O CACINE CANABEM / RI 26-10-66 Ptª
50 anos depois
Outubro 2015 TAIR OPERAÇÃO AL
DFE 4 Guiné 1965 – 1967
“Pelo que fomos e pelo que somos”.
1965 - 2015
1965 - 2015
DFE 4
Guiné 1965 – 1967 “Pelo que fomos e pelo que somos” 50 anos depois - Outubro 2015
COMANDO Comt. Rui Jorge Aguiar dos Santos Paiva “Rui”
R. Conde de Ficalho, 6, r/c dto, 1700-114 Lisboa 218485878 938485878
Imediato Francisco Alberto Carvalho Rosado “Chico”
R. da Bicuda,286, 1ºC, 2750-682 Cascais 214820601 912224035
3º Oficial Raul Cunha e Silva “Raul”
Pcta João Anastácio Rosa, 2, 6ºB, 2700-473 Amadora 214746391 934107745
Enferm. Arnaldo Laranjo Ferreira “Laranjo”
Falecido SEMPRE PRESENTE
Orden.Cmt. António Moreira Inácio “António”
Falecido SEMPRE PRESENTE
Orden.Imed. Julio Santos “Julio”
R. Manuel Carrapeto, nº24, 2o dto, Vila Chã 2835-765 St.o Ant.o da Charneca 210832519 965176159
Telegraf. Avelino José Pereira Vilarinho “Vilarinho”
Rua Nova nº29 Senra-Messegães 4950-357Monção 251534308 969594710
Herminio Coutinho dos Santos Bigas - Lordosa 3510-651 Lordosa
Secção A
Ch.Secç.A Manuel Rodrigues Gonçalves Estr.dos Foros de Amora,35,1ºdto, Cruz Pau, 2845-004 Amora 212240906 Ambrósio Vieira dos Santos “Santos”
Praceta 25 Abril,1,1ºeq, 2590-003 Sobral de Monte Agraço 261941524 919853659
Joaquim José Pestana Chamorra “Chamorra”
R.António Matos Costa,114, S.Romão,Ciladas 7160-128V.Viçosa 268969194
Carlos Manuel Nascimento R.Dr. Egas Moniz, Lote 60, 8800 Tavira 281324317
António Vitor Tavares Faleiro “Espanhol”
Praceta Soeiro Pereira Gomes,19,2ºesq, 2835-404 Lavradio
José Rosa da Silva “Pincel”
Praceta Frei Francisco Rosário,2,2ºodt, 2830-263 Barreiro 212060194 963363489
Manuel dos Santos Azenha “Azenha”
Algeruz Gare, Cx. Postal 4020, 2965 Águas de Moura 265914171
António das Dôres Pereira
R. de Goa, 72, 2ºesq, Sto André, 2830-179 Barreiro 212150685 914630063
Joaquim António Ferreira Mogueiro
Bairro da Petrogal, no 52, 7500-120 Vila Nova de Stº André 269181436 962057515
António da Cruz Ramos “Engenheiro”
R.João de Deus, Páteo do Sapateiro,Cova da Piedade, 2810-330 Almada 231442032
Ernesto Franco Leonor “Leonor”
R. Fernando Pessoa, Lote 340, 2865-085 Fernão Ferro 212120802 212212345
Altino Lopes Amaro “Alfaiate”
PracetadeMoçâmedes,4,r/c esq, 2780-028Oeiras 214433783 963518838
Manuel Puga Ribeiro Falecido SEMPRE PRESENTE
Secção B
Ch.Secç.B José Lopes Henriques “Lopes”
Pcta QtadosPinheiros e Girassóis,3,2ºdto,Cruz de Pau, 2845-037 Amora 212247115 965683729 João Pedro Guerra Vitorino “Guerra” R.13 de Junho, 48, 2100-124 Coruche 243679297 961025932
Amadeu Francisco Barbara Augusto R.da Alegria, 16, 1ºeq, ( S. Sebastião ) 2910-380 Setubal
Azemovete Magro dos Santos “Azemovete”
R. Fernão Lopes 1556A 2975-271 Quinta do Conde
Mário Augusto Rodrigues “Sinais” Falecido SEMPRE PRESENTE
João Fernandes Afonso “Bragança”
R. Professor Egas Moniz, 59, 1º, 5300-239 Bragança 273327930
Adelino Augusto Fernandes “Bichaninha”
R.D. Joana, no 5, 5o dto, Massamá Norte, 2605-661 Belas 214395016 938281710
Pedro Serrano Baptista (evacuado) “Baptista” Falecido SEMPRE PRESENTE
Mário Sortelha Martins “Martins”
Urb. Turolhão, Bloco 168 1º Esqo Letra G 8700- 147 Quelfes OLHÃO 289043005 962550817
Jorge Rosa da Cruz “Jorge”
Cx. Postal 301-Z Pereiras 8125-024 Quarteira 289395014 938876366
Fernando Guerreiro Aleixo
Praceta Dr. Francisco Sá Carneiro, 1, r/c dto, 2670-509 Loures 219820756
Firmino Cristino da Silva Valério “Valério” Falecido SEMPRE PRESENTE
António Guerreiro João
R. Candido Manuel Pereira, 93, 2º dto, 2835- Lavradio 212059230 (trabalho)
Manuel António Ferreira da Silva Vila Nova de Gaia ???
Secção C Ch.Secç.C António Lopes Pereira “Pereira”
Av. 1o Maio, 12, 1º esq., Paivas 2845-341 Amora 212242677 926159418 Eurico Bruno Caldas “Caldas”
R. Santa Luzia,44, Geraldes, 2525-519 Atouguia da Baleia 262709353 966061367
José do Rosário Cebola “Nisa” Estrada Montalvão, 51, 6050 Nisa 245429151
Joaquim José Ferreira Miguel “Borba” Falecido SEMPRE PRESENTE
Secundino Henriques “Secundino”
R. Sebastião da Gama, 57, Bairro do Areias, 2870-039 Montijo 933570230
Manuel Francisco Rosa Navalha “Sedas”
R. Rio Seco, 20, Bairro Pinhal Areias,Vivenda Navalha, 282615 Alvercador 219582234
José Hilário da Silva dos Santos “Almada”
Urbanização Alto do Gaio, Lote 20 A, Gaio Rosário, 2860 Moita 917731261
José Manuel Alves Fernandes
Lourosa, 4520 Vila da Feira ? (4535-...Lourosa---Sta Ma da Feira)
Francisco Pereira Leite “Viana”
Av. Brasilia, 21, 2º esq, 2780-209 Oeiras 214424240 962896148
Manuel Joaquim Lopes Soares Falecido SEMPRE PRESENTE
António Dias Rodrigues
R. do Outeiro, Antas, Lugar Guilheta 7040-017 Esposende 253871788
Emidio dos Santos Torrão “Boticas”
R.Luis de Camões, 3, 1º dto, 2775 Parede 214580323 969463330
Bernardino José Xavier
Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, 5370-209 Mirandela 278249133
Secção D
Ch.Secç.D Francisco Rojão Galego “Galego”
R. Guerra Junqueiro, 9, Vale de Milhaços, 2855-456 Corroios 212543973 José Fernando Cabeleira “Cabeleira”
R.Sta Anna Dionisio,6,Qta Francelino Vale Fetal, 2820-265 Charneca da Caparica 212972955 309930499
Eduardo Lourenço Bordalo “Bordalo”
R. Serra do Mourão, no 75, Fernão Ferro, 2865-564
Manuel Duarte Ferreira Guiné “Guiné” Falecido SEMPRE PRESENTE
Francisco das Neves Hermínio “Viseu” Falecido SEMPRE PRESENTE
José Carlos Lopes
Largo do Alto do Pina, 7, 2040 Rio Maior 913660333
António Carlos Rodrigues “Ericeira”
R. da Cumeira, 4, 2º dto, 2615-067 Alverca do Ribatejo 219571165 917290397
Luciano da Rocha Caseiro “Luciano”
R. Fernando Albuquerque,75 Silgueiros Budiosa 3515-633 Viseu 232971225 969157436
Vitor Jorge Figueiras “Tólinhas” Falecido SEMPRE PRESENTE
António José Cunha Pires “Cunha”
Viv. José Jorge, R. Primavera, Bairro Areias, Apelação, 2685-749 Sacavém 219471349 964498539
João Augusto Duarte “Duarte”
R. da Liberdade, Vivenda Tomé Duarte, Bairro Miratejo, Catujal, 2685-765 Sacavém 219425423 962672178
Manuel Ferreira de Azevedo
R. S.João, 51, Ribeirão, 4760-721 Vila Nova de Famalicão 252493710
António Martins de Sousa
R. do Castelo Branco, 245, Canidêlo, 4400-405 Vila Nova de Gaia 227814647 933702976
