Por Bruno Mello e Ana Paula Hinz | 21/03/2013 pauta@mundodomarketing.com.br
Com sucos 100% feitos da fruta e uma identidade visual jovem e descontraída, a do bem pretende faturar entre R$ 180 a R$ 200 milhões até 2015, além de registrar um crescimento anual de 50%. Para isso, aposta na saudabilidade do produto - fabricado sem adição de açúcar, água ou conservantes, em uma comunicação alegre e criativa e em uma gestão profissionalizada. Se no início, o fundador Marcos Leta precisava cuidar de todas as áreas do negócio sozinho, hoje a empresa conta com departamentos estruturados, auxílio de uma consultoria especializada e 100 colaboradores diretos e indiretos. Desde que foi criada, em 2007, a do bem enfrentou inúmeros obstáculos, como a falta de experiência inicial e o problema da conservação dos sucos, que tiveram validade estendida com a utilização de embalagens a vácuo. Hoje a marca está presente em três mil pontos de venda no Brasil e tem a expectativa de dobrar este número até o fim de 2013. Só este ano, a previsão é lançar 10 novos sabores. Apesar de todas as mudanças realizadas para crescer, manter a essência foi um dos maiores cuidados ao longo da evolução da empresa. A cultura voltada para uma relação mais próxima com clientes e funcionários está presente no linguajar do site corporativo, na comunicação que foge das mídias tradicionais e em iniciativas que promovem experiências diferentes. Entre elas estão a venda do suco em galões coloridos nas praias cariocas e a distribuição de caixinhas do produto por meio de um carro personalizado com as asas características da identidade da marca. “Em vez de termos uma relação super formal com as pessoas, buscamos algo diferente, dando mais atenção a elas e investindo nessa comunicação”, avalia Marcos Leta, Fundador da do bem, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Mundo do Marketing - Em que momento você viu a oportunidade de criar a do bem? Marcos Leta - A ideia da do bem começou ainda na faculdade. Sempre fui ligado à questão da alimentação saudável, tanto que montei um projeto embrionário de um fast food saudável durante as aulas da graduação, mas nunca pensei em ter uma empresa de bebidas. A faculdade era muito voltada para o mercado de capitais e isso me direcionou a começar a minha carreira na área financeiro. Na época, trabalhava na Votorantin e, como saía muito tarde do trabalho, acabava frequentando muitas casas de suco. E foi daí que tive a ideia. Por que não montar uma casa de sucos vendida em caixinhas? Isso seria ótimo para simplificar a vida das pessoas. Outra coisa que descobri é que aquilo que chamamos de suco, os chamados néctares, é no mínimo 35% de suco e o resto água. Então, por que não ter uma bebida 100% suco? Com isso, comecei a
pesquisar e o Google foi a minha primeira consultoria. Depois, conversei com diversos engenheiros de alimentos, tanto brasileiros quanto estrangeiros. Também viajei experimentando diversas bebidas. Mundo do Marketing - Quanto tempo levou este processo? Marcos Leta - O processo todo até montar a empresa levou dois anos. Saí do banco para montar o projeto, conhecer pessoas e entender como tudo funcionava. O maior desafio no início de qualquer um que quer empreender é sair da inércia. É um momento bem estranho. Mundo do Marketing - Que tipo de barreiras você encontrou para sair desta inércia? Marcos Leta - Para a roda começar a girar, é preciso gerenciar o tempo e lidar com a ansiedade. Ou seja, é exigido um tempo de aprendizado. Outro desafio foi estar em um mercado sem conhecê-lo, mas isso teve importância porque entrei no segmento sem qualquer vício. Um engenheiro de alimentos convencional não entende, por exemplo, que as frutas para o suco podem estar na entressafra. Ele acha que não pode ter variação, mas isso é impossível, pois estamos lidando com matéria prima da natureza. Por isso são usados tantos aromatizantes, conservantes, entre outros produtos, para tentar padronizar o sabor final do suco. Entrei neste mercado sem qualquer vício neste sentido. Mundo do Marketing - Qual foi o maior aprendizado? Marcos Leta - A gestão do tempo foi o maior aprendizado. Queremos ser grandes e seremos grandes. Mas não quero fazer em dois anos o que deveria ser feito em 10. Outro ponto muito rico para mim foi a experiência lidando diretamente com diferentes gerações. A mistura com outras pessoas mais velhas faz muito sentido. A experiência jovem com a experiência de uma geração mais madura traz um aprendizado absurdo. Mundo do Marketing - Quais foram os desafios referentes aos processos internos? Marcos Leta - Sempre surgem pedras ligadas ao dia a dia. Questões com fornecedores, falta de matéria prima, crescimento de volume, não cumprimento de contratos etc. Com isso aprendemos que não podemos trabalhar com poucos fornecedores. E conforme o negócio avança, os problemas vão mudando de formato. É uma escada que a empresa vai subindo. Primeiro não temos volume. Quando o volume aumenta, não temos logística. Quando a logística se ajusta, temos que acertar a parte comercial.
