10 minute read
Angela Sicilia pág
from Revista LiV - nº 69
by Revista LiV
Ângela Sicilia chef de cozinha @angelasicilia
Com a proximidade do fim de ano, em um 2020 tão atípico e duro, uma névoa de incertezas se apresenta... Será? Haverá Natal? E o réveillon? Como celebraremos a chegada de um novo ciclo para a humanidade?
Advertisement
Há um poema, de Carlos Drummond de Andrade, que me foi apresentado há alguns anos. Ele dizia, em resumo, que o ano novo é só o dia seguinte ao 31 de dezembro; que só podíamos considerá-lo assim se, de fato, quiséssemos um novo tempo, “porque o ano novo repousa desde sempre dentro da gente”. Nunca mais esqueci da sabedoria deste tímido mineiro, de quem minha mãe tanto gostava.
Temos motivos para celebrar? Esta é uma resposta pessoal e intransferível.
Devemos comemorar o que temos – pouco importa se é pouco, se não é igual ao que havia no passado. Precisamos, urgentemente, rever nossas relações com o alimento, com as pessoas, com o mundo – porque os recursos não são inesgotáveis. Precisamos repensar nosso consumo, o desperdício... Um privilégio que muitos não têm consciência.
Olhe o seu lixo: se você está desembrulhando mais que descascando, saiba que, provavelmente, está consumindo mais processados e ultraprocessados do que deveria. As cascas estão indo para o lixo? Talvez seja hora de você ver uns vídeos de como fazer carne vegetal a partir da casca de banana; a casca de tangerina e laranja, em álcool, se transformam em um belo desengordurante. Casca de ovo moída e misturada à terra das plantas faz um bem danado. Borra de café também.
Você está cozinhando para mais pessoas? Que tal doar um pouco de alimento para entidades responsáveis? Ou doar para o vizinho idoso que, por medo, não está saindo à rua (ele vai ficar muito feliz de ser lembrado, vão por mim!).
Valorizar o que se tem é a maneira mais inteligente de ser feliz. Queríamos o peru, o panettone importado. Queríamos mais embrulhos sob a árvore, o champanhe importado, a família e amigos todos presentes. Mas se a boa parte disso não for possível, pensemos em tudo que vivemos nesses últimos meses.
Você está pronto para um feliz futuro novo? Porque ele dependerá de suas escolhas, de inclusão, de solidariedade, gentileza e generosidade.
E não esqueça de marcar o começo desse novo tempo em seu coração... porque na “folhinha”, ele começa dia 1º de janeiro... Mas, para você, pode ser amanhã.
UM NOVO
TEMPO
Elck Oliveira Dudu Maroja
Thiago Castanho
e a paixão pela cozinha amazônica
Chef paraense traz para a sua gastronomia referências de lugares diferentes do Estado do Pará: da farinha de Bragança ao peixe do Oeste do Pará e mostra que é possível fazer alta gastronomia com ingredientes simples e originais
Ochef Thiago Castanho é um daqueles profissionais perdidamente apaixonados pelo que faz. Tanto que qualquer um que o escute dificilmente não terá vontade de provar os pratos que ele constrói, a partir das referências absorvidas, principalmente, do lugar onde ele nasceu: o Estado do Pará, esse espaço tão rico, mas ao mesmo tempo ainda tão invisibilizado dentro da região região Amazônica, no Norte do Brasil.
Filho de mãe bragantina e pai itaitubense, Thiago, hoje com 33 anos, não teve como fugir ao caminho da gastronomia. Conta que a família sempre gostou de cozinhar muito (tanto em quantidade quanto em variedade). Aos finais de semana, nas férias, na casa dos parentes, todos os encontros sempre foram regados a muita comida e comida de interior: peixes em abundância, farinha de mandioca, galinha caipira e frutas amazônicas variadas. Assim foi durante toda a infância e início da adolescência dele e do irmão, Felipe Castanho.
“Eu tive a sorte dos meus pais, os dois, serem do interior, das famílias deles serem assim, de ter, por exemplo, a lembrança de estar na casa do meu avô, sentado de um lado de um pilão, e ele sentado do outro, socando a castanha de caju que a gente assou no dia anterior, num xarão furado”, lembra.
Foi no início da adolescência que Thiago passou a ajudar os pais no pequeno restaurante que eles abriram em Belém. O lugar não tinha nome, mas, aos poucos, a clientela começou a chamar de Peixaria da Dona Carmem (mãe do Thiago). Assim, o restaurante foi se tornando referência para quem procurava por um bom peixe na capital paraense. E o Thiago foi tomando gosto pela cozinha. »»»
Esse encantamento cresceu ainda mais e se consolidou quando o jovem Castanho começou a ter contato com outros chefs paraenses, como Paulo Martins, e outros, em alguns eventos gastronômicos que ocorreram em Belém. “Ali eu vi que havia outros loucos fazendo comida, cozinhando, e vivendo disso”, diverte-se.