Secção E
Ch.Secç.E António Caeiro Martins “Toni”
Falecido SEMPRE PRESENTE João dos Santos Gonçalves
TV dos Lirios, no4, Vale de Milhaços 2855-494 Corroios 934146851
Manuel Joaquim Barroso Lagarto “Manobra” R.dos Açougues, 2, Veiros, 7100-442 Estremoz 268929333 934554288
Leonor dos Reis Esteves
Qta Américo Gil,7,Vale Fetal, 2815-489 Caparica 212973680
Armindo José Gonçalves Machado “Machado” Falecido SEMPRE PRESENTE
Joaquim António Coelho Coragem “Coragem”
R. Luis de Camões, 6, Sta. Margarida do Sado, 7900 F. do Alentejo 269593176 965140782
Marcelino das Neves Tavares “Pejão”
Praceta Quinta S. João,3, 3o esq, Arrentela, 2840-210 Seixal 212221065 919045385
Manuel de Sousa Caseiro “Caseiro”
R. Foz do Neiva, 66, Antas, 4740-013 Esposende 253872228 964117024
Joaquim da Silva Moreira “Moreira”
Vila dos Infantes, R: da Freiria, no 35 J, 2440-062 Batalha 966521624
Albino Guerra Leite
Travessa da Cruz dos Álmos, Lote 4, 1o esq, 5000-507 Vila Real 259374579
José Manuel do Sacramento Martins “Martins” R. do Roseiral, 121, 2925-225 Brejes de Azeitão 210888388 917189151
António José Piçarra Marçalo “Ruço”
R.Cooperativa Operária Amorense,7,4oA,Paivas, 2845-746 Amora 212226337 968451919
Joaquim Raul Cristina “Cristina”
R. 25 de Abril, 7, S. Bartolomeu da Serra, 7540-321 S. Bartolomeu da Serra 269902156 939902381
Francisco Custódio da Silva Parrinha “Parrinha” Falecido SEMPRE PRESENTE
Francisco José Rosado
R. da Liberdade, 3, Bacelo do Gaio, Casal do Marco, 2840-021 Aldeia de Paio Pires 218878441
António Loução Ramos
R. do Geraldo, Lote 4B, 1o, Amoreira, 2645-200 Alcabideche 214684744 965051655
Lista das Operações Operações Faneca Piranha Jacaré Rasto Tristão Elsa Facho Camarão Orion Safari Gémeos Hidra Lira Nona Cordão Relampago Sonata Órbita I. Melo Caravela Nivelamento Sagitário Pesquisa I Pesquisa II Mesena Estai Traquete Bergantim Nautilus Raio Chalupa Lotus Altair Arcturus Corveta Dragão Gémeos Centauro Águia Regulus Touro Balança Mercurio Ursa Maior Ursa Menor Mirfak Achernar Perseu Hercules
Data
04-11-965 10-11-965 16-11-965 24-11-965 29-11-965 07-12-965 13-12-965 14-12-965 21-12-965 03-01-966 13-01-966 19-01-966 25-01-966 07-02-966 18-02-966 25 02-966 09-03-966 23-03-966 09-04-966 16-04-966 22-04-966 09-05-966 28-05-966 31-05-966 08-06-966 23-06-966 01-07-966 11-07-966 02-08-966 13-08-966 08-09-966 02-10-966 26-10-966 16-11-966 23-11-966 14-12-966 08-01-967 23-01-967 09-02-967 23-02-967 09-03-967 30-03-967 16-04-967 12-05-967 16-05-967 08-06-967 20-06-967 04-07-967 12-07-967
Local
Gã João/R. Geba PTB c/ DFE 9 Gã Pará/R. Geba PTB c/ DFE 9 Gã Chiquinho/R. Geba PTB c/ DFE 9 Capeane/R. Cacine PTB c/ DFE 9 Cataba/R. Cacine PTB c/ DFE 9 Claque/R. Mansoa DFE4 Chale-Inquida/R. Mansoa 1/2 DFE 4 Unche/R. Mansoa 1/2 DFE 4 Cafine/R. Cumbijã DFE 4+ DFE9 e DFE10 Cafine/R. Cumbijã DFE 4+ DFE'3,9,10+CIA 7 Quitamo/R. Mansoa DFE4 Tubacuta/R. Corubal DFE 4 Buba Tombó/R. Buba DFE 4+DEFE 10 Pta João da Silva/R. Corubal DFE 4 Buba Tombó/R. Buba DFE 4+DFE 10 Intente/R. Mansoa DFE+14 elem DFE 6 Canjeque/R. Geba DFE4+ elem DFE 6+DFE 3 Penins. Ganjaura/ R. Geba DFE4+ elem DFE 6+DFE 3 Cadique/R. Cumbijã I Catunco/R Cumbijã Amidara/R. Cacine R. Baboque/R. Mansoa R. Baboque/R. Mansoa Pta Canabem/R. Cacine Pta Nalu/R. Buba PtaJoão da Silva/R. Corubal Pta Luis Dias/R. Corubal Cantongo/ R. G. de Buba Junqueira/R.G. de Buba Cubisseco/ R. G. de Buba Junqueira/R.G. de Buba Pta Canabem/R.Cacine PtaJoão da Silva/R. Corubal Canjaja/R. Cacheu Cametonco/R. Cumbijã Jagali/R. Cacheu Concolim/R. Cacheu Catunco/R. Cobade Cametonco/R. Cumbijã Matar/R. Cacheu I. Caiar Galo Corubal/R. Corubal Tubacuta/R. Corubal Tubacuta/R. Corubal Concolim/R. Cacheu Tancroal/R. Cacheu Tancroal/R. Cacheu Tiligi/R. Cacheu
DFE4+ elem DFE 6+DFE 3 DFE 4 DFE 4 1/2 DFE 4 1/2 DFE 4 DFE 4+DFE 6 DFE 4 DFE 4+DFE 6 DFE 4+DFE 6+DFE 7 DFE 4+CCAÇ 1566 DFE 4 DFE 4+DFE 3+DFE 7 DFE 4 DFE 4+DFE 7 DFE 4+DFE 7 DFE 4+DFE 3 DFE 4+DFE 7 DFE 4+DFE 7 DFE 4+DFE 7 DFE 4+DFE' 3,6,7 DFE 4+DFE 7 DFE 4+DFE 7 DFE 4+DFE 7+CIA Paras 30 Homens-6equipes DFE 4+DFE 7 DFE 4+DFE 7 DFE 4 DFE 4 DFE 4+DFE 10 DFE 4+DFE 10
HOMENS, TORNADOS E MOSQUITOS SPM 0468 Introdução O Destacamento de Fuzileiros nº 4 (DFE 4) cumpriu, na antiga Guiné Portuguesa, uma comissão de Outubro de 1965 a Agosto de 1967. Foi um período intensamente vivido por todos nós, e no qual sucederam um conjunto de acontecimentos que, de um modo ou de outro contribuíram para aquilo que hoje somos. No princípio deste século, durante um encontro do DFE 4 na Associação de Fuzileiros, trouxemos á memória um conjunto de factos por nós “realmente” sentidos e que dão vida aos encontros que continuamos a manter. Nessa reunião, elementos da Associação de Fuzileiros pediram que escrevêssemos sobre alguns destes acontecimentos para publicação na revista “Desembarque”. E surgiram assim os SPM’s 0468 (endereço de correio do DFE 4 á altura). Os episódios aqui narrados, são relatos escritos com os sentimentos e as emoções por nós vividos em conjunto, em situações operacionais diversas. Incluímos nas narrativas, dois “in memoriam” por amigos grandes que passaram connosco esses tempos bem difíceis. Com este “contar de história” tivemos como objectivo prestar uma singela homenagem não só aos elementos desse DFE 4 que viveram esses acontecimentos, mas também a todas as gerações de jovens portugueses que durante treze anos de guerra cumpriram o seu dever em terras de África. Por outro lado, deixar aos marinheiros de hoje, um testemunho de vida em cenário de guerra, porventura em condições difíceis de imaginar. Nascemos num tempo e num país com uma sociedade muito diferente da de hoje, onde muitos valores tinham para nós um sentido diferente daquele que actualmente encontramos na generalidade da nossa sociedade. O dever, o sacrifício, a camaradagem, a generosidade, a humildade, a honra, eram palavras com um conteúdo sólido. Assim, pareceu-nos de interesse a publicação destes momentos de vida naval, homenageando ao mesmo tempo a toda a Marinha de então em serviço nas terras da Guiné.
