O Triunfo do amor

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JOSUÉ GONÇALVES & JOUBERT RAPHAELIAN

O TRIUNFO DO AMOR A VIAGEM QUE VAI MEXER COM SEU CASAMENTO

Editora Mensagem para Todos 3


Editora Coordenação Editorial Capa Editoração

Mensagem Para Todos Douglas Maia Souto Design J.J. Pagano

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Marcia R. Bigon

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Marcia R. Bigon

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Josué Gonçalves/Joubert Raphaelian (2010) O Triunfo do Amor 2ª Edição Fevereiro 2010Ficção/Família/Auto-ajuda Editora Mensagem Para Todos, 2010

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Agradecimentos À minha esposa, Rousemary pelo seu respeito, reconhecimento e amor. A causa de meu sucesso é esta mulher que Deus me deu como companheira de viagem! - Josué Gonçalves

À Marcia, minha esposa e companheira de todas as horas, que me incentiva e me faz prosseguir na paz e no caminho da vitória. - Joubert Raphaelian

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“Há momentos na vida em que não nos é facultado fugir do problema; temos que enfrentá-lo, mas quando a situação foge do nosso controle, resta-nos agarrar-nos a Deus. Ele está sempre no controle”. (Josué Gonçalves)

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Prólogo O Triunfo do Amor - esta é a grande expectativa da maioria dos casais no início de uma viagem conjugal. Afinal, quando os noivos estão se preparando para o dia do casamento, não há espaço na mente para pensar em outra coisa a não ser na felicidade que haverá entre eles, na glória da união dos amantes, na alegria do viver juntos todos os sonhos e no prazer do encontro sexual, onde o amor falará mais alto. É certo que o casamento tem suas fases, mas é muito importante o casal entender que nem só de amor-sonho vive um relacionamento conjugal. Que bom seria se a maioria dos casais soubesse que um dos segredos dos relacionamentos bem-sucedidos é a consciência de que nem só de tempos de bonança vive um casamento. Saber como lidar com certas situações em tempo de crise faz toda a diferença na construção de um casamento à prova de divórcio. Em nossas palestras, sempre dizemos aos casais: “Vencem na vida aqueles que não desistem com facilidade!” A sua determinação pode ser a chave da vitória sobre o absurdo da vida. O “Triunfo do Amor” é um convite para uma viagem que trará revelações impressio­nantes de verdades que irão determinar grandes mudanças na sua vida. Se o desejo de mudar é uma importante prova de amor, então abra o seu coração e faça essa viagem conosco e, ao final, vamos celebrar juntos o inusitado! Josué Gonçalves Joubert Raphaelian Verão/2010

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Índice -UM-

ILHA À VISTA

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-DOIS-

ILHA PARAISO

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-TRÊS-

SEXTA-FEIRA TREZE

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-QUATRO-

CRUZEIRO MARÍTIMO

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-CINCO-

ENQUANTO ISSO

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-SEIS-

NÁUFRAGOS

57

-SETE-

A ILHA DO SOSSEGO

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-OITO-

OS INTRUSOS

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-NOVE-

NOVAS TAREFAS

73

-DEZ-

CONSULTAS INESPERADAS

77

-ONZE-

RÚSTICA PALESTRA

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-DOZE-

DIA DE SOL

103

-TREZE-

PLÁCIDO

125

-QUATORZE-

SOBERBO JANTAR

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-QUINZE-

FIM DE FESTA

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-DEZESSEIS-

ADEUS À ILHA

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-DEZESSETE-

UM ANO DEPOIS

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CAPÍTULO UM

ILHA À VISTA

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“Superar problemas é somar a nossa capacidade com a proteção de Deus”. (Josué Gonçalves)

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“Mesmo que Deus garanta uma chegada segura, nem sempre a viagem é tranquila...”. (Anônimo)