Já com idade para prestar o vestibular, Thiago anunciou para os pais que queria estudar gastronomia, numa época em que o curso superior ainda nem havia em Belém. Assim, com o apoio da família, seguiu para o interior de São Paulo, mais precisamente para Campos do Jordão, onde ficou por dois anos. Lá, conheceu o chef português Vitor Sobral, que o convidou para um estágio em Portugal ao final dos estudos. Thiago, ali, sozinho, partiu para fora do País.
Um ano depois, de volta a Belém e cheio de ideias novas, ele e a família acharam que era o momento de abrir um restaurante maior e com mais braços do que a Peixaria da Dona Carmem. Assim nasceu o Remanso do Bosque, um grande sucesso de público e crítica, tocado por Thiago e pelo irmão, Felipe. O reconhecimento obtido na cozinha do Remanso foi abrindo cada vez mais portas para o chef paraense, que acabou ganhando o comando de um programa de cozinheiros no canal fechado GNT, o “Cozinheiros em Ação”, e, mais recentemente, o “Sabores da Floresta”, veiculado pelo canal Futura, em que ele apresenta ingredientes típicos da culinária amazônica, desde a sua produção até a utilização nos mais variados pratos. Sem contar com as inúmeras participações em outros programas televisivos como o estourado “Master Chef”, da rede Bandeirantes, e o “Mais Você”, apresentado por Ana Maria Braga, na TV Globo.
Essas atividades, principalmente na mídia, acabaram afastando Thiago do dia a dia da cozinha por longos períodos, o que, com o passar do tempo,
acabou levando-o a começar a pensar no encerramento do restaurante Remanso do Bosque, para se dedicar a projetos menores, sem abrir mão da qualidade e do comprometimento com uma culinária regional. O surgimento da pandemia do novo coronavírus e todas as dificuldades provocadas por ela acabaram antecipando o fechamento do Remanso do Bosque. Engana-se quem pensa que o restaurante encerrou por falta de lucro. “Essa já era uma ideia antiga, que a gente já vinha conversando sobre. A pandemia só adiantou”, reitera.
Agora, Thiago se dedica à abertura do novo negócio: a Bayuca, uma espécie de restaurante e bar, com dois amigos e sócios. Ele explica o conceito: “Baiuca é uma portinha que normalmente vende de tudo, incluindo bebidas e comida boa. Geralmente são famílias que tocam. Aí, a gente quer trazer isso à tona, mostrar esses lugares que já existem e incluir a nossa nesse rol de baiucas. A Bayuca vai ter dois ambientes, um que é de restaurante, e outro, que é de bar. Mas, a gente quer algo totalmente despretensioso, para que a pessoa, o clien-
Thiago Castanho mostra o seu talento
te, olhe na parede e veja a história do Pará sendo contada de uma forma divertida”, adianta. O projeto, que será sediado no centro de Belém, deve ser inaugurado entre maio e junho deste ano.
Enquanto a Bayuca não estreia, Thiago segue aguardando a nova temporada de “Sabores da Floresta”, que deve começar em breve; trocando informações com chefs brasileiros e estrangeiros, cada vez mais interessados pela culinária amazônica; levando a nossa cultura e, de modo especial, a nossa gastronomia, cada vez mais longe; e, também, praticando jiu-jitsu, velejando (duas grandes paixões) e buscando mais tempo com a família, um projeto antigo que, agora, ele começa a transformar em realidade.
“Uma das coisas que eu mais quero hoje é ter tempo para velejar, praticar o meu jiu-jitsu, ficar com a família, namorada, amigos. E equilibrar isso tudo com o trabalho. Na minha vida eu foquei muito no trabalho e acabei esquecendo outras coisas que, há cerca de um ano, eu comecei a entender que precisava. E a pandemia só mostrou que realmente é preciso ajustar, por isso que o nosso novo projeto é menor, com mais pessoas, sócios. Cada um agrega um pouco, o que é muito melhor para o negócio”, conclui. »»»
Filhote assado na brasa Thiago Castanho
• INGREDIENTES: (2 porções) • 50 ml de vinho branco • Suco de dois limões
• 20g de sal • 1 litro de água • Uma colher de chá de pimenta-do-reino • 500g de lombo de filhote • 1 colher de sopa de manteiga para finalizar PREPARO: Marinada do filhote 1. Em um bowl junte o vinho branco, suco dos limões, água, sal e a pimenta-do-reino. Junte o lombo de filhote e deixe marinando por duas horas. 2. Acomode o lombo de filhote em uma grelha própria para assar peixes e asse em brasa de carvão a 40cm de distância da brasa, com 20 minutos de ambos os lados.
Ou até o lombo de filhote adquirir uma cor dourada e uma consistência macia. Finalize pincelando manteiga.
construtoralealmoreira @lealmoreira