“Pelo que fomos e pelo que somos”. O DFE 4
HOMENS, TORNADOS E MOSQUITOS SPM 0468 A Identidade de um DFE Um país, uma empresa, uma instituição ou um Destacamento de Fuzileiros Especiais, têm sempre a sua Identidade. Sem identidade, o DFE 4 (965/967) não era nada. Não conseguia ter coesão para levar os seus elementos a transcenderem-se, como unidade de combate, nos ambientes e momentos difíceis que tiveram de enfrentar no TO da Guiné. A maioria dos fuzileiros que fizeram comissões no ex-ultramar, podem não ter notado a identidade do seu DFE, mas ela estava lá. A identidade constrói-se com um “percurso” vivido. Começava na Escola de FZE, passava pelo período de treino operacional no TO, continuava durante toda a comissão e terminava com a chegada novamente à E. FZE. Na E. FZE aprendíamos a técnica básica para combatermos, ganhávamos robustez física, capacidade de sofrimento, e sobretudo, começávamos a sentir que precisávamos uns dos outros. No TO começámos a melhorar as técnicas de combate e a pressentir o que cada um de nós devia fazer antes de ser necessário actuar. Recordemos que com 6 meses de comissão ainda fazíamos treino operacional na ilha de Bissau. Voltando à construção da identidade do DFE, ela conseguiu-se através da união dos seus elementos, sendo essa coesão baseada nos valores humanos e nas qualidades dos seus homens. Especificando, a confiança nos camaradas, a lealdade, a humildade, o carácter, o sentido do dever, o ânimo tão necessário para vencer o cansaço, a doença e o mal estar, a solidariedade inter membros, a disponibilidade e generosidade para todas as tarefas, a disciplina livremente aceite no mato. A existência de um inimigo comum e o aparecimento de situações operacionais muito difíceis, levou, de uma forma consciente ou inconsciente, a que os valores e as qualidades referidas fossem amassadas e melhoradas atingindo um nível que se tornou o paradigma da identidade do DFE 4. O chefe de esquadra tinha que fazer dos seus pupilos o prolongamento do seu corpo e do seu pensamento; o chefe de secção confiava nos seus doze homens para se movimentar em combate; todos tínhamos de acreditar na chefia, e, só assim conseguíamos sobreviver e cumprir as missões atribuídas. Todos nós assimilámos a ideia que não cumprir uma missão era uma vergonha, não ter disciplina de fogo ou não saber andar no mato era não ganhar a confiança do grupo, não estar disponível para ajudar o camarada em combate era assunto para cartão vermelho, não ser solidário com os camaradas que perdiam o ânimo por qualquer razão, era levar o rótulo de egoísta dentro de um grupo altamente solidário. E foi assim que, durante um percurso de quase dois anos, todos transformámos um grupo de bons rapazes numa família coesa de amigos, constituindo uma eficiente unidade de combate. Assim, a identidade do DFE 4, estava exactamente neste paradigma de confiança inter pessoal e na capacidade operacional atingida, sabendo que podíamos desempenhar com êxito todas as missões que nos fossem atribuídas. Hoje, nos encontros que fazemos, transparece muito da identidade que construímos há mais de 40 anos e os sobreviventes continuam com orgulho e alegria a lembrar o que ficou na sua memória e também escrito na placa do DFE 4, na Escola de Fuzileiros:
“Pelo que fomos e pelo que somos”.
MOMENTOS DE TERROR SPM 0468 Primeira experiencia com as ALG’s Algures, num dia de Dezembro de 1965, o DFE 4 e o DFE 9, foram treinar e experimentar uma nova arma que tinha chegado dias antes à Guiné, e que consistia numa granada ofensiva que era lançada pelas espingardas G3. Esse treino efectuar-se-ia no Ilhéu dos Pássaros, em frente de Bissau. Esta arma seria de grande eficiência para atingir o IN em emboscadas que sofrêssemos à queima-roupa, facto que posteriormente verificámos trazer-nos grandes vantagens operacionais em matas abertas, como eram p. ex. as das margens do rio Cacheu. Posso dizer que a vontade de utilizar esta arma pelos DFE’s que estavam a terminar a comissão não era muita, pois a verdade era que se eles tinham resolvido os problemas da guerra até esse momento, perguntavam por que razões se iriam meter na aventura do desconhecido? E foi assim que os dois DFE´s partiram naquela manhã para um primeiro treino com esta nova arma que se revelou fatídico para alguns elementos. Recordo que estavam os dois DFE’s no ilhéu e um marinheiro do DFE9, o Eliseu era o que iria disparar a primeira ALG. Estavam a seu lado um ou dois marinheiros e os dois imediatos dos DFE’s, Ten. Oliveira Monteiro e Carvalho Rosado. A seguir e muito rapidamente desenrolou-se o drama. Julgo que o Eliseu precipitadamente descavilhou a granada já montada na G3, e o Ten. Oliveira Monteiro gritou “todos para o chão” e para o Eliseu largar a G3. Todos mergulhámos para o chão ao mesmo tempo que a granada rebentava no cano da G3 empunhada pelo Eliseu, que obviamente ficou gravemente ferido. Todos os que o rodeávamos ficámos ilesos e de imediato procurámos socorrer o nosso camarada marinheiro muito ferido. Encurtando o relato, e do pouco que nos lembramos, recordo que nos minutos seguintes alguém me veio chamar porque o Mar. Baptista do DFE 4 estava longe desta cena e se encontrava ferido. Rapidamente fui observar o estado do Baptista que se encontrava numa ponta do Ilhéu dos Pássaros, e me dizia que não estava a ver nada do olho esquerdo (salvo o erro). Contava-me ele: “Sr. Imediato, eu atirei-me ao mar mas tinha a cara virada para o sítio do desastre. De facto quando olhei bem para o seu olho o Baptista que nem sequer deitava muito sangue, mas tinha a parte central do olho parcialmente destruída e logo vimos que o seu olho tinha sido atravessado por um pequeno estilhaço da granada que tinha inopinadamente rebentado na ponta do cano da G3 do Eliseu. Seguiu-se todo o drama humano centrado principalmente no Eliseu e também no Baptista, que todos desejávamos obviamente ajudar. Podemos hoje dizer que miraculosamente o Eliseu sobreviveu a um terrível acidente que teoricamente seria de sentença de morte, pois uma granada ofensiva rebentar a um metro da cara só poderia ter um fim, o pior concerteza. Mas os dias passaram e tínhamos de volta a realidade da guerra que tínhamos inevitavelmente que cumprir. E aqui acho interessante relembrar o esforço que todos no DFE 4 tivemos que fazer para voltar a treinar o disparo das ALG’s, e sobretudo estarmos bem aptos a usá-las em operações frente ao IN. Posso dizer que este período não foi fácil, pois estamos a falar de homens marcados por um desastre que de um modo ou de outro acabou por atingir psicologicamente todos os fuzileiros na Guiné desses tempos. Os meses rolaram, as operações em matas abertas foram passando, e as ALG’s foram-se revelando como uma arma de muito interesse operacional para nós, pois alguns meses depois de as começarmos a usar deixámos de ter ataques a curta distancia. Tenho pena da memória não me ajudar com mais detalhes desta história, que teve um tristíssimo principio mas que talvez sem exagero acabou por se revelar de muita utilidade nas nossas andanças operacionais.