O aviso do comandante trouxe-me de volta à realidade. O mar agitado fazia-me pensar sobre o quanto somos inconseqüentes ao tentarmos realizar um sonho. Os sonhos são sempre bonitos e coloridos sem quaisquer problemas ou imprevistos. Se tivesse pensado uma única vez em atravessar um mar revolto, com grandes ondas querendo me engolfar, certamente teria escolhido uma alternativa menos arriscada. Havia horas que Raquel, minha esposa, já nem mais se queixava, dormindo na pequena cabina, nocauteada por tantos medicamentos. Uma travessia marítima pareceu-me simpática, sugestão que aceitei com alegria, depois de todo trabalho que a agente de turismo teve para me convencer. Não foi uma solicitação comum que ela recebeu. - Quero um lugar absolutamente solitário, com algum conforto, mas sem ninguém por perto; repito, sem ninguém por perto, a não ser o pessoal de serviço. Quero descansar por dez dias, longe da civilização, de jornais, televisão e principalmente da internet, telefone ou qualquer outra forma de comunicação. A agente de turismo não se surpreendeu com tal exigência, e passou-me às mãos várias folhas para preencher com meus dados, os de minha esposa e perguntas que deveria responder. 13


- Coisa de maluco – deve ter pensado, mas eu tinha fortes razões para querer algo assim tão fora do comum. Alguns dias depois, certo de que meu pedido doido tivesse sido engavetado, ela me ligou toda eufórica. -Tenho boas novidades! Consegui achar um lugar excepci­ onal, e tenho certeza de que o Senhor irá gostar. De fato, acabei gostando da idéia. O difícil foi convencer Raquel a embarcar na aventura. Nossa filha adorou ficar com os avós maternos, pois sentiu antecipadamente o prazer de participar dos “mimos” inevitáveis. Na ocasião chamei a viagem de “refúgio”, mas, depois que enfrentei a montanha russa de ondas, o mais correto seria classificá-la mesmo como “aventura excêntrica”. Isso acaba sendo saudável, pois na vida precisamos vencer a rotina, libertando a imaginação e fazendo coisas novas, para não deixar a monotonia sufocar a graça de viver. Assim também na vida conjugal, ou vencemos a rotina ou podemos tirar o brilho do casamento. O comandante do barco era muito experiente, segundo o currículo que me apresentara no início da viagem. Assim como o casamento também é uma viagem, nesta também tive a preocupação em saber com quem estávamos convivendo, pois ninguém gosta de viajar com quem não confia. Observador nato, percebi quando o comandante, a certa altura franziu o cenho olhando firmemente para uma nuvem escura no horizonte. O rosto alegre e descontraído deu lugar a uma expressão tensa e de poucas palavras. - O que houve? – indaguei. Sua resposta foi curta e profética: - Vamos ter problemas. O vento virou para leste. Logo pensei numa definição que sempre uso em minhas palestras: Casamento é uma viagem. Leste, oeste ou qualquer combinação entre os pontos cardeais, para mim dava no mesmo. Estava acostumado na ci14


dade grande onde um vento mais forte só me afetava se fizesse voar algum papel de minha escrivaninha ou se durante uma chuva a rajada de vento fizesse com que o limpador de párabrisas do carro não desse conta do serviço. Naquele momento, pensei: - que diferença faz o vento vir daqui ou dali? Nessa situação o “vir dali” tinha uma grande diferença, como pude logo constatar. E que diferença! No início, a viagem transcorrera calma, tranqüila sem nenhum movimento que pudesse alterar o estado emocional dos únicos passageiros a bordo: Raquel e eu. Exclusividade e excentricidade foram dois pensamentos que me dominaram, imaginando poder ficar a sós numa ilha, uma espécie de retiro social. À minha memória vêem-me os fatos que culminaram nessa ansiedade de fuga do cotidiano, e como me lembro!... Era uma semana a mais de muitas atividades, iguais às demais dos últimos quatro anos. Viagens aéreas noturnas para aproveitar melhor o dia, palestras durante todo o dia, aconselhamentos à noite, jantares de comemoração, dormir tarde e levantar cedo, nova viagem, culto à noite na igreja e depois nova reunião com líderes. E voltava a dormir tarde, despertando de madrugada preocupado com os detalhes do encontro de casais onde iria ministrar, quase sempre chegando em cima da hora de fechamento do check in do aeroporto, nova palestra, aconselhamentos e assim todos os dias. Nos intervalos, acessar a Internet para “apagar os incêndios” da empresa e responder a tantos pedidos de palestras e ministração em encontros de casais, encontros de jovens, encontros de mulheres, encontros de homens... Escrever os artigos nas revistas e jornais, responder às perguntas dos artigos publicados e continuar a escrever os livros solicitados pelos editores. Nas horas de folga (quais?) dar atenção à família. Finalmente peguei o vôo de volta para casa; o mais tarde que havia para ter tempo de me reunir com um dono de uma distribuidora regional de livros. Não agüentei o cansaço e co15


