila, que vive de sua fazenda Luís Gomes, maioral das carretas de D. Filipe Herdeiros de João Gomes Dinis

118

Urbano

119

Urbano

António Lobo Barradas Não refere o proprietário

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

4.000

360

4.800

430

0

0

Uma loja que serve de adega, 3.000 com seu casarão, demolidas, arrendadas a Manuel de Azevedo Várias lojas e sobrados, adega, 6.000 lagar e logradouro, arrendados a José Dengue, marítimo, desta vila e a outro companheiro Uma loja repartida e seu 2.400 logradouro, arrendados a José de Sousa, mateiro, desta vila Casas demolidas 0 Duas lojas, um sobrado 10.000 de adega, lagar e seu logradouro, por si ocupados Duas lojas, seus repartimentos 6.000 e logradouro por si ocupados Uma loja com seu repartimento, 3.600 arrendados a Manuel Manço Monteiro, desta vila Casas demolidas 0 Casas arruinadas, que serviam da fábrica dos vidros

0

270 540

215 0 900 540 325 0 0

SÍTIO DO ALEMO N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

120

Urbano?

João da Costa Freire

121

João da Costa Freire

Moinho de Alemo46 arrendado a Domingos Gomes Um moinho chamado o Samarro no sítio do Alemo, está demolido

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

16.800

1.680

0

0

46 Ibidem, fl. 22v. Consta de uma casa grande com duas pedras de moer trigo, arrendado a Domingos Gomes terra alta, em (doze?) alqueires de trigo por mês, e só paga 10 meses por ano por ser moinho de água doce e ter dois meses falta de água.


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SÍTIO DO AREAL N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

122

Urbano?

Cláudio Nunes de Lisboa

Uma moinho chamado Areal arrendado a José Rodrigues47

N.º

TIPO DE PRÉDIO

PROPRIETÁRIO

CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

123

Urbano?

124

?

Francisco Coelho, de Lisboa João António da Mata, de Lisboa

125

?

Casas /várias lojas) por si ocupadas Casas: um sobrado arrendado a Manuel Fialho, marítimo (prop. da rua da Gingeira) Uma loja e sótão arrendados a Joaquim Gomes, marítimo (prop. também pertencente à rua da Gingeira)

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

20.170

2.016

QUINTA DA AREIA

José (alcunha o cabrito) de Lisboa

RENDA DÉCIMA (EM RÉIS) (EM RÉIS)

3.000

270

4.000

360

2.400

215

47 Ibidem, fl. 23. Um moinho chamado Areal, com duas lojas e seu forno, e duas pedras de moer trigo, arrendados a José Rodrigues, desta vila, em doze alqueires de trigo por mês e só paga 10 meses por ano (...) por ser de água doce (abatidos em 30% porque os arranjos são por conta do dono).


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DOC. VI TERMO DE LANÇAMENTO, DECLARAÇÃO E JURAMENTOS Para além de muitas vinhas distribuídas pelos sítios das Alagoas, Ramagem, Ameixeiras e Cruz das Maleitas, são de assinalar como prédios rústicos de grandes dimensões a Quinta da Ramagem, propriedade dos herdeiros de Joaquim de Pina Manique, com casas, pomar de frutas, vinha, terras de pão e olival de azeite, que o próprio fazia por sua conta. A produção referida é a seguinte: Produzem: – 5 almudes de azeite – 4 800 réis de fruta – 13 alqueires de milho – 3 almudes de vinho – Valor das casas: 4 800 réis

No Sítio da Cruz das Maleitas, existia também uma Quinta chamada “a da Pinta”. Consta de uma casa térrea, vinha, terras de pão (7 alqueires de milho), árvores de caroço. Era propriedade de Francisco Barradas Lobo, de Lisboa, e o valor da renda foi estimado em 2.170 réis (a vinha), 600 réis (árvores de fruto) e 1.050 réis pelas terras de pão (7 alqueires), de tudo pagava a décima no valor de 381 réis


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DOC. VII CAVALOS DE CARGA REGISTADOS NO LIVRO DOS IMPOSTOS DO BARREIRO PARA O ANO DE 181548 N.º

NOME

MANEIO

IMPOSTO

1 2 3 4 5 6 7 8

Manuel Borralho Sargento-mor João Pinheiro Borges Simplício José Francisco Gondorra (?) Francisco Cordão (?) João José Cristão Francisco José Luís Jacinto José Gonçalves

Cavalo de carga Cavalo de carga Cavalo de carga Cavalo de carga Cavalo de carga Cavalo de carga Cavalo de carga Cavalo de carga

1.000 1.000 1.000 1.000 1.000 1.000 1.000 1.000

48

IAN/TT, Barreiro, Impostos sobre Cavalgaduras, 1815, Liv. 938, fls. 3, 3v.


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1.3 OS PINHAIS DE ALHOS VEDROS NOS SÉCULOS XV E XVI1 (Comunicação apresentada nas I Jornadas e Património Local organizadas pela Câmara Municipal da Moita, novembro de 2004)

O

s pinhais, assim como todo o povoamento silvícola, despertaram desde muito cedo o interesse por parte da realeza e dos seus proprietários, mas é a partir dos inícios da século XV que os documentos conirmam uma preocupação acrescida com esta espécie arbórea, tanto no que respeita à produção legislativa no sentido de evitar o seu abate de forma não autorizada, como através de medidas conducentes ao seu aumento e preservação. Esta preocupação com o controlo desta comunidade vegetal mostrouse particularmente evidente nos arredores da cidade de Lisboa, tornandose progressivamente extensiva à “outra banda” como resposta ao aumento do consumo de lenha, carvão e madeira na capital do reino, em consequência do desenvolvimento económico aí veriicado impulsionado pelo início da expansão portuguesa, nomeadamente a construção naval, assim como fonte calórica para as múltiplas indústrias subsidiárias com ela relacionadas e para consumo doméstico. Na realidade, a documentação a que tivemos acesso comprova o interesse da realeza pelos pinhais da margem esquerda do estuário do Tejo desde muito cedo. Em 1371, 18 de Setembro, era concedida uma carta régia no sentido de corrigir os agravos apresentados pelos representantes do concelho de Almada, pela qual era atendida a queixa sobre o rei e a infanta, sua irmã, por mandarem cortar pinheiros no respetivo concelho, pagandoos por preço inferior ao seu verdadeiro valor2 e, em 1402, 20 de Novembro, o rei manda coutar uma quinta com pinhais em Sarilhos de Ribatejo a Branca Anes, proibindo o corte de madeira nos seus pinhais. A coutada foi requerida pela proprietária da quinta porque “lhe cortarom gram parte do dicto pinhal dizendo que os tomarom per nosso mandado e pera estacada de Lixboa nom cortando a nehuns seus vizinhos tendo elles tam grandes pinhaaes como ella” ...3. Para além de demonstrar a preocupação que havia em torno desta espécie, este 1 Embora este estudo se inscreva no espaço correspondente à circunscrição administrativa do antigo concelho de Alhos Vedros, que compreende a parte ocidental do concelho de Ribatejo desde a proximidade de Sarilhos até ao rio Coina, pensamos que ele só faz sentido se enquadrado num espaço e num tempo mais alargados, dado que toda a margem esquerda do estuário do Tejo assume características particulares que a individualizam do resto da Península da Arrábida, dando-lhe um certo sentido de unidade geomorfológica e económica nos séculos XV e XVI, particularmente no que respeita à região compreendida entre as margens do rio Coina e a ribeira das Enguias, espaço que corresponde “grosso modo” ao antigo concelho do Ribatejo. Assim sendo, esta temática irá ser sempre abordada de uma forma integrada, de modo a relacionar o crescente interesse pelos pinhais de Ribatejo com a dinâmica económica verificada na cidade de Lisboa nos séculos em estudo e, por outro lado, inserindo os pinhais de Alhos Vedros no contexto das matas de Ribatejo, das quais fazem parte. Cf. António Gonçalves Ventura, Dinamismos Económicos Regionais – A Margem Esquerda do Estuário do Tejo nos séculos XV e XVI, Dissertação de Mestrado em História Regional e Local, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, fevereiro de 2000, p. 19 e segs. 2 Baeta Neves, dir. História Florestal, Aquícola e Cinegética, Ministério da Agricultura e Pescas, Direção Geral do Ordenamento e gestão Florestal, vol. I, Lisboa, 1980, p. 131. 3 Chancelaria de D. João I, Liv. 2, fl. 188v.


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documento permite também conirmar a existência de vários pinhais em Sarilhos já nos inícios do século XV, dado que a proprietária airma que os seus vizinhos tinham pinhais tão grandes como os seus. Aliás, sabemos através de uma carta de conirmação de 10 de abril de 1491 que Rui de Castanheda, cavaleiro da casa real e ilho de João Gonçalves de Castanheda, escudeiro da casa real e meirinho do Infante D. Fernando, era proprietário de pinhais em Sarilhos, os quais tinha herdado de seu pai por doação de D. Afonso V, em 14504. Também em 1413, 17 de maio, o rei manda coutar outro pinhal a João Vasques de Almada, no termo de Almada, proibindo o abate de madeiras e o corte de lenha. Porém, é a partir de 1 de Junho de 1439 que estas medidas ganham um novo sentido, quando D. Afonso V decide conceder uma carta de privilégio ao seu tio, o Infante D. Henrique, pela qual lhe é dada “lecença Em quanto nossa merçéé for que elle mande Cortar nos nossos pinhaaes de Ribatejo5, aquella madeyra que lhe comprir pera seus nauyos e Cassas e pera outras quaaes quer suas obras”6. A concessão deste privilégio ao Infante D. Henrique enquadrase num período algo complexo e, por isso mesmo, de crucial importância para a nação portuguesa. A instabilidade política gerada pela morte prematura do rei D. Duarte Setembro de 1438 e da menoridade do herdeiro legítimo do trono, o Infante D. Afonso, que contava apenas seis anos de idade, deixara marcas ainda recentes e só viria a esbaterse nas Cortes de Dezembro de 1439, bastante inluenciadas pelo Infante D. João, as quais delegam em D. Pedro a responsabilidade pela regência, tarefa por ele assumida a partir de 14407, e também porque a abertura da Europa ao mundo transforma o mar num centro nevrálgico de estratégias de poder, e a construção naval ocupa um lugar de destaque no domínio das preocupações das potências expansionistas. Portugal, com tradição nas artes marítimas e pioneiro nesse empreendimento, não constituía de certo exceção, e a dimensão dos estaleiros navais em Portugal nessa época, em especial o da Ribeira das Naus em Lisboa, é disso uma clara demonstração, obrigando ao aproveitamento dos recursos lorestais do Ribatejo como forma de minimizar as despesas com a importação de madeira, ou de evitar, dentro dos possíveis, o seu transporte de zonas muito afastadas da capital. Era preciso dar seguimento ao processo expansionista e para que tal fosse uma realidade, era necessário dar poderes ao seu principal responsável, o Infante D. Henrique, pois os perigos da concorrência por parte das principais potências europeias pairavam sobre Portugal, havia que considerálo. Baeta Neves, op. cit. vol. III, Lisboa, 1980, pp. 143-144. Entenda-se aqui "Ribatejo" no sentido que lhe era atribuído na época em estudo, e que compreende toda a faixa litorânea entre a Ribeira das Enguias, a Oriente de Alcochete e a Ribeira de Coina a Ocidente. Coina, propriamente dita, já não pertencia ao antigo espaço designado por Ribatejo. Em contrapartida, por vezes o condado de Alverca aparece com a designação de Ribatejo, tendência que se vai perdendo com o tempo. Cf. António Gonçalves Ventura, op. cit., p. 31 e segs. 6 João Martins da Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, Instituto Nacional de Investigação Científica, vol. I, Lisboa, 1988, p. 399. 7 Maria Emília Cordeiro Ferreira, "Pedro, Infante D.", in Dicionário de História de Portugal, dir. Joel Serrão, vol. V, Livraria Figueirinhas, Porto, 1990, pp. 30-31. 4 5


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A expansão tinha progredido a bom ritmo: a descoberta das ilhas do Atlântico abria boas perspetivas no sentido da solução de um dos mais graves problemas com que o reino se debatia: a falta de pão. Gil Eanes, em 1434, dobrava o Cabo Bojador, um obstáculo temido mas ultrapassado, espécie de ferrolho8 que permitia a progressão ao longo da costa africana9 e, cerca de um ano depois, Gil Eanes e Afonso Baldaia aportavam em Angra dos Ruivos. Entretanto, um ligeiro interregno de cerca de quatro anos10, ensombrava o curso dos acontecimentos favoráveis: o papa Eugénio IV reconhecia o direito a Castela sobre as ilhas Canárias11 e o desastre de Tânger em 1437 obrigava os responsáveis a reletir sobre a política nacional e a repensar os rumos a dar à expansão portuguesa. Talvez isso ajude a justiicar o aumento de embarcações, em quantidade e qualidade, que sulcaram as águas do Atlântico em direção à costa africana durante a regência de D. Pedro. O ano de 1446 foi um excelente exemplo desse movimento, com várias frotas e compostas por vários navios, predominantemente caravelas, a saírem de Portugal em direção à costa ocidental africana12. Assistese pois, a um extraordinário crescimento da armada portuguesa, entrandose assim na «época das caravelas e das naus»13, cujo aperfeiçoamento progredia ao ritmo das necessidades impostas pelas vicissitudes do mar e de acordo com os progressos cientíicos e tecnológicos que entretanto se operavam14. A exploração de um excelente acervo documental a que tivemos acesso sobre os bens existentes na margem esquerda do estuário do Tejo, quer sejam pertencentes ao rei ou a particulares, quer se trate de bens patrimoniais de ordens religiosas ou outros, permitiu conirmar a existência de uma vegetação arbórea e arbustiva compatível com as características descritas pelos autores coevos15. Possibilitou ainda localizar 8 Vitorino Magalhães Godinho, Mito e Mercadoria, Utopia e Prática de Navegar, séculos XIII-XVIII, Difel, Difusão Editorial Lda., Lisboa, 1990, p. 192. O autor utiliza a expressão "ferrolho" a propósito da tomada de Ceuta em 1415 pelos portugueses e tendo em consideração a posição estratégica que esta cidade ocupava na ligação entre o Mediterrâneo e o Atlântico. 9 António Simões Rodrigues, dir. "Expansão e colonização europeia", in Grandes Temas da Nossa História - História Comparada, Portugal, Europa e o Mundo, vol. I, Círculo dos Leitores, Lisboa, 1996, pp.192-193. 10 Quirino da Fonseca, Os Portugueses no mar, Memórias Históricas e Arqueológicas das Naus de Portugal, Tipografia do Comércio, Lisboa, 1926, p. 102. 11 António Simões Rodrigues, op. cit., p. 193. 12 Quirino da Fonseca, op. cit., pp. 105-107. Segundo o autor, no ano de 1446 terão partido três caravelas sob a responsabilidade de Antão Gonçalves, Diogo Afonso e Gomes Pires, aportando no Rio do Ouro; Nuno Tristão demanda o rio Nuno, aí sendo morto pelos indígenas; Álvaro Gonçalves navega até ao rio Tabite, cerca de 32 léguas a Sul do rio Nuno; uma frota composta por treze caravelas, capitaneada por Lançarote, à qual se lhe juntaram mais três caravelas da Madeira e dez caravelas de outros lugares, progrediu ao longo da costa ocidental africana, tendo algumas dessas embarcações chegado ao rio Senegal, ao Cabo dos Mastos e à costa da Guiné. Ainda no mesmo ano, terão partido mais nove caravelas com Gil Fernão Vilarinho, Estevão Afonso e outros, para além de outras embarcações esporádicas de que o autor faz referência. 13 Ibidem, p. 101. A expressão é do autor. 14 Referimo-nos ao início da segunda "revolução científica" a que Vitorino Magalhães Godinho faz referência, a propósito dos progressos da cartografia e da construção de um novo espaço, possível a partir dos avanços operados no período compreendido entre 1420-1450 e 1530-1550. Por sua vez, estes progressos na cartografia foram acompanhados por avanços significativos ao nível das técnicas e da ciência náutica. Cf. Vitorino Magalhães Godinho, in Mito e Mercadoria, Utopia e Prática de Navegar, séculos XIII-XVIII, Difel, Difusão Editorial Lda., Lisboa, 1990, p.82. 15 Reportamo-nos a João Brandão, Luís Mendes de Vasconcelos, Gaspar Frutuoso e Nicolau de Oliveira, autores que, sentindo de perto os problemas do século XVI, faziam referência à importância dos produtos da charneca da "outra banda" para a cidade de Lisboa, conforme anteriormente citámos. Mais recentemente, outros autores levantaram a questão, mas nunca localizando os pinhais, à exceção de José Estevam nos Anais de Alcochete, e apenas no que concerne à respetiva localidade.


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vários pinhais dentro das limitações do antigo concelho do Ribatejo, com particular incidência no território onde viria a ser constituído o concelho de Alhos Vedros em 1514, esclarecendo uma série de dúvidas que se têm arrastado até aos nossos dias, não tanto sobre a sua existência, pois sempre se soube que o pinheiro bravo, mais do que o pinheiro manso, fazia parte da loresta da margem esquerda do estuário do Tejo, mas fundamentalmente sobre aspetos relacionados com a época, quantidade e localização dos respetivos pinhais, tornando possível uma avaliação do impacto que pudessem ter tido no abastecimento da cidade de Lisboa, tanto no que respeita à lenha, como no fornecimento de madeira para as diversas necessidades da capital, nomeadamente para a construção naval num período de crucial importância para Portugal, e levantando mesmo sérias dúvidas sobre algumas teses tradicionais acerca da importância dos pinhais de Leiria para a construção naval na Ribeira das Naus de Lisboa, pelo menos durante o espaço temporal por nós estudado: os séculos XV e XVI16. A exploração desta documentação forneceunos ainda indicadores de interesse diverso, nomeadamente porque se trata da relação de bens, tornando possível através das suas confrontações a reconstituição, se bem que parcial, da toponímia de sítios e localidades que desempenharam um papel com alguma relevância na vida nacional nesta época. Infelizmente, alguns já desaparecidos, enquanto que outros, só tardiamente se airmaram, encontrando aqui a origem dos seus topónimos. Úteis também porque nos dão indicadores sobre o regime de propriedade e de exploração aí praticado, deixando também em aberto a possibilidade de posteriores estudos sobre essa temática17. Finalmente, úteis pela sua credibilidade, conirmando informações de autores coevos sobre a riqueza da região em estudo nesta altura, e avançando outras informações mais especíicas, mas não de menor importância. O processo de exploração dos produtos de natureza lorestal da charneca foi progressivo, aumentando o índice de exploração em conformidade com a delapidação das áreas periféricas da cidade de Lisboa, as quais, no alvorecer da Idade Moderna, já se tornavam incompatíveis com as necessidades impostas pelo aumento do consumo. Embora a escassez deste tipo de produtos em volta de Lisboa tenha sido decisiva para a procura do combustível na "outra banda", outros fatores terão pesado nesse sentido e prendemse com a acessibilidade  fator a ter em conta na época em referência 16 A documentação disponível permite-nos questionar as teorias tradicionais sobre a importância dos pinhais de Leiria para a construção naval na Ribeira das Naus, pelo menos no espaço temporal do nosso estudo. Na verdade, enquanto que fontes documentais confirmam a abundância e sucessiva delapidação de pinhais na margem esquerda do estuário do Tejo desde o século XIV, bem como uma crescente preocupação real com esta espécie arbórea, encontramos, por outro lado, os pinhais de Leiria a crescerem em extensão, atingindo quatro léguas de comprido e uma de largura em 1530, sendo mesmo requisitados mais quatro guardas para o respetivo pinhal. Baeta Neves, op. cit. vol. V, Lisboa, pp. 74-75. Estudos posteriores confirmam que o concelho de Alhos Vedros já existia em 1514. 17 Na realidade, em pleno século XV já proliferavam "courelas" e "quintãs" e "almoinhas" por toda a faixa litorânea da "outra banda", demonstrando que o regime de exploração da pequena propriedade era o mais frequente neste espaço. As marcas destas permanências chegaram ao nosso século, sendo ainda bem visíveis uma infinidade de quintas distribuídas pelo espaço em questão, onde em 1966 era ainda possível contar mais de 40 quintas nos concelhos de Alcochete, Montijo, Barreiro e Seixal. Cf. Carta Corográfica de Portugal, Instituto Geográfico e Cadastral, M. 7810, Ed. 3, I.G.C.P., julho de 1966.


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 e com a natureza dos produtos. Desta forma, se é verdade que o transporte luvial e marítimo era o mais rápido e menos oneroso, não é menos verdade que as matas da "charneca" produziam quase todo o tipo de madeira e combustível de que a cidade precisava, quer para as indústrias, quer para as chaminés18, pelo menos durante a primeira fase da expansão. Aí se desenvolveram espécies arbustivas e arbóreas, algumas de características mediterrânicas, nomeadamente o sobreiro e a azinheira e até mesmo o carvalho português, alternando com outro tipo de vegetação de charneca, composta predominantemente por tojos, carqueja, estevas e carrascos, em alternância com o pinheiro bravo. São bastantes as referências que conirmam a existência deste tipo de vegetação na margem esquerda do estuário do Tejo, não só no concelho de Alhos Vedros, como em todo o espaço compreendido entre Alcochete e as margens do rio Coina. A 3 de Abril de 1450, as comendadeiras do Mosteiro de Santos, as grandes proprietárias dos principais meios de produção em Alhos Vedros e Coina, mandaram fazer o levantamento de todos os bens que o mosteiro tinha em Alhos Vedros, perante Álvaro Anes, juiz ordinário do dito lugar, na presença de Fernando Álvares, tabelião do Infante D. Fernando, na freguesia de São Lourenço. Felizmente que existe este precioso documento porque, apesar de se encontrar já bastante apagado, foi ainda possível efetuar a sua leitura, revelando a extensa relação dos bens do cenóbio feminino do Mosteiro de Santos nesta freguesia. Dela fazem parte várias marinhas, vinhas e bacelos, almoinhas, fornos, moinhos de água, chãos, charnecas, e sobretudo, muitos pinhais.

18 Luís Mendes de Vasconcelos, Do Sítio de Lisboa – Diálogos (1608), Livros Horizonte, Lisboa, 1990, p. 131. Utilizamos aqui o termo chaminés para designar a lenha utilizada no consumo doméstico. Este termo é frequentemente utilizado por Luís Mendes de Vasconcelos na obra em referência.


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QUADRO I COURELAS DE PINHAL DO MOSTEIRO DE SANTOS EM ALHOS VEDROS DE RIBATEJO EM 145019 COURELAS

POENTE

LEVANTE

SUL

NORTE

1

Mato de Vasco Fernandez Mar

Mato de Álvaro Gil

Mar

Mar

1

Vinha de Santo Agostinho Pinhal de Santo Agostinho Pinhal de (...)

1

Pinhal do mosteiro

1

Pinhal de Vicente Vasques Charneca do concelho Vinha de João Preto

Courela do mosteiro Mato de Vasco Fernandez Mato de Santo Agostinho Pinhal de Pero Lourenço Caminho público de Palmela Quarto da vinha Rabalba Pinhal de Afonso Anes Espada Pinhal de Vicente Vasques Pinhal de Vaco Fernandez

1 1 1 (grande)

1 (pequeno) 1 (pequeno)

Mar

Pinhal do mosteiro Pinhal de Clara Anes Vinha Rabalba Pinhal da mulher de Diego Ulveira Pinhal de Lourenço Gonçalves Brejo do mosteiro

Mato de Afonso Pires Mar Caminho público Pinhal de Pero de Serpa Caminho público Caminho dos carneceiros Charneca do mosteiro Pinhal de Gonçalo Baleeiro

120 121 122 vários23

19 IAN/TT., Mosteiro de Santos o Novo, mç. 3, nº 1360, (3 de abril de 1450). Pela sua importância, este documento segue transcrito na íntegra em apêndice documental. Trata-se de um pergaminho de 118 linhas escrito em gótico cursivo, com algumas partes muito apagadas e, por isso, de muito difícil leitura. 20 Um pinhal no Canto de Nicolau. Não constam as confrontações. 21 Outro pinhal que vai da vinha de Vicente Vasquez até ao caminho dos carniceiros. 22 Pinhal em Vale da Água. 23 Trata-se dos pinhais de Vale da Amoreira. O documento não especifica quantos são, no entanto pensamos que são vários. Na verdade, trata-se da primeira referência ao topónimo que viria a dar origem à localidade de Vale da Amoreira, a Ocidente de Alhos Vedros.


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MAPA 124 Courelas de Pinhal em Alhos Vedros nos séculos XV e XVI

24

Mapa construído a partir do documento anteriormente referenciado, datado de 1450, e de outra informação complementar.


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A deteção de um tão elevado número de courelas de pinhal nas imediações de Alhos Vedros, já em meados do século XV, não só conirma as descrições feitas pelos autores em referência, e muitas vezes postas em causa, como revela novos dados, nomeadamente a sua localização e a quantidade de pinhais aí existentes, muito superior ao que então se supunha, pelo menos numa época bastante recuada. Analisadas as confrontações das respetivas courelas de pinhal, constatase que algumas delas se estendem até junto do mar, na circunstância, o rio, já que confrontam com ele. Outras, estão próximas de caminhos: caminho do concelho; caminho da Moita; caminho de Palmela; caminho dos "carneceiros", e outros, o que assim sendo, começa a fazer sentido no que respeita à preocupação do mosteiro em mandar fazer o levantamento de todos os bens que tinha em Alhos Vedros. O aumento da procura por parte da capital de determinados produtos lorestais de entre os quais a lenha, o carvão e especialmente a madeira para a construção naval, abria perspetivas de rentabilização do seu património, parte do qual até então subaproveitado. A lenha e o carvão escasseavam na cidade de Lisboa, o volume de matériaprima utilizada na construção naval na Ribeira das Naus não cessava de aumentar, e o recurso à importação de madeira, se bem que necessário em alguns casos25, tornavase bastante oneroso e era preciso reduzilo. Havia que explorar outros espaços, e a charneca da "outra banda" era suicientemente rica em lenha26, carvão e madeira de pinheiro bravo para a aplicação nas obras mortas, de sobreiro para o cavername, e até de pinheiro manso para as estruturas principais dos navios, sendo a sua acessibilidade um factor a ter em conta na minimização dos custos, já que se encontrava na proximidade de Lisboa e junto das vias de transporte, quer sejam luviais, quer mesmo de caminhos públicos. Mas não se icam por aqui as referências a pinhais no antigo concelho de Alhos Vedros. Sabese que Afonso de Albuquerque, o ViceRei da Índia, era dono de um extenso património no espaço ora em evidência, dele fazendo parte vários pinhais em Alhos Vedros, os quais seriam posteriormente, em 1563, cedidos pelo seu ilho e herdeiro aos frades da Graça, em resultado de uma contenda que se arrastou por bastante tempo a propósito do testamento de Afonso de Albuquerque27. Estes pinhais eram designados por pinhais acamalhoados e tinham os nomes dos sítios onde estavam situados. Desta forma, e segundo o traslado de demarcação dos pinhais de D. Isabel de Albuquerque em Alhos Vedros datado de 4 de Maio de 1519, faziam parte os pinhais João M. da Silva Marques, op. cit., vol. I, p. 568. O recurso à importação de madeira continuou a ser frequente, principalmente para a sua aplicação em mastros e vergas, sendo o pinho do Norte da Europa a madeira mais solicitada, conforme o demonstra este documento datado de 3 de novembro de 1459, relativamente aos moradores da cidade do Porto. 26 Nas imediações de Alhos Vedros também existiam grandes charnecas de mato, tal como se pode confirmar a partir das confrontações dos bens que o Mosteiro de Santos tinha nessa localidade: mato de Álvaro Gil; mato de Vasco Fernandez; mato de Afonso Pirez; mato de Santo Agostinho; mato do mosteiro próximo da vinha do tabelião Gonçalo Anes; mato de Afonso Lourenço. Também há referências a confrontações com charnecas, demonstrando que por volta de meados do século XV, a outra banda era bastante rica em lenha, carvão e madeira, sobretudo de sobreiro e de pinheiro. IAN/TT., Mosteiro de Santos-o-Novo, cx. XVIII, mç. 3, nº 1360, datado de 3 de abril de 1450. 27 Anselmo Braamcamp Freire, Archivo Historico Portuguez, Vol. I, 1903, pp. 157-162. 25


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do Canto do Nicolau, Vale de Bargada, Charneca, Vale de Água, Vale da Amoreira, Esteiro, e Chicora28. Também surgem referências a pinhais na relação dos rendimentos que o convento de Santo Elói de Lisboa tinha no Lavradio, sendo esta instituição religiosa proprietária de grande parte da riqueza na localidade, cujos rendimentos provinham dos foros do sal, das casas de habitação, dos produtos hortícolas, de galinhas, frangos e da lenha do pinhal29. Mais a poente, nas imediações do rio Coina, o rei era proprietário de vários pinhais, alguns dos quais junto dos fornos do biscoito, tendo mesmo Pedro de Paiva, escudeiro do rei e escrivão dos fornos de Vale de Zebro mandado fazer um inquérito em 1496 no sentido de saber “a quem pertencia o pinhal d´ElRei, se ao concelho de Alhos Vedros, e se dele se pagava foro ao dito concelho; chamados os vereadores da Câmara, Almoxarife dos fornos e os homens bons e antigos, um delles, Affonso Annes, disse que aquelle pinhal pertencia ao concelho, e que tinha possuido por quinze annos e pago a elle foro, e avaliaram o pinhal em 12$000 réis; porém que por estar onde estava o dito pinhal, e junto de outros pinhais d´ElRei e proximamente dos fornos, valia 18$000 réis”30. De resto, a apropriação por parte do rei dos pinhais existentes nas proximidades dos fornos de Vale de Zebro parecenos compreensível, na medida em que procurava, desta forma, garantir a lenha e madeira necessárias à laboração dos fornos e moinhos, e alertamnos para a sua importância: basta reparar no preço que lhe foi atribuído e as razões apontadas para o efeito. Já alguns anos antes, em 5 de novembro de 1488, é selada a compra de um pinhal pelo rei a Catarina Luis, “molher que foi de Joham viçemte morador em a villa de couna o quall pinhal he em termo da villa dalhos vedros em loguo que se chama a ramagem. E partia de huua parte com quimtaa de vall de zeuor e da outra parte com o mar salgado.E da outra parte com o termo da villa de couna ... E que ora el Rey nosso senhor lhe queria comprar o dito pinhal por lhe seer mujto neçessario para os seus moinhos que hi tem.E que sua alteza se comçertara com ella caterina luis de lhe aver de comprar o dito pinhal por preço de trimta mill reais bramcos ...31. Também temos notícias de pinhais junto a Palhais, onde, nos princípios do século XVI, e a propósito de um moinho de maré pertencente a Jerónimo Rodrigues Mealheiro, morador em Palhais, termo de Alhos Vedros, se "declarou partir e confrontar ora o dito moinho, da parte do norte, com pinhais dele, dito Jerónimo Rodrigues, e do sul com o mar ..."32. Ibidem, p. 160. Cf. Ana C. S. Leal, "Apontamentos para a História do Lavradio", in Um Olhar Sobre o Barreiro, nº 4, 3ª série, Barreiro, ed. Augusto Valegas, junho de 1996, pp. 31-32. A autora baseou-se num manuscrito existente no IANTT., Desembargo do Paço, Estremadura, m. 1989, nº 20. 30 António Lopes da Costa e Almeida, “Memória Histórico-Topográfica”, in Anais Náuticos e Coloniais, 4ª série, nº 10, 1884, pp. 365-366. 31 Baeta Neves, op. cit. vol. III, pp. 118-12032 Margarida Leme, "Um Moinho do Século XV", in Um Olhar Sobre o Barreiro, nº 5, 3ª série, Barreiro, Edição Augusto Valegas, dezembro de 1997, pp. 5-8. 28

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No foral Manuelino de Alhos Vedros de 1514, estão mencionados vários produtos do concelho, de entre os quais fazem parte as canas, carqueja, tojo, palha e lenha33, como fazendo parte dos produtos importantes no concelho. Durante a visitação efectuada à vila de Alhos Vedros em 1523, cerca de nove anos após a concessão da carta de foral e dois anos depois da autonomia dada ao Barreiro às expensas de uma pequena parcela do seu território, são referidos pinhais e mato próximos da Moita e pertencentes à Ermida de Sam Sebastião da Mouta: "E tem mais a dita Irmida huum pimhal da bamda do Norte que parte ao Sull com a dita Irmida e ao Norte com bacelo e mato que foy dÀlvaro Pirjz, e ao ponemte com Amtonio de Memdomça e com pinhaes de Johão Garçes"34. Na mesma visitação e a propósito da necessidade de protecção dos pinhais de Alhos Vedros do Ribatejo, o licenciado Francisco Barradas, o visitador nomeado, escreve que "Foynos apomtado como timhamos huum aluara pasado per que se guardem os pinhaes do Mosteiro de Samtos com pena de quynhemtos rejs a qualquer pesoa que for achada cortando neles algua cousa ..."35. De facto, as preocupações em torno da lenha e da madeira em Alhos Vedros estava na ordem do dia e era necessário que não fossem ignoradas. Em 1614, cem anos passados, segundo a descrição da vila de Alhos Vedros no Ribatejo, continuam a ser mencionados os pinhais no respectivo concelho: "E nesta posse antequissima e jmmemorial está a Ordem ainda que thee agora lhe trazião sonegado o dizemo das lenhas que tem per sentença a Ordem contra todo o Ribatejo. E assj pertence à Ordem os foros das marinhas e dos moinhos e d`alguns pinhaes e vinhas e qujntas"36. O foral Manuelino concedido ao Barreiro em 1521, 16 de Janeiro, apesar de muito circunscrito em termos de espaço, faz também referência à lenha e madeiras que aí se viessem a cortar, denotando assim que no primeiro quartel do século XVI, ainda esses bens eram dignos de preocupação pelos responsáveis municipais: "E porem queremos que iquem em todalas as vizinhanças, comedorias, logramentos e liberdades que até aqui tinham com a dita vila de Alhos Vedros e lugares outros comarcãos, assim nas aguas, ervas, pascigos, lenhas e cortamento de madeiras como em todolos bons usos e costumes e vizinhanças como sempre izeram ..."37 Também existiam vários pinhais na parte oriental do antigo concelho de Ribatejo, em cujo território surgiriam em 1515 dois concelhos geminados, os concelho de Alcochete e Aldeia Galega. Em 18 de Novembro de 1498, chegou a Alcochete João Maria Clara Santos e José Manuel Vargas, Foral de Alhos Vedros, edição da Câmara Municipal da Moita, dezembro de 2000, p. 74 34 Alhos Vedros nas Visitações da Ordem de Santiago, Tradução e notas de Ana C. S. Leal e Fernando Pires, edição da Comissão Organizadora das Comemorações do 480º Aniversário do Foral de Alhos Vedros, Alhos Vedros, dezembro de 1994, p. 30. 35 Ibidem, p. 39. 36 Ibidem, p. 22. 37 IAN/TT., Chancelaria de D. Manuel I, liv. 35, fl. 122. De acordo com o conteúdo do foral que concedeu autonomia administrativa ao Barreiro, extraído do concelho de Alhos Vedros, este concelho ficava circunscrito a um espaço muito reduzido, em nada semelhante ao que existe atualmente. Note-se que foi extraído do concelho de Alhos Vedros. 33


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Gonçalves, escudeiro da Casa Real, para cheiar uma equipa com o propósito de se proceder ao arrolamento de todos os bens e à medição de todas as casas do concelho, dando cumprimento à decisão de D. Manuel I, de fazer tombo das propriedades, rendas, capelas, albergarias e gafarias dos concelhos. Depois do arrolamento pormenorizado do casario e demais imóveis do município, as autoridades assentaram no respetivo arrolamento a existência de pinhais nos lugares de Sarilhos, Malpica, ribeira de Aldeia Galega, Rego da Amoreira, Samouco, nas margens do rio Barrosa, em Caparica e junto da Senhora da Atalaia38. Das referências à loresta na parte oriental do antigo concelho de Ribatejo, fazem também parte soverais, olivais, igueirais, pomares não especiicados, vinhas, charnecas e coutadas39. Diversas disposições legais oriundas tanto do poder central como do poder municipal, atestam a preocupação das entidades responsáveis pela manutenção da ordem no que respeita ao corte furtivo de lenha e madeira, ou mesmo sempre que os gastos excessivos tendessem para a desertiicação da loresta desta região. Em 9 de Janeiro de 1459, a vereação e os homensbons defenderam que quem cortasse lenha ou trouxesse paus de pinhal alheio seria penalizado com uma multa de 100 reais, pena que poderia ser reduzida para 10 reais se tomasse apenas pinhas40. Os pinhais eram frequentemente arrendados a quem os cortasse mediante um terço ou metade da lenha, sendo muitas vezes o pagamento efetuado em dinheiro. Cada saca de carvão feita no concelho e cada barca de lenha pagavam um real41. Curioso é o facto da relorestação de pinhal ser motivo de preocupação das entidades locais, tal era o interesse que esta espécie arbórea tinha nesta época. Assim, a correição de 1652 determinava que se semeasse, em cada ano, alqueire e meio de pinhão nos pinhais do concelho de Alcochete, sob pena do pagamento de 10 cruzados de multa aos vereadores, caso não izessem cumprir esta determinação42. A tomada de medidas desta natureza e com este rigor em meados do século XVII, levanos a concluir que o abate sistemático de árvores, pouco controlado ou mesmo clandestino, na margem esquerda do estuário do Tejo durante os séculos XV e XVI, terá delapidado de tal forma a loresta desta região transtagana, que foi necessária a tomada de medidas rigorosas, quer no que respeita ao controlo do abate das árvores e do consumo de lenha, quer no que concerne à prevenção, através da relorestação de algumas espécies. É disso exemplo a relorestação do pinheiro bravo, o que de resto parece ter resultado, pelo menos parcialmente, na medida em que no século XVIII ainda Samouco "estava cercado de vinhas e, por fora delas, matos e pinhais ... dava laranjas, igos e muito vinho, trigo e centeio. Cortavase mato em quantidade, que se vendia em Lisboa, negócio que rendia grosso dinheiro"43. José Estevam, Anais de Alcochete. edição de Couto Martins, Lisboa, 1956, pp. 35-39. Ibidem, pp. 78-79. 40 Ibidem, p. 33. 41 Ibidem, p. 39. 42 Ibidem pp. 51-52. 43 Ibidem pp. 108-109. 38