“Pelo que fomos e pelo que somos”. O DFE 4
HOMENS, TORNADOS E MOSQUITOS SPM 0468 Todos “prà” água... Na operação “Altair”, em 26 Outubro de 1966, o DFE 4 desembarcou ”a nadar” na Pta Canabém, no rio Cacine, com apoio de fogo de duas LFG’s, a Hidra e a Lira. Como todos os locais na zona sul da Guiné esta era uma área de real perigo, onde corríamos o risco de sermos atacados no momento crítico do desembarque, que ia acontecer de dia. O baú das memórias, às vezes já difícil de abrir, recordanos os momentos difíceis que o nosso grupo, tão jovem, viveu com muita intensidade e generosidade em terras de Africa. Eram 0700h quando a LDM 307 nos tentou desembarcar na ponta Canabém. Por infortúnio do destino, surgiu de repente o chamado “imprevisto nunca previsto”, a LDM encalhou em fundo baixo, a cerca de 100 m de uma margem cheia de tarrafo e ficando ao alcance das armas do IN. Nesse momento crítico havia que tomar uma decisão urgente, e executála muito rapidamente: ou desembarcar ou abortar a operação. A escolha feita pelo Comandante foi fácil. A LDM estava mesmo encalhada e não mexia. Assim, era urgente aliviar a carga para que ela ganhasse flutuabilidade e pudesse navegar. De facto naquela posição, a lancha seria um alvo muito fácil, e diria até que estávamos a oferecer a “lotaria” ao IN, pois podíamos ser atacados sem termos a possibilidade de responder. O nosso Comandante não teve portanto outra alternativa que não fosse gritar a ordem “todos prà água”, para desembarcar rapidamente a nado, acontecesse o que acontecesse. Felizmente, beneficiávamos da ajuda das peças de 40 mm das LFG’s Hidra e Lira, que se reposicionaram e nos deram a protecção possível nestes momentos de aflição.
As fotografias juntas evidenciam bem as dificuldades por que passámos e recordo que nas nossas mentes todos os pensamentos negativos nos surgiram. Saberíamos todos nadar o suficiente para chegar a terra com todo o pesado equipamento? Conseguiríamos evitar molhar as armas e as munições? Iriam funcionar os RPG’s e os rockets? Conseguiríamos manter a disciplina, a nadar em fila indiana? Haveria algum erro dos artilheiros das LFG’s que nos acertariam com alguns tiros? Estaria o IN à nossa espera no tarrafo ainda connosco dentro de água? etc... 11 Resumindo, a nossa moral naqueles momentos não era propriamente das mais elevadas, pois na verdade, quer quiséssemos quer não, estávamos a fazer um desembarque dando todas as vantagens ao IN. Recordo que esta operação se efectuava de dia e o factor surpresa há muito que desaparecera. A 1a secção avançou com muita determinação, “não propriamente num crawl perfeito”, mas tentando que as coisas importantes não se molhassem. Refirome ao material vital para andar no mato, armas, munições, cartas e equipamentos de comunicações. Lá fomos vencendo todas as dificuldades com um esforço titânico tanto no plano físico como emocional. Recordome que após nadarmos aquele primeiro troço visível até a uma curva, fomos então surpreendidos com um grande percurso de água que nos separava ainda do início do tarrafo e das primeiras árvores que nos proporcionariam abrigo. É nesse momento que nos assalta a velha pergunta “mas isto está a acontecerme mesmo a mim ou é tudo um sonho do qual ainda não acordei?”. Infelizmente, tudo era mesmo real e nós tínhamos mesmo que resolver aquela papeleta, fosse de que maneira fosse, e a única solução era ganhar a orla da mata tão cedo quanto possível.
Neste ultimo canal, as LFG’s já não nos viam e estávamos portanto totalmente entregues a nós próprios. Quando atingimos o meio do tarrafo, com a vontade imensa que desaparecesse o cansaço acumulado no desembarque, sentimos com intensidade, o enorme desconforto de ainda não termos ninguém na orla das primeiras árvores, o que simplesmente significava estarmos ainda à mercê do IN. Finalmente a 1ª secção “agarrou” a orla da mata, e a tranquilidade começou a confortar os nossos espíritos. Os restantes homens do DFE 4 já poderiam desembarcar com alguma tranquilidade pois o nosso pessoal já lhes podia dar protecção na situação imprevisível que o destino nos criou. Assim, esta operação ficou conhecida para a história pela situação inesperada e imprevisível, do desembarque de um DFE nadando num dos sítios de maiores riscos operacionais da antiga Guiné. Por incrível que pareça, as fotos que acompanham este SPM deram volta aos três TO’s, Guiné, Angola e Moçambique, e apareceram em revistas de outros ramos das Forças Armadas, ligadas a outras unidades que não o nosso DFE 4. Não ficámos zangados que outros se tivessem apropriado das nossas imagens, mas é tempo de repormos a verdade dos factos e dar o seu a seu dono, principalmente por se tratar de momentos tão intensamente vividos na nossa juventude, e permanecendo bem vivos na nossa memória. Nunca é demais recordar a inscrição que depois de tantos anos, deixámos gravada na placa do DFE 4 na Escola de Fuzileiros:
“Pelo que fomos e pelo que somos”. O DFE 4
HOMENS, TORNADOS E MOSQUITOS SPM 0468 Comodoro Ferre Caeiro e o mato O DFE4, na sua comissão na Guiné de 1965 a 1967, serviu provavelmente sob o melhor comando de Marinha durante toda a guerra do ultramar. Como Cmte da Defesa Marítima exercia o cargo o saudoso Comodoro Francisco Ferrer Caeiro, o 2º Cmte era o CMG António Júlio Malheiro do Vale, o CEM o CFG Mário Dias Martins e o Sub CEM o CTN Adriano de Carvalho. Todos Marinheiros da pesada. De facto, o então Comodoro Ferrer Caeiro, tinha uma personalidade ímpar e um conjunto de qualidades militares e humanas que o destacavam como chefe, sobretudo em teatro de guerra. Era extremamente exigente com os comandos subordinados e consigo mesmo, mas compreendia como ninguém as dificuldades que as diversas unidades encontravam, e protegia sempre os “seus” comandantes. Por outro lado conhecia bem as realidades operacionais e não era raro vê-lo embarcado ou, de quando em vez, em operações com os Destacamentos de Fuzileiros. Assim conquistava sem dúvida a admiração dos oficiais, sargentos e praças que com ele serviam, e o respeito dos seus iguais e superiores. A história que vos conto passou-se em Julho de 1967, na operação “Perseu”, quando o Cmte do DFE 4 resolveu convidar o Comodoro para fazer uma operação connosco, afim de ele avaliar “in loco” as dificuldades por que passavam os DFE’s. Como sucedia sempre, o Cmte chamou-me para me participar a sua intenção, ao que eu retorqui com rispidez e profundo desagrado, pois achava um risco enorme levarmos um “velho” (tinha cerca de 50 anos) para o mato. Nada ganhei com a minha reacção pois a decisão já estava tomada. Assim sugeri que escolhêssemos um terreno aberto para evitar emboscadas a curta distancia o que iria minimizar os riscos para o Comodoro. Escolhemos assim uma mata aberta no rio Cacheu e combinámos exaustivamente todos os detalhes da operação. O Cmte mandou-me então escolher três homens que seriam responsáveis pela segurança do Comodoro, pelo transporte das suas coisas e pela sua protecção em qualquer situação. Assim fiz, e lembro-me de ter escolhido entre eles o “Tolinhas”. Dei-lhes a ordem de, ao 1º tiro, caírem em cima do Comodoro e de o taparem com os seus corpos, nunca o deixando levantar-se do chão.
