Burnout! Ciclos de engajamento em jogos online de múltiplos jogadores Paulo Mateus Soares Gallo Resumo: Existem quatro diferentes perfis de jogadores de MMORPGs, os socializadores, predadores, realizadores e exploradores. Cada um deles aborda o jogo de maneira diferente, jogando e parando por motivos variados baseados em tempo disponível, motivações e o quanto está progredindo dentro do jogo. Esse artigo pretende analisar porque e como os jogadores de MMORPG sofrem o fenômeno conhecido como burnout, usando como exemplo um dos maiores expoente do gênero, World of Warcraft. Palavras-Chave: Jogos online. Gamer. Motivação. MMORPGs.
• Introdução Os MMORPGs ocupam hoje um espaço significativo no mercado de jogos digitais. World of Warcraft, um dos maiores expoentes do gênero, perdeu nos últimos dois anos um terço de seus
jogadores; as assinaturas passaram de 12 para 8 milhões mensais. Para analisar as causas dessa queda é preciso compreender as motivações do jogador tanto pra permanecer jogando quanto para cancelar sua assinatura. Para isso será feita uma comparação entre os perfis motivacionais dos jogadores de jogos online (CARMONA, 2010) com os tipos de conteúdo de forma geral apresentado pelo MMORPG em questão, World of Warcraft, e como a progressão in-game através do tempo modula o engajamento do jogador para com o mundo virtual, gerando o fenômeno conhecido como burnout.
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O “Burnout” Fenômeno muito comum entre os jogadores de MMORPGs, o burnout caracteriza-se pela
diminuição gradual da motivação do usuário para permanecer jogando o game, eventualmente parando de jogá-lo por tempo indeterminado. O burnout ocorre como consequência de fatores relacionados a tempo disponível, motivação e progressão no jogo. Sua análise é o cerne desse artigo, e tal conceito possui relação direta com os quatro perfis motivacionais dos gamers (CARMONA, 2010) e com a estrutura geral de conteúdo e jogabilidade dos MMORPGs, especificamente no caso de World of Warcraft. •
Massivamente Imersivo: O Mundo de Warcraft
World of Warcraft é uma franquia da empresa Activision/Blizzard, lançado em fevereiro de 2005 e desde então tendo recebido diversas atualizações e expansão de conteúdo até hoje. O jogo é baseado no universo mitológico introduzido pelo RTS Warcraft: Orcs & Humans, lançado em 1994. O WoW, como é comumente chamado, simula o mundo conhecido como “Azeroth”, dividido em cinco partes, quatro continentes fictícios (Northrend, Eastern Kingdoms, Kalimdor e o recente Pandaria) e o lugar extraterreno chamado Outland. O jogo possui um marcante aspecto político ao requisitar dos jogadores, desde a criação do personagem, a tomar partido em uma das duas facções do jogo, a Horda ou a Aliança. Cada uma dessas facções possui uma complexa e distinta história política, geográfica, militar e social. O jogador experimenta e participa ativamente de boa parte da história e dos acontecimentos no jogo, se tornando
virtualmente parte da narrativa. Todos esses aspectos convergem para o conceito que podemos chamar de “mundo virtual”. Nas palavras de Thiago Falcão, “mundo virtual é um ambiente simulado baseado na interação via computador, no qual os usuários ‘habitam’ estes espaços. Tal ‘habitação’ geralmente é mediada através de uma representação na forma de figuras humanóides, que podem ser desenhadas tanto em 2D quanto em 3D, que transitam em espaços configurados dentro do ambiente.” Sendo assim, podemos considerar o World of Warcraft como um mundo virtual. Cada jogador interfere nas ruas virtuais do mundo de Azeroth através de seus avatares, personagens criados a partir de uma combinação de classes e raças fictícias que irão definir suas possíveis funções e o conteúdo apresentado a eles no início do jogo. A vasta gama de opções para criação do personagem aliados à uma narrativa sólida e fluida sempre alicerçada nas escolhas do jogador contribuem para um jogo altamente imersivo. Todo o conteúdo de World of Warcraft se divide em duas partes: uma voltada apenas para jogador contra jogador (chamado PvP - Player versus Player – Jogador contra Jogador) e a outra que envolve os usuários interagindo com a inteligência artifical do jogo propriamente dito (conhecido por PvE - Player versus Enviroment – Jogador contra Ambiente). •
Jogador-Avatar: os perfis motivacionais
O MMORPG é um estilo de jogo sem objetivo definido. Ao invés disso, é disponibilizado ao
usuário do jogo uma vasta gama de conteúdos diferentes, a partir do qual ele mesmo define seu “objetivo”, ou seja, o que é que ele quer ou irá fazer dentro do jogo. Segundo Bartle ( apud CARMONA, 2010), podemos dividir os jogadores em quatro categorias: socializadores, predadores, realizadores e exploradores. Cada um desses quatro perfis de gamer estão diretamente relacionados com o conteúdo disponível pelo World of Warcraft e diferenciam-se em sua motivação e pela forma como sua progressão no jogo desencadeia o burnout.