Mundo do Marketing - É comum para o empreendedor passar por um momento em que ninguém acredita na ideia dele. Ocorreu com você? Marcos Leta - Claro que quando você entra em um mercado novo, desconhecido e cheio de desafios, existem aquelas pessoas que não acreditam e acham que é maluquice. Na época, me perguntavam: como você vai competir com as multinacionais? Mas isso faz parte do jogo. Dou um valor ainda maior a minha família por causa dessa etapa. Meu pai e minha mãe foram fundamentais para que a do bem chegasse ao que é hoje. Na época, vendi meu carro e um apartamento que herdei do meu avô. Estas vendas me deram recursos para seguir com a pesquisa, as viagens e testes. Depois disso, contei com um financiamento de amigos e da família. Mas o apoio foi a parte mais importante. Um conselho que daria aos pais é: se o seu filho quer empreender, às vezes o dinheiro não é o mais importante e sim o apoio da família. Mundo do Marketing - O investimento, que costuma ser uma parte difícil, você conseguiu. Mas como foi colocar o negócio de pé? Marcos Leta - O principal foi a gestão do tempo para adquirir o conhecimento de como produzir uma bebida natural sem o uso de conservantes. Tive que esperar, por exemplo, a chegada de algumas tecnologias que ainda não existiam, mas estavam para sair. Em um segundo momento, quando começamos a do bem e fizemos testes, foi mais complexo. Nossa validade era de 15 dias, o que foi um desastre. Produzia 5 mil unidades e vencia tudo. Não consegui tecnologia na época. Acreditava que se entrasse no jogo, com uma marca legal e uma imagem bacana, alguma empresa poderia se aproximar para me ajudar a melhorar esta qualidade. O meu ciclo de conhecimento ainda era limitado. Foi engraçado, pois saiu uma reportagem no O Globo em 2008 dizendo que a bebida do verão seria a do bem. Por
conta disso, a Tetra Pak entrou em contato. Eles disseram que poderiam aumentar a vida útil do produto. Para ser sincero, eu nem acreditava muito que seria possível. Mundo do Marketing - Antes vocês embalavam em garrafas de plástico? Marcos Leta - Tanto em garrafas de plástico quanto em embalagens de vidro. Fizemos muitos testes. Mas quando recebi o contato da Tetra Pak, parei a empresa por completo. Pensei: não estou aqui para brincar de fazer suco. Quero ser uma empresa referência neste segmento. Durante quatro meses, voltamos aos testes. No dia 26 de dezembro de 2008, lançamos o primeiro produto com embalagem Tetra Pak. Como era embalado a vácuo, isso aumentou a vida útil para quatro meses. Não é um processo químico: simplesmente não há oxigênio dentro da caixa, pois este contato é o que estraga as bebidas. Para a laranja são quatro meses e para os demais produtos são oito. Isso ainda é pouco, pois o mercado está acostumado a trabalhar com 12 ou 24 meses. Mas foi uma grande mudança. Aí sim começou a do bem, com uma bebida totalmente íntegra e pura, aliada a esta tecnologia de embalo a vácuo.