chilei a bordo, acordando quando a comissária me oferecia o serviço de bordo. Preferi fechar os olhos a mastigar qualquer coisa. Meu desejo era chegar em casa, tomar um bom banho, jantar com a família e dormir todo o fim-de-semana separado só para mim. Resisti bravamente a tentação em forma de convite para abrir um seminário; há muito não me dava o luxo de descansar... dormir! Ah... dormir! Pelo menos, era essa minha intenção. Finalmente o táxi parou em frente de casa. Com a mala, fiel companheira de tantas viagens, me encaminhei para a porta da frente. Deviam estar me aguardando para o jantar e saltariam todos alegres a me abraçar e beijar. Ninguém veio me receber. Apertei a campainha. O som estridente da campainha ressoou com eco. Ninguém veio atender. Tentei girar a maçaneta, mas estava trancada; notei que as luzes internas estavam apagadas. “Festa surpresa? Mas não é meu aniversário?..!” Fazia tempo que nem levava comigo as chaves da casa. Ninguém em casa? - Onde foi parar todo mundo? Deviam estar em casa. P­­­e­­­­g­ue­i o telefone celular; eu nem o havia ligado desde o aeroporto. Pelo visto deixara desligado o dia todo. Liguei para Raquel. Ela me atendeu e perguntou com um tom sério na voz: - Onde você está? - Acabei de chegar. Estou do lado de fora de casa, e não tenho chave. Onde vocês estão? Um silêncio significativo veio seguido de uma frase seca: - Espere! Estamos quase aí. E desligou. Estranhei o som formal e seco da voz de Raquel. - O que será que aconteceu? Será que alguém se machucou? Algum problema com a Mônica? O que poderá ter acontecido? Os minutos foram se passando, deixando no ar uma sensação estranha de algo que não conseguia adivinhar. – Elas sabiam que eu ia chegar, e por que não me esperaram? Estava certo de uma coisa: Raquel conhecia bem minha agenda, pois Anita, minha secretária de longa data sempre se encarregara de 16


comunicá-la; era responsável e fiel, combinando, marcando, agendando, cuidando dos detalhes, das reservas de vôos e hotéis, enfim, de todas as minúcias. Sabia que eu estaria de volta hoje, mas fui displicente; poderia tê-la avisado que eu havia alterado o horário de vôo e, portanto, chegaria mais tarde. Onde estaria minha esposa e a filha? O que estariam fazendo à uma hora dessas? O ruído peculiar despertou-me rapidamente. Pensei! - Preciso mandar o carro para a revisão. Esse ruído dos freios não é bom sinal. Quando Mônica desceu do carro com o rosto banha­do em lágrimas, foi que me lembrei... Estava educando minha filha com todo o amor e carinho possível, e não poupava esforços para proporcionar-lhe todo o conforto necessário. Agora ela estava tremendamente arrasada e decepcionada e com toda a razão. Seu vestido de gala me acusou e esclareceu o sumiço das duas: Era o dia da sua formatura! Eu não pude comparecer na celebração deste acontecimento importante da vida dela. Simplesmente “esquecera”!... O ativismo é um entorpecente que ofusca nossa visão e nos impede de perceber o que é realmente importante! Terapeuta familiar, renomado e respeitado internacionalmente, requisitado para palestras, conferências, encontros de casais, escritor com inúmeros livros publicados de sucesso, dando aconselhamento a maridos infiéis, esposas desesperadas, filhos rebeldes e a pais inconseqüentes, repentinamente me deparo numa situação para a qual não estava preparado. Pai ausente, desfocado da família, negligente, relegando os importantes acontecimentos dos entes-queridos a um segundo, talvez terceiro e certamente quarto plano. O que dizer? Nenhuma explicação me veio à mente. Mentir, nem pensar. Não sou acostumado a mentir e logo afastei de mim este pensamento. Nada disse. Somente abracei-as e pedi perdão. O mal já estava feito. Nada poderia reconstituir o momento perdido. Existem ocasiões que são únicas na vida. Tal qual um espelho quando se 17