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PvP ou PvE, venha para a nossa guilda: o perfil socializador
Como várias pessoas dividem o mesmo espaço virtual ao mesmo tempo, suporte ao lado social do MMORPG é uma das características marcantes desse tipo de jogo. Dentre todos os perfis de jogador, o socializador é aquele que mais se identifica com esse aspecto. Em World of Warcraft, os usuários têm a oportunidade de se unirem em grupos conhecidos como “guildas”. Exclusivo do PvE , boa parte do conteúdo de World of Warcraft só pode ser aproveitado através das raids, nome dado a grupos de 5 a 25 jogadores que são formados com o intuito de experimentar uma parcela de conteúdo afinado para aquele número específico de usuários. Sendo assim, a guilda se torna quase mandatória para facilitar a organização de um grupo competente o suficiente pra vencer o nível de dificuldade do conteúdo apresentado. O contato com seus companheiros de guilda e as raids são o habitat natural do socializador, que motiva-se na relação com seus amigos (conhecidos ou não de fora do jogo) através de seus avatares dentro do jogo. Casos em que um jogador decide parar de jogar porque seus amigos pararam é um exemplo do burnout do socializador; alguém que não dispõe dos horários marcados para o grupo avançar no conteúdo também é um exemplo que pode gerar o mesmo efeito. Desprovidos do nível de organização necessário para aproveitarem a parcela de conteúdo que gostam no jogo, os socializadores desistem de jogar até que consigam novamente desfrutar do aspecto social do MMORPG. •
Rival, Duelist, Gladiator: o perfil predador
Voltados fortemente para o conteúdo PvP do jogo, a sede de competição é o carro-chefe dos jogadores predadores; seu objetivo é enfrentar e vencer somente a outros jogadores. Segundo Carmona, “os jogadores predadores são aqueles que gostam de manipular outros jogadores, não necessariamente
de uma forma cooperativa, mas sim de uma forma mais agressiva, dominando os outros usuários”. Esses jogadores participam regularmente de diversos Campos de Batalha, um sistema organizado que coloca um time de jogadores contra outro em mapas com objetivos diferentes como capturar a bandeira, destruir ou defender construções ou recursos. Ao final de cada partida o time vencedor recebe uma recompensa em pontuação que pode ser convertida em equipamentos para o personagem do jogador se tornar mais “forte”, melhorando suas chances de vitória em futuros embates contra outros jogadores. Com o objetivo inicial de obter os melhores equipamentos, os jogadores participam de times formados aleatoriamente para os Campos de Batalha. Após várias horas de jogo, o objetivo passa para as equipes “ranqueadas”: times estrategicamente organizados cujas batalhas vencidas premiam em uma pontuação de ranking que demonstra quais são os melhores jogadores de cada servidor. As equipes ranqueadas são resetadas ao fim de cada período conhecido como PvP Season, quando os melhores jogadores recebem as maiores recompensas para o jogador predador: seu “título de jogador PvP”, que varia conforme seu desempenho e posicionamento no ranking no final da temporada: os melhores jogadores, por exemplo, recebem o título de Gladiator e também uma montaria virtual exclusiva para seu personagem, atrelando um certo status social dentro do jogo para aqueles que a possuem. O predador é um competidor por natureza. Se não consegue mais competir, perde sua motivação; é o que acontece com os times de jogadores que não conseguem superar um certo nível de ranking e acabam por sofrer o burnout por tempo indeterminado ou até o início de uma próxima temporada. Outro exemplo são os jogadores que terminam a fase de busca de equipamentos e não conseguem parceiros para montar um time ranqueado por falta de tempo para se dedicar à competição. •
Level up: o perfil realizador
