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Cadernos da Fundação Perseu Abramo

A Previdência Social no Brasil


Fundação Perseu Abramo Instituída pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996 Diretoria Hamilton Pereira – presidente Ricardo de Azevedo – vice-presidente Selma Rocha – diretora Fávio Jorge Rodrigues da Silva – diretor Editora Fundação Perseu Abramo Coordenação editorial Flamarion Maués Editora Assistente Candice Quinelato Baptista Assistente editorial Viviane Akemi Uemura Edição de texto Antônio Carlos Olivieri Revisão Maurício Baltazar Leal Márcio Guimarães Araújo Editoração eletrônica Enrique Pablo Grande Capa Berenice Abramo Ilustração da capa Paulino NR Lazur Impressão Gráfica Bartira


A Previdência Social no Brasil

Rosa Maria Marques Einar Braathen Laura Tavares Soares José Pimentel Eli Iôla Gurgel Andrade Arlindo Chinaglia Ricardo Berzoini José Dirceu Sulamis Dain João Antonio Felicio

EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) A Previdência Social no Brasil / Rosa Maria Marques ... [et al.]. – 1. ed. – São Paulo : Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. – (Coleção Cadernos da Fundação Perseu Abramo) Vários autores. ISBN 85-86469-92-0 1. Bem-estar - Brasil 2. Previdência social - Brasil 3. Previdência social - Leis e legislação - Brasil 4. Seguro social - Brasil I. Marques, Rosa Maria. II. Série.

03-5886

CDD-368.400981 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Previdência social 368.400981

1a edição: dezembro de 2003 Tiragem: 2.500 exemplares Todos os direitos reservados à Editora Fundação Perseu Abramo Rua Francisco Cruz, 224 04117-091 – São Paulo – SP – Brasil Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910 Na Internet: http://www.fpa.org.br Correio eletrônico: editoravendas@fpabramo.org.br Copyright © 2003 by Rosa Maria Marques, Einar Braathen, Laura Tavares Soares, José Pimentel, Eli Iôla GurgelAndrade,Arlindo Chinaglia, Ricardo Berzoini, José Dirceu, Sulamis Dain e JoãoAntonio Felicio ISBN 85-86469-92-0


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Sumário Apresentação, 7 Hamilton Pereira

Abertura, 11 José Genoino

Parte 1 – Experiências internacionais, 15 Experiências internacionais e a Reforma da Previdência, 17 Rosa Maria Marques

O modelo nórdico de Seguridade Social, 31 Einar Braathen

Reforma da Previdência: a experiência da América Latina, 37 Laura Tavares Soares

Parte 2 – A história da Previdência Social no Brasil, 51 Previdência Social – Aspectos, conceitos, estruturas e fatores condicionantes, 53 José Pimentel

Estado e Previdência no Brasil: uma breve história, 69 Eli Iôla Gurgel Andrade

História da Previdência Social, 85 Arlindo Chinaglia

Parte 3 – A situação atual e a reforma, 97 A reforma necessária, 99 Ricardo Berzoini

Uma necessidade de justiça social, 121 José Dirceu

Condições econômicas e sociais, 129 Sulamis Dain

A

CUT

e a Reforma da Previdência, 151

João Antonio Felicio

Sobre os autores, 161 Índice de quadros e gráficos, 167 5


Este segundo livro da série Cadernos da Fundação Perseu Abramo reúne textos elaborados a partir do Seminário A Reforma da Previdência, realizado pela Fundação Perseu Abramo e pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores nos dias 23 e 24 de maio de 2003, em São Paulo.


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Hamilton Pereira Presidente da Fundação Perseu Abramo

Apresentação

O seminário “A Reforma da Previdência”, organizado pela Fundação Perseu Abramo e pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), teve como objetivo debater uma questão de absoluta importância para o país, tanto agora como para as próximas gerações. Antes de mais nada, quero fazer um registro muito importante neste momento. É fundamental que a militância do PT, que os setores da intelectualidade brasileira com os quais nos relacionamos, os movimentos sociais, as organizações não-governamentais (ONGs), enfim, aquilo que há de mais significativo no debate democrático do país, saibam que a Fundação Perseu Abramo, instituída para organizar a memória, para estudar e pesquisar a realidade brasileira, para difundir o pensamento do partido e das esquerdas, traz sempre a marca da pluralidade. É absolutamente fundamental deixar claro – e a sociedade brasileira já está profundamente convencida disso – que, nas últimas duas décadas, nenhum avanço democrático ocorreu na vida do país sem a participação do PT. Essa foi a marca fundamental do nosso diálogo com a sociedade. Pode-se gostar ou desgostar das posições do PT, mas não se pode negar esse legado do partido. 7


APRESENTAÇÃO

Outro elemento também fundamental para nós é a relação com os setores que se dedicam ao estudo, à análise, ao exame da realidade do país. A intelectualidade e os artistas, aqueles que criam o universo simbólico, o imaginário do país. Essa relação teve e tem de ser cultivada, o que não se faz sem trabalho sistemático. Um trabalho de diálogo, de argumentação, no sentido que Hannah Arendt mencionava no ensaio “Esquecida arte de argumentar”. Estamos diante desse desafio: o de exercitar, à exaustão, a arte de argumentar. A eleição de Lula em 2002 colocou desafios gigantescos para o país, para as esquerdas e, particularmente, para o PT. E, no âmbito do PT, para a sua Fundação. Desde 27 de outubro de 2002 a Fundação Perseu Abramo tem uma nova tarefa a cumprir: a de contribuir na sustentação do governo liderado pelo PT, mas construído a partir de uma ampla frente, e que neste ano inicia seus primeiros passos. Mas o papel da Fundação não pode ser o de oferecer exclusivamente aplausos às medidas que o governo propõe à sociedade. À Fundação cabe, como veremos aqui, abrir espaços para que o debate democrático ocorra. Esse é o nosso papel: funcionarmos como um centro, ou como um dos centros indutores da reflexão sobre a realidade do país, da criação de perspectivas para um novo ciclo de desenvolvimento nacional que seja inclusivo, que seja democratizante, que seja capaz de abrir espaços para todos os brasileiros. Por isso, em nome da Fundação Perseu Abramo, quero manifestar a alegria de podermos oferecer uma contribuição à sociedade brasileira, ao PT e ao governo que nós lideramos, com elementos de exame, de análise, de críticas, de atitudes corajosas na busca de alternativas sintonizadas com os interesses que nortearam o PT ao longo de toda a sua trajetória. Este seminário sobre Reforma da Previdência se insere no esforço proposto pelo Diretório Nacional, pelo companheiro presidente do PT, José Genoino, para realizarmos um ciclo de debates que aborde diferentes temas da conjuntura, diferentes desafios que devemos enfrentar. 8


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Essa é a nossa intenção: construirmos com consistência, tratando, naquilo que é substantivo, das questões realmente essenciais, a argumentação necessária para se enfrentar o grande desafio das reformas que o país cobra do nosso governo. Abril de 2003

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José Genoino Presidente do Partido dos Trabalhadores

Abertura

O tema da Reforma da Previdência é muito caro ao nosso partido e, por isso, são necessários alguns esclarecimentos históricos. Já em 1991, quando eu exercia a liderança da bancada do Partido dos Trabalhadores, esse tema apareceu pela primeira vez após a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência. Aliás, quero fazer aqui uma homenagem a um então deputado da nossa bancada, que em nome dela apresentou a primeira proposta petista de Reforma da Previdência: o companheiro Eduardo Jorge. Essa proposta polarizou com aquela apresentada pelo então deputado, depois ministro, Antônio Brito, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Porém, devido ao processo de impeachment de Collor e à CPI do Orçamento, elas só voltaram à tona depois da posse de Fernando Henrique Cardoso. Naquela ocasião, por meio de resoluções políticas, o Diretório Nacional do PT decidiu enfrentar o problema da Previdência, tanto em 1995 como em 1996. Em 2002, o programa de campanha do presidente Lula, aprovado pelo Diretório Nacional, tratou do tema da Reforma da Previdência e, na Resolução de março de 2003, o tema mais uma vez foi objeto das deliberações do partido. 11


ABERTURA

Portanto, não é a primeira vez que o PT está discutindo a Reforma da Previdência. Nem a estamos discutindo por estarmos no governo ou por sermos governo. Já que vamos ao debate, é necessário deixar claro para a opinião pública que o PT, em 1991, 1995, 1996, 2002 e 2003, estabeleceu cinco princípios que conformaram suas posições sobre o assunto: 1) Previdência pública e universal para todos os brasileiros do setor privado e do setor público, com piso e teto; 2) Previdência complementar, não privada, fechada na forma de Fundo de Pensão, administrada paritariamente; 3) Recusa do modelo de privatização da Previdência. Entendo que – na medida em que se eleva o teto e se define Fundo de Pensão fechado – se inviabiliza a tentativa de entregar a Previdência para seguradoras e bancos; 4) Gestão democrática quadripartite, que é um compromisso do PT, e combate à sonegação e à corrupção na Previdência, porque sonegação na Previdência é apropriação indébita; 5) Melhorar as aposentadorias do Regime Geral – e sempre batalhamos por um aumento do teto. Hoje o teto é 1.561 reais, com o aumento pode chegar a 1.800 reais, e a proposta do PT, de 1996, era de dez salários mínimos. Mesmo o tema mais visível – o da cobrança de aposentados e aposentadas – tem uma história no nosso partido. E não é de incoerência, nem de adaptação ao que o governo Fernando Henrique fazia antes. Essa questão foi discutida e o Partido dos Trabalhadores proíbe a taxação das aposentadorias e pensões dos inativos do Regime Geral. E na proposta apresentada por Fernando Henrique Cardoso – que a imprensa diz ser igual à nossa – não é assim. A proposta da Emenda Constitucional de Fernando Henrique Cardoso propunha cobrar os inativos sem piso. E, num país em que as aposentadorias são tão baixas, propor o piso de 1.058 reais representa uma posição diferente da proposta do governo anterior. A concepção da nossa proposta de reforma é recuperar, fortalecer e reestruturar a Previdência pública, exatamente contra as tendências de privatização. É bom lembrar que, no debate da Reforma da Previdência no Congresso Nacional, os privatistas che12


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gavam a defender o teto e o piso para a aposentaria geral de três salários mínimos. Admitiam cinco. Estamos colocando dez salários mínimos como teto e isso significa não só uma medida contra a privatização da Previdência pública, como também a melhoria da Previdência dos trabalhadores do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Na proposta, deixamos claro um modelo de gestão democrática, com transparência no combate à sonegação. Estamos deixando claro que o nosso objetivo é reestruturar a Previdência num país de distorções bárbaras na questão previdenciária. A nossa proposta traz ainda grandes desafios, como o de incorporar à Previdência cerca de 40 milhões de brasileiros que não estão vinculados e o de garantir uma Previdência para a terceira idade que seja um programa de renda mínima para essa população. Portanto, nosso objetivo não é a privatização ou o enfraquecimento da Previdência pública, mas recuperar uma Previdência montada no tripé da justiça social, da responsabilidade com o equilíbrio orçamentário e da sua auto-sustentação. E garantir um sistema que dê segurança para os trabalhadores, tanto para as atuais gerações como para as futuras. Ou seja, o PT não está sendo incoerente, nem se adaptando ao governo anterior. Podemos ter divergências, mas, como presidente do partido, digo a vocês: nunca, no governo anterior, foi apresentada alguma proposta para tornar a Previdência pública e universal para todos os brasileiros. Nunca foi feita essa proposta. E quando se discutiu a questão dos inativos nunca se aceitou o estabelecimento de um piso. Muitas prefeituras não têm piso. Está sendo proposto um piso, está em debate, mas não está definido, está em discussão. A tarefa da Reforma da Previdência é fundamental num país em que 21 milhões de brasileiros recebem do INSS, em média, 389 reais. E, desses 21 milhões, 12 milhões recebem salário mínimo. É fundamental num país em que 40 milhões de pessoas não têm vínculo com a Previdência, em que algumas categorias têm como média de aposentadoria 12 mil, 8 mil, 7 mil reais... Estou me referindo à categoria de servidores públicos. E é fundamental num país em 13


ABERTURA

que 80% dos servidores públicos não chegam a receber 2 mil reais como aposentadorias e pensões. É neste país que nós queremos aumentar os gastos públicos com a Seguridade Social. Não só qualificar como aumentar os gastos públicos, e todos sabemos o que significa a Seguridade Social num país de exclusão como o nosso. Portanto, o debate sobre a Reforma da Previdência faz parte da história do Partido dos Trabalhadores. Nosso partido tem uma responsabilidade, a esquerda brasileira e o PT têm a responsabilidade histórica de viabilizar esse projeto de mudança, de transformação, de reformas. A esquerda tem a tarefa imprescindível de viabilizar um projeto alternativo para o país que queremos, e isso está presente nas declarações e resoluções do nosso partido. O debate é o caminho. A divergência é salutar. A polêmica enriquece. E a livre manifestação de opinião faz parte de um partido que desde o nascimento é pluralista. Mas essa pluralidade – que é a seiva da vitalidade do nosso partido – só não se degrada num mero amontoado de homens e mulheres porque o PT, de maneira inovadora, construiu os dois elos nas extremidades dessa corrente: o elo da pluralidade em todos os sentidos, sim, mas também o elo da unidade de ação do partido. Por isso o debate político fundamenta, dá consciência, dá consistência para que nós, os militantes, as militantes, senadores e senadoras, deputados e deputadas, prefeitos e prefeitas, governadores e governadoras, enfim, para todos os filiados entenderem que chegamos ao governo, mas o partido vai manter a sua vitalidade, a sua dinâmica, a sua cabeça erguida. A força que temos para debater e ser críticos é a mesma que coloca em nossos ombros a responsabilidade de não frustrar milhões e milhões de brasileiros. O PT tem uma sina: não queremos o isolamento e o gueto, nem a domesticação. Queremos a mudança e a transformação. E vamos ao debate, que esse é o caminho adequado.

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Parte 1 – Experiências internacionais



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Rosa Maria Marques

Experiências internacionais e a Reforma da Previdência

Vou abordar a experiência internacional referente à questão de financiamentos, organização e estruturação de sistemas de proteção social, a partir dos estudos desenvolvidos em meu pós-doutorado, realizado na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Pierre Mendes France, de Grenoble, na França. Também vou enfocar as trajetórias de construção e desenvolvimento, considerando os sistemas diferenciados, o papel do Estado e dos trabalhadores, o financiamento e o custo do trabalho, a relação entre o desemprego e o financiamento, e a realidade do Brasil e da América Latina. Mas, evidentemente, não vou me furtar de estabelecer relações entre a experiência internacional e as Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) Previdenciária e Tributária. Nesse particular, vou apresentar principalmente a minha leitura da Exposição de Motivos da PEC 40. Primeiramente, quero chamar a atenção para a dificuldade de se partir das experiências internacionais para discutir a realidade brasileira, pois os sistemas de proteção social no mundo, como um todo, resultaram de uma transformação histórica, ou seja, são resultados históricos, e cada lugar, como sabemos, tem a sua cultura

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e a sua história, onde os trabalhadores têm esse ou aquele peso político, uns mais, outros menos. No mundo, os direitos sociais, ou seja, aquilo que nos diz respeito enquanto discussão de proteção social, que é um conceito um pouco mais abrangente do que Previdência Social, se apresentam mediante diferentes combinações entre Estado, mercado e família. Isso ocorre porque, sendo resultados históricos, eles se conformaram em diferentes situações. Além disso, queria lembrar que coexistem diversos regimes num mesmo país. Essas diferentes conformações podem ser de três tipos. Essa tipificação, na verdade, é uma tentativa de caracterização ideal de um determinado paradigma, o que não quer dizer que aqueles países sob a égide desse paradigma sejam perfeitamente entendidos a partir daquelas características. Mas sempre existe um país em que isso aparece melhor. No caso do primeiro tipo, são os Estados Unidos. O primeiro tipo de proteção social que podemos reconhecer no mundo é o tipo liberal, em que predomina a assistência aos pobres enquanto uma preocupação do Estado. Há poucas transferências universais, portanto quase inexistem benefícios universais. Por meio de Fundos de Pensão e planos de saúde, o mercado vai conceder a proteção aos ditos não-pobres. Então, o Estado dá assistência; e o mercado, o resto. Os riscos velhice, doença, desemprego são tratados separadamente, não como um todo, portanto não são vistos como uma proteção que é uma totalidade, mas sim como riscos que são tratados isoladamente, sem integrar um sistema. O segundo tipo, que chamamos de origem marcadamente corporativista, é aquele em que os trabalhadores, por meio dos seus sindicatos ou mesmo dos seus partidos políticos, tiveram força para impor a organização da proteção. Um exemplo é a França. Mas essa marca corporativista ocorre somente na origem do sistema, porque depois a proteção se espalha para o conjunto da população, se universaliza. Essa origem, no entanto, é importante, porque determina a forma principal de financiamento, fundada na contribuição do empregado e do empregador. Na medida em que a 18


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proteção é universalizada, caracterizamos o acesso ao direito como fruto da meritocracia e da cidadania. Quero chamar a atenção para o fato de que esse aspecto relativo à cidadania tem sido crescente nos últimos tempos. E o interessante é que essa extensão à cidadania se dá de uma forma muito mais enfática em períodos de crise. Acho que isso é uma coisa importante de se levar em conta em nossa questão. Enfim, esse segundo tipo tem uma forte presença das contribuições do empregado e do empregador, mas a participação do Estado, aportando recursos, não deixa de ser significativa. Nesse tipo, ao contrário de no liberal, os riscos – quais sejam, velhice, doença, invalidez, desemprego – são tratados como uma totalidade. Daí vem o conceito de proteção social, aqui no Brasil chamado de Seguridade Social. Ao contrário de no outro, nesse caso existe uma grande transferência de recursos para as famílias. Para se ter uma idéia, 30% da renda disponível das famílias francesas – renda disponível é aquela que entra no bolso, ou seja, de que eu disponho para gastar ou poupar – vem de transferências do sistema de proteção social. Isso tem efeitos econômicos maravilhosos no conjunto da sociedade. No período mais recente, a proteção à velhice é complementada com a contribuição obrigatória para os Fundos de Pensão. Mas na França foi muito fácil tornar obrigatória a adesão ao Fundo de Pensão, porque 98% dos trabalhadores já tinham Fundo de Pensão complementar, o que não é a nossa realidade. Quando vamos pesquisar como é na França, descobrimos: “Ah, Fundo de Pensão é obrigatório...”. Sim, mas tornou-se obrigatório porque a realidade já tornara corrente esse modelo. O último tipo tem como origem o princípio de universalidade, e o exemplo mais típico vem a ser a Inglaterra. Os riscos são pensados, aqui também, de forma integrada. No caso do risco velhice, a proteção é universal e de base. Tem forte presença dos recursos do Estado, mas existem também contribuições sobre o salário. Existem também Fundos de Pensão e planos de saúde complementares. É basicamente o que chamamos de um sistema de três pilares. Um básico, para todo mundo, financiado pelo Estado; 19


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outro, que é contributivo, formado de contribuição do empregado e do empregador; e finalmente um terceiro, de caráter complementar e facultativo, formado pela poupança das pessoas.

Sindicatos, partidos e proteção social O Quadro 1 relaciona os anos de criação dos sindicatos e dos partidos ligados aos trabalhadores com as leis estabelecidas para a cobertura de cada risco. Para os países da Europa é fenomenal, porque fica absolutamente patente que a organização dos trabalhadores está diretamente ligada à cobertura dos riscos. Sempre se diz que tudo começou na Alemanha, com Bismarck, só que é esquecido que a Alemanha tinha a maior organização partidária independente dos trabalhadores. Depois que a Comuna de Paris foi derrotada, o movimento se deslocou para a Alemanha e nas décadas seguintes o partido cresceu de modo fantástico, e foi nesse momento que Bismarck tentou controlar a situação criando uma proteção social. Essa era voltada apenas para os servidores do Estado, mas depois as coisas se modificaram. Quadro 1 Trajetórias de construção e desenvolvimento – Estado e trabalhadores Ano de criação dos partidos socialistas, das federações sindicais e primeiras leis de cobertura dos principais riscos

Riscos Países

EUA RU

Alemanha Itália Ja p ã o França Espanha Suécia

Sindicato Partido -1867 1868 1906 -1895 -1898

-1900 1875 1892 -1905 -1889

Velhice Invalidez Morte Doença Matern. 1935 1908 1889 1919 1941 1910 1919 1932

1935 1911 1889 1919 --1919 1932

1935 1925 1889 1919 --1919 1932

1965 nd 1911 1911 1883 1883 1927/4 1912 1922 nd 1928 1928 1942 1929 1891/3 1891/31

Acidente de trab. 1908 1887 1884 1898 1911 1898 1932 1901

Fonte: elaborado a partir de informações de “Security Programs Throughout the World” (1990) e Navarro (1993). MARQUES, 1997

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O Quadro 2 é muito importante porque, em geral, existe a seguinte idéia: no Brasil os encargos sociais são muito elevados. Quando essa afirmação é feita, são comparados os 20% que as empresas pagam com a alíquota de outros países. Isso está errado, pois alíquota não se compara com alíquota. Alíquota é algo que incide sobre uma base. Por isso é preciso saber qual é o nível de salário para poder comparar. O Quadro 2 tenta mostrar como os diversos tipos de formações de proteção social no mundo são financiados, isto é, como é a participação relativa dos trabalhadores, dos empregadores, do Estado e de outras fontes. Quadro 2 Trajetórias de construção e desenvolvimento – Financiamento e custo da mão-de-obra Receitas relativas e despesas da proteção social União Européia – 2000

Contribuições Contribuições Financiamento dos dos Outras Total fiscal empregados segurados Alemanha 36,9 28,2 32,5 2,4 100 Áustria 37,1 26,8 35,3 0,8 100 Bélgica 49,5 22,8 25,3 2,4 100 Dinamarca 9,1 20,3 63,9 6,7 100 Espanha 52,7 16,4 26,9 4,0 100 Finlândia 37,7 12,1 43,1 7,1 100 França 45,9 20,6 30,6 2,9 100 Grécia 38,2 22,6 29,1 10,1 100 Irlanda 25,0 15,1 58,3 1,6 100 Itália 43,2 14,9 39,8 2,1 100 Luxemburgo 24,6 23,8 47,1 4,5 100 Países Baixos 29,1 38,8 14,2 17,9 100 Portugal 35,9 17,6 38,7 7,8 100 Reino Unido 30,2 21,4 47,1 1,3 100 Suécia 39,7 9,4 46,7 4,2 100 Média UE 38,3 22,4 35,8 3,5 100 Países

D e sp e sa s % do PIB 29,5 28,7 26,7 28,8 20,1 25,2 29,7 26,4 14,1 25,2 21,0 27,4 22,7 26,8 32,3 27,3

Fonte: Eurostat

Então, por exemplo, dos 100% dos recursos da proteção social utilizada na França, o Estado entra com cerca de 30% e as contribuições do empregador chegam a cerca de 46%. Já na Dina21


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marca, onde a contribuição do empregador é de 9%, o Estado entra com 64%. Todos são dados da Eurostat, a agência de estatísticas da União Européia, para o ano 2000. Como vimos, esses países apresentam, em matéria de financiamento da proteção social, realidades completamente diferentes. O que isso quer dizer? Quer dizer que a Dinamarca está melhor do que a França? Para responder a essa questão, vejamos o Gráfico 1, que mostra o custo do trabalho por hora. Esse gráfico tem de ser analisado em conjunto com a tabela anterior, porque o que interessa é o custo global da força de trabalho. É preciso considerar o salário, o encargo e os impostos, pois são os impostos, no caso da Dinamarca, que financiam o Estado – aquele que entra com 64%. Estou dizendo, portanto, que não se compara só contribuição. O custo do trabalho é uma magnitude maior, formada de elementos diferentes, dependendo do país. Há lugares onde o Estado está muito mais presente, logo o imposto é muito mais elevado, as contribuições são mais baixas e o salário é mais alto. Gráfico 1 Trajetórias de construção e desenvolvimento – Financiamento e custo da mão-de-obra Custo horário da mão-de-obra na indústria e serviços 1999 (Euro) Fonte: Eurostat

7,0

Portugal

11,8

Grécia

15,3

Espanha

16,2

Irlanda

18,8

Itália

19,3 20,8

Reino Unido Finlândia

21,7

Países Baixos

22,7

Luxemburgo

23,8

França

25,8

Suécia

26,2

Bélgica

26,8 27,0

Alemanha Dinamarca

27,2

Áustria 0

5

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Tal como aqui, a discussão sobre o peso da contribuição patronal no financiamento da proteção social tem sido significativa na Europa. Mas na Europa a ênfase está centrada na busca de fontes alternativas de financiamento à base salário, principalmente nos países onde a contribuição do empregado e do empregador é bastante presente. Essa discussão começou no final dos anos 1970, início dos anos 1980, e prossegue até hoje. São muitos anos de debate. Ela foi e é alimentada pela crença segundo a qual o emprego cresce quando os encargos patronais são reduzidos. Na discussão, surgiram várias propostas, que estão listadas no Quadro 3. A primeira é ampliar a base: em vez de ser só o salário, ampliar para todos os fatores de produção, o que equivaleria ao valor adicionado. A segunda é um imposto sobre o valor adicionado. Outra ainda é a introdução de uma taxação sobre emissão de gás carbônico e sobre energia. E por último há mais uma que foi discutida na França, e hoje está implementada, que se chama contribuição social generalizada, também chamada de contribuição solidária. Quadro 3 Trajetórias de construção e desenvolvimento – Desemprego e financiamento Discussão – buscar fontes alternativas de financiamento à base salário Crença: reduzir encargos aumenta o emprego. a) Ampliação das contribuições patronais ao conjunto do valor adicionado (1980 e retomada várias vezes) b) Imposto sobre o valor adicionado c) Introdução da taxação de CO2 – energia d) Contribuição social generalizada

Vou me limitar a discutir a primeira e a última. No que se refere à ampliação das contribuições para o conjunto do valor adicionado, existem várias críticas contrárias, entre elas a que considera o fato de que se estaria transferindo a carga das empresas intensi23


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vas em mão-de-obra para aquelas não-intensivas. Qual é a importância disso? A importância é que isso vai interferir no investimento e na inovação tecnológica. Isso pode significar um desestímulo à inovação tecnológica. Há também um impacto imprevisível nos preços, porque algumas empresas, teoricamente, poderiam reduzir o preço na medida em que têm redução de encargo, se elas são intensivas em mão-de-obra. E as outras poderiam aumentar o preço. Então o resultado é indeterminado, correndo-se o risco de inflação. Além disso, a incidência sobre o lucro pode, na leitura dos economistas, pelo menos de alguns economistas, significar um desestímulo ao desenvolvimento tecnológico, ao investimento etc. O que acontece hoje? No mundo todo, apesar de tantos anos de discussão, não houve nenhum governo que tenha alterado a base da folha de pagamentos para, por exemplo, o valor adicionado, o que é inquestionavelmente um dado importante a ser considerado em nossa discussão. A contribuição social generalizada foi criada na França em 1991. Ela começou com um percentual bem baixinho, de 1,1%, e o interessante é que esse 1,1% incide sobre todas as rendas. Todas as rendas: renda-salário, renda-lucro, renda-juro, renda da terra, todas as rendas, inclusive aposentadorias. Quando isso foi criado, os recursos daí advindos eram direcionados aos benefícios que as famílias recebem. Para nós, no Brasil, fica um pouco estranho porque não existe uma coisa igual. Como disse anteriormente, na França 30% da renda disponível são transferências às famílias, porque lá a proteção social é muito mais larga do que aqui. Há o direito à moradia e mais uma série de outras coisas dentro da proteção. Então lá era 1,1% sobre todas as rendas, dirigido às famílias, para os benefícios familiares. Em 1993, aumentou para 1,3% e a destinação foi ampliada para abranger o risco velhice, mais especificamente a renda mínima à velhice, para aqueles que não contribuíram anteriormente. Ou seja – o que pode soar como uma heresia –, para o “pobre do pobre”. Em 1997, 1998, essa alíquota subiu para 4,1% e foi direcionada para a saúde. Apenas para efeito de esclarecimento, isso 24


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provocou uma grande polêmica, e a parte que é destinada à saúde é a única que pode ser deduzida no imposto de renda. A arrecadação da contribuição social generalizada representa mais do que 4% do Produto Interno Bruto (PIB) francês. Em 2000, essa contribuição conseguiu arrecadar 48 milhões de euros a mais do que o imposto de renda.