quebra, nada o fará ter a mesma imagem de antes. Comecei a meditar nos acontecimentos e concluí que “presença” vem antes de “presentes”. Não se pode substituir aquilo que é insubstituível: nossa presença na vida da família. Lembrei-me das perguntas que faço em alguns seminários: Quanto vale um filho? Quanto vale um casamento? Quanto vale uma família? Se não tivermos o sentimento do que isto representa para nossa vida, estaremos longe dos planos de Deus. Quando Deus constituiu a família, o fez para que ela fosse a base central de todo plano divino. Fomos criados com uma finalidade primordial: gerarmos filhos para o louvor e a glória de Deus! Por isso não podemos ser desleixados com esse objetivo divino. Precisamos dar prioridade à família, senão perdemos o foco principal, seu verdadeiro sentido. Um homem sem família é como um pássaro sem ninho, é um viajante que se vai perdendo no caminho. Isso ficou claro depois dos últimos acontecimentos. No dia seguinte, Raquel sabiamente me sugeriu, com palavras carregadas de muito amor: - Meu querido, reco­nheço seu esforço para conquistar novas fronteiras e expandir o que você já conquistou com muito sacrifício. Mas em tudo tem que haver equilíbrio. Há muito tempo venho notando que você está cansado tanto física quanto mentalmente, e tenho tentado lhe dizer que você deve diminuir seu ritmo de trabalho, mas em vão. Você não consegue parar. Foi uma terrível experiência ontem para todos nós; por isso temos que aproveitar essa situação para colocar algumas coisas em ordem. Quero que você vá ao médico fazer novos exames. Venho insistindo nisso faz tanto tempo! Concordei sem pestanejar, aliviado, pois estava aguardando uma bronca sem precedentes. Senti-me emocionado, pois bem aventurado é o homem que tem uma esposa que se importa com ele e este pára para ouvi-la. Mulher maravilhosa, esposa fiel, companheira de todas as horas, coluna de sustentação de nossa família. Esses atributos de minha esposa dominaram 18


meus pensamentos, e em todos lhe atribuí nota máxima. Com razão disse certo escritor: “A mulher é a arca que Deus preparou para salvar o homem dos dilúvios da vida”. Não precisei nem me preocupar em telefonar, pois ela logo se incumbiu de agendar uma consulta. O médico, nosso amigo de longa data, abriu seu consultório no sábado, especialmente para me atender. Não precisou de muitos detalhes para diagnosticar: - Vamos fazer todos os exames de rotina, por segurança, mas uma coisa é certa: você está em fase crítica de estresse, e você corre o riso de ter um AVC - derrame cerebral ou um infarto do miocárdio. - É tão sério assim? – perguntei. E sem esperar a resposta dele, acrescentei: - O que tenho de fazer? - Mudança radical de vida, iniciando por um processo de afastamento abrupto e total de toda sua atividade profissional. Você não deve fazer nada, absolutamente nada, nas próximas duas semanas. Depois, faremos uma avaliação clínica. Sugiro que você mude de ambiente para poder fazer uma limpeza mental, retirando todo o entulho de problemas e preocupações que faz muito tempo vêm se acumulando. - Isso é impossível – respondi. Já tenho a agenda tomada para o próximo ano. Temos que achar um caminho alternativo. Lutei toda a vida para chegar ao sucesso e não posso me deter quando a maré está a meu favor. Ao que ele disse: - Rui, o sucesso é como um terreno minado; é muito perigoso, cuidado! Você está numa posição, que se não tiver discernimento, pode transformar sua vida numa tragédia. E acrescentou: - Deixe-me contar-lhe uma história, na verdade uma lenda, sobre uma mulher muito pobre. Ela caminhava com sua filha ao colo, quando ao passar diante de uma caverna escutou uma voz misteriosa que lá de dentro lhe dizia: Entre e apanhe tudo que você desejar, mas não se esqueça do principal. Lembre-se, 19