Embarcámos depois na LFG Hidra, sob o comando do então 1º Ten. Isaias Gomes Teixeira, a caminho do Rio Cacheu e, passado algum tempo, fizemos a bordo o usual briefing da operação para que o pessoal ficasse a saber todos os pormenores que prevíamos poderiam suceder após o desembarque. Aí mesmo aconteceu o 1º episódio com o CDMG, após o Cmte e o Imediato terem falado o Comodoro tomou a palavra e disse com ar solene: “ No mato o Imediato é o Chico e portanto eu sou o Chiquinho. Serei o grumete mais marreta do Destacamento”. O pessoal só quis ouvir isto, pois de imediato se começaram a ouvir as “bocas” de “Chiquinho” a torto e a direito, para delicia dos grumetes e, porque não, alegria do Comodoro. Cerca das 3h da manhã desembarcámos e iniciámos a operação, não sem algum desconforto por corrermos o risco de levar connosco o nosso chefe máximo. O Comodoro ia na zona de menos risco, no meio do Destacamento, junto do Comandante e bem protegido pelos três destemidos “fuzos” por mim escolhidos. Cerca das 7h da manhã a frente do DFE 4 teve o 1º contacto de fogo com o IN, ao que se seguiram mais três ou quatro, que foram resolvidos sem problemas de maior. No fim da operação, e já relaxados e seguros junto ao ponto de reembarque, perguntei ao Tolinhas como se tinham passado as coisas nos contactos de fogo? E aí sucedeu o inesperado perante o relato do Tolinhas. Contou ele com um ar muito convicto: Sr. Imediato quando ouvimos os tiros cumprimos as suas ordens, caímos os três em cima do Sr. Comodoro e nem o deixámos mexer, embora ele gritasse com força “deixem-me levantar que eu quero correr atrás deles” e eu respondi-lhe “não o podemos deixar ir porque o Chico disse para não o deixarmos sequer mexer...” Escusado será dizer que nos rimos a bom rir ao imaginarmos o ridículo da cena: o Comodoro no chão com 3 grumetes matulões em cima invocando uma ordem de um simples 2º tenente para que não o largassem. Claro que o Comodoro, depois disto saber, riu muitas vezes com o seu famoso gargalhar por esta ridícula cena acontecida no meio do mato, e na companhia dos Fuzos de quem ele tanto gostava. Episódios como este, ficaram retidos para sempre no baú das nossas recordações, e só podiam ter acontecido na Guiné daquele tempo e com o Comodoro Ferrer Caeiro de tão saudosa memória.
HOMENS, TORNADOS E MOSQUITOS SPM 0468 Marinha sempre á frente No 1º semestre de 1967, foram chamados com carácter de urgência, pelo Comandante da Defesa Marítima da Guiné, Comodoro Ferrer Caeiro, os comandantes dos DFE’s 4 e 7, respectivamente 1º ten. Santos Paiva e 1º ten. Moitinho de Almeida. Na sequência desta reunião, o meu Cmte chamou-me e ordenou-me que preparasse o embarque do DFE 4, no prazo de 2 horas, na LFG Cassiopeia. Ao pessoal bastaria levar a G3 com 2 carregadores. Ainda incrédulo, perguntei-lhe qual era o objectivo, ao que ele me retorquiu que não me podia dizer. Podem imaginar como me senti, pois nunca entre os três oficiais do DFE4 houve qualquer segredo operacional. Já debaixo de uma fúria mal contida, respondi-lhe que era inaceitável que ele não me dissesse o local da operação e tudo o que se passava, pois nunca tinha sucedido tal coisa em um ano e meio de comissão. O Cmte respondeu-me que ele e o Cmte do DFE 7 tinham que cumprir a ordem do Comodoro de nada revelar do que se iria passar. Embora aceitando a explicação, estava tão furioso que lhe disse que seria completamente impensável que os homens do DFE 4 aceitassem sair de Bissau só com uma G3 e apenas dois carregadores, portanto eu ia dar-lhes uma ordem que eu já sabia não seria cumprida. Chamei o Quartel Mestre e os Chefes de secção e transmiti-lhes a ordem de que iríamos embarcar dentro de 2 horas e de que não seriam necessárias armas de apoio, bastaria cada homem levar a G3 com 2 carregadores. Claro, toda a minha fúria passou para eles que de imediato me inquiriram acerca do local e do tipo de operação iríamos realizar! Também me disseram logo que seria impossível cumprir a ordem do armamento do pessoal, pois nunca o DFE 4 sairia de Bissau sem a “artilharia” do costume. Apesar de tudo, lá se cumpriu o horário previsto e os Destacamentos embarcaram na LFG como tinha sido determinado. Na primeira volta que dei pelo convés, fui encontrar as MG 42 devidamente municiadas, as bazucas, os lança rockets, as ALG’s e as granadas do costume! Estávamos prontos para todas as eventualidades. Nestas questões já ninguém acreditava em conversas para meninos de coro, nós éramos veteranos e os rios Corubal, Cumbijã e Cacine estavam sempre presentes na nossa memória, e metiam-nos muito respeito! Só G3 com 2 carregadores? Então que conversa era esta? Seríamos nós alguns “periquitos” chegados de fresco ao inferno Guineense para nos enfiarem um barrete destes? Tomem lá então com toda esta artilharia, que apanhados à mão é que nunca seríamos. É óbvio que a confiança voltou a estar perto de nós quando nos vimos a bordo com o armamento do costume. Preparávamo-nos nós para descansar um pouco, antes de um eventual desembarque, e principalmente eu, o 3º oficial e os chefes de secção mergulhados na fúria do desconhecido, quando fomos novamente surpreendidos com a ordem de regresso a Bissau. Aí tivemos a certeza de que ou estavam a gozar connosco ou as chefias estavam completamente apanhadas pelo clima. Não percebíamos nada do que se estava a passar, e era a primeira vez que tal coisa sucedia com um conjunto de FUZEILEIRAÇOS que já tinham no horizonte o fim da comissão.
Regressámos a Bissau e a vida operacional continuou por mais 3 ou 4 meses. Muitas vezes pedi ao Cmte para me contar a história, mas sem sucesso. Nunca soube em terras da Guiné que raio de missão fomos realizar naquele dia. Foi já em Lisboa, muitos meses depois da chegada, que o Cmte me contou toda a história, que acaba por demonstra bem a autoridade, a convicção e a capacidade de decisão que era inerente, naquela época, ao Comodoro Ferrer Caeiro. O que tinha sucedido? Bem simples de contar. A Marinha tinha em Bolama umas instalações navais que, até há pouco tempo, tinham sido ocupadas pelo DFE 4, e se encontravam vagas naquela altura. Aconteceu então que duas companhias do exército chegaram aquela ilha e, na falta de melhores instalações resolveram instalar-se nas infra-estruturas da Marinha, sem a eventual autorização do Comando da Defesa Marítima da Guiné. O “nosso” saudoso chefe, comodoro Ferrer Caeiro não hesitou um momento, chamou os dois Cmtes dos DFE’s, disponíveis em Bissau, e disse-lhes que as companhias do exército deveriam sair de imediato das instalações da Marinha, nem que fosse a tiro. Só depois de sairmos de Bissau e de as unidades navegarem a caminho de Bolama, é que o Comodoro telefonou ao Cmte Chefe, General Schultz, e o informou do que se estava a passar. Imagino eu, que o General deve ter agido muito depressa no sentido das companhias saírem das instalações navais de Bolama, pois só assim os DFE’s puderam tão rapidamente regressar a Bissau. E foi assim, com CHEFES desta têmpera, que a Marinha construiu o seu prestígio em terras de África. Bem-haja, saudoso Comodoro Ferrer Caeiro.