Brasil e América Latina Diante desses três paradigmas internacionais, como situo, em grandes traços, o Brasil e a América Latina? Nossa primeira característica é que a proteção social é incompleta, devido à presença majoritária da informalidade no nosso mercado de trabalho. No Brasil, 59,1% da população ocupada está na informalidade. Esse é um dado de 1997. Como a situação piorou muito, essa porcentagem pode estar maior. Mas não é só essa característica que define a proteção social em nosso país. A outra é a ausência quase completa do Estado no financiamento. O Estado brasileiro não aporta recursos na proteção social, para aposentadoria e saúde. Uma terceira característica é que a origem da proteção social na América Latina está relacionada ao sindicalismo e mesmo à construção do Estado, tendo sido formados, no caso brasileiro, as famosas Caixas e os famosos Institutos. Atualmente, em alguns países da América Latina, o Estado até participa do financiamento, mas sua responsabilidade se restringe à assistência. Nos países onde a proteção social não foi unificada, continuando a refletir a estrutura sindical, o nível de cobertura aos diferentes riscos é diferenciado entre os trabalhadores que estão em atividades distintas. O Brasil é o único país da América Latina que universalizou a saúde, porque nos outros países, na verdade, a cobertura depende da força dos sindicatos, da força dos trabalhadores num determinado nível de atividade. O Brasil é ainda o único país que adotou o conceito de Seguridade Social. E digo também que, até o momento, o Brasil é o único que não privatizou a Previdência. Mas, depois da Constituição de 1988, todos os governos insistiram e insistem em desconsiderar o conceito de Seguridade. Para 25


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quem trabalha na área, esse conceito é muito caro, pois, na medida em que se desconsidera o conceito de Seguridade Social, é possível provar que existe déficit. Então é a partir daí que há uma justificativa da existência de déficit. O déficit vai aparecer, em primeiro lugar, porque não são consideradas também as contribuições que o Estado deveria pagar como patrão. O Estado não é só Estado: na relação com o servidor ele é patrão e, tal como o patrão do setor privado, também deve contribuir, ao menos pelo que sempre indicou a nossa legislação. Lá fora é a mesma coisa. Quadro 4 Receitas e despesas da Seguridade Social Linha branca – próprias do Ministério da Saúde Receitas – Seguridade Social Em bilhões de reais, dezembro de 2001

RECEITAS Receita previdenciária líquida Outras receitas do

INSS

1999

2000

2001

64,583

64,376

65,427

0,484

0,619

0,647

Multas sobre contribuição Previdenciária

0,000

0,759

0,000

Cofins

40,485

44,640

48,898

Contribuição social sobre o lucro líquido

8,855

10,013

9,493

Concurso de prognóstico

1,303

0,542

0,545

Receita própria do Ministério da Saúde

0,760

0,662

1,007

Outras contribuições sociais

0,774

1,207

(nd)

CPMF

10,450

16,634

17,963

TOTAL DAS RECEITAS

127,693

139,453

143,980

O Quadro 4 mostra, por meio do conceito de Seguridade, as receitas e as despesas da Seguridade Social. Então, apenas para lembrar, Seguridade Social é a Previdência Social (o Regime Geral da Previdência Social), a saúde e a assistência. Pode-se perguntar: e o seguro-desemprego? Sim, ele faz parte, mas não o incluímos porque o seguro-desemprego é o único programa da Seguridade que tem recursos vinculados. Então, o que fazemos é simplesmente 26


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somar quanto é a despesa e quantos são os recursos da Seguridade Social, como aparece no Quadro 5. Quadro 5 Déficits ou superávits ?

Superávits da Seguridade Social: – R$ 26,64 bilhões (2000) – R$ 31,46 bilhões (2001) – R$ 32,96 bilhões (2002), em valores correntes. – Atenção: não inclui o PIS/Pasep e o FAT (receita vinculada). Superávits somando os servidores civis e militares (“contra” o conceito de Seguridade Social): – R$ 8,05 bilhões (2000) – R$ 7,16 bilhões (2001) – R$ 15,08 bilhões (2002).

Para resumir, basta dizer que em 2002 o superávit da Seguridade Social foi, arredondando, de 33 bilhões de reais. Se quisermos ampliar o conceito – exclusivamente para efeito de discussão, pois estaríamos ferindo o artigo 194 da Constituição –, poderemos introduzir no seu interior os servidores civis e militares. Mesmo procedimento: considera-se a contribuição dos servidores – de 11% sobre o total dos proventos –, a contribuição que o Estado deveria fazer e todas as despesas. Dessa maneira o superávit cai, mas ainda assim foram 15 bilhões de reais em 2002.

A exposição de motivos da

PEC

40

Diante desse superávit em nível federal, fica difícil entender a Exposição de Motivos da PEC 40. Isso não quer dizer que os estados não enfrentem problemas. Mas, quando nos debruçamos sobre a situação dos estados, vemos, por exemplo, que em 1988 foi prometido que todas as contribuições feitas até aquele momento ao 27


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Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) deveriam ter sido reembolsadas, e isso não aconteceu. Então, é muito complicado entrar nesse mérito. Dessa forma, a primeira coisa que me chamou a atenção na Exposição de Motivos foi o fato de ela tratar de um déficit que eu não reconheço. A segunda é algo que estou chamando de comparação indevida entre as aposentadorias dos servidores e do Regime Geral da Previdência Social. Na Exposição de Motivos é mencionado que a média das aposentadorias no Regime Geral, isto é, no INSS, é de 362 reais. Estranhei e resolvi calcular, verificando que a média foi “puxada” para baixo. Usando dados de 2001, se consideramos somente o trabalhador urbano, a média é de 473 reais e 71 centavos. Se consideramos somente os rurais, claro que o resultado é 180 reais, porque quase 100% dos rurais recebem um salário mínimo. Por que a média foi puxada para baixo? Porque foram somados aqueles que ganham um salário mínimo, que nunca contribuíram por causa de suas condições, com os outros, os contribuintes. E o resultado foi dividido por dois. Não é assim que se faz. Não se pode fazer assim, porque dessa maneira estamos misturando critérios diferentes; não existe servidor numa mesma situação que a do trabalhador rural. E tem mais, precisamos também excluir a aposentadoria por invalidez e a renda mensal vitalícia, que têm caráter assistencial. Dessa forma, para efeito do cálculo da média do benefício pago pelo INSS, exclui-se todo benefício não-contributivo, chegando-se ao valor de 657 reais para 2001. Se calcularmos para hoje, esse valor certamente será mais alto. Outra coisa que também me chamou a atenção é que em momento algum a Exposição de Motivos diz qual é a média da aposentadoria dos servidores em nível federal. Lá só é mencionado um valor, que é aquela aposentadoria altíssima de 53 mil reais. Assim, foi comparada uma média do INSS “puxada” para baixo com o mais alto valor da outra categoria. Eu me perguntei: mas qual é a média do servidor? Telefonei para o Ministério. O dado não é público... Outra questão, extremamente importante para nossa reflexão, é o fato de estarmos comparando aposentadorias, e não a renda da 28


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vida da pessoa. Por exemplo, se eu estivesse trabalhando no Estado, não há dúvida de que estaria ganhando menos. Isso porque o Estado, para um mesmo nível de qualificação, paga menos ao profissional do que o mercado. Mas existe uma diferença: dificilmente quem está na iniciativa privada vai de fato se retirar do mercado de trabalho quando se aposentar, pois no momento em que se aposentar sua renda cairá de forma acentuada. Por outro lado, o trabalhador do setor privado pode levantar o FGTS ao se aposentar, o que os servidores não têm direito. Já a renda do servidor continua a mesma quando se aposenta. Considerando esses aspectos, qual é a diferença entre os servidores e os trabalhadores do setor privado? O fato de que, na origem dos regimes próprios dos servidores – não só o brasileiro mas o de todo o mundo –, foi realizado um pacto entre o Estado e seus funcionários: “Você vai trabalhar para mim, vai ser servidor, vai ser o representante do Estado diante da população, e eu vou garantir a você e aos seus cobertura durante toda a vida”. Em outras palavras, o compromisso foi garantir uma renda durante toda a vida do servidor. Como vimos, essa renda é, para o mesmo nível de qualificação, inferior à praticada no mercado. Mas se formos comparar a renda da vida toda, isto é, do período da atividade e da aposentadoria, entre um servidor e um assalariado do mercado formal do setor privado, verificaremos que elas tendem a ser iguais, indicando que os servidores não constituem segmento privilegiado. Há uma outra questão muito séria, que está na proposta de Reforma Tributária e precisa ser mencionada. O texto da Reforma Tributária introduz uma brecha para substituir a base salário pela base faturamento. Como economista, acho isso um desastre, pois não há experiência como essa no mundo. Ainda por cima, tal procedimento não vai garantir geração de emprego, como muitos pensam equivocadamente. E, além do mais, na medida em que se passa para a base faturamento, quebra-se o caráter da nossa aposentadoria, pois ela deixa de ser um salário da inatividade, que se funda no trabalho. Evidentemente, sou a favor de uma renda básica para todo mundo, regida pelo princípio da cidadania. Mas para isso ser feito seria preciso mudar realmente muita coisa. Para 29


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começo de conversa, não se poderia mais pagar a dívida, porque o conceito de renda básica somente é compatível com um financiamento baseado em impostos. Sem pensar esses outros aspectos, com a proposição de mudança de base da folha para o faturamento, corre-se o risco de estarmos propondo o desmonte de algo imperfeito e de não colocarmos nada no lugar. Eu sei que o sistema atual não é bom, que está deixando de lado quase 60% da população ocupada, mas sei também que é o melhor da América Latina. A partir dessa leitura, olho para a Exposição de Motivos e digo: “Ao fim e ao cabo a motivação da proposta é fiscal, porque seu resultado imediato é o aumento de arrecadação e a diminuição de despesa”. Como vocês sabem, embora a proposta vise o regime dos servidores, há um respingo sobre o Regime Geral, de forma que os trabalhadores do setor privado que contribuem pelo teto terão um aumento de 54% em sua contribuição... No caso da contribuição dos inativos, é prevista a geração mensal de 147 milhões de reais, uma mixaria diante das grandes despesas. E para que essa mixaria, se ela vai ferir algo extremamente importante? O que é uma contribuição? É um salário diferido, o direito a uma renda futura, o salário da inatividade. Portanto, quem está aposentado não pode contribuir. Ah, dirão alguns, mas tem gente recebendo muito! Muito bem, que a sociedade discuta e taxe essa gente. Mas não se chame isso de contribuição. Chame-se de qualquer outra coisa, mas não se ponha o nome errado. Um outro aspecto extremamente importante diz respeito às regras de transição. Qualquer sociedade tem o direito de modificar suas leis ao longo do tempo. Mas num regime democrático reconhece-se o passado ao se efetuar as alterações, e o reconhecimento do passado significa a existência de regras de transição. Não se pode simplesmente acabar com as regras de transição, tal como está sendo encaminhado na PEC 40. Para finalizar, gostaria de ressaltar que, no meu entender, a PEC 40 não avança na construção de uma proteção social universal, que era a tônica daqueles dois últimos paradigmas que mostrei na parte inicial de minha apresentação. É preciso, de forma urgente, avançar na cobertura da população hoje desprotegida. 30


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Einar Braathen

O modelo nórdico de Seguridade Social

É hora de trocar as experiências internacionais do socialismo democrático. Temos esperanças de que o país do futuro, o Brasil, possa estender os limites hoje enfrentados pela esquerda da Europa. Minha intervenção tem cinco partes. Primeiro, uma apresentação da vida na Seguridade Social, um exemplo norueguês. Segundo, o sistema de Seguridade Social da Noruega, que chamamos de seguro popular. Terceira parte, o sistema público de aposentadoria norueguês. Quarta parte, o modelo nórdico comparado ao de outros países desenvolvidos. Finalmente, quero apresentar o que considero os pilares que distinguem o modelo nórdico.

1. Vida na Seguridade Social, o exemplo norueguês No nascimento, temos assistência à maternidade, que dura um ano e equivale a 100% do salário, ou uma renda mínima. Também os pais têm uma assistência à paternidade. A mãe das crianças de 1 ano até 16 anos recebe uma renda mensal que chamamos seguridade da criança; é também uma renda universal. Os jovens, a partir dos 16 anos até o fim da educação pós-secundária, técnica ou universi31


O MODELO NÓRDICO DE S EGURIDADE SOCIAL

tária, recebem bolsa de estudos. É uma bolsa universal e também há possibilidade de um empréstimo subsidiado. Quando começamos a vida profissional, temos um financiamento subsidiado para a compra da primeira casa. Quem não encontra emprego conta com uma rede de apoio, que faz um “teste de meios”, ou seja, uma avaliação socioeconômica. Mães solteiras têm uma assistência de dez anos, com a condição de completar a educação. Divórcio: há uma pensão do marido subsidiada pelo Estado. É universal, até os filhos completarem 16 anos. Em caso de doença, o trabalhador recebe seguro: os primeiros 14 dias são pagos pelo empregador e depois pelo Estado. Equivale a 100% do salário. Depois de um ano, há uma reabilitação, para outra atividade, de até três anos. No caso de as pessoas não serem reabilitáveis, recebem seguro permanente até a aposentadoria. Para o desemprego, há seguro-desemprego, equivalente a 70% do salário, pago pelo Estado por até três anos, sob condição de se fazer treinamento para outro trabalho. Finalmente, vem a aposentadoria, voluntária aos 62 anos para trabalhadores sindicalizados, paga pelos empregadores e pelo Estado. A aposentadoria universal é oferecida ao se completar 67 anos, sendo igual para homens e mulheres. Tudo é pago pelo Estado. Temos de levar em conta que a expectativa média de vida nos países nórdicos é de cerca de 80 anos.

2. O seguro popular Temos um sistema administrativo, único e estatal, que se chama seguro popular ou seguro do povo. Consome 30% do orçamento público, 16% do Produto Interno Bruto. Inclui assistência médica, medicamentos, seguro de doença, seguro-desemprego e, finalmente, aposentadoria. A aposentadoria consome 50% do gasto anual do seguro popular. Esse sistema começou em 1948, quando o plano foi aprovado pelo Parlamento, e completou-se em 1967. É importante notar que isso ocorreu antes de a Noruega se transformar num país rico devido ao petróleo. O financiamento é por meio do 32


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

sistema de impostos. Os empregados contribuem com 7% dos seus salários, os empregadores com 30% sobre a folha de salários. Em princípio, os déficits do sistema são garantidos pelo Estado, mas hoje o sistema está equilibrado, temos mais ativos do que inativos. Dois ativos para cada inativo, graças ao alto nível de emprego.

3. Sistema público de aposentadoria norueguês História: o sistema foi introduzido pelos municípios controlados pelo Partido dos Trabalhadores da Noruega, que tem 120 anos. Em 1935, esse partido assumiu o governo nacional, no qual permaneceu por 30 anos. No primeiro ano de governo, em 1936, foi adotada a aposentadoria universal para os “não-ricos”, aproximadamente 60% da população, de acordo com uma avaliação socioeconômica (“teste de meios”). Em 1969, o sistema foi universalizado para todos. Agora o sistema tem dois componentes: primeiro, uma aposentadoria básica para todos, que acompanha o salário médio dos trabalhadores do setor privado e, atualmente, representa 45% do valor desse salário médio. Mas, quando o salário dos trabalhadores aumenta, a aposentadoria também aumenta. Há negociações coletivas anuais entre a associação de aposentados e o Estado. O segundo componente é uma aposentadoria complementar, de acordo com o salário. Baseia-se na média dos 20 melhores anos de salário, o que significa que a maioria dos trabalhadores recebe entre 70% e 80% do valor do seu último salário.

4. O modelo nórdico comparado Agora chegamos ao modelo nórdico comparado ao de outros países desenvolvidos, membros da Organização Econômica para Cooperação e Desenvolvimento (OECD), os países industrializados, capitalistas, que têm boas estatísticas. Nos países desenvolvidos existem quatro modelos de aposentadoria pública. O pior é onde só há um mínimo de aposenta33


O MODELO NÓRDICO DE S EGURIDADE SOCIAL

doria, baseado em “teste de meios”, ou seja, avaliação socioeconômica, como por exemplo na Irlanda e na Suíça. O segundo modelo consiste em um mínimo de aposentadoria (baseado em avaliação socioeconômica) complementada com aposentadorias que têm por base a renda. Vigora na Bélgica, na França, na Itália, na Áustria, na Alemanha, no Japão e nos Estados Unidos. Esse é o modelo que o Banco Mundial quer mundializar ou globalizar. Terceiro tipo, modelo universal único. Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Dinamarca aplicam esse modelo. E, finalmente, o quarto modelo, que chamo de modelo universal dual. Uma aposentadoria básica para todos, complementada por aposentadoria baseada em renda. Vigora na Noruega, na Suécia, na Finlândia, na Holanda e parcialmente na Inglaterra. Entre os países que adotam esse modelo também há variações na generosidade da aposentadoria. A Suécia, a Noruega e a Dinamarca se destacam por ter o sistema de aposentadoria mais generoso. Vamos ver agora os indicadores sociais e os indicadores de renda. Nesses países, falamos de pobreza relativa. Então uma pessoa é classificada como pobre quando sua renda é menor que 50% da renda média. Essa é a fórmula que a OECD utiliza. Na Finlândia, 3% da população são pobres relativamente. Na Noruega e na Suécia, 6%. E são essas as pessoas normalmente marginalizadas no mercado de trabalho. Jovens com problemas de drogas ou outros problemas psicossociais, alguns imigrantes que não conseguem se integrar na sociedade nórdica e outros tipos. Mas há um sistema de redes de apoio organizado pelos municípios em que eles podem ser incluídos, o que depende do trabalho de assistência social. É bem desenvolvido. Na Inglaterra, depois de mais de 20 anos de liberalismo, continuado pelo governo trabalhista de Tony Blair, a pobreza é de 20%. Portugal tem o maior nível de pobreza na Europa, com 24%. Nos Estados Unidos, a pobreza relativa é de quase 40%. Então, destacam-se algumas características do modelo nórdico: a relação entre o gasto público e o resultado social é muito bom. Há outros países que gastam mais relativamente, mas com 34


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

piores resultados. França, Alemanha, Áustria e até Itália gastam mais dinheiro no setor social do que a Noruega, mas o nível de pobreza e desigualdade é muito mais alto. Uma outra característica é que, nos países nórdicos, 35% dos gastos sociais são destinados aos serviços e bens públicos universais. A média dos outros países da OECD é 10%, uma grande diferença. Nos outros países há muita transferência de dinheiro, mas poucos serviços universais, públicos.

5. Hegemonia do socialismo democrático Finalmente, quero apresentar o que considero os quatro pilares que distinguem o modelo nórdico. Primeiro: o Estado é a instituição central, tanto como organizador quanto como financiador. Segundo: provisão de serviços e bens públicos universais pelo Estado. Terceiro pilar: administração descentralizada pelos governos municipais. Há pesquisadores que chamam o modelo de “bem-estar municipal”, “municípios de bem-estar”, e não “Estado de bem-estar”. Há uma ligação bem estreita entre o Estado central e os municípios, e o Estado financia todas as atividades de serviços sociais dos municípios, mas a administração descentralizada tem muitas vantagens. Tem a participação ativa dos trabalhadores sociais públicos e também o controle social da população, feito por meio de comitês municipais. Esse modelo sobreviveu aos ataques neoliberais pela força do caráter democrático da gestão estatal. Agora, na Noruega, estamos com um governo minoritário, de centro-direita, mas que ainda não consegue atacar o sistema social – ou não tem coragem para tanto. O quarto pilar, que talvez seja o mais importante, sobretudo em situações de crise econômica, é a política pública de pleno emprego. Temos políticas anticíclicas institucionalizadas. A participação no mercado de trabalho é a mais alta no mundo, especialmente entre mulheres: 75% trabalham, e quase 90% dos homens trabalham. O desemprego nunca atingiu 4% da população ativa. Houve variações. Por exemplo, na Finlândia e na Suécia houve um choque econômico depois da queda do sistema soviético, com um 35


O MODELO NÓRDICO DE S EGURIDADE SOCIAL

grande aumento do desemprego, mas agora a situação se equilibrou num nível de desemprego entre 4% e 5%. Os recursos públicos, em vez de serem gastos no seguro-desemprego, são investidos no fomento ao emprego. Essa política e o alto nível de emprego geral mantêm o financiamento do seguro popular, além de o alto nível de empregos públicos assegurar a produção de serviços públicos universais. Concluindo, quero destacar que o fundamento desse modelo, o que interliga os quatro pilares, é a hegemonia ideológica e cultural do socialismo democrático, que os não-socialistas preferem chamar de social-democracia.