porém que depois de sair, a porta se fechará para sempre. Portanto, aproveite a oportunidade, mas note bem, não se esqueça do principal. A mulher entrou na caverna e encontrou muitas riquezas. Fascinada pelo ouro e pelas jóias, pôs a filha no chão e começou a recolher ansiosamente tudo o que podia no seu avental. A voz misteriosa falou novamente: - Você só tem oito minutos. Esgotados os oito minutos, a mulher carregada de ouro, pedras preciosas e jóias, correu para fora da caverna... e a porta se fechou. Lembrou-se então que a sua filha ficara lá e que a porta estava fechada para sempre! A riqueza durou pouco e o desespero, para sempre. E continuou: - O mesmo acontece às vezes conosco. Temos talvez uns oitenta anos para viver neste mundo, e uma voz sempre nos adverte: - Não se esqueça do principal. O principal é a família, a saúde, os amigos, mas o reconhecimento profissional, o desejo de galgar o sucesso, de atingir o topo, nos fascina de tal maneira que relegamos o mais importante a um segundo plano. A volúpia pelo poder, pelo sucesso, fama, de ser conhecido e admirado nos seduz e nos prende como um laço. Assim, terminada a jornada da vida deixamos de lado o essencial: a própria vida e os verdadeiros valores! É preciso não esquecer que a vida passa rápida e que a morte chega inesperadamente. Ele olhou fixamente em meus olhos, fez uma breve pausa e falou: - De que adianta sua agenda lotada? Você pode morrer em breve, e o que vão fazer com a sua agenda? Bem... podem colocá-la junto com seu corpo no caixão! Essas palavras me chocaram. Diante disso, somente consegui dizer: - Está bem. Obrigado! Daquele dia em diante preparei-me para responder os por quês. Quando Anita ligou para desmarcar os compromissos das duas semanas seguintes, não pôde se ater somente ao cancela­ mento, pois todos queriam saber o motivo. A verdade sempre tem que ser dita. Os telefones do escritório ficaram congestio20


nados, e os e-mails chegavam em profusão; os mais íntimos dei­ xaram de lado o protocolo e vieram me visitar. Todos queriam falar comigo, o que me fez pensar que ficar viajando e minis­ trando seria mais tranqüilo... Cansado de dar explicações pedi a Anita que avisasse que meus compromissos teriam que ser cancelados por ordem médica. Não estava autorizado sequer a receber visitas. Algumas atividades já agendadas causariam grandes prejuízos para os organizadores, por reservas já pagas em hotéis, salas de conferências, transportes e materiais. As explicações de Anita não os satisfaziam, queriam uma solução; como não havia, queriam obrigatoriamente falar comigo. Na sua maioria eram pessoas que já conhecia há tempos, de várias outras atividades realizadas; não havia como não atendê-los, apesar da insistente explicação de Anita. Horas e dezenas de telefonemas depois, conseguíamos um substituto para as ministrações, não agradando totalmente aos organizadores. Enfim, foi mais difícil cancelar os compromissos do que viajar para ministrar. Decidi com a Raquel que não abriria mão de meu descanso forçado, mesmo que algum ressentimento ain­da persistisse. Nessa hora pude ver que algumas pessoas somente estão interessadas na realização de seus programas e não nas condições físicas e no bem-estar dos outros; neste caso, em minha saúde. Mamãe veio me visitar assim que soube do problema. Abra­ çou-me como há muito não fazia, me beijou e quando se afastou, pude ver que seus olhos azuis estavam úmidos, e que se esforçava para não chorar diante de mim. Quando seu companheiro de vida partiu para a companhia do Pai celestial, sua vida se resumiu em orar e fazer alguma coisa pelos filhos. Pelo menos isto a fazia feliz, pois Deus, o Senhor, lhe fora generoso em propiciar a criação de oito herdeiros. Mamãe ainda procurava atender os filhos, costurando alguma bainha de calça e assando deliciosos pães de leite. Mãe maravilhosa a quem tanto amo! 21