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Ainda persistem na atualidade, espalhados por toda a extensão espacial em destaque, vários topónimos que atestam as marcas deixadas através dos tempos por uma cobertura arbórea e arbustiva que desempenhou o seu papel histórico num passado mais ou menos remoto, da qual chegaram até aos nossos dias algumas recordações toponímicas, sendo possível a sua observação desde as proximidades de Alcochete até junto do rio Coina. Podemos encontrar designações como o Pinheiro da Cruz, Pinheiro da Cosinha, Pinheiro do Marco, Pinhal de Santos, Pinhal Novo, Pinhal das Formas, Pinhal da Marquesa, Pinhal do Terras e Pinhal do Forno. Podem encontrarse ainda outros topónimos que remetem para outras espécies de vegetação, tais como Soveral e Esteval44. A partir do início do século XVI, avolumase a legislação sobre medidas protecionistas relativas aos pinhais da margem esquerda do estuário do Tejo, sendo cada vez mais clara a alusão à sua importância para a construção naval. Assim, em 1502, 2 de Agosto, é lavrada uma carta régia pela qual é permitido cortar mato nos pinhais do Ribatejo, mas é proibido tirar pinho, sobro, e carrasqueiras. O texto é claro nesse sentido e faz “saber que vendo nós  D. Manuel I como he cousa neçesaria e proveitosa a bem de nossos regnos e a nosso serviço aver hy mujtos pinhaaes de que se possam fazer navios ... determinamos e mandamos que em a villa dalmada cezinbra palmella e couna alhos vedros alcouchete adea guallegua e a todos termos destes loguares e assy em todollos outros lugares de todo o ribatejo e todos seus termos daqui em diante toda e quallquer pessoa de quallquer condiçam e calidade que seia possa tirar e cortar de dentro de todos e quaaesquer pinhaes que nos dictos lugares e seus teermos ouver o mato a saber toyo billoto e todo outro mato ... nam cortando pinho nem Rama delle nem sovaro nem lenha delle porque os pinheiros e os sovaros queremos que seiam guardados como sempre forom Nem isso mesmo nenhuas carrasqueiras ...”45. Em 1536, 19 de Dezembro, é concedida carta de privilégio a D António da Gama para defender os seus pinhais “em termo d´aldea galegua de Ribatejo em a freguesia de nosa senhora se sebonha  ... nos quais pinhaes recebem muita perda por causa da gente baixa e dos muytos escravos que há na terra que colhem as pinhas de maneyra que os pynhaes icam sem ellas por omde sam desbaravados e se despovoam que nam nasem pynheyros tamto que com muita fadygua se pode achar nelles madeyra pera as naos que mamdo fazer que seya booa e asy tramça pera as armadas ...46. De resto, não só pelo teor desta carta, mas por outra informação diversa, tudo indica que a partir da segunda metade do século XVI a madeira existente no Ribatejo, estava longe de satisfazer as necessidades do estaleiro de Lisboa. Assim o conirma um alvará datado de 3 de Outubro de 1565, em que se airma que “além disso há muita necessidade da dita madeira para naus e navios, e assim para o que há de mister Trata-se de informação recolhida junto da Carta Corográfica de Portugal, Instituto Geográfico e Cadastral, M. 7810, Ed. 3, I.G.C.P., julho de 1966. 45 Baeta Neves, op. cit. vol. IV, pp. 184-187. 46 Ibidem, vol. V, 2º fascículo, pp. 134-135. 44


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para as minhas armadas como para o trato da navegação ... e mando os oiciais da Câmara desta cidade de Lisboa e aos oiciais das Câmaras de todas as cidades, vilas e lugares de meus reinos, que façam semear e criar pinhais nos montes baldios dos termos dos ditos lugares ... e naqueles lugares que não forem para pinhais, farão plantar castanheiros, carvalhos e outras quaisquer árvores ...”47. Já cerca de três anos antes, um alvará à Câmara de Abrantes datado de 10 de junho de 1562, proíbe o corte e utilização ilegal da “madejra de sovero pera mynhas naos e navios das matas que estavam da dicta villa e as cortavão e levavão maais do que traziam e faziam dela o que queriam ...”48, e cerca de dois anos depois, em 15 de Abril de 1564, é proibido o abate de sobreiros “ao longo do rio d´allcaçere do sal pera della se fazerem carvão e cinza e pera outras cousas que vay em tamanha devassidão que sy não acha já madeyra de sovaro e sendo muito necesaria pera mynhas naoos e navyos e de meus vassallos e primcipalmente pera as galles que andão na guarda e defensão da costa do Reyno do allgarve ... que se não corte e nem mande cortar sovereira nem faça nem mande fazer carvão nem cinza de sovro desde a dita villa d´allcaçere e seu termo pera baixo ate a foz e barra de setuvel nem ate dez legoas do dito Rio d´allcaçere contadas da borda delle pera dentro do sertão asy da bamda do norte como da do sul ...49. Parece que o sobreiro, mais do que o pinheiro, escasseava cada vez mais na charneca da outra banda. Em 1620, Nicolau de Oliveira referiase à grande quantidade de "souereiros e pinheiros que ha por espaço de vinte e sinco legoas de comprido e tres de largo tudo a vista do Rio, seruindo os souereiros pera as cauernas, e os pinheiros pera as taboas dos costados, e pera as mais obras interiores dos nauios"50., airmações que nos parecem um tanto exageradas, se considerarmos que já nos inais do século XVI era transportada madeira, principalmente de sobro, de regiões bastante afastadas da capital, nomeadamente Abrantes e das margens do rio Sado.

47 Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa, 1ª Parte, Tomo XI, Tipografia Universal, Lisboa, 1901, pp. 51-52. Note-se que, segundo o Livro de Traças de Carpintaria, regimento de construção naval de 1616 da autoria de Manuel Fernandes, para construir uma caravela de doze rumos (12x1,536 metros de quilha), o equivalente à nau S. Gabriel da armada que Vasco da Gama capitaneou com destino à Índia em 1497, eram necessários cerca de 1440 paus de sobro e 279 paus de pinho, para além de 51 dúzias de tábuas utilizadas para outros fins. 48 Ibidem, vol. VI, pp. 34-36. 49 Ibidem, vol. VI, pp. 44-45. 50 Frei Nicolau de Oliveira, Livro das Grandezas de Lisboa, Tratado IV, Lisboa, 1620, pp. 138-139.


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DOC. I51 ANTT, MOSTEIRO DE SANTO-O-NOVO, MÇ.3, Nº 1360 (3 DE ABRIL DE 1450). DECLARAÇÃO DOS BENS QUE O MOSTEIRO DE SANTOS TEM EM ALHOS VEDROS Saibbham quantos este estormento virem que na Era do naçi- / mento de nosso Senhor +Jesu +Christo de mill E quatroçentos E / cimquoenta annos E tres dias do mes d´Abrill em Alhos / Vedros Ribatejo(?) perante aluare anes juiz hordenario em o dicto logo e / em pressença de mim ffernand´alvirz tabeliam de ssenhor Iffante Dom Ffernan / do em a ffreegisia de sam lourenço do dicto logo E em estes lugares desta / comarqua e testemunhas a djante escriptas parreceo uaasquo anes procurador do / moesteiro E conuento de ssantos E disse que elle E uaasquo gomez morador em / a ujlla de coima que no presente estava per mandado de dona breatiz comenda / deira do dicto moesteiro E sseu convento Eram chegados ao dicto logo / per Razam de os / herdamentos que o dicto moesteiro no dicto lugar E sseu termo auja pera sse saber (...)52 quantos Eram E quaes Eram oos herdamentos com que partiam E que por que (...)53 non podiam certamente ssaber se non / per Affomsso Liornardes morador no dicto logo que os dictos beens en nome do dicto / moesteiro Regera E os ffrujtos E Rendas E direitos delles per mujtos annos / E tempos Reçebera E outrosy per lopo uaasquez moradorr no dicto logo porquanto / Eram homeens de longo tempo nados E outrosy per pero bee que dos dictos / beens ssabia parte perbista E outrosy poroen ujda de ssemelhantes pesoas / que porem ffazia Requerimento ao dicto Juiz que fezesse perante ssy bijnr os / ssobredictos Affom Lionardes E lopo uaasquez E pero beem E per Juramento dos santos / avanjelhos lhe fezesse perguntar pella verdade E do que dissesem por bem do Juramento dicto assy o mandasse escreuer a mim dicto tabeliam per ao dicto moesteiro dello antre / huu estormento pera por elle requerer o sseu dreito cada huua uez que lhe / nesseçario fosse a todo tenpo E o dicto Juiz bisto sseu Requerimento ffez logo E / perantessy bijnr o dicto Affomsso lionardes E o dicto lopo uaasquez E o dicto pero / beem E lhes deu a cada huu sobressy Juramento dos santos avanJelhos E lhes mandou que todos tres sse acordassem E per o dicto Juramento dissessem todo / llos herdamentos do moesteiro de santos no dicto logo / de alhos uedros auja E os ssobredictos pello dicto juramento diseram / que elles sabiam en uerdade que o dicto moesteiro auja no dicto logo E sseu termo estes / herdamentos que sse adjante sseguem: Item. primeiramente na demecendo (sic) huua courela / de pinhall que parte ao poente com mato de uaasco ffernandiz E ao levante com mato / d´aluaro gill E o sull com outra courela do dicto moesteiro E a agiam com o mar /. Pergaminho de 118 linhas escrito em gótico cursivo, com partes apagadas e de difícil leitura. Palavra apagada. 53 Palavra apagada. 51

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Item. outrossy na demecendo (sic) outra courela / de pinhall que parte ao sull com mato do dicto uaasquo ffernandiz E ao levante e poente com ho mar / E a agiam com mato d´affomsso Pirez de villa froll. Item. mais aa marinha de Joham biçente outra courela / de pinhall que parte ao poente com vjnha de sant´agostinho E ao levante com o mar / E a agiam com o mar ao ssull com mato de sant´agostinho. Item. mais hua / vjnha velha que traz Rodrigo affomsso que he caminho da caniçeira E parte ao / norte com caminho probico do conçelho E ao levante com caminho probico / do conçelho E ao ssull com mato do dicto moesteiro E ao poente com / baçello de diego martins. Item. no dicto logo Junto com a dicta uinha hua courella de / mato que parte ao sull com ujnha de gonçalo anes tabeliam E a agiam com a dicta uinha E ao poente / com o dicto baçello de diego martijnz E ao levante com caminho probico do conçelho/ Item. mais hua ujnha que traz aluaro esteves que he nas courellas que parte ao sull / com mato d´afomssoo lourenço E ao norte com camjnho da caniçeira E ao levante com / uinha do dicto moesteiro que traz ffernand´estevez E ao poente com ujnha de pero lourenço / da quall ujnha que traz aluaro esteves disse o dicto estevam lionardes que reçebeo o quarto de / Caterina lourenço a gaga. Item. majs a vjnha que traz o dicto ffernand´estevez que foy de gonçalo anes / sarayua que parte ao poente com a uinha que traz o dicto aluaro esteves E ao sull / com mato d´afomsso lourenço E a agiam com o caminho da caniçeira E ao levante / com uinha do dicto moesteiro que traz / aluaro ffernandijz. Item. majs a dicta uinha que traz o dicto aluaro ffernandijz com caminho da canjceira ((ao sull E)) a norte E ao sull com mato / d´afomsso lourenço E ao levante com vinha de pero lourenço E ao poente com vinha do dicto / ffernand´estevez. Item. mais aa praya huua courella de uinha que traz vaasquo anes / besouros que parte ao poente aa praya do mar E ao sull com caminho do conçe- / lho E ao norte com ujnha de santaloy que traz afomsso Pirez salgeiro / E ao levante com ujnha d´aluaro esteves. Item. mais ... que chamam da Lapasinha que traz affomsso ljonardez / de fforo que parte ao norte com caminho probico E ao sull com vinha fforra do dicto / affomsso ljonardez E ao poente com caminho probico E ao levante com vinha do / dicto affomsso ljonardez. Item. mais um baçello que traz pero gomez nas courellas que / parte ao ssull com caminho probico E ao poente com ujnha de lourenço anes carreiro / E ao norte com baçello que ffoy d´aluaro gill E ao levante do dicto pero gomez. Item. mais a uynha que chamam da morçea que traz pero lourenço que parte ao levante / com caminho probico E ao norte com uinha d´afomsso periz E ao ssull com / ujnha de pero gomez E ao poente com ujnha de santagostinho. Item. majs hum / pinhall grande que he no caminho probico que uay d´alhos uedros pera a mouta / parte ao ssull com pinhall de pero lourenço E a agiam com caminho probico E ao / levante com courella de pinhall que trazia aluaro gill do dicto moesteiro E ao poente / com pinhall de santagostinho.


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Item. mais huu pinhall que he do moesteiro que ffoy / de maria gomez caruxa que parte ao ssull com camjnho probico que uay pera pall" / mella E ao levante com pinhall de crara anes E ao norte com pinhall de pero / de serpa E ao poente com pinhall (...)54 . Item. na Rabalba huum py" / nhall que parte ao ssull com o quarto da ujnha Raballba E ao levante com a dicta" / uinha Rabalba E ao norte com camjnho probjco E ao poente com pynhall do dicto moesteiro / E de gonçalo lourenço que he Jucnto E mistigo por partir. Item. mais outro pinhall que ((fez)) he haa ffonte de vertude que parte ao ssull com pinhall d´afomsso anes espada E ao norte com / caminho dos carneceiros E ao levante com pinhall da molher de diego d´ulueira E ao / poente com pinhall de uaçente uaasquez. Item. majs outro pinhall pequeno / que chamam abischal que parte ao ssull / com pinhall de uaçente uaasquez E ao levante com pinhall de lourenço gonçallvez E ao poente com charneca do conçelho E ao norte com charneca que he do dicto / moesteiro E ora he de lopo da cunha. Item. mais outro pinhall pequeno no dicto logo / do bischall que parte ao ssull com pinhall de uaasquo ffernandijz E ao norte com pinhall / de gonçalo lopez baleeiro E ao levante com bergeo do dicto moesteiro de santos he de de lopo da cunha / E ao poente com vjnha de Joham preto. Item. majs huum chaão carrado em que sam ffectas duas / almoynha que parte ao ssull com azjnhaga do conçelho E a agiam com / azinhagaa do dicto conçelho E ao levante com chaao de santaloy E ao poente / com azinhagaa d´erreos. Item. majs outra almoynha ((grande)) que traz uaasquo periz que / parte ao poente com azinhagaa do conçelho E ao levante com chaao do dicto moesteiro de / santos E ao norte com chaao da molher de diego d´ulueira E ao poente com / azinhagaa do conçelho. Item. majs outra almoynha grande que parte ao levante com azinhagaa do conçelho / E ao norte com almoynha d´affomsso domingujjz E ao poente com azinhagaa do conçelho E ao / ssull com camjnho probico. Item. majs outra almoynha que traz afomsso lourenço que parte / ((ao levante)) ao norte com a almoynha do dicto moesteiro que traz uasco periz E ao ssull E levante com cham do / dicto moesteiro E ao poente com camjnho do conçelho. Item. majs huu chaao grande que parte / ao ssull com camjnho do conçelho E ao levante com chaao d´affomsso lourenço E ao ((levante)) norte / com chaao da molher de diego d´ulueira E ao poente com azinhagaa do conçelho. Item. majs / huum fforno de pez que fez lourenço antonio carreiro que esta no dicto chaao. Item. majs hua / bjnha que traz bicente estevez que parte com ujnha de ffernando anes E ao norte com ujnha do / dicto bicente estevez E ao levante com camjnho do conçelho. 54

Leitura impossibilitada pelo vinco da dobra do documento.

Esta obra respeita o novo Acordo Ortográfico


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Item. majs / ((aujnha)) aujnha da Judja que traz uaasquo ffernandijz da tauora Outrossy disseram que o dicto moesteiro tijnha / majs no dicto logo Junctos e mistigos com lopo da cunha pero periz estes beens / que se a djante sseguem. Item. ao quanto de njcollaao Jaz huu pinhall / Item outro pinhall que he aas caluicas de biçente estevez Item. outro pjnhall E charneca que uay da ujnha de uicente uaasquez atee o camjnho / dos carneceiros. Item. outro pinhall que he o uall da agua. Item. majs os pjnhaaes / do uall da amorejra Item os montorios das ujnhas que som aalem do monte do uicuro /. Item. huua charneca manjnha. Item. huua ujnha na barroca. Item. outra ujnha que cha- / mam a Chachora os quaees beens E herdamentos assy decrerados per os ssobre dictos Affomsso / Lionardez E lopo uaasquez E pero bee pello Juramento que (...) o dicto aluaro anes / Juiz disse que elle sabja que Era uerdade todo o que os ssobre dictos diziam asy perbista / como porujda en por que Ja ((de beens)) parte dos dictos beens teuera carrego pello / dicto Affomsso Lionardez que Era sseu ssogro que os em nome do dicto moesteiro de santos / Requeria E de todo esto que´ste presente pagaua o dicto uaasquo anes ((terem)) como rocurador que Era en nome da dicta comendadeira do dicto moesteiro E seu convento pedjo asy que´ste / estormento E o dicto Juiz lho mandou dar testemunhas o dicto Juiz E o dicto uaasquo / gomez E diego uaasquez prioll da Jgreja de sam lourenço do dicto logo E outrosy Eu ssobre dicto tabeliam que este estormento escrevy E aqui (...) probico ssinall fiz que tall (SINAL) he.55.

55

Seguem-se o sinal e a assinatura.


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1.4 ALHOS VEDROS NO CONTEXTO DA MARGEM ESQUERDA DO ESTUÁRIO DO TEJO: UMA PERSPECTIVA ECONÓMICA SÉCS: XIV-XIX1

O

concelho de Alhos Vedros ocupava um extenso território desde as proximidades de Sarilhos Pequenos até Junto de Coina. Recebeu carta de foral em 1514, tornandose o primeiro dos três concelhos manuelinos a autonomizarse e a desmembrar o antigo concelho de Ribatejo, exemplo seguido por Aldeia Galega e Alcochete no ano seguinte, mas com circunscrições territoriais bastante mais reduzidas. A superioridade territorial do concelho de Alhos Vedros relativamente aos seus “irmãos” mais jovens, não se resumia a uma mera questão de espaço. Tratavase de um concelho que ocupava todo o território da parte ocidental do extinto concelho de Ribatejo o mais populoso já nos inícios do século XVI, altura da sua institucionalização, e aquele que apresentava um futuro mais promissor, não só porque estrategicamente se situava mais próximo da cidade de Lisboa, mas também porque nele se concentravam os principais meios de produção da margem esquerda estuarina: o complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro, uma grande concentração de moinhos de maré, um dos maiores núcleos salineiros da margem esquerda do Tejo, abundantes courelas de vinha, hortas, quintas e fazendas, excelentes espaços piscatórios e ainda uma notável reserva arbórea e arbustiva para consumo local e para abastecimento da cidade de Lisboa. Aparentemente, estavam reunidas todas as condições para o sucesso deste concelho, cujo futuro parecia promissor. No entanto, os mesmos requisitos que o tornaram próspero e lhe conferiram o título de concelho ainda antes de receber autonomia administrativa, acabariam precisamente por lhe ser fatais e ditar o princípio de um im inglório que até então não parecia possível. A desintegração surge logo cerca de sete anos depois da sua formação, quando em 1521 é formado o concelho do Barreiro às expensas de uma pequena parcela do seu espaço, o que aparentemente não representava grande perigo, visto que em pouco reduzia o seu território. No entanto, na prática, tratouse do primeiro grande golpe num dos sectores mais importantes deste concelho, pois retiravalhe uma parte signiicativa do acesso aos rios Tejo e Coina, limitando os seus recursos luviais que desde há muito constituíam uma das suas grandes bases de sustentação. Mais tarde, já nos inais do século XVII, foi concedida autonomia administrativa através de cartas de vila ao Lavradio e à Moita em 1670 e 1691, respetivamente, 1 Resumo da comunicação apresentada em 2014 durante o Ciclo de Conferências comemorativas dos 500 anos do Foral de Alhos Vedros (1514-2014): A memória do que foi, o registo do que é, o projeto do que será, pp. 97-103, CACAV, Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros/Grupo de Estudos da História Local, Ed. Imagem Fresca, Alhos Vedros, 2015.


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reduzindo de forma signiicativa não apenas o seu espaço territorial, mas também, e sobretudo, o seu rendimento a uma parcela correspondente a cerca de 15% do espaço por si ocupado anteriormente, enquanto que o recente concelho da Moita constituído às expensas de uma parcela do seu território amealhava 54% do rendimento do referido espaço, o Barreiro 23% e o Lavradio apenas 8%". Na verdade, A existência de uma considerável extensão de esteiros naturais em toda a faixa ribeirinha que viria a ser desanexada do concelho de Alhos Vedros para integrar os concelhos do Barreiro, Lavradio e Moita, facilitou a construção de mais de uma dezena de moinhos de maré, empreendimentos onerosos mas de importância e rendimento elevado para a altura, assim como um considerável número de marinhas que nesse espaço foram sendo construídas. Em ambos os casos, a sua desvinculação do concelho de Alhos Vedros constituiu uma enorme perda dos seus rendimentos. O concelho do Lavradio viu aumentado o seu território para Sul, vindo a anexar os lugares da Telha e Palhais, em cujo espaço registámos cerca de três dezenas de hortas, fazendas, quintas e morgados, e mais de uma centena de vinhas. A posterior desanexação do território correspondente ao novo concelho da Moita viria a estrangular ainda mais o acesso ao rio Tejo e, consequentemente, os rendimentos daí obtidos, nomeadamente o porto da Moita, que não só constituía uma fonte de receita apetecível, como também se viria a tornar num foco dinamizador da economia local a partir do século XVI, com o declínio das travessias pelo porto de Coina, que para aqui passaram progressivamente a ser transferidas. Para além do rendimento do seu porto, no jovem concelho da Moita também existiam marinhas, moinhos de maré, uma considerável reserva arbórea e arbustiva, e mais de 80 courelas de vinha. Mas a decadência do concelho de Alhos Vedros não se deve apenas à redução do seu espaço inicial e à perda dos meios de produção que icaram adstritos aos novos concelhos, mas também à quebra progressiva das fontes de rendimento que existiam no espaço que lhe restou. As fontes indicam que a lenha, carvão e madeira de que este concelho era fornecedor para a cidade de Lisboa foram escasseando com o avançar dos séculos, as marinhas diminuíram a quantidade e qualidade do sal produzido, fazendo com que a propagação da viticultura se tornasse uma alternativa a explorar e a produção de vinho se transformasse numa das principais fontes de riqueza deste concelho. A partir dos inais do século XVI parece terse iniciado um ciclo de estagnação, ou até mesmo de regressão2, na produção de vinho no Ribatejo, pelo menos no que respeita ao concelho de Alhos Vedros, situação que se terá mantido durante quase todo o século XVII, altura em que se notam indícios de inversão dessa tendência. A emergência de um conjunto de situações observadas a partir dos inais do século XVII apelou a um novo incremento deste subsector agrícola, gerando uma corrida à 2 AMM, Livro de Actas do Senado da Câmara de Alhos Vedros, 1666-1683, fls. 298-302. A propósito do desrespeito pelas posturas no que toca à proibição de entrada de vinhos de fora antes de esgotado o vinho local, em vereação de 5 de Junho de 1680, o senado da Câmara de Alhos Vedros reconhecia que “vendo outrossim as vinhas que no tempo em que a postura se fez eram duas vezes mais do que as que há hoje se perderam em razão de se não observar a dita postura e de se não castigarem os violadores dela”.


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exploração de novas terras a partir de arroteamentos e plantação de novos bacelos, enquanto se recuperavam mortórios que durante algum tempo estiveram improdutivos. Este avanço na plantação de vinhas fez com que estas se afastassem cada vez mais da orla ribeirinha, penetrando no interior da charneca, criando novos topónimos de “sítios” e “lugares”, muitos dos quais chegaram aos nossos dias. Simultaneamente, assistese a uma rápida fragmentação da propriedade agrícola: as vinhas proliferam, mas as suas dimensões reduzemse cada vez mais à categoria de courelas de média ou reduzida dimensão. Tratavase de uma forma de melhor rendibilizar o espaço por parte dos proprietários das terras, fragmentandoo para, de seguida, o arrendarem a um elevado número de exploradores, cujos prazos tendencialmente diminuíam de duração, facto que nos parece compreensível, pois facilitava o aumento das rendas no im de cada prazo. Assim, por volta de meados do século XVIII encontramos cerca de 184 vinhas, distribuídas pelos seguintes sítios: Benfadada, Império, Paço, Marzagão, Demendoa, Alfeirão, Ribeirinho, Vale de Grou, Lapazinha, Morçoas, Mortais, Pancas, Lagoa da Pega, Revalva, Horta do Rico, Passagem de Água, Horta da Castelhana, Rio Pequeno, Rio Grande, Vale da Amoreira, Brejos3, Serra, Cabeços, Banheira, Quinta da Machada, Quinta da Água Doce, Sítio dos Fornos desta vila4, Romagem5 e Fonte da Prata.

Existem neste concelho três sítios diferentes com esta denominação. Neste, para além das vinhas dos moradores de Alhos Vedros, existiam as vinhas dos moradores do Lavradio, mas que estavam no termo de Alhos Vedros. Eram bastantes, contabilizámos 17 vinhas nestas condições, ou seja, cerca do triplo das vinhas pertencentes a Alhos Vedros. 4 Trata-se dos Fornos de Biscoito de Vale de Zebro, na margem direita do rio Coina, empreendimento real de importância estratégica para o abastecimento das armadas. 5 Por vezes surge com a designação “Rumagem”, ou “Romagem”, prestando-se a alguma confusão, já que se trata de termos com significados distintos. 3


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ESTIMATIVA DA QUANTIDADE, DISTRIBUIÇÃO, VALOR DAS RENDAS E IMPOSTO COBRADO SOBRE AS VINHAS EM ALHOS VEDROS6 SÍTIO/LOCAL

Benfadada Império Paço Marzagão Bacelo Demendoa Alfeirão Ribeirinho Vale de Grou Lapazinha Morçoas Mortais Pancas10 Lagoa da Pega Revalva Horta do Rico11 Passagem de Água Horta da Castelhana Brejos (1) Rio Pequeno Rio Grande Vale da Moreira Brejos (2) Brejos (3)13 Serra Cabeços Banheira Quinta da Machada Quinta da água doce Romagem Fonte da Prata15 Fornos desta vila16 Totais

TOTAL DE VINHAS

RENDA (EM RÉIS)

DÉCIMA (EM RÉIS)

1 57 48 1 2 1 10 8 3 2 189 6 – 2 várias – 4 3 4 9 11 6 6 16 19 23 18 – 1 1 – – 18417

4.000 15.250 10.000 4.000 15.800 800 14.600 17.300 6.500 3.000 18.200 20.200 – 500 15.000 – 4.000 2.500 53.500 12.700 29.600 10.000 42.000 48.700 91.200 123.900 95.400 – 9.500 16.000 – – 684.150

400 1.525 1.000 400 1.580 80 1.460 1.730 650 300 1.820 2.020 – 50 1.500 – 400 250 5.35012 1.270 2.960 1.000 4.200 4.870 9.120 12.390 9.540 – 950 1.60014 – – 68.415

AMM, Alhos Vedros, Livro das Décimas - 1763, prédios rústicos, fls. 1-55v. Pelo menos cinco vinhas, pois um dos proprietários tinha várias neste sítio. 8 Três delas incultas. 9 Duas das quais lançadas num livro à parte, por serem bens eclesiásticos. 10 O sítio está referenciado no livro dos impostos, mas não constam vinhas. 11 Trata-se de uma fazenda, mas sem referência a vinhas. 12 Estes impostos são também de outros tipos de exploração não especificada. 13 Vinhas exploradas maioritariamente pelos moradores do Lavradio. 14 No valor do imposto inclui-se também uma casa. 15 Uma fazenda, mas não constam vinhas explicitamente. 16 São os Fornos de Biscoito de Vale de Zebro, mas não constam vinhas. 17 Mais de 184, visto que alguns proprietários tinham várias vinhas. 6 7


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PRODUÇÃO DE VINHO REGISTADA NOS LIVROS DO MANIFESTO EM ALHOS VEDROS NOS ANOS 1814, 1818 E 181918 ANOS

1814 1818 1819

PRODUTORES REGISTADOS

ALMUDES

IMPOSTO (EM RÉIS)

27 33 37

145 222 354

27.885 48.339 44.525

No que respeita ao preço dos vinhos, durante o último quartel do século XVII, os preços mantiveram-se estáveis, apresentando até uma ligeira tendência para descida, se bem que pouco signiicativa, mas no início do século XVIII sofreram uma subida acentuada, mantendo a tendência estacionária durante todo o século, à exceção dos sobressaltos esporádicos motivados por anos de más colheitas. Na Moita, por exemplo, os preços do vinho praticados nas diferentes localidades do território concelhio (vila, Sarilhos Pequenos e Quinta de Martim Afonso ou na Nª Senhora do Rosário) eram muito variados. Na Quinta de Martim Afonso, os preços eram sempre superiores aos preços praticados na vila, ou aos de Sarilhos, situação de superioridade que se manteve mesmo depois da separação da Moita do concelho de Alhos Vedros por ter adquirido autonomia administrativa por carta de vila em 1691, como podemos constatar pela relação dos preços do vinho nos concelhos em causa que consta no Quadro respetivo, e porque alguns escrivães continuaram a fazer questão de o realçar já em pleno século XVIII nas atas das reuniões de Câmara que para esse efeito eram realizadas. Em 1730, o senado da Câmara da Moita decidia que o vinho da vila e do lugar de Sarilhos Pequenos seria vendido a 300 réis o almude, enquanto o vinho do sítio de Nossa Senhora do Rosário seria vendido a seis tostões o almude, o dobro, portanto, “por ter sempre grande predicamento”19. Reduzido signiicativamente nos acessos aos rios Tejo e Coina, O concelho de Alhos Vedos procurava desesperadamente cada vez mais virar-se para o seu interior à custa da exploração dos seus produtos lorestais. Porém, com o passar dos séculos os seus pinhais acusavam algum desgaste e a lenha e carvão sofriam uma delapidação progressiva empurrando cada vez mais para o interior e para os concelhos a Oriente a tarefa de principais fornecedores de combustível e madeira para a cidade de Lisboa. Já em vereação de 21 de Janeiro de 1671, o senado da Câmara de Alhos Vedros, que nesta altura ainda incorporava a Moita e termo, lavrava uma postura sobre os tojos e lenhas “dos portos da Moita e mais portos do termo desta vila”, para que os “arrais dos barcos que costumam carregar tojos e lenha de pinho, que nenhuma pessoa tome 18 AMM, Livro do manifesto dos vinhos de Alhos Vedros – Auto de arrolamento e varejo pelas adegas dos moradores da vila e termo nos anos 1814, 1818 e 1819. Por ser de interesse relevante para futuros trabalhos, juntamos em anexo documental estes documentos com uma informação mais detalhada, nomeadamente os proprietários das adegas, as quantidades de vinho em pipas e almudes manifestadas em cada uma, os valores taxados e os fólios dos respetivos livros em que se encontram. 19 AMM, Livro de Atas do Senado da Câmara da Moita, 1726-1731, fl. nº 63. A partir desta altura, surge com frequência o nome “Quinta do Rosário” em substituição de “Quinta de Martim Afonso”.


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lenha, tojo (e) pinheiros que estiverem nos portos deste termo, qualquer quantidade que seja, pouca ou muita, pagará quinhentos reis pagos da cadeia, e esta coima poderá fazer o rendeiro ou qualquer pessoa que ver se fez o dito furto, e esta postura se conservará na forma da postura de quem corta pinheiros ou rama de pinho nos pinhais alheios (...)”20. O tojo era normalmente colhido nos pinhais e charnecas arenosas onde proliferava juntamente com outra vegetação rasteira, sendo constituído em molhos que eram carregados em carretas para os portos ribeirinhos, de onde seguiam em embarcações para a capital onde eram utilizados como combustível nos fornos e nas cozinhas domésticas. Por ser rentável, era comum este negócio ser monopolizado por algumas entidades locais, comprando-o em grandes quantidades. Temos conhecimento de uma escritura feita na Moita em 9 de Fevereiro de 1719, nas casas do comprador António de Oliveira Ximenes, em que este comprou a António da Veiga Correia, também da Moita, 100 milheiros de tojo dos seus pinhais que tinha no termo desta vila, à razão de 400 réis cada milheiro, orçando então o negócio em 40.000 réis. O corte e carrego seriam à custa do comprador21. Quanto à produção de sal no território onde viria a ser institucionalizado o concelho de Alhos Vedros, também aí se formou um núcleo de marinhas. Segundo o arrolamento de 1404 efetuado por Tomé Anes, procurador das donas, o Mosteiro teria nessa altura em Alhos Vedros pelo menos cerca de 45 marinhas22, distribuídas pelos seguintes sítios e lugares: Barreiro, Lavradio, Alvisquer, Estebeira, Alfeirão, Moita, Sarilhos, Esteiro Furado e Quinta de Martim Afonso. Pertencentes a ordens religiosas ou a particulares, estas marinhas conheceram um enorme desenvolvimento cerca de meados do século XV, veriicando-se ainda nos princípios do século XVI um novo impulso na construção de outras marinhas novas em esteiros ou praias ainda não exploradas, o que demonstra que a exploração do sal no Ribatejo continuava a ser uma atividade lucrativa no século XVI, independentemente do centro de gravidade desta atividade económica se ter deslocado, desde então, para as margens do rio Sado23. Contudo, o interesse manifestado em torno do sal neste espaço durante os séculos XIV e XV parece dissipar-se a partir dos inais do século XVI, dando indicadores de que algo estava a mudar no que respeita ao sal na margem esquerda estuarina. A falta de sal para suprir as necessidades da cidade de Lisboa não se devia apenas à quebra da produção nas referidas marinhas e ao aumento do consumo em consequência AMM, Livro de Actas do Senado da Câmara de Alhos Vedros, 1666-1683, fls. 59v, 60. ADS, Cartório Notarial da Moita, cx. 4610, liv. 3, fls. 69-70. A terminologia aplicada à lenha nem sempre era a mesma, variando de local para local, conforme a tradição, nomeadamente no que respeita às ramas extraídas dos pinhais. Em Alcochete, por exemplo, eram designadas por faxinas: 22 IAN/TT., Mosteiro de Santos-o-Novo, cx. XVIII, mç. 3, nº 1368. Segundo a contagem de Joel Silva Ferreira Mata, op. cit, pp. 205-216, o mosteiro teria nessa altura 45 marinhas. 23 Um alvará de 1511, 28 de Julho, alerta a vereação da cidade de Lisboa para a forma indisciplinada como agiam os vendedores de sal na Ribeira, segundo o qual "(...) vos mamdamos emtender acerqua do chaão que na Ribeira ocupavam algumas pessoas com montes de sall que nos parecia que nam devia ally estar nos ditos montes por pejarem a dita Ribeira (...)", in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livros de Reis, vol. IV, Lisboa, 1955, p. 222. 20 21


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do incremento da indústria das pescas neste período, mas também, e sobretudo, ao desvio deste produto para mercados clandestinos e aos abusos dos intermediários que, valendo-se da débil situação dos produtores monopolizavam a compra do sal por preços irrisórios, conseguindo assim enormes lucros. A perda da qualidade do sal das marinhas de Alhos Vedros viria a agravar a situação, visto reduzir o seu preço comparativamente ao sal produzido noutros locais. Muito deste sal, por ser mais grosso e de inferior qualidade, era direcionado para a salga do peixe, não só para a sardinha de Ribatejo, mas também para fora da barra (Peniche). Em 28 de Agosto de 1691, os exploradores das marinhas do “rio de Lisboa”, em consulta ao rei, queixavam-se dos monopolistas e açambarcadores ao senado de que “(…) em esta forma tenham comprado uma grande quantidade de moios, tendo notícia de haver entrado algum navio à barra desta cidade, vão logo ao porto de Belém, e, sendo informados que podem carregar sal, falam com os mestres, buscam os mercadores, a quem vêm remetidos, e, antes de subirem os navios para cima, já trazem ajustado o preço por que lho hão de vender, ganhando duas e três partes, mais daquele por que foi comprado; e tanto é isto assim, que este presente ano um só destes atravessadores comprou nas marinhas de Alcochete, Aldeia Galega e Lavradio mais de cinquenta mil moios pelo preço de 280 réis, e o vendeu, na forma referida, por 720, e outro neste mesmo ano comprou outra grande quantidade em preço de 340 réis e desembolsando somente oitenta mil réis, que deixou de sinal, em o trespasso que fez dele, dentro em três meses, ganhou o melhor de quatro mil cruzados, e desta maneira icam eles, suplicantes, tão prejudicados, que ou lho hão de vender pelo baixo preço por que o compram, ou lhes há de icar em as marinhas, como está há alguns anos (…)”24. Alhos Vedros contava com 138 fogos no cadastro de 1532, aumentando para 300 em 1571, seguida de uma redução acentuada para 183 fogos em 1620 e para 119 em 1798, altura em que parece estabilizar, visto 16 anos antes, em 1782, registar 120 fogos25, apresentando-se, assim, como um dos casos mais expressivos em termos de perda de população desde inais do século XVI, no que concerne às diferentes vilas ribeirinhas da margem esquerda estuarina.