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A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Laura Tavares Soares

Reforma da Previdência: a experiência da América Latina

Vou abordar a questão da Previdência na América Latina. Então, depois do paraíso nórdico, vamos descer ao purgatório latino-americano, com algumas cenas de inferno. Já foi apresentado aqui um panorama dos fundamentos iniciais de que eu iria tratar, quer dizer, o debate sobre as reformas: os antecedentes, o histórico do debate, a maré montante da hegemonia neoliberal e, sobretudo, o retorno da ortodoxia. O debate sobre a crise do Estado de bem-estar social ocorre pelo menos desde os anos 1970. Esse debate estava centrado na relação entre crise do bem-estar social e crise econômica, ou seja: se o Estado de bemestar social provocou a crise econômica capitalista no mundo ou se a crise capitalista é que provocou a crise do bem-estar social. Isso parece, mas não é, algo trivial, e existem várias subtendências a partir dessas duas posições centrais. Obviamente, eu me filio àquela que considera a crise do Estado de bem-estar social fruto de uma crise capitalista monumental, no mundo inteiro, portanto fruto da crise econômica, e não o contrário. A tese dominante na América Latina é a de que nunca tivemos um Estado de bemestar social neste continente, de que nem sequer conseguimos construir esse projeto. Em alguns países, na tentativa de começar a cons37


REFORMA DA P REVIDÊNCIA

truí-lo, como foi o caso brasileiro, fomos interrompidos pela maré neoliberal, que dizia sermos demasiadamente generosos e que essa crise ia nos atacar. Um outro componente é o ataque ideológico ao Estado. Toda essa ideologia da supremacia do privado sobre o público – e o fantástico é como isso permanece até hoje. A classe média está sofrendo os evidentes impactos da péssima prestação de serviços privatizados e, no entanto, continua a ideologia de que o privado é melhor que o público. Esse é um lugar-comum que, infelizmente, se tornou hegemônico em nossos países, devidamente bancado pela mídia. Venho estudando o impacto do ajuste neoliberal há pelo menos 13 anos. Defendi uma tese sobre o impacto do ajuste neoliberal nas políticas de Seguridade Social na América Latina em 1995. Era o início do governo Fernando Henrique Cardoso, e eu e outros tantos neste país fomos tachados de neobobos, pessimistas, catastrofistas. O que tentávamos dizer na ocasião, e continuamos tentando dizer agora, refere-se aos riscos que o Brasil corria, e que ainda pode correr, do ponto de vista do seu projeto social e de construção, se não de um Estado de bem-estar social, de algo equivalente, de um sistema de proteção social que vá em direção à universalidade. Nós sempre padecemos do caráter mais ortodoxo dessas políticas, quer dizer, se havia alguma ortodoxia das políticas neoliberais nos países centrais, nos periféricos essa ortodoxia foi muito maior, não só no plano econômico, mas principalmente no social. A ideologia neoliberal foi avassaladora do ponto de vista da construção de propostas no terreno social, em relação tanto às idéias como aos projetos. O processo de ajuste neoliberal teve um duplo impacto: o agravamento da situação anterior e o surgimento de novas situações de desigualdade e exclusão. Quer dizer, além de não resolver a nossa antiga estrutura de miséria e de desigualdade, gerou uma nova exclusão, com todo esse contingente de desempregados e com a classe média em condições precárias. A classe média hoje também sofre com o desemprego de pessoas qualificadas. 38


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Além do impacto direto do ajuste, houve uma sinergia perversa entre esse agravamento da situação social da população e o chamado desmonte das políticas sociais. Ou seja, não contente em provocar um impacto social direto na vida das pessoas, também foram desmontadas as precárias e preexistentes políticas sociais da América Latina. Na tese já alertava que, dependendo do grau de destruição dessas políticas, se tornaria muito difícil a sua reconstrução. Acho que estamos sofrendo essas conseqüências até hoje no Brasil. O Chile sofre há muitos anos, a destruição lá foi monumental, foi a experiência neoliberal mais radical da América Latina. Hoje, conversando com companheiros chilenos que tentam iniciar ou retomar o início de reconstrução de políticas sociais universais, vejo as dificuldades de desprivatizar o sistema e de tentar remontar as políticas universais; não é fácil. Portanto, o grau de destruição, a chamada herança que a América Latina recebe, mesmo nas tentativas de voltar atrás, é muito complicada. Existe uma relação entre a estruturação anterior das políticas sociais e as mudanças sofridas pelo ajuste. Dessa forma, existem diferenças entre os países do ponto de vista do impacto sobre a política social. Um primeiro padrão seria o impacto radical sobre a política, como foi o caso chileno. Houve uma total privatização do sistema de proteção social, radicalmente oposto ao modelo e ao sistema anteriores. Um segundo tipo de impacto é quando as estruturas – e isso vale para a grande maioria dos países americanos – eram já, anteriormente, muito frágeis quanto ao bem-estar social, a aparatos públicos de proteção social e a políticas sociais. Nesses países, o neoliberalismo deu “de lavada”, porque diante de estruturas frágeis de proteção ele se introduziu com uma avalanche de políticas focalizadas de combate à pobreza, de substituição do Estado por organizações não-governamentais etc. O caso do Peru é um dos mais radicais nesse sentido. Lembro-me de ter dado um curso de mestrado em Saúde Pública no norte do Peru em que todos os meus alunos eram de organizações não-governamentais. Quer dizer, o Estado não assume sequer a Saúde Pública. 39


REFORMA DA P REVIDÊNCIA

Uma outra estrutura, à qual o Brasil pertence, é a da tentativa de destruição ou de desmontagem de estruturas já consolidadas (como a da Previdência) ou de sistemas em processo de construção em novas bases (como o Sistema Único de Saúde – SUS). Nós nunca tivemos um processo de destruição tão radical como a maioria dos países latino-americanos, mas sim a desmontagem de um processo que estava em andamento. Estávamos avançando na segunda metade dos anos 1980 – culminando com a Constituição de 1988 e com a construção da Seguridade Social, o projeto de proteção social mais generoso da América Latina. Nos anos 1980, quando estávamos definindo e votando a nossa Constituição, éramos considerados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial a “ovelha negra” da América Latina. Éramos o único país da América Latina, na ocasião, que não seguia à risca o modelito. Ao contrário, votamos uma Constituição que ampliava a proteção social brasileira. Portanto, no nosso caso, o modelo é de uma tentativa de interrupção, mediante o desmonte e a deterioração. Nós preservamos o SUS, um patrimônio do Brasil: é a única possibilidade de acesso aos serviços de saúde para a grande maioria da população sem capacidade de “comprá-los no mercado”. E, no entanto, por meio do desmonte, dos baixos salários e das más condições de trabalho dos servidores, bem como de nenhum investimento durante toda a década de 1990, os serviços caíram muito de qualidade. Esta foi a estratégia utilizada em toda a América Latina: desmontar e tornar o serviço público tão ruim que as pessoas deixassem de procurá-lo, sobretudo a classe média. O crescimento dos seguros privados de saúde prosperou nesse modelo. Existem diferentes configurações de Seguridade Social na América Latina. Evidentemente os sistemas – quando as políticas neoliberais bateram na América Latina nos anos 1980 e, no caso brasileiro, nos anos 1990 – tinham configuração diferente, de acordo com a sua história. O Brasil certamente foi o que conseguiu construir um sistema mais abrangente, inclusive do ponto de vista da cobertura, desde a unificação da Previdência Social – paradoxalmente construída num regime autoritário. Como diz Wanderley 40


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Guilherme dos Santos, a tragédia da política social brasileira é que seus momentos de unificação, de expansão e ampliação quase sempre coincidiram com períodos autoritários. Isso aconteceu nas ditaduras dos anos 1930 e dos anos 1960/1970. Esse aspecto é importante, não há como deixar de levá-lo em conta, e quero pôr acento nisso, porque vou falar da fragmentação em seguida. A unificação da Previdência Social significou a possibilidade de construir um sistema cuja cobertura superou em muito a média da América Latina. Isso permitiu, entre outros pontos, a cobertura dos trabalhadores rurais, que na maioria dos países permaneceram excluídos. O Chile foi o modelo inaugural de reforma, e a partir dele é que se construiu o famoso Consenso de Washington. Lá, as reformas da Seguridade Social sempre foram acompanhadas pelos pacotes de financiamento do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ou seja, a Reforma da Previdência estava rigorosamente incluída nos acordos com o FMI. A ideologia que passou a ser dominante, em todos os governos latino-americanos, foi a do caráter “imprescindível” das reformas para o ajuste, seguido pela estabilização e – quiçá – pelo crescimento econômico. Este é um debate central. Todos conhecem as condicionalidades do FMI: diminuir o déficit fiscal, promover a reforma do Estado, aumentar a competitividade das empresas reduzindo os custos sociais e flexibilizando a mãode-obra, e as reformas da Seguridade Social. O Brasil foi retardatário no processo de entrada do neoliberalismo e eu gostaria de citar as palavras da professora Sulamis Dain, que escreveu o prefácio da minha tese – e ela escreveu isso em 1999, logo depois da Reforma da Previdência do governo Fernando Henrique: “Para nós, brasileiros, a comparação com a América Latina é particularmente dolorosa por demonstrar que, assim como na industrialização, também no plano das políticas sociais o Brasil foi a região que mais avançou na direção da construção de um modelo de base sólida na garantia de direitos universais [não estou dizendo aqui que conseguimos construí-lo, mas, se comparado com o resto da América Latina,

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REFORMA DA P REVIDÊNCIA

nós fomos o que mais avançamos] e que resistiu por mais tempo ao ideário ortodoxo. Nele, e em suas conseqüências, estamos entretanto mergulhados [naquela ocasião, em 1998, com Fernando Henrique] numa adesão tardia, porém profunda, às virtudes do mercado”1.

Este é outro ponto, o Brasil entra tardiamente, mas sempre “recupera o tempo” com rapidez e profundidade. Quer dizer, Fernando Henrique conseguiu em oito anos o que muitos países da América Latina não conseguiram em 20 ou em 15 anos.

O impacto das reformas Qual foi o impacto econômico e social das reformas da América Latina? Baseio-me no último relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), que é um órgão das Nações Unidas, sobre o panorama social da América Latina nos anos 1990. Mesmo para mim, que venho acompanhando esses relatórios e sou estudiosa do assunto, os indicadores são impactantes. Em todos os países envolvidos as reformas foram feitas. E quais foram os resultados? Pois bem, em relação a toda aquela alegação de que as reformas eram imprescindíveis para o crescimento, as evidências não demonstram isso, pelo contrário. São países que tiveram um crescimento econômico medíocre ou inexistente, cuja vulnerabilidade financeira se aprofundou, em que o endividamento público aumentou, em que houve uma generalização da precarização do trabalho, taxas de desemprego inéditas na história desses países – obviamente o caso da Argentina é o mais gritante –, o desmonte das instituições públicas estatais, a redução e a eliminação da universalidade dos serviços, a focalização com acompanhamento da exclusão. Há um comentário inédito nesse relatório da Cepal, em que se reconhece que a perda da universalidade das políticas sociais

1. Prefácio de Sulamis Dain, in: SOARES, L. Tavares. Ajuste neoliberal e desajuste social na América Latina. Petrópolis, 2001.

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latino-americanas levou a um aumento da exclusão. E que o excesso de focalização do gasto social nos pobres não só não incluiu todos os pobres, como também deixou de fora boa parte da classe média precarizada, sem emprego, que hoje está numa grave crise de acesso a serviços de infra-estrutura básica na América Latina. Nesse ponto, o relatório da Cepal conclui que a classe média latino-americana provavelmente está “em extinção”, em contraponto a uma tendência histórica de 30 anos, crescente, de formação das classes médias latino-americanas. E isso é visível a olho nu. Nos cursos que dou na América Latina, constato que a nossa classe média ainda tem alguma “gordura” a perder – resta saber para quê. Mas a classe média dos países latino-americanos vive em condições próximas da pobreza. Só que a pergunta é: o empobrecimento da classe média resolveu a pobreza dos outros? Não! Esse empobrecimento nem resultou na melhoria das condições de pobreza nem num padrão de maior igualdade social. Além de não resolver a pobreza, a conseqüência mais grave dessas reformas que supostamente iriam promover o crescimento econômico foi um brutal aumento da precarização, com uma queda generalizada de todos os empregos, mas principalmente dos empregos públicos. E a Cepal também afirma – vou citá-la por ser um organismo acima de qualquer suspeita – que o Estado latino-americano foi de tal forma desmontado que se tornou inviável a sua própria reforma. Quer dizer, o Estado se fragilizou no social na maioria dos países, com péssima qualidade dos seus serviços, com servidores mal-remunerados e com perda de emprego. Aliás, o texto também ratifica que com isso se perdeu uma importante arma da política social latino-americana. Quanto à situação do emprego, os autônomos ou os chamados “por conta própria” aumentaram a sua participação. As pequenas empresas privadas aumentaram apenas 3%. De 65% a 95% dos ocupados hoje, na América Latina, não têm nenhum contrato de trabalho. De 65% a 80% da população latino-americana não têm proteção social nem de saúde. E a cada dez novos empregos criados na América Latina, na década passada, nove 43


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foram na área de serviços e 8,1 foram informais. Ou seja, nessa condição se encontram 80% dos empregos gerados na América Latina na década de 1990. Sabemos que o chamado setor “informal” é heterogêneo, e que existem trabalhos bem-remunerados na informalidade, mas a Cepal também afirma que a grande maioria da informalidade latinoamericana é precária, com empregos de baixa produtividade e baixos salários. O desemprego aberto atingiu na última década a sua maior taxa histórica, quase 12% em média. Se forem analisadas as regiões metropolitanas, as regiões mais deprimidas da América Latina e os trabalhadores de baixa renda, esse desemprego chega, em alguns casos, a 30% ou 40% da população.

O modelo do Banco Mundial Vamos ver quais foram as bases, os pilares da reforma neoliberal. O modelo do Banco Mundial tem três pilares. Uma Previdência básica, fundamentada num sistema ainda de repartição, gerenciado pelo Estado, embora de caráter assistencial. Ou seja, é o que alguns autores chamam de Previdência para os pobres, que, no fundo, é o que eles consideram a assistência social, mas assim mesmo garantindo alguma renda mínima para isso. O financiamento desta Previdência “básica” é fiscal. O segundo pilar é baseado no modelo de seguro social, em que os planos de poupança individuais ou planos ocupacionais – os chamados Fundos de Pensão – são considerados essenciais e financiados pela contribuição de salários. Esse pilar seria obrigatório e gerenciado pelo sistema privado, aberto ou fechado. O terceiro pilar é, aí sim, voluntário. Seria uma espécie de poupança adicional ao seguro, em que cada pessoa, individualmente, vai buscar um Fundo de Pensão privado, bancário, para complementar a sua renda. Vários países já fizeram a reforma previdenciária: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, México, Nicarágua, Peru, República Dominicana e Uruguai. Na época em que 44


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se realizou esse estudo, no final dos anos 1990, apenas Brasil, Venezuela, Equador, Guatemala e Paraguai ainda não haviam feito a reforma com base no modelo do Banco Mundial. Todas essas reformas têm algumas características comuns na América Latina: a “racionalização” e a unificação dos chamados regimes gerais e especiais. O Banco Mundial fazia o diagnóstico de que a Previdência anterior, além de ser pública e estatal, o que eles não gostavam muito, estava muito fragmentada: com múltiplos regimes e com “privilégios”, entre eles os dos servidores públicos. Em todos esses países onde foram feitas as reformas, o papel do Estado mudou e passou de uma função de financiamento e administração direta da Seguridade para uma função essencialmente financiadora e regulamentadora. Ele deixou de ser o prestador final dos benefícios e serviços, delegando essa função para os Fundos de Pensão privados. Afinal, quais foram os resultados dessas reformas da Seguridade na América Latina? As hipóteses dos defensores das reformas não foram confirmadas. A chamada “concorrência” não reduziu os custos dos fundos de administração de pensões. Essa era uma tese central dos partidários da reforma: se houvesse uma gestão privada, feita por vários agentes, a concorrência entre eles iria baixar os custos. Isto não aconteceu. Ao contrário, houve uma brutal concentração dos fundos, com monopolização dos preços. O Chile tem hoje cerca de oito grandes fundos, sendo que três deles concentram mais de 60% dos cotistas, portanto é um mercado oligopolizado. O sistema não se tornou mais eficiente, tal como alegado, do ponto de vista dos custos. Ao contrário, os custos de administração desses fundos são elevadíssimos, oscilando entre 19,2%, no México, e quase 25% na Argentina. Tudo financiado exclusivamente pela contribuição do trabalhador. Na Argentina, 25% do que o trabalhador contribui é para os Fundos de Pensão fazerem propaganda e marketing deles mesmos e dos seus serviços. Vale a pena comparar com o Brasil, em 2001, onde os resultados dos custos administrativos do INSS foram de 6,2% da arrecadação total, evidenciando que o nosso custo foi extremamente infe45


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rior, mesmo no sistema público centralizado, se comparado aos dos Fundos de Pensão. Um dos aspectos centrais da crise fiscal da Argentina foi a Reforma da Previdência: o resultado fiscal dessa reforma foi passar de um superávit de 2,2 bilhões de dólares, em 1993, para um déficit de quase 7 bilhões de dólares no final da década. Isso pelo lado fiscal. Já o déficit previdenciário corrente passou de 900 milhões de dólares para 6,7 bilhões de dólares. Eis o déficit previdenciário da Argentina ao mudar seu sistema 2. Contrariando, portanto, a suposição de que um sistema privado resultaria também na transferência regular de contribuições e na redução da evasão, existem sérias divergências entre os estudiosos desse modelo. Dos contribuintes ativos, entre o número de filiados e a correlação de filiados e contribuintes ativos nos sistemas, temos hoje somente entre 48% e 53%, na média, na Argentina, na Colômbia e no Chile. Quais são os principais problemas do modelo privado de Fundos de Pensão? Uma péssima cobertura dos trabalhadores e o nãoincentivo à filiação, como se alegava. Qualquer documento que defenda os Fundos de Pensão afirma que é muito mais fácil diminuir a evasão quando há contribuição e/ou vínculo de filiação individual. Isso não se comprovou nem no caso chileno, nem em nenhum país latino-americano, onde os chamados autônomos ou informais continuam não se vinculando e a taxa de exclusão continua elevada. Hoje, no Chile, do ponto de vista do rendimento desses fundos – e esse é o dado mais incrível –, 40% das aposentadorias mínimas, que correspondem a 80% do valor do salário mínimo, são complementadas pelo Estado chileno. Isto é, nos Fundos de Pensão a capitalização não consegue sequer cobrir uma aposentadoria mínima ao término do período de contribuição legalmente previsto. O presidente da Central Única dos Trabalhadores chilena

2. Quero registrar aqui que colhi esses dados de um estudioso de Campinas, chamado Milton Majestic, que tem acompanhado os debates e tem muitos dados interessantes a respeito disso.

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afirma claramente, como vários outros críticos, que o sistema pode entrar em colapso em 2005... O déficit da transição chilena foi de 25% do PIB nos anos 1980, e a previsão é de que o déficit continue até 2030, e o Estado terá que continuar a “dar cobertura” para compensar essas “falhas” do sistema privado. Uma coisa importante é a composição da carteira – e a idéia central por trás disso é que os Fundos de Pensão contribuiriam para o desenvolvimento econômico. Do ponto de vista dos investimentos desses fundos, apenas 7% dos investimentos dos fundos latino-americanos (na média) foram para o mercado de ações e para investimentos. Mais de 60% dos recursos desses fundos foram para o mercado financeiro e, sobretudo, para financiar o pagamento dos títulos da dívida pública dos respectivos Estados e governos. Um jornalista me perguntou se esse modelo não gera poupança. Gera. A poupança privada é monumental, mas no fundo temos uma situação de transferência de poupança pública para a poupança privada. E a questão central é que essa poupança privada não gera necessariamente crescimento, desenvolvimento e muito menos emprego. Repito: o Chile, que é o modelo, a coqueluche dessa história dos Fundos de Pensão e que tem 45% de poupança gerada por esses fundos, não conseguiu diminuir as suas taxas de desemprego, apresentando um crescimento econômico que, se em algum momento foi o maior da América Latina, não foi por causa dos Fundos de Pensão. Os próprios economistas chilenos hoje reconhecem que foi muito mais por um modelo exportador de commodities. Enfim, eles conseguiram um nicho no mundo que permitiu criar um modelo exportador que possibilitou algum grau de crescimento econômico. Nada a ver com os Fundos de Pensão. Em contrapartida, o nível de emprego não aumenta, a pobreza não diminui, muito menos a informalidade etc. Quais são os principais problemas da capitalização? E aqui vale tanto para os fundos abertos como para os fechados. Primeiro, a taxa de reposição extremamente incerta, um custo altíssimo de transição e manutenção, e nenhum poder redistributivo. Quando se discute a questão da unificação ou da construção desse modelo 47


REFORMA DA P REVIDÊNCIA

misto, um modelo geral, que seria o básico, com o complementar em fundo de pensão, resta saber qual vai ser o tamanho desse modelo aqui. Qual vai ser o tamanho desse sistema público de repartição que é o único com algum poder redistributivo. Sistemas de capitalização, seja qual for a forma (aberta ou fechada), não têm poder distributivo, pois seu modelo é individualizado. Há uma brutal transferência da poupança pública para a poupança privada, e nenhum retorno para os empregos.

Os mitos da questão previdenciária Para finalizar, gostaria de comentar os dez mitos que Joseph Stiglitz – ex-diretor do FMI e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001 (sendo, portanto, “fonte insuspeita”) – aponta na questão dos Fundos de Pensão. “As contas individuais aumentam a poupança nacional”: esse é o mito número um. É um mito, ou seja, isto não acontece. Segundo mito: “As taxas de retorno individual, no sistema de capitalização, são superiores às do sistema de repartição”. Não é verdade. Pelo contrário, as incertezas na capitalização, tal como já vimos, são muito maiores. “As taxas de rendimentos, no sistema de repartição, refletem problemas fundamentais e têm impactos econômicos.” Outro mito, não há confirmação de que o impacto econômico que o “generoso” sistema de repartição tinha sobre a economia ia ser resolvido pela substituição pelo sistema de capitalização. Isso não se evidenciou. Muito pelo contrário. Quarto mito: “O investimento dos fundos fiduciários públicos em ações não tem efeitos macroeconômicos”. Esse é o problema do desenvolvimento do mercado de ações, a questão das bolsas e a instabilidade mundial. Hoje os economistas norte-americanos e alemães já estão criticando o mercado de ações como base para o seu desenvolvimento econômico. Isto para o mercado de ações “deles”, países capitalistas desenvolvidos, que dirá o nosso. Quinto mito: “Os incentivos no mercado de trabalho são melhores em um sistema de contas individuais”. Já vimos com exemplos que não há nenhum tipo de incorporação dos autônomos, de 48


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um lado, nem geração de emprego, de outro. Sexto: “Os planos privados de contribuição definida necessariamente outorgam mais incentivos para aposentadoria antecipada”. O sétimo é que “a competição entre os fundos assegura baixos custos administrativos”. Já mostramos que não. Agora, o oitavo mito, de economia política, é fantástico e era alegado pelo Banco Mundial: “Os governos corruptos e ineficientes oferecem uma argumentação para as contas individuais”. Segundo o Banco Mundial, o problema da corrupção dos governos afeta o sistema previdenciário, o que seria superado na gestão privada. Na América Latina, a gestão privada dos Fundos de Pensão foi muitas vezes questionada, inclusive do ponto de vista da sua eficiência econômica, para não falar de outros desvios e da própria corrupção. Nono mito: “As políticas de ajuda estatal são piores sob os sistemas de planos públicos de benefícios definidos”. Stiglitz faz uma defesa ferrenha destes planos, e outros autores críticos do modelo do Banco Mundial também argumentam que, se é para ter algum fundo, que seja de benefício definido, e não de contribuição definida. Último mito: “O investimento dos fundos fiduciários públicos sempre se realiza sem o devido cuidado e sua gestão é deficiente”. Acho que os modelos latino-americanos podem nos trazer algumas lições para reflexão, sobretudo no que diz respeito ao que considero ainda uma defesa do nosso patrimônio, do que nós ainda dispomos, que é a Seguridade Social prevista na Constituição de 1988. Espero que não sigamos o exemplo da América Latina naquilo que teve de negativo. Oxalá também não acompanhemos alguns mitos. Um mito em particular precisa ser estudado com muito cuidado: o de que um sistema de Fundos de Pensão vai gerar poupança e desenvolvimento. Não há evidência mundial sobre isso. Desloca poupança para o setor privado e não gera crescimento, desenvolvimento e, muito menos, emprego. Portanto, vamos prestar bastante atenção, olhar para os países latino-americanos, nossos irmãos, além de para outras experiências internacionais, do ponto de vista do que significaram as reformas. Aqui foram mostradas evidências sociais e econômicas das reformas 49


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da Seguridade e da Previdência Social em nosso continente. Espero que algumas dessas lições possam ser aprendidas e que olhemos para aquilo, eu insisto, que temos de patrimônio nosso. Vai ser lamentável se nós – nós, o PT –, que defendemos uma proposta generosa de política social, não abraçarmos a tese de que a Seguridade Social é a melhor política social para a distribuição de renda. Tese que, aliás, já demonstrou suas evidências positivas em nosso país. É um investimento. Eu nem sequer falaria em déficit, como os economistas fazem em toda a América Latina. Os que se contrapõem a isso apresentam o gasto com Seguridade Social como um investimento. É um gasto que gera emprego e renda e que redistribui a renda. Portanto, nesse déficit que muitas vezes enxergamos, seria interessante mostrar que existe um brutal investimento social. O exemplo da nossa Previdência rural está aí para quem quiser ver, sendo o único na América Latina. Para fechar, gostaria de dizer que, com a Proposta de Emenda Constitucional 40, alguns trabalhadores do setor público não privilegiados, que estão abaixo do teto, serão prejudicados. E nós temos uma responsabilidade enorme com esses trabalhadores, na medida em que seus direitos não representam privilégios, sobretudo pelas implicações sobre os direitos de cidadania da maioria da população brasileira que é atendida e assistida por esses servidores.