Mundo do Marketing – Com o prazo de validade mais longo foi possível crescer e isso exigiu mudanças, não? Marcos Leta - Foram diversos estágios. O primeiro momento foi o da inércia e gestão do tempo. No segundo, decidi parar tudo e melhorar a tecnologia, quando lançamos na embalagem da Tetra Pak. Em 2010, aconteceu o terceiro estágio, quando percebi que tinha que trazer pessoas que pudessem atuar nas áreas onde eu era limitado. Precisava profissionalizar a empresa. Conhecia as minhas limitações e a maior era dividir com alguém as responsabilidades, a estratégia e os pensamentos. Até então, fazia tudo sozinho. Também precisava estruturar melhor a parte administrativa e financeira. Um grande amigo meu, que obteve muito sucesso na carreira financeira, estava cansado daquela rotina e veio para a do bem. A partir disso, conseguimos estruturar melhor a empresa, mas mantivemos a essência e a integridade da marca. Focamos sempre na cultura. Sempre pensamos nisso antes de tomar qualquer decisão. Mundo do Marketing - E como foi o processo de desenvolvimento da marca e a criação da cultura? Marcos Leta - A do bem é uma proposta de estilo de vida. Um ponto é o fato do alimento não ser chato de ser consumido. As embalagens tradicionais não dizem nada ao consumidor, não têm um bom design, não trazem informações. Alinhamos uma bebida de qualidade com valores nos quais realmente acreditávamos. Em algumas empresas, sinônimo de sucesso é estar de terno e gravata e usar o relógio mais caro. Para nós, isso não existe. Na do bem, ao invés de termos uma relação super formal com as pessoas, buscamos algo diferente, mais informal, investindo na comunicação e dando mais atenção a elas. Usamos muito a tecnologia em benefício do conceito e da essência que queremos dar à marca. Antes respondia às pessoas por e-mails. Hoje temos um sistema que nos permite responder às demandas com maior rapidez, entendendo melhor o consumidor e aquilo que ele está pedindo. A marca, na minha concepção, é uma experiência de vida e o somatório de tudo o que foi vivenciado. O suco é para o Rio de Janeiro, o que o vinho é para a França. E a relação que a do bem tem com o Rio, com as cores das feiras, a garrafa, tudo isso junto, este somatório, forma a experiência com a marca. A soma das nossas experiências fez com
que montássemos a do bem. Somos uma empresa, da mesma forma que a Reserva e o Koni, criada por uma Geração Y e gerida por um grupo que possui o mesmo pensamento ligado à essência da empresa.
Mundo do Marketing - A do bem não faz mídia tradicional, não é? Por quê? Marcos Leta - Não acreditamos na mídia tradicional. Procuramos fazer experiências diferentes no offline, como o carro Frutamóvel, o galão super colorido na praia para vender o suco, temos as nossas redes de vôlei, além de experiências no ponto de venda. No meio online, queremos construir uma massa de fãs e consumidores reais. A do bem não sai comprando fãs e basta comparar a nossa fanpage com qualquer outra marca que tenha um milhão deles. Você percebe a diferença na interação com as pessoas, pois temos um engajamento muito maior. No meio online, queremos ter esta boa relação com a imprensa, com os canais e de certa forma, chamamos as pessoas para acreditarem na nossa proposta. Queremos que eles mostrem a diferença entre uma bebida de nectar e um suco 100% fruta. Mundo do Marketing - Como foi abrir os primeiros canais de venda? Marcos Leta - O primeiro canal que tivemos foi o Spoleto. Depois, entramos no Zona Sul, no Rio de Janeiro, e no San Marché, em São Paulo. Ficamos praticamente um ano apenas nestes dois canais. Foi um bom teste para a marca e para a operação. Mundo do Marketing - Foi difícil entrar nestes canais? Marcos Leta - Fizemos a parte comercial sozinhos e foi tranquilo. Nossa estratégia inicial foi procurar um varejo que fosse formador de opinião e aberto às novas ideias. O San Marché, principalmente, que sempre trabalhou com produtos importados e diferenciados. Tínhamos poucas balas, mas demos tiros certeiros. Mundo do Marketing - O apelo das outras marcas pode ser menor, mas o preço também é. Por outro lado, a do bem tem um valor premium. Como convencer o consumidor de que o seu produto realmente tem mais qualidade? Marcos Leta - Entendo isso como uma questão de maturidade do mercado. No começo, as vendas são sempre baixas. Normalmente, o consumidor vê um suco no mercado, lê a palavra nectar e nem sabe o que isso significa. Na comparação, o produto com nectar sai a R$ 4,00 e o suco do bem sai a R$ 6,00, por exemplo. Por este ângulo, realmente estamos mais caros. Porém, a nossa taxa de conversão e o boca a boca gerado são grandes e isso faz com que a marca ganhe adeptos muito rapidamente. As nossas curvas dentro de cada supermercado costumam começar lentas, mas em determinado momento crescem muito rapidamente. Também fazemos ações de preço, ações promocionais, e todo material de Trade Marketing é pensado para gerar experiência. E quando o varejo compra a ideia de expor e criar um paredão colorido com os sucos do bem, os resultados são surpreendentes. O consumidor entende que ali existe algo diferente. Estamos hoje em oito estados: Sudeste, Sul e Brasília. Trabalhamos tanto com microdistribuidores quanto com grandes. São cerca de 3 mil pontos de venda no Brasil todo e nossa ideia é dobrar este número até o final de 2013.