24 Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., T. IX, pp. 231-234. Cerca de 30 anos antes, já o sal de Setúbal para exportação havia sido tributado em 500 réis por cada moio, e em mais 80 réis com aplicação às fortificações de Setúbal. Mas em 1663, passou este novo imposto de 80 réis a ser dobrado, pagando-se 160 réis. Porém, 80 réis só seriam pagos durante os dezasseis anos de paz com a Holanda, enquanto que os outros 80 réis voltariam a ter a mesma aplicação à obra de fortificação. ADS, Arquivo de Almeida Carvalho, cx. 82/23. 25 Rol dos Confessados (1739-1752), Arquivo da Junta de Freguesia de Alhos Vedros.


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BATISMOS, ÓBITOS E CASAMENTOS EM ALHOS VEDROS DURANTE O SÉCULO XVII (POR DÉCADAS)

O gráico referente ao século XVII mostra-nos que só nas décadas de 30, 40 e 70, os óbitos superaram os batismos e, mesmo assim, por uma estreita margem. Porém, no inal do século, as posições tendem em inverter-se, como podemos observar no gráico referente ao século XVIII. BATISMOS, ÓBITOS E CASAMENTOS REGISTADOS EM ALHOS VEDROS DURANTE O SÉCULO XVIII (POR DÉCADAS)26

26

ADS, Registos Paroquiais de Alhos Vedros, cx. 5856, livs. 3, 4, 5, 6 e cx. 5867, livs. 1, 2, 3 e 4.


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Vistos de forma mais pormenorizada, os dados apontam no sentido de que o século XVII se iniciou com uma quebra acentuada de nascimentos neste concelho. O número de batismos baixa de 202 na primeira década para 124 na década seguinte, um decréscimo de cerca de 40%, e embora experimente alguma recuperação na década de 30, volta a baixar para valores bastante baixos nas décadas de 40 e 50, com 64 batismos na primeira e 63 nesta última, menos de 1/3 dos batismos veriicados na primeira década. Por volta de meados do século, os registos de batismos nesta Igreja voltam a experimentar um crescimento continuado até inal do século, só vindo a sofrer novas descidas no século seguinte, como oportunamente veremos. Quanto aos óbitos, estes também sofreram um ligeiro decréscimo desde a segunda década do século XVII (112 óbitos), até à década de 30 (68 óbitos), para iniciar uma subida crescente durante o resto do século, só interrompida na década de 80, para voltar a subir novamente. Os casamentos acompanharam a tendência de descida dos batismos e óbitos durante a primeira metade deste século, à exceção da década de 20, na qual se veriicou uma subida assinalável relativamente às restantes. Durante a segunda metade do século, os registos apontam para alguma estabilidade no número de casamentos observados, se bem que com uma ligeira tendência ascensional. Veriica-se assim, que a primeira metade do século XVII foi dramática em termos de nascimentos para a população de Alhos Vedros. No entanto, apesar do acentuado decréscimo de batismos nesta vila nos primeiros 50 anos deste século, no cômputo geral, o saldo isiológico ainda foi positivo, pois salvo raros momentos nas décadas de 30, 40 e 70, a linha dos batismos superou a dos óbitos, embora de forma pouco significativa. Mas, do ponto de vista secular, a verdade é que ambas as linhas manifestaram uma tendência de subida, se bem que bem mais acentuada a dos óbitos do que a dos batismos. Os dados dos gráicos mostram-nos que, após uma ligeira subida nas primeira e quarta décadas do século XVIII, os nascimentos diminuíram de forma acentuada até ao início da década de 80, altura em que voltam a mostrar alguns sintomas de recuperação, sendo essa tendência contrariada apenas na década de 40. Quanto aos óbitos, depois de um início de século prometedor com uma descida acentuada, estes voltaram a subir nas décadas de 30 e 50, descendo signiicativamente nas duas décadas seguintes para retomar a tendência de subida a partir da década de 80. De certa forma, e salvo raras exceções, a curva dos óbitos mantém-se quase sempre acima da curva dos batismos, dando-nos um quadro verdadeiramente negativo da população desta vila durante o período por nós estudado. Pensamos que a conjugação deste conjunto de fatores, quer de natureza económica, quer político-administrativa, aliado às intempéries que muito se izeram sentir direta ou indiretamente neste período, justiicam em parte a regressão populacional observada nesta vila. Até porque também em Alhos Vedros encontramos casas demolidas no ano de 1762 em praticamente todas as ruas, se bem que não de forma tão acentuada como na vila de Coina, o que signiica que também aqui o terramoto terá deixado as suas marcas.


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Assim se compreende que, nos inícios do século XIX, cerca de 50 anos antes da sua extinção, o rendimento do concelho de Alhos Vedros se tenha reduzido a uma parcela correspondente a cerca de 15% do espaço por si ocupado anteriormente, enquanto o recente concelho da Moita constituído às expensas de uma parcela do seu território amealhava 54% do rendimento do referido espaço, o Barreiro 23% e o Lavradio apenas 8%".


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1.5 MOINHOS DE MARÉ NO ATUAL CONCELHO DO BARREIRO: O MOINHO PEQUENO DE ALBURRICA, ESTADO DE CONSERVAÇÃO, RESTAURO E APROVEITAMENTO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO NOTA PREAMBULAR1

O

nosso interesse pelos moinhos de maré desta região vem já de há bastante tempo atrás, e inserese num contexto mais amplo: o interesse pela História Regional e Local. Na verdade, a partir de alguma pesquisa efetuada sobre o contributo da margem esquerda do estuário do Tejo para a expansão portuguesa, detetámos a existência de um considerável número de moendas2 num espaço relativamente exíguo que, considerando a sua localização próxima da cidade de Lisboa e a época em que a sua construção proliferou com mais evidência, tudo indica o seu impulsionamento estar relacionado com o arranque e progresso dos descobrimentos e da expansão portuguesa. Tecnologicamente, a instalação e a proliferação destes instrumentos moageiros, representou um salto, simultaneamente qualitativo e quantitativo. Mais avançados do que as tradicionais atafonas, e mesmo do que as azenhas, estes instrumentos possibilitavam a multiplicação dos engenhos de uma forma nunca vista. Para além de poderem funcionar durante todo o ano, ao contrário de algumas azenhas luviais cujo funcionamento estava dependente do caudal dos rios em que se encontravam, os conjuntos de mós poderiam ser tantos quanto as possibilidades do investidor. De qualquer das formas, o número de moendas oscilava entre as três e as dez, pelo menos na região que nos propomos estudar. O facto destes complexos moageiros se situarem nos estuários dos rios, trazia múltiplas vantagens. Os espaços circundantes são normalmente planos, facilitadores do transporte dos cereais e das respetivas farinhas, as águas são calmas permitindo a sua laboração mesmo durante os invernos mais rigorosos, bem como a circulação lúviomarítima dos cereais e do produto inal: a farinha. Por outro lado, é junto da foz dos grandes rios que crescem as grandes cidades consumidoras dos produtos de primeira necessidade, de entre os quais o pão se torna um elemento imprescindível. É neste contexto, e considerando a atividade desenvolvida pela cidade de Lisboa durante os séculos XV e XVI, que deve ser compreendida a proliferação de certas indústrias na sua periferia, e em particular, a indústria moageira na margem esquerda do estuário do Tejo.

Estudo apresentado à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa durante um seminário sobre Património Cultural no âmbito dos estudos pós-graduados, sob orientação dos Professores Doutores Pedro Gomes Barbosa e João Carlos Senna Martinez, em maio de 1998, altura em que a regionalização era um dos “pontos quentes” da agenda política, pelo que deverá ser interpretado no seu devido contexto. Volvidos cerca de 20 anos, o Moinho Pequeno não foi recuperado, funcionando desde 2019 como um centro interpretativo da indústria moageira no atual concelho do Barreiro. A apresentação do texto na íntegra passados cerca de vinte anos, prende-se com o interesse que eventualmente possa ter o inquérito feito aos alunos sobre o conhecimento, natureza e funções dos moinhos de maré. 2 Designa-se por moenda o conjunto das duas mós que são acionadas pelo rodízio. Assim, um moinho de maré podia ter várias moendas, raramente menos de três. 1


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INTRODUÇÃO

A

nossa proposta de trabalho visa uma abordagem aos moinhos de maré do atual concelho do Barreiro numa dupla perspetiva: patrimonial, na medida em que pretendemos fazer o levantamento de todos os moinhos já detetados neste concelho, dos que se encontram ainda em estado de restauro e, de entre esses, aqueles que merecem prioridade, na medida em que é nosso objetivo procurar aferir da empatia existente entre a população desta localidade e esse património em acelerada degradação. Para consumar tais desígnios, é nossa intenção efetuar uma breve retrospetiva histórica sobre os moinhos de maré existentes na margem esquerda do estuário do Tejo, o seu funcionamento e interesse não só para as populações locais, mas também pelo seu contributo para a cidade de Lisboa e para a Expansão Portuguesa, bem como o seu peso na economia da região. Para que tal seja possível, tornase imprescindível efetuar o levantamento dos moinhos que terão funcionado na circunscrição geográica que compreende o atual concelho do Barreiro e antes ao concelho de Alhos Vedros. Por outro lado, procuraremos estabelecer contactos com algumas entidades locais, nomeadamente a autarquia, no sentido de saber qual o ponto da situação e as medidas que tencionam tomar em relação a esse património, bem como inquirir junto das Escolas, e outras instituições se nos for possível, de forma a saber do seu estado de conhecimento sobre essa temática, o seu interesse históricoafetivo e medidas preconizadas, ou seja, qual a relação existente entre esse Património e os cidadãos que com ele partilham o fator proximidade. Sem pretendermos entrar em aspetos demasiadamente técnicos, visto não serem do âmbito do nosso estudo, tentaremos esboçar um plano que contemple um conjunto de medidas a tomar a curto e médio prazo, com vista à recuperação de parte desse acervo documental, antes que desapareça deinitivamente. As nossas pretensões consubstanciamse, numa última instância, num desígnio mais amplo e profundo: tentar dar um humilde contributo para o estreitamento das relações socioafetivas entre as instituições e a população local em geral, e o seu património cultural, facto que só nos parece possível a partir do conhecimento, preservação e divulgação desse património. A Escola deverá ter um papel decisivo nesta tarefa.


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BREVE ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

A

origem dos moinhos de maré permanece obscura, não sendo por isso mesmo possível conhecer as suas origens e a evolução das técnicas iniciais. Parece, contudo, inscreverse no conjunto das necessidades de subsistência e na vontade de as superar, a partir de fenómenos de assimilação de experiências técnicas mais ou menos regionais. O que estes instrumentos de farinação têm de característico, e é essa uma das razões do nosso estudo é, por um lado, a possibilidade de aproveitamento da energia das marés para pôr em funcionamento os rodízios horizontais durante a vazante, a partir da passagem da água que durante a enchente se acumulou na caldeira, escapando às técnicas tradicionais das atafonas e das azenhas e, por outro, o volume de produção farineira possível a partir desta técnica moageira, muito superior, sem dúvida, às técnicas hídricas tradicionais. O facto de se situarem nos estuários dos rios, zonas de esteiros naturais por excelência, facilitava bastante os transportes, quer do trigo, quer das farinhas, quer mesmo das pessoas e bens. Isto parecenos importante, e terá funcionado dialeticamente, na medida em que é precisamente junto ao estuário dos grandes rios que se desenvolveram mais rapidamente as grandes cidades, onde Lisboa não é exceção. Não obstante o aproveitamento dos esteiros naturais para a construção das caldeiras, a construção destes moinhos implicava um investimento oneroso, razão porque a sua ediicação aparece sempre ligada a pessoas com poder económico e de estatura social elevada.


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OS MOINHOS DE MARÉ NO ATUAL CONCELHO DO BARREIRO

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emonta pelo menos ao século XIII a construção destes complexos de farinação na margem Sul do estuário do Tejo, e só nos espaços do atual concelho do Barreiro e do concelho do Seixal já foram detetados cerca de vinte e quatro instrumentos desta natureza, situandose doze em cada um dos limites atuais dos respetivos concelhos. No que respeita ao atual concelho do Barreiro, e é sobre esses que recai o âmbito do nosso estudo, apenas é possível localizar com precisão uma dezena, sabendose, no entanto, da existência de outros dois a partir de referências documentais, cuja localização não foi ainda possível apurar.3 A relação que se segue reportase aos moinhos já identiicados, cuja documentação fornece elementos de bastante interesse:

Moinho de Alcoitão ou Alcotarém: Este moinho situase junto ao Lavradio, sabese que pertenceu a Brás Afonso de Albuquerque,4 que o arrendou a Fernão Dias em 1578. Provavelmente é o mesmo que Duarte Galvão reediicou na sua Quinta no Lavradio em 1509, onde seu pai, Rui Galvão já teria ediicado outro.

Moinho do Braamcamp: A informação sobre este moinho recua até meados do século XVIII, altura em que Vasco Lourenço Veloso, seu proprietário, procedeu à sua reediicação, na medida em que o terramoto de 1755 o teria destruído. Este moinho tinha na altura sete moendas, passando a ter dez por decisão de Geraldo Braamcamp, Barão do Sobral e seu posterior proprietário5.

Moinho do Cabo: Sabese da sua existência desde 1534.6 As suas ruínas são ainda bem visíveis em Alburrica. Pertenceu a Bastião Rodrigues e sua mulher, os quais pagavam à Ordem de Santiago a renda anual de 24 alqueires de trigo. Teria quatro engenhos, mas presentemente apresenta oito entradas, o que signiica que terá sido aumentado o número de moendas, uma forma de tentar superar a crescente necessidade de pão nesta localidade. Moinho Grande: Também denominado da Serração ou do Burnay, é o menos documentado de todos eles, mas a sua existência remonta pelo menos a 1652, altura em que era propriedade de Manuel da Cunha, idalgo da casa d´ElRei.7 É de realçar o excelente trabalho de investigação desenvolvido pela Drª. Ana C. S. Leal neste campo, graças ao qual tem sido possível aprofundar o conhecimento sobre os moinhos de maré no concelho do Barreiro. 4 Brás Afonso de Albuquerque era filho de Afonso de Albuquerque, vice-rei da Índia que, para além da Casa dos Bicos em Lisboa e da Quinta da Bacalhoa em Azeitão, possuía ainda a Quinta do Meloal no sítio do Lavradio. Cf. Ana C. S. Leal, «Abordagens Documentais para a História dos Moinhos do Barreiro», in Um Olhar Sobre o Barreiro, nº 2, 3ª série, Barreiro, Ed. Augusto Valegas, novembro de 1993, pp. 5/6. 5 Ana C. S. Leal, op. cit., pp. 7/8 6 IAN/TT. B50-171, Visitação à Vila do Barreiro, 1534 7 Cf. Ana C. S. Leal, op. cit. p. 13 3


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Moinho Pequeno: Já é possível recuar até meados do século XVII a data da sua existência, embora permaneça incógnito o momento da sua construção. Em Março de 1652, foi arrendado um moinho de maré de três engenhos por três anos que fez D. Antónia de Morais a João de Carvalho8.

Moinho da Verderena: Segundo a informação disponível, Gaspar Correia teria ediicado um moinho de maré na Verderena em 1484, ainda dentro dos limites de Alhos Vedros, já que a autonomia administrativa do Barreiro só foi adquirida em 1521 através de Carta da Vila passada por D. Manuel, precisamente no último ano da sua vida. Curiosamente, em carta de aforamento datada de 1521, já se faz referência aos moinhos de Gaspar Correia9, indiciando a existência não de um, mas de dois moinhos na Verderena. conirmase mesmo a fusão de dois moinhos, um de cinco moendas e outro de seis, numa unidade moageira de razoável envergadura. Presentemente, apenas se podem localizar os seus vestígios.

Moinho do Duque: Desconhecese a data da sua ediicação, mas a sua localização situase no lugar da Telha, freguesia de Santo André, e pertenceu ao Duque do Cadaval a que se deve o seu nome10. Tinha seis moendas, barco, casa de residência e moleiro, e presentemente pertence à Parceria Geral de Pescarias, já que se encontra nos seus terrenos.

Moinho do Maricote: Infelizmente já desaparecido, localizavase na praia da Telha, e teria sido mandado construir por Pedro Anes Cota, em princípios do século XVI. Tudo indica ser uma unidade de três engenhos, pois é essa a referência que nos chegou a partir dos inais do século XVIII11.

Moinho de Palhais: Recua pelo menos ao século XV as referências documentais sobre este moinho. Pertenceu a Pero Mealheiro em 1485, e faz referência a seis pedras moendas desde 161412. Moinho D´El-Rei: Remonta provavelmente ao século XV a data da sua ediicação, na medida em que o complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro, ao qual pertencia, terá sido construído na segunda metade do referido século. O primeiro documento a fazerlhe referência tratase de um alvará de 1574 citando um moinho de três Cf. Ana C. S. Leal, (...) Inventário feito em março de 1652. Trata-se precisamente do moinho de maré que nós consideramos reunir todas as condições para que seja urgentemente restaurado, bem como toda a área envolvente. A estrutura de alvenaria encontra-se em razoáveis condições, o local é excelente e enquadra-se no conjunto "patrimonial" de Alburrica. 9 Cf. Ana. C. S. Leal, op. cit., p. 19 10 Ibidem, p. 23 11 Ibidem, p. 25 12 Margarida Leme, «Um Moinho do Século XV», in Um Olhar Sobre o Barreiro, nº 5, 3ª série, Barreiro, Ed. Augusto Valegas, dezembro de 1997, pp. 5-8. 8


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moios de trigo ... nos moinhos e fornos de Vale de Zebro13. Este moinho tinha oito moendas e alimentava vinte e sete fornos de biscoito, imprescindíveis para a alimentação das tripulações das armadas portuguesas durante os descobrimentos e expansão portuguesa. Existem, no entanto, referências a moinhos de maré desde o século XIII no espaço que compreende atualmente o concelho do Barreiro, mais propriamente junto a Coina, cujos vestígios desapareceram tornando diícil discernir a sua localização e respetivas características. Todavia, parece conirmarse a existência de pelo menos mais dois destes engenhos a partir do século XIII nesta circunscrição administrativa, elevando para doze o número de moinhos de maré neste concelho, e para cerca de cinquenta e quatro o número de moendas. Admitindo uma produção de 300Kg/moenda/dia, parece poder airmarse estarmos na presença de um complexo moageiro de grande envergadura, a rondar uma produção farineira diária de cerca de dezasseis toneladas14.

IAN/TT, Mosteiro de Santos, cx. XXI/1874. Nesta circunstância, e dado que apenas se conhece o número de moendas de dez moinhos, dos doze aqui referidos, optámos por multiplicar por três moendas por cada um dos restantes engenhos não identificados. De resto, esta é a lógica seguida por especialistas nesta matéria. Cf. Jorge Custódio, «Apontamentos sobre os Moinhos de Maré do Esteiro de Coina e sobre o Moinho Pequeno da família Costa», in Um Olhar Sobre o Barreiro, nº 1, 2ª Série, Barreiro, Ed. Augusto Valegas, junho de 1989, p. 25. 13

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O MOINHO PEQUENO DE ALBURRICA:

Estado de conservação, restauro e aproveitamento didático-pedagógico

C

omo atrás foi referido, conhecese a existência deste moinho desde meados do século XVII, altura em que foi arrendado por três anos por D. Antónia de Morais a João Carvalho, cujo inventário contempla “três segurelhas com seus três veios, três tresdados com três cruzetas de bronze, três engenhos dois deles alveiros e um do meio castelhano, e tem as pedras de três palmos e meio de altura e outro tem as paredes três palmos.15 A ideia de recuperação desta unidade moageira aparece já assinalada nos inais da década de oitenta, altura em que a sua proprietária Drª Maria Alice Costa de Araújo Faria e Castro terá feito uma proposta ao IPAI Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial, no sentido da sua recuperação e musealização 16. Neste sentido, esta associação terá desenvolvido alguns esforços e conseguido alguns apoios "para tornar realidade uma aspiração de longa data da Câmara e do povo do Barreiro: devolver à comunidade um espaço paisagístico, conferindolhe de antemão uma função cultural" 17. O projeto estaria então a ser encomendado de forma a iniciaremse as obras ainda nessa década, não só para a reconstrução do ediício do moinho, mas de todas as estruturas anexas casa de habitação e armazéns de farinha. Contudo, o caso parece terse complicado a partir de uma contenda sobre a caldeira do moinho, entre a sua proprietária e a Administração do Porto de Lisboa, cuja sentença do Supremo Tribunal Administrativo resultou favorável a esta última, passando o espaço a partir de então, a ser considerado do domínio público marítimo, sendo desmontadas a comporta e as estruturas da represa que se encontravam junto às paredes do moinho, com base numa legislação do século passado, e de certa forma obsoleta18. De qualquer forma, e considerando que o problema parece ter sido deinitivamente sanado, a coniar em informações por nós obtidas junto de entidades ligadas à autarquia19, o que na realidade nos preocupa é precisamente o facto de tudo continuar na mesma, à exceção das estruturas do moinho, as quais lentamente se irão inevitavelmente destruindo pela ação erosiva dos agentes da natureza a que estão expostas. Ali bem perto jazem os destroços de outros moinhos, dos quais já pouco resta, enquanto que de outros, já nem vestígios visíveis existem. Inventário feito em 20 de março de 1652, ADS, Notarial Barreiro, I/4. Cf. Jorge Custódio, «Apontamentos sobre os Moinhos de Maré do Esteiro de Coina e sobre o Moinho Pequeno da família Costa», in Um Olhar Sobre o Barreiro, nº 1, 2ª Série, Barreiro, Ed. Augusto Valegas, junho de 1989, pp. 27/28. 17 Cf. Jorge Custódio, op. cit. p. 27 18 De acordo com um decreto de 6 de novembro de 1830, confirmado por outro de 31 de dezembro de 1864, que considerava bens da nação os portos, canais e rios navegáveis, declarando extintos os direitos dos particulares sobre esse património, não tomando em consideração o interesse histórico e paisagístico de alguns aspetos específicos, como o caso particular das caldeiras dos moinhos de maré. 19 Referimo-nos a informações obtidas junto de entidades ligadas ao pelouro da cultura da Câmara Municipal do Barreiro, as quais afirmaram que o problema não consistia, de momento, em questões de ordem legal, nem tão pouco por falta de projeto. Até porque existia um projeto que constava do restauro do moinho, com seus apêndices, bem como da caldeira, para dela construírem um "lago" de recreio onde pequenas embarcações seriam colocadas à disposição de crianças que ali efetuassem visitas. O problema parecia ligar-se à falta de verbas para a sua concretização. 15

16


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MOINHO PEQUENO NOS ANOS 90 DO SÉCULO XX (FIGS. 1, 2 E 3), E CENTRO INTERPRETATIVO DA INDÚSTRIA MOAGEIRA NO ATUAL CONCELHO DO BARREIRO (FIG. 4)

FIGURA 1 Frente

FIGURA 2 Frente

FIGURA 3 Caldeira

FIGURA 4 Estrutura atual


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DUAS PALAVRAS ACERCA DO RESTAURO DO MOINHO PEQUENO

D

o nosso ponto de vista, os motivos apontados para retardar o restauro do moinho pequeno não nos parecem suicientemente claros, e muito menos impeditivos da realização das respetivas obras. Na verdade, e embora reconhecendo a existência de algumas lacunas durante muito tempo em termos de legislação sobre o património cultural, parecenos, no entanto, que atualmente existem normativos legais que, se bem que não contemplem a cobertura das despesas de restauro, pelo menos obrigam as entidades proprietárias e envidar esforços no sentido de evitar a sua degradação. Referimonos concretamente à Carta de Veneza, aprovada em maio de 1964 e publicada em 1966, e mais especiicamente aos DecretosLei nº 117/97 e 120/97, os quais criam o Instituto Português de Arqueologia IPA, e o Instituto Português do Património Arquitetónico IPPAR respetivamente, com vista a salvaguardar casos desta natureza 20. Com a mesma intenção, dando cumprimento às funções para que foi criado, e no respeito pelas diretivas da Comunidade Europeia e pelo Ministério da Cultura, vem o IPA dar cobertura ao DecretoLei nº 186/90 e ao Decreto Regulamentar nº 38/90 através de um memorando sobre o processo de avaliação de impacte ambiental na vertente do Património Arqueológico. Assim sendo, não nos parece de todo compreensível que as infraestruturas que são objeto do nosso estudo permaneçam em estado de impasse, havendo o conhecimento, e provavelmente a consciência, de que com o passar dos anos, este exemplar ique tal como tantos outros, reduzido a meros destroços. Ao contactar algumas entidades autárquicas ligadas ao pelouro da cultura e ao património e restauro, foinos referido, e mesmo mostrado, um projeto cuja inalidade seria então a recuperação do ediício do moinho, bem como das estruturas anexas. A ideia consistia, em termos gerais, em recuperar as infraestruturas daquele complexo moageiro de forma que nele funcionasse uma exposição permanente. O ediício principal serviria de expositor permanente para materiais relacionados com aquele tipo de moagem, enquanto que os ediícios anexos seriam indicados para a exposição de outros materiais, também relacionados com a História do Barreiro atual. A caldeira do moinho, seria recuperada, não para a inalidade original – reservatório de água para, na vazante, pôr em funcionamento os rodízios – mas para um pequeno lago, no qual seriam colocadas pequenas embarcações para diversão das crianças que por ali passassem em visitas de estudo 21. Referimo-nos mais concretamente à criação do IPA e do IPPAR, os quais consagram nos seus conteúdos os parâmetros normativos legais, de forma a evitar que situações dúbias que lesem o património cultural possam persistir. 21 Este projeto de restauro, para além de não passar do papel há imenso tempo, não recupera o edifício para a função que foi criado. Da mesma forma, o meio em que está inserido fica descaracterizado, contrariando a noção que os especialistas têm atualmente sobre o restauro do património. Refira-se o Decreto-Lei nº 120/97, Art. 2º, alínea a) e seguintes, a propósito dos cuidados a ter sobre o património classificado e em vias de classificação, bem como as respetivas zonas de proteção. in Diário da República, I Série-A, 16-5-97, p. 2422. 20


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A nossa proposta sobre esta problemática questão diverge substancialmente da proposta autárquica. Diverge porque partimos do princípio que recuperar é restaurar o ediício tornandoo funcional, a exemplo de outros trabalhos já desenvolvidos nesta área por outras autarquias colaterais; diverge ainda porque consideramos que o meio envolvente carece de um reajustamento em conformidade com a natureza das funções que terão dado vida àquele espaço em épocas de pleno funcionamento da indústria moageira na zona de Alburrica. Desta forma, e tendo consciência dos elevados custos que envolve o restauro dos ediícios do moinho e seus anexos, bem como da respetiva caldeira e do meio envolvente, consideramos viável um projeto que contemple a recuperação desse património de forma a devolver à população local, ou aos visitantes, uma unidade mais ampla e complexa, na qual o moinho de maré possa farinar segundo os métodos tradicionais. Para apoiar as despesas de manutenção, seria construída uma marina a Sul da área protegida, aproveitando para o efeito um pequeno rio que aí terá existido denominado por rio do Cabo de Pero Moço22. Desta forma, recuperavase o património construído, protegiase o meio envolvente de forma a manter a traça original e, simultaneamente, reservavase a parte Sul para a construção de uma marina, a qual funcionaria com polo de atração e desenvolvimento turístico daquela zona da cidade, atualmente bastante degradada, quer em termos socioeconómicos, quer no que respeita ao património ambiental. Reirase a este propósito, que esta forma de rentabilizar o património parecenos uma ideia claramente aceite por vários especialistas nesta matéria: " ... los restos del pasado coniguran un depósito de recursos potenciales a nuestro alcance para ser utilizados en el presente y en el futuro para el desarrolo cultural de nuestra sociedad." 23.

Cf. Ana de Sousa Leal, «Marinhas e Moinhos no Cabo de Pero Moço-1487-1592)», in Um Olhar Sobre o Barreiro, nº 4, II Série, Barreiro, ed. Augusto Valegas, abril de 1991, pp. 3-8. 23 Cf. Josep Ballart, in El patrimonio histórico y arqueológico: valor y uso, Editorial Ariel, Barcelona, 1997. Referindo-se a Lipe, 1984, o autor insiste na ideia de que o património não deverá ser entendido como um fim em si mesmo, mas sim como um meio de desenvolvimento social e cultural, de uma localidade, região ou país. 22


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PATRIMÓNIO E COMUNIDADE: UMA ALIANÇA NEM SEMPRE POSSÍVEL

S

eguindo o nosso raciocínio proposto inicialmente, procurámos junto da população escolar do ensino secundário em duas escolas diferentes do concelho do Barreiro, saber qual o seu estado de conhecimento acerca dos moinhos de maré. A nossa sondagem abrangeu 110 alunos do secundário de dois níveis de ensino diferentes, 10º e 12º anos respetivamente, tratandose de 78 alunos da Escola Secundária de Santo André, e 32 alunos da Escola Secundária dos Casquilhos, embora o tratamento dos dados reúna os alunos por níveis de ensino e não por escolas, por nos parecer mais correta essa associação em função dos objetivos do trabalho. Procurouse que as questões colocadas no inquérito fossem suicientemente abertas, de forma a não inluenciar nas respostas, deixando para a fase de tratamento dos dados o agrupamento por tendências, também gerais, mas elucidativas quanto aos objetivos pretendidos. Assim, e de entre as várias questões colocadas quanto aos moinhos de maré, as quais não serão tratadas neste trabalho por uma questão de simpliicação, destacámos quatro grandes grupos de resposta ampla: 1 o que são; 2 qual a sua função; 3 séculos em que funcionaram; 4 locais onde se possam encontrar. Seguidamente, e em função das respostas obtidas, foinos possível elaborar subgrupos de forma a possibilitar o seu tratamento estatístico, procurando saber quanto ao primeiro grupo, a frequência dos alunos que relacionavam estes instrumentos com a força hidráulica, ou se, pelo contrário, os relacionavam com a força eólica, bem como os que deram outras respostas, ou simplesmente não responderam. Em relação ao segundo grupo, qual a sua função, procurámos saber quantos alunos relacionavam os moinhos de maré com a moagem de cereais, com outras funções, ou os que não responderam. No terceiro grupo, séculos em que funcionaram, tentámos a localização destas unidades no tempo, a partir das seguintes divisões temporais: até ao século XIV, séculos XV a XIX, século XX, e os que não responderam. No que respeita ao grupo quatro, locais onde se possam encontrar, dividimos as respostas da seguinte forma: os que os situavam junto ao mar, os que os situavam nos estuários dos rios Tejo e Coina, os que os colocavam junto dos rios, outras respostas e, os que também não responderam. Desta forma, obtivemos os seguintes quadros estatístico:


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QUADRO I MOINHOS DE MARÉ O QUE SÃO?

Relação com energia hidráulica Outras respostas Não responderam TOTAL

12º ANO

10º ANO

NÚMEROS ABSOLUTOS

N.º DE ALUNOS

%

N.º DE ALUNOS

%

ALUNOS

%

33 9 4 46

71,7 19,6 8,7 100

26 10 28 64

40,6 15,6 43,8 100

59 19 32 110

53,6 17,3 29,1 100

Esta tabela foi obtida com base nas respostas de alunos de dois níveis de ensino diferentes, 12º e 10º anos respetivamente, e apresentam valores signiicativamente diferentes em função precisamente dos níveis em questão. Na verdade, enquanto que 71,7 % dos alunos do 12º ano de escolaridade relacionaram os moinhos de maré com o aproveitamento de energia hidráulica, para os alunos do 10º ano os valores baixaram extraordinariamente para os 40,6 %. Da mesma forma, 43,8 % dos alunos do 10º ano não esboçaram qualquer tipo de resposta, face a apenas 8,7 % do 12º ano. Estes dados revelam em primeiro lugar uma tendência, quanto a nós preocupante, de uma generalizada falta de informação quanto ao assunto em questão, na medida em que, e considerando os valores absolutos, apenas 53,6 % dos alunos inquiridos soube relacionar estes instrumentos, tão característicos do Barreiro e Seixal, com o aproveitamento da energia hidráulica. Esta preocupação parecenos ainda mais grave pelo facto de se tratar de uma questão que toca o elementar, reveladora da insuiciente divulgação desta área do património local, quer pelas entidades diretamente com ele relacionadas – referimonos às autarquias e ao IPPAR/IPA – quer pelas Escolas e pelas próprias famílias dos alunos. Depois, são notórias as diferenças de um para outro nível de ensino. Se considerarmos que, em média, apenas distam dois anos entre eles, parecenos digno de relexão quanto importantes são esses dois anos na maturação intelectual, aliás demonstrada não apenas na superior percentagem das respostas corretas, mas também na tentativa de encontrar respostas a partir do raciocínio dedutivo. QUADRO II MOINHOS DE MARÉ QUAL É A SUA FUNÇÃO?

Moagem de cereais Outras funções Não responderam TOTAL

12º ANO

10º ANO

NÚMEROS ABSOLUTOS

N.º DE ALUNOS

%

N.º DE ALUNOS

%

ALUNOS

%

37 3 6 46

80,5 6,5 13,0 100

23 6 35 64

35.9 9,4 54,7 100

60 9 41 110

54,5 8,2 37,3 100


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Também os resultados desta tabela revelam as tendências veriicadas no quadro anterior, quer no que concerne aos baixos valores obtidos face a uma questão que, no nosso entendimento, também nos parece elementar, quer no que respeita às enormes diferenças de respostas certas em termos percentuais entre os dois níveis de ensino inquiridos: 80,5 % para os alunos do 12º ano, contra 35,9 % para os alunos do 10º ano de escolaridade. Mais uma vez os resultados absolutos tocam a esfera do preocupante, principalmente se tivermos em consideração que existe uma conotação algo direta entre o nome do instrumento e a função desempenhada. Mais preocupante se torna ainda quando se trata de uma atividade que desempenhou tão importante função na região em que estas escolas se situam, e cujos instrumentos proliferaram nas margens dos rios que banham a atual cidade do Barreiro. Reparese que, em 64 alunos do 10º ano, 35 não responderam a esta questão, o que equivale a dizer que 54,7 % destes adolescentes com idades compreendidas entre os 15 e os 16 anos, não faz a mínima ideia do que se trata quando nos referimos aos moinhos de maré. QUADRO III MOINHOS DE MARÉ SÉCULOS EM QUE FUNCIONÁRAM

Até ao século XV Séculos XVI-XIX Século XX Não responderam TOTAL

12º ANO

10º ANO

NÚMEROS ABSOLUTOS

N.º DE ALUNOS

%

N.º DE ALUNOS

%

ALUNOS

%

6 25 3 12 46

13,0 54,4 6,5 26,1 100

7 5 7 45 64

10.9 7,8 10,9 70,4 100

13 30 10 57 110

11,8 27,3 9,1 51,8 100

No que respeita à época em que estes instrumentos de farinação terão funcionado, as respostas ou a ausência delas, são ainda mais alarmantes, principalmente e mais uma vez, no que se reporta ao 10º ano. Compreendese que existe um nexo de ligação nas respostas destes quatro grandes grupos. Um aluno que não sabe o que é um moinho de maré, não sabe provavelmente onde se possam encontrar esses meios de produção, como não sabe a época de funcionamento bem como a sua utilidade. Mas, neste caso, o que nos parece verdadeiramente preocupante é que a percentagem dos alunos do 10º ano que não responderam disparou para 74,4 %, revelandose muito mais esclarecidos os alunos do 12º ano como provam os resultados: 54,4 % consideraram que terão funcionado principalmente entre os séculos XVI e XIX, o que corresponde de facto ao período de maior intensidade produtiva dos moinhos de maré. Também no que concerne aos locais onde terão funcionado, e onde ainda existem as suas ruinas na maioria dos casos, as respostas mantiveram a tendência geral manifestada nos quadros anteriores: uma maior frequência de respostas certas dos alunos do 12ª ano reparese que 52,2 % situaram estas moendas nas margens


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QUADRO IV MOINHOS DE MARÉ LOCAIS ONDE EXISTEM

Junto ao mar Junto aos rios (no interior) Nas margens do Tejo e Coina Outras respostas Não responderam TOTAL

12º ANO

10º ANO

NÚMEROS ABSOLUTOS

N.º DE ALUNOS

%

N.º DE ALUNOS

%

ALUNOS

%

7 9 24 4 2 46

15,2 19,6 52,2 8,7 4,3 100

11 5 19 19 10 64

17.2 7,8 29,7 29,7 15,6 100

18 14 43 23 12 110

16,4 12,7 39,1 20,9 10,9 100

dos rios Tejo e Coina, contra apenas 29,7 % dos alunos do 10º ano, enquanto que muitas respostas destes últimos continuaram a ser dirigidas para "outras repostas", e muitas delas sem sentido, digase, ou então simplesmente não responderam. Visto de uma forma geral, e se bem que não seja suicientemente representativo, este inquérito permite desde logo algumas inferências que urge sublinhar, nomeadamente o facto do património cultural, construído, neste caso, não ter sido suicientemente divulgado, particularmente junto das escolas, entidades especialmente vocacionadas para a divulgação e formação do indivíduo. Mais nos parece absurdo se considerarmos que na implementação da reforma educativa estava subjacente a ideia da interação entre a Escola e o meio envolvente, de forma a quebrar as barreiras que ainda persistem entre a Escola e a comunidade. A ÁreaEscola, enquanto disciplina curricular e não disciplinar, deveria servir de charneira a esta atitude, levando os alunos a uma participação ativa e interdisciplinar nas múltiplas formas de intervenção possível que o património históricocultural do meio em que estão inseridos lhes proporciona. Algo está mal e urge mudálo. Permitenos ainda constatar que as autarquias terão ainda muito que fazer na recuperação, preservação e divulgação do seu património cultural, construído ou natural. Não bastam os PDMs se não forem elaborados numa perspetiva de salvaguarda da riqueza patrimonial da respetiva circunscrição administrativa e suicientemente respeitados na sua concretização. Não bastam projetos para apresentar sempre que qualquer munícipe questiona sobre o "estado da arte" em questão. Não basta o conhecimento atual sobre a riqueza patrimonial conhecida: é preciso realizaremse permanentemente prospeções de forma a poder salvaguardar em caso de construção de obras públicas, ou outras que possam pôr em causa o património "escondido" pelas coberturas que os séculos teceram. Permitenos ainda constatar que as oscilações no avanço ou recuo de certas obras de restauro ainda estão dependentes, se não sempre, pelo menos em parte, de decisões apenas de natureza política, o que nos parece manifestamente insuiciente.