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Parte 2 – A história da Previdência Social no Brasil



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José Pimentel

Previdência Social – Aspectos, conceitos, estruturas e fatores condicionantes

Desde 1995 o Partido dos Trabalhadores e sua bancada federal têm tido o cuidado de promover o debate sobre a questão previdenciária. Naquele período, em 1995 e 1996, houve uma Comissão Parlamentar de Inquérito para discutir os Fundos de Pensão e a Previdência complementar. Dela resultou uma série de sugestões que foram incorporadas nas Leis Complementares 108 e 109, sobre as quais falarei mais adiante. Após a Emenda 20 – à qual o PT entregou uma emenda global substitutiva, que foi rejeitada no Congresso Nacional –, apresentamos três projetos de lei disciplinando a Previdência complementar. Desses três projetos, o de número 10 teve como coordenador o atual ministro Ricardo Berzoini e dele resultou a Lei Complementar 109, que é a da Previdência privada aberta. Eu coordenei o grupo de trabalho do Projeto de Lei Complementar 8, que resultou na Lei Complementar 108, sobre os Fundos de Pensão. E esses dois projetos foram aprovados na Câmara, com apenas quatro votos contrários. A Lei Complementar 108 deu maior transparência aos Fundos de Pensão. A Previdência brasileira tem dois grandes objetivos. O primeiro é garantir a reposição de renda dos seus segurados/contri53


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buintes, quando não puderem mais trabalhar. O segundo é evitar a pobreza entre as pessoas que, por contingências demográficas, biológicas ou acidentais, não podem participar do processo de produção da riqueza nacional, por meio do mercado de trabalho. Portanto, esses são os dois grandes princípios de onde partimos no debate para a elaboração de nossa proposta substitutiva, em 1995, e que permanecem válidos até hoje. Um dos pilares do nosso sistema de Previdência pública é o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), que oferece 13 modalidades de benefícios, considerados reais instrumentos de distribuição de renda no país. Aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por invalidez, aposentadoria especial, auxílio-doença, salário-família, salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão, auxílio-acidente, reabilitação profissional, abono anual e renda mensal vitalícia. Esses são os benefícios que o Regime Geral oferece à classe trabalhadora. O primeiro é a aposentadoria por idade, cujos parâmetros que o PT e o nosso governo estão mantendo são os mesmos registrados na Constituição de 1988. Para quem vive nas áreas urbanas (cidades), a aposentadoria por idade pode ser concedida aos 60 anos para as mulheres e aos 65 anos para os homens. Há três categorias especiais cujas aposentadorias são diferenciadas. A primeira é composta pelos agricultores familiares, pescadores artesanais e extrativistas. Para eles, a idade será de 55 anos, no caso das mulheres, e de 60 anos, para os homens. Outra categoria considerada especial é a dos trabalhadores da educação básica, que corresponde ao ensino infantil, ensino fundamental e ensino médio. Finalmente, vêm os trabalhadores expostos às atividades insalubres e/ou perigosas. As idades acima valem também para a concessão de aposentadoria proporcional, desde que comprovado tempo mínimo de contribuição. Esse tempo mínimo, em 1991, era de cinco anos para os trabalhadores da cidade, e a cada ano essa idade mínima sofre um acréscimo de seis meses, de modo a passar para 15 anos em 2005. O que estamos discutindo com o nosso governo e na Câmara dos Deputados é o retorno dessa idade mínima para cinco anos, para que todo homem e toda mulher possam de alguma forma con54


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tribuir para o sistema previdenciário, de modo a ter esse benefício na terceira idade. O segundo benefício é a aposentadoria por tempo de contribuição, que é a chamada aposentadoria integral. No Regime Geral, a regra permanente exige um tempo mínimo de contribuição de 30 anos para a mulher e de 35 anos para o homem, independentemente da idade. Pelas regras da Emenda 20/98, toda mulher da cidade que completar 30 anos de contribuição e todo homem da cidade que completar 35 anos de contribuição adquirem o direito de se aposentar, independentemente da sua idade. Para quem já estava no mercado de trabalho antes da Emenda 20, existe uma regra de transição que conjuga tempo de contribuição com idade de 48 anos (mulher) e 53 anos (homem). Por que não há idade mínima na regra permanente do Regime Geral? Porque se compreendeu que existe uma grande rotatividade de mão-de-obra na iniciativa privada, provocando descontinuidade no tempo de contribuição do beneficiário. Exatamente por isso, quando se analisam os 21,1 milhões de aposentados do Regime Geral, 70% deles se aposentam por idade, na proporcionalidade, e apenas 30% se aposentam por tempo de contribuição. Isso é resultado da inexistência da estabilidade no emprego, que caiu com o golpe de Estado de 1964. Aliás, quanto à falta de estabilidade no emprego, tenho algo a dizer. Fico estarrecido quando vejo alguns sindicalistas argumentarem que os servidores públicos são discriminados por não terem o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Isso é lamentável, porque todos conhecemos o motivo do fim da estabilidade. Espero que, no nosso partido, ninguém invoque como diferencial o FGTS para o servidor público, porque ele é uma penalidade para aqueles que não têm estabilidade. A aposentadoria especial, como já disse, é para três categorias. Uma é composta pelos trabalhadores rurais, da agricultura familiar, os pescadores artesanais e também os extrativistas. Nesse segmento, as mulheres se aposentam aos 55 anos e os homens aos 60, independentemente do tempo de contribuição. Em 2006, pelas regras em vigor, deles também seriam exigidos 15 anos de contribuição. 55


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Se mantivermos essa regra, eles teriam de ir para a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Mas o compromisso do PT e do nosso governo é mantê-los na aposentadoria especial. Estamos discutindo com a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) para que essa contribuição seja recolhida sobre a comercialização da safra, quando ela for feita por meio da política de preço mínimo que está sendo implantada. E o percentual que estamos discutindo com eles é de 2% a 2,5% sobre a comercialização, sem burocracia, comparado ao imposto do tipo Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), diferenciado para os trabalhadores rurais. Uma verdade precisa ser dita: a diminuição da contribuição influencia na formalização da geração de trabalho. O resultado da implantação do Simples, em fevereiro de 1997, mostra que cresceu a formalização de trabalhadores e houve aumento da arrecadação para o INSS nesse segmento rural, que estava fora do mercado. Portanto, os trabalhadores rurais continuarão com aposentadoria especial e é uma decisão do partido e do nosso governo transferir riqueza da cidade para o campo. Vamos fazer isso porque, hoje, 82% da nossa população está na área urbana e, na área rural, estão apenas 18%. Aqui, na área urbana, podemos até não ter um carro para passear, uma bicicleta para andar, mas precisamos do arroz e do feijão na panela. E só haverá o nosso arroz e feijão se lá na roça estiverem o nosso irmão e a nossa irmã trabalhando na agricultura, plantando e colhendo para dar dignidade a sua família. Por isso o PT e o nosso governo vão transferir riqueza da cidade para o campo, como subsídio para a aposentadoria na terceira idade. Em 2003, com a elevação do salário mínimo para 240 reais, essa transferência será superior a 20 bilhões de reais. E vamos modificar a lei para continuar havendo tal transferência. Também recebem aposentadoria especial os professores da educação básica. O tempo de contribuição da professora é de 25 anos e o do professor de 30 anos, independentemente da idade. Estamos mantendo esse segmento com uma aposentadoria especial não porque sua atividade seja desgastante ou perigosa, mas porque o homem e a mulher são obrigados a trabalhar, e quem 56


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complementa a educação dos nossos filhos na infância e na adolescência são os educadores, a professora e o professor. Como retribuição a esse segmento, o partido e o nosso governo estão mantendo sua aposentadoria especial com subsídios. O terceiro segmento com aposentadoria especial é composto pelos trabalhadores expostos a atividades perigosas e/ou insalubres. O benefício de se aposentar mais cedo será dirigido ao indivíduo, não à categoria, porque queremos que essas atividades insalubres ou perigosas deixem de existir. Queremos que os trabalhadores dessa área tenham uma vida mais longa, como todos nós, e não um prêmio por morrerem mais cedo, que é o conceito utilizado para os trabalhos insalubres e perigosos. Com o apoio das universidades, das pesquisas em ciência e tecnologia, aquelas atividades, hoje insalubres e perigosas, amanhã poderão deixar de sê-lo. É por isso que estamos mantendo o benefício, dirigido ao indivíduo, e não à categoria profissional.

Previdência, Assistência e Saúde A Seguridade Social foi estruturada na Constituição de 1988 com base em três grandes pilares: a Previdência, a Assistência e a Saúde. As principais fontes de financiamento da Previdência são as contribuições do trabalhador filiado, as contribuições do empregador sobre a folha salarial e, ultimamente, subsídios da sociedade por meio do Tesouro. Para evitar transferências de recursos para estados e municípios, desde 1995, o governo federal resolveu criar contribuições para a Seguridade Social, e não impostos (estados e municípios têm participação nos impostos, e não em contribuições). É exatamente por isso que o aumento da carga tributária, de 26% para 37% do PIB, em grande parte, se deu na Seguridade Social. Para transferir recursos desse aumento da carga tributária na Seguridade Social de modo a financiar outras estruturas do Estado, foi aprovada a DRU (Desvinculação de Receitas da União), que é o último nome da Lei de Desregulamentação do Orçamento. Portanto, é verdade quando dizemos que a Seguridade Social é superavitária. Mas esquecemos de dizer que grande parte da con57


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tribuição da Seguridade Social é regressiva sobre todo o sistema produtivo. Uma das contribuições mais regressivas é a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira), a outra é a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). E como é concepção do PT e do nosso governo desonerar a produção para gerar trabalho, riqueza e crescimento econômico com distribuição de renda, vamos ter de refletir sobre as fontes de custeio da Seguridade Social. Em abril de 2003, nosso governo emitiu a Medida Provisória 107, que desonera a Cofins de parte do setor produtivo e aumenta em 100% a mesma contribuição para os bancos, elevando-a de 2% para 4%. Passamos três semanas com a pauta do Congresso Nacional trancada, porque os representantes dos banqueiros não aceitavam essa elevação da Cofins para cobrir a desoneração dos setores produtivos, que foi objeto de um grande debate na Câmara Federal e no Senado. O nosso sistema previdenciário contempla os seguintes regimes: o Regime Geral, no qual estão os “trabalhadores do setor privado”, os trabalhadores domésticos, os autônomos, os assalariados, os servidores públicos municipais, que não foram para o Regime Próprio, e também os servidores públicos estaduais, das estatais como Banco do Brasil, Petrobras, Correios, Caixa Econômica Federal e tantas outras. Nesse regime há hoje 28,3 milhões de contribuintes e 21,1 milhões de beneficiários. O segundo regime é o dos militares federais, que na proposta do nosso governo será mantido como aposentadoria especial, com regime próprio. O terceiro regime é o dos funcionários públicos, que será modificado para se aproximar ao máximo do Regime Geral. A grande resistência aqui vem de segmentos que nós conhecemos e que possuem interesses não manifestos publicamente. O quarto regime é a Previdência complementar, que já está disciplinada na Lei Complementar 108, que trata dos Fundos de Pensão, e na Lei Complementar 109. Para os servidores públicos que forem admitidos, que tiverem remuneração acima de 2.400 reais, para não pairar nenhuma dúvi58


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da sobre o sistema de Previdência complementar, demos uma redação ao parágrafo 14, do artigo 40, segundo a qual o disciplinamento se dará nos termos do artigo 202 da Constituição, o qual, por sua vez, foi disciplinado pela Lei Complementar 109. No seu artigo 31, essa lei determina que todos os servidores da União, dos estados e dos municípios, da administração direta, autárquica, fundacional, economia mista e empresas públicas, terão Fundo de Pensão fechado1. E a Lei Complementar 108, no seu artigo 1o, também diz a mesma coisa. O projeto do PT e do governo é o sistema de repartição. Os recursos são recolhidos dos contribuintes atuais para cobrir os gastos com os aposentados atuais. Ou seja, há um pacto social entre gerações, em que os ativos financiam os inativos. Por isso o sistema de capitalização que o Chile implantou não serve para o Brasil, o PT não o aceita, nem o nosso governo. Ao contrário, estamos fortalecendo o sistema de repartição. É o sistema que o PT sempre defendeu ao longo da sua história e que o governo Lula está defendendo agora. No entanto, o sistema de Previdência brasileiro vive um momento crítico, resultante das mudanças sociais, culturais e de vida da população. Não são problemas isolados do nosso país. Nações em todo o mundo estão com dificuldades semelhantes. Hoje ocorre um processo de diminuição da natalidade no Brasil, ou seja, as famílias estão diminuindo e, por conta das novas tecnologias, das melhorias de saneamento básico e da qualidade de vida, felizmente, estamos todos vivendo mais. Quanto à taxa de natalidade, considera-se um ciclo que se estende de 1890 até 2050 e a previsão é de diminuição contínua. Em relação à expectativa de vida ao nascer, o homem tem uma expectativa de viver até 65,1 anos e a mulher até 72,9 anos. Essa diferença se dá por dois fatores básicos: 1) até 5 anos de idade, por conta ainda da fragilidade do tratamento

1. O texto final da Reforma da Previdência aprovado na Câmara dos Deputados, em agosto de 2003, definiu que o Fundo de Pensão do servidor público será de natureza pública, fechado, sem fins lucrativos e com gestão paritária.

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das crianças nas famílias mais pobres; 2) entre 15 e 25 anos de idade, a mortalidade é muito grande na nossa juventude masculina, provocando impacto na vida média dos homens. Já as mulheres tinham dois momentos de grande mortalidade. Um na infância, como os homens, que permanece. Outro na época em que tinham filhos. Com as novas tecnologias, houve uma diminuição na mortalidade feminina. E, ao ultrapassar os 40 anos de idade, a mulher tem uma longevidade maior do que o homem. É uma questão orgânica, exatamente por isso elas vivem mais. Vejamos alguns pontos. Contribuintes versus não-contribuintes (Quadro 1): temos 29,8 milhões de contribuintes e 40,7 milhões de não-contribuintes. Destes últimos, 18,7 milhões podem, imediatamente, ser conquistados para a nova Previdência, numa política de melhoria do atendimento, de combate à sonegação e à fraude, de redução da contribuição patronal e do autônomo. Quem são eles? Como mostra o Quadro 2, são 7,6 milhões de empregados sem registro em carteira, que estão em empresas que priorizam a mão-de-obra humana na produção dos seus serviços, nas suas várias formas de trabalho. Quadro 1 Contribuintes X Não-contribuintes da população ocupada total* – 2001 Existem 40,7 milhões de brasileiros que estão fora do sistema previdenciário, o que representa 57,7% da população ocupada total...

Contribuintes Não-contriTotal (a) buintes (b) (c = a + b)

% de cobertura (a/c)

% de nãocobertura (a/c)

29.883.440 40.696.703 70.580.143

42,3

57,7

Fonte: PNAD 2001/IBGE * Pessoas de 10 anos ou mais. Exclui militares e estatutários.

Somos um dos poucos países do mundo que punem o empreendedor que gera trabalho e premiam o que gera desemprego. A contribuição para a Previdência é 22% da folha bruta. Assim, pelas 60


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

leis em vigor, quanto mais o empreendedor priorizar a mão-deobra, mais caro será o custo da produção. Exatamente por isso estamos propondo, no primeiro momento, reduzir em 50% a contribuição do empregador, de 22% para 11%, e o objetivo é trazer esses 7,6 milhões de pessoas para a formalidade, para o INSS, para o reconhecimento dos seus direitos. Quadro 2 ... mas nem todos podem contribuir. Excluindo (I) pessoas que recebem menos de 1 salário mínimo e (II) pessoas com idade inferior a 16 anos e superior a 59 anos, chega-se a 18,7 milhões de pessoas potenciais contribuintes à Previdência Social.

Contribuintes X Potenciais contribuintes POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO Empregados Empregados com carteira Empregados sem carteira Trabalhador doméstico Trabalhador doméstico com carteira Trabalhador doméstico sem carteira Por conta própria Empregador N ão remunerados* TOTAL

Contribuintes (A) 22.886.767

Potenciais Total contribuintes (C) (B) 7.671.263 30.558.030

21.464.289

-

% de cobert. (A/C) 74,9

21.464.289

100,0

1.422.478

7.671.263

9.093.741

15,6

1.554.479

1.780.123

3.334.602

46,6

1.443.737

100,0

1.890.865

5,9

8.222.945 10.442.572 1.042.283 2.740.788

21,3 62,0

1.443.737

-

110.742

1.780.123

2.219.627 1.698.505 6.118 28.365.496

6.878

12.996

47,1

18.723.492 47.088.988

60,2

Fonte: PNAD 2001/IBGE Elaboração: Secretaria de Previdência Social/MPS * São trabalhadores que não recebem rendimentos do trabalho, mas possuem outras fontes de renda.

Temos mais 1,7 milhão de mulheres, normalmente são mulheres, que trabalham em residências, os trabalhadores ou trabalhado61


P REVIDÊNCIA SOCIAL

ras domésticas, sem nenhum benefício previdenciário. Temos mais 8,2 milhões de autônomos com renda superior a um salário mínimo, mas, quando se conversa com esse segmento, ele declara que contribuir com 20% da sua renda bruta mensal para o INSS é impossível. A renda média dessas pessoas é de 400 reais. A cobrança dos 20% implica pagar 80 reais todo mês. Vamos reduzir essa contribuição, no mínimo, pela metade: de 20% para 10%, a fim de trazer essas pessoas para o sistema previdenciário. Isso será objeto de lei infraconstitucional. Para se ter uma idéia, hoje temos apenas 2,2 milhões de autônomos contribuindo com a Previdência. E temos mais cerca de 1 milhão de empregadores fora da Previdência. Queremos trazer toda essa gente para o sistema com uma série de mecanismos, que vou apresentar mais adiante. Quadro 3 A década de 1990 foi marcada pela deterioração das relações formais de trabalho, com queda de de 13,7% na participação dos trabalhadores com carteira assinada entre 1990 e 2000. Por outro lado, verificou-se um aumento da participação dos conta-própria e empregados sem carteira

BRASIL: estrutura da população ocupada (1990 a 2002 – janeiro a novembro) 4,5% 4,5% 4,4% 4,4% 4,3% 4,5% 4,7% 4,6% 4,6% 4,6% 4,6% 4,2% 4,1%

18,5% 20,3% 21,0% 21,1% 21,9% 22,1% 23,0% 23,4% 23,3% 23,8% 23,6% 23,2% 22,6% 19,3%

21,0% 22,2% 23,2% 23,9% 24,2% 25,1% 25,0% 25,7% 26,6% 27,9% 27,2% 27,8%

57,7% 54,2% 52,3% 51,3% 49,9% 49,1% 47,2% 47,0% 46,4% 45,0% 44,0% 45,3% 45,5%

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Empregados c/ carteira assinada

Empregados s/ carteira assinada

Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego - PME/IBGE Elaboração: SPS/MPS

62

Conta-própria

Empregador


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

O Quadro 3 mostra exatamente que, em 1990, 19,3% dos trabalhadores estavam nas empresas sem carteira assinada. Ao longo da década de 1990, esse percentual foi elevado para 27,8%, comprovando que nem sempre o aumento da alíquota eleva a arrecadação. Chega um ponto em que o contribuinte não tem mais condição de pagar. É o caso concreto da nossa Previdência. No Quadro 4, vêem-se os 21,1 milhões de beneficiários da Previdência, sendo 6,9 milhões da área rural e 14,3 milhões da área urbana. No Quadro 5, vê-se exatamente o sistema de contribuição, evidenciando que, até 2000, a contribuição urbana pagava todos os benefícios urbanos e ainda era superavitária. A partir de 2001, a contribuição urbana não cobre mais seus benefícios. A rural sempre foi subsidiada e vai continuar sendo. Quadro 4 Segundo o IBGE, para cada beneficiário da Previdência Social há, em média, 2,5 pessoas beneficiadas indiretamente. Assim, em 2002, a Previdência beneficiou 74 milhões de pessoas, ou seja, 41,2% da população brasileira.

Benefícios pagos pela Previdência Social – Urbano / Rural – 1994 a 2002 25

20 Milhões

15,2

15,7

15

16,5

19,5

20,0

18,2

18,8

6,1

6,5

6,6

5,9

6,3

17,5

21,1 6,9

5,8

5,8

10,7

11,6

12,1

12,6

13,1

14,3

9,9

13,4

9,4

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

5,8 10

5

0

Rural

Urbano

Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social - AEPS; Boletim Estatístico de Previdência Social - BEPS Elaboração: SPS/MPS

63


P REVIDÊNCIA SOCIAL

Quadro 5 Arrecadação líquida, despesas com benefícios previdenciários e saldo previdenciário – Urbano e rural (1997 a 2002) Em milhões de reais correntes

Ano

Clientela

Arrecadação líquida (a)

Benefícios previdenciários (b)

Saldo (a-b)

1997

TOTAL Urbano Rural

44.148 42.670 1.478

47.249 38.182 9.067

(3.101) (4.488) (7.589)

1998

TOTAL Urbano Rural

46.641 45.301 1.340

53.743 43.872 9.870

(7.102) (1.429) (8.531)

1999

TOTAL Urbano Rural

49.128 47.801 1.327

58.540 47.886 10.654

(9.412) (85) (9.328)

2000

TOTAL Urbano Rural

55.715 54.172 1.543

65.787 53.614 12.173

(10.072) (558) (10.630)

2001

TOTAL Urbano Rural

62.492 60.651 1.841

75.328 60.711 14.617

(12.836) (60) (12.776)

2002

TOTAL Urbano Rural

71.028 68.726 2.302

88.027 70.954 17.072

(16.999) (2.228) (14.770)

Fonte: Fluxo de Caixa INSS, Boletim Estátistico da Previdência Social, Informar/INSS Elaboração: SPS/MPS

No Quadro 6, mostra-se o valor médio das aposentadorias. Setenta por cento dos trabalhadores do Regime Geral se aposentam por idade. A mulher aos 60 anos, o homem aos 65, e esse valor médio é de 243 reais e 10 centavos. Apenas 30% se aposentam por tempo de contribuição e esse valor médio é de 744 reais e 4 centavos. Esses valores são anteriores ao reajuste do salário mínimo para 240 reais. 64


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Quadro 6 Valor médio dos benefícios pagos pela Previdência Social – Em reais – set. 2002 (INPC) Regime Geral Previdência Social

A posentadori as por Tempo de C ontri bui ção

744,04

Aposentadorias por Idade

243,10

TOTAL DOS BENEFÍCIOS

374,89

Fontes: Anuário Estatístico da Previdência Social; Boletim Estatístico da Previdência Social Elaboração: SPS/MPS

O que queremos fazer? Combater a sonegação e a fraude para melhorar essa Previdência. Fiscalizar as instituições filantrópicas – e já descredenciamos várias delas que não se enquadravam no conceito legal de “filantrópicas”. Ampliar o esforço de recuperação de crédito, incentivar a contribuição e a filiação ao sistema, e melhorar os serviços de atendimento. Implantar uma política de distribuição de renda por meio de aumentos reais conferidos ao salário mínimo e também políticas de transferência de renda da área urbana para a rural. Nada disso depende de alteração constitucional. No Regime Geral, o único item que vamos alterar se refere à elevação do teto para 2.400 reais. Todo o resto é feito com leis infraconstitucionais. Por que optamos por esse caminho? Porque temos 91 deputados federais e 14 senadores. Mas precisamos de 308 votos na Câmara e de três quintos também no Senado – e não temos esses votos. Para finalizar, quero chamar a atenção para um dado: o serviço público federal tem apenas 29% dos atuais servidores civis com até 40 anos. E 71% acima dessa idade. Esse é um dado muito preocupante, porque ao longo das duas últimas décadas, e particularmente com a política de diminuição do Estado nacional, houve um desestímulo muito forte ao servidor público. O Estado não qualificou esta mão-de-obra e não investiu o suficiente para que o ser65


P REVIDÊNCIA SOCIAL

viço público prestado fosse muito melhor. Temos agora esse contingente de 71% acima de 40 anos de idade, o que requer de nossa parte debate e reflexão. A idade média das aposentadorias no serviço público federal para os homens, em 2002, foi de 57 anos e, para as mulheres, 54 anos. Aqui a ampla maioria é aposentadoria integral. A idade é acima dessa no caso de aposentadoria proporcional. Por isso, na nova regra de transição, essas questões serão objeto de debate. Por último, no Quadro 7, temos as aposentadorias médias no Executivo civil da União – neste valor estão excluídos o Banco Central e o Ministério Público federal. A média é 2.272 reais. Essa média do Executivo não é justa, porque há pessoas com 53 mil reais e uma grande quantidade com 402 reais. É como se pegássemos uma pessoa, botássemos a sua cabeça numa lareira e os seus pés num freezer, e utilizássemos o umbigo para tirar a temperatura média. Quadro 7 Valor médio dos benefícios previdenciários no Serviço Público Federal e no RGPS (média de dezembro/2001 a novembro/2002) SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL Executivos (civis)1

2.272,00

Ministério Público da União

12.571,00

Banco Central do Brasil

7.001,00

Militares

4.265,00

Legislativo

7.900,00

Judiciário

8.027,00 RGPS

Aposentadorias por Tempo de Contribuição

744,04

Aposentadorias por Idade

243,10

TOTAL DOS BENEFÍCIOS

2

374,89

Fontes: Boletim Estatístico da Previdência Social; Boletim Estatístico de Pessoal – dez. 2002 / SRH/MPOG; STN/MF Elaboração: SPS/MPS 1 Exclui empresas públicas e sociedades de economia mista; inclui administração direta, autarquias, fundações, Ministério Público da União e Banco Central do Brasil. 2 Inclui benefícios previdenciários e acidentários, e exclui benefícios assistenciais.