“Pelo que fomos e pelo que somos”. O DFE 4
HOMENS, TORNADOS E MOSQUITOS SPM 0468 Quando a sorte nos bate á porta… Operação “Mezena”, 9 de Junho de 1966, pelas 1330h, embarcámos em Bolama na LFG Hidra sob comando do 1º Ten. Gomes Teixeira, e rumámos para o rio Cacine, Ponta Canabem. Tratava-se de uma bacia hidrográfica onde sempre encontrávamos o IN muito forte e aguerrido, e todos sabíamos que os combates eram inevitáveis e difíceis. Estávamos a meio da comissão, transbordávamos segurança, e a confiança que tínhamos uns nos outros era muito grande, pois sabíamos bem o que devíamos fazer em todas as situações operacionais. Já tínhamos sido testados em situações bem complicadas e sempre nos saímos a contento sob condições bem adversas. Isto, traduzido em linguagem de hoje, fazia-nos crescer o sentimento de sermos “os maiores”, pois podíamos em certos momentos ser acometidos de receios mas os “turras” seriam de certeza mais que nós. Voltando à operação em questão, cerca das 2330h, desembarcámos sem problemas, e logo iniciámos a progressão em direcção ao ponto previsto para montarmos uma emboscada ao inimigo. Eu ia à frente com a secção D, chefiada pelo Sarg. Galego. A noite estava muito húmida e a mata encontrava-se cheia de um nevoeiro que tornava difusa todas as imagens que já nos eram familiares. Assim, com a transpiração do corpo e da alma a misturar-se com o “fog”, lá íamos avançando directos ao objectivo na fila indiana do costume, num silêncio que nos permitia manter no nosso espírito os pensamentos da nossa vida pessoal e a tremenda atenção ao mundo hostil que nos rodeava. Cerca das 0200h, o Sarg. Galego chamou-me a atenção para o que parecia ser o perfil de palhotas à nossa esquerda. Mandei parar o DFE, e saí da coluna com ele para ver o que se passava com aquelas silhuetas avistadas. Nesta situação, o procedimento treinado no Destacamento era passar a voz por toda a coluna informando que dois elementos tinham saído da coluna para a sua esquerda. E assim lá fomos eu e o Galego tranquilamente (?) investigar o que se passava. Após alguns minutos voltámos à coluna, por acaso não ao mesmo local de onde tínhamos saído, mas uns metros mais para trás e direito à 2ª secção do DFE. Estávamos a cerca de 40 metros da coluna quando o silêncio da mata foi violentamente sacudido por 2 rajadas de G3 dirigidas a nós. Eu, no primeiro instante, fiquei paralisado e lembro-me do Galego me dar um grande empurrão que quase me fez cair no chão. Ao mesmo tempo gritámos que éramos nós e não os “turras”. De facto o fogo parou e nós completamente arrasados lá entrámos novamente na coluna. Obviamente que nosso equilíbrio emocional e também de todo o DFE ficou muito abalado, pois teoricamente nós deveríamos estar simplesmente mortos. Claro que a emboscada ficou estragada, pois a partir desse momento ficámos detectados na zona, e cerca das 0300h o IN tentou localizar-nos, disparando com ML MP e LGF, sobre as nossas cabeças e por cima da LFP que nos tinha desembarcado.
O que se passou então naqueles minutos de elevada ansiedade para todos nós? Como podia suceder uma coisa destas com pessoal tão bem treinado? Pois bem, mais uma lição recolhida e bem aprendida para o futuro. Na verdade falhou simplesmente a comunicação da nossa saída, que não chegou à 2ª secção da coluna, e portanto o homem que fez o disparo agiu bem, pois não sabia da nossa saída da coluna. Para já diga-se que quem fez os disparos foi o meu amigo Mário Martins, que, para além de grande experiência em combate, era um chefe de esquadra de muita serenidade debaixo de fogo. Quer se queira quer não, um episódio destes marcou-nos a todos, pois poderia ter sucedido com qualquer de nós, tanto ser atingido como ter disparado, e acontecimentos como este podem arruinar a vida de várias pessoas e destruir o ânimo da unidade. Agora, e a partir deste fórum, presto homenagem à força anímica do meu amigo Mário, pois viveu de certeza momentos muito difíceis ao recordar o que poderia ter sido uma grave tragédia por ele protagonizada. A operação terminou sem grandes problemas e voltámos para a Base em Bissau, onde aconteceu o epílogo caricato desta história de final feliz. Sempre que sucedia uma operação de alguma envergadura, havia um “debriefing” no CDMG (Comando da Defesa Marítima), onde eram analisados todos os pormenores operacionais, e esta operação não fugiu à regra. Assim o Comodoro Ferrer Caeiro deu a palavra ao Cmte. do DFE4, para ele descrever a operação. O então 1º Ten. Santos Paiva, ainda muito emocionado pelos acontecimentos começou por dizer: “Sr. Comodoro ontem aconteceu um milagre”, o Imediato e o Sarg. Galego podiam estar mortos… (e descreveu o episódio acontecido). O Comodoro Ferrer ouviu atentamente a exposição e depois disse ao Cmte. do DFE4: “ Milagre o..., o que acontece é que esse homem não tem pontaria, pois se a tivesse o Imediato e o Sarg. deveriam estar mortos. Portanto a partir de amanhã esse homem vai para a carreira de tiro para aprender a disparar como deve ser”. Claro que a história correu pela Marinha Guineense, e os risos que provocou ajudaram a levantar o moral das tropas, nesse momento difícil da nossa comissão. Assim era o nosso saudoso Comodoro Ferrer Caeiro, marinheiro de barba rija que nunca se deixava envolver ou ultrapassar pelos acontecimentos, fossem eles quais fossem. A Marinha estava sempre à frente.
HOMENS, TORNADOS E MOSQUITOS SPM 0468 Patos, galinhas e cabritos… Março de 66, operação “Órbita”. Estávamos com seis meses de comissão, naquele momento de inversão que desconta os dias e perturba os sonhos. O nível operacional do DFE 4 estava no auge, porque já havia experiencia de sobra e vaidade que baste. Embora já tivéssemos alguns feridos não tínhamos tido mortos, o que levava os níveis de confiança para valores mais elevados do que seria normal, o que era perigoso. Muito perigoso. Estávamos convencidos que éramos os “maiores” e que poderíamos resolver qualquer problema que nos aparecesse. Calhou-nos, então, uma operação na península de Jabadá, desembarcando no lado do Rio Corubal e reembarcando no Rio Geba. Era um sítio que o Estado-maior da Defesa Marítima classificava de perigoso. Mas naquela altura o perigo andava cada vez mais connosco e, mesmo que não andasse, nós fazíamos por isso. Era o princípio da inconsciência do grande operacional. Cerca das três horas da madrugada já estávamos em terra e tentando atingir o objectivo principal, que era a tabanca de Jabadá. O terreno era relativamente aberto pelo que a deslocação não era penosa, embora fosse mais fácil sermos detectados aos primeiros alvores. Até aqui tudo eram estranhas facilidades. Cerca das sete horas da manhã estávamos a fazer cuidadosamente a aproximação ao objectivo, tentando, obviamente, evitar sermos detectados. Assim, entrámos no meio das muitas palhotas sem encontrar vivalma, embora com todos os sinais de presença muita recente. Fumos de fogueira, cheiro a vida, rastos de hora. Os animais domésticos passeavam por todo o lado sem se preocuparem connosco. Perante tanta facilidade o pessoal ficou deslumbrado, e pensou provavelmente que o IN “sabendo que éramos fuzos fugiram em grande velocidade”. Neste cenário, como que guiado por mão invisível, a, maioria do DFE 4 iniciou uma intensa caça às galinhas, patos, leitões e cordeiros que podiam guardar. Era ver o corrupio de fatos camuflados cheio de pequenos animais domésticos gritando pela sobrevivência. De nada valeram os gritos de aviso dos mais responsáveis para que mantivessem a calma pois estávamos num local perigoso..., lembro-me das chamadas bem fortes dos chefes de secção, que obviamente caíram em saco roto, continuando o regabofe da “caça” miúda com elevada eficiência. Só se viam fatos camuflados cheios de galinhas, leitões e cordeiros, que cada vez mais barulho faziam.
De repente, esta “festa” foi interrompida pelo barulho inconfundível das PPSH e dos tiros isolados de espingardas. Tínhamos sido apanhados de calças na mão. Como por milagre, todos reagimos de imediato da forma correcta, como que voltando à realidade da vida e do medo, com a confusão de toda a caça procurar, no meio de tanto barulho, sair dos camuflados, feitos gaiola, a caminho da liberdade. Foi uma situação ridícula mas angustiante, no meio da guerra ver galinhas e leitões a berrar e fugir por onde podiam e denunciando as nossas posições. Lá resolvemos a papeleta com alguma serenidade e, com mais algumas escaramuças e imensa sorte, acabamos de reembarcar sem feridos, uma vez mais. Serviu-nos de lição, e nunca mais baixamos a guarda em situações críticas, que o DFE 4, repetidas vezes, voltou a encontrar. Posso no entanto dizer que o brio nunca se perdeu, e, dessa vez, ainda houve quem em Bissau comesse belas canjas e cordeiros assados para matar saudades da Metrópole. A nós já não souberam tão bem.