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1.6 ALDEIA GALEGA PRÉ-REPUBLICANA NO CONTEXTO DOS CONCELHOS RIBEIRINHOS DA MARGEM ESQUERDA DO ESTUÁRIO DO TEJO (Comunicação apresentada numa conferência na Escola Secundária Poeta Joaquim Serra em 22 de abril de 2010, no contexto das Comemorações do Centenário da Implantação da República)

A

ldeia Galega e Alcochete eram povoações do antigo concelho de Ribatejo e viriam posteriormente a fazer parte do concelho de Sabonha, do qual se desanexaram e adquiriram vida municipal própria. A sua autonomia administrativa só viria a ser homologada através da atribuição de carta de foral conjunta para as duas vilas, datada de 17 de janeiro de 15151, cuja geminação se prolongará até à separação completa em 17 de novembro de 15392. Contudo, a separação administrativa destes concelhos não impediu que continuassem a usufruir de uma relação de vizinhança privilegiada com relexos vantajosos para ambas, principalmente para Aldeia Galega que, graças à sua posição estratégica e ao seu porto, viria a polarizar em seu torno uma vitalidade económica de importância relevante. O estudo por nós realizado sobre a dinâmica económica veriicada na margem esquerda estuarina durante os séculos XV e XVI mostrou que o espaço em questão nesta altura apresentava um conjunto de características que lhe conferiam um certo sentido de unidade, nomeadamente a constituição dos solos, aspetos climáticos, cobertura arbória e arbustiva3 e, em consequência de tudo isso, também uma certa

Cf. António. J. C. M. Nabais, Foral de Alcochete e Aldeia Galega (Montijo) – 1515, Câmaras Municipais de Alcochete e Montijo, 1995. 2 José Manuel Vargas, Sabonha e S. Francisco, Câmara Municipal de Alcochete, Alcochete, janeiro de 2005. Cf. Também Mário Balseiro Dias, Monografia do Concelho de Alcochete (séculos XII-XVI), vol. I, Montijo, 2004, p. 96 e segs. 3 Sobre esta temática, cf. António Gonçalves Ventura, Dinamismos Económicos Regionais – A Margem Esquerda do Estuário do Tejo nos séculos XV e XVI, Dissertação de Mestrado em História Regional e Local, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Fevereiro de 2000. p. 19 e segs. Cf. também os seguintes autores: Orlando Ribeiro, "Excursão à Arrábida", Finisterra, vol. III, nº 6, Lisboa, 1968, pp. 257-273 e pp. 268-269; Carlos Ribeiro, Estudos Geológicos - Descripção do Solo Quaternário das Bacias Hidrographicas do Tejo e Sado, Typographia da Academia Real das Sciencias, Lisboa, 1866, pp. 150-151. Num estudo efetuado pela Comissão Nacional do Ambiente sobre a margem esquerda, concluiu-se que a montante de Cacilhas, as formações predominantes são pliocénicas, cobertas com grandes extensões de formações recentes de areias quaternárias, possivelmente de origem eólica, no Seixal, Ponta dos Corvos, Barreiro, Alcochete e Casa Branca. Em Alcochete existe um afloramento pleistocénico, enquanto que de Cacilhas até à Trafaria, as formações são miocénicas, seguindo-se até à Foz, formações dunares recentes. in Estudo Ambiental do Estuário do Tejo – Povoamentos Bentónicos Intertidais (Substratos Móveis), Ministério da Qualidade de Vida, Comissão Nacional do Ambiente, Lisboa, 1982, p. 14 e segs. Também Fernão de Oliveira se refere às espécies arbóreas da “outra banda”: Liuro da Fabrica das Naos, Leitura de Lopes de Mendonça, Trad. de Manuel Leitão, Academia de Marinha, Lisboa, 1991, p. 64. Sobre aspetos climáticos cf. Suzanne Daveau, Mapas Climáticos de Portugal: Nevoeiro e Nebulosidade, Contrastes Térmicos, Memórias do Centro de Estudos Geográficos, Lisboa, 1985, e ainda Maria João Alcoforado, in O Clima da Região de Lisboa, Vento, Insolação e Temperatura, Lisboa, 1988. 1


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unidade económica, pelo menos do ponto de vista dos principais produtos explorados: o sal, a vinha, os produtos da loresta, a moagem e paniicação e o peixe do rio4. Contudo, os efeitos da persistente ação humana ao longo dos séculos, aliados a vicissitudes resultantes de mudanças conjunturais, quando não mesmo estruturais, viriam a alterar signiicativamente aquilo que a Natureza levou milénios a criar. A vinha, que durante os séculos XIII e XIV proliferou junto de Coina, viria a apresentar sinais de abandono cerca de três séculos depois, enquanto os concelhos de Alhos Vedros, Moita, Aldeia Galega e Montijo conquistavam um lugar cimeiro na produção do precioso néctar. O sal, depois de algumas tentativas de exploração junto do rio Coina e do Barreiro, viria a concentrar os principais núcleos de exploração junto de Alhos Vedros, Aldeia Galega e Alcochete. Os produtos lorestais, que inicialmente prosperavam nos concelhos de Alhos Vedros e Coina, apresentavam sinais de escassez logo a partir do século XVI, sendo a sua exploração “empurrada” cada vez mais para Oriente, e para o interior da loresta. Pelo contrário, por questões de logística, a moagem e paniicação encontraram o seu “habitat” preferido nas margens do rio Coina, continuando as margens deste rio a constituir o principal núcleo de produção farineira, para o qual não terá sido alheio o fator proximidade da cidade de Lisboa e do complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro. A partir de um documento encontrado no Arquivo Distrital de Setúbal podemos fazer um estudo comparativo, se bem que apenas transversal e muito localizado no tempo, sobre os rendimentos dos diferentes concelhos por nós estudados, através dos valores apurados em 28 de Fevereiro de 1804, pouco mais de um século antes da implantação da república, para efeitos de pagamento ao provedor da comarca. Permitenos ainda enquadrar os rendimentos destes concelhos no contexto de toda a comarca, possibilitandonos assim veriicar o seu peso económico no conjunto da mesma.

4 Para uma visão mais alargada deste assunto, cf. António Gonçalves Ventura, A Banda d`Além e a cidade de Lisboa durante o Antigo Regime: uma perspetiva de História Económica Regional Comparada, Tese de Doutoramento apresentada à Reitoria da Universidade de Lisboa, Junho de 2008, p. 37 e segs.


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GRÁFICO I5

Segundo o gráico anterior, três dos 18 concelhos que constituem a comarca preenchem 63% dos rendimentos totais (Setúbal, 24%; Benavente, 21% e Aldeia Galega, 18%). Aos restantes 15 concelhos, cabe apenas 37% dos rendimentos. Se a esses juntarmos os concelhos de Palmela (7%), Samora Correia e Alcácer do Sal (com 6% cada e Alcochete e Almada com 5% cada um), constatamos que 92% dos rendimentos da comarca são provenientes de apenas oito concelhos, enquanto que os restantes dez comparticipam apenas com a insigniicante quantia de 8%. O concelho de Aldeia Galega discutia já por esta altura, com Setúbal e Benavente, o acesso ao lugar cimeiro, ocupando já o terceiro lugar, muito próximo de Benavente e apenas a seis pontos percentuais de Setúbal, o que não deixa de ser signiicativo. Contrariamente, os concelhos de Alcácer do Sal, Grândola e Cabrela, por exemplo, ocupam um peso muito reduzido no cômputo da totalidade da comarca, o que prova que a extensão territorial dos concelhos não bastava para o quadro de valores em termos de rendimento.

5 ADS, Livro de registo de Leis, Provisões, Alvarás e mais ordens, cx. 372, liv. 238, fl. 22v. Trata-se do registo dos ordenados do Provedor da Comarca vencidos pelo lugar que ocupava, repartido pelas Câmaras segundo seus rendimentos, feito anualmente pelo Contador da Correição de Setúbal.


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QUADRO I PARCELAS CONTRIBUTIVAS COMPARADAS DOS CONCELHOS RIBEIRINHOS DA MARGEM ESQUERDA DO TEJO PARA O ORDENADO DO PROVEDOR DA COMARCA6 CONCELHOS

PARCELAS A PAGAR (EM RÉIS)

Moita Alhos Vedros Lavradio Coina Barreiro Aldeia Galega Alcochete TOTAL

1.964 568 414 342 899 19.158 5.247 28.592

GRÁFICO II7

Vistos de forma comparativa, os dados reletem as diferenças de rendimentos entre os concelhos da margem esquerda do Tejo, permitindo-nos até elucidar sobre os efeitos das alterações territoriais operadas entre os princípios do século XVI e os inais do Antigo Regime em Portugal no que respeita ao concelho de Alhos Vedros. Este concelho, que durante os primeiros tempos da sua existência cobria toda a extensão territorial entre Sarilhos Pequenos e a margem direita do rio Coina, cerca de metade do território do antigo concelho de Ribatejo, viu-se reduzido no seu rendimento a uma parcela correspondente a cerca de 15% do espaço que outrora ocupava, enquanto que o relativamente recente concelho da Moita arrecadava 54% do rendimento do referido espaço e o Barreiro 23%. O Lavradio, por esta altura, icava-se pelos 8%. ADS, Livro de registo de Leis, Provisões, Alvarás e mais ordens, cx. 372, liv. 238, fl. 22v. Dados referentes aos concelhos da margem esquerda do estuário do Tejo. 7 Ibidem, o mesmo documento, referente aos concelhos ribeirinhos da margem esquerda do estuário do Tejo. 6


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Pelo contrário, concelho de Aldeia Galega abafava todos os outros, pois sozinho obtinha rendimentos superiores à totalidade dos restantes, atingindo o elevado valor de 68%. Até mesmo o concelho de Alcochete8 conseguia rendimentos superiores à soma dos concelhos de Alhos Vedros, Lavradio, Moita, Barreiro e Coina (18% contra 14%), facto que demonstra que o centro de gravidade em termos económicos, que durante algum tempo se situou junto do rio Coina, foi-se deslocando progressivamente para Oriente, vindo a centrar-se em Aldeia Galega a partir dos inais do século XVI, aí se mantendo até ser desalojado para o Barreiro na segunda metade do século XIX em consequência da escolha desse local para “terminus” da linha dos Caminhos-de-Ferro do Sul e Sueste. Apesar da falta de dados que cubram todo o período por nós estudado, é possível, contudo, conhecer a evolução do rendimento das rendas de alguns destes concelhos. Alcochete, que na década de 80 do século XVII cobrava cerca de 100.000 réis anuais de receita bruta anual9, pouco cresceu nas décadas seguintes (120.428 réis de média anual nos anos 1712-1720)10. A partir da década de 20, os valores médios anuais sofrem um aumento signiicativo ultrapassando a casa dos 200.000 réis anuais, na qual se manteve por um longo período, atingindo a casa dos 600.000 réis na década de 90, altura em que se veriicam grandes oscilações, as quais têm muito a ver com a natureza das rendas, pois uma grande parcela era proveniente dos matos do concelho, cujos rendimentos eram bastante variáveis, visto não dependerem apenas dos matos normais extraídos das limpezas mas também de cortes que esporadicamente faziam para desbastes, preparação de terras para semear ou outras necessidades que pudessem surgir11. Para além dos matos, tojos e ramas, a maior fonte de rendimentos deste concelho, as cobranças mais signiicativas eram provenientes das rendas da estalagem e Paço, do ramo do azeite, do verde, das coimas e corridas e, se bem que de pouca monta, de alguns foros do concelho. Em livro à parte constam as receitas do usual da carne e do vinho, muito signiicativas neste concelho, pois Alcochete era um grande produtor destes bens, parte dos quais era canalizada para Lisboa como a seu tempo veremos12. As rendas do concelho de Aldeia Galega superavam de longe as de Alcochete. Em 1729, Aldeia Galega cobrou mais de um conto de réis (1.179.730 réis) de rendas13, e embora esta quantia fosse superior à média cobrada por esta altura, os valores Como a parcela correspondente ao concelho de Alcochete foi acrescentada à soma de todas as outras, acompanhada do seguinte texto: “E vem mais de Alcoxete desde 16 de abril de 1803 athe o fim do dicto anno três mil e setecentos e trinta réis (…)” pensamos que o rendimento deste concelho poderá ser superior em cerca de 1/5 aos valores apresentados. ADS, Livro de registo de Leis, Provisões, Alvarás e mais ordens, cx. 372, liv. 238, fl. 22v. 9 A soma das receitas dos anos 1681 1689 totaliza 938.900 réis, equivalendo a uma média anual de cerca de 104.300 réis, da qual era extraída a terça de Sua Majestade. ADS, Fundo da Câmara Municipal de Alcochete - Receitas e Despesas, livs. 37 e 38. 10 Ibidem, liv. 39. 11 Ibidem, livs. 39-44. 12 Os registos do Livro 38, referentes ao usual da carne e do vinho no período compreendido entre os anos 1687-1695, são bem reveladores do peso que este concelho tinha no abastecimento de carne e vinho à cidade de Lisboa. 13 AHCMM, Livro de Receitas e Despesas - 1729. 8


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eram de facto bastante elevados comparativamente àquele, pois na década de 70 mantinham uma média de 600.000 réis, quase o triplo dos rendimentos de Alcochete14. No concelho de Aldeia Galega, as principais receitas provinham da renda da palha, a mais importante, cujos valores já atingiam o montante de 836.000 réis em 1729, seguida da renda do cais com 164.000, da renda do verde com 110.000, do Paço com 28.000, do azeite com 25.000, foros, coimas e corridas com valores variáveis mas também signiicativos15. No concelho da Moita, as rendas brutas icavam-se pelos 156.000 réis em média anual na década de 90 do século XVIII, um valor inferior ao que era cobrado cerca de trinta anos antes (202.530 réis)16 e insigniicante, se comparado com qualquer dos dois concelhos anteriormente referidos17. Neste concelho, também as principais fontes de receita provinham das rendas do Paço, a mais importante, verde, cais, aferição, azeite, canastras cordas e golpelhas18, “almudagem” e “moiação”19, foros e coimas e corridas20. No que respeita às despesas, raramente estas eram inferiores às receitas, o que signiica que, depois de extraída a terça para o rei, o restante mal dava para pagar as despesas do concelho com ordenados, encargos de aposentadoria, obras do concelho e outras miudezas municipais. Sempre que eram necessárias obras de alguma grandeza nas infraestruturas municipais (pontes, ediícios públicos, etc.), a balança desequilibrava negativamente, criando sérias diiculdades na recuperação posterior. Em Alcochete, por exemplo, o saldo só começou a ser verdadeiramente positivo lá para os inais do século XVIII, altura em que as receitas chegaram a atingir o dobro das despesas, como se veriicou na primeira metade da década de 90. Porém, os gastos do ano de 1793 vieram desequilibrar o orçamento, visto que os 633.213 réis cobrados, sujeitos ainda à terça para Sua Majestade (216.028 réis), não davam para cobrir a despesa de 861.114 réis, valor que se deveu em grande parte à despesa que fez “o sobredito procurador, a quantia de quinhentos e vinte oito mil oito centos e cinquenta réis, que despendeu com o festejo (…) da princesa do Brasil Nossa Senhora (…)”21. De resto, situações destas eram frequentes. Os anos de 1767 e 1768, para receitas brutas inferiores a 300.000 mil réis, este concelho apresentou 404.034 e 564.345 14 Nos anos de 1772, 1773 e 1774, o concelho de Aldeia Galega cobrou de rendas 566.230, 591.170 e 685.120 réis, respetivamente, contra, por exemplo, 233.240 e 289.666 réis no concelho de Alcochete nos anos 1766 e 1767. Ibidem, 1772-1777. 15 Ibidem, 1729. 16 AMM, Receitas e Despesas 1766-1773, fls. 25, 25v. 17 Ibidem -1791-1801. 18 Nos inícios do século XVIII, esta renda atingia o preço de 18.000 réis, valor pelo qual foi arrematada por João Lourenço de Góis, conforme consta na vereação de 3 de Janeiro de 1700, com o compromisso de fazer 40 varas de calçada na vila. AMM, Livro de Actas do Senado da Câmara da Moita, 1698-1706, fls. 46v, 47. Nos anos seguintes, o valor desta renda foi baixando bastante. 19 Termos utilizados para designar os funcionários nomeados para medirem o vinho e o sal, utilizando para o efeito medidas aferidas pelos aferidores do concelho. 20 Ibidem, liv.1, 1766-1773. 21 ADS, Fundo da Câmara Municipal de Alcochete, liv. 42, fl. 196v.


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réis, respetivamente, para os referidos anos, em consequência de grandes obras que se izeram no cais desta vila, deixando as inanças debilitadas por algum tempo. Na Moita, só chegaram aos nossos dias livros de receitas a partir de 1766, mas uma análise cuidada destes livros de contas, permite-nos observar um maior rigor na iscalização das contas a partir de 1775, altura em que aparecem muitas despesas glosadas e, por isso mesmo, corrigidas, mostrando que a comarca estava atenta a eventuais gastos menos claros por parte do poder municipal22. Para além das rendas a que os municípios tinham direito, das quais a terça parte pertencia ao rei, havia ainda as rendas das correntes para Sua Alteza, a dízima a Deus, enquanto que a Ordem de Santiago recebia anualmente os rendimentos das comendas das referidas vilas, valor que na comenda de Alhos Vedros ultrapassava os 300.000 réis nos anos 60 do século XVII (370.000 réis em 1666 e 376.000 réis em 1667)23. Em 1671, os preços eram semelhantes (375.000 réis)24, mas quatro anos depois, já esta renda era arrematada por 405.000 réis25, valores que tenderiam a baixar nos anos seguintes (460.000 réis em 1682 e 280.000 réis em 1687)26. Em 1707, já esta renda tinha disparado para 900.000 réis27. Também por esta altura, surge a renda do estanco do tabaco da vila de Alhos Vedros, Lavradio, que se autonomizara em 1670, e do Barreiro, sendo arrendada em 1693 por três anos, pelo preço de 80.000 réis, por Domingos Ferreira da Silva, morador em Alhos Vedros, sendo seu iador Manuel Lopes, alfaiate, morador no Lavradio28, cujo preço seria o mesmo no arrendamento seguinte em 1696, escritura feita entre os mesmos intervenientes29. Com referência à correição de 1793, e com texto datado de 3 de fevereiro de 1794, fl. 76, diz-se que segundo a postura antiga o concelho recebe 5 tostões por cada pipa de vinho que entra de fora, dinheiro utilizado nas obras públicas que não entra nas receitas nem despesas, prejudicando a terça de sua Majestade. E determina que sejam lançados em receita. AMM, Livro de Actas do Senado da Câmara da Moita, 1698-1706, fls. 183, 183v. 23 ADS, Notarial de Alhos Vedros, cx. 4379, liv. 23, fls. 54v, 55 e 80-81. Dados extraídos dos termos de fiança estabelecidos entre Francisco Maio e Luís Jorge Preto, em 6 de outubro de 1667 e 21 de agosto de 1668, sobre a renda da comenda de Alhos Vedros, vila e termo. 24 Ibidem, fls. 159-160. Termo de fiança que fez Francisco da Rosa, do Lugar da Moita, e sua mulher Maria Jorge, na sua casa, e da outra parte Agostinho Soares da Silva, morador no lugar de Palhais. Francisco da Rosa terá dito “(…) que o contador do mestrado Jaques Figueira, lhe fez arrematação da comenda da dita vila de Alhos Vedros e seus termos, por tempo de um ano, que há-de acabar em São João de seiscentos e setenta e dois, por preço e quantia de trezentos e setenta e cinco mil réis e suas ordinárias na forma do auto de sua arrematação (…)”. 25 Ibidem, liv. 24, fls. 73-75v. Rendeiro: Manuel da Silva, barbeiro, do lugar da Moita. Arrematação feita em praça pública na vila de Aldeia Galega, pelo contador do mestrado de Santiago Jaques Figueira. 26 Ibidem, liv. 26, fls. 110, 110v e liv. 27, fls. 24v-26v. Em ambos os anos arrematada pelo capitão António da Rosa Florim, da Moita. No notarial da Moita, o valor desta renda do ano de 1682 não coincide com o valor aqui declarado (460.000 réis) mas sim 470.000 réis, pagos aos quartéis ao almoxarife da comenda da cidade de Lisboa. ADS, Notarial da Moita, cx. 4610, liv. 1, fls. 30-31v. Em 1707 ainda surge o nome do capitão António da Rosa Florim, figura proeminente nesta vila, ligado à renda desta comenda. Estes negócios ajudam a compreender as razões que levaram o capitão a requerer ao senado da Câmara da Moita, em vereação datada de 28 de Janeiro de 1700, que “(…) ele tinha dez pipas de vinho fora do termo desta vila as quais queria trazer para esta vila e metê-las em sua casa para de lá as mandar reconduzir para outras partes, as quais não queria vender nesta vila, e vendendo-as em falta de vinhos, pediria licença a esta Câmara, tudo debaixo das posturas da Câmara; e logo pelos ditos juiz e mais oficiais da Câmara abaixo assinados foi dado licença ao dito António da Rosa, para poder trazer as ditas pipas de vinho e metê-las nesta vila tudo debaixo das posturas da Câmara (…)”. AMM, Livro de Actas do Senado da Câmara da Moita, 1698-1706, fls. 51, 51v. 27 ADS, Notarial da Moita, cx. 4610, liv. 2, fls. 49-50. 28 ADS, Notarial de Alhos Vedros, liv. 30, fls. 41-43. 29 Ibidem, liv. 32, fls. 95-96v. 22


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Na vila da Moita, na vereação de 25 de Maio de 1700 o senado dava conta de uma ordem proveniente do “(…) senado da Câmara de Setúbal para efeito nesta vila se nomear um homem capaz para poder vender os tabacos (…)”, tendo sido nomeado e chamado à Câmara Lourenço Fagundes, morador nesta vila, onde prestou juramento comprometendo-se “(…) que não tinha engenho nenhum para poder fabricar os ditos tabacos, e os que queria vender os queria ir comprar por seu dinheiro, logo o dito juiz e mais vereadores e procurador do concelho mandaram que de todo o tabaco que comprassem na vila de Setúbal tivessem recibo em como os tinha pago para assim se dar cumprimento à ordem do dito senhor (…)”30. De uma forma geral, o núcleo estruturante que caracterizou a economia da “outra banda” durante os séculos XV e XVI, manteve-se durante os dois séculos que os procederam: o combustível e a madeira da loresta, o sal, o vinho, a moagem e paniicação e a pesca e a caça, continuaram a ser o sustentáculo económico da “banda d`além” durante o Antigo Regime. Contudo, um estudo mais aprofundado a partir de novas fontes mostra-nos que, vista de forma estática, essa aparente realidade esconde vários perigos que muito têm inluenciado a historiograia tradicional. A partir do século XVI, o centro de gravidade que durante séculos se situou junto o rio Coina, viria a ser progressivamente transferido para concelho de Aldeia Galega. Nos inícios do século XIX já este concelho obtinha rendimentos na ordem dos 68% do espaço correspondente ao antigo concelho de Ribatejo, o que signiica que, sozinho, conseguia mais rendimentos do que a soma de todos os outros. Até mesmo o concelho de Alcochete conseguia rendimentos superiores à soma dos concelhos de Alhos Vedros, Lavradio, Moita, Barreiro e Coina (mais de 18% contra 14%). Esta nova proporcionalidade é justiicada, no nosso entendimento, pela transferência do principal eixo de ligação entre Lisboa e o Sul para Aldeia Galega, aí se mantendo até ser desviado para o Barreiro na segunda metade do século XIX em consequência da escolha desse local para instalação do terminal ferroviário e posteriormente a Companhia União Fabril. Contudo, este facto não desvitalizou de imediato o porto de Aldeia Galega. Fontes documentais conirmam que esta vila e o seu porto se mantiveram em plena atividade mesmo depois da industrialização do Barreiro, principalmente graças a uma enorme capacidade de adaptação às novas situações que este concelho sempre mostrou, durante o século XX31.

AMM, Livro de Actas do Senado da Câmara da Moita, 1698-1706, fls. 52v-53v. Em resultado da reforma administrativa do país após a consolidação do liberalismo, o concelho de Canha foi extinto em 1836 (…) e viria a ser integrado no concelho de Aldeia Galega em 1838. Como os dois espaços não eram contíguos, o seu território ficou dividido em dois núcleos descontínuos: o núcleo ocidental, composto pelas freguesias de Montijo, Afonsoeiro, Sarilhos Grandes, Alto Estanqueiro-Jardia e Atalaia, e o núcleo oriental composto pelas freguesias de Santo Isidoro de Pegões, Pegões e Canha. Fernando-António Almeida, Montijo: Roteiro do concelho, Câmara Municipal do Montijo, 2004.

30 31


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DOCUMENTOS


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QUADRO II NÚMERO DE VINHAS EM CADA CORTE NO CONCELHO DE ALDEIA GALEGA, VINHAS EXPLORADAS PELOS PRÓPRIOS E VINHAS ARRENDADAS EM 1766, 1771 E 180532 CORTE

1766

1771

1805

PELOS DE RENDA PELOS DE RENDA PELOS DE RENDA PRÓPRIOS PRÓPRIOS PRÓPRIOS

Corte do Moiro Corte da Barrosa Corte da Albertonica Corte do Moinho Corte das Vinhas Grandes Corte do Bacelos Corte do Salgueiro Corte do Pinheiro Corte do Esteval Corte de Vale Extrema Corte de Aldeia Velha Corte da Alagoa da Pedra Corte da Vara Longa Corte do Poço Velho Corte da Ribeira de Cima Corte da Ribeira de Baixo Corte da Nova Colónia Corte do Falcão Total de Vinhas Totais absolutos

8 15 6 5 10 12 2 6 23 20 10 19 12 22 7 4 13 1 195

9 9 5 3 6 3 2 3 8 9 14 14 3 24 9 4 2 16 143 338

7 14 6 7 15 13 2 7 14 23 9 17 8 24 10 4 14 3 197

14 6 6 1 2 2 2 2 17 5 15 14 4 20 6 4 2 17 139 336

17 18 9 7 12 14 2 9 28 24 21 28 10 36 17 4 6 1 263

0 3 1 0 2 1 0 0 3 3 0 4 2 3 1 2 733 3 35 298

32 Ibidem, dados extraídos dos Livros das décimas dos anos 1766, 1771 e 1805. Não constam as vinhas do Samouco, Sarilhos e de Quintas dispersas pelo termo. 33 São foros, na maioria dos casos, seis dos quais dos frades da Graça.


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QUADRO III RELAÇÃO DOS BARCOS DE ALDEIA GALEGA EM 173334 N.º

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

ARRAIS/PROPRIETÁRIO

António Rodrigues Valente António Rodrigues Valente35 José Gomes Gato Domingos Mendes Manuel Neto Ferreira Matias Gomes Manuel Lopes José da Fonseca Vicente da Costa (foi de) José Nunes Francisco Pinheiro Caetano Francisco Francisco Pinheiro Francisco Pinheiro Arrais Bento Gomes João da Costa António Martins Arrais António Cardoso Manuel Estacio Manuel dos Santos Nicolau de Oliveira

TIPO DE EMBARCAÇÃO

VALOR COBRADO

Barco “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “ “

600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600 600

AHCMM, Livro dos 4,5% - 1733, fls. 75v-78. Segundo uma escritura de compra, António Rodrigues Valente adquiriu “(…) hum barco de duas vellas dos que costumão tomar carreiras no Cais desta villa, em que ella Vicencia Maria tem duas partes (…) e elle Domingos da Costa era pessuidor da terça parte (…)”. Segundo a escritura, o comprador terá pago 48.000 réis pelas duas partes pertencentes a Vicência Maria, e seis moedas de ouro pela parte correspondente à parte de Domingos da Costa, equivalentes a 28.800 réis. ADS, Notarial de Montijo, cx. 4644, liv. 15, fls. 78v-80. 34 35


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QUADRO IV PINHAIS DO TERMO DE ALDEIA GALEGA EM 177136 N.º

36

TIPO DE PROPRIEDADE

PROPRIETÁRIO

EXPLORADOR /RENDEIRO

1

1 Pinhal e 2 courelas Umas courelinhas de pinhal

3

1 Pinhal

4

8 9

6 Pinhais 1 Pinhal

Francisco de Novais Nuno Álvares

10

1 Pinhal e courelas anexas

Catarina Maria...

11

1 Pinhal

Manuel Rodrigues da Fonseca

12

1 Pinhal

13

(?)

14 15 16

1 Pinhal 1 Pinhal 1 Pinhal

17 18

1 Pinhal 1 Pinhal

Herdeiros de João da Costa Carneiro Ana Maria Antónia da Gama Capela de Brás Leonardo de Melo Do concelho desta vila Conde de S. Miguel José Cordeiro

Não especifica, avaliado em 15.000 réis Por sua conta, 6.000 réis Por sua conta, 3.000 réis Arrendado a Vicente da Costa em 700 réis Por sua conta, 60.000 réis Arrendados a Manuel da Silva em 4.800 réis Arrendado a José Nunes, 48.000 réis Arrendado a Margarida Teresa de Semedo em 100.000 réis Por sua conta, 8.000 réis

1.500

5 6 7

1 Pinhal, chamado de mar-a-mar 1 Pinhal chamado o da Barbosa 1 Pinhal 1 Pinhal

Religiosos de S. Vicente Domingos de Oliveira Braga Luís de Mendonça Conde Marcos Sanhudo

Arrendado a Valente da Costa em 14.000 réis/ano Por sua conta, avaliado em 8.000 réis Por sua conta, 3.000 réis

1.400

2

Pedro Inácio Rodrigues Baptista Luís Joaquim

19 20

1 Pinhal 1 Pinhal

21

3 Pinhais

22

Pinhais

23

5 Courelas de pinhal

24

5 Courelas e pinhal

António Rodrigues Religiosos de Santo Agostinho

Herdeiros de D. Jorge Machado D. Damião Mascarenhas Conde da Ponte

DÉCIMA (EM RÉIS)

800 300

600 300 70 6.000 480 4.800 10.000

800

Por sua conta, 24.000 réis

2.290

Não especifica, 6.000 Por sua conta, 800 Manuel da Silva Bechiga, 12.000 réis Por sua conta, 30.000 Arrendado a António de Oliveira em 400 réis Por sua conta, 400 réis Por sua conta, 8.000 réis

Nada 80 1.200

Arrendados a Manuel Luís em 28.000 réis Por sua conta, avaliados em 10.000 réis 5 Courelas de pinhal arrendadas a Vicente da Costa em 15.000 réis Por sua conta, avaliadas em 12.000 réis em cada ano

3.000 40 40 Nada 2.880 4.400 3.890

430

AHCMM, Livro das décimas – 1771, fl. 68v e segs. Nem todos correspondem à décima parte nos impostos cobrados.


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QUADRO V PINHAIS DE SARILHOS EM 177137 N.º

37

TIPO DE PROPRIEDADE

PROPRIETÁRIO

1

1 Pinhal

D.ª Maria Leonor

2

Outros

3

Outro

4

Outro

5

Outro

6

Umas Courelas de pinhal

7

Outro

8

Outro

9

Outro

10

6 Courelas de pinhal

11

3 Courelas de pinhal

EXPLORADOR /RENDEIRO

Por sua conta, avaliado em 20.000 réis por ano Martinho Julião Arrendadas aos herdeiros de Domingos Valente em 20.000 réis por ano D.ª Teresa Jozepha Por sua conta, avaliado em de Mello 48.000 réis por ano António Costa Por sua conta, avaliado em 19.200 réis por ano José da Silva, Por sua conta, avaliado em de Lisboa 9.600 réis por ano Nicolau de Abreu Por sua conta, avaliado em 12.000 réis por ano Francisco Por sua conta, avaliado em de Andrade 800 réis por ano João Rodrigues Por sua conta, avaliado em Linheiro 1.000 réis por ano Herdeiros Por sua conta, avaliado em de Domingos Valente 2.400 réis por ano Igreja de São Jorge Que traz a Irmandade, avaliado em 15.360 réis/ano Da testamentaria Por sua conta, avaliado em de Joana Mendes 2.000 réis por ano

AHCMM, Livro das décimas – 1771, fl. 80 e segs.

DÉCIMA (EM RÉIS)

2.000 2.000

4.800 1.920 960 1.200 80 100 240 Nada

200


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QUADRO VI MOINHOS DE ALDEIA GALEGA EM 177138 N.º

38

TIPO DE PROPRIEDADE

PROPRIETÁRIO

EXPLORADOR /RENDEIRO

1

Moinho do Cabo

Conde de Ponte

2

Moinho do Meio

Gaspar Alexandre

3

Moinho do Cais

Bartolomeu Salazar

4

Moinho das Assentas

Bernardino Pacheco

5

Moinho da Lançada

6

Moinho de entre os termos

Herdeiros de Manuel de Sam Payo Maria Leonor

Por sua conta, avaliado o seu rendimento em 60.000 réis, e abatidos os 30% para os consertos, vem em décima Arrendado a Alexandre Cordeiro em 86.400 réis, que abatidos os 30%, vem em décima Por sua conta, renderá 80.000 réis Arrendado a Manuel Pereira em 144.000 réis, e abatidos os 30% (...) Arruinado

AHCMM, Livro das décimas – 1771, fl. 72 e segs.

Arrendado a Joaquim Ferreira, da vila da Moita, em 160.000, dos quais somente se tira a décima de 80.000 réis que é metade que pertence a este termo

DÉCIMA (EM RÉIS)

4.200

6.048

5.600 10.080

Nada 5.880


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QUADRO VII OS MESMOS MOINHOS DE MARÉ EM 180539 E 180740 : QUADRO COMPARATIVO DOS SEUS RENDIMENTOS N.º

1 2 3 4 5 6 7

TIPO DE PROPRIEDADE

IMPOSTO EM 1771

IMPOSTO EM 1805

IMPOSTO EM 1807

Moinho do Cabo Moinho do Meio Moinho do Cais Moinho das Assentas Moinho da Lançada Moinho de Entre os Termos Moinho de Vento

4.200 6.048 5.600 10.080 Arruinado 5.880 –

1.260 17.500 14.000 4.900 15.400 3.675 2.100

12.000 14.000 14.000 6.300 15.400 5.600 3.500

QUADRO VIII CEREAIS PRODUZIDOS EM ALDEIA GALEGA – 1878-1882 (EM HECTOLITROS)41 ANOS

TRIGO

MILHO

CEVADA

CENTEIO

AVEIA

ARROZ

1878 1879 1880 1881 1882

2.332,050 1.751,544 2.742,984 727,056 830,020

2.048,976 2.437,290 2.372,670 3.056,940 2.452,620

842,724 776,628 1.321,920 656,698 586,720

1.338,444 1.530,208 1.776,330 1.507,680 1.021,320

0 0 0 0 0

2.478,600 2.974,320 2.726,460 2.250,000

QUADRO IX DISTRIBUIÇÃO DOS CEREAIS POR FREGUESIA EM ALDEIA GALEGA (1878-1882)42 FREGUESIAS

Espíritos Stº de Aldeia Galega S. Jorge de Sarilhos Grandes Srª da Oliveira de Canha

TRIGO

MILHO

CEVADA

CENTEIO

AVEIA

ARROZ

4 4 1

2 3 2

1 1 3

3 2 4

0 0 0

0 0 5

Ibidem, livro das décimas – 1805, fls. 41v, 42. Ibidem, livro das décimas – 1805. 41 BN, Reservados, mss. 218, nº 119. A freguesia de Sarilhos Grandes foi desanexada da freguesia do Espírito Santo em 18 de abril de 1848, por o alvará do Governo Civil de Lisboa. 42 Para designar a ordem pela qual a cultura dos cereais acima indicados se sucede, deve empregar-se os algarismos de 1 a 6, colocando-se estes em cada uma das casas respetivas e pela ordem seguinte: O algarismo 1 designa o cereal mais cultivado ou predominante; O algarismo 2 designa o imediato O algarismo 3 designa o cereal que se sucede ao algarismo 2, e assim respetivamente até ao algarismo 6. Quando algum cereal não for cultivado, coloca-se um zero na casa respetiva. 39

40


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II.