66


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

No Ministério Público da União a média é 12.571 reais; no Banco Central, 7.001 reais; militares, 4.265 reais; Legislativo federal, 7.900 reais, uma média que aumentou, porque aqui a base é de novembro de 2002 e, em fevereiro de 2003, o teto foi elevado para 12.720 reais. No Judiciário, a média é de 8.027 reais, envolvendo aqui os servidores da máquina judiciária e os magistrados. Enquanto isso no Regime Geral os números são 243 reais e 10 centavos para aposentadoria por idade e 744 reais e 4 centavos, por tempo de contribuição. O Quadro 8 faz a transformação da média das aposentadorias dos servidores em salários mínimos. Para os 21,1 milhões de aposentados do INSS, a média de aposentadoria é de 1,8 salários mínimos, enquanto para os servidores civis – retirando o Banco Central e o Ministério Público federal – a média de aposentadoria é de 10,9 salários mínimos; para os militares são 20,1 salários míQuadro 8 Valor médio dos aposentados, em salários mínimos 59,3

34,8

36,5

20,1

10,9

1,8 0

INSS

Executivo (civis)

Militares

Legislativo Judiciário Ministério Público União

Fonte: Boletim Estatístico da Previdência Social, SRH/MPOG; STN / MF, setembro 2002

67


P REVIDÊNCIA SOCIAL

nimos; para o Legislativo são 34,8; para o Judiciário são 36,5 e para o Ministério Público são 59,3 salários mínimos2. São benefícios que a União tem de pagar todo mês. A União hoje não tem mais ativo, vendeu tudo. O único patrimônio que resta e que vamos fortalecer é a Petrobras – apenas 30% do ativo da Petrobras pertence à União. Setenta por cento já foram vendidos; inclusive, em 2001, boa parte dos trabalhadores, com o Fundo de Garantia, compraram ações. E nós temos a obrigação de honrar os compromissos previdenciários da União. Como? Com a Reforma Tributária e os impostos da sociedade brasileira. Esse é o debate que estamos fazendo.

2. A Reforma da Previdência aprovada na Câmara dos Deputados fixou o teto para o pagamento de remunerações no serviço público brasileiro. Após a promulgação da Reforma, nenhum servidor público receberá acima do salário do ministro do Supremo Tribunal Federal, que, atualmente, é 17.343 reais. Nos estados e municípios foram fixados subtetos para o Poder Judiciário (90,25% do salário do STF), o Poder Executivo (salário do governador) e o Legislativo (salário do deputado estadual). No município, nenhum servidor poderá ganhar mais do que o prefeito.

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A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Eli Iôla Gurgel Andrade

Estado e Previdência no Brasil: uma breve história

1. Introdução Para além de uma compreensão meramente fiscal da sustentabilidade dos fundos públicos de provisão social no Brasil, a prudencial advertência lançada por Marilena Chaui não deve ser negligenciada:“A luta democrática e republicana está demarcada agora pela luta pelo fundo público [recursos do Estado]”1. Assim é a história da Previdência Social no Brasil: a construção do primeiro, grande e histórico fundo de provisão criado pelos trabalhadores urbanos e tornado público nas teias da história política brasileira. Há 80 anos, no início do século XX, ao mesmo tempo que a sociedade brasileira amanhecia para a era industrial, nasciam, de um lado, as primeiras organizações previdenciárias autônomas dos novos empregados urbanos, as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) e, de outro, cunhava-se na história política brasileira a primeira forma republicana do Estado.

1. CARIELLO, R. “Alta dos juros é aceitável, diz Chaui”. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. A8, 23 fev. 2003.

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E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

As organizações previdenciárias nasciam então da necessidade dos trabalhadores – estreantes na nova organização da produção industrial – de garantir bases solidárias para o provimento de sua segurança futura, enquanto, do Estado, já nascido, como expressão formal de vontades coletivas, passava-se a esperar a responsabilidade pública pela provisão e pela proteção social. A partir de 1923, quando a Lei Elói Chaves passa a regulamentar pela primeira vez as Caixas de Aposentadoria e Pensões dos trabalhadores, inaugura-se em ato contínuo a indissociabilidade histórica entre a montagem de um Estado de bem-estar no Brasil e a realidade das instituições previdenciárias. E é por isso que não há como examinar as propostas de reformas do sistema previdenciário brasileiro sem reconhecer, e sobretudo enfrentar, a complexa trajetória de sua conexão, desde a origem, com a consolidação da face pública do Estado no Brasil. Três movimentos de reformas institucionais interligam, nesses últimos 80 anos, Previdência e Estado no Brasil.

2. A primeira reforma (1923-1966): a transformação das Caixas (CAPs) em Institutos (IAPs) A intervenção do Estado sobre as instituições previdenciárias, a partir de sua regulamentação em 1923, é incisiva no sentido de redirecionar a natureza de seus objetivos, gestão e organização, e padrão de financiamento. A autonomia que então caracterizava a organização das Caixas, sob administração colegiada paritária constituída por representantes de empregados e empregadores em cada empresa e mantida pela contribuição proporcional aos vencimentos dos trabalhadores e à renda bruta da empresa, é abalada em 1933 com a criação do primeiro instituto – o dos “marítimos” (IAPM), sob forte apoio do governo de Getúlio Vargas. O IAPM anunciava um novo sistema: organizado como uma autarquia sob administração estatal, e tendo como base o território nacional, passou também a contar de imediato com a contribuição paritária da União, configurando o chamado sistema tri70


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

partite2 de financiamento previdenciário. Na criação do IAPM, o governo também inaugurou o conceito orçamentário de custeio de sua contribuição, instituindo uma “taxa de previdência”, correspondente a um imposto de 2% sobre produtos importados, configurando-se como um incentivo direto à transformação das Caixas em Institutos. As conseqüências desta maior socialização do tributo previdenciário conformam um fato histórico de especial significado para o futuro do sistema no Brasil: com a instituição das cotas e taxas, passou a ser necessária e legitimada a intervenção do Estado diretamente sobre os mecanismos de arrecadação e gestão das entidades de Previdência. Em 1936, o Decreto 890 concretizava esta nova direção, instituindo que todas as “cotas” e “taxas de Previdência” seriam recolhidas pelas respectivas empresas a uma mesma conta especial do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), no Banco do Brasil; constituir-se-ia, com isso, um “pólo” financeiro por meio do qual o MTIC pagaria a cada IAP ou Caixa a respectiva “contribuição da União”; o saldo restante (quando ocorresse), juntamente com outros recursos (provenientes de multas por infrações à legislação previdenciária ou de outras “subvenções dos poderes públicos”), passaria a constituir um “Fundo Geral de Garantia e Compensação das Caixas e Institutos de Aposentadoria e Pensões” (art. 24), com a finalidade de cobrir eventuais déficits de qualquer Instituto ou Caixa. No intervalo, os recursos do fundo seriam “aplicados” em investimentos rentáveis, pelo Conselho Nacional do Trabalho (CNT)3. Ficava portanto instituída, de um lado, uma nova definição de base financeira para o sistema previdenciário, resultante da combinação de um regime de repartição (no qual o custeio estaria centrado

2. A contribuição tripartite – equiparação entre contribuição do governo com a de empregados e empresa – foi instituída pelo Decreto-lei 20.465, de 01/10/31. Até a criação do IAPM, a contribuição do governo era sustentada por cotas ou taxas cobradas sobre o consumo de produtos das empresas envolvidas, o que, evidentemente, tinha efeitos econômicos contraditórios. 3. O CNT fora instituído pelo Decreto 5.109, 20/12/1926, que regulamentava a gestão das CAPS criadas pela Lei Elói Chaves de 1923 (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986:105).

71


E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

nas receitas correntes de contribuições dos empregados, empregadores e da União) – com um regime de capitalização das reservas – do qual adviriam receitas de capital e patrimônio. De outro lado, porém, criavam-se os mecanismos pelos quais o Estado passaria a controlar diretamente os elevados saldos do sistema. Assim, apesar de contar com um cenário no qual condições econômico-financeiras e atuariais favoráveis combinavam-se a condições institucionais inéditas para a constituição de uma sólida Previdência pública, vimos desenhar-se destino bem diverso para o emergente “sistema” previdenciário e os volumosos superávits que era capaz de acumular 4 (ANDRADE, 1999). Gráfico 1 Previdência Social Proporção anual despesas/receita (%) Período: 1923 a 2002 120

100

80

60

40

0

1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

20

Receita completa

Despesa completa

4. A partir de 1930, a política contencionista levada no interior das CAPS e posteriormente nos AIP s chega a contabilizar superávits equivalentes a mais de 70% das receitas arrecadadas (ANDRADE, E. I. G, 1999:47).

72


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

O desempenho econômico-financeiro das instituições previdenciárias, ilustrado no Gráfico 1, demonstra a surpreendente capacidade de geração de excedentes do conjunto das instituições previdenciárias. Entre 1930 e 1949 os gastos de todos os institutos representavam, em média, apenas 43% da arrecadação (área clara do gráfico), liberando 67% da arrecadação para a formação de reservas. De fato, dentro do conjunto de reformas e alterações no aparelho de Estado iniciadas nos anos 1930 e reforçadas no Estado Novo, a montagem de um sistema de serviços centralmente controlado – passível de extensão ao conjunto dos assalariados urbanos – fez do sistema previdenciário nascente a principal força auxiliar na consolidação do “novo” perfil do Estado. Pelo lado econômico-financeiro, o controle sobre as reservas previdenciárias, desde os primeiros anos da década de 1930, transformam a Previdência no principal “sócio” do Estado no financiamento ao processo de industrialização do país. De modo que, além de simplesmente burlar a lei, deixando de repassar ao instituto a arrecadação das cotas e taxas, nos montantes e prazos definidos, o governo passa a intervir sobre a aplicação das reservas destinadas à capitalização, dos seguintes modos: • estabelecendo obrigatoriedade de aplicações em “papéis” do governo, tais como títulos da dívida pública ou ações das empresas estatais e semi-estatais que começavam a ser criadas; • realizando transferência unilateral de bens imóveis ou títulos da dívida pública para saldar partes da enorme dívida da União5; • os juros pagos pelo Estado aos recursos aplicados pela Previdência em títulos públicos foram, não raramente, negativos a partir de 1934;

5. Ao final de 1945, a dívida da União com as instituições da Previdência era, segundo admitia o então presidente Eurico Gaspar Dutra, de Cr$ 839.541.052,10, correspondente a aproximadamente 85% das despesas do conjunto das instituições no mesmo ano (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986:142-148).

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E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

• concessão de anistias fiscais a empresas estatais em débito com a Previdência; • por último, e talvez o mais importante dos mecanismos, a criação de dispositivos legais que permitiam que o Estado orientasse a natureza dos investimentos das instituições previdenciárias. Por meio dos decretos-leis 574, de 28/7/1938, e 3.077, de 26/2/1941, a principal agência de financiamento ao setor privado, a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (Creai), passou a dispor de recursos compulsórios provenientes das instituições de Previdência Social. Pelo Decreto-lei 1.834 de 14/12/1939, autorizavam-se os fundos previdenciários a efetuar empréstimos a pessoas físicas ou jurídicas em projetos de reflorestamento, papel e celulose e material bélico. Vários decretos trataram de impor a subscrição de ações preferenciais de empresas de interesse estratégico, tais como Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), Companhia Nacional de Álcalis (CNA), Fábrica Nacional de Motores (FNM). O Decreto-lei 1.628 de 20/6/1952, que criava o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), instituía em seu artigo 7o a exigência de empréstimos compulsórios das instituições de Previdência em montantes fixados pelo Ministério da Fazenda. Apesar de os dispositivos legais condicionarem que as reservas não aplicadas pela Previdência deveriam ser necessariamente depositadas no Banco do Brasil, exceções foram abertas, também por meio de decretos-leis, beneficiando principalmente bancos privados. Em meados dos anos 1940, uma exigência se impõe ao novo padrão de relacionamento entre o Estado e as instituições previdenciárias: além da íntima parceria no financiamento ao processo de acumulação industrial, a Previdência passa também a acumular uma outra função de Estado, qual seja, a de funcionar como estrutura básica de montagem e sustentação de um Estado de bem-estar na sociedade brasileira. Com a restauração do regime “liberal-de74


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mocrático” em 1945, o sistema previdenciário sofre paulatinamente uma reformulação nos pesos diferenciais de seus vínculos econômicos e políticos: continuando como instrumento de captação de poupança forçada, tem também que responder mais de perto à presença de uma força social já existente, mas que agora reencontra canais de pressão, que são as forças assalariadas (COHN, 1981). A partir de 1950, o sistema começa adicionalmente a viver problemas típicos de sua maturidade, ou seja, as contribuições e os benefícios tendem a crescer desproporcionalmente. Entre 1950 e 1960, enquanto os contribuintes crescem na proporção de 100 para 142, os aposentados crescem de 100 para 289 e os pensionistas de 100 para 223. Quando, em 1960, é finalmente promulgada a primeira Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) – que uniformizou os direitos dos segurados pelo teto dos padrões dos melhores institutos –, o sistema previdenciário já dava sinais de enfraquecimento de sua capacidade de acumulação de reservas. Desenha-se, desse modo, um processo que se prolongará até o início da década de 1970 e cujos resultados passarão a ser chamados de “crise financeira” da Previdência Social. Uma crise fundamentalmente fincada em um novo padrão de gastos, que elevou a despesa previdenciária para patamares médios de 68% da arrecadação média anual entre os anos de 1950 e 1966 (Gráfico 1), convertendo praticamente a capacidade de geração de excedentes do período anterior em aumento geral das despesas.

2. A segunda reforma (1966 a 1979): unificação e estatização do sistema previdenciário Em 1966, uma intervenção conduzida pelo governo militar instaurado em 1964 impõe de fato a unificação do conjunto dos institutos de Previdência, criando o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS. Após a criação do INPS em 1966, e até o início da década de 1980, a Previdência Social funcionará, de um lado, como política inclusiva capaz de aliviar tensões sociais inerentes aos padrões de crescimento econômico altamente excludentes postos em marcha sob o regime militar. Por isso, sucessivas ações são desen75


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volvidas no sentido da extensão de cobertura e benefícios previdenciários, tais como: • integração dos segurados contra acidentes de trabalho ao INPS, em 1967; • extensão de cobertura previdenciária aos trabalhadores da zona canavieira do Nordeste em 1969; • criação, em 1971, do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural), para destinação de fundos para a manutenção do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), estendendo-se então a Previdência Social aos trabalhadores rurais de todo o país; • extensão dos benefícios da Previdência às empregadas domésticas em 1972, e para os autônomos em 19736. De outro lado, quanto à expansão dos serviços de natureza assistencial, coube ao sistema previdenciário, a partir de meados dos anos 1960, um papel duplamente fundamental: o sistema passa a responsabilizar-se não só pela prestação de assistência médica aos segurados da Previdência, como também pela expansão da cobertura dessa assistência, colocando-se na condição de “sócio provedor” do chamado “complexo médico-industrial-previdenciário”. Este, constituindo-se como uma articulação específica entre o Estado e o setor privado de prestação de serviços de saúde, foi responsável pela expansão da assistência médica individual no Brasil. A centralização de todo o aparato previdenciário no INPS significou uma expansão inédita do gasto em medicina previdenciária, criando condições de escala para a expansão capitalista da rede de serviços privados, propiciando que o conjunto das empresas médicas expandisse sua capacidade hospitalar e ambulatorial, voltada basicamente para o mercado financiado pelo INPS. Entre 1969 e 1976, os gastos do INPS com assistência ambulatorial cresceram

6. Desta forma, ficava coberto o conjunto dos trabalhadores urbanos, apenas excetuando-se os trabalhadores do setor informal, que, no entanto, ganham o direito à assistência médica previdenciária em 1974.

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400%, enquanto na área hospitalar a expansão foi de 184,7% (BRAGA E PAULA, 1986). A incorporação de políticas sociais na estratégia governamental-previdenciária, além de exigir intensificação da cobertura e ampliação dos benefícios, passa também a requisitar medidas legais e de caráter administrativo, que se concretizam em 1974, com a transformação da Previdência Social em Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), e, finalmente, com a criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas)7 em 1977, sinalizando, objetivamente, a tendência à adoção de um modelo institucional mais amplo de seguridade. A criação do Sinpas – objetivando a reorganização e a racionalização para enfrentar aspectos financeiros críticos originados pela espetacular expansão dos gastos com assistência médica – configura-se como reconhecimento formal de que o boom do complexo médico-previdenciário começava a ameaçar o equilíbrio financeiro da Previdência Social, seu principal financiador. Com o Sinpas, o Estado tentou solucionar uma contradição que ele mesmo tinha ajudado a gerar: de um lado, o gasto com a medicina previdenciária era impossível de ser contido diante de uma demanda ilimitada; de outro, a cristalização de mecanismos de pressão dos setores privados dentro do próprio sistema tornava cada vez mais caras as ações de medicina previdenciária, ameaçando de estrangulamento o próprio INPS. A esta altura, já se tornava impossível manter a restrição de cobertura de atendimento do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) apenas ao contingente de segurados, ou seja, aos trabalhadores com vínculos formais de trabalho.

7. O Sinpas seria subordinado ao MPAS, tendo a finalidade de concessão e manutenção de benefícios e prestação de serviços, custeio de atividades e programas, gestão administrativa, financeira e patrimonial, sendo composto pelos seguintes órgãos: IAPAS (Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social), INAMPS, LBA (Legião Brasileira de Assistência), FUNABEN (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor), Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações de Previdência Social), Ceme (Central de Medicamentos) e o Fundo de Previdência e Assistência Social (FPAS).

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Os resultados econômico-financeiros do período 1967-1979 foram, no entanto, devastadores para a história do sistema público de Previdência no Brasil. Como se pode observar no Gráfico 1, o ano de 1967 – o primeiro ano da unificação imposta – foi também o primeiro em que se registra déficit na história do sistema, desde sua criação na década de 1920. O padrão de gastos no período consumiu 93% da arrecadação previdenciária anual, em despesas de natureza praticamente não identificáveis8. Ao final da década de 1970, junto à desintegração do regime militar e ao agravamento da crise econômica, movimentos políticos contestatórios passam a eclodir para além dos limites institucionais, técnicos e acadêmicos, entre os quais o de reivindicação da reversão do modelo de privilegiamento dos produtores privados de serviços de saúde. Nos primeiros anos da década de 1980, já em pleno período recessivo, vem à tona “a crise da Previdência Social”, num alardeado reconhecimento oficial de que o sistema já se tornava incapaz de sustentar o padrão de gastos montado no período anterior. Contando com o estímulo dos vários escalões do governo, poucos assuntos nas políticas públicas foram tão despudoradamente devassados como a crise da Previdência naquele momento, o que, se de um lado produzia o efeito desejado de gerar a necessária aceitação para medidas contencionistas na opinião pública, de outro serviu também para disseminar a desconfiança sobre a administração pública (ineficiente e irracional) da Previdência, num verdadeiro efeito bumerangue. Tratava-se, evidentemente, de barrar o reconhecimento de uma contradição estrutural engendrada pela própria direção imposta pelo Estado ao conjunto do sistema previdenciário: a crescente expansão da cobertura previdenciária (entre 1967 e 1979), sem assegurar-se alterações no mesmo sentido para a restrita base de sustentação financeira.

8. O Anuário Estatístico do Brasil (AEB), a principal fonte histórica sobre a Previdência brasileira, não publicou nenhuma informação sobre a arrecadação previdenciária entre 1978 e 1992.

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De fato, o principal suporte financeiro da expansão do complexo médico-previdenciário, ao longo daquele período, esteve quase exclusivamente ancorado na receita do então INPS, integrada formalmente pela contribuição de empregados e empregadores do segmento urbano da economia nacional. O longo ciclo de estagnação econômica que se inicia entre 1981 e 1983, somado a novos componentes político-institucionais da realidade brasileira e internacional a partir de então, estabelecerão novos parâmetros para a sustentabilidade estrutural da então sexagenária Previdência brasileira.

3. A terceira reforma (décadas de 1980 e 1990): resistências à instituição da Seguridade Social Ao abrir-se a década de 1980, o mundo já era outro. Nos sombrios primeiros anos da década (hoje denominada “perdida”), a sociedade brasileira despertou para a urgência de suas demandas sociais. E, ao final daqueles anos, em 1988, uma nova Constituição tratava de expressar nos artigos (arts. 194 e 195) destinados à criação da Seguridade Social a decisão coletiva de não mais compatibilizar exclusão e desenvolvimento (VIANNA, 1998). Uma sombra de incerteza se estende sobre a nova Constituição desde o momento da sua promulgação: estabelecia-se o período até outubro de 1993 como prazo final para sua revisão (inclusive na íntegra), pela maioria simples do Congresso eleito em 1990. Nesse mesmo ano, inicia-se o desmonte do Sinpas, criado em 1977, mediante a extinção do Ministério do Trabalho e do Ministério da Previdência e Assistência Social. Também extintos foram o INPS e o IAPAS, e substituídos pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS); o INAMPS foi transferido para o Ministério da Saúde, até ser extinto em 1993. Ainda em 1990, são sancionadas as Leis 8.112 e 8.113, respectivamente regulamentando a Constituição com respeito aos benefícios e ao custeio da Previdência Social. A Lei 8.112/90 também instituiu o novo Regime Jurídico Único (RJU), responsável pela equiparação imediata dos direitos dos funcionários públicos então 79


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celetistas aos antigos estatutários, ou seja: direitos referentes a contagem de tempo, estabilidade, integralidade entre proventos e salários; paridade entre ativos e inativos, entre outros benefícios. Nenhuma instituição específica foi criada para gerir o sistema próprio dos servidores públicos, e tanto as receitas quanto as despesas passaram a vincular-se ao órgão/esfera de origem de cada servidor inativo9. Em janeiro de 1992, é formada uma Comissão Especial para Estudo do Sistema Previdenciário no Congresso e, em 1993, instaura-se o processo de revisão constitucional. Nada menos que 17.246 propostas de emendas constitucionais foram apresentadas, deixando de alterar apenas 4 dos então 245 artigos que compunham o texto permanente e os 70 da parte transitória (ANFIP, 1994). Nesse cenário difuso que mais se assemelhava à elaboração de uma nova Constituição, somado a crescentes descontinuidades políticas, a revisão é remetida a um certo “limbo”, do qual só sairia no início de 1995, com o envio da Proposta de Emenda Constitucional 21/95, no primeiro governo FHC. O processo truncado de tramitação da PEC-21/95 terminou em seu desdobramento em outras quatro (PEC-30, PEC-31, PEC-32, PEC-33)10. Diante da crescente oposição à sua proposta e da rejeição de vários aspectos na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o governo passa a uma atitude protelatória para sua votação no Congresso. Os primeiros anos da década de 1990 também foram marcantes para a delimitação de novos condicionantes políticos para a organização dos Estados de bem-estar social, especialmente para a América Latina.

9. Em 1993, os funcionários públicos passam a contribuir com 11% sobre a remuneração bruta. 10. Tal proposta incluía desde a pretensão de “transferir para o presidente da República, com exclusividade, a competência para propor projetos de lei em matéria de custeio da seguridade social” (PEC-30); a PEC-31, que propunha quebra de sigilo bancário dos devedores da Previdência; até a PEC-32, propondo a substituição do caráter universal e gratuito da prestação de serviços de saúde (PEDROZA, 1995).