Caçadores de tesouros, os jogadores realizadores buscam o crescimento no jogo. Nas palavras de Carmona, os realizadores “se identificam mais em interagir com o mundo do game, ou seja, eles prezam mais explorar e se familiarizar com o universo dentro do game do que com os que o jogam”. Sem muito apego ao aspecto social, o realizador é obcecado por pontos, poderes, níveis. Ávido por conhecimento e experiência muito mais do que maestria, dificilmente o jogador realizador se prende à apenas um personagem: é o caso dos Altoholics, jogadores que estão constantemente jogando em múltiplos personagens secundários (Alternative Characters, ou simplesmente “Alts”) para poder conhecer e evoluir todas as classes e raças diferentes.
Diferente do predador e do socializador, a motivação do realizador está muito mais atrelada ao conteúdo; se o jogo se tornar repetitivo ou se o jogador sentir que já evoluiu ao máximo no jogo, ele enfrenta o burnout. É o caso de jogadores que possuem todas as classes que querem no nível máximo e simplesmente param de jogar, pois sentem que o jogo não tem mais nada a lhes oferecer. A partir do nível máximo é que se torna evidente e importante o aspecto social de World of Warcraft, devido às raids e PvP organizado; como o realizador é indiferente à parte social do jogo, seu interesse diminui. •
Buy Low, Sell High: o perfil explorador
Um personagem em World of Warcraft é constituído por uma entre 13 raças, uma entre 11 classes, duas entre 11 profissões e ainda outras quatro profissões secundárias comuns a todos. Cada uma das raças possui uma quantia específica de habilidades que servem a diferentes propósitos, e cada uma das classes possui dezenas de outras habilidades. As profissões servem quase exclusivamente para gerar a moeda virtual do jogo, necessária para poder comprar recursos a fim de aprimorar o avatar do jogador. O explorador é apaixonado por esses números, um curioso por mecânicas. Esse jogador está sempre buscando formas de tirar o máximo possível das regras do jogo; seu objetivo é explorar o máximo daquilo que puder, destilando somente o melhor. A diversão do explorador, diferente do realizador, não é evoluir seu personagem através dos recursos do jogo e sim testá-lo, compará-lo, avaliá-lo até descobrir a combinação perfeita. O explorador possui uma vontade quase científica de descobrir como o jogo funciona. Das palavras de Bartle, “exploradores se deleitam em ver o jogo expor suas maquinações a eles. (...) A verdadeira diversão vem somente da descoberta.” O Gold Farmer é um grande exemplo de explorador: desinteressado por níveis, socialização ou enfrentar outros jogadores em arenas, o foco desse jogador é simplesmente descobrir a maneira mais rápida e eficaz de fazer dinheiro dentro do jogo. Para isso ele passa a maior parte de seu tempo fazendo transações na Casa de Leilão, o sistema que regula o comércio dentro do jogo, onde cada um pode comprar e vender o que quiser. Analisando a maneira como novos conteúdos são inseridos no jogo e relacionando-os com o conteúdo já presente, o explorador é capaz de prever o valor relativo de cada item e lucrar a partir deles. Quando o explorador não tem mais a oportunidade de aplicar seu conhecimento adquirido no jogo, sua motivação se esvai e ele se depara com o burnout. Em World of Warcraft, por exemplo, existem itens chamados Gold–Sinks, que geralmente são montarias que custam valores extremamente acima do normal (uma montaria custa em torno de mil unidades de Ouro, a moeda do jogo; uma
montaria Gold-Sink pode chegar a 200 mil ou mais). Essas montarias são geralmente maiores e mais elaboradas do que o normal, agregando status ao dono por deixar claro que aquela é a montaria de alguém “com muito dinheiro”. Esse tipo de item equilibra a economia do jogo e mantém uma razão para os exploradores continuarem brincando com seus números. •