ARTIGOS DE REVISTA


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2.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA POPULAÇÃO DE ALHOS VEDROS DURANTE O ANTIGO REGIME (Revista Foral 2014, março de 2008, pp. 22-251)

A

lhos Vedros, uma das principais povoações ribeirinhas da parte ocidental do antigo concelho de Ribatejo, contava com 138 fogos2 no cadastro de 15323, vendo a sua população aumentar para 300 em 15714, seguida de uma redução acentuada para 183 fogos em 16205 e para 119 em 17986, altura em que parece estabilizar, visto que poucos anos antes registava 120 fogos. Tal como Coina, Alhos Vedros apresentase como um dos casos mais expressivos em termos de perda de população desde inais do século XVI. No entanto, isso não signiica que não tenha havido períodos de crescimento no intervalo de tempo por nós estudado. Assim aconteceu nos anos 17391752,7 cujos indicadores revelam algum crescimento, se bem que reduzido, durante esses 14 anos 125 fogos em 1739 e 130 em 1752, o que signiica que terá perdido população desde esta data até ao inal do século XVIII, altura em que já se quedava por cerca de 119 fogos8. De uma forma geral9, Alhos Vedros terseá ressentido dos mesmos males que afetaram grande parte do reino no período correspondente aos inais do século XVI e princípios do século XVII, nomeadamente os efeitos das guerras e das pestes, agravados pelo facto de se tratar de uma população ribeirinha vocacionada para as atividades marítimas e, por conseguinte, mais aberta à sua saída em busca de melhores condições de vida em terras de alémmar. Porém, temos indicadores que nos permitem pensar que esta tendência de regressão demográica se prolongou muito para além do século XVII, se bem que com pequenas nuances, como anteriormente referimos. De entre outros assuntos tratados em reunião de Câmara realizada em 23 de Julho

Revista Foral 2014, Alius Vetus – Associação Cultural História e Património, Dir. Vitor Cabral e Vitor Pereira Mendes, Belgráfica, Alhos Vedros. 2 Morador, fogo ou vizinho, eram termos utilizados nesta altura para designar o agregado familiar ou unidade familiar tributável, cujos valores oscilam entre os 4 e os 5 indivíduos, conforme os autores. 3 Anselmo Bramcamp Freire, "Povoação Entre Tejo e Guadiana no Século XVI", in Archivo Historico Portuguez, vol. IV, Lisboa, 1906, pp. 353-355. 4 Alexandre Herculano, "Viagem do Cardeal Alexandrino (1571)", in Opúsculos IV, Lisboa, Editorial Presença, 1985, pp. 353, 354. 5 Nicolau de Oliveira, Livro das Grandezas de Lisboa, Edição Fac-similada da do original de 1620, com texto atualizado de Maria Helena Bastos, Prefácio de Francisco Santana, Coleção Conhecer Lisboa, Lisboa, 1991, Cap. IV, p. 557 e segs. 6 Joaquim Veríssimo Serrão, A População em 1798 – o Censo de Pina Manique, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1970, pp. 16, 17. 7 Existem dois livros de róis de confessados relativos à população da vila de Alhos Vedros, um dos quais referente aos anos 1739-1752, já submetido ao tratamento dos dados por João Cosme e publicado pela Junta de Freguesia de Alhos Vedros, e o outro ainda em manuscrito por nós consultado que compreende os anos 1782-1796. 8 Esta contagem não se reduz apenas aos fogos urbanos, incluindo também os fogos do termo, nomeadamente da Quinta de São Pedro, Quinta do Império e Quinta da Fonte da Prata, esta última com quatro fogos em 1739. 9 Baseamo-nos na evolução da população segundo José Vicente Serrão “O Quadro Humano”, in História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. IV, Circulo dos Leitores, Lisboa, 1993, p. 51. 1


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de 1667 para efeitos de nomeação “… dos soldados auxiliares que já estavam nomeados no ano de seiscentos e sessenta e três como a dos que agora nomearam de novo que uns e outros fazem soma de vinte soldados que acharam serem mais capazes para servirem a sua Majestade, por nesta Vila e lugares de seu termo não haver outros mais para se ajustar o número dos trinta …”10. Ou seja, dos 30 soldados exigidos, apenas foram recuperados 20, o que equivale à superação de apenas 2/3 das necessidades existentes e, desses 20, apenas 6 foram nomeados neste ano de 1667, visto que os restantes 14 faziam parte da nomeação feita no ano de 1663, dos quais apenas um era desta vila, sendo os restantes do termo: 7 do Lavradio, 3 de Sarilhos, 2 da Moita e 1 da Quinta de Martim Afonso. Dos 6 recémnomeados, também nenhum era da vila de Alhos Vedros: 4 eram do Lavradio, 1 da Moita e 1 da Telha, tudo indicando, portanto, que a vila de Alhos Vedros apresentava uma população escassa e bastante envelhecida já desde pelo menos da década de 60 do século XVII, enquanto que o Lavradio se apresenta como o grande fornecedor de gente para a guerra 11 soldados em 20 recrutados. Aliás, a avaliar pelas atas das sessões camarárias, que infelizmente só temos a partir de 1666, o século XVII terá sido extremamente penoso para esta vila em todos os aspetos, não só pelo facto de ter assistido ao desmembramento do seu território e, consequentemente, ao empobrecimento das suas receitas, dando origem a mais dois novos concelhos Lavradio e Moita, mas também porque viu as atenções dos seus habitantes viradas para a dinâmica lorescente nos recémformados concelhos, nomeadamente no concelho da Moita, onde um porto luvial em franca expansão gerava algum frenesim em seu torno. Cerca de trinta anos depois, em 20 de Fevereiro de 1695, o problema da falta de braços para os trabalhos agrícolas persistia em Lisboa, no termo e na “banda d`além”, obrigando o senado da Câmara de Lisboa a queixarse ao rei que “… nesta cidade e seu termo e nas comarcas circunvizinhas há falta de homens do serviço, assim para o da república, como para o beneício das fazendas, especialmente das vinhas que necessitam de trabalhadores para a cultura delas e para os cortes de lenha e fábrica do carvão que vem da “banda d`além” e das mais partes, donde se costuma conduzir para o provimento deste povo, e como os naturais das províncias do Minho, TrásosMontes e Beiras são os que ordinariamente trabalham em fazendas, há notícia que, pelo maior interesse e conveniência que têm nas terras de Castela …”11. Se bem que tardiamente, tudo indica que as queixas produziram alguns efeitos. Nos registos dos Róis de Confessados referentes ao ano de 1782, encontramos o expressivo número de 59 trabalhadores da província da Beira residentes em Alhos Vedros, 10 AMM, Livro de Actas do Senado da Câmara de Alhos Vedros, 1666-1683, fls. 13, 13v. Curiosamente, foram apenas nomeados seis novos soldados, na medida em que os outros catorze já estavam nomeados desde o ano de 1663 e, desses seis recém nomeados, nenhum é da vila de Alhos Vedros, como se pode observar pela lista do “Título dos soldados Auxiliares que se nomearam de novo: Pedro Nunes filho de Francisco Nunes da Moita, Domingos Pereira do Lavradio, Domingos Cardoso do Lavradio, João Rodrigues filho do Martins do Lavradio, Manuel da Costa filho de Francisco da Costa do Lavradio e António Fernandes da Telha”. 11 Eduardo Freire de Oliveira, op. cit., T. IX, pp. 442-444.


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subindo para 83 em 1783, baixando ligeiramente para 80 em 1784 e para 73 em 1785. Porém, o número de fogos desceu de 120 em 1782 para 117 em 1783, voltando a subir para 124 em 1784. Registamse ainda 38 vagabundos e mendicantes no mesmo ano. Na tentativa de respostas para as tão diversas situações veriicadas, efetuámos o levantamento dos batismos e óbitos registados durante o século XVIII nas paróquias dos referidos concelhos, tendo os resultados obtidos na paróquia de São Lourenço de Alhos Vedros conirmado o que vimos airmando sobre a evolução da população nesta vila durante o período em estudo. Numa população tão debilitada, os surtos de peste tornavamse implacáveis, principalmente para as crianças indefesas, e mal nutridas, sujeitas a diversas formas de contágio, como o demonstra a epidemia que grassou nesta vila no ano de 1704, ceifando a vida a 22 meninos e a 6 crianças, ou seja, das 54 pessoas falecidas, 28 são “crianças”, mais de 50%, portanto, facto de tal maneira mórbido que mereceu um comentário escrito no livro dos óbitos pelo padre Jozeph Sanches, que os enterrou: “Este ano faleceram desta vila cinquenta e quatro pessoas, com duas que daqui foram para o Hospital de Lisboa, porque houve uma epidemia contagiosa de que foram muito poucos os que não adoecessem e número de mortos que nunca houve nesta vila, sobre os estrondos de guerras e carestias; porém, se nisto experimentamos o castigo de nossos pecados, merecendo muito do que pelos meus mereço, por isso mesmo me asseguro, não aparte Deus de nós a sua Misericórdia, se nas culpas houver emenda”12. Na realidade, grande parte dos picos veriicados nas linhas dos óbitos, são quase sempre a consequência de uma mortalidade infantil elevadíssima, desequilibrando a já ténue relação entre nados e mortos, sendo várias as situações que encontrámos neste século e nas localidades que são objeto do nosso estudo, em que a mortalidade infantil ultrapassa os 50%. Assim aconteceu na vizinha Moita nos anos de 1734 dos 59 óbitos registados, 30 eram meninos e 1755 84 óbitos, dos quais 46 também eram meninos13. A partir de meados do século XVIII nasceram menos crianças em Alhos Vedros do que no início do mesmo século, revelando uma tendência decrescente a partir de meados do século. Com o número de nascimentos a diminuir de uma forma tão signiicativa, diicilmente a população poderia crescer, principalmente atendendo a que a curva do número de óbitos não acompanhou a dos batismos durante este século, mantendose aquela acima desta última durante quase todo o século XVIII, à exceção de pequenos períodos de tempo na segunda e quarta décadas do referido século. Aliás, conirmase que o crescimento era de tal forma negativo que nem a chegada de largas dezenas de forasteiros na segunda metade do século XVIII conseguiu suprir essa insuiciência, como o demonstram os resultados do último censo de 1798. Todavia, as curvas indiciam o início da inversão da tendência a partir da década de 80 do século XVIII, sinal comum a todas vilas e lugares por nós estudados como poderemos observar em estudo a publicar oportunamente. 12 13

ADS, Registos Paroquiais de Alhos Vedros, óbitos, cx. 5867, liv. 1, fl. 103. ADS, Registos Paroquiais da Moita, óbitos, cx. 5890, livs. 1 e 2.


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GRÁFICO I14

O gráico I mostra-nos que, após uma ligeira subida nas primeira e quarta décadas do século XVIII, os nascimentos diminuíram de forma acentuada até ao início da década de 80, altura em que voltam a mostrar alguns sintomas de recuperação, sendo essa tendência contrariada apenas na década de 40. Quanto aos óbitos, depois de um início de século prometedor com uma descida acentuada, estes voltaram a subir nas décadas de 30 e 50, descendo signiicativamente nas duas décadas seguintes para retomar a tendência de subida a partir da década de 80. De certa forma, e salvo raras exceções, a curva dos óbitos mantém-se quase sempre acima da curva dos batismos, dando-nos um quadro verdadeiramente negativo da população desta vila durante o período por nós estudado. Pensamos que a conjugação deste conjunto de fatores, quer de natureza económica, quer político-administrativa, aliado às intempéries que muito se izeram sentir direta ou indiretamente neste período, justiicam em parte a regressão populacional observada nesta vila. Até porque também em Alhos Vedros encontramos casas demolidas no ano de 1762 em praticamente todas as ruas, se bem que não de forma tão acentuada como na vila de Coina, o que signiica que também aqui o terramoto terá deixado as suas marcas. 14

ADS, Registos Paroquiais de Alhos Vedros, cx. 5856, livs. 3, 4, 5, 6 e cx. 5867, livs. 1, 2, 3 e 4.


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QUADRO I CASAS ARRUINADAS E/OU DEVOLUTAS EM ALHOS VEDROS EM 176215 RUAS/CASAS

Rua do poço de Beber (lado direito) Rua Direita (lado direito) Bairro do Pinheiro (lado esquerdo) Rua da Parreira Campo da Marquesa Canto do Tinoco Sítio do Porto Sítio do Forno do Vidro

ARRUINADAS

DEVOLUTAS

DEMOLIDAS

1 – – – 2 2 1 –

2 – 2 – – – – 617

– 2 – 1 – – – –

16

IAN/TT, Alhos Vedros, Impostos, liv. 257. Estas duas propriedades eram constituídas da seguinte forma: uma delas, com quatro sobrados e duas lojas todas devolutas, enquanto que a outra consistia em cinco sobrados e três lojas, devolutas e arruinadas e eram propriedades dos herdeiros de José Quinhones, da cidade de Lisboa e de António Gomes, respetivamente. 17 IAN/TT, Alhos Vedros, Impostos, liv. 257. 15

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2.2 ALHOS VEDROS NA EXPANSÃO PORTUGUESA1 (Revista Foral 2014, abril de 2008, p. 19)

R

esolvidos os problemas dinásticos nas Cortes de Coimbra de 1385 e afastado o espectro da guerra com a assinatura do tratado de paz e aliança com Castela em 1411, Portugal continuava, no entanto, sem solucionar um problema vital: a fome. A crise que se abatera sobre a sociedade portuguesa durante a segunda metade do século XIV, e as frequentes fomes que se seguiram causadas por anos sucessivos de más colheitas, quase sempre acompanhados por surtos pestilentos, deixaram marcas demasiado profundas numa população debilitada. O desequilíbrio inanceiro obrigava a reduções das despesas públicas e, as frequentes desvalorizações da moeda, tornavam a vida das populações num inferno basta referir que um real de 10 soldos, mandado cunhar durante o interregno de 138385, valia 700 soldos trinta anos depois. Já desta vez, como em muitas outras circunstâncias que se seguiram na nossa História, a solução parecia encontrarse fora do território nacional e, a conquista de Ceuta, projecto que fazia parte das intenções do monarca desde pelo menos 1410, apresentavase como a decisão mais acertada, razão pelo que os aprestos para a expedição à terra dos mouros terão começado por cerca de 1412, depois de adquiridas informações e apoios necessários para o empreendimento. A morte da Rainha Dona Filipa de Lencastre em Odivelas a 18 de Julho de 1415, em consequência de um surto de peste que assolou Portugal durante os anos de 14141416, com particular incidência na cidade de Lisboa, veio ensombrar a iniciativa. D João I, seu marido, retirouse para Alhos Vedros. O monarca tentava, desta forma, afastarse do pesado ambiente familiar, próprio das circunstâncias, e provavelmente dos contágios, mais frequentes na capital para recuperar de tão funesto acontecimento. Estava acompanhado pelo conde de Barcelos, seu ilho ilegítimo, e por Gomes Martins de Lemos. Os infantes encontravamse no Restelo. Preocupados, decidem contactar seu pai, embarcando em batéis pouco depois da meia noite, chegando pela madrugada a AlhosVedros, onde o encontraram "muy anoiado e vestido de panos timtos". A questão Artigo já anteriormente publicado no jornal “O RIO”, dir. do Engº Brito Apolónia, em 15 de fevereiro de 2001, para o qual o autor deste vol. escreveu periodicamente sobre História Regional e Local. Posteriormente, o artigo viria a ser recuperado na íntegra pelo Professor Luís Santos no seu blog, voltando a referenciá-lo em 2008 na Revista foral 2014 nº 3, p. 35, devidamente identificado o autor como mandam as boas práticas nestes assuntos. Congratulamo-nos pelo facto das nossas ideias terem sido tomadas em consideração no que respeita à recuperação da História de Alhos Vedros, nomeadamente na realização de recriações históricas, tendo subjacente tratar-se de um local carregado de simbolismo, no qual foi tomada a decisão da tomada de Ceuta, iniciativa que marcou o início da expansão portuguesa. Ficamos ainda satisfeitos por alguns escritos mais ou menos romanceados saídos depois disso, fazerem referência ao episódio da vinda dos infantes a Alhos Vedros consultar o seu pai, relato que consta também com algum pormenor no nosso texto muito antes publicado e com o respetivo enquadramento histórico.

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era saber a opinião do monarca acerca da iniciativa que iria marcar historicamente a expansão europeia: a conquista de Ceuta. D. João, muito debilitado, encarregou D. Duarte e seus irmãos, de reunir com os restantes elementos do Conselho, pelo que estes regressaram de imediato ao Restelo. A reunião parece ter sido bastante conlituosa. As opiniões sobre a decisão a tomar estavam divididas ao meio. Dos catorze elementos que a compunham, sete manifestaramse a favor da partida, enquanto que os sete restantes se decidiram pela negativa. Perante tal impasse, os infantes voltaram de novo a Alhos Vedros no Domingo, 21 de Julho, para informar o rei dos resultados da reunião do Conselho, e este foi, no meu entendimento, o momento crucial do evento: o parecer favorável do rei, assim como do Conde de Barcelos e de Gomes Martins de Lemos que o acompanhavam, foi decisiva para o início de um dos fenómenos mais marcantes da História da humanidade. A frota deveria levantar ferro na QuintaFeira seguinte, 25 de julho, rumo a Ceuta. Tanto quanto sei, este assunto ainda não foi suicientemente explorado, quer em termos de investigação, debates e divulgação, quer no que respeita ao seu aproveitamento para possíveis atividades conducentes a recriações históricas, principalmente pelas escolas e demais população da autarquia. Mas, independentemente do valor histórico que este acontecimento possa ter, ele está carregado de simbolismo, pelo que deve ser registado e constituir um motivo de orgulho para todos os alhos vedrenses, de forma a enriquecer ainda mais o espólio cultural desta terra e destas gentes, cujo esforço e dedicação estão bem patentes nas frequentes atividades culturais aí realizadas.


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2.3 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO CONCELHO DE ALHOS VEDROS NO ANTIGO REGIME (Revista Foral 2014, dezembro de 2008, pp. 12-15)

À

semelhança do que se passava em tantos outros concelhos manuelinos de pequena ou média dimensão, também o senado da Câmara de Alhos Vedros partilhava de idênticas magistraturas: um juiz de fora, de nomeação régia, o qual presidia às reuniões do senado, três vereadores e um procurador do concelho. Contudo, o extenso levantamento por nós efetuado relativamente ao quotidiano deste senado a partir do século XVII, permitenos concluir que o papel do juiz de fora em Alhos Vedros, pelo menos durante a segunda metade do século XVII e parte do século XVIII, tinha um carácter mais teórico do que real, visto raramente participar nas sessões camarárias, sendo, nessas circunstâncias, substituído pelo vereador mais velho, designado juiz pela ordenação. Aliás, o juiz de fora nomeado para o concelho de Alhos Vedros tinha, também, a incumbência da mesma função para a Vila de Palmela, sede de mestrado, e todas as outras da sua circunscrição, facto quase sempre referenciado nas atas das reuniões em que participava, como a título de exemplo, podemos veriicar no termo de juramento de 27 de Fevereiro de 1672, dado aos novos oiciais para servirem, no referido ano, nesta Câmara, ao qual presidiu o “licenciado Francisco Quinhones de Almeida, juiz de Fora nesta vila e em Palmela, com alçada por sua alteza que Deus guarde”. O juiz de fora era normalmente um letrado com mandato régio por três anos, sendo provido de uma licenciatura, como no caso presente, ou bacharelato, também encontrados neste concelho. Com autoridade do poder central, cumprelhe participar e presidir às reuniões e ser ouvido sobre os assuntos mais importantes da vida municipal, o mesmo é dizer que constituía, de certo modo, uma intromissão e um obstáculo à atuação do funcionalismo municipal, quase sempre ocupado e não poucas vezes movido por interesses das elites locais que, de forma mais ou menos rotativa, se iam alternando, criando condições propícias a um certo laxismo no exercício das suas funções, não poucas vezes acompanhado de situações de abuso de poder. A partir de meados do século XVIII, se bem que de forma não uniforme, a sua presença fazse sentir com mais frequência, o que, curiosamente, veio trazer uma melhor “arrumação” à administração dos assuntos do concelho, facto veriicável a partir do rigor com que os assuntos aparecem tratados na documentação respetiva, como aconteceu na década de setenta do referido século, correspondente ao período em que o nosso conhecido António Moreira de Sena Rosa e Barbuda era escrivão do senado da Câmara de Alhos Vedros1.

Sobre esta e outras individualidades, ocupar-nos-emos num próximo artigo, dada a influência que exerceram na vida municipal deste concelho nos finais do século XVII e princípios do século XVIII.

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Como em tantas outras circunstâncias, as pautas com a designação dos novos oiciais eleitos por um ano para a Câmara vereadores, procurador eram feitas no Paço em Lisboa, sendo enviadas para o concelho de Alhos Vedros, no inal do ano, normalmente em Novembro, onde eram abertas e trasladadas em Livro de Atas da reunião do senado nos Paços do concelho, onde deveriam estar presentes todos os oiciais cessantes, os quais, depois de tomarem conhecimento do seu conteúdo, mandavam chamar os novos oiciais designados para lhes ser dado juramento. A reunião do Senado desta Câmara de 31 de dezembro de 1687, para a abertura da carta com a pauta dos novos oiciais para o ano de 1688, constitui um exemplo típico desta formalidade e que achamos conveniente registar, cujo teor é o seguinte:

“Aos trinta e um dias do mês de Dezembro de mil e seiscentos e oitenta e sete anos, nesta vila de Alhos, Vedros nos Paços do concelho dela, foram juntos em Câmara o doutor Gabriel da Orta Pedrozo, Juiz de fora dela e da de Palmela, e bem assim o vereador Pedro Nunes e o vereador Manuel Martins Donel e faltou nesta Câmara o vereador António da Silva por estar fora da terra, e assistiu o procurador do ano passado por ser falecido o deste ano, e sendo juntos os ditos oiciais da Câmara logo nela abriram a pauta e carta de sua Majestade para os novos oiciais que hão de servir neste senado o ano que vem de mil e seiscentos e oitenta e oito, a qual pauta e traslado dela mandaram os ditos oiciais aqui trasladar e é seguinte – Inácio Lameiras que a escrevi: Juiz Vereadores e procurador da Câmara da vila de Alhos Vedros, eu El Rei vos envio muito saudar, hei por bem que as pessoas abaixo nomeadas sirvam os cargos para que vão eleitos o ano que vem de mil e seiscentos e oitenta e oito, enquanto eu assim o houver por bem não mandar o contrário – Luís Godinho Dinis a fez em Lisboa a 25 de Novembro de 1687, José Fagundes Bezerra a fez escrever = Rei = Eleição da vila de Alhos Vedros: Vereadores: João da Cunha, António Nunes e Francisco de Oliveira; Procurador do Concelho: Domingos Rodrigues Tripa”. Existiam, ainda, outros cargos municipais, de entre os quais o escrivão da Câmara, cargo remunerado e ocupado por pessoa dotada de conhecimentos ao nível da escrita e dos protocolos necessários ao exercício desta função, possuindo, ainda, poderes para passar certidões de casos simples, cujo serviço era prestado quase sempre no seu escritório, sendo os termos de iança os casos mais frequentes assinados pelos moleiros, por exemplo, responsabilizandose pelos seus carregadores, dos iadores dos arrematadores das diversas rendas do concelho, ou ainda dos responsáveis pelos carregadores do cais, de entre outros. Ao porteiro, cargo também remunerado, competialhe efetuar os pregões públicos sobre o lançamento das rendas do concelho, empreitadas, carnes para o açougue da vila, posturas municipais, para além de outras tarefas semelhantes. O porteiro tinha mesmo autoridade para fazer respeitar a lei, denunciando os casos da sua violação e chegando, por vezes, a passar coimas.


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Em circunstâncias de justiicada necessidade, eram eleitos juízes de vintena para assistirem às povoações do termo, desde que estas contassem vinte ou mais vizinhos e se situassem a mais de uma légua de distância2. No caso do concelho de Alhos Vedros, temos conhecimento da eleição de juízes de vintena para o lugar da Moita, ainda durante o século XVII3, dandonos, assim, indicações sobre o crescimento e importância desta povoação num período ainda fortemente marcado pela crise, o que não deixa de ser signiicativo da importância estratégica desta povoação. Conhecemse também registos sobre a existência de juiz de vintena no lugar da Telha, pelo menos desde os primeiros anos do século XVIII. Na vereação de 7 de Dezembro de 1701, foi eleito António Francisco para o cargo de juiz de vintena no lugar da Telha em substituição de Lourenço da Silva que se encontrava suspenso “pelas repetidas queixas que dele havia”4, cargo que terá desempenhado por pouco tempo, uma vez que, cerca de 15 meses depois, na vereação de 21 de Abril de 1703, já o senado da referida Câmara constatava que “o lugar da Telha, termo desta vila, estava sem juiz da vintena, e elegeram para o dito cargo a Manuel Duarte, do dito lugar e mandaram que fosse notiicado para vir tomar juramento e fazer termo”5, cujo juramento foi posteriormente prestado em 26 de Maio do mesmo ano. Também surgem referências à eleição de um juiz de vintena para o lugar de Sarilhos, em Novembro de 1690, altura em que foi eleito Seraim da Silva, “por desobedecer a esta Câmara o que tinham eleito”6. Aos almotacés, eleitos pelo senado da Câmara, normalmente por mandato de três meses, competialhes velar pelos interesses locais, no que concerne à iscalização do respeito pelas posturas municipais, em matéria de preços, pesos, medidas e também ao controlo do abastecimento dos produtos, no sentido de evitar a sua escassez nos mercados e o consequente prejuízo para o bem comum. Depois de eleitos, prestavam juramento em sessão solene e registado em Livro de Atas do Senado, o qual assinavam depois de lavrada a respetiva ata pelo escrivão da Câmara. Contrariamente aos cargos principais, objeto de cobiça por todos, mas apenas ocupados por um grupo restrito de “elegíveis”, o cargo de almotacé não era dos mais desejados, o que se compreende, não só por ser trabalhoso, mas também pela natureza das funções que exercia. Talvez por essa razão os cargos fossem desempenhados apenas por três meses.

BN, Ordenações Filipinas, Liv. I, tit. 65, nº 73. AMM, Livro de Actas do Senado da Câmara de Alhos Vedros, 1666-1683, fl. 18v. Em sessão da Câmara de 24 de Março de 1668 foi eleito Manuel da Silva, barbeiro, para juiz de vintena no lugar da Moita, em lugar de Paulo Rodrigues, falecido. Para escrivão, foi eleito Luís Jorge Preto, em lugar Manuel Dias, sapateiro, também falecido. 4 Ibidem, 1701-1706, fls. 2v, 3. 5 Ibidem, fls. 29, 30, 30v. 6 Ibidem, 1683-92, fls. 219v, 220. 2

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2.4 AS VISITAÇÕES DA ORDEM DE SANTIAGO (Revista Foral 2014, maio de 2009, pp. 10, 11)

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Ordem Militar de Santiago da Espada terá sido criada por volta de 1161 pelo rei Ramiro I, em Clavijo, ou por doze cavaleiros no tempo de Fernando II, ou provavelmente, ainda antes, aquando da organização da defesa de Calatrava dos ataques dos mouros pelo abade Raimundo de Fitero. Obteve Bula Papal de Alexandre II em 25 de setembro de 1164, e adotou a regra de S. Bento e as constituições de Cister, sendolhe atribuída a designação de Ordem de Santiago por volta de 1170. A entrada desta Ordem em Portugal inscrevese no contexto da reconquista cristã, razão porque lhe foi concedida uma extensa área territorial no Sul do atual território SANTIAGO A CAVALO COMBATENDO OS INFIÉIS1

BNL, citado por Hugo Cavaco, in Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Vila Real de Santo António, novembro de 1987.

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nacional, como recompensa pelos serviços prestados na luta contra os muçulmanos durante a fase da reconquista cristã. Teve sede no Mosteiro de SantosoVelho e Mértola, tendose transferido para Palmela no século XV. Para além do seu papel militar na “reconquista” dos territórios ocupados pelos muçulmanos, os espatários desempenharam também um papel de importância fundamental na ocupação e exploração económica dos territórios “reconquistados”. Nos inais do século XV, a Ordem de Santiago da Espada deu início, de uma forma sistemática, a uma série de inquéritos ou inspeções aos templos e bens anexos sob a sua jurisdição, cujas auscultações se prolongariam em termos temporais até cerca do terceiro quartel do século XVI2. Pretendia, através de questionários previamente elaborados, aferir sobre o “modus vivendi” dos párocos e curas das suas igrejas, ermidas ou capelas, a forma como desempenhavam as suas funções religiosas, ou ainda, o rigor com que administravam os bens eclesiásticos, nomeadamente as propriedades e respetivas rendas, assim como o estado em que se encontravam os próprios ediícios religiosos, quer em termos arquitetónicos, quer no que respeita aos acessórios e adereços destinados à prática litúrgica para com os iéis. Estas visitas não eram, regra geral, feitas em anos consecutivos, mas sim de forma espaçada, e tinham como responsáveis um cavaleiro da Ordem, um freire ou vigário e, eventualmente, outros acompanhantes. O facto das listas dos inquéritos manterem um padrão mais ou menos uniforme durante o período em que as referidas Visitações se efetuaram, permite ao historiador conhecer a evolução do objeto de estudo de uma forma evolutiva, quer no que respeita ao património construído laico ou eclesiástico quer se trate da vivência socioeconómica, ou até mesmo sobre eventuais práticas melhoráveis do foro moral ou religioso, por parte dos párocos ou de outras autoridades eclesiásticas. Esta informação é tanto mais importante quanto sabemos que muitos dos ediícios que constam nas listagens das Visitações estão em ruínas, enquanto que outros terão mesmo desaparecido em consequência de cataclismos naturais, com particular incidência nos terramotos, nomeadamente o de 1755, ou, simplesmente, por motivos de abandono. Assim sendo, partilhamos da ideia de que as Visitações constituem um acervo documental muito importante, não só porque permitem um estudo sistemático de um vasto património por um largo período de tempo, fornecendo ao historiador informações sobre a sua evolução, mas também porque permite estabelecer comparações com outras fontes disponíveis, alargando, dessa forma, o campo documental ao seu dispor. Para além do interesse para o estudo do património religioso com particular relevância nas artes: arquitetura, escultura, pintura, azulejaria, etc., possibilitando o restauro e preservação do que ainda possa ser recuperado, as Visitações podem fornecer informações valiosas para futuros estudos sobre História Cultural e das Segundo A investigadora Ana Cristina de Sousa Leal, terão existido Visitações anteriores, como o demonstra uma visitação à “vila” de Coina em 1418. Cf. Ana Cristina de Sousa Leal e Fernando Pires, Alhos Vedros nas Visitações da Ordem de Santiago, (…), Alhos Vedros, dezembro de 1994.

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Mentalidades do período em questão, vertente ainda não suicientemente explorada, no nosso entendimento. Contêm ainda algumas informações sobre rendimentos, demograia, sociedade e administração. Tanto quanto sabemos, um dos primeiros grandes levantamentos sobre as Visitações da Ordem de Santiago da Espada, feito de forma sistemática e sobre um vasto território outrora ocupado pela respetiva Ordem, devese ao investigador Hugo Cavaco, cujo levantamento abarcou as Visitações efetuadas no Sotavento Algarvio no período entre 1518 e 156566, compreendendo as capelas de Cacela, Castro Marim, Alcoutim, a Igreja da Aldeia de Martim Longo e a Igreja de Santa Maria da cidade de Tavira. Compreende ainda a Igreja de Nª Senhora da Trindade da vila de Santo António, na Barra do Guadiana. Estas visitações, efetuadas nos anos de 1518, 1534, 1535, 1538, 1554 e 1565/66, estão publicadas num volume de 440 páginas intitulado Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio – Subsídios para o estudo da História da Arte no Algarve, editado pela Câmara de Vila Real de Santo António em novembro de 1987. Depois disso, muitos têm sido os levantamentos feitos sobre as Visitações noutros espaços sob a jurisdição da Ordem de Santiago, nomeadamente na margem esquerda do estuário do Tejo, incluindo Alhos Vedros3, alguns deles repetidos, por razões que desconhecemos. Destacamse os levantamentos efetuados pela Dra. Ana Cristina de Sousa Leal referentes às Visitações de 1523, cujo título consta em nota de rodapé neste artigo, e, posteriormente, por Victor Manuel Dias da Silva, referentes aos anos de 1492, 1523, 1534, 1553, 1565 e 1571.

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Referimo-nos a Alhos Vedros ainda antes da desintegração do concelho.


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2.5 O PODER LOCAL E A GESTÃO DA PRODUÇÃO E CONSUMO DOS VINHOS EM ALHOS VEDROS NO ANTIGO REGIME (Revista Foral 2014)

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pesar da produção de vinho nos concelhos ribeirinhos da margem esquerda estuarina exceder normalmente o consumo local, pelo menos até inais do século XVIII, os preços também eram regulados em função da produção à semelhança do que se passava na cidade de Lisboa. Havia ainda o cuidado de vigiar a observância das posturas no que respeita à proibição dos taberneiros introduzirem vinhos de fora enquanto não se esgotasse a produção local, situação que os próprios violavam como o demonstra uma queixa apresentada na Câmara de Alhos Vedros em 20 de Agosto de 1678 pelo padre frei Jozeph Figueira, religioso da ordem de Santo Agostinho, em cuja vila tinha uma Quinta. Este queixavase de que não era respeitada a provisão respetiva e que “é fama pública que a dita provisão se não guarda, por se estar vendendo vinho na dita vila que não é da terra nem do termo dela, com permissão do Senhor Juiz pela ordenação e mais vereadores do mesmo senado da dita vila, o que não podem fazer, o que resulta em grande perda do dito convento por terem nesta dita vila uma quinta e de presente os seus vinhos para venderem, não acham quem lhos venda nem comprem …”1. Esta situação, que não é a única deste género, conirma o que vimos dizendo acerca de uma certa governação tácita praticada pelo poder local, muitas vezes ao arrepio da legislação por si produzida, principalmente em circunstâncias em que a presença do juiz de fora era rara como em capítulo próprio referimos. Na verdade, o padre Jozeph Figueira tinha razão, conforme se veio a veriicar posteriormente, tudo indicando que a sua queixa terá provocado algum malestar na Câmara, pois menos de dois anos depois, em 5 de Junho de 1680, o senado convocava os “homens bons e da governança da dita vila e seu termo e o clero dela” aos Paços do concelho “… para proverem sobre a relaxação de uma postura sobre os vinhos que de fora se metem nesta vila e seu termo feita há muito tempo imemoriável que há mais de quarenta anos, a qual se guardou inviolavelmente até ao presente para a conservação do bem comum cultura das fazendas …”2. Apesar de guardada “inviolavelmente”, a postura não era cumprida causando enormes prejuízos aos produtores locais, a acreditar no texto lavrado em ata na referida reunião, porque, segundo se concluiu, “… metendose vinhos de fora viria o vinho desta vila e seu termo a não ter valor, e por essa causa se viriam a perder as

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AMM, Livro de Atas do Senado da Câmara de Alhos Vedros, 1666-1683, fls. 225v-227. Ibidem, fls. 298v-302.