Agora entendo porque ela se emocionou: qualquer coisa que pudesse redundar na perda de algum de seus “rebentos” seria como perder mais uma parte de seu próprio corpo, pois sua família é tudo para ela. Fiz os exames médicos solicitados e o resultado foi que precisava equilibrar melhor a alimentação e fazer exercícios físicos. Eu lhe disse que ficar em pé ministrando por horas a fio já era um grande exercício, mas infelizmente ele não aceitou essa atividade como válida para solucionar a necessidade de irrigação de todo o sistema sanguíneo e renovação de células, além de fortalecimento de músculos e outros tantos detalhes que ele considerou significativos. Nossa intenção era viajarmos os três, Raquel, Mônica e eu. Porém Mônica, nossa filha nos surpreendeu quando disse: ­Papai, sei que tudo que aconteceu foi porque você sempre se preocupou em nos dar o melhor, porém de que adianta o me­ lhor se não contamos com você ao nosso lado? Creio que você e mamãe precisam ficar a sós por uns tempos, e eu não quero interferir neste tempo de descanso. Há tempos estava querendo passar uns dias com meus avós e esta parece ser uma ótima oportunidade. Com a viagem programada, restou-nos providenciar todos os detalhes. Eu estava sempre viajando, o que fazia alguns amigos dizerem que “eu tinha mais horas de vôo que muito pássaro”, mas nestas viagens eu só me preocupava em levar minha mala com roupas e materiais para os eventos. Agora era diferente, pois a roupa era pouca, mas os detalhes... Raquel sempre se preocupara com todos os itens de minhas viagens e sempre se incumbira de fazer minha mala. Agora me surpreendi fazendo listas, discutindo qual seria o melhor produto, estimando quantidades, fazendo cardápio detalhado e orçamentos, revendo tudo, falando constantemente com a operadora de turismo e indo às compras. Surpreendi-me admirando Raquel verificar detalhadamente 22


preços e datas de validades dos produtos. Nem me lembrava mais qual fora a última vez que havia entrado num supermercado. Rápido concluí e experimentei que era saboroso participar destas atividades familiares; era importante para nosso relacionamento, além de serem interessantes. É diferente você receber o prato pronto e simplesmente saboreá-lo, do que saber como foi feito, que produtos e marcas entraram na sua composição e também quanto custou! É a diferença entre usar e participar. Aqui está uma das razões porque muitos casais vão se distanciando um do outro. Na participação você valoriza mais, pois tem conhecimento de causa. Nunca pensara assim. Precisei passar por uma situação drástica para começar a ver as coisas sob outro prisma, inclusive o papel da mulher como ajudadora idônea. Finalmente, chegou o dia da viagem. Foi uma choradeira só. Raquel chorava tanto que até parecia que ia viajar para o outro lado do mundo, e sempre arrumava um cantinho na mala para mais coisas. Coisas de Raquel, minha doce esposa. Mal a escuna começou a se afastar da doca e já o pessoal acenava calorosamente. Pouco a pouco a distância ficou maior e já não era possível distinguir quem era quem. Somente um amontoado de pessoas com roupas de todas as cores. As silhu­ etas se afastavam cada vez mais dos nossos olhos e logo não restava mais ninguém; eles só ficaram nos nossos corações... O comandante da embarcação indicou para que o marinheiro contornasse uma pequena ilha, o que fez com que perdêssemos de vista o ancoradouro de onde saímos. A brisa marinha acariciava os nossos rostos, e o cheiro do mar entrava pelas narinas, ao suave balanço da embarcação. Ficamos os dois agarrados na amurada do convés assistindo o avanço do barco. Algumas embarcações maiores estavam ancoradas longe do porto, por causa de seu calado. Aprendi que calado é a “quantidade de barco” que fica embaixo, dentro da água e é essa distância que permite que o barco navegue sem 23