HOMENS, TORNADOS E MOSQUITOS SPM 0468 Marinheiros no ar… Na operação “Mercúrio”, em 16 de Abril de 1967, 30 fuzileiros do DFE 4 fizeram a 1ª operação helitransportada, pelo menos em território da Guiné. Tratava-se de um golpe de mão sobre um acampamento na região de Galo/Corubal. Assim, tínhamos de desembarcar 30 homens de surpresa, sobre um acampamento do IN, num dos locais mais complicados para as nossas tropas. Podemos dizer que em toda a bacia hidrográfica do Rio Corubal encontrámos sempre um inimigo bem preparado no plano militar, e que nos enfrentaram várias vezes em duros combates. Assim podemos dizer que esta operação nos causava alguma apreensão não só pelo local do TO, mas também pelas novidades de pela primeira vez não estarmos envolvidos no ambiente de rio, mas sim grande parte dos acontecimentos se passarem no ar. A preparação da Op. decorreu de forma não usual para nós. O Cmte. mandou-me escolher 30 homens e organizá-los em 6 equipes de 5 homens. Só isto por si já representava uma profunda mexida na nossa organização de combate, que como sabem se baseava em esquadras de 3 homens, e na qual tínhamos já 19 meses de experiencia conjunta. Isto significava que todos os nossos automatismos se baseavam no conhecimento profundo de quem estava sempre na mesma posição ao nosso lado. Portanto havia que treinar os movimentos no mato com elementos diferentes daqueles a que estávamos habituados. Um segundo aspecto tinha a ver com o desembarque e reembarque no helicóptero. Como nunca estivemos nessa situação, tivemos que fazer vários treinos para aprendermos a saltar daquela máquina voadora. Também não podíamos levar os Lança Granadas Foguetes (Bazookas) que foram substituídos por lança rockets. Assim com estas e outras novidades lá fomos preparando a nova operação, e principalmente aproximarmo-nos desta nova realidade aérea, tão diferente do rio que nos era já tão familiar. No dia 16 Abril 67, pelas 0630h, os 30 elementos do DFE 4 largaram de Bissau a bordo de 6 helis para iniciarem o golpe de mão sobre um acampamento referenciado. A tensão sentida era muita, pois era a primeira vez que passávamos por esta estranha experiência; recordo-me que durante muitos momentos o único ruído era barulho do motor, que depois era interrompido por algumas piadas nervosas que nos aliviava o stress e elevava a moral. Cerca das 0700h, e com as equipes já preparadas para o assalto, ouvimos então o bombardeamento aéreo no objectivo, tendo logo a seguir os seis helicópteros aterrado muito perto do acampamento. Sem oposição, o DFE 4 cumpriu a sua missão sem resistência do IN.
No regresso, ainda tivemos um contacto de fogo quando nos dirigíamos para o ponto de reembarque, mas sem consequências. Atingido este ponto, que era uma clareira onde deviam aterrar os Helis para nos recolheram, acabou por acontecer o insólito, o bizarro completamente inesperado. Os Helis fizeram a aproximação em formação em cunha, e o Heli da frente, pilotado pelo Cap. Caldas, Comte da esquadra, era o 1º a aterrar. Sucede que quando estava a cerca de 1 metro do solo, começou a andar á roda, com a equipe de fuzos a correr ao lado da porta tentando reembarcar. De súbito, aquela máquina voadora caiu então bruscamente no terreno, não mexendo mais. Vimos a seguir os restantes Helis desaparecerem do local, e o nosso Comte deu ordem para nos dispormos ao longo da clareira para montarmos a respectiva protecção á aeronave. Tudo isto no fim de uma operação bastante stressante, víamo-nos assim em território muito hostil, no meio do mato á volta de uma clareira, tentando proteger deficientemente um helicóptero avariado no chão. A clareira era grande e os 30 fuzos não conseguiam preencher o perímetro defensivo. A situação foi de alguma angústia, pois se fossemos atacados, dificilmente o Heli não seria atingido. Esta situação durou cerca de 45 minutos, findos os quais já tínhamos a Força Aérea toda em cima de nós dando toda a protecção necessária. A seguir chegou uma força de 20 Páras com o capitão Ramos, que veio ajudar á protecção do Heli durante a sua reparação. No fim de toda esta actividade não prevista lá acabámos por reembarcar umas horas depois, tendo ainda o ultimo Heli avistado uma canoa suspeita que acabou por ser afundada pelo nosso fogo, por a metralhadora de bordo se encontrar encravada. Finalmente rumámos a Bissau onde chegámos exaustos, mas com a satisfação de mais uma missão cumprida e uma nova experiencia intensamente vivida. Para a história naval desses tempos ficará com certeza a experiência de “marinheiros no ar”, tentando adaptar a experiencia da água ao meio aéreo, e a certeza que não nos agradava muito tentar mais vezes, pois acreditámos que “tudo o que está lá em cima alguma vez tem de cair”, como demostrou o Heli que nos ia recuperar. Para nós, foi mais uma missão cumprida, com um acumular de experiencia que nos encheu de orgulho a nós e á Marinha que procurámos dignificar.
“Pelo que fomos e pelo que somos”. O DFE 4
HOMENS, TORNADOS E MOSQUITOS SPM 0468 “In memoria” do Mário Sinais O Mário “Sinais” era grande e um leader. Marinheiro FZE, chefe de esquadra de dois grumetes, pequenos e cheios de genica, o Bragança e o Bichaninha, que ele educou e protegeu como um pai. Era destemido, generoso, exuberante, bem-disposto e de grande lealdade. As histórias vividas no mato com o Mário de 1965 a 67, foram muitas, e foi difícil escolher duas que me proponho relatar agora. Certa noite o destino fez-nos uma partida. Conjugou no momento de desembarque no rio Corubal, uma enorme lua cheia, uma clareira e um morro, onde estava um grupo armado à nossa espera. Numa retirada de aflitos, encontrámo-nos na margem do rio, doze homens sós, mergulhados na água barrenta, unicamente de cabeça de fora, sem comunicações com ninguém, e muito desnorteados com o que nos estava a acontecer. O tiroteio era mais que muito e os insultos às nossas mães eram constantes e únicos. No meio daquela grande aflição, procurando cada um de nós equilibrar-se emocionalmente perante o inesperado, vimos de repente o Mário sair da água, subir para o ourique, e, enquanto disparava um carregador, gritar várias vezes “filhos da p... é que vocês não me chamam, p... é a vossa mãe,...”. Por incrível que pareça, foi esta reacção, fora de qualquer racionalidade, que nos fez a todos ganhar ânimo e coragem para ripostarmos taco a taco e vir, muito mais tarde, já em plena noite escura, a sair desta complicada situação ao encontro do Destacamento entretanto desembarcado mais a Norte! O outro episódio sucedeu numa mata cerrada do Sul da Guiné, onde a esquadra do Mário seguia à minha frente na testa da coluna. Já era madrugada, e decidi poupar o Mário ao sacrifício de continuar a abrir caminho, mandando o Valério e a sua esquadra para a frente. Então não foi que, em pleno silêncio da madrugada húmida, com água a escorrer-nos pelo corpo e pela alma, o Mário resolveu “contestar” a minha decisão dizendo que era a ele e à sua esquadra que pertencia fazer o esforço e correr o risco. Claro que lhe disse que ele podia refilar mas sem eu ouvir, e o Valério passou para a frente. Foram muitos episódios destes que fazem crescer a vontade de, quarenta e dois anos depois de chegarmos a Lisboa, termos o prazer de nos reunirmos em almoços, onde a amizade e os sacrifícios que juntos passámos, nos recordam os valores (hoje tão esquecidos) que nos fizeram crescer como homens e dizer a frase que deixámos nas nossas memórias:
“Pelo que fomos e pelo que somos”.
O Mário deixou-nos numa madrugada fria de Janeiro de 2009, e partiu, longe da Guiné, da sua esquadra, dos seus amigos, dos seus sonhos, de todos nós. E sabe que não foi sozinho, porque um dia, lá no fim do Fim, nos vai encontrar outra vez. À família a quem falta agora a exuberância e o carinho do marido, pai, irmão e tio, deixa o DFE 4, 65/67 as mais sentidas condolências. * SPM, Serviço Postal Militar.