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ditas vinhas e porquanto a dita postura se não executa inviolavelmente e as condenações que nelas estão postas são diminutas, pela qual razão, querendo eles ditos vereadores homens bons e clero reparar tão grande dano, assim para os moradores desta vila e seu termo, como para comenda de Sua Alteza, porquanto, faltando os ditos vinhos se destruíra a Comenda da ordem de Santiago com que se sustentam os ministros desta Igreja, e vendo outrossim as vinhas que no tempo em que a postura se fez eram duas vezes mais do que as que há hoje se perderam em razão de se não observar a dita postura e de se não castigarem os violadores dela, e achando inalmente que estava perdida de todo a cultura das vinhas e querendo remediar esta ruína, proveram izeram esta vereação uma postura ordenando que toda a pessoa que meter vinho que for colhido fora do termo, pagara para a câmara oito borrão mil reis e as vasilhas em que for achado sejam perdidas e assim mais o dito vinho, e na mesma forma serão perdidas as bestas, carretas, carros, bois que o trouxerem, e a vendedeira que o vender pagará cinco mil réis por si de condenação …”3. Tratase de um momento de viragem, e esta reunião parece ter constituído um marco decisivo sobre este assunto na vila de Alhos Vedros, pois daí em diante são frequentes as posturas proibindo a entrada de vinhos de fora, no sentido de proteger não só a produção local, mas também o real de água, e sempre com um carácter cada vez mais restritivo4. Não podemos, contudo, concluir que não entrasse vinho de fora. Aliás, as posturas não o proibiam, mas sim que não o izessem antes de esgotado o vinho da terra, situação que, segundo fontes por nós consultadas, acontecia com alguma frequência, conirmando que grande parte do vinho aqui produzido era canalizado para consumo fora deste espaço5, enquanto uma parte signiicativa do vinho consumido localmente era introduzido de fora em consequência disso, se não sempre, pelo menos em alguns anos6. Ibidem, fls. 298-302. Assim aconteceu em 2 de Março de 1686, sendo criada outra postura proibindo “que nenhuma pessoa desta vila e seu termo de qualquer condição que seja, não possa trazer para esta vila nem para o termo dela odre de vinho, nem barracham, nem quartilho de vinho ainda que seja para seu beber, porque a este respeito fazem grande dano as rendas do usual e Real de água e aos lavradores que tem seu vinho para vender, e mandaram que fosse apregoado que todo carreteiro ou almocreve que trouxer o dito vinho pagará de coima seis mil réis conforme a postura (...)”. Ibidem, 1683-1692, fls. 83-84. De novo foram chamados à Câmara os moradores da vila e termo em 24 de maio de 1690, para serem ouvidos sobre as referidas posturas. Ibidem, 207v, 208. 5 Esta polémica sobre a entrada de vinhos de fora era usual nos diversos concelhos produtores de vinho, chegando mesmo a adquirir formas pouco comuns, como aconteceu em Setúbal nos inícios do século XVII. Em 1601, o senado admitiu a entrada de vinhos de fora pela falta que havia, gerando algum descontentamento dos produtores locais. De facto, a proibição interessava aos lavradores das vinhas de Setúbal porque assim podiam exigir o preço que quisessem, com grandes lucros, prejudicando o povo. Formaram-se então dois partidos de opinião: o protecionista, e o da liberdade. Em 14 de Fevereiro de 1607, esclarece-se esta questão. O procurador leu perante a Câmara um requerimento que dizia ser em nome do povo, para que fosse proibida a entrada na vila de vinhos de fora do reino; mas quando desembarcassem na praia, fosse vendido em grosso e não a taberneiros ou moradores. Mas havia sempre formas, algumas bastante engenhosas, que permitiam aos taberneiros alcançarem os seus objetivos. ADS, Arquivo de Almeida Carvalho, cx.19/30. 6 António Gonçalves Ventura, A “Banda d`além” e a cidade de Lisboa durante o Antigo Regime: uma perspetiva de História Económica Comparada, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Junho de 2008, p. 235 e segs. 3

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2.6 O PORTO DE ALHOS VEDROS (Revista Foral 2014)

O

porto de Alhos Vedros nunca teve a importância do seu congénere de Coina, limitando o seu papel a uma ação de carácter mais local, pese embora também estendesse as travessias a pessoas e mercadorias a franjas territoriais mais alargadas, situação que também só pode ser compreendida se enquadrada no contexto do desenvolvimento económico da margem esquerda do estuário do Tejo. De facto, se bem que não sejam conhecidas de forma amiúde as suas origens, sabese que as vilas de Alhos Vedros e Coina têm origens muito antigas e, a par de Aldeia Galega e Alcochete, pertencem a uma “segunda geração” em termos de importância1, cujo desenvolvimento resulta em grande parte da necessidade de ocupação e desenvolvimento económico do território ribeirinho após a reconquista cristã2. Se bem que com dinâmicas diferentes, pois Coina iniciou o seu declínio primeiro que Alhos Vedros conforme o demonstram os indicadores populacionais apresentados em capítulo próprio, estas duas vilas assistiram a desenvolvimentos paralelos, pelo menos até ao século XVI, período durante o qual o porto de Coina ainda desempenhava um papel relevante nas ligações entre Lisboa – Setúbal – Alentejo. Compreendese que, durante este período, o porto de Alhos Vedros tenha desempenhado um papel secundário em termos de ligações a grandes distâncias, uma espécie de porto intermédio entre Coina e Aldeia Galega. Porém, o declínio do porto de Coina a partir do século XVI não viria a favorecer as atividades portuárias do porto de Alhos Vedros, pois coincide com a altura em que o lugar da Moita começa a reclamar para si esse protagonismo, muito antes de receber carta de vila e a consequente autonomia administrativa3. De resto, segundo os registos consultados, os preços estabelecidos para os fretes dos almocreves de Setúbal eram bastante superiores para Alhos Vedros se comparados com os preços dos fretes para a Moita ou para Coina: um cruzado para Coina ou Moita e 500 réis para Alhos Vedros, o mesmo preço que fora estabelecido para as vilas de Aldeia Galega e Barreiro.

1 O termo é nosso, e serve para hierarquizar as vilas da margem esquerda do estuário do Tejo segundo a sua ordem de importância histórica. Num primeiro plano, colocamos as vilas com forais antigos, nomeadamente Almada, e Palmela; num segundo, as vilas que receberam forais manuelinos, nas quais se enquadram as que referimos e, num terceiro plano, as vilas que receberam cartas de vila no século XVII, nomeadamente as vilas do Lavradio e da Moita. 2 Cf. Ruy de Azevedo, História da Expansão Portuguesa no Mundo, Editorial Ática, Lisboa, 1937, pp. 60-63. 3 AMM, Livro de Atas do Senado da Câmara de Alhos Vedros, 1666-1683, fl. 18v. Em sessão da Câmara de 24 de Março de 1668 foi eleito Manuel da Silva, barbeiro, para juiz de vintena no lugar da Moita, em lugar de Paulo Rodrigues, falecido. Para escrivão, foi eleito Luís Jorge Preto, em lugar Manuel Dias sapateiro, também falecido, o que demonstra que a Moita já tinha uma população considerável muito antes de receber carta de vila em 1691, em grande parte resultante da dinâmica existente em torno das atividades portuárias.


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Existem outros aspetos que devem ser considerados para uma melhor compreensão da situação da vila de Alhos Vedros e do seu porto. Em reunião de Câmara datada de 5 de Janeiro de 1667, à qual assistiu o Juiz de Fora, o doutor Manuel Alves da Silva, de entre outros assuntos tratados, o senado debruçouse sobre um termo, no qual Sua Majestade tinha mandado “lançar” quinze cavalgaduras nesta vila. Analisada a situação, os presentes concluíram que “… tinham feito toda a diligência e que não achavam nem havia pessoas que tivessem cabedal para se lhe poderem lançar as ditas cavalgaduras, por nesta vila e seu termo não haver almocreves nenhuns nem nunca os houvera, por serem os moradores dela e seu termo barqueiros e carreteiros calafates e biscoiteiros que andavam ocupados no serviço de sua Majestade, a quem haviam de recorrer manifestandolhe as razões referidas, nem pessoas de cabedal para as poderem ter, nem nunca nesta vila e seu termo houvera cavalgaduras muares por não ser capaz delas …”4. Pelo presente, icamos a saber que não existiam almocreves nesta vila e, pelos vistos, nunca existiram, nem na vila, nem no seu termo. Pensamos que as razões para essa ausência se prendem mais com as características ribeirinhas da vila e a natureza da sua economia, privilegiando mais os meios de transporte luvial inerentes a essa condição, e não tanto por falta de “cabedal” dos seus habitantes, como foi apontado pelo senado. Até porque Setúbal também era uma vila ribeirinha, no entanto, um pe queno batalhão de almocreves fazia chegar os seus produtos a várias localidades do interior e Sul do país, especialmente o peixe e o sal em troca do tão necessário pão. Pelo contrário, abundavam carreteiros, transportando a lenha, carvão e madeira de locais do concelho donde ainda era possível extrair esses preciosos bens, principalmente nas charnecas do interior, onde a delapidação progressiva das lorestas ainda tinha deixado algumas reservas, enquanto outros ocupavam o seu tempo nos trabalhos agrícolas e no transporte de outras matérias relacionadas com a exploração da vinha, nomeadamente estrume, lenha, uvas e o próprio vinho. A natureza simbiótica da economia deste concelho, como aliás em grande parte dos concelhos ribeirinhos da margem esquerda estuarina, obrigava a que as atividades económicas de muitos dos seus habitantes tomassem um carácter aníbio e se desdobrassem entre a terra e o rio, pelo menos em certos períodos do ano. As fontes relativas às atividades portuárias neste concelho são escassas antes de 1666 e, depois desta data, a partir da qual existem registos das vereações, as referências a atividades desta natureza restringemse quase por completo ao cais da Moita, o que signiica que ainda muito antes desta localidade se ter desvinculado de Alhos Vedros, já o seu porto constituía o principal eixo de ligação entre as populações de Palmela e Setúbal e a cidade de Lisboa, e não o porto da vila de Alhos Vedros. Sabemos que, à semelhança do que sucedera em Coina, também o porto de Alhos Vedros apresentava sinais de assoreamento ainda na primeira metade do século 4

AMM, Livro de Atas do Senado da Câmara de Alhos Vedros, 1666-1683, fls. 4v, 5.


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XVIII. Em reunião de Câmara datada de 18 de Março de 1739, o senado deliberava a “… proibição de descarregar tojo ou mato ou rama de pinheiro, no porto e cais desta vila, nem em outra parte alguma, senão nos portos que icam para a parte da Moita, que são para esse efeito determinados, em razão do prejuízo que se segue a este concelho por se ir entupindo a cal e o mesmo porto que somente serve para outro ministério ...”5. Como podemos observar, este porto ainda era utilizado para o carregamento de lenha no século XVIII, situação que estava a tornarse insuportável pelos danos que causava ao contribuir para o assoreamento do porto com as ramas que caíam borda fora. Aliás, por norma, os portos e portinhos afetos aos carregamentos de tojos e ramas estavam distribuídos ao longo do rio em locais adequados para o efeito, precisamente para evitar sujidades e assoreamentos evitáveis aos portos principais. Quanto às estalagens, temos conhecimento apenas da existência de uma junto ao cais, propriedade da família Mendonça Furtado, o que, a avaliar pelas pessoas que dela se ocupavam6 e pelo valor da renda7, tudo indica não ser muito movimentada, tendo mesmo diminuído drasticamente a sua importância por volta de meados do século XVIII. Pelo documento, icamos a saber ainda que existiam outros pequenos portos luviais “ que icam para a parte da Moita que são para esse efeito determinados”, um dos quais situado precisamente na caldeira de um moinho de maré, o Moinho do Alimo8, que entretanto tinha deixado de funcionar9.

AMM, Livro de Atas do Senado da Câmara de Alhos Vedros, 1736-1743, fls. 50, 50v. Em 1739, a estalagem de Alhos Vedros constava de dois fogos, um constituído por sete pessoas: António Machado, Gerarda Micaela sua mulher, os criados Jozeph e Damião, o guarda Domingos Esteves, Mónica Azevedo e António Jorge, homem de fora; o outro, por cinco: João Gonçalves Alentado, sua mulher Violante Luísa, os filhos Inácia e Jozeph e Jozeph, seu neto. Em 1749, passados apenas 10 anos, já consta apenas um fogo com um estalajadeiro, um guarda e um rapaz solteiro e, no início dos anos 50, já só consta uma pessoa. João Cosme, op. cit., pp. 27 e 174 e segs. 7 ADS, Notarial de Alhos Vedros, liv. 47, fls. 68v-70. Segundo dados de uma escritura de arrendamento da estalagem de Alhos Vedros, datada de 30 de maio de 1759. Trata-se do arrendamento de bens do morgado da falecida sua sobrinha Teresa, neste caso a estalagem, por 40.000 réis, propriedade de Luís de Albuquerque Mendonça Furtado e de sua mulher Dona Inês Joana de Carcome, por intermédio do seu procurador Bento José da Cunha, de Lisboa, arrendada a André de Matos, desta vila, na condição de que “trará a dita estalagem bem preparada de tudo o preciso assim de mantimentos (e) camas para os passageiros como de sustento para os animais”. 8 AMM, Livro de Atas do Senado da Câmara da Moita, 1698-1706, fs. 108, 108v. Em vistoria datada de 1702, 4 de julho, o senado da Câmara da Moita queixava-se que também esta caldeira ficou entupida “(…) e impossibilitada para poderem os barcos navegar para esta vila e sendo a principal origem deste dano a danificação do moinho por seus herdeiros não tratarem dele (…)”. 9 In, António Gonçalves Ventura, A “Banda d`além” e a cidade de Lisboa durante o Antigo Regime: uma perspetiva de História Económica Comparada, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Junho de 2008, pp. 289-292. Para uma melhor compreensão, este texto deve ser enquadrado no contexto da obra de que foi extraído. 5

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2.7 ASCENSÃO E QUEDA DO CONCELHO DE ALHOS VEDROS1 (Revista Foral 2014)

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cupando um extenso território desde as proximidades de Sarilhos Pequenos até Junto de Coina, o concelho de Alhos Vedros recebeu carta de foral em 1514, tornandose o primeiro dos três concelhos manuelinos a autonomizarse e a desmembrar o antigo concelho de Ribatejo, exemplo seguido por Aldeia Galega e Alcochete no ano seguinte, mas com circunscrições territoriais bastante mais reduzidas2. A superioridade territorial do concelho de Alhos Vedros relativamente aos seus “irmãos” mais jovens, não se resumia a uma mera questão de espaço. Tratavase de um concelho que ocupava todo o território da parte ocidental do extinto concelho de Ribatejo, o mais populoso já nos inícios do século XVI, altura da sua institucionalização, e aquele que apresentava um futuro mais promissor, não só porque estrategicamente se situava mais próximo da cidade de Lisboa, mas também porque nele se concentravam os principais meios de produção da margem esquerda estuarina: o complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro, uma grande concentração de moinhos de maré, um dos maiores núcleos salineiros da margem esquerda do Tejo, abundantes courelas de vinha, hortas, quintas e fazendas, excelentes espaços piscatórios e ainda uma notável reserva arbórea e arbustiva para consumo local e para abastecimento da cidade de Lisboa. Aparentemente, estavam reunidas todas as condições para o sucesso deste concelho, cujo futuro parecia promissor. No entanto, os mesmos requisitos que o tornaram próspero e lhe conferiram o título de concelho ainda antes de receber autonomia administrativa, acabariam precisamente por lhe ser fatais e ditar o princípio de um im inglório que até então não parecia possível. A desintegração surge logo cerca de sete anos depois da sua formação, quando em 1521 é formado o concelho do Barreiro às expensas de uma pequena parcela do seu espaço, o que aparentemente não representava grande perigo, visto que em pouco reduzia o seu território. No entanto, na prática, tratouse do primeiro grande golpe num dos sectores mais importantes deste concelho, pois retiravalhe uma parte signiicativa do acesso aos rios Tejo e Coina, limitando os seus recursos luviais que desde há muito constituíam uma das suas grandes bases de sustentação. Para uma melhor compreensão, este artigo deve ser enquadrado num estudo mais abrangente, pelo que aconselhamos a leitura do texto de onde foi extraído: António Gonçalves Ventura, A Banda d`Além e a cidade de Lisboa durante o Antigo Regime: uma perspetiva de História Económica Regional Comparada, Tese de Doutoramento apresentada à Reitoria da Universidade de Lisboa, Junho de 2008. 2 Existem várias referências ao concelho de Alhos Vedros anteriores a 1514, razão por que estamos convencidos que este concelho já existia antes da atribuição do foral manuelino em 1514. 1


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Mais tarde, já nos inais do século XVII, foi concedida autonomia administrativa através de cartas de vila ao Lavradio e à Moita em 1670 e 1691, respetivamente, limitando ainda mais o acesso ao rio Tejo e, consequentemente, os rendimentos daí obtidos, nomeadamente o porto da Moita, que não só proporcionava um rendimento considerável, como também se tornou num foco dinamizador da economia local a partir do século XVI. Contudo, o declínio do concelho de Alhos Vedros não se deve apenas à redução do seu espaço inicial e à perda dos meios de produção que icaram adstritos aos novos concelhos, mas também à quebra progressiva das suas fontes de rendimento. As fontes indicam que a lenha, carvão e madeira de que este concelho era fornecedor para a cidade de Lisboa foram escasseando com o avançar dos séculos, as marinhas diminuíram a quantidade e qualidade do sal produzido, fazendo com que a propagação da viticultura se tornasse uma alternativa a explorar e a produção de vinho se transformasse numa das principais fontes de riqueza deste concelho. Em meados do século XVIII encontramos cerca de 184 vinhas, distribuídas pelos seguintes sítios: Benfadada, Império, Paço, Marzagão, Demendoa, Alfeirão, Ribeirinho, Vale de Grou, Lapazinha, Morçoas, Mortais, Pancas, Lagoa da Pega, Revalva, Horta do Rico, Passagem de Água, Horta da Castelhana, Rio Pequeno, Rio Grande, Vale da Amoreira, Brejos3, Serra, Cabeços, Banheira, Quinta da Machada, Quinta da Água Doce, Sítio dos Fornos desta vila4, Romagem5 e Fonte da Prata. Assim se compreende que, nos inícios do século XIX, cerca de 50 anos antes da sua extinção, o rendimento do concelho de Alhos Vedros se tenha reduzido a uma parcela correspondente a cerca de 15% do espaço por si ocupado anteriormente, enquanto o recente concelho da Moita constituído às expensas de uma parcela do seu território amealhava 54% do rendimento do referido espaço, o Barreiro 23% e o Lavradio apenas 8%".

Existem neste concelho três sítios diferentes com esta denominação. Neste, para além das vinhas dos moradores de Alhos Vedros, existiam as vinhas dos moradores do Lavradio, mas que estavam no termo de Alhos Vedros. Eram bastantes, contabilizámos 17 vinhas nestas condições, ou seja, cerca do triplo das vinhas pertencentes a Alhos Vedros. 4 Trata-se dos Fornos de Biscoito de Vale de Zebro, na margem direita do rio Coina, empreendimento real de importância estratégica para o abastecimento das armadas. 5 Por vezes surge com a designação “Rumagem”, ou “Romagem”, prestando-se a alguma confusão, já que se trata de termos com significados distintos. 3


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III.

ARTIGOS DE JORNAL


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3.1 ALHOS VEDROS NA EXPANÇÃO PORTUGUESA1 (Publicado no jornal “O Rio” em 15 de janeiro de 2001)

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esolvidos os problemas dinásticos nas Cortes de Coimbra de 1385 e afastado o espectro da guerra com a assinatura do tratado de paz e aliança com Castela em 1411, Portugal continuava, no entanto, sem solucionar um problema vital: a fome. A crise que se abatera sobre a sociedade portuguesa durante a segunda metade do século XIV, e as frequentes fomes que se seguiram causadas por anos sucessivos de más colheitas, quase sempre acompanhados por surtos pestilentos, deixaram marcas demasiado profundas numa população debilitada. O desequilíbrio inanceiro obrigava a reduções das despesas públicas e, as frequentes desvalorizações da moeda, tornavam a vida das populações num inferno basta referir que um real de 10 soldos, mandado cunhar durante o interregno de 138385, valia 700 soldos trinta anos depois. Já desta vez, como em muitas outras circunstâncias que se seguiram na nossa História, a solução parecia encontrarse fora do território nacional e, a conquista de Ceuta, projeto que fazia parte das intenções do monarca desde pelo menos 1410, apresentavase como a decisão mais acertada, razão pelo que os aprestos para a expedição à terra dos mouros terão começado por cerca de 1412 , depois de adquiridas informações e apoios necessários para o empreendimento. A morte da Rainha Dona Filipa de Lencastre em Odivelas a 18 de julho de 1415, em consequência de um surto de peste que assolou Portugal durante os anos de 14141416, com particular incidência na cidade de Lisboa, veio ensombrar a iniciativa. D João I, seu marido, retirouse para Alhos Vedros. O monarca tentava, desta forma, afastarse do pesado ambiente familiar, próprio das circunstâncias, e provavelmente dos contágios, mais frequentes na capital para recuperar de tão funesto acontecimento. Estava acompanhado pelo conde de Barcelos, seu ilho ilegítimo, e por Gomes Martins de Lemos. Os infantes encontravamse no Restelo. Preocupados, decidem contactar seu pai, embarcando em batéis pouco depois da meia noite, chegando pela madrugada a AlhosVedros, onde o encontraram "muy anoiado e vestido de panos timtos". A questão era saber a opinião do monarca acerca da iniciativa que iria marcar historicamente a expansão europeia: a conquista de Ceuta. D. João, muito debilitado, encarregou D. Duarte e seus irmãos, de reunir com os restantes elementos do Conselho, pelo que estes regressaram de imediato ao Restelo. 1 Este artigo voltou a ser publicado na Revista Foral 2014 em 2008, como consta na secção correspondente. A sua repetição prende-se com o facto de o considerarmos um ponto marcante na divulgação da História de Alhos Vedros, particularmente no que respeita a atividades culturais relacionadas com o início da expansão portuguesa, nomeadamente recriações históricas. Contrariamente a outros casos da utilização abusiva de figuras ligadas à expansão portuguesa e já referidas na nota de abertura neste volume, Alhos Vedros merece o registo na sua toponímia da decisão aí tomada (Tomada de Ceuta), numa rua, praça, ou em qualquer outro lugar significativo.


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A reunião parece ter sido bastante conlituosa. As opiniões sobre a decisão a tomar estavam divididas ao meio. Dos catorze elementos que a compunham, sete manifestaramse a favor da partida, enquanto que os sete restantes se decidiram pela negativa. Perante tal impasse, os infantes voltaram de novo a Alhos Vedros no Domingo, 21 de Julho, para informar o rei dos resultados da reunião do Conselho, e este foi, no meu entendimento, o momento crucial do evento: o parecer favorável do rei, assim como do Conde de Barcelos e de Gomes Martins de Lemos que o acompanhavam, foi decisiva para o início de um dos fenómenos mais marcantes da História da humanidade. A frota deveria levantar ferro na QuintaFeira seguinte, 25 de julho, rumo a Ceuta. Tanto quanto sei, este assunto ainda não foi suicientemente explorado, quer em termos de investigação, debates e divulgação, quer no que respeita ao seu aproveitamento para possíveis atividades conducentes a recriações históricas, principalmente pelas escolas e demais população da autarquia. Mas, independentemente do valor histórico que este acontecimento possa ter, ele está carregado de simbolismo, pelo que deve ser registado e constituir um motivo de orgulho para todos os alhos vedrenses, de forma a enriquecer ainda mais o espólio cultural desta terra e destas gentes, cujo esforço e dedicação estão bem patentes nas frequentes atividades culturais aí realizadas.


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3.2 O ANTIGO CONCELHO DE RIBATEJO (1) (Jornal “O Rio” n.º 78, fevereiro de 2001)

A

formação do antigo concelho de Ribatejo perdese nos tempos, tudo indicando icar a deverse à expressão utilizada pelos espatários que estando em posse de Palmela desde 1186, altura em que aquele castelo foi doado por D. Sancho I à Ordem de Santiago da Espada, se referiam a uma extensa faixa ribeirinha compreendida entre o rio Coina e a ribeira das Enguias, a Oriente de Alcochete. Esta designação resulta fundamentalmente de dois fatores: a não existência de povoações de importância relevante nessa faixa litorânea na época da sua formação e, principalmente, porque o espaço em causa apresentava características tão uniformes que bastava a utilização de um termo bastante genérico para referir qualquer ponto inscrito no respetivo espaço. Esta ideia ganha consistência pelo facto de, inicialmente, o Condado de Alverca fazer parte dos locais com a designação de Ribatejo, afastandose progressivamente, provavelmente porque não se enquadrava plenamente nas características do espaço acima referido e que só a margem esquerda do estuário do Tejo reunia na sua plenitude. Embora tenha sido precoce a ocupação do espaço ribeirinho entre o rio Coina e a ribeira das Enguias, é só a partir de meados do século XIII que esta se efetua de forma sistemática, veriicandose desde então uma colonização progressiva de tipo parcelar, através da constituição de várias póvoas marítimas dispersas ao longo do rio, fundamentalmente vocacionadas para atividades relacionadas com a pesca e a extração do sal, e é no contexto da formação destes pequenos aglomerados popula cionais que Ruy de Azevedo airma ter sido formado o primitivo concelho do Ribatejo por volta dos inais do século XIII, o qual, apesar de rudimentar e sem sede própria para a realização das suas reuniões, possuía órgãos próprios e funcionários privativos, incluindo juiz e tabelião. A conirmação documental desta instituição só é possível a partir do primeiro quartel do século XIV, dandonos a entender que a criação desta agremiação municipal teve origem na designação atribuída desde o século XII pela Ordem Espatária à mencionada faixa litorânea, cuja designação foi ganhando consistência, acabando por se institucionalizar em função do aumento populacional veriicado e do seu desenvolvimento económico. A extensa documentação existente, maioritariamente constituída por aforamentos, emprazamentos, repartição de bens, doações e outros documentos, reiteram o acelerado desenvolvimento económico desta região transtagana a partir dos princípios do século XIV, especialmente nas áreas da viticultura, salicultura e atividade piscatória, numa clara resposta às solicitações emitidas pelo poder central. Contudo, este enigmático concelho tem permanecido algo anónimo, prestandose assim ao estabelecimento de alguma confusão com a atual província do Ribatejo, pelo que considero oportuno referir que, na fase inal da sua existência, o território do antigo concelho do Ribatejo


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correspondia “grosso modo” aos atuais concelhos de Alcochete, Montijo, Moita e Barreiro exceto Coina. Nos primórdios da sua formação, o antigo concelho de Ribatejo teria Sebonha ou Sabonha, hoje denominada São Francisco como sede paroquial. No entanto, essa situação veio a alterarse com o crescimento populacional das povoações a poente, na medida em que, no século XIV, já existiam duas sedes paroquiais para o respetivo concelho, conforme se pode concluir a partir de informação diversa, a qual conirma a existência da sede paroquial de São Lourenço de Alhos Vedros, cuja povoação era de uma importância relativamente importante já no século XIV, no contexto da parte ocidental do misterioso concelho de Ribatejo. Continua no Nº seguinte.


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3.3 O ANTIGO CONCELHO DE RIBATEJO (2)

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o seu estudo intitulado Anais de Alcochete, José Estevam airma que "A Comarca do Ribatejo era constituída no século XV pelo Concelho de São Lourenço de Alhos Vedros e pelo Concelho de Santa Maria da Sabonha, este último composto da Vila de Alcochete e dos lugares de Aldeia Galega, Samouco e Sarilhos". Esta airmação permitenos fazer várias inferências: em primeiro lugar, que Alhos Vedros já era concelho em pleno século XV, muito antes de D. Manuel I lhe ter atribuído carta de foral em 1514, o qual foi recentemente publicado pela Câmara Municipal da Moita em resultado de um excelente trabalho do Dr. José Manuel Vargas e da Dra. Maria Clara Santos, cuja leitura recomendo; segundo, que já se tratava de uma povoação de razoável importância no contexto da margem esquerda da foz do Tejo. Permitenos ainda constatar uma manifesta tendência, já nos anos inais da vida do antigo concelho de Ribatejo, para a sua desintegração, o que nos parece compreensível, tendo em consideração a distância que medeia entre os dois extremos desse antigo concelho, a precariedade dos transportes na época em questão e o extraordinário crescimento de Alhos Vedros veriicado a partir do século XIV. A desvitalização progressiva do lugar de Sabonha, a primeira sede paroquial do concelho de Ribatejo, devese fundamentalmente ao facto de ser uma povoação relativamente do interior face às localidades de Alcochete, Aldeia Galega e Alhos Vedros, as quais, por se situarem junto da margem do Tejo, atraíam as populações periféricas que aí acorriam em busca de melhores condições de vida, já que foi precisamente nessa orla ribeirinha que se desenvolveram muitas das atividades económicas que formaram o sustentáculo base desta região transtagana. Desta forma, faz sentido assistirse a um primeiro desmembramento do extenso concelho do Ribatejo em três grandes concelhos ribeirinhos Alhos Vedros, Alcochete e Aldeia Galega, vindo estes a adquirir foral manuelino nos princípios do século XVI, sabendose, no entanto, que duas destas localidades já tinham adquirido o estatuto de concelho muito antes da concessão dos respetivos forais. Com a concessão da carta de foral a Alhos Vedros em 1514 e simultaneamente de forma geminada a Aldeia Galega e Alcochete em 1515, o antigo concelho de Ribatejo via assim deinitivamente desmembrado o seu território inicial, enquanto que no mesmo espaço, três importantes concelhos consolidavam a sua autonomia administrativa. A vila de Coina não fazia parte do extenso concelho do Ribatejo, mas recebeu também foral em 1516. Esta povoação revestiase de particular importância na época, na medida em que era através do seu porto luvial que se estabelecia a ligação da cidade de Lisboa com o interior da península da Arrábida, especialmente no que respeita à região de Azeitão. Alhos Vedros viria ainda a desintegrarse posteriormente, sendo criado o concelho do Barreiro em 1521, às expensas de uma pequena parcela do seu território. Depois disso, a História temlhe sido madrasta. Tendo sido uma das vilas mais importantes da margem esquerda do estuário do Tejo, vêse sistematicamente secundarizada, ao arrepio do seu ilustre passado, e da vontade das suas gentes.


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3.4 PODER LOCAL E PATRIMÓNIO CULTURAL (Jornal “O Rio” n.º 80, março de 2001)

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a altura em que se prepara mais um plano de intervenção na zona ribeirinha da Moita, penso que é de todo o interesse uma aturada relexão sobre as medidas a tomar, de forma a procurar esse frágil equilíbrio entre o imperativo da preservação dos testemunhos do passado, e as exigências socioeconómicas da vida contemporânea e do futuro da comunidade. A questão da importância dos sapais para a manutenção do ecossistema ribeirinho já foi anteriormente abordada neste jornal. No entanto, a continuação da destruição do pouco que resta dos salgados na orla periférica entre o Lavradio e a Moita, não pode deixar de constituir motivo de preocupação, visto que, mais do que o sustentáculobase de toda a cadeia sistémica deste pequeno nicho ecológico, estão na génese do desenvolvimento económico e demográico da margem esquerda do estuário do Tejo, e são, por isso mesmo, a essência de um passado multissecular que deu forma e vida a todos os que dele descendem. Recordo as palavras do Professor e amigo Pedro Gomes Barbosa: conservar o quê, porquê, para quem e como? Só um trabalho de equipa, como aliás está consignado na lei, e sob o olhar atento da comunidade, será possível responder adequadamente a estas questões. Observemos alguns aspetos e relitamos sobre eles: Durante cerca de meio século, o Estado Novo privounos dos meios necessários que nos permitissem ter uma consciencialização clara com vista à defesa e preservação do património local. De matriz uniicadora e centralista, a ideologia totalitária privilegiava os grandes eventos e os heróis nacionais galvanizadores do espírito Pátrio, lançando para segundo plano, quando não para o esquecimento, o património cultural regional e local. A sua dispersão poderia arrastar consigo o perigo de desintegração e desvio dos valores centrais, facto que era necessário evitar a todo o custo. Com o im da ditadura e a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia hoje UE, estavam criadas as condições políticas necessárias para inverter a situação, sendo de salientar os trabalhos iniciados logo após 1974, sob a orientação do Prof. Pais da Silva, com vista à sensibilização para os problemas do património, e sob o patrocínio da então Direção Geral do Património Cultural, cuja obra virá a tornarse imprescindível como instrumento de relexão, intervenção, defesa e divulgação do património arquitetónico português, no âmbito dos pelouros da Cultura dos Municípios, Associações de Defesa do Património, Universidades e Departamentos de Estado. As diversas intervenções da UNESCO, nomeadamente através da Convenção de Paris 1972 e da recomendação relativa à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea Nairobi, 1976; a Carta Europeia do Património Arquitetónico do Conselho da Europa Amesterdão, 1975, e os diversos encontros sobre a defesa do património em Alcobaça em 1978, conjuntamente com a Carta de Veneza, lançaram as bases para a formulação e promulgação do DecretoLei nº 117/97, de 14 de Maio, criando o IPA Instituto Português de Arqueologia, o qual


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reconhece que "o estado incipiente de desenvolvimento e de estruturação em que se encontra a atividade arqueológica em Portugal tem sido causador de prejuízos acentuados para o País, tanto pela perda de património e informação de interesse relevante, nacional e internacional, como pela perda de investimentos vultuosos ...". Por outro lado, o DecretoLei nº 120/97, de 16 de Maio, estabelece as competências do IPPAR Instituto Português do Património Arquitetónico, criado por DecretoLei nº 106 F/92 de 1 de Junho, atualizado pelo DecretoLei nº 316/94, de 24 de Dezembro, e atribuilhe "como missão a salvaguarda e a valorização de bens materiais imóveis que, pelo seu valor histórico, artístico, cientíico, social e técnico, integrem o património arquitetónico do País". E adianta que "considerase património arquitetónico de interesse cultural ou, em equivalência, bens culturais imóveis integrantes do património cultural português ou património cultural arquitetónico as estruturas imóveis criadas pelo homem, ou que o homem produziu transformando a Natureza, dotadas de um valor simbólico". Assim, de entre outras competências, o IPPAR deve proceder à salvaguarda e valorização de bens imóveis classiicados e em vias de classiicação bem como das respetivas zonas de proteção; ... Pronunciarse, nos termos da lei, em articulação com os serviços e organismos competentes e autarquias locais, sobre planos, projetos, trabalhos e ações de iniciativa de entidades públicas ou privadas, no âmbito do ordenamento do território, do ambiente, do planeamento urbanístico e do fomento turístico, das obras públicas e de equipamento social, levadas a efeito em imóveis classiicados ou em vias de classiicação e respetivas zonas de proteção, sem prejuízo do disposto no DecretoLei nº 284/93 de 18 de Agosto". Recordese que já a Carta de Veneza consignava nos seus princípios a deinição de monumento histórico, a qual engloba "a criação arquitetónica isolada, bem como o sítio rural ou urbano que testemunhe uma civilização particular, uma evolução signiicativa ou um acontecimento histórico. Esta noção estendese não só às grandes criações, mas também às obras modestas que adquiram com o tempo um signiicado cultural". E, no seu Artº 2º, apela à "participação de todas as ciências e de todas as técnicas que possam contribuir para o estudo e salvaguarda do património monumental". A questão parece colocarse nos seguintes termos: libertos das peias políticas que nos aprisionaram durante décadas e providos de legislação adequada, será que todos estes pressupostos estão a ser salvaguardados?


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3.5 O COMPLEXO DOS FORNOS DE BISCOITO DE VALE DE ZEBRO Contributo para a história do antigo concelho de Alhos Vedros (Jornal “O Rio” n.º 89, agosto de 2001)

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mbora se inscrevam dentro da circunscrição administrativa do atual concelho do Barreiro Escola de Fuzileiros os fornos do biscoito de Vale de Zebro faziam parte do antigo concelho de Alhos Vedros, e representaram durante séculos um dos mais importantes empreendimentos reais, dada a importância do biscoito para a alimentação das tripulações das armadas e das guarnições das fortalezas que entretanto se foram ediicando aos longo dos territórios conquistados, especialmente em África e no Oriente, durante a expansão portuguesa. Tratavase de uma espécie de pão feito de trigo, sal e água, de forma achatada, cozido no forno, uma ou duas vezes, para se conservar durante muito tempo, mais de um ano, por vezes. Não é conhecida a data exata da construção destes fornos, nem tão pouco as suas dimensões iniciais, mas, segundo documentação a que tivemos acesso numa recente investigação, levanos a acreditar que terão sido construídos em data não muito afastada da dos seus congéneres da Porta da Cruz, nas Tarracenas, em Lisboa, construídos por volta de 1487. No entanto, pela natureza dos materiais que constam em algumas cartas de quitação de D. Manuel I referentes aos inais do século XV e princípios do século XVI, tudo indica que as infraestruturas do complexo fornos e moinho, terão sido bastante ampliadas, já que dessa relação fazem parte grandes quantidades de material de construção. O "Regimento dos Fornos de Vale de Zebro", datado de 22 de julho de 1653, e inscrito no Systema ou Colecção dos Regimentos Reaes, Tomo Terceiro, 1785, dá conta da grandeza e importância das instalações, bem como da deinição de funções dos seus funcionários, muito embora não pormenorize. No entanto, em 1842, uma descrição do local feita pelo Príncipe Felix Lichnowsky, refere que no Vale de Zebro existe "uma estreita ponte, de muitos centenares de passos de comprimento, conduz do ancoradouro, por cima de terrenos encharcados, até junto a uma grande padaria real, que antigamente era destinada para fornecer todo o exército. Um moinho, que faz parte deste espaçoso ediício, põe em movimento oito pares de mós colossais, que no tempo da maré podem trabalhar durante doze horas e moer diariamente 160 sacos. Um grande celeiro, cuja abóbada é sustentada por 48 pilares, pode recolher simultaneamente 70.000 sacos de trigo, e 32.000 barricas de farinha. Durante a Guerra Peninsular preparavamse ali diariamente, em 27 fornos, 100.000 rações de pão; em cada um daqueles fornos podem, por sua vez, cozerse quatro sacos de farinha. Este grandioso estabelecimento é de origem muito antiga; contudo, não se sabe com exatidão a data da primeira ediicação. No princípio do século ardeu tudo; reediicouse de novo em 1736 ...". Príncipe Felix Lichnowsky, Portugal – Recordações do ano de 1842, Edições Ática, p. 125. A descrição pormenorizada das dimensões deste complexo, será feita


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posteriormente por António Lopes da Costa e Almeida, "Memória HistóricoTopográica", in Anais Náuticos e Coloniais, 4ª série, nº 10, 1884. Para além de um centro de produção por excelência, este complexo tornouse um importante polo de desenvolvimento económico da margem esquerda do estuário do Tejo, contribuindo para o aumento do prestígio do concelho de Alhos Vedros, cuja memória teimosamente alguns tentam fazer cair no esquecimento.