encalhar, ou a fundura suficiente para que o barco navegue sem problemas. Desta forma fui acrescentando novidades ao meu dicionário particular. A imaginação me levou para longe dali. Mais uma vez me flagrei refletindo que se o casamento é como uma viagem, qual será o calado em que podemos navegar num relacionamento conjugal, sem corrermos os riscos de sofrermos um encalhe? Temos que saber a profundidade de nossos sentimentos, para que nosso relacionamento seja firme, tendo a bússola apontando sempre para o amor, a compreensão, o carinho, a amizade e a dedicação. No rumo certo, sem contratempos. - Isto dá um bom sermão, pensei, mas logo meus pensamentos começaram a se fixar na ilha em que havíamos conhecido somente por fotos. A ilha para onde nos dirigíamos pertencera a um bem sucedido escritor, que ali se refugiava para buscar inspiração para seus novos livros. Com o tempo, o escritor trocou o esconderijo por um castelo no interior da França, e um grupo hoteleiro a comprou. Inicialmente planejavam construir na ilha um “spa” sofisticado, mas a distância do continente fez os proprietários desistirem do projeto. Depois planejaram construir um hotelcassino, mas as autoridades não o permitiram. Com isto, a ilha ficou praticamente abandonada, somente usada por alguma equipe de mergulho, filmagem de empresas de publicidade, ou para cenas externas de trechos de alguma novela. As dificuldades locais limitavam os interessados até que um terapeuta estressado resolveu se isolar do mundo para recuperar sua saúde. Eu sabia que um lampião a gás forneceria a luz. Teríamos água quente no chuveiro através da serpentina que passa pelo fogão à lenha. Televisão, computador, internet... nem pensar! Era tudo o que eu queria, mas ficar sem bebidas geladas seria uma grande prova, porque água para mim só bem gelada, em qualquer época do ano. E sorvete? Só em fotografia. Bem, em compensação não precisarei usar terno e gravata, nem sapatos sociais. Somente bermuda, chinelos e protetor solar. E dormir, 24


dormir e dormir. Quero me cansar de ficar na cama. Quero acordar e virar para o outro lado e dormir de novo; tornar-me um verdadeiro “DVD”, isto é; dormir e voltar a dormir. Ou “CD”, comer e dormir. Só em imaginar que não teremos horários para deitar nem para levantar; só em imaginar que não preciso correr para o aeroporto, nem que chegou a hora de iniciar os trabalhos, e que posso me demorar o quanto quiser no chuveiro, sem medo de perder a hora! Aliás, quero guardar o relógio para não saber a que horas estou do dia. Mas a melhor coisa será ficar a sós, sem ninguém por perto, sem ter que agradar as pessoas, sorrindo para elas indistintamente, tendo que ser sociável, quando na verdade estamos querendo trucidar alguém. Não precisarei ouvir pacientemente as queixas de pessoas magoadas e feridas, não aconselharei ninguém, enfim, não me preocuparei a não ser comigo e com Raquel. Enfim estaremos a sós. Estamos deixando as águas abrigadas da baía e temos a nossa frente o mar aberto, conforme disse o marinheiro. Raquel já não está gostando muito do movimento pendular da embarcação e me pergunta se ainda falta muito. Preocupo-me com ela, pois saímos faz cerca de meia hora e a travessia está programada para durar umas seis horas. Ah! O paraíso nos aguarda lá na fren­te, na forma de uma ilha paradisíaca, completamente isolada de tudo, principalmente de compromissos, a não ser aproveitar o tempo e descansar feliz. O mar foi ficando mais revolto, com ondas cada vez maiores que queriam nos tragar. O marinheiro agarrou-se ao timão do leme levando a embarcação na direção das ondas. O barco sobe e desce sobre ondas gigantes. Tal qual uma montanha russa, ganha velocidade descendo aquela montanha de água, para depois começar tudo de novo, num subir e descer que parece não ter fim. Até onde o olhar alcança só se vê montanhas de águas ferozes que açoitam o casco, e às vezes lavam o convés. O problema é quando ondas desencontradas chocam-se 25