HOMENS, TORNADOS E MOSQUITOS SPM 0468 “In Memoria” do Francisco Oliveira Monteiro Na Guiné, durante o mês de Novembro de 1965, o DFE 4 fez cinco operações com o DFE 9, num programa chamado de PTB (Período de Treino Básico), e que no fundo constituía o termo da nossa aprendizagem de FZE. Este período foi muito importante para o nosso desempenho posterior, pois tivemos a oportunidade, enquanto “periquitos”, fazer actividade operacional integrados em outra unidade, já calejada nos meandros do combate. Tivemos como mestres o DFE 9 do Comt. Metelo de Nápoles sendo Imediato o agora meu saudoso amigo “Chico” Oliveira Monteiro. Vivemos e aprendemos muito durante este período, pois andámos sempre em sítios complicados, onde os contactos de fogo foram uma constante, e assim, logicamente foi-nos dado viver experiências valiosas, que muito nos ajudaram ao longo da comissão que íamos iniciar. Imaginem o que significava para um grupo de combate de tropas especiais poder “sentir” o IN sem a responsabilidade de decidir o “como fazer”. Eu andava colado ao Chico Monteiro e o Rui Santos Paiva, Comt. do DFE4, ao lado do Comt. Metelo. As cinco operações decorreram em duas bacias hidrográficas: três operações no Rio Geba e duas no Rio Cacine. Foi na operação “Faneca” em 5 Nov. 1965, a primeira vez que alguns de nós no DFE 4, tivemos o nosso baptismo de fogo, e, logo aí aconteceu o 1º episódio trágico cómico vivido ao lado do meu amigo Chico Monteiro. Desembarcamos de noite na zona de Gã João, e progredimos em direcção à tabanca respectiva. Cerca das 0700h, tivemos o nosso 1º contacto de fogo. Atravessávamos uma zona aberta quando ouvimos a 1ª rajada do IN para a testa da coluna. O Chico, eu e a minha ordenança, o Júlio, comprimíamo-nos atrás de um monte de baga-baga, tentando ver o que se passava à nossa frente, onde a 3 ou 4 metros seguia a ordenança do Chico Monteiro, o Parafuso. Este, perante o fogo da emboscada, mergulhou num buraco que de tão pequeno, só lhe tapava e mal a cabeça. Claro que as balas começaram a cair ao lado do “rabo de fora” do Parafuso que estaria provavelmente convencido que estava seguro. Ao ver a cena o meu amigo Chico Monteiro bem gritava: “Parafuso sai daí, abriga-te aqui ao pé de nós!”. Claro que o Parafuso só gritava: “Não vou porque eles estão-me a ver”. E, de facto era verdade, o IN estava mesmo a vê-lo, pois as munições não paravam de bater no chão à sua volta. Como a situação não se alterava o Chico Monteiro lá teve de sair de trás do monte e puxar o Parafuso para junto de nós, ficando uma amálgama de quatro homens que se colavam com força à sombra do montículo, que se tornava cada vez mais pequeno para nos tapar a todos.
E assim foi o nosso 1º contacto de fogo na Guiné, caricato pelas exclamações do Parafuso quando corria perigo de vida e, simultaneamente, grande pela lição de solidariedade que o meu amigo Chico nos deu a todos. Confirmámos aquilo que tínhamos aprendido no curso na Escola de Fuzileiros, “um por todos e todos por um”. A história seguinte sucedeu na operação Rasto, na margem sul do R. Cacine, em 25 Novembro 1965, local que naquela altura, era dos mais complicados do ponto de vista operacional. Já pela manhã, eu e o Chico Monteiro pisámos, inadvertidamente, um trilho de formigas gigantes (julgo que seriam baga-baga) e fomos literalmente assaltados pelas ditas feras que entravam pelo nosso camuflado adentro. A situação tornou-se de tal modo complicada que pura e simplesmente eu e o Chico Monteiro tivemos que tirar os camuflados para arrancar as formigas do nosso corpo que ficou com as cabeças dos “carnívoros” agarradas, enquanto nós, em pelota, ficávamos com o corpo delas entre os nosso dedos. Enfim, num sítio onde o IN era muito forte, ver os segundos responsáveis pelos DFE’s em pelota desvairados a caçar formigas sem nos lembrarmos que podíamos literalmente ser apanhados de calças na mão, era um quadro no mínimo desesperadamente ridículo. Por fim lá continuámos a operação, e em dado momento tivemos mesmo que atravessar uma clareira, coisa muito perigosa, pois não tínhamos possibilidade de nos abrigar em caso de emboscada. Infelizmente assim aconteceu. Ia a testa da coluna a meio da referida clareira, quando fomos fortemente emboscados pelo IN, que estava enfiado connosco e emboscado na mata, e nos alvejou com RPG’s e tiros de metralhadora. Atiramo-nos todos ao chão e, enquanto tentávamos ver se ninguém estava ferido, aconteceu que um T6 que estava perto de nós, pilotado pelo grande aviador Honório, caiu de asa e largou uma bomba sobre o IN que nos tinha surpreendido, em situação totalmente desfavorável para nós. Salvou-nos. Com este cenário o Chico Monteiro deu o grito de retirada para a orla da mata donde tínhamos vindo, ordem que não foi fácil de cumprir, pois acabámos por perder o contacto visual entre nós. Eis senão quando chega o Comt. Metelo e pergunta ao Chico: “Estão todos ou falta algum?”. O meu amigo Chico e eu lá contámos o pessoal e verificámos que faltavam 3 ou 4 elementos, entre eles um guia nativo do DFE 9 e um Sarg. do DFE 4, o Lopes Henriques. Reacção imediata do Chefe Metelo (que não hesitava em momentos difíceis) dirigindo-se ao Chico e a mim gritou: “tudo para a clareira e vão buscar os homens que faltam”. Lá partimos nós rastejando, debaixo de algumas rajadas esporádicas, tentando encontrar os elementos que tinham ficado na clareira, o que aconteceu pouco depois. Os homens apanharam, sem dúvida, um valente susto, e nós sentimos na pele as consequências do que uma falta de controlo pode provocar em situações de grande pressão. Algo correu mal naquela retirada. Mais uma lição aprendida e prudentemente agarrada na nossa memória. Mais episódios ainda eu poderia contar, e alguns deles bem mais dramáticos, onde sempre sobressaíram as qualidades humanas do Chico. Não é agora altura de o fazer. Em algum momento futuro, se Deus permitir, isso acontecerá. Hoje, 21 de Janeiro 2010, o Chico partiu, deixando-nos a todos que com ele partilhámos momentos difíceis, mais pobres e mais tristes. A sua não presença, em primeiro lugar sentida pela sua família próxima, depois pelos elementos do seu DFE, a começar pelo Comt. Metelo de Nápoles, e depois pelos vários fuzileiros do DFE 9 que tive oportunidade de abraçar no dia do funeral, entre eles, a sua ordenança, o Parafuso, que não conseguia conter as lágrimas que lhe corriam pela cara. Partiu um Homem de Valores, competente, corajoso, solidário e generoso. A sua amizade não será por nós esquecida. Chico, até sempre, onde quer que tu te encontres...voltaremos a ver-nos...
O DFE 4
Fui reviver o p assado No meio da fu zilaria O Quarto foi re lembrado, (bis ) Com graça e g alhardia Pelas matas e bolanhas, E palmeiras n o carreiro, Usando das su as manhas, (b is) Lá vai o Zé Fu zileiro Eram turras e mosquitos Atacando com denodo E sem salvas n em apitos (bis ) Estava o Zé Fu zo no lodo Da bazooka à morteirada, Tudo nos bate u na pele, Acabando à fo gachada (bis) No bicar da LD M Pelo mar e pelo ar O DFE4 atacav a , E se fosse p’ra nadar, (bis) Nada nos ame drontava A gente da no ssa história Já não pode te r idade A estória da n ossa gente, (b is) Cheia de muit a saudade Nossa velha tr adição (bis) lembramos co m alegria Esses tempos que lá vão (bis ) Não voltam à fuzilaria.