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3.6 ASPETOS A CONSIDERAR ACERCA DAS PRIMEIRAS JORNADAS NA MOITA SOBRE HISTÓRIA E PATRIMÓNIO LOCAL EM SETEMBRO DE 2001 (Jornal “O Rio” n.º 93, outubro de 2001)

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o meu ponto de vista, esta iniciativa, para além de louvável, poderá constituir um ponto de partida para uma nova fase no que concerne à abordagem da História Regional e Local, tanto na área da investigação cientíica, como na produção do discurso historiográico daí emergente, tudo dependendo da sequência que lhe venham a dar, depois de uma relexão aturada sobre os trabalhos apresentados que, tanto quanto penso, serão editados em Atas posteriormente. O problema, apesar de pertinente, é complexo e tem de ser abordado sobre múltiplas vertentes: Em primeiro lugar, há que romper com a ideia de que a História Regional e Local é “um parente pobre” uma espécie de ciência subsidiária da História Geral, facto que nada tem contribuído para o seu desenvolvimento. Quase ignorada durante a ditadura por compreensíveis incompatibilidades com o Estado uniicador e totalitário, foise airmando lentamente após o 25 de Abril de 1974 com resultados interessantes. Na margem Sul, teve lugar em novembro de 1988 o 1º Encontro de Estudos Locais do Distrito de Setúbal, realizado na Escola Superior de Educação/Instituto Politécnico de Setúbal, durante três dias. Depois disso, para além de outras iniciativas similares, têm sido desenvolvidas várias atividades em Palmela no âmbito das Ordens Militares, que muito têm contribuído para um melhor conhecimento da atividade humana na circunscrição administrativa do atual concelho da Moita. Também a abertura de cursos pósgraduados na área de História Regional e Local, parecem erradicar de vez os “tabus” que eventualmente ainda possam persistir sobre a sua utilidade. Em segundo lugar, temos o problema dos Arquivos Municipais. Tanto quanto sei, a maior parte destes “Arquivos” reduzemse a simples depósitos de documentos, mais ou menos protegidos consoante a consciência de quem os protege. Muitos não estão organizados indexados e catalogados, impedindo a sua normal consulta, salvo algumas exceções de pessoal especializado ou investigadores que para o efeito obtenham especial autorização, o que nos parece aceitável, dadas as circunstâncias. Penso que também nesse âmbito os responsáveis pelo pelouro da cultura da Câmara Municipal da Moita estão a dar passos importantes. A criação de um núcleo vocacionado para a exploração do acervo documental existente no “Arquivo Municipal” e respetiva divulgação, se bem que não resolva o problema, pelo menos poderá dar um contributo importante para a dinamização da prática da investigação sobre assuntos referentes à História Local. Para consumar tal projeto, urge que a autarquia tome medidas no sentido de proceder à organização do “Arquivo” por pessoal especializado


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ou por eles coordenados, aspeto que me parece ainda não ter sido contemplado. No entanto, e porque se trata de uma circunscrição administrativa que sofreu várias e profundas alterações em termos de fronteiras ao longo dos tempos, não sendo a Moita sede de concelho durante séculos, mas sim Palmela, Ribatejo, e Alhos Vedros, e por razões diversas, muita da documentação escrita encontrase distribuída por outros Arquivos, nomeadamente na Torre do Tombo em Lisboa e no Arquivo Distrital de Setúbal. Daí a importância destas jornadas, já que, mais do que um primeiro encontro desta natureza, pretende reunir um painel bastante abrangente, onde especialistas de várias áreas especíicas e épocas diferenciadas, tornam públicos os resultados das suas investigações. Em terceiro lugar, o interesse da História Regional e Local não deve reduzirse apenas aos aspetos focados, na medida em que pode desempenhar um relevante papel no ensino da História, nomeadamente nas vertentes formativa, cientíica e metodológica. Se bem orientada, pode ser utilizada como estratégia no complexo processo de ensino/aprendizagem, beneiciando quem ensina e quem aprende, conduzindo os alunos ao contacto com as fontes, suscitando a leitura e interpretação e a escrita, contribuindo decisivamente para a aquisição de um espírito de autonomia, para o saber e o saberfazer, no quadro das novas estratégias psicopedagógicas. Penso que será também uma forma de estreitar o relacionamento escolameio, aprender a valorizar e preservar o património, e um excelente contributo para a formação integral do indivíduo. Há que fazêlo imediatamente.


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3.7 DUAS PALAVRAS SOBRE O PAPEL DOS SAPAIS NA DINAMIZAÇÃO DOS ESPAÇOS RIBEIRINHOS (Jornal “O Rio”, de 2001)

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s sapais estuarinos desempenharam desde muito cedo um papel imprescindível no desenvolvimento de toda a margem esquerda do estuário do Tejo. Como zonas transientes que são, os sapais, vulgarmente denominados por salgados, são portadores de gradientes ísicoquímicos em permanente mutação, constituindo assim um ambiente dinâmico propício ao desenvolvimento de vida no seu interior, bem como de seleção das abundantes formas de vida aí desenvolvidas. Na realidade, os ecossistemas característicos dos estuários dos grandes rios têm lugar entre os sistemas mais produtivos e diversiicados de vida na Terra. No seu pulsar permanente, duas vezes por dia as marés transportam consigo milhões de partículas em suspensão constituídas por nutrientes inorgânicos, as quais são depositadas durante a vazante em todas as extensas áreas que estiveram cobertas durante a enchente. Transformada em detritos e plantas microscópicas, conjuntamente com algas superiores e demais vegetação, esta matéria orgânica é de uma riqueza extraordinária e é constituída por excelentes componentes bióticos, ideais para suportar a complexa cadeia alimentar própria do estuário. Se o depósito das partículas em suspensão alimenta uma diversidade de espécies mais ou menos sedentárias, grandemente formadas por moluscos, outras formas de vida encontram nas águas aquecidas das caldeiras dos sapais, naturais ou artiiciais, um local ideal para a sua reprodução. Assim acontece com algumas espécies piscícolas, as quais encontram aí um refúgio afastado de alguns predadores durante a primeira fase da sua existência. São muitas as referências documentais que atestam a riqueza faunística do Tejo e do seu estuário desde os tempos mais remotos. E se algumas são de todo exageradas, outras merecem a credibilidade própria de quem as escreveu, reletindo precisamente a diversidade e a enorme quantidade de formas de vida aí existentes, nomeadamente no que respeita às espécies piscícolas, moluscos, crustáceos e vertebrados marinhos, estes últimos maioritariamente constituídos por peixes das mais variadas espécies. A predominância de extensas áreas de lodaçais, de sapais e de caniçais, fazem com que este ecossistema apresente uma variadíssima diversidade faunística, cuja população excede de longe a que foi anteriormente focada. Na verdade, estes ambientes húmidos e aquecidos são de todo propícios à cultura de populações de insetos, de aníbios, répteis, mamíferos e aves que encontram na margem esquerda do estuário deste majestoso rio, o local ideal para a sua alimentação, ou para aí nidiicarem. Sendo as margens ribeirinhas as mais acessíveis, estas reuniam os requisitos fundamentais para que desde cedo os sapais se tenham transformado num polo atrativo sobre as populações periféricas, quer para daí extraírem os seus meios de subsistência, quer para a prática de atividades lúdicas pelos mais poderosos, nomeadamente a caça.


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3.8 À DESCOBERTA DA HISTÓRIA LOCAL (I) (Jornal “O Rio” n.º 176, maio de 2005)

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epois de uma breve ausência sobre assuntos relacionados com História Local, estamos de regresso novamente e, desta vez, com a proposta de uma espécie de jogo didático que esperamos ser aliciante, cujo objetivo consiste em levar os nossos leitores à descoberta de personagens e assuntos que marcaram as localidades que têm cobertura pela distribuição deste periódico, com particular incidência no antigo concelho de Alhos Vedros, pelo qual iniciamos esta digressão território que se estende desde Sarilhos Pequenos até próximo de Coina, excluindo o Barreiro a partir de 1521 e o Lavradio a partir de 1670. As personagens e os assuntos tratados no texto são reais; o discurso está propositadamente romanceado e não datado. O objetivo consiste em fazer com que o leitor tente através do texto, ou com recurso a informação complementar, descobrir tantos itens quanto possível. Neste caso, a data em que estes factos ocorreram, como era a vida municipal alguns séculos atrás, nomeadamente a composição do senado, quem os nomeava, quais as suas funções e outros cargos municipais focados no texto e de importância fundamental na administração local. Por último, o leitor deverá tentar captar a questão de fundo que está subjacente em todo o texto e que, apesar de implícita e iccionada, não deixa de ser real, como a seu tempo veremos. As soluções serão apresentadas nos números seguintes neste jornal.

Meditações de António Moreira de Sena Rosa e Barbuda Finalmente terminou mais uma reunião daquelas que parecem não ter fim. Longe vão os tempos em que tudo se azia num piscar de olhos. Não havia necessidade de tantas ormalidades como agora, pois raramente o juiz de ora estava presente para presidir às reuniões. Compreendo que é essa a sua unção, mas durante séculos só raramente aparecia, e a vida não parava. Para nós, era um alívio: o vereador mais velho assumia as unções de juiz pela ordenação, os outros dois vereadores nem sempre apareciam, o procurador do concelho estava mais descansado das suas obrigações, e a vida lá continuava, pois todos nos conhecíamos, e como os cargos eram mais ou menos rotativos, convinha que nos entendêssemos, porque, no undo, precisávamos uns dos outros. O que verdadeiramente interessava era o que eu escrevia nas atas. A verdade, só nós a conhecíamos. Agora, tudo mudou. Raras são as sessões do senado em que Manuel Pires Querido Leal não esteja presente. Sempre desconfiado, ala de Sua Majestade por tudo e por nada com aquela pose de superioridade que até parece que transporta o rei na barriga. Feitas as contas, desde a sua apresentação e tomada de posse na vereação de 8 de maio do ano passado, a sua presença tem sido ainda mais assídua que a do seu antecessor, o juiz José Vitorino de Andrade. Saa! Nem nos deixa respirar. Qualquer dos vereadores mais velhos que servem este ano, o capitão João Joaquim de Bastos ou o aleres Simão Alves Casal, desempenham eficazmente essa unção sem serem necessárias tantas ormalidades!


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As reuniões dos meses passados, apesar de chatas, não oram muito trabalhosas. Na reunião de 1 de Setembro, o porteiro António Correia despachou a arrematação da renda da “tanoagem” sem grandes dificuldades, depois de ter dado algumas voltas à Praça do Pelourinho com um ramo verde na mão apregoando em voz alta “quem menos dá pela tanoagem da vila e termo venha-se a mim e dar-lhe-ei o lanço” o que aconteceu de imediato a Manuel Luís, homem cá da vila, pelos preços de 400 réis a roda de arcos de pipa e a dobrar para os de tonel. Tudo o resto, as liassas de vimes, aduelas, jornais de oficial a seco e a de comer, tudo respeitava os preços do ano anterior, o que para o tanoeiro era mau, pois significava que o seu salário não tinha aumentado, mas para mim, era bom que assim osse, visto que evitava ter de escrever mais um ou dois ólios a repetir todos aqueles termos por extenso. Bastava dizer “e tudo o mais pelos preços que consertaram o ano passado”. A vereação de 7 de setembro, poderia ter sido complicada, dada a natureza dos assuntos a tratar, mas na verdade não oi. Primeiro, pela sua ausência, o que sempre simplifica as coisas, segundo, porque também eu não estava presente, sendo o meu substituto Manuel de Gamboa, a ter de trasladar uma provisão de Sua Majestade. A vereação de 20 de setembro calhou-me a mim outra vez, mas como ele não esteve mais uma vez presente, tudo se ez rapidamente. Até parece que a pena deslizou com outra velocidade. Atribuímos o preço ao vinho (550 réis o almude), arrematámos as lenha velhas do desmancho da Câmara, a João de Matos, por um preço razoável, diga-se (1.200 réis pela lenha, 600 réis pelos quatro postigos dos armários, e pelas duas portas do mesmo desmancho 600 réis). Ainda bem: conseguimos algum dinheiro para algumas despesas correntes e demos solução a uma determinação do juiz de ora datada de 28 de março deste ano. Era menos um assunto pendente. A vereação de 15 de outubro, oi um pouco invulgar. A alta de observância das posturas sobre as abelhas obrigou o juiz e os outros oficiais presentes a chamar o porteiro para lançar pregão anunciando “que se houvesse alguma pessoa que tivesse os ditos enxames (nos quintais) os tirasse até o fim do presente mês com a cominação de serem condenados na orma da postura que há ao dito respeito”. Apesar de ter sido mais um dia extenuante para todos nós, oi particularmente severo para mim, pois sou eu que tenho de escrever direitinho tudo o que or determinado. No entanto, sinto-me eliz por ter cumprido com determinação a minha unção. Afinal, é para isso que me pagam. Assinaturas: Querido, Batista, Silva, José.


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3.9 À DESCOBERTA DA HISTÓRIA LOCAL (II) (Jornal “O Rio” n.º 177, junho de 2005)

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o cumprimento da nossa palavra, cumprenos dar solução às questões levantadas no artigo por nós publicado no número anterior deste jornal. Porque as questões são várias e de natureza diversa, optámos por iniciar as respostas pela questão principal que, por ser transversal a todas as outras, merece particular atenção: a problemática relacionada com o juiz de fora versus elites locais. À semelhança do que se passava em tantos outros concelhos manuelinos de pequena ou média dimensão, também o senado da Câmara de Alhos Vedros partilhava de idênticas magistraturas: um juiz de fora, de nomeação régia, o qual presidia às reuniões do senado, três vereadores e um procurador do concelho. Contudo, o extenso levantamento por nós efetuado relativamente ao quotidiano deste senado a partir do século XVII, permitenos concluir que o papel do juiz de fora em Alhos Vedros, pelo menos durante a segunda metade do século XVII e parte do XVIII, à semelhança de tantas outras situações no país, tinha um carácter mais teórico do que real, visto raramente participar nas sessões camarárias, sendo nessas circunstâncias substituído pelo vereador mais velho, designado juiz pela ordenação. Aliás, o juiz de fora nomeado para o concelho de Alhos Vedros tinha também a incumbência da mesma função para a Vila de Palmela, sede de mestrado, e todas as outras da sua circunscrição, facto quase sempre referenciado nas atas das reuniões em que participava, como a título de exemplo podemos veriicar no termo de juramento de 27 de Fevereiro de 1672, dado aos novos oiciais para servirem o referido ano nesta Câmara, ao qual presidiu o “licenciado Francisco Quinhones de Almeida, juiz de Fora nesta vila e em Palmela com alçada por sua alteza que Deus guarde”. O juiz de fora era normalmente um letrado com mandato régio por três anos, sendo provido de uma licenciatura, como no caso presente, ou bacharelato, também encontrados neste concelho. Com autoridade do poder central, cumprelhe participar e presidir às reuniões e ser ouvido sobre os assuntos mais importantes da vida municipal, o mesmo é dizer que constituía, de certo modo, uma intromissão e um obstáculo à atuação do funcionalismo municipal, quase sempre ocupado e não poucas vezes movido por interesses das elites locais que, de forma mais ou menos rotativa, se iam alternando, criando condições propícias a um certo laxismo no exercício das suas funções, por vezes acompanhado de situações de abuso de poder. A partir de meados do século XVIII, se bem que de forma não uniforme, a sua presença fazse sentir com mais frequência, o que, curiosamente, veio trazer uma melhor “arrumação” à administração dos assuntos do concelho, facto veriicável a partir do rigor com que os assuntos aparecem tratados na documentação respetiva, como aconteceu na década de setenta do referido século, correspondente ao período em que o nosso conhecido António Moreira de Sena Rosa e Barbuda era escrivão do


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senado da Câmara de Alhos Vedros. Parecenos assim crível que as suas “meditações” tivessem razão para existir, tal como de todos os outros oiciais locais. Como em tantas outras circunstâncias, as pautas com a designação dos novos oiciais eleitos por um ano para a Câmara vereadores, procurador eram feitas em Lisboa, sendo enviadas para o concelho de Alhos Vedros no inal do ano, normalmente em Novembro, onde eram abertas e trasladadas em Livro de Atas da reunião do senado nos Paços do concelho, onde deveriam estar presentes todos os oiciais cessantes, os quais, depois de tomarem conhecimento do seu conteúdo, mandavam chamar os novos oiciais designados para lhes ser dado juramento. A reunião do Senado desta Câmara de 31 de dezembro de 1687 para a abertura da carta com a pauta dos novos oiciais para o ano de 1688, constitui um exemplo tipo desta formalidade e que achamos conveniente registar, cujo teor é o seguinte: “Aos trinta e um dias do mês de Dezembro de mil e seiscentos e oitenta e sete anos, nesta vila de Alhos, Vedros nos Paços do concelho dela, foram juntos em Câmara o doutor Gabriel da Orta Pedrozo, Juiz de fora dela e da de Palmela, e bem assim o vereador Pedro Nunes e o vereador Manuel Martins Donel e faltou nesta Câmara o vereador António da Silva por estar fora da terra, e assistiu o procurador do ano passado por ser falecido o deste ano, e sendo juntos os ditos oiciais da Câmara logo nela abriram a pauta e carta de sua Majestade para os novos oiciais que hão de servir neste senado o ano que vem de mil e seiscentos e oitenta e oito, a qual pauta e traslado dela mandaram os ditos oiciais aqui trasladar e é seguinte – Inácio Lameiras que a escrevi: Juiz Vereadores e procurador da Câmara da vila de Alhos Vedros, eu El Rei vos envio muito saudar, hei por bem que as pessoas abaixo nomeadas sirvam os cargos para que vão eleitos o ano que vem de mil e seiscentos e oitenta e oito, enquanto eu assim o houver por bem não mandar o contrário – Luís Godinho Dinis a fez em Lisboa a 25 de Novembro de 1687, José Fagundes Bezerra a fez escrever = Rei = Eleição da vila de Alhos Vedros: Vereadores: João da Cunha, António Nunes e Francisco de Oliveira; Procurador do Concelho: Domingos Rodrigues Tripa”.

Os aspetos formais não seriam signiicativamente alterados ao longo do Antigo Regime.


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3.10 OS MOINHOS DE ALHOS VEDROS: CONTRIBUTOS PARA O SEU CONHECIMENTO (Jornal “O Rio”, reimpresso posteriormente em dezembro de 2007 na Revista Foral 2014, por uma questão de enquadramento temático)

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a sequência dos trabalhos que têm vindo a ser desenvolvidos junto do Moinho do cais de Alhos Vedros com vista à sua recuperação, e porque este assunto foi abordado recentemente num seminário sobre História Local realizado no Centro Paroquial de Alhos Vedros em 29 de Setembro do presente ano, constatouse a existência de falta de registos escritos referentes ao referido imóvel, que em muito beneiciariam os trabalhos e ajudariam a compreender a História, assim como a importância deste moinho, e de outros aqui existentes, para os habitantes da vila. No sentido de dar o meu contributo, embora pouco signiicativo, certamente, aqui deixo alguns apontamentos que poderão ser de alguma utilidade: O Sítio do Porto, assim designado, era composto por três fogos tributáveis, pelo menos em meados do século XVIII. Em 1762, por exemplo, existia uma estalagem, propriedade de Luís Albuquerque Mendonça Furtado, que por esta altura andava arrendada a André de Matos, pela quantia de 20.000 réis anuais, sendo as escrituras de arrendamento feitas normalmente por três anos. Do arrolamento constam também umas casas arruinadas e demolidas, propriedade de Manuel Lopes. Constam ainda as casas de Luís de Albuquerque Mendonça Furtado, com a seguinte constituição: – Casas com 7 sobrados, lojas e horta, por si ocupadas; – Um moinho de água salgada, com 4 pedras, pertencente às ditas casas e junto a elas, e do mesmo senhorio, arrendado a António Tavares pela quantia de 150.000 réis, sendo os consertos por conta do senhorio, abatidos na forma do rendimento o valor baixava, neste caso, para 105.000 réis. Temos escrituras de arrendamento dos moinhos da família Mendonça Furtado desde o século XVII, pelo menos, das quais constam quase sempre dois moinhos “os quais moinhos têm nove engenhos moentes e correntes, a saber: o moinho novo cinco engenhos e o moinho chamado Azenha quatro engenhos …”. Na escritura de arrendamento dos ditos moinhos, realizada em 15 de janeiro de 1692 entre o seu proprietário, Tristão de Mendonça Furtado e o rendeiro, João Dias, morador no Lavradio, constam alguns elementos que, pela sua natureza, achamos conveniente deixar aqui o registo. As obrigações eram as seguintes: “… as portas de água que forem necessárias no decurso deste tempo serão por conta do senhorio; todo o custo delas e o custo dos rodízios que forem necessários pagará ele rendeiro a metade, e o senhorio outra metade … e tudo o mais que for necessário nos ditos moinhos, de madeiras e ferramentas, pagará o dito João Dias; e


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outrossim pagará a conhesenssa a Sua Majestade em cada um ano, e os engenhos das pedras entregará no cabo deste arrendamento, medidos aos palmos, como agora se lhe mediu pela … maneira seguinte: o moinho da Senha Asenha, ou Azenha, pedras alveiras sete palmos e meio, de pedra castelhana, um palmo e dois dedos; tinha mais uma fraldilha …, um veio velho, uma alavanca de ferro dois …”1. Em 1748 já o moinho da Azenha aparece sozinho nas escrituras de arrendamento, situação que se mantém posteriormente. Em fevereiro de 1759, é lavrada outra escritura de arrendamento de “… um moinho chamado da Asanha junto do palácio pertencente ao dito morgado, nesta vila …”, então propriedade do morgado de Luís de Mendonça e sua mulher, Dona Inês Joana de Carcome, que estes têm por falecimento de sua sobrinha, Dona Teresa Madre de Deus Mendonça Furtado. O arrendamento foi feito pelo tempo de três anos, como acontecia normalmente neste tipo de contratos, pelo valor de 150.000 réis em cada ano, cujo rendeiro, António Tavares, se comprometia a respeitar conforme o estilo. Existem registos da ligação de António Tavares e sua família a este moinho desde cerca de 1743, ano em que consta o seu nome, o de sua mãe, Violante Maria, viúva, Jozepha Maria, ilha e um criado de nome Jozeph. Três anos depois, já consta também a sua mulher, Joana de Almeida, Nicolau Correia, também moleiro e um carregador chamado Francisco Martins Prantas. Em 1748, para além da mãe e da esposa, do seu agregado faziam parte dois auxiliares, João António e Francisco Gregório, solteiros, enquanto que o nome de Nicolau Correia, o outro moleiro, surge junto do Moinho Novo. No entanto, voltaria de novo para o Moinho da Azenha. Nos anos de 1751 e 1752, não consta António Tavares, mas sim José Cordeiro2. No próximo artigo falaremos sobre a estalagem de Alhos Vedros.

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Dada a sua extensão, o texto foi atualizado e simplificado. ADS, Notarial de Alhos Vedros, cx. 4380, liv. 30, fls. 15-16. João Cosme, Fontes para a História de Alhos Vedros, Ed. da Junta de Freguesia de Alhos Vedros, dezembro de 1998.


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3.11 A ESTALAGEM DO PORTO DE ALHOS VEDROS (Jornal “O Rio”)

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al como referimos no artigo anterior a propósito do Moinho do Cais de Alhos Vedros e do Moinho Novo, temos conhecimento de apenas uma estalagem nesta vila, situada junto ao porto, propriedade da família Mendonça Furtado. Em 1762, andava arrendada ao estalajadeiro André de Matos por cerca de 20.000 réis de renda. No entanto, muitos outros registos atestam a sua existência desde tempos muito mais remotos, altura em que este porto ainda tinha uma dinâmica diferente, a avaliar pelo valor da renda e pelo pessoal a seu cargo. Estamos convencidos que, nos inais do século XVII, esta estalagem estaria muito arruinada, pois em 1690 foi arrendada pelo proprietário de então, Tristão de Mendonça Furtado, por 75.000 réis a António Gomes Penteado, morador em Aldeia Galega, por um período de três anos, na condição do seu dono suportar os encargos de “consertar a dita estalagem de tudo o necessário, assim de telhados como manjedouras da dita estalagem”. Três anos depois, ainda o rendeiro era o mesmo, sendo que o valor da renda já tinha subido para 80.000 réis, valor pelo qual foi arrendada em 1695 a João Lourenço de Góis. Dois anos depois, em 1697, já o valor da renda tinha subido para 100.000 réis, arrendada a João Dias. A partir do início do século XVIII os valores da renda baixam progressivamente de tal forma que, em 1757 a renda já se icava por 40.000 réis, mostrando que as atividades em seu torno tinham entrado em declínio, a favor do porto da Moita, o mais frequentado para as travessias de então em direção a Setúbal. A corroborar o nosso raciocínio constatamos que, nos inais da década de 30 do século XVIII, eram ainda contabilizados dois fogos na Estalagem com cerca de uma dezena de pessoas, reduzidos para um fogo na década de 40, com cerca de metade de pessoas contadas. No início da década de 50, já só consta uma pessoa no sítio da Estalagem, um tal António Peves em 1751, e Bento Francisco, guarda da Estalagem, em 1752.


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3.12 AINDA SOBRE OS “MENDONÇA FURTADO” E OS MOINHOS DE ALHOS VEDROS (Jornal “O Rio”)

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omo anteriormente foi referido neste periódico, de entre os vários bens dispersos pelo concelho, a família Mendonça Furtado era possuidora de dois moinhos nesta vila, a saber: o Moinho Novo de cinco engenhos e o Moinho da Azenha de quatro. Contudo, nem o seu extenso património, nem o seu estatuto social da nobreza, impediu esta família de se vergar à cruel circunstância de ter de recorrer ao empréstimo de 200.000 réis a António da Silveira, mestre carpinteiro e morador no Barreiro, de forma a fazer face às suas despesas quotidianas. E nem mesmo o facto de se revestir de um carácter muito peculiar, uma espécie de adiantamento de uma renda dos seus moinhos, estes empréstimos evitavam a exposição de um membro da nobreza perante uma situação pouco desejável. Na verdade, numa escritura de empréstimo datada de 11 de Setembro de 1694, feita na vila de Alhos Vedros nas casas e quinta de Tristão de Mendonça Furtado, mestre de campo governador da praça de Moura e comendador da ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, pode lerse “… e loguo pello dito tristam de Mendonça furtado foi dito que por lhe ser nesesario ao prezente algum dinheiro para seus guastos avia roguado ao dito Antonio da silveira lhe quizese prestar duzentos mil reis para cuio paguamento lhe consignaria os rendimentos dos seus Moinhos sitos iunto a esta dita villa com as obriguasois ao diante declaradas …”. O empréstimo foi feito na altura, em moedas de ouro, e o pagamento seria feito da maneira seguinte: “… por sento e vinte mil reis que lhe paga de renda em cada hum anno o moleiro ou moleiros dos seus moinhos chamados o moinho novo e o moinho dasenha pellas pagas custumadas e comforme o arendamento que lhes tiver feito, os quais paguamentos lhes faram os ditos moleiros a elle dito Antonio da silveira, do que se for vensendo do primeiro dia de Janeiro do anno que vem de mil e seis centos e noventa e sinquo em diante, the com ifeito acabarem de paguar e inteirar a dita quantia dos duzentos mil reis …”1. Na verdade, esta escritura não viria a ter efeito por desentendimento das partes. Mas mesmo assim é reveladora de que, à semelhança do que se passava por toda a Europa do Antigo Regime, grande parte da velha nobreza estava falida, enquanto que as máquinas dos Estados, cada vez mais pesadas e burocratizadas, eram alimentadas por uma tremenda sobrecarga de impostos, à semelhança do que se passa nos nossos dias. ADS, Notarial de Alhos Vedros, cx. 4380, liv. 31, fls. 85-86v. Toda a informação que disponibilizamos tem cobertura documental, a qual temos em nosso poder. Transcrevemos apenas alguns excertos de forma a fundamentar o nosso raciocínio, revelando a fonte. Caso não o façamos, estamos disponíveis para o fazer caso sejamos solicitados.

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3.13 UM REGISTO PARA A HISTÓRIA DA BAIXA DA BANHEIRA (Jornal “O Rio”)

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os dez dias do mês de março do ano de 1512, o mosteiro de Chelas, situado no termo de Lisboa, procedeu ao emprazamento de uma marinha a Estevam Afonso Palmeiro, morador na vila de Alhos Vedros em Ribatejo. Esta marinha situavase entre Alhos Vedros e o Lavradio. Aparentemente, o as sunto não parece ser digno de realce, pois poderia tratase apenas de mais uma das largas dezenas de marinhas que as ordens religiosas possuíam no antigo concelho de Ribatejo, com particular incidência no cenóbio feminino do mosteiro de Santos que, só nas imediações desta vila, as comendadeiras possuíam cerca de meia centena destas unidades de produção. Contudo, uma leitura mais atenta deste belo pergaminho composto por sessenta e seis linhas escritas em gótico cursivo e em excelente estado de conservação, desperta desde logo a nossa atenção para dois aspetos essenciais: o facto de ser composta por cento e trinta talhos e dois viveiros, um em cada cabo e, mais importante do que isso, porque o sítio onde se encontrava a respetiva marinha era conhecido por Banheira já nos princípios o século XVI, tudo indicando, portanto, tratarse do topónimo mais antigo conhecido sobre cujos alicerces viria a erguerse a atual Baixa da Banheira, uma das localidades mais populosas da margem esquerda do estuário do Tejo. Por outro lado, e porque o documento refere o número de talhos, o que raramente acontece em tantos outros por nós consultados, permitenos uma referência, se bem que muito vaga, da dimensão dos salgados nesta região, conirmando a importância que o sal do Ribatejo tinha para a economia regional, e até nacional, ainda no século XVI, apesar do centro de gravidade da salicultura nacional se estar entretanto a deslocar para Setúbal. Seguese a transliteração na íntegra da primeira parte do documento, um registo e um modesto contributo para a história da Baixa da Banheira.

“En nome de deos Amen. Saibam quamtos este estormento d´emprazamento em vidas de / tres pesoas virem que no anno do naçimento de noso senhor + Jesu + Christo de mill E / quinhemtos E doze annos dez dias do mes de Março em ho moesteiro d´Achellas termo da cidade / de lixboa na casa do cabido Estando hy presemtes as verteuosas E deuotas donas / do dicto muesteiro scilicet a senhora dona byatriz de castellbramco prioresa E Tareja Fernandez / E violante abull E marja afomso E marja diaz E marja vaaz E catarina maosynha E Janevora carota / E ysabell Galuva E jsabell do campo E bryatriz de macedo e bramca leytoa E dona / miçia pereira E dona marja valemte E outras donas do comvemto do dicto / moesteiro todas chamadas a cabido e cabido fazemdo per som de campana tamgida segundo / seu boom custume E diseram as ditas donas que vemdo ellas E comsyramdo / ser seruiço de deos E proveito do


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dicto seu moesteiro emprazarem como loguo de feyto / emprazarom a esteuam afomso palmeiro murador na villa d´alhos Vedros em Ri / batejo que presente estaua huma marynha que o dicto seu moesteiro tem amtre alhos / vedros E ho lauradio honde chamom a banheira que parte do norte com marynha de / thome afomso e do sull com marjnha ou viueiro que foy de fernam lourenço E do / poemte com caminho do concelho E do levamte com ho mar a quall marinha tem / cemto e trimta talhos E lha emprazom com seus dous viueiros huum de huum cabo / e outro do outro e com seus muros logramentos djctos e pertemcas emtradas e / saydas intejramente como pertence ao dicto moesteiro ...1.

IAN/TT., Convento de Chelas, mç. 73, nº 1451, 10 de março de 1512. Presentemente já foram identificadas referências mais antigas a este topónimo.

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3.14 FUNÇÃO FORMATIVA DA IMPRENSA REGIONAL E LOCAL (Jornal “O Rio”)

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uma altura em que “O RIO” comemorou 4 anos de existência e 100 números publicados, aigurasseme correta uma breve relexão acerca da sua existência, assim como da forma como, no meu entendimento, tem desempenhado a sua função. “O RIO” nasceu naturalmente, cresceu, conquistou um espaço e consolidouo. Não nasceu espontaneamente em consequência de um impulso explosivo resultante de uma qualquer transformação institucional ou política marcante – exemplos de que a História está cheia e que os torna de efémera duração – mas sim da necessidade de preencher uma lacuna espacial, onde a informação sobre assuntos de natureza local e regional estava praticamente ausente. Mas “O RIO” superou de longe o seu papel meramente informativo: valorizou o principal e necessário em detrimento do secundário e contingente; privilegiou a notícia nas múltiplas vertentes da vida quotidiana; procurou que conteúdo e forma se harmonizassem respeitosamente, não descurando o aspeto gráico, suscitando relexão e interesse em torno dos temas abordados mas evitando a deselegância da intriga fútil e estéril, tão usual no mundo jornalístico; preocupouse com as raízes destas gentes, trazendo à superície pedaços de memória que teimam em resistir ao esquecimento; abriuse às mais diversas correntes de opinião política para que cada uma pudesse explanar os seus pontos de vista e os seus programas de ação. Pela sua dimensão pedagógica, “O RIO” transformouse num espaço cultural necessário, mas de teor demasiado abrangente e multifacetado para que continue a circunscreverse apenas ao seu território de distribuição inicial: as temáticas abordadas são cada vez mais matéria de interesse de toda a população da margem esquerda do estuário do Tejo. “O RIO” precisa expandirse, conquistar novos espaços, e novos leitores dentro do mesmo espaço. Urge fazêlo para bem dos leitores, da cultura e da imprensa periódica em Portugal. Parabéns para os seus responsáveis!


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3.15 QUEBRA DA CARTA DE VIZINHANÇA ENTRE ALHOS VEDROS E BARREIRO EM 1686 (Jornal “O Rio”)

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uma sociedade profundamente religiosa, compreendese que os assuntos de natureza espiritual merecessem uma atenção especial. Alhos Vedros reclamava um estatuto especial, que tinha raízes ancestrais, relativamente às povoações vizinhas que do seu espaço emergiram, mesmo depois das respetivas separações administrativas, particularmente no que respeita à festa do Corpo de Deus e do Domingo de Ramos. Por volta dos meses de abril ou maio, procediase à eleição dos mordomos para a referida festa, cuja composição procurava contemplar elementos de todas as povoações do concelho, para além da própria vila. Contudo, apesar da religiosidade e da responsabilidade dos fregueses do termo na participação em tão solene ato, o senado queixase de “… ser notório o escândalo e grande falta que houve nos moradores desse termo em não virem à procissão de dia de Corpo de Deus deste presente ano, houveram por condenados os que faltaram em cem réis da uma a metade desta condenação para a confraria do Santíssimo Sacramento, e a outra metade para o conserto do sírio de Nossa Senhora dos Anjos …”1. Este conlito não se restringiu apenas às povoações do termo. Em 6 de Abril de 1686 o senado da Câmara de Alhos Vedros decide quebrar as relações de boa vizinhança com o concelho do Barreiro, não só por não estar a cumprir a tradição no que respeita à sua participação na festa do Domingo de Ramos com as respetivas “choramelas”, mas também pela forma como os oiciais da Câmara vizinha se dirigiram ao senado de Alhos Vedros, dizendo “… que nunca foi nem achamos ser contrato nem obrigação mais que uma simples devoção, que os vizinhos desta vila tinham a Nossa Senhora dos Anjos … que os moradores desta vila sejam obrigados a dar ou mandar a essa uma dança para a procissão de Corpus Christi, não sabemos que houvesse nunca tal devoção ou obrigação, nem vossas mercês o poderão mostrar, porque no tempo que nesta vila governavam os infantes nunca tal sonharam, nem desta vila lhe foi, e menos irá agora, porque depois que o Sr. Rei Dom Manuel, que santa glória haja, a desanexou dessa, dela fez mercê ao Sr. D. Jorge, Duque de Coimbra e de Santiago e de Avis …”2. A reação do senado da Câmara de Alhos Vedros não se fez esperar. Sentindose insultado com o conteúdo e forma da carta dos oiciais da Câmara do Barreiro, cujo traslado está inserto em ata da reunião de Câmara acima referida, respondeu de forma severa, cortando as relações de boa vizinhança entre os dois concelhos, e estabelecendo pesadas penas para quem as violasse, ou conhecendoas, não as

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Da reunião de Câmara de 11 de junho de 1667. Ibidem, 1166-1683, fls. 11v, 12. Ibidem, 1683-1692, fls. 90v-92v.