Grinding: o condicionamento operante
Uma característica comum a todos os MMORPGs é que o personagem do jogador é recompensado de alguma maneira por realizar alguma tarefa repetidas vezes. A este processo de recompensas graduais por esforço repetitivo dá-se o nome de grinding. Em World of Warcraft, por exemplo, para cada missão completada ou criatura vencida o personagem do jogador vai acumulando um valor numérico denominado Experiência; quando ela atinge um determinado patamar, o personagem sobe de nível, começando no nível 1 até o atual nível máximo, 90. A partir do nível máximo, o personagem do jogador pode continuar progredindo somente através de equipamentos novos. Como no caso do rato que puxa a alavanca para receber comida (SKINNER, 2003), o evento do personagem “avançar de nível” age como elemento reforçador do comportamento repetitivo de grinding. No caso de World of Warcraft, o jogador vai continuar repetindo o conteúdo até esgotarem-se os reforços, que é quando ocorre o possível burnout. Como World of Warcraft é um jogo baseado em assinatura mensal, existe a necessidade de estender o conteúdo para prender o jogador pelo máximo de tempo possível antes que o mesmo sofra o burnout, cancelando sua assinatura. Sendo assim, o grinding é um elemento presente em todas as áreas de conteúdo do jogo. O socializador, pra conseguir manter-se em pé de igualdade com seus companheiros de guilda, precisa fazer um mesmo grupo de missões diariamente, tendo assim condições de obter os equipamentos necessários para a raid. O predador precisa passar pelos mesmos Campos de Batalha Aleatórios dezenas de vezes para só então poder adquirir os equipamentos necessários para participar das Equipes Ranqueadas e poder disputar pelo título de Gladiator. O realizador precisa matar centenas de criaturas iguais ou muito similares e repetir as mesmas missões para aumentar o nível de seus vários personagens. O explorador precisa executar os mesmos procedimentos várias vezes para obter os melhores resultados. Seguindo o exemplo do Gold Farmer, o jogador precisa evoluir todas as suas profissões até
o valor máximo antes de poder começar a fazer dinheiro na Casa de Leilão, e ainda assim precisa despender tempo fazendo missões ao redor de Azeroth para seu personagem aprender a fazer os itens mais rentáveis. •
Conclusões
World of Warcraft é um jogo que prospera há anos no mercado devido à sua vasta gama de conteúdo, agradável à diferentes perfis de jogadores. Entretanto, a jogabilidade muito embasada em esforço repetitivo e o ritmo lento (apesar de contínuo) com o qual novo conteúdo é disponibilizado acaba por diluir o ânimo de seus usuários. A grande demanda de tempo que o jogo requer para seu conteúdo ser totalmente aproveitado também é um fator significativo no desencadeamento do burnout. O MMORPG é um microuniverso rico em cultura, socialização e aprendizado, e seu potencial para imersão e entretenimento é grande. Nas palavras de Huizinga (apud CARMONA, 2010), “Todo jogo é capaz, a qualquer momento, de absorver inteiramente o jogador. Nunca há um contraste bem nítido entre ele e a seriedade, sendo a inferioridade do jogo sempre reduzida pela superioridade de sua seriedade. Ele se torna seriedade e a seriedade, jogo”.
Referências BARTLE, R. Hearts, Clubs, Diamonds, Spades: Players Who Suit MUDs. Journal of MUD Research, 2006. CARMONA, Sabrina Pereira Kumagi. O Gamer e suas motivações pra jogar. Trabalho da disciplina de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica São Paulo, 2010. FALCÃO, Thiago. RIBEIRO, José Carlos. Processos Sociais de Estereotipia em Mundos Virtuais. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação e Sociabilidade”, do XVIII Encontro da Compós, 2009. HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2008. SKINNER, B.F. Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
P. 64-97.