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Finalmente se faziam ouvir por aqui os ecos da chamada “modernização conservadora”: reformas estruturais de cunho neoliberal, irradiadas a partir dos governos Reagan-Thatcher, centradas na desregulamentação dos mercados, na abertura comercial e financeira, na privatização do setor público e na redução do Estado (TAVARES e FIORI, 1993). Como afirma Mesa-Lago (1997), tradicionalmente os objetivos dos sistemas de seguridade públicos eram sociais: manutenção da renda na velhice, invalidez e morte, solidariedade entre gerações, entre outros. A crise econômica e da Seguridade Social, seguida dos programas de ajustes estruturais, promoveu o interesse dos organismos financeiros internacionais em relação à montagem desses programas: em primeiro lugar o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird), seguidos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Os objetivos econômico-financeiros passam a prevalecer nas avaliações dos sistemas de proteção públicos-sociais: altas contribuições sobre os salários, evasão e atrasos, dotação inadequada de recursos fiscais, perda de capacidade de poupança, pesada e crescente dívida beneficiária, estímulo ao déficit fiscal e à inflação e, como resultado geral, impacto negativo no crescimento econômico, na produtividade e no emprego. Do ponto de vista das agências internacionais, a substituição dos sistemas públicos por sistemas privados eliminaria esses problemas e incrementaria a poupança nacional, o mercado de capitais, o rendimento real dos investimentos, o desenvolvimento econômico e a criação de empregos, que, por sua vez, garantiriam benefícios adequados e eqüitativos (MESA-LAGO, 1997: 44-63). Em meados de 1994, o Banco Mundial e o FMI patrocinaram conjuntamente uma reunião, com a participação de funcionários de 39 países latino-americanos (Brasil incluído), para divulgar o informe preparado pelo Bird, intitulado: “Envelhecimento sem crise: políticas para a proteção dos idosos e promoção do crescimento”, no qual é proposto um novo paradigma para as reformas dos sistemas públicos previdenciários. 81


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Sucintamente, o modelo apresentava uma taxonomia diretamente inspirada na experiência chilena, procurando demonstrar, acima de tudo, que os sistemas públicos de benefícios fracassaram, tanto do ponto de vista social como do econômico, passando então a recomendar o chamado “modelo de três pilares”: um primeiro pilar social-distributivo, público, com benefício básico; um segundo voltado para formação de poupança individual e organizado na forma de fundos privados de capitalização; e um terceiro pilar constituído de poupança voluntária tradicional. No Brasil, a PEC-33/95, após tramitar por 16 meses entre as Comissões e o plenário da Câmara, foi redirecionada para o Senado Federal, por meio de um substitutivo apresentado pelo relator, senador Beni Veras. Este substitutivo resultou na Emenda 20 de Reforma Previdenciária, finalmente aprovada em dezembro 1998. Resumindo brevemente suas diretrizes principais, pode-se dizer que a primeira direção a ser ressaltada é a de cada vez mais afastar-se do arcabouço institucional da Seguridade Social enquanto um sistema envolvendo ações integradas relativas à Saúde, à Previdência e à Assistência Social, pelo privilegiamento de reformas previdenciárias pontuais, de caráter eminentemente fiscal. As reformas previdenciárias, de fato, ainda continuam a ancorar um conjunto de medidas econômicas, fiscais e políticas, seja como medida de contenção de déficits do setor público, seja como uma espécie de moeda de barganha, sem a qual, supostamente, se esgarçaria a confiança dos organismos internacionais na efetividade das políticas saneadoras impostas. No caso brasileiro, este segundo aspecto da política parece prevalecer sobre qualquer outro. Senão vejamos. Os resultados práticos da reforma sintetizada na Emenda 20/98 podem ser vislumbrados no Gráfico 1: a partir de 1995, a Previdência Social ou Regime Geral da Previdência Social (RGPS) passa a não apresentar saldos positivos, demonstrando que, além de a arrecadação anual não cobrir as despesas com benefícios, cada vez mais são necessários “repasses da União” (leia-se recursos do orçamento da Seguridade Social). As causas estruturais desta queda na arrecadação não são tão divulgadas quanto os déficits gerados por ela, ou seja, a Previdência contava em 2001 com a contribuição 82


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de apenas cerca de 42% da população economicamente ocupada no país, além de apresentar, em anos recentes (1997-2001)11, uma significativa diminuição da participação das contribuições devidas pelas empresas, no conjunto da arrecadação líquida do RGPS. Por outro lado, a reforma apresentada pelo governo Lula por meio da PEC-40/03, designada como PEC-67/03 no Senado Federal, parte da constatação de que os regimes próprios dos servidores públicos, por abrigarem privilégios iníquos, não apenas colocam em xeque sua própria sobrevivência, como ocupam papel destacado no desajuste das finanças públicas, bloqueando gastos na área social e investimentos em infra-estrutura. No conjunto da proposta de reforma, a criação de Fundos de Pensão complementar para os funcionários públicos representará, segundo a proposta do governo, uma alavancagem na formação de poupança interna, que por sua vez financiará um novo período de crescimento econômico12. Tudo se passa como se a história de criação de um fundo público de provisão de bem-estar na sociedade brasileira se pusesse a andar ao revés, ou seja, após percorrermos 80 anos transitando dos fundos de provisão corporativos (CAPs e IAPs) para a construção de um fundo público e universal de provimento do nosso Estado de bem-estar, que sempre foi mínimo, e só se expandiu, teoricamente, na Constituição de 1988, nos deparamos agora com a iminência de reconstrução dos novos-velhos, e sempre corporativos, Fundos de Pensão. Só que, agora, numa ambiência de incertezas (radicalmente distinta da das primeiras décadas do século passado), em que até mesmo as relações de trabalho – elemento fundante da maioria dos sistemas de welfare state no mundo – parecem cada dia mais fragmentar-se na contingência dos contratos da sobrevivência possível.

11. A participação da arrecadação de empresas sobre a arrecadação líquida do INSS caiu de 94,52%, em 1997, para 73,56%, em 2001 (INSS , 2002). 12. Um aspecto intrigante é que a “economia” de recursos estimados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social com a reforma no segmento do funcionalismo federal atinja algo em torno de 52 bilhões de reais nos próximos 30 anos, ante um déficit anual (projetado para 2003) da ordem 30,1 bilhões de reais.

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Arlindo Chinaglia

História da Previdência Social

A história da Previdência Social no Brasil é uma história de inclusão social. O Regime Geral de Previdência é o maior programa de distribuição de renda do país e do mundo ocidental, porque quem pode mais paga mais; quem pode menos paga menos. É mais importante que qualquer programa existente no Brasil, inclusive os de política compensatória. Com seus benefícios, 18 milhões de brasileiros deixam de estar abaixo da linha de pobreza. Ao mesmo tempo, em 70% dos municípios brasileiros, o pagamento dos benefícios previdenciários supera os repasses provenientes do Fundo de Participação dos Municípios. Conclusão: nos municípios brasileiros mais longínquos e mais pobres, a Previdência Social tem um altíssimo valor, como realmente deve ter. Digo isso porque também fazem parte da história da Previdência brasileira a renúncia fiscal, as sonegações, as fraudes, o perdão de multas, ou seja, o desvio continuado de verbas. Então temos de afirmar para o povo brasileiro que, de fato, não vamos parar nessas primeiras medidas que serão aprovadas. Esse tem de ser o nosso compromisso. 85


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Outro problema é que freqüentemente há alterações das regras de aposentadorias, os reajustes e os benefícios são notoriamente insuficientes, o que mina a credibilidade do sistema. Então, é muito comum falar de fila do INSS, é muito comum fazer piada, mas isso vai criando uma cultura que é ruim para o povo brasileiro, porque por trás da brincadeira muitas vezes há grandes interesses econômicos e financeiros. Pois bem, a Reforma da Previdência está essencialmente concentrada no chamado Regime Próprio de Previdência dos Servidores. E aí cabe a observação: o Regime Próprio de Previdência dos Servidores, na verdade, ainda não é um sistema. Na minha opinião, ele seria mais bem definido como semiprevidenciário ou administrativo, pois nunca houve um plano em que se calculasse com quanto o Estado teria de contribuir, de quanto seria a contribuição do servidor, por quanto tempo, e que benefícios haveria. Isso nunca existiu. Como já foi dito, faz parte do contrato de trabalho do servidor que – uma vez trabalhando – ele teria – e tem – a aposentadoria integral. A Reforma da Previdência, como está proposto, primeiro traz o fim da integralidade, ou seja, depois de cumprido o tempo de serviço e de contribuição, o servidor receberia a aposentadoria pelo seu último salário. Isso vai acabar. Vai mudar também o cálculo do benefício, porque, além da integralidade, no caso dos servidores, há algo chamado paridade, ou seja, se houver uma reestruturação de carreira para os servidores da ativa, quem está aposentado também será incluído nela. Se houver reajuste para o pessoal da ativa, será repassado integralmente para o aposentado, que, portanto, ganhará o mesmo que os ativos sempre. O que ocorre com o fim da integralidade e da paridade? Na Proposta de Emenda Constitucional, são instituídos os Fundos de Pensão, que são uma precondição para haver o teto do benefício para o Regime Próprio do Servidor, a exemplo do que ocorre no Regime Geral. Então, o ponto de encontro dos regimes é o objetivo final do nosso governo. Na verdade, neste momento, buscamos uma aproximação de regras e aquela que, de fato, equilibra, identifica os dois projetos, os dois regimes, é o teto de 2.400 reais, segundo a proposta. Hoje ele é de 1.561 reais. 86


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A proposta amplia requisitos para a concessão de benefícios. Esse é um dos itens que ainda não recebeu a devida atenção. Na minha opinião, isso é muito mais contundente do que a questão da contribuição dos inativos. Com a aprovação da Emenda Constitucional 20, em 1998, se estabeleceu a idade mínima de aposentadoria para o servidor – 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres. O governo perdeu naquela época a votação de idade mínima para o Regime Geral, então fez-se uma transição. Porque, sem transição, imagine-se: um homem que estava com 53 anos de idade e 35 anos de contribuição precisaria trabalhar mais 7 anos. Então, os homens que estavam com 50 anos tiveram de ir até 53, e as mulheres com 45 tiveram de ir até os 48 anos. Foi feita uma transição. Na atual proposta, essa transição acaba. Que situação isso pode gerar? Alguém que já trabalhou 35 anos, já contribuiu, já teria direito por tempo de contribuição. Mas se faltar um dia para completar 53 anos de idade, no caso do homem, e ele for atropelado, pela promulgação da Emenda, terá de trabalhar mais 7 anos. E isso não é justo, pelo que nós sempre defendemos. Na proposta, as pensões também serão limitadas a até 70%, ou seja, podem ser menores do que 70%. Há dois problemas aí. O primeiro é linear: uma coisa é uma viúva – mulher vive mais – que vai receber uma aposentadoria de, digamos,10 mil reais. Acho razoável ela não receber uma pensão tão alta. Agora, para quem ganhar 700, 800, 500 reais, um corte de 30% é evidentemente alto. Portanto, quero chamar a atenção para isso, que nós da bancada do PT temos discutido. E temos aí também um outro problema: no Regime Geral não há redução da pensão. Qual é a diferença? É que no Regime Geral a pensão é no máximo o teto, ou seja, 1.561 reais. Então, para poder equilibrar – porque senão fica pior para os servidores do que está para a iniciativa privada –, se vier a se reduzir a pensão, terá de ser acima do teto proposto. Outro ponto da proposta é a submissão dos benefícios ao teto do Regime Geral, que já comentamos, mas há uma questão ainda não comentada. O cálculo do benefício será pela totalidade das remunerações do servidor, tanto no Regime Geral quanto no Regime 87


H ISTÓRIA DA P REVIDÊNCIA SOCIAL

Próprio. Vamos supor alguém que pode ter 20 anos como servidor mas também 15 anos na iniciativa privada. Como é que vai ser feito o cálculo? Vai ser a totalidade das contribuições, uma média no Regime Geral e uma média no Regime Próprio. A média do Regime Geral será naturalmente menor, porque já tem o teto. E além desse problema, que vai jogar o valor muito para baixo, vai considerar 100% das contribuições. No Regime Geral são considerados 80% das contribuições e desprezados os 20% piores. Então agrava para o servidor aqui também. Está pior para o servidor. Há um outro problema, essa proposta é tecnicamente irrealizável na nossa opinião. Por quê? Como saber a remuneração de 20 anos atrás, na iniciativa privada, ou mesmo em outro Regime Próprio? Esses dados não existem. É por isso que na Emenda Constitucional 20 estabeleceu-se que o cálculo seria feito a partir de 1994, no caso do Regime Geral. Também se propõe a contribuição dos atuais e dos novos inativos. A proposta para os atuais inativos é uma contribuição a partir de 1.058 reais, que é a faixa de isenção do imposto de renda. Para os futuros aposentados, os atuais servidores públicos, a taxa de isenção vai até o teto de 2.400 reais. Qual é a justificativa para isso? É que quem já se aposentou muito provavelmente contribuiu menos do que a atual geração. Aliás, a atual geração de servidores será aquela mais penalizada, de acordo com essa proposta, se não houver alguns ajustes. A PEC 40 propõe a ampliação do teto do Regime Geral. Já foi dito que se vai cobrar mais da iniciativa privada e o benefício só virá lá na frente. Porém, ao aumentar a contribuição, primeiro, o Regime Geral é fortalecido. Segundo, diminui-se a margem de Previdência complementar privada, aberta, no caso do Regime Geral da Previdência, e fechada, no caso dos Regimes Próprios. No caso dos servidores públicos, gostaria de discutir na bancada e com o nosso governo, para tentarmos instituir uma mudança na Constituição de maneira a tornar possível, além da Previdência complementar privada, uma Previdência complementar pública, aquilo que genericamente chama-se de fundos públicos. Evidentemente, isso tem de ser trabalhado da maneira mais adequada. 88


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Outro ponto redefine o teto de remuneração do setor público, criando tetos e subtetos nos estados e municípios. Isso é fundamental. É verdade, via de regra, quando a imprensa divulga que há uma aposentadoria de 50 mil, outra de 40 mil, outra de 30 mil reais. Porém, isso é insignificante devido ao número dessas aposentadorias, apesar de ser imoral, apesar de ser indecente, e nós vamos acabar com isso pelo estabelecimento desse teto. Por que isso não foi feito? Porque os três Poderes deveriam ter um teto máximo de proventos e, como conseqüência, de benefícios. Então essa proposta tem esse mérito, louvável, de estabelecer tetos e subtetos. Mas, de qualquer maneira, temos de levar em conta o Supremo Tribunal Federal, que sempre reagiu vigorosamente a uma eventual redução do salário de seus ministros. E, com referência aos subtetos para os estados, o teto, em âmbito nacional, vai ser dado pelo salário dos ministros do Supremo. Nos estados e municípios, o maior salário será o dos governadores e prefeitos e, por conseguinte, os maiores benefícios serão deles. Não quero entrar no aspecto da constitucionalidade disso, porque é uma discussão que não tem fim. Enfim, muitas coisas só serão resolvidas no Supremo Tribunal Federal.

Contribuição dos inativos Quanto à contribuição dos inativos, vejo vários problemas. Primeiro, a bancada do PT e o PT, que têm uma notória dificuldade em aceitar isso. De minha parte, eu também tenho. Bem, não me repugna que os atuais aposentados tenham de contribuir, porque houve uma enorme permissividade anteriormente – e a culpa não está em quem se aposentou, porque quem estabelecia as regras era o Estado. Então não dá para culpar o servidor agora. Mas, no sentido de criar uma sociedade solidária, não vejo problema em aquele que tem a sobrevivência garantida pagar para sustentar o regime. Mas é bom levar-se em conta que não há nenhuma experiência de contribuição de inativo no mundo. Portanto é difícil apresentar essa novidade e fazer a defesa do nosso governo. Por uma questão de ordem política, é preciso haver muita reflexão sobre isso. 89


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Outro problema em relação à contribuição dos inativos ocorrerá se propusermos sua continuidade como está na proposta, no item 18. É que como – para haver o teto – é preciso criar um regime de Previdência complementar, se o ente federado (município, estado ou União) não fizer isso, então vai-se continuar a receber, não integralmente, mas acima do teto estabelecido, com as novas regras de cálculo. Mas está prevista a cobrança dos futuros servidores, quando eles se aposentarem. Aí há uma falha técnica, uma contradição total do ponto de vista atuarial e de concepção previdenciária. Porque a Constituição e o nosso governo dizem que é necessário – e nós estamos sofrendo para bancar algo que até então não era da história do Brasil – buscar o equilíbrio fiscal e atuarial, de responsabilidade do Estado. Isso, portanto, tem implicações conceituais. Para bancar isso temos de ser coerentes. Então ninguém pode imaginar que vai criar um novo sistema e que ele vai ser falho atuarial e financeiramente, a ponto de se precisar cobrar os inativos lá na frente. Acho que isso tem uma dimensão equivocada tecnicamente. Atribuo isso a uma falha de concepção. Por que isso é importante? Porque existe um debate político e nós não podemos errar. Quando eu via a campanha publicitária do nosso governo sobre a Reforma da Previdência na televisão, normalmente desligava a TV, porque aquilo me dava um certo mal-estar, e vou dizer o porquê. Por que derrotamos o Fernando Henrique Cardoso? Porque, em 1995, apresentamos uma proposta que em grande medida está respaldada agora, com ajustes. Mas, no todo, está bancada por decisões partidárias. Mas qual é o problema? Onde Fernando Henrique errou feio e nós vencemos o debate? Primeiro, ele dizia que a Previdência estava quebrada. Nós, então, defendíamos a auditoria do Tribunal de Contas da União, auditoria externa, apresentamos as contas e ganhamos esse debate sobre a questão da existência ou não de um déficit. Ganhamos o debate naquele momento porque eles foram incompetentes politicamente. Porque sustentavam que a Previdência estava quebrada e nós provamos que não estava. Diziam que o servidor era privilegia90


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do e nós provamos que não. Quer dizer, nisso o nosso governo não entrou nem pode entrar. O que representa a questão do superávit do Regime Geral? A Seguridade Social, que é uma tese cara para todos nós, envolve Previdência, Saúde e Assistência Social. Então, quando se fala do dinheiro da Seguridade Social, fala-se de uma mistura, de algo que não existe, porque a Seguridade Social é o Regime Geral, é para os trabalhadores da iniciativa privada. Então, dizem que o superávit que foi de 32 bilhões de reais, em 2002, dá para pagar todas as aposentadorias do Regime Geral, e dá para pagar também a dos servidores públicos federais, civis e militares. Ou seja, o superávit da Seguridade é dessa monta. Porém, esse superávit precisa ser relativizado. Só existe esse suposto superávit porque é pouco o dinheiro que vai para a Saúde, para a Assistência Social, e os benefícios pagos pela Previdência também são baixos. Então não dá para levarmos às últimas conseqüências a tese do superávit. Ela serve apenas para provar que, mantido aquele cálculo do Fernando Henrique, evidentemente há dinheiro de sobra, não dá para falar em quebra. Agora, também não dá para dizer que não é preciso fazer reformas. Mas, quando o Ministério fala de déficit de 17 milhões de reais no Regime Geral, ele está considerando a conta específica da Previdência Social, não o orçamento da Seguridade. É quanto os trabalhadores pagam, quanto as empresas pagam, qual é o valor do benefício do outro lado... Essa conta não fecha, aí é que se deve aportar 17 bilhões de reais. De onde sai esse dinheiro? É mais do que suficiente sair da Seguridade Social. É por isso que esse debate sobre déficit ou superávit não contempla todas as nuanças, mas serve como argumento. Para nós foi útil. O governo anterior não conseguiu escapar disso. Vamos ao déficit dos regimes próprios: 56,3 bilhões de reais. Aqui também há um erro. Uma pessoa que se torna servidor público vai trabalhar na sua repartição, cumprir com suas obrigações. Se cobram dele ou não, não é ele que decide. Como isso não foi feito... Primeiro, não há um sistema que diz que tem de se pagar tanto, durante tanto tempo. Segundo, o Estado nunca fez o aporte dos seus 91


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recursos. Terceiro, mesmo havendo esse déficit, nesse aspecto de quanto contribui e quanto recebe, isso é recente, data de dezembro de 1993. A regulamentação foi em 1991 e em 1993 começou o pagamento. Então, é querer analisar o filme todo por uma fotografia. Mas são apenas argumentos contábeis com alto conteúdo político. Não é por isso que a reforma tem de ser feita. É para se obter um equilíbrio global. Ou seja, o Brasil não é só a Previdência, não é só saúde, não é só assistência. Também é segurança pública, transporte, estrada, moradia etc. Como disse em outra ocasião nosso companheiro de bancada Chico Alencar, do Rio de Janeiro, o epicentro da proposta não é a Reforma Previdenciária. O que é, então, de fato? É que, ao buscar equilibrar as finanças públicas como um todo, aí vêm superávit primário, contratos internacionais, Previdência, necessidade de investimento... É disso que estamos falando. Ninguém encontrará eco em mim se disser que essa proposta não tem o sentido de ajuste. E, se não fosse necessário esse ajuste, não iríamos fazê-lo. Era melhor ampliar benefícios, ganhar o eleitorado. Vejam-se as várias reações na nossa bancada, no PT, fora dele. Esse é um tema a ser trabalhado politicamente, de forma bastante precisa. Vamos a outra questão: homogeneização do Regime Geral da Previdência Social com os Regimes Próprios dos Servidores. Vale a pena entrar nesse ponto só para provocar algumas reflexões. Isso é dado como resolvido no PT, mas creio que merece algumas observações. O que leva o governo brasileiro – corretamente na minha opinião – a excluir as Forças Armadas da proposta? Não dá para colocá-las num regime único, universal, sem considerar que elas são um poder real e, sob o regime democrático, a garantia final da própria existência do Estado e da nação. Isso significa que os militares não são exatamente iguais a todos os profissionais e trabalhadores. Outra questão polêmica na reforma e no Congresso Nacional é que não se considera, no Regime Geral, na unificação geral, aquelas que são consideradas as carreiras típicas do Estado. Então, um bom rumo é observar a experiência internacional. Porque não é 92


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possível que o Brasil seja tão diferente que o que cabe em outro lugar não sirva aqui. Agora, há limites para a experiência internacional, pois, como foi dito, a história de cada país produz a história de sua Previdência. Por exemplo, na medicina, quando existem vários tratamentos para uma mesma doença, significa que nenhum emplacou para valer. Nenhum médico ia ficar inventando vários tipos de cirurgia se houvesse uma comprovadamente melhor. Ou seja, se existem várias propostas no mundo, é porque se trata de situações não resolvidas. Ou seja, ainda na questão da reforma, as mudanças podem ir e voltar. Ficam a nossa luta, a nossa tradição e os nossos objetivos. Essa reforma proposta por nosso governo, inclusive, é algo que pode ir e voltar. Não existe um fato consumado. Não está escrito nas estrelas que os modelos da América Latina, do mundo todo, sejam a última palavra em matéria de organização previdenciária. O que está faltando nessa questão dos servidores públicos? É que se você não dá um tratamento diferenciado para esse setor, para aqueles que têm uma função importante na profissionalização do Estado, que atuam em benefício da sociedade, isso pode desestimular as pessoas qualificadas, aplicadas, sérias, honestas, a ficarem na máquina pública. O que não é nada bom, porque ou ficam os medíocres, ou ficam medíocres e ladrões, ou ainda ficam os abnegados, os patriotas, que podem ser poucos. Isso deve estar presente no debate, porque, embora pessoalmente eu ache que a aproximação dos regimes e regras é uma bela iniciativa, não podemos esquecer as características do Estado. Estado mínimo, privatização de estatais, reformas fiscal e previdenciária: esse é o receituário neoliberal. Mas, para não ficar no senso comum, na Reforma da Previdência temos o fato de se propor um Fundo de Pensão com benefício definido. Isso é uma diferença brutal em relação ao ideário neoliberal. Por quê? Porque a responsabilidade de garantir o benefício, depois de 30 anos, é da instituição, e não apenas do indivíduo que colocou o dinheiro numa pretensa poupança, que vai depender de aplicação financeira e, num país como o Brasil, que vai demorar 30, 35 anos para saber o que rendeu. Não dá muito certo. 93