Mundo do Marketing - A do bem já deve ter sido assediada por muitas empresas, não? Marcos Leta - Na realidade, não damos muita chance para que isso aconteça. Mas constantemente entram em contato comigo querendo conversar. Sempre aparecem pessoas de bancos de investimento, empresas grandes ou mesmo da indústria. É comum também criarem boatos para desestabilizar os nossos parceiros. Mas isso é normal em qualquer mercado. Não é uma vantagem que estou contando sobre a do bem. Mas não levo estas conversas adiante. Acredito que ainda temos muito o que fazer para simplificar a vida das pessoas, que é o nosso propósito. Por isso, não faz sentido nenhum vender a empresa ou parte dela. Mundo do Marketing - Quais são os próximos desafios? Vocês pensam em internacionalização? Marcos Leta - Acho que entrar em outro mercado que já é maduro não faz muito sentido ainda. Além disso, o mercado brasileiro é muito grande e continua em crescimento. É preciso ganhar mais massa crítica aqui para depois internacionalizar a empresa. Mas estamos fazendo alguns testes e enviamos os produtos para o Le Bon Marché em Paris. Mundo do Marketing - O que será diferente nas estratégias e gestão da marca nos próximos anos? Marcos Leta - Entre 2010 e 2012, começamos um caminho de profissionalização, ampliação de portfólio e também de pontos de venda, além de entender melhor o mercado. No final do ano passado, contratamos uma consultoria que trabalha com empresas grandes. O objetivo é traçar toda a nossa estratégia de crescimento para os próximos cinco anos. Isso começou no ano passado e terminou somente em fevereiro. A partir deste plano, trouxemos um diretor comercial que vai nos ajudar neste processo. Montamos uma área de Trade Marketing e o percentual de trade deve ser maior a partir de agora.
Mundo do Marketing - E vocês vão ampliar o leque com outros tipos de bebidas? Marcos Leta - Trabalhamos hoje em três categorias: água de coco, chá e sucos. Não são muitas, pois resta apenas refrigerante e para nós não faz sentido. Nossa ideia é aumentar dentro destas categorias. Os lançamentos serão na linha de novos sabores. Em março serão três novidades. Mundo do Marketing - Como o propósito da marca é melhorar a vida das pessoas, existe a possibilidade de ampliar os produtos para outras categorias que não sejam bebidas, mas que estejam ligadas a este conceito? Marcos Leta - A do bem pode construir e criar alimentos maravilhosos pela tecnologia, inovação e postura que tem. A inovação faz parte do DNA da nossa marca. Mas por hora, nosso foco são as bebidas.
Mundo do Marketing - Com o crescimento da empresa e com os novos desafios, você teve que abrir mão de alguma coisa? Marcos Leta - Enquanto todos querem crescer rápido para ganhar market share, nosso pensamento era oposto. Sempre quisemos crescer de forma orgânica para ter capital para todos os investimentos que quisermos fazer. Nosso objetivo é expandir sem precisar sangrar a empresa ou vender parte dela. Isso se concretizou. Conseguimos ter um crescimento saudável. O dia em que abrirmos a nossa gestão, tenho certeza que será também um grande case para o mercado. Mundo do Marketing - Por quê? Marcos Leta - Não posso falar muito, mas são as formas e fórmulas de gestão que utilizamos. Elas fazem parte de uma maneira diferente de pensar, de cultura de crescimento do negócio, e fazem mais sentido. São resultados de uma cultura que prefere manter a margem a entrar em uma guerra de preço, por exemplo. Mundo do Marketing - Mas você não se preocupa que outra marca grande possa entrar neste mercado da noite para o dia? Marcos Leta - É claro que estamos expostos a qualquer ação da concorrência, mas sinceramente, não penso muito nisso. Penso mais em manter o nosso foco, a nossa cultura, e evoluir na essência que criamos quando a marca foi lançada. Mas ninguém está livre da concorrência.