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denunciasse, como consta na postura que se segue, a qual, pela sua importância, considerámos oportuno intercalar neste texto:

… “E logo na dita Câmara e vereação, assentaram e concordaram os ditos oiciais e procurador do concelho, que vista a resposta da carta atrás escrita dos oiciais da Câmara da vila do Barreiro não quererem cumprir com suas obrigações como consta o faziam pelos termos que estão feitos nesta Câmara, e se mostrarem rebeldes, houveram por quebrada a Carta de Vizinhança, visto não mandarem choramelas nem sírio, nem fogaças, nem a Cruz à procissão de Ramos como eram obrigados a esta … vila em antiquíssima posse de assim o fazerem, assim acordaram e izeram postura, que todo o carreteiro ou carreiro desta vila e seu termo que levar rama de pinho, tojo, marvalhas, ou tranca à dita vila, pague de coima seis mil réis pagos da cadeia, e a mesma pena terão os mateiros que a cortarem, e todo o gado vacum que for da dita vila achado no termo desta vila, pagará de coima cada um mil réis, e o gado miúdo cinquenta réis por cada uma cabeça, cada cavalo nos baldios pagará de coima quinhentos réis, e no tempo proibido pelas posturas desta Câmara mil réis, e todo o morador da dita vila, assim homens como mulheres, rapazes que forem achados com lenha e tojo, ou outro qualquer género de mato no termo desta vila, pagarão de coima mil réis, tudo pago da cadeia, e sendo pinheiros pelo pé, dois mil réis, e toda a pessoa desta vila e seu termo que vir as tais pessoas da vila do Barreiro e não der parte logo às justiças desta vila e juízes das vintenas dos lugares para que os prendam e os tragam à cadeia, pagarão a pena que elas merecerem, e dando em que forem condenadas, e mandaram fosse apregoada esta postura pelo porteiro deste conselho Miguel Gonçalves, e que todos os carreteiros desta vila e seu termo os notiicasse na forma desta postura para que viesse à notícia de todos, para que a nenhum tempo possam alegar ignorância, e para de tudo constar, mandaram fazer este termo de postura em que assinaram, e eu Inácio Lameiros, que o escrevi”3. Seguemse as assinaturas

Não temos conhecimento que conlitos desta dimensão tenham ocorrido relativamente aos outros concelhos que coninavam com Alhos Vedros, nomeadamente o Lavradio e a Moita, no período por nós estudado4. Pelo contrário, na investigação por nós realizada sobre a gestão municipal do concelho da Moita, como podemos exempliicar pela reunião datada de 29 de Março de 1700, um cuidado especial por AMM, Livro de Actas do Senado da Câmara de Alhos Vedros, 1683-1692, fls. 90v-92v. Terá ocorrido um levantamento no Lavradio no sentido de quebrar a tradição que obrigava os moradores a irem às referidas festividades a Alhos Vedros. Porém, tendo a sentença sido favorável ao concelho de Alhos Vedros, o promotor dessa atitude terá caído enfermo no dia da referida sentença, vindo a falecer dias depois, dando ainda mais consistência à espiritualidade desta manifestação religiosa.

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parte dos oiciais da Câmara em respeitar uma ordem que estava no livro da Câmara desta vila, segundo a qual deveriam nomear todos os anos pessoas para assistir “… conforme a dita provisão, e logo nomearam para as choramelas a Simão Machado, moleiro do moinho novo, e a João Gonçalves, ilho de Maria Gonçalves, de Sarilhos, e a Manuel de Almeida, sapateiro do dito lugar, e para o cargo de fogaças António Gomes Penteado e Manuel de Oliveira e a João Francisco, tendeiro, os quais mandaram logo notiicar para que Domingos de Ramos estivessem em a vila de Alhos Vedros com as choramelas e cargo de fogaças, com pena que faltando algum deles pagar quatro mil réis para a dita Senhora dos Anjos …”5. Portanto, parece certo que a elevação do Barreiro, Lavradio e Moita à condição de vilas e concelhos, não quebrou o vínculo ancestral, uma espécie de cordão umbilical, para com a Senhora dos Anjos, ao contrário dos argumentos apresentados pela Câmara do Barreiro. De resto, depois de lhe terem extraído grande parte do seu território e, com ele, a sua sobrevivência, Alhos Vedros sentiase na contingência de não abdicar da sua autoridade para com os concelhos seus descendentes, no que concerne ao seu património religioso.

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AMM, Livro de Actas do Senado da Câmara da Moita, 1698-1706, fls. 52, 52v.


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3.16 UM MERCADO EM PALHAIS NO SÉCULO XVI: “RECRIAÇÃO HISTÓRICA” (Jornal “O Rio”)

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os próximos dias 16 e 17 de maio, a Junta de freguesia de Palhais, em parceria com as Escolas dos diferentes níveis de ensino do concelho do Barreiro, vai realizar uma dramatização com vista à “recriação histórica” de um mercado em Palhais no século XVI. O evento vem sendo cuidadosamente preparado há quase um ano e envolve a participação direta de cerca de 700 alunos, várias dezenas de professores e população local, contando ainda com a participação de diversas instituições e individualidades que de uma ou outra forma quiseram dar o seu contributo para a concretização do projeto. O mercado será realizado em dois dias: Sextafeira, das 10:00 às 18:00 horas, e Sábado das 14:00 às 20:00 horas, no espaço que envolve a Igreja de Nossa Senhora da Graça, no qual, depois de devidamente engalanado, irão ser instaladas as bancas dos produtos e oícios da época, cujos pregões dos vendedores em linguagem vicentina ecoarão bem alto os preços e qualidade das especiarias, frutos exóticos e diversos produtos locais característicos do primeiro quartel do século XVI nesta localidade. O programa contempla ainda uma animação diversiicada ao longo dos dois dias, onde não faltarão os saltimbancos, pequenos excertos de peças de teatro vicentino, jogos tradicionais, contadores de histórias, feiticeiras, malabaristas, mendigos e danças e cantares da época, culminando com o cortejo real no Sábado, cerca das 16:30 horas, em que elRei D. Manuel I e respetiva esposa, acompanhados pelo seu séquito, por cavaleiros da Ordem de Santiago da Espada e pelo Almoxarife dos Fornos de Vale de Zebro, serão recebidos em apoteose pela população local ao som da fanfarra tocada por músicos da Escola de Fuzileiros, cujo cortejo desilará pela Rua principal em direção ao mercado, onde Sua Majestade será recebida pelas autoridades municipais de Alhos Vedros, sede de concelho na altura. Este evento tem como objetivo fundamental envolver os alunos, a comunidade educativa do concelho, as autarquias e outras instituições locais e regionais, de forma a estreitar o relacionamento entre a Escola e a comunidade envolvente, dando a conhecer aos mais jovens alguns aspetos da História de Palhais e do seu signiicado e importância na época dos descobrimentos. Próxima do complexo dos fornos de biscoito de Vale de Zebro, um dos maiores e mais importantes empreendimentos ligados à expansão portuguesa, e da margem direita do Rio Coina, Palhais desempenhou um importante papel numa dupla perspetiva num dos momentos mais marcantes da nossa História: suporte económico e local de culto. Os fornos do biscoito, a lenha, o carvão e a madeira, a exploração da vinha, as atividades luviais e a moagem e paniicação nas suas imediações, impeliram ao seu crescimento populacional de tal forma que em 1532 já contava com cerca de 216 almas, de entre as quais 9 viúvas e um clérigo.


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Não se icando pela sua importância económica, a construção da Igreja de Nossa Senhora da Graça transformou o local de Palhais num local de culto de importância vital para as gentes que em seu torno extraíam da terra e do rio as suas subsistências, o elo de ligação necessário para superar a profunda religiosidade das populações desta época. Como colaborador no projeto e defensor do estudo e divulgação da História e Património Regional e Local, bem como da importância do papel das Escolas e das Autarquias nestes empreendimentos, cabeme louvar esta iniciativa e agradecer desde já a todos aqueles que tão empenhadamente têm abdicado dos seus momentos de repouso para erguer tão ambicioso projeto.


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IV.

ANEXOS


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4.1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES (CENTRO DE FORMAÇÃO DO BARREIRO E MOITA) ACÇÃO: PATRIMÓNIO LOCAL E REGIONAL E PROJETO-TURMA CONCELHO CIENTÍFICO-PEDAGÓGICO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA APRESENTAÇÃO DE ACÇÃO DE FRMAÇÃO NAS MODALIDADES DE ESTÁGIO, PROJECTO, OFICINA DE FORMAÇÃO E CÍRCULOS DE ESTUDOS

AN2-B

N.º

Formulário de preenchimento obrigatório, a anexar à ficha modelo ACC2 1. DESIGNAÇÃO DA ACÇÃO DE FORMAÇÃO: Património Local e Regional: recurso educativo na disciplina de História MODALIDADE: Círculo de Estudo X

Projeto

Oficina de Formação

Estágio

2. RAZÕES JUSTIFICATIVAS DA ACÇÃO O sistema educativo assenta cada vez mais numa matriz que visa responder às necessidades resultantes da realidade social dos indivíduos, com vista ao desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, de forma a implementar a sua participação responsável, crítica e criativa, no meio em que se integram. A Lei Nº 46/86 de 14 de Outubro, o Decreto-Lei 43/89 de 3 de Fevereiro e, posteriormente, o Decreto-Lei Nº 115-A/98, de 4 de Maio, assim como a Lei 49 de 2005, apontam mesmo no sentido de reconhecer às escolas o poder de tomarem decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional no âmbito dos Projeto Educativo, tendo em conta a realidade sociocultural e o património cultural envolvente. Para que tal seja possível, exige-se a implementação de uma prática pedagógica com vista ao estreitamento das relações entre a Escola e o meio envolvente, visando a sensibilização para o respeito pelos valores do património cultural do povo português, bem como o despertar para consciência da identidade nacional numa perspetiva europeia, tarefa que, por razões diversas, tem encontrado alguns obstáculos à sua generalização. A Escola, pelas suas características, revela-se um espaço privilegiado, a partir do qual podem ser adquiridas experiências através da intervenção no património cultural local e regional. Espaço inter e transdisciplinar por excelência, se bem orientado, pode transformar-se num espaço onde se criam hábitos de trabalho individual e em grupo, curiosidade científica, gosto pela investigação, reflexão metódica e tratamento e apresentação da informação recolhida. Pode apresentar-se também como uma estratégia motivacional e contribuir para o estreitamento dos laços socioafetivos no grupo/turma, entre a turma e a Escola e entre a Escola e a Comunidade. O papel do professor torna-se assim determinante na estimulação e orientação metodológica de atividades criativas, onde os alunos se sintam protagonistas no processo de ensino/aprendizagem, desenvolvendo a capacidade de trabalho e o espírito de autonomia. OBJECTIVOS: › Conhecer a História e o património histórico-cultural local e regional numa perspetiva da sua utilização didática; › Construir instrumentos de registo e análise dos recursos patrimoniais locais e regionais existentes; › Criar práticas corretas e regulares de utilização do património no processo de ensino/aprendizagem; › Desenvolver relações socioafectivas com o património envolvente, no sentido da aquisição de uma nova postura perante a sua preservação; › Estreitar a relação Escola-Meio através de uma prática interventiva interdisciplinar e transdisciplinar concretizada na sala de aula; › Desenvolver o espírito de investigação e pesquisa;


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3. DESTINATÁRIOS DA ACÇÃO 3.1 Equipa que propõe (caso dos projetos e Círculos de Estudo) (Art. 12º.-3º RJFCP) (art. 33º.c) RFJCP) 3.1.1. Número de proponentes: 15-20 3.1.2. Escola(s) a que pertence(m): Escolas dos concelhos do Barreiro e Moita. 3.1.3. Ciclos/Grupos de docência a que pertencem os proponentes: Professores dos Grupos de Recrutamento 200 e 400. 3.2. Destinatários da modalidade: (caso de Estágio ou Oficina de Formação): Educadores de Infância e Professores do Ensino Básico e Secundário. 4. EFEITOS A PRODUZIR: MUDANÇA DE PRÁTICAS, PROCEDIMENTOS OU MATERIAIS DIDÁCTICOS: Esta Ação visa, fundamentalmente, a aquisição de um conjunto de conhecimentos e aptidões sobre o património local e regional por parte dos professores, de forma a operar uma mudança de atitude relativamente à sua utilização didática, desenvolvendo o espírito interventivo e crítico sobre a realidade envolvente, bem como práticas pedagógicas no domínio das atitudes e valores, no sentido da defesa e preservação dos recursos patrimoniais. Explorado de forma científica através de uma metodologia correta, o património pode transformar-se num recurso educativo de interesse redobrado, não apenas no domínio cognitivo, mas também, e sobretudo, porque fomenta atividades práticas no âmbito da investigação, registo e construção de instrumentos de análise e tratamento da respetiva informação. Assim, pretendem-se os seguintes objetivos: 1 – Conhecer o património local e regional existente e o seu enquadramento histórico; 2 – Integrar na didática da História o património local e regional como recurso e estratégia educativos; 3 – Produzir propostas de exploração pedagógica centradas no património local e regional, adequadas à especificidade dos ciclos de escolaridade; 4 – Desenvolver o gosto pela História e Património local e regional, com vista à sua valorização e preservação enquanto memória coletiva; 5 – Desenvolver capacidades e competências de pesquisa e análise através do aprender-fazendo, participando ativa e diretamente na construção do seu saber. 5. CONTEÚDOS DA ACÇÃO (Práticas pedagógicas e Didáticas em exclusivo, quando a ação de formação decorre na modalidade de Estágio ou Oficina de Formação) 1 – Património local e regional – especificidade e definição de conceitos: 1.1 – Definição de conceitos: 1.1.1 – O espaço histórico (ou espaços, do nacional ao local); 1.1.2 – O tempo histórico (ou tempos, conforme os espaços); 1.1.3 – Os homens (os protagonistas da História, nos diferentes espaços e tempos); 1.1.4 – Património construído; 1.1.5 – Património cultural; 1.1.6 – Património natural; 1.2 – Valores, costumes e tradições; 2 – Instrumentos e meios de proteção: 2.1 – As instituições europeias, nacionais e locais: 2.1.1 – As diretivas europeias; 2.1.2 – As instituições do Estado; 2.1.3 – Os planos municipais e outras associações locais ou regionais; 2.2 – Os centros históricos, os museus e os parques naturais;


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3 – A utilização didática do património envolvente e seu enquadramento legal: 3.1 – Aspetos metodológicos de investigação do património; 3.2 – Práticas corretas na construção de instrumentos de registo e análise; 3.3 – Envolvimento interdisciplinar e transdisciplinar nas atividades desenvolvidas e seu enquadramento legal: 3.3.1- Da Constituição à Lei de Bases do Sistema Educativo. 3.4 – Propostas de Ações e respetiva calendarização. 4 – Definição de projetos e respetiva metodologia: 4.1 – Escolha dos espaços, dos tempos e das áreas temáticas; 4.2 – Apresentação, pela parte dos formandos, de projetos, metodologias e estratégias sobre atividades a desenvolver com os alunos (de acordo com as especificidades de ciclo); 4.3 – Enquadramento curricular dos projetos; 4.4 – Construção de instrumentos de trabalho; 4.5 – Apresentação/discussão dos projetos; 4.4 – A divulgação. 6. METODOLOGIAS DE REALIZAÇÃO DA ACÇÃO 6.1. Passos metodológicos: › Sessões teóricas sobre Património Local e Regional e a sua exploração no Projeto Turma, no âmbito do enquadramento e da flexibilidade curricular; › Apresentação de propostas de projetos a realizar, seguidas de debate sobre a sua pertinência e exequibilidade; › Sessões práticas sobre o estado da questão durante o desenvolvimento dos projetos pelos formandos (orientação científica e metodológica), com sessões plenárias para troca de experiências. 6.2. Calendarização 6.2.1. setembro a novembro 6.2.2. Número de sessões previstas por mês: 4 6.2.3. Número de horas previstas por cada sessão: 3 Sessões presenciais conjuntas: 8 (7 de 3h + 1 de 4h) Sessões on-line síncronas: 5 horas Total: 30 horas Créditos: 2,4 U.C. Local de Formação: Centro de Formação das Escolas do Barreiro e Moita.

7. APROVAÇÃO DO ÓRGÃO DE GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO DA ESCOLA: (Caso de Modalidade do Projeto) (Art. 7.º, 2 RJFCP) Data:

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Cargo: Assinatura:

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8. CONSULTOR CIENTÍFICO-PEDAGÓGICO OU ESPECIALISTA NA MATÉRIA (Art. 25º – A, 2 c) RJFCP) NOME: (Modalidade de projetos e círculo de estudos) delegação de competências do Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (art. 37.º f) RJFCP SIM

NÃO

N.º de acreditação do Consultor

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9. REGIME DE AVALIAÇÃO DOS FORMANDOS › A avaliação será centrada nos trabalhos realizados pelos formandos, quer nas sessões presenciais conjuntas, quer no trabalho desenvolvido autonomamente, tendo em atenção a natureza e adequação das propostas apresentadas aos contextos escolares concretos em que são aplicados, bem como a sua fundamentação. Todos os formandos deverão organizar os seus trabalhos em portfólio digital de acesso ao formador, para que este possa ter conhecimento da evolução dos mesmos. › A acreditação a atribuir a cada formando constará de uma escala de 0 a 10, respeitando os parâmetros existentes na entidade formadora para o efeito. › O Centro de Formação sancionará as propostas de acreditação a atribuir aos formandos, transformando a acreditação provisória em definitiva; › No final da acção de formação serão atribuídos certificados aos participantes, de acordo com a classificação obtida, sendo a responsabilidade final do processo de avaliação da entidade formadora. 10. FORMA DE AVALIAÇÃO DA ACÇÃO Os formandos serão avaliados tendo em consideração os seguintes fatores: 1 – Pelos formandos Resposta a um inquérito realizado para o efeito, tendo em conta os seguintes itens: – Assiduidade; – Participação nas sessões presenciais; – Projeto apresentado: sua fundamentação, pertinência e adequação à realidade temática; – Materiais produzidos e respetivo tratamento; – Capacidade de suscitar a reflexão e interesse em torno do tema; – Exequibilidade do projeto com os alunos. 2. Pelo formador Elaboração de um relatório crítico com incidência: – Na análise das atividades desenvolvidas; – Na participação e grau de empenhamento e assiduidade dos formandos; – Nas propostas de exploração pedagógica e sua exequibilidade. 3. Pela Entidade formadora: – Elaboração de um relatório analítico com base nos instrumentos avaliativos existentes.


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11. BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL LEGISLAÇÃO DE LEITURA OBRIGATÓRIA: – Carta de Veneza, aprovada em Veneza, maio de 1964 e publicada pela ICOMOS em 1966. – Constituição da República Portuguesa; – DecretoLei nº 117/97, de 14 de maio, criando o IPA Instituto Português de Arqueologia. – DecretoLei nº 120/97, de 16 de maio, estabelece as competências do IPPAR Instituto Português do Património Arquitetónico, criado por DecretoLei nº 106 F/92 de 1 de junho, atualizado pelo DecretoLei nº 316/94, de 24 de dezembro. – DecretoLei nº 6/2001, de 18 de janeiro sobre a reorganização do currículo do ensino básico e respetiva atualização de 24 de janeiro. – Lei nº 46/86, de 30 de setembro de 1986 Lei de Bases do Sistema Educativo. – Lei nº 115/97, de 19 de setembro Alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo. – Lei nº 49 de 2005, de 30 de agosto 2ª alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo;

FONTES IMPRESSAS: – Alhos Vedros nas Visitações da Ordem de Santiago, Tradução e notas de Ana C. S. Leal e Fernando Pires, Edição da Comissão Organizadora das Comemorações do 480º Aniversário do Foral de Alhos Vedros, Alhos Vedros, dezembro de 1994 – BRAAMCAMP FREIRE, Anselmo,"Cartas de Quitação d`ElRei D. Manuel", in Archivo Historico Portuguez, XI vols., Lisboa, 19031916. Consultados: vol. I: pp. 201202; vol. III: p. 477; vol. V: pp. 76, 156157, 236237; vol. VIII: pp. 393394, 397. – IDEM, "Magestade e Grandezas de Lisboa em 1552", in Archivo Historico Portuguez, vol. XI, pp. 7375, 106107. – IDEM, "O Fideicommisso de Affonso de Albuquerque", in Archivo Historico Portuguez, vol. I, pp. 157162. – IDEM, "Povoação de entre Tejo e Guadiana no XVI seculo", in Archivo Historico Portuguez, vol. IV, pp. 353355. – BRANDÃO, João de Buarcos, Grandezas e Abastança de Lisboa em 1552, organização e notas de José Felicidade Alves, Livros Horizonte, Lisboa, 1990. – Conquista de Lisboa aos Mouros (1147), narrada pelo cruzado Osberno, testemunha presencial, Texto Latino e sua tradução para português pelo Dr. José Augusto de Oliveira, Serviços Industriais da Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1935. – CORREIA, Virgílio, Livro dos Regimentos dos Oficiaes mecanicos da Mui Nobre e Sempre Leal Cidade de Lisboa (1572), Coimbra, 1926. – DIAS, Luiz Fernando de Carvalho, Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve de entre Tejo e Odiana, Lisboa, edição do Autor, 1965. – Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livros de Reis, vol. IV, Lisboa, 1955. – IDEM, vol. VIII, Lisboa, Câmara Municipal, 1964. – Foral Manuelino (1514) e Descrição da Vila de Alhos Vedros (1614), Tradução e Notas de Ana C. de Sousa Leal, Edição da Cooperativa de Animação Cultural de Alhos Vedros, Moita, 1993, p. 11. – FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, Vol, I, Ponta Delgada, 1924. – HERCULANO, Alexandre, "Viagem do Cardeal Alexandrino 1571", in Opúsculos IV, Lisboa, Editorial Presença, 1985. – LEÃO, Duarte Nunes de, Descrição do Reino de Portugal, Lisboa, 1610. – Livro dos regimentos dos oficiaes mecanicos da mui nobre e sempre leal cidade de Lixboa (1572), edição de Vergílio Correia, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926.


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– LOPES, Fernão, Crónica d`El Rei D. Fernando, Livraria Civilização Editora, Porto, 1966. – Monumenta Henricina, 15 vols., ed. da Comissão Executiva das Comemorações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique, Coimbra, 19601974. – NABAIS, António J. C. M., Foral de Alcochete e Aldeia Galega (Montijo) - 1515, edição das Câmaras Municipais de Alcochete e Montijo, março de 1995. – OLIVEIRA, Eduardo Freire de, Elementos para a História do Município de Lisboa, tomo I, pub. da Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1882. – OLIVEIRA, Fernão de, Liuro da Fabrica das Naos, Leitura de Lopes de Mendonça, Tradução de Manuel Leitão, Academia de Marinha, Lisboa, 1991. – OLIVEIRA, Frei Nicolau de, Livro das Grandezas de Lisboa, Lisboa, 1620. – PAIS, Armando da Silva, O Barreiro Contemporâneo, 3 vols., Edição da Câmara Municipal do Barreiro, Barreiro, 1971. – PIMENTA, José Augusto, Memoria Historica e Descriptiva da Villa do Barreiro, Livraria Editora, Lisboa, 1886 – Portugaliae Monumenta Histórica, Leges e Consuetudines, Tomo II, Academia das Ciências, Lisboa, 18561868. – "Regimento dos Fornos de Vale de Zebro", in Systema ou Colecção dos Regimentos Reaes, Tomo Terceiro, 1785. – SANT`ANNA. Fr. Joseph de, Chronica das Carmelitas, 2 vols., Publicação Oficina dos Herdeiros de António Pedrozo Galram, Lisboa, 17451751. Os vols, III e IV arderam ainda em manuscrito. – SILVA MARQUES, João Martins da, Descobrimentos Portugueses, 5 vols., Instituto Nacional de Investigação Cientíica, Lisboa, 1988. – VASCONCELOS, Luis Mendes de, Do Sítio de Lisboa-Diálogos 1608, Livros Horizonte, Lisboa, 1990.

FONTES CARTOGRÁFICAS – Carta Corográfica de Portugal, Instituto Geográico e Cadastral, M. 7810, Ed. 3, I.G.C.P., julho de 1966. – SILVA, A. A. Baldaque da, Estudo Historico-Hydrographico Sobre a Barra e o Porto de Lisboa, T. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1893.

ESTUDOS ESPECÍFICOS: – ALARCÃO, Jorge, Introdução ao Estudo da História e Património Locais, Instituto de Arqueologia – Faculdade de Letras, Coimbra, 1988; – ALCOFORADO, Maria João, O Clima da Região de Lisboa, Vento, Insolação e Temperatura, Dissertação de Doutoramento em Geograia, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa 1988. – BALLART, Josep, El Patrimonio Histórico y arqueológico: Valor y Uso, Editorial Ariel, S.A., Barcelona1997. – BARBOSA, Pedro Gomes, Património Cultural, edição do FAOJ, Julho de 1982. – CRUZ, Maria Alfreda, A Margem Sul do Estuário do Tejo - Factores e Formas de Organização do Espaço, Montijo, 1973. – CUSTÓDIO, Jorge, "Moinhos de Maré em Portugal  Algumas Questões do seu Estudo e Salvaguarda sob o Ponto de Vista do Património Industrial", in I Encontro sobre o Património Industrial, Actas e Comunicações, vol. I, Coimbra Editora Limitada, Lisboa, 1989. – DUARTE, A., Educação Patrimonial, Lisboa, Texto Editora; – IPPAR, Cartas e Convenções Internacionais, Ministério da Cultura, Lisboa, 1996;


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– LICHNOWSKY, Príncipe Felix, Portugal  Recordações do ano de 1842, Edições Ática, Lisboa, s/d. – MAGALHÃES, Joaquim Romero, "Indústria" in História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. III, Círculo dos Leitores, Lisboa, 1993. – MANIQUE, A. P., Didáctica da História, - Património e História Local, Lisboa, Texto Editora; – MATA, Joel da Silva Ferreira, A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago, Dissertação de Mestrado em História Medieval, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1992. – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Disciplina de Património Local e Regional – Projeto de Programa, M – E, Departamento do Ensino Secundário, Lisboa, 1999; – NABAIS, António J. C. M., “Museologia, Museograia, Museus”, in Almadan, Nº 3, 1984. – NABAIS, António J. C. M. História do Concelho do Seixal, edição da Câmara Municipal do Seixal, Seixal, 1981. – IDEM, Património Industrial - Moinhos de Maré, edição da Câmara Municipal do Seixal, Seixal, 1986. – OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, Fernando Galhano e Benjamim Pereira, Tecnologia Tradicional Portuguesa - Sistemas de Moagem, Instituto Nacional de Investigação Cientíica, Lisboa, 1983. – OLIVEIRA MARQUES, A. H. de, "Demograia", in Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão, vol. II, Livraria Figueirinhas, Porto, 1990. – IDEM, Introdução à História da Agricultura em Portugal, Edição Cosmos, Lisboa, 1968. – PAIS, Armando da Silva, O Barreiro Antigo, Moderno e Contemporâneo, edição da Câmara Municipal do Barreiro, Barreiro, 1963. – O Património Local e Regional – subsídios para um trabalho transdisciplinar, Ministério da Educação, Departamento do Ensino Secundário, Lisboa, 1998. – PEREIRA, Júlia da Costa e Suzanne Daveau, O Numeramento de 1527-1532, Tratamento Cartográfico, Centro de Estudos Geográicos/INIC, Lisboa, 1986. – RAU, Virgínia, A Exploração e o Comércio do Sal de Setúbal - Estudo de História Económica, Lisboa, 1951. – IDEM, Estudos Sobre a História do Sal Português, Editorial Presença, Lisboa, 1984. – IDEM, Sesmarias Medievais Portuguesas, prólogo e adenda documental por José Manuel Garcia, Editorial Presença, Lisboa, 1982. – RIBEIRO, Carlos, Estudos Geológicos - Descripção do Solo Quaternário das Bacias Hidrographicas do Tejo e Sado, Typographia da Academia Real das Sciencias, Lisboa, 1866. – RIBEIRO, Orlando, "Excursão à Arrábida", in Finisterra, vol.III, nº 6, Lisboa, 1968. – IDEM, Introdução Geográfica à História de Portugal, Imprensa Nacional, Lisboa, 1977. – TORRES, Cláudio, "A cintura industrial da Lisboa de quatrocentos: uma abordagem arqueológica" in Separata das atas das Jornadas de História Medieval - 1383-85 e a Crise Geral dos séculos XIV-XV, Lisboa, 1985 – VALEGAS, Augusto P., coord., Um Olhar Sobre o Barreiro, 1ª, 2ª e 3ª séries, edição do autor, Barreiro, 198197. – VARGAS, José Manuel, "De Alcochete ao BarreiroAlguns Elementos para o Estudo do Antigo Concelho do Ribatejo", in História de Palmela ou Palmela na História, Jornadas de Divulgação e Análise do Passado de Palmela, Coleção Estudos Locais, Câmara Municipal de Palmela, março de 1987. – VENTURA, António Gonçalves, Dinamismos Económicos Regionais – a margem esquerda do estuário do Tejo nos séculos XV e XVI, Dissertação de tese de mestrado em História Regional e Local, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2000.


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– VENTURA, António Gonçalves, A Banda d`Além e a cidade de Lisboa durante o Antigo Regime: uma perspetiva de História Económica Regional Comparada, Tese de Doutoramento apresentada à Reitoria da Universidade de Lisboa, junho de 2008. – IDEM, Os Pinhais de Ribatejo nos Séculos XV e XVI, no âmbito das Primeiras Jornadas de História e Património Local, realizadas pela Câmara Municipal da Moita em setembro de 2001; – IDEM, “A «Outra Banda» e a Expansão Portuguesa: o contributo dos Fornos de biscoito de Vale de Zebro para a empresa dos descobrimentos”, Conferência na Academia da Marinha proferida em 2 de junho de 2009, sobre, a convite da referida instituição” – Outra bibliograia considerada importante, nomeadamente informação produzida pelos pelouros da cultura das Câmaras Municipais do Barreiro e Moita. Data

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Assinatura:


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4.2 UTI (UNIVERSIDADE DA TERCEIRA IDADE DO BARREIRO): PROGRAMA DE FORMAÇÃO SOBRE HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL Enquadramento do programa (2002/2003)

A

natureza da UTI, a diversidade de conhecimentos e aspirações dos seus formandos assim como a especiicidade da Disciplina de História Regional e Local, impossibilitam a formulação de um programa curricular assente em pressupostos ministrados nos estabelecimentos universitários formais. Contudo, essa pluralidade de especiicidades torna ainda mais emergente a necessidade do estabelecimento de linhas programáticas orientadoras verticais e transversais, de forma a possibilitar um encadeamento lógico e coerente não apenas em termos temporais, mas também no que concerne ao espaço, visto que as fronteiras do atual concelho do Barreiro resultam de uma complexa sucessão de alterações administrativas ao longo dos séculos, razão porque a atividade humana aí desenvolvida só poderá ser compreendida se integrada num espaço mais alargado do qual faz parte: a margem esquerda do estuário do Tejo. Assim sendo, e tendo em consideração as limitações expostas e a natureza especíica do espaço em estudo, optouse por estabelecer apenas uma divisória cronológica muito geral, portanto, com base na industrialização, momento que nos pareceu decisivo na transformação e desenvolvimento económico, social, cultural e até mental, do Barreiro e das suas gentes. Desta forma, os aspetos relacionados com a ocupação humana desta região até aos inais da Idade Média, serão abordados de forma muito sumária, aprofundando as matérias a partir dessa altura, visto que o desenvolvimento económico veriicado a partir de então neste espaço se reveste de signiicativa importância. A introdução dos Caminhos de Ferro e posteriormente de outras indústrias, com particular ênfase no fabrico da cortiça e das fábricas da CUF, provocaram alterações a vários níveis e de tal forma signiicativas que justiicam, no nosso entendimento, serem tratadas em capítulo próprio. As matérias relacionadas com noções gerais sobre Heurística, Hermenêutica, Metodologia e Fontes para a História Regional e Local, serão abordadas de forma muito supericial durante as primeiras aulas, recorrendo, sempre que possível, a exemplos práticos, de modo a suscitar o interesse pelo estudo e o rigor na utilização e construção do discurso historiográico.


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PROGRAMA 1 Noções gerais sobre metodologia e prática na construção da História: 1.1 Dilucidação de conceitos: História; História Regional; História Local; a História no contexto das outras ciências sociais e humanas; História e memória, património e a formação do indivíduo. 1.2 Noções básicas: documentos; fontes; rigor na crítica histórica; etapas metodológicas; “tempos históricos”; 1.3 A Heurística: importância; fichas e sistemas de catalogação; busca e classificação das fontes; 1.4 A síntese e o papel do historiador na construção da História. 2. O Barreiro1 no contexto da margem esquerda do estuário do Tejo: 2.1 Aspetos geomorfológicos; 2.2 O clima, a flora e a fauna; 2.3 A humanização dos espaços ribeirinhos; 2.4 A evolução das fronteiras administrativas; 3. O Barreiro pré-industrial: 3.1 Até à reconquista cristã: 3.1.1 Os primórdios da ocupação humana; 3.1.2 A presença romana; 3.1.3 O período muçulmano; 3.2 O movimento da reconquista e a importância da Ordem de Santiago da Espada e das comendadeiras de Santos no desenvolvimento económico da "outra banda”: 3.2.1 Um primeiro impulso até aos inícios do século XV: • o sal • a vinha • a pesca 3.2.2 Um segundo impulso com o advento da expansão marítima: • o sal • a vinha • a pesca • a moagem • a panificação • a lenha, o carvão e a madeira • os fornos do biscoito • a indústria da cerâmica e do vidro • a construção naval 3.2.3 A importância estratégica de Coina; 3.2.4 O crescimento do Barreiro e a decadência de Coina 3.3 A estrutura social; 3.4 As instituições político-administrativas; 3.5 Aspetos culturais e mentais; Entenda-se aqui Barreiro no sentido amplo do termo, o qual compreende o espaço correspondente à circunscrição administrativa do atual concelho desta cidade, tendo sempre em consideração o concelho de Alhos Vedros ao qual o Barreiro pertenceu até à sua formação, e os concelhos do Lavradio e Coina que viria a anexar em meados do século XIX.

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OS CONCELHOS RIBEIRINHOS DA MARGEM ESQUERDA DO ESTUÁRIO DO TEJO E A CIDADE DE LISBOA NOS SÉCS. XIV-XIX CONFERÊNCIAS, COLÓQUIOS E OUTROS ESCRITOS (TEXTOS) António Gonçalves Ventura | Câmara Municipal da Moita

4. O Barreiro pós-industrial: 4.1 Um primeiro impulso - a introdução da linha dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste e os seus reflexos na economia e na sociedade local; um Barreiro a dois tempos: a) O Barreiro da continuidade, ligado aos sectores económicos tradicionais: • a pesca; • a moagem e panificação; • a produção agrícola e a horticultura; • a vinha • a criação de gado; • a construção naval; • a lenha, carvão e madeira. b) O Barreiro dos sectores secundário e terciário, em franco desenvolvimento: • a introdução dos caminhos de ferro e das indústrias subsidiárias; • a indústria corticeira; • a CUF e o desenvolvimento da indústria química; • o Barreiro como principal porto de ligação entre as duas margens do Tejo. 4.2 O desenvolvimento sociocultural da população barreirense e as alterações nas mentalidades: • o desenvolvimento do ensino primário; • a fundação das coletividades locais; • o aumento do fenómeno migratório com a chegada de gentes de vários pontos do país para as indústrias locais; • o desenvolvimento do comércio; • os conflitos sociais; 4.3 Um segundo impulso - o Barreiro como polo de atração: a ampliação das infraestruturas da CP e do complexo da CUF; • o desenvolvimento das grandes indústrias periféricas: siderurgia, e Lisnave; • o fenómeno da guerra colonial e o aumento dos quadros da marinha; • o 25 de Abril e a criação de novas expectativas • o ensino secundário; • o cinema, o teatro e a importância da imprensa local. REGIME DE AVALIAÇÃO DOS FORMANDOS Os formandos serão avaliados tendo em consideração os seguintes fatores: – Assiduidade; – Participação nas sessões presenciais; – Materiais produzidos e respetivo tratamento; – Capacidade de suscitar a reflexão e interesse em torno das temáticas abordadas. Para o efeito, serão criadas grelhas e folhas de registo das presenças e das diversas formas de participação dos formandos.


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OS CONCELHOS RIBEIRINHOS DA MARGEM ESQUERDA DO ESTUÁRIO DO TEJO E A CIDADE DE LISBOA NOS SÉCS. XIV-XIX CONFERÊNCIAS, COLÓQUIOS E OUTROS ESCRITOS (TEXTOS) António Gonçalves Ventura | Câmara Municipal da Moita

FICHA INDIVIDUAL

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ANO LECTIVO 2002/2003

CADEIRA TURMA NOME COMPLETO DATA DE NASCIMENTO

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NATURALIDADE MORADA TELEFONE OUTRAS CADEIRAS EM QUE SE INSCREVE:

FOTO

AVALIAÇÃO ASSIDUIDADE

PARTICIPAÇÃO Oral/passiva

OBSERVAÇÕES:

Reflexão crítica

PRODUÇÃO Pesquisa

Tratamento



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