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Acho que isso é essencial, que nos diferencia, pois mesmo na Previ – que é a jóia da Coroa – os funcionários do Banco do Brasil que estão entrando agora perderam a possibilidade do benefício definido. O funcionário sabe quanto paga, mas não quanto vai receber. Pode até ser melhor, mas não está garantido. Com o benefício definido, é possível fazer ajustes atuariais, ou seja, as aplicações são observadas, renderam mais, renderam menos, o beneficiário vai receber 80% do que recebia na forma de salário. Quando se percebe que a aplicação não está indo bem, é possível alertar todo mundo e então aumentar a contribuição ou diminuir o benefício. Então existem assembléias, a coisa é democratizada, porque não há milagre. Todo mundo já ouviu falar que não existe almoço de graça. Aposentadoria também não. Esse debate apresenta polêmicas de ordem macroeconômica, de ordem microeconômica, de ordem político-econômica. Há um debate mundial sobre o fato de o Fundo de Pensão promover a poupança e o desenvolvimento. Pode ser mentira e pode ser verdade. Ainda não há uma posição consolidada. Entre nós, há os que acreditam que isso está consolidado e aqueles que não vêem a questão dessa forma. Aumenta a poupança interna? É questionável se aumenta a poupança interna. Para haver poupança é preciso renda. E no Brasil a distribuição de renda não é exatamente uma maravilha. Então, se aplicar no Fundo de Pensão e deixar de contribuir para o Regime Próprio, a pessoa trocou seis por meia dúzia e não aumentou a poupança interna, naturalmente. De fato, se não houver regras que orientem e até determinem o Regime Geral e, infelizmente, nosso Regime Próprio também, sempre existirá gente que não vai querer pagar a Previdência Social. Amanhã poderá ser mais um nas ruas, sem nenhuma proteção social. Então, a obrigatoriedade, a universalidade, a democratização são caminhos bastante seguros e que devem servir de âncora para toda e qualquer mudança que venha a ocorrer, porque apesar de todas as vicissitudes a Previdência no Brasil não quebrou, não quebra… Até porque há 60% da população economicamente ativa fora da cobertura previdenciária. Ou seja, a maioria dos traba94


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lhadores não tem proteção previdenciária. E esse é o drama. O problema nunca esteve na Previdência. Assim, quando se diz que o salário do servidor é alto, o problema não está na Previdência, está na péssima distribuição de renda. Na ativa, o promotor tem de ganhar um bom salário. Ou não? Se não ganhar, não teremos promotores. E assim vai. A questão da aposentadoria consolida a estrutura social existente no Brasil. Então, não adianta bater no cachorro, tem de identificar quem é o dono do cachorro. Esse debate tem de acontecer para continuarmos a fazer mudanças no Brasil. Tem de ocorrer com a dimensão que o ministro Ricardo Berzoini, com muita propriedade, aponta: tem que haver um sistema equilibrado atuarialmente, ou seja, sem comportar benefícios tão altos, porque senão eles serão sustentados por aqueles que ganham muito pouco. Acho que isso dá uma outra dimensão ao problema: promover mudanças na Previdência, mas não só nela, promover distribuição de renda e tornar nossa sociedade mais justa e equilibrada. Acho que devemos trabalhar para emendar a proposta do governo em alguns pontos. Peço apoio da direção do partido, principalmente, para mediar esse debate e, com a autoridade própria da direção, ajudar o governo, a bancada e a todos nós. Primeiro, acho injusto acabar com a idade mínima de 48 e 53 anos e instituir mais 7 anos. É preciso uma emenda que faça a transição. Há várias propostas, para mim qualquer uma delas serve, desde que haja uma transição. Segundo, a mudança do cálculo do benefício. Imagine-se alguém que tem uma família grande e que trabalha com a expectativa de ter uma certa aposentadoria. Ele está há 30 anos no serviço público e aí vem a reforma, que não só o impede de receber integralmente, não só acaba com a sua paridade, como também faz o cálculo do seu benefício contemplando desde quando ele era officeboy e ganhava 200 reais até agora que ele está ganhando 3.000 reais... Eu defendo o seguinte: quem trabalhou 25 anos no serviço público, com essas regras, receberá, se for homem, 25/35 de acordo com as regras atuais, e o que faltar proporcionalmente, pelas novas 95


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regras. Eu sei que isso é pesado, pois a pressão dos governadores e prefeitos é enorme. Mas acho que a bancada do PT tem de apresentar uma emenda nesse sentido. Terceiro, com referência às pensões, se for necessário reduzir pensões, não pode ser linearmente. Tem de ser, de fato, igual, protegendo também os servidores até o teto, como protege os trabalhadores da iniciativa privada. A questão do subteto vai gerar problemas jurídicos, então acho que vai se resolver “naturalmente”. Com referência aos inativos, talvez valesse a pena apresentarmos uma emenda autorizando os entes federados a cobrarem, porque aí se liberam os estados complicados, como o Rio Grande do Sul, e, quem sabe, o governo federal não precisasse cobrar, pois a arrecadação gerada, de fato, é muito pequena para tamanha polêmica.

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Parte 3 – A situação atual e a reforma


A REFORMA NECESSÁRIA

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Ricardo Berzoini

A reforma necessária

A Previdência Social é um dos temas mais instigantes e apaixonantes para quem discute política social, proteção social, com uma visão moderna de democracia, com um Estado forte e moderno, capaz não apenas de dar o que a Constituição hoje determina, mas de garantir os avanços constitucionais necessários para podermos, de fato, ter Previdência Social no Brasil, no sentido mais amplo da palavra. Quero dizer que é um prazer especial para mim debater este tema na condição atual. O governo já tem uma proposta no Congresso Nacional, que foi construída ao longo de mais de 100 dias de debates, sempre difíceis, acalorados, que com certeza movimentaram entidades sindicais, governadores, prefeitos, deputados estaduais, vereadores, deputados federais e senadores. Nesse período, até o final de abril de 2003, recebemos e procuramos as mais variadas lideranças relacionadas à questão previdenciária. Obtivemos muitas contribuições, propostas, sugestões, críticas às declarações iniciais do governo. Refletimos sobre essas críticas e procuramos produzir a proposta mais justa do ponto de vista social que pudesse guardar relação com a história do PT e com o nosso programa de governo. Mas, simultaneamente, lem99


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brando que o PT não é único na base do governo, procuramos dialogar com os demais partidos. E, considerando a importância da Reforma Tributária e Previdenciária para o país, dialogamos com os 27 governadores e com uma quantidade muito grande de prefeitos que foram ao Ministério, que procuraram outros ministros e também o nosso presidente Lula para discutir a questão. Quero começar me referindo ao nosso Programa de Governo. Sei que as resoluções anteriores do PT já foram explicitadas mais de uma vez neste seminário. São resoluções bastante contundentes, como por exemplo a de 1996, tomada numa reunião em que eu estava presente como membro do Diretório Nacional, e que é extremamente explícita sobre as posições que o PT defende para a questão previdenciária. Mas, sobre o nosso Programa de Governo e o que ele contém sobre o assunto, queria ler dois trechos. O primeiro: “[…] aos trabalhadores tanto do setor público como do privado, que almejam valores de aposentadoria superiores ao oferecido pelo teto da Previdência pública, haverá o sistema de planos complementares de aposentadorias, com ou sem fins lucrativos, de caráter facultativo e sustentado por empregados e empregadores”.

Ou seja, em complemento ao sistema público universalizado, que é um objetivo de médio e longo prazo para os trabalhadores, tanto do setor público como do privado, que almejam valores de aposentadoria superiores ao oferecido pelo teto da Previdência pública, haverá o sistema de planos complementares de aposentadoria, com ou sem fins lucrativos, de caráter facultativo e sustentado por empregados e empregadores. Quero chamar a atenção para a expressão “com ou sem fins lucrativos”, que foi submetida aos fóruns que decidiram o programa. Na reunião do Diretório Nacional de abril de 2003 apresentei uma emenda que avançava na compreensão política dessa questão, que é exatamente a compreensão que nós defendemos. Retiramos o “com ou”, deixando a redação assim: “Fundos de Pensão fechados, sem fins lucrativos, geridos paritariamente”. 100


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Por que isso? Porque, embora no Programa de Governo estivesse a concepção mais ampla, a partir do diálogo, entendemos a preocupação das entidades de servidores. E também pela nossa própria concepção histórica de defesa dos Fundos de Pensão sem fins lucrativos. O segundo trecho do Programa de Governo: “Em relação à Previdência do setor público, o desequilíbrio apontado é três vezes maior do que o apresentado no Regime Geral. Ou seja, próximo de R$ 50 bilhões, o que representa 4,1% do PIB, conforme dados do então Ministério da Previdência e Assistência Social para o ano de 2000”.

Quero chamar a atenção que também aí houve um grande avanço, principalmente na metodologia de discussão sobre o déficit da Previdência no setor público. Até o governo anterior – e esses dados foram obtidos a partir de dados oficiais do governo anterior – só se considerava a contribuição dos servidores para apurar o desequilíbrio da Previdência do servidor público. É como se a União, os estados e os municípios não tivessem nenhuma obrigação de contribuir. Passamos a adotar, no segundo dia de exercício do Ministério, como determinação à nossa equipe que faz os levantamentos, que se considere – para divulgar qualquer dado sobre desequilíbrio de Previdência do servidor público – a contribuição patronal, ou seja, que nós observemos que a União, os estados e os municípios, como empregadores, devem assumir a sua responsabilidade. E adotamos o critério mais favorável possível para os servidores, que é uma contribuição de 2 para 1, sem teto. Ou seja, em todos os dados que estamos divulgando há uma evolução metodológica fundamental para a compreensão da questão previdenciária, são dados que consideram União, estados e municípios como empregadores. E, como empregadores, se não houvesse regime próprio, eles teriam de inscrever seus empregados no INSS e pagar 2 para 1, sem teto. Destacando esses dois aspectos, esclareço que todo o texto do Programa de Governo continua disponível nas páginas eletrôni101


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cas do PT, para chamar a atenção de não existir, de fato, nenhum tipo de mudança de posição nossa em relação ao Programa. Evidentemente, detalhes podem ser diferentes, até porque esse não é um governo só do PT, é um governo de um conjunto de forças mais amplas, capitaneado pelo PT, mas que não pode deixar de dialogar democraticamente com o restante do conjunto. Mas, para começar a aprofundar a questão previdenciária no sentido conceitual, quero comentar algumas questões que, infelizmente, no Brasil, há muito tempo confundem a discussão desse tema. Primeiro, o conceito previdenciário fundamental é o de proteção social. Não é apenas aposentadoria como tanta gente pensa. “Previdência é para eu me aposentar...”, esse dado é muito recorrente, até porque, muitas vezes, o mercado privado tenta vender a idéia dos planos de Previdência dos bancos como poupança para a aposentadoria. Mas a Previdência é uma proteção social muito mais ampla, são dez benefícios, no caso do INSS e da Previdência dos setores públicos, entre os quais a aposentadoria e a pensão, mas existe uma série de outros benefícios. Mas o que é fundamental? É que a sua sustentação deve se dar pela contribuição de empregados e empregadores, além de subsídios orçamentários das contribuições sociais e de outros impostos. Previdência pode ter, sim, subsídio tributário, dinheiro que venha dos tributos gerais para subsidiar o sistema, desde que haja justificativa social, como uma política universalizante ou voltada para segmentos sociais cujas características específicas justifiquem esse subsídio. Podemos dizer que o sistema é adequado quando a sua principal sustentação vem da contribuição de empregados e empregadores. Ou seja, um sistema é equilibrado quando não precisa, por razões específicas, de subsídios em larga escala, pela condição social de seus integrantes, quando a contribuição do empregado e do empregador sustenta a imensa maioria do fluxo. O subsídio ou é eventual, ou é minoritário. Serve para complementar e não para sustentar o sistema. Como disse, além da aposentadoria, a Previdência garante outras situações em que o sustento do participante não possa vir do trabalho. A pensão por morte, que é um benefício imprevisível. É 102


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previsível, mas não é previsível quando. Aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente, salário-maternidade, auxílio-reclusão e outros. Portanto, um bom sistema previdenciário deve considerar a incidência desses eventos previsíveis e também dos imprevisíveis, de modo a garantir que o seu financiamento leve em conta esses custos. Quem planeja o sistema previdenciário, que envolve décadas de operação, de planejamento e de execução, deve levar em conta a incidência média, o potencial de incidência dos chamados riscos não previsíveis, e simultaneamente prever o tempo de contribuição necessário para que – dentro da expectativa de vida média daquele grupo social – seja possível sustentar o sistema com as contribuições dos empregados e empregadores e, minoritariamente, com subsídios. No Brasil, há duas previdências públicas. A do INSS, que é o chamado Regime Geral de Previdência Social, previsto no artigo 201 da Constituição, como parte da Seguridade Social, tem 19 milhões de beneficiários hoje. Os 21 milhões sempre mencionados incluem os 2 milhões de benefícios assistenciais. Portanto, exclusivamente previdenciários são 19 milhões, e 29 milhões de contribuintes segurados, que todos os meses pagam, por intermédio da empresa que recolhe sobre a folha de pagamento a contribuição do empregado e do patrão, ou são contribuintes facultativos das mais diversas espécies. O Regime dos Servidores – e aqui estou colocando só os federais e os estaduais, de que temos dados mais seguros – conta com 950 mil beneficiários da União e 840 mil contribuintes segurados. Há mais beneficiários do que contribuintes, entre outros fatores porque o governo anterior fez uma política de terceirização e de esvaziamento. Mas, mesmo que tivesse mantido o mesmo quadro de 1995, estaríamos praticamente na base de 1 para 1: um contribuinte para cada beneficiário. Nos estados há 1,5 milhão de beneficiários para 1 milhão de contribuintes. Quais são as principais diferenças entre os dois sistemas? Primeiro, a definição do benefício. No sistema do INSS, do Regime Geral, o benefício é calculado considerando-se 80% das melhores 103


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contribuições desde julho de 1994, quando o cadastro passou a ser mais confiável – eu diria, 95% a 99% de confiabilidade. Faz-se a média e apura-se o valor aplicando o fator previdenciário. No Regime dos Servidores considera-se a última remuneração. O único critério para ter a última remuneração é que tenha 35 anos de contribuição, 30 anos no caso da mulher, para qualquer regime, pode ser inclusive contribuição para o INSS e que tenha pelo menos dez anos de serviço público, e pelo menos cinco anos no cargo em que se dá a aposentadoria. Então o servidor se aposenta com o último salário. Isso faz, por exemplo, que uma pessoa com a minha idade, 43 anos, se fizer um concurso público agora e para o salário mais alto – procurador do Ministério Público –, com dez anos se aposente com o teto, ou seja, se aposenta com sua última remuneração, mesmo tendo contribuído por 25 anos para o INSS. A segunda diferença fundamental é que no INSS tem teto, no Regime dos Servidores, não. O teto do INSS é de 1.561 reais, a partir de maio de 2003. Com a correção dos demais benefícios acima do salário mínimo, deve ir para cerca de 1.850 reais. Se aprovada a nossa proposta, irá para 2.400 reais, recuperando-se os dez salários mínimos, sem indexação, que valia em 1998. No Regime dos Servidores não há teto. Se a pessoa ganha 8 mil reais, aposenta-se com 8 mil reais. Se ganha 12 mil reais, aposenta-se com 12 mil reais. Se ganha 500 reais, aposenta-se com 500 reais. O reajuste do benefício no Regime dos Servidores é por meio da paridade com os ativos. Por exemplo, a pessoa era fiscal, quando aumenta o salário do fiscal ativo, aumenta o dele também. Mas, se o salário do servidor da ativa não aumenta, o do aposentado também não aumenta. Então, é bom por um lado e ruim por outro. Bom porque acompanha a remuneração dos ativos e, para as categorias que têm maior poder de pressão, isso significa vantagens. É ruim porque aquelas categorias que têm menor poder de pressão muitas vezes ficam anos e anos sem reajuste. O Regime dos Servidores apresenta uma grande distorção previdenciária. Acho que esse é o ponto central da nossa análise e que merece, de um partido como o PT, um rigor político e científico na análise que, com certeza, deve tornar-se o centro da avaliação. O 104


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centro, evidentemente, é político, mas, do ponto de vista da avaliação do sistema, creio que esse é o centro. O Regime dos Servidores não observa relações básicas entre contribuições e retribuições. Em muitos casos a pessoa recebe o benefício por um prazo superior ao que contribuiu. Se fizermos o cálculo das contribuições contra o cálculo das retribuições, isso representa um subsídio extremamente elevado. Em outras palavras, o conjunto da população, 170 milhões de brasileiros, contribui com impostos para subsidiar a aposentadoria de 950 mil servidores, no caso da União. Há um processo de concentração de recursos para subsidiar o sistema de uma minoria. Não há teto e o benefício é definido pela última remuneração do servidor. Ora, toda vez que se tem um sistema sem teto e sem uma correlação entre contribuição e retribuição, o que acontece? A tendência do ser humano, na sua atividade profissional, é evoluir no final da carreira. É óbvio que há exceções, mas a maior parte das carreiras são construídas no sentido de melhorar a remuneração, quando a pessoa se aproxima do final. Portanto, a contribuição dele nos dez primeiros anos da sua atividade não tem nenhuma relação com a última remuneração, e é essa que é adotada como critério para a aposentadoria. Isso não obedece ao disposto no caput do artigo 40 da Constituição Federal, que estabelece esse próprio sistema. Ou seja, o artigo 40 é claro, e aí houve uma incoerência durante a tramitação da Emenda Constitucional 20 que precisa ser sanada. O caput diz: “o sistema precisa ser contributivo e respeitar o equilíbrio financeiro e atuarial”. O que quer dizer que – seja do ponto de vista do sistema de capitalização, seja do ponto de vista da repartição – é preciso coerência entre as contribuições e as retribuições. Ainda que haja subsídio, ele deve ser residual, minoritário, ou dirigido a populações com certas características socioeconômicas que necessitam de subsídio. É o caso dos mais de 6 milhões de trabalhadores rurais, que se aposentaram sem contribuir como os trabalhadores urbanos. No mundo rural é muito difícil termos um sistema que seja efetivamente contributivo, porque as características da economia rural, do assalariamento rural, da agricultura familiar, dificultam a existência desse sistema. Podemos melhorar o atual siste105


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ma – e já estamos discutindo com a Contag e com entidades empresariais como melhorar a arrecadação na agricultura, que no ano passado foi de 2,3 bilhões de reais, embora a despesa tenha sido de 17 bilhões de reais. Mas é impossível torná-lo um sistema puramente contributivo. Nesse caso o subsídio é justo. É combate à fome, à pobreza, é manutenção do trabalhador rural, após se aposentar, no seu próprio ambiente, no campo, para ele não ter de migrar em busca de renda. Qual é o impacto orçamentário que temos hoje? Quero chamar a atenção para a questão orçamentária. Não é uma discussão macroeconômica do ponto de vista fiscal. É aquilo que é mais caro ao Partido dos Trabalhadores, que é a justiça do orçamento. O PT ficou conhecido como o partido que disseminou pelo país a lógica do orçamento participativo. Se entendemos que o orçamento participativo é um instrumento de democratização, é porque valorizamos o orçamento como peça que faz a mediação entre aquilo que o Estado consegue arrecadar e onde esse recurso deve ser aplicado. Portanto, o orçamento é uma peça fundamental da democracia. Isso vale para os municípios, para os estados, para a União, para qualquer sindicato, associação e para o próprio Partido dos Trabalhadores, quando arrecada suas contribuições e deve decidir onde gastar. O Regime Geral da Previdência Social, o INSS, consumiu em 2002 17 bilhões de reais para subsidiar o sistema que atende 19 milhões de beneficiários. O Regime dos Servidores consumiu, em 2002, mais de 22 bilhões de reais. Mais de 22 bilhões de reais para subsidiar um sistema de apenas 950 mil beneficiários. E não se trata de desrespeitar ou satanizar o servidor público, mas de chamar a atenção para um sistema que foi mal construído, mal elaborado, que está mal operado e que precisa ser alterado de maneira profunda, em defesa do próprio interesse dos servidores. No futuro próximo, muitos estados poderão não ter mais como pagar os benefícios, porque de um sistema de Previdência Social o sistema se transformou em um mecanismo de acúmulo de renda, em muitos casos. Há pessoas que se aposentam precocemente para 106


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

buscar outra ocupação, muitas vezes na iniciativa privada, outras vezes no próprio Estado, para acumular remunerações elevadas à custa do Tesouro, do contribuinte. Nos estados, mais de 14 bilhões de reais foram gastos para subsidiar o sistema de 1,5 milhão de beneficiários. O Quadro 1 mostra alguns dados importantes sobre Previdência Social no Brasil, sobre a Previdência Rural em relação à urbana, com arrecadação e pagamento de benefícios. Quando encaminhou a Reforma da Previdência, o governo anterior dizia genericamente que a Previdência tinha déficit. Na época, dizíamos que a Previdência não tinha um déficit genérico, mas problemas diferenciados por segmento, e que o tratamento dado pelo governo de então era equivocado porque generalizava a questão previdenciária, que era muito diferente de acordo com o segmento. Quadro 1 Previdência Rural X Urbana Valores em milhões de reais correntes Ano

Clientela

Arrecadação líquida (a)

Benefícios previdenciários (b)

Saldo (a-b)

1997

TOTAL Urbano Rural

44.148 42.670 1.478

47.249 38.182 9.067

(3.101) (4.488) (7.589)

1998

TOTAL Urbano Rural

46.641 45.301 1.340

53.743 43.872 9.870

(7.102) (1.429) (8.531)

1999

TOTAL Urbano Rural

49.128 47.801 1.327

58.540 47.886 10.654

(9.412) (85) (9.328)

2000

TOTAL Urbano Rural

55.715 54.172 1.543

65.787 53.614 12.173

(10.072) (558) (10.630)

2001

TOTAL Urbano Rural

62.492 60.651 1.841

75.328 60.711 14.617

(12.836) (60) (12.776)

2002

TOTAL Urbano Rural

71.028 68.726 2.302

88.027 70.954 17.072

(16.999) (2.228) (14.770)

Fonte: Fluxo de Caixa INSS; Boletim Estatístico da Previdência Social; Informar/INSS Elaboração: SPS/MPS

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A REFORMA NECESSÁRIA

Em 1997, o sistema previdenciário do INSS, setor urbano, teve um superávit de 4,5 bilhões de reais. Apenas seis anos atrás, um superávit de 4,5 bilhões de reais. No entanto, na mesma ocasião, o segmento rural teve um déficit de 7,5 bilhões de reais, necessitando, portanto, de subsídios orçamentários. O desequilíbrio total do sistema foi de 3,1 bilhões de reais. Em 1998, ainda houve superávit no setor urbano, 1,4 bilhão de reais, enquanto o setor rural fez que o desequilíbrio chegasse a 7,1 bilhões de reais. Em 1999, tivemos um pequeno déficit no setor urbano e um déficit ainda maior no setor rural. Em 2000, voltou a haver superávit no sistema previdenciário do INSS, setor urbano, de 500 milhões de reais. E o desequilíbrio no setor rural subiu para 10,6 bilhões de reais. Em 2001, um pequeno déficit no setor urbano e aumento do desequilíbrio no setor rural. Em 2002, somando o setor rural e urbano, 17 bilhões de reais de desequilíbrio. Portanto, ao analisarmos esse quadro, verificamos uma questão fundamental do ponto de vista conceitual, o subsídio no setor previdenciário é plenamente cabível quando dirigido a segmentos que precisam dele, como é o caso dos rurais. E a outra informação importante, o sistema previdenciário urbano do INSS não é estruturalmente deficitário: bem administrado e com a economia crescendo, ele é potencialmente equilibrado ou até superavitário, dependendo de uma postura correta na cobrança dos sonegadores, no combate à fraude e à sonegação de maneira mais ampla e preventiva, além de uma gestão tecnológica adequada dos dados do INSS. As fraudes são elevadas e o governo anterior pouco fez para combatê-las. Nós estamos iniciando uma grande ofensiva para recuperar o tempo perdido. O Quadro 2 é importantíssimo para quem discute orçamento público ou gosta de comparar políticas públicas para segmentos diferenciados da população. A tabela mostra o que é Previdência dos Servidores e Previdência do INSS. Vemos então que a barra relativa à Previdência dos Servidores da União é bastante pequena, porque representa 950 mil beneficiários. Na Previdência do INSS, a barra é a maior porque são 19 milhões de beneficiários. Os subsídios, em 2002, foram de 22 bilhões de reais, ante 17 bilhões de reais do INSS. E o quadro mos108


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tra também o valor per capita, quanto se gasta para cada cidadão comparativamente em termos de subsídio, lembrando que no INSS está todo o setor rural, se estivesse só o setor urbano praticamente desapareceria o subsídio. Quadro 2 Beneficiários X Subsídios 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 Previdência dos Servidores da União

Previdência INSS

950

19.000

Subsídio

22.000

17.000

per capita

23.157

894

Beneficiários

Fonte: PNAD/IBGE/MPS.