umas com as outras sem que o marinheiro consiga enfrentálas corretamente. Nestas ocasiões o barco aderna perigosamente dando a sensação de que irá emborcar. Se o timoneiro vacilar ou uma onda bater na lateral o barco pode soçobrar. Será difícil alguém sobreviver. Pelo menos já vestimos nossos coletes salva vidas. Estou no convés, me agarrando firmemente no corrimão que circunda toda a frente da embarcação, que os marinheiros chamam de “guarda-mancebo”, e Raquel continua deitada na cabine. Tentei ficar com ela, mas me senti muito mal preso num espaço tão pequeno. É como se estivesse vivendo um pesadelo. Prefiro ficar aqui levando borrifadas das ondas. O ar fresco me faz respirar melhor, apesar da visão estonteante de tanta água turbulenta por todos os lados. Se houvesse um jeito de sermos retirados daqui sairia rapidamente, nem que para isso tivesse de entregar todos os meus bens. Vejo-me agora correndo risco de vida, junto com Raquel. Bem, Raquel ainda não se deu conta do perigo; acho melhor nem saber. Sei que em tudo o Senhor tem um propósito, mesmo neste mar agitado. Ah! Quanto anseio pisar em terra firme. Quis descansar um pouco e agora estou nesta encrenca maluca. Se a tempestade não acalmar, poderemos descansar para sempre! Se já estava estressado, o que dizer de agora? Será que há maior estresse do que estar aguardando pelo pior? Sempre gostei de água. Sempre tive uma fascinação pelo mundo aquático. Na época em que fazia esportes (há quanto tempo!), preferia a natação, o mergulho livre e o esqui aquático ao invés do futebol, basquete e vôlei. Mas no ambiente aquático sentia que tudo estava sob controle, numa piscina, numa represa ou numa praia tranqüila. Agora vendo essa força da natureza, de perto, sinto que sou fraco e vulnerável, nada podendo fazer a não ser pedir ao Pai celeste em oração que nos proteja e acalme esta tempestade. Quando lemos nas manchetes de jornais notícias de calamidades nem sequer imaginamos a aflição e o desespero das pes26


soas que passaram por essas situações. Espero que eu não faça parte do noticiário de amanhã. Até imagino o locutor falando: “Famoso terapeuta desaparecido numa tormenta”. Mas, abandono este pensamento ruim e repito para mim mesmo: - Meu Pai é o criador dos céus e da Terra e de tudo que neles há. O seu poder não tem limites. Nele confio. A ele entreguei minha vida para sua honra e glória. Nada sou sem ele. Com ele tudo posso, pois ele me fortalece. Glória à Deus! A sua palavra me garante que “sua vontade é boa, perfeita e agradável”. Por mais que eu queira sair desta panela de fazer pipocas, ele tem um objetivo maior nisto tudo. Por isso submeto-me à sua vontade e me etrego à sua santa proteção. Aleluia! Então a paz que excede a todo entendimento toma conta de mim. O barco continua a balançar, a ranger; a água se derrama sobre o convés atravessando-o de um lado ao outro; as ondas continuam enormes e revoltas. O vento em rajadas assobia sobre nós. Mas nada, repito, nada, nada disso passou a me abalar. Sou expectador privilegiado das forças da natureza. Nelas posso ver a mão do Criador, e sinto que são essas mesmas mãos que estão nos protegendo, nos guardando com todo o seu amor e carinho. Obrigado Pai! Saí me segurando pela amurada e desci para a cabine. Raquel dormia a sono solto, sendo jogada ora para cá, ora para lá através do balanço do barco, sem se incomodar. Ela simplesmente se ajeitava, como a curtir o embalo das ondas, dando crédito a uma definição de “paz” que li certa vez: “Paz é você ser capaz de dormir em meio às tempestades da vida”. Voltei ao deck, posicionando-me logo atrás do comandante e do marinheiro. Fiquei demoradamente admirando suas proezas no timão para contornar as situações das ondas, que variavam a todo instante. É incrível como o leme, uma pequena peça dirige tão grande embarcação, obedecendo as ordens do timoneiro. Pensei na comparação que a Bíblia Sagrada faz também com a língua, esse pequeno órgão do corpo humano que 27


apesar de pequeno, tem um imenso poder de contaminar e destruir, ou construir vidas. Mas nada mais me amedronta, a não ser pensar como faremos para desembarcar com o mar tão agitado. Bem, este é um problema para mais tarde. Ainda temos algumas horas pela frente.

“É na simplicidade que descobrimos o brilho da glória do criador existente em cada um de nós”. (Josué Gonçalves)

“Há momentos na vida em que não nos é facultado fugir do problema; temos que enfrentá-lo, mas quando a situação foge ao nosso controle, resta agarrar-nos a Deus. Ele sempre está no controle”. (Josué Gonçalves)

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