No setor dos servidores da União, gastam-se 23 mil reais per capita, por ano. No setor da Previdência do INSS, gastam-se 894 reais per capita. Esse é o quadro que tenho apresentado para o Brasil inteiro e que deixa clara a situação da Previdência dos Servidores comparativamente à do INSS, com a contribuição patronal na base de 2 para 1. Em 2002, somando estados, municípios e União, houve alocação de quase 40 bilhões de reais em subsídio para os três sistemas. Para deixar claro o que significa essa quantia no Brasil, o orçamento federal da Saúde é da ordem de 27 bilhões de reais em 2003. O Quadro 3, também importante, mostra que a expectativa de vida quando a pessoa se aposenta – que é um conceito muito diferente de expectativa de vida ao nascer – está crescendo. Uma pessoa que se aposentar com 50 anos vai viver em média mais

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A REFORMA NECESSÁRIA

25,6 anos. É bom. Tomara que viva 40, 50 anos. Ela vai viver 25,6 anos e a Previdência precisa planejar isso, precisa calcular. As mulheres, que são mais sábias e tolerantes, vivem mais 27,8 anos após a aposentadoria, e os homens mais 23,4 anos. Quem se aposenta aos 60 anos vive mais 17,9 anos, em média. Sendo 19,6 anos as mulheres e 16,1 anos os homens. Quadro 3 Expectativa de vida Expectativa de vida, em anos

90,0 Total

Homens

Mulheres

84,8

82,3 81,2

79,6 79,6

74,4

69,2

72,9 68,9

75,4

75,7

71,7

72,1

68,1

68,6

10

20

76,1 73,0 69,9

77,8

76,7

75,6

74,1 71,4

73,4

77,9

86,4 85,8 85,4

79,9

76,1

65,1 64,0

2

30

40

50

60

70

80

Idade, em anos Fonte: PNAD/IBGE/MPS.

Vejamos alguns exemplos para entendermos o que está em discussão. O nosso sistema de Previdência, tanto o INSS quanto a Previdência do Servidor Público, é um sistema de repartição, não de capitalização, portanto não comporta discussão como taxa de juros ou outros sistemas. Se aprovarmos os fundos de complementação acima do teto, na modalidade de capitalização, aí sim teremos um potencial de acumulação maior para cada aposentado e para o sistema, pois a capitalização é mais eficiente nessas faixas do que a repartição. A repartição é mais eficiente na faixa de distribuição geral, em que o subsídio orçamentário pode e deve estar presente. As regras de hoje permitem que uma pessoa contribua em média por 32,5 anos, ou seja, 30 anos a mulher, 35 o homem. E que se aposentem em média aos 50,5 anos: 53 anos o homem, 48 110


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a mulher. É bom lembrar: antes da Emenda 20, não havia nem isso. Portanto, a regra permitia aposentar-se antes. Essa pessoa aos 50,5 tende a viver aproximadamente mais 25,6 anos. Se ganha 2 mil reais – vamos imaginar a situação da pessoa que teve o mesmo salário a vida toda, o que é muito raro – e contribuiu com 11% ao longo de toda sua vida, pagou 92.950 reais. Seu empregador, por exemplo, a União, pagou ou deveria ter pago 185.900 reais, o dobro da contribuição do empregado. Pagamento total: 278.850 reais. Ao se aposentar com os mesmos 2 mil reais, ao longo de 27 anos, que é o caso, por exemplo, de uma pessoa que viveu dois anos a mais que a média, receberá 665.600 reais, sem contar o pagamento dos benefícios de risco. Mas esse exemplo não é dos mais graves do ponto de vista previdenciário. Um cidadão que foi comerciário dos 16 aos 23 anos, pagando INSS pelo salário mínimo, recolheu 8% sobre 240 reais, o salário mínimo atual, e seu empregador recolheu 22% sobre seu salário. Total: 6.552 reais de recolhimento nesse período. Depois, ele passou num concurso para função administrativa na União, com salário de 1.200 reais, por exemplo. Ficou dos 23 aos 38 anos, 15 anos. Sua contribuição da União, acumulada, seria de 77.220 reais. Vamos supor que aos 38 anos o cidadão fizesse concurso, por exemplo, para procurador, e passasse a receber 6 mil reais. Aos 48 anos, foi promovido na carreira, passou para 8 mil reais e aposentou-se aos 53 anos. Nesses 15 anos, somou 257.400 reais, nos primeiros dez anos, e mais 171.600 reais, nos cinco últimos anos. Somando com o restante, o total de contribuições é 512 mil reais. Se ele viver até os 68 anos, ou seja, morrer antes da média, se tiver uma vida infelizmente inferior à idade média, receberá 1,56 milhão de reais de benefícios pagos pelo Estado. Se por acaso deixar pensão para sua esposa de 60 anos, ela usufruirá em média até os 79,6 anos, o que somará 2,038 milhões de reais. Vou dar outro exemplo aleatório. Um servidor com salário de 4 mil reais, desde os 20 anos. Aos 40, sofre um acidente e morre. Deixa uma pensão para sua esposa de 36 anos. Ela viverá em média até os 76 anos; a contribuição, incluída a patronal do funcionário, foi de 353.200 reais, a retribuição será de 2,08 milhões de reais. 111


A REFORMA NECESSÁRIA

Alguém pode argumentar: “Mas no INSS também pode acontecer isso e não está sendo proposta a mesma mudança”. O INSS tem um subsídio cruzado, importantíssimo, mas é um subsídio cruzado: as empresas pagam sem teto e o trabalhador paga e recebe com teto, portanto é um sistema que arrecada da folha de pagamento como um todo, sem teto, para subsidiar esse tipo de situação, o que muda conceitualmente em relação ao sistema dos servidores.

Exclusão previdenciária Quero passar para a questão da exclusão previdenciária no Brasil, que é um tema fundamental na minha avaliação, e combatêla depende necessariamente de mudanças orçamentárias estruturais, essencialmente no sistema previdenciário dos servidores. Existem hoje 40,7 milhões de brasileiros integrantes da população economicamente ativa que estão fora da Previdência Social, de qualquer regime. Não têm proteção. É o cidadão que trabalha, por exemplo, como ambulante, e que se sofrer um acidente – se ficar seis meses sem trabalhar – vai ficar sem renda, porque não tem proteção social, não tem auxílio-acidente, não tem auxílio-doença. Se por acaso tiver o infortúnio de falecer, a sua família também ficará sem renda. São 40 milhões e 700 mil brasileiros, 57,7% da população economicamente ativa. Se formos dissecar o Quadro 4, verificaremos que, desses 40,7 milhões de brasileiros, 22 milhões ganham abaixo de um salário mínimo. Portanto, é muito difícil ter política previdenciária para esse segmento, apesar de desejarmos que eles venham a ser incluídos na Previdência mediante o aumento da renda, mas não de uma política previdenciária para quem tem renda inferior a um salário mínimo. No entanto, 18,7 milhões têm renda acima de um salário mínimo. É óbvio que um salário mínimo talvez seja muito pouco para uma pessoa contribuir para a Previdência, é preciso encontrar outras saídas de inclusão. Mas são pessoas que potencialmente podem ser incluídas. Desses, 7,6 milhões são empregados sem carteira assinada; 1,7 milhão são empregados domésticos; 8,2 milhões são trabalhadores por conta própria; 1 milhão são empregadores. 112


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Quadro 4 Contribuintes X Potenciais contribuintes por posição na ocupação na população ocupada restrita* – 2001

Fonte: PNAD 2001/IBGE– Elaboração: Secretaria de Previdência Social/MPS *Pessoas de 16 anos a 59 anos e com rendimento igual ou acima de 1 salário mínimo (R$ 180,00 = set./2001). ** São trabalhadores que não recebem rendimentos do trabalho, mas possuem outras fontes de renda.

Quais os motivos dessa situação? São vários. Não existe uma política única de inclusão capaz de atender esses 18 milhões de pessoas, mas é possível buscar várias políticas. O Quadro 5 demonstra o que causou o período neoliberal no Brasil, com a estrutura da população ocupada. Em 1990, 57,7% dos brasileiros economicamente ativos eram empregados com carteira assinada. Em 2002, a quantidade caiu para apenas 45%. Os empregados sem carteira assinada passaram de 19% para 27%, e aqueles que trabalham por conta própria de 18% para 22,6%. Os empregadores, de 4,5% para 4,1%. Também houve uma queda entre os empregadores. 113


A REFORMA NECESSÁRIA

Quais são as diretrizes da inclusão previdenciária? Primeiro, redução da cota patronal sobre a folha. Essa proposta está na Reforma Tributária formulada conjuntamente pelos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Previdência. Com qual objetivo? Em função da evolução da economia e do modo de produzir das empresas, com certeza é necessário adequar o sistema de financiamento da Previdência. Então, a empresa que emprega muito e fatura menos, ou lucra menos, ou agrega menos valor, deve ter um tratamento diferenciado em relação àquela que emprega pouco e agrega muito valor. É preciso garantir um equilíbrio; a melhor forma, na minha opinião, é alcançar metade da arrecadação por meio da contribuição sobre a folha de pagamentos e metade por meio de uma contribuição sobre o faturamento, com as mesmas características do PISPasep (Programa de Integração Social – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), depois da reforma que foi feita no final do ano de 2002. Ou seja, sobre o faturamento descontados os insumos, sobre o valor agregado bruto da empresa. Com a redução da cota patronal sobre a folha, será possível a redução da contribuição do autônomo, nossa segunda diretriz. Ou seja, hoje um autônomo paga, no mínimo, 48 reais. A idéia é trazer a contribuição mínima à Previdência para 24 reais, de modo que ele possa, por opção, se filiar à Previdência e fazer o sacrifício de abrir mão de uma parte de sua renda todo mês para ter proteção social. Não é apenas para se aposentar, volto a dizer. A Previdência durante a fase ativa do trabalhador é tão importante quanto na aposentadoria, por causa do auxílio-acidente, do auxílio-doença, do salário-maternidade e de tantas outras questões. A terceira diretriz já está sendo encaminhada desde o início do ano. É a ampliação da fiscalização, quantitativa e qualitativamente. Alterar as formas de fiscalizar, melhorar os controles tecnológicos, combater a corrupção, atingir aqueles que contaminam, do ponto de vista ético, a Casa. Quarto ponto: educação previdenciária. Educação previdenciária é deixar claro o que foi dito anteriormente. Participar da Previdência é estar protegido, é proteger sua família. É garantir que aquela renda de que se abre mão, por mais que se tenha problemas 114


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financeiros, é uma segurança para evitar um infortúnio qualquer. A educação previdenciária se faz de várias maneiras, inclusive por meio de um processo de relacionamento da Previdência com a sociedade civil, que infelizmente não foi dos melhores nos últimos anos. Quadro 5 Brasil: estrutura da população ocupada (1990 a 2002 – janeiro a novembro) A década de 1990 foi marcada pela deterioração das relações formais de trabalho, com queda de 13,7 % na participação dos trabalhadores com carteira assinada entre 1990 e 2000. Por outro lado, verificou-se um aumento da participação dos conta-própria e empregados sem carteira. 4,5% 4,5% 4,4% 4,4% 4,3% 4,5% 4,7% 4,6% 4,6% 4,6% 4,6% 4,2% 4,1%

18,5% 20,3% 21,0% 21,1% 21,9% 22,1% 23,0% 23,4% 23,3% 23,8% 23,6% 23,2% 22,6% 19,3%

21,0% 22,2% 23,2% 23,9% 24,2% 25,1% 25,0% 25,7% 26,6% 27,9% 27,2% 27,8%

57,7% 54,2% 52,3% 51,3% 49,9% 49,1% 47,2% 47,0% 46,4% 45,0% 44,0% 45,3% 45,5%

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Empregados c/ carteira assinada

Empregados s/ carteira assinada

Conta-própria

Empregador

Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego – PME/IBGE - PME/IBGE Elaboração: SPS/MPS

Em quinto lugar vem o crescimento econômico, que com certeza é o mais inclusivo de todos os mecanismos. Fazer o país crescer, voltar a gerar emprego. Atividade econômica gera inclusão previdenciária porque gera inclusão econômica. Enfim, a Reforma da Previdência foi proposta com base nos seguintes conceitos: primeiro, democratização e justiça orçamentária. Ou seja, trata-se de alocar recursos públicos de maneira me115


A REFORMA NECESSÁRIA

nos concentradora. Hoje nosso sistema de Previdência dos servidores públicos é essencialmente concentrador. Segundo: solidariedade intergeracional. Previdência não é só relação entre a atual geração de participantes. É preciso planejar a Previdência para 20, 40, 60 anos. Somente a reforma, a Emenda Constitucional, não dá conta disso, há muita coisa a ser feita em lei ordinária e em resoluções internas do Ministério. Fortalecimento da Previdência significa pensar o seu planejamento ao longo do tempo. Terceiro: melhores perspectivas de investimentos sociais para União, estados e municípios. No final de 2003, vamos elaborar o orçamento de 2004 e, se não houver uma mudança em alguns aspectos, principalmente na Previdência Social dos Servidores, o orçamento de 2004 tende a ser tão medíocre quanto o de 2003. É só olhar a estrutura do orçamento. É só verificar o que aconteceu com a economia brasileira nos últimos oito anos. É preciso lembrar que assumimos o governo com todo seu passivo acumulado, a dívida, o processo de desestruturação do Estado, e isso representa um preço a ser pago pela recuperação. Vamos ter de buscar as formas de reconstrução, inclusive reestruturando o orçamento federal. Quarto conceito: fortalecimento da Previdência pública. A principal característica da nossa proposta é o compromisso com a Previdência pública. Enganam-se aqueles que vêem sinais de privatização, porque está claro na proposta que o sistema de Previdência complementar será similar ao que existe hoje nas empresas estatais: fundo de pensão fechado, sem fins lucrativos, geridos paritariamente entre patrocinador e participantes. Patrocinador, no caso, são União, estados e municípios. Além disso, a elevação do teto foi muito mal recebida pelo mercado financeiro porque retira mercado, porque leva a uma situação em que 90% dos trabalhadores do setor público e privado podem estar incluídos no sistema de repartição. Como eu disse, não somos contra o sistema de capitalização e a existência de mecanismos alternativos que o mercado financeiro pratique, mas é preciso que o Estado proteja o cidadão na sua relação com esses mecanismos. Para proteger, precisamos garantir que aquela faixa que o mercado trabalha, que tem menos instrumentos pessoais para 116


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analisar e avaliar o mecanismo de complementação, seja incluída, até 2.400 reais, na faixa de repartição e na capitalização e gestão paritária sem fins lucrativos. Por último, o quinto conceito é o da inclusão previdenciária, de que já falamos. Então, para encerrar, quero dizer que temos muita convicção de que essa proposta apresentada pelo governo foi construída do ponto de vista da justiça. Por quê? Primeiro, porque a contribuição de inativos acima de 1.058 reais se dirige a um público que já se aposentou pelas regras mais favoráveis que existem no país. Muitos, antes da Emenda Constitucional 20, se aposentaram antes dos 48 anos, no caso da mulher; antes dos 53, no caso do homem. Muitos se aposentaram com salário integral, tendo contribuído para esse salário por apenas dois ou três anos. Muitos se aposentaram em condições que, do ponto de vista previdenciário, são totalmente inconsistentes. A maioria se aposentou não porque precisava de proteção social. Aposentou-se para continuar trabalhando, ou seja, para ter duas fontes de renda, uma por se aposentar e outra por estar trabalhando. Estou excluindo dessa análise, evidentemente, aqueles que ganham pouco, que são obrigados a ter outra fonte de renda, porque precisam sobreviver. Estou falando de outros segmentos que, com certeza, não precisam de proteção social, mas se aposentaram na primeira oportunidade. Segundo, nós estipulamos para os futuros aposentados, após a reforma, que a incidência da contribuição se dará apenas a partir de 2.400 reais. Não sei se todo mundo percebeu isso, mas os futuros aposentados, os que se aposentarem pelas regras novas, só contribuirão acima de 2.400 reais. Portanto, até esse valor haverá isenção, coisa que não existe em muitos estados hoje. Em muitos estados, as pessoas ganharão a isenção com a reforma, porque pagam integralmente sobre todas as faixas. Outra questão: os futuros aposentados, atuais servidores, não terão teto. O critério da média será aplicado de maneira equilibrada, para preservar a relação entre o benefício e aquilo com que a pessoa contribuiu ao longo de sua vida. Isso significa preservar o sistema, o que as regras atuais não fazem. 117


A REFORMA NECESSÁRIA

Terceiro, a questão da idade mínima significa adequar minimamente o tempo de contribuição e de presença no sistema com o tempo de retribuição. Minimamente, porque no mundo todo as idades em discussão hoje são bem superiores – por exemplo, em países como França, Áustria, Estados Unidos, Japão. Na América Latina quase todos fizeram reformas que instituíram parâmetros muito mais elevados. A lógica aqui é a de que a Previdência se refere a proteção social, e não a um sistema para se aposentar antes da idade em que não tenha mais capacidade laboral. O fortalecimento do Estado está presente na proposta. Não acredito que o Brasil seja um país que possa abrir mão do trabalho de um auditor fiscal, de uma procuradora, de um juiz ou de uma juíza, aos 48 anos, no caso da mulher, ou aos 53 anos, no caso do homem. Não acredito que tenhamos recursos para isso hoje. Acredito que é necessário reter essas pessoas, mantê-las trabalhando para o Estado por mais tempo. Até porque, comparando com o INSS, um trabalhador ou uma trabalhadora que chega aos 48 anos no setor privado está fragilizado para permanecer no mercado de trabalho. Quase sempre está entrando numa fase de queda de rendimento e muitas vezes está desempregado. No setor público não é assim. Felizmente, a nossa Constituição garante a permanência desse servidor enquanto ele desejar, até os 70 anos. Portanto, não há razão para abrirmos mão desses companheiros e companheiras, com 53 e 48 anos. Acredito que a Reforma Previdenciária e a Tributária, da maneira como foram remetidas ao Congresso Nacional, são fundamentais para o sucesso do Brasil nos próximos 30 anos. Em particular, para o sucesso do governo do presidente Lula. Acredito que essa convicção, que permeou, inclusive, a relação de diálogo com os 27 governadores, permitiu criar condições para apresentar a proposta em um feito político inédito na história do Brasil, que foi o presidente da República sair do palácio com 27 governadores e entregar a proposta ao Congresso Nacional. É óbvio que o Congresso é soberano para fazer alterações. Sabemos que não seria razoável o Poder Executivo ter a pretensão de limitar o que pode ser mudado. Mas temos a firme convicção de 118


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que é possível discutir e convencer com argumentos que a proposta que foi mandada é coerente, equilibrada, e de que o desejo do governo é aprová-la assim como foi remetida. Obviamente, aperfeiçoamentos sempre podem existir e estamos abertos para discutir. Mas o fundamental é preservar o espírito e a concepção, para podermos reverter o grave quadro da Previdência do servidor público e abrir espaço para o Brasil, já a partir de 2004, ter mais dinheiro para gastar na educação pública, na saúde pública, no saneamento básico, na moradia popular, na segurança pública e nas demais políticas sociais.

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José Dirceu

Uma necessidade de justiça social

Temos vivido esses cinco meses num misto de felicidade e de angústia. Felicidade, porque, por fim, governamos o Brasil e podemos realizar os sonhos de muitas gerações e implementar um programa de governo pelo qual nos comprometemos com o país nas eleições de 2002. Angústia, porque o Brasil tem pressa e nós também. Precisamos criar as condições para o país voltar a crescer, para distribuir renda, para cumprir um programa em quatro anos de governo. Temos de reorganizar o aparelho do Estado e reorganizar os instrumentos para fazer o desenvolvimento do país. Tínhamos de enfrentar a crise que herdamos, domá-la, impedir que ela se transformasse numa crise política ou institucional, fazer a transição administrativa – e ela foi feita. Quantos, no país, realmente tinham confiança, certeza, acreditavam que faríamos a transição político-administrativa e governaríamos o país, como estamos governando? Um certo órgão de imprensa sempre disse que o PT jamais ganharia a eleição; e que se ganhasse a eleição jamais seria com Lula. E se ganhasse a eleição com Lula jamais tomaria posse. E se ganhasse a eleição, com Lula, e tomasse posse, jamais faria maioria no Congresso e jamais conseguiria dar estabilidade administrativa 121


UMA NECESSIDADE DE JUSTIÇA SOCIAL

ao país. Agora diz que nós estamos governando igual ao Fernando Henrique Cardoso. Só restou isso para eles dizerem. E o nosso desafio é exatamente esse, construir não só um governo, mas uma ética de responsabilidade, uma ética pública, e reorganizar os instrumentos de governo para mostrarmos e demonstrarmos que vamos mudar e que estamos mudando o país. Nesse sentido, não só a Reforma Tributária e a Reforma Previdenciária são pontos decisivos para virarmos a situação. É preciso reorganizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste; reorganizar a pouca poupança pública que há no país, a capacidade de investimento que o país tem, que não é privado, porque a poupança pública, na verdade, é negativa no país hoje, uma vez que o governo tem uma dívida interna que drena praticamente toda a poupança do país; reorganizar os ministérios, pois o Ministério das Telecomunicações, o de Minas e Energia, o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e outros estão completamente desorganizados. Se quisermos fazer política industrial, política de ciência e tecnologia, substituição de importações, política de exportação, teremos de reorganizar os instrumentos da política no país. Se queremos que o país volte a crescer, temos de reduzir os juros. Essa questão é pacífica no governo. Para reduzir os juros, temos de criar as condições, por isso é importante a redução da inflação. O país sofreu nos últimos anos um processo de privatização, cujos resultados estão à vista nos setores energético, ferroviário, de telecomunicações. Todos sabemos que não há capitais públicos suficientes para os investimentos que precisamos fazer na infra-estrutura do país. Talvez uma das questões mais importantes para o país seja retomar os investimentos de infra-estrutura, porque as estradas, as ferrovias, os portos e o sistema elétrico são condição para o Brasil se desenvolver. A verdade é que o modelo da privatização faliu, o modelo de tarifas públicas e o modelo das agências reguladoras estão em crise. Temos de remodelar estes modelos para retomar os investimentos na infra-estrutura do país. 122


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É preciso ver o que o governo está fazendo. A política internacional que o presidente Lula está fazendo está voltada para a América do Sul, porque a integração física das comunicações, do transporte, da energia, das telecomunicações, cultural, política, social, comercial da América do Sul é o que nos dará condições de ter voz no mundo. Quando o presidente Lula vai ao exterior e retoma uma política de aproximação com a África do Sul, com a Índia, com a China e com a Rússia, é porque estamos buscando mercados alternativos. E quando o Brasil apresenta uma contraproposta na Alca (Área de Livre Comércio das Américas), com Argentina, Uruguai e Paraguai, depois de a administração dos Estados Unidos apresentar uma proposta para nós inaceitável, já ocorre uma mudança de qualidade em relação ao que vinha acontecendo. E quando o Brasil assume a posição que está assumindo no mundo é porque estamos criando as condições para mudar. A Reforma Tributária, ainda que pareça, não é uma reforma neutra. Ela é importantíssima para o país e vai gerar um debate muito grande em relação ao pacto federativo, por causa da cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na origem e no destino. E o Congresso Nacional evidentemente vai trazer à discussão outras questões, como a progressividade dos impostos, particularmente do imposto de renda. Mas é uma reforma decisiva para o futuro dos estados. Vamos lembrar que vários estados do Brasil, neste momento, nem sequer têm dinheiro para pagar o pessoal. Não estão pagando o custeio. Não estou falando de investimento, não, estou falando de custeio. Vamos ter de enfrentar o problema do pacto federativo, da redistribuição de recursos do país, das contribuições que foram criadas nos últimos anos e que não são repartidas com os estados e com os municípios. Mas são importantíssimas as mudanças no ICMS, na cumulatividade da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a mudança da contribuição da Previdência na folha de pagamento, do imposto sobre heranças e doações, da progressividade do imposto de renda. 123


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Reorganizando o Estado brasileiro Sobre a Reforma da Previdência, considero que as posições da professora Rosa Maria Marques aproximam-se de uma tese que já nos foi apresentada pelo Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), nesses últimos anos, inclusive quando discutimos essa reforma no governo Fernando Henrique Cardoso. Primeiro, a reforma não está sendo feita por uma questão de superávit ou déficit. A reforma está sendo feita porque é uma necessidade de justiça social. E eu digo e assumo isso. Porque a questão que o país tem de discutir é – no nosso nível de desenvolvimento, de riqueza, de excedente que fica na mão do Estado – o que podemos ter como despesa na Previdência pública, do servidor público, para a parcela da população que os servidores públicos representam, comparada com os 40 milhões de brasileiros que não têm Previdência nenhuma, com os 21 milhões que estão no Regime Geral da Previdência. Essa é a discussão de fundo: se o Brasil pode dar aposentadoria integral, aposentadoria aos 48 anos e aos 53 anos aos servidores públicos, se pode fazer com que o aposentado deixe de pagar 11% ao se retirar do serviço público e portanto tenha o aumento de 11% no seu rendimento. Ou seja, a questão é se o país tem condições para fazer isso neste momento. Eu digo isso com sinceridade. Eu não acho que seja razoável defender aposentadoria aos 48 anos e aos 53 anos, num país como o Brasil, na situação em que vivemos. É verdade que a transição que está sendo proposta pode significar uma perda para alguns setores. Isso tem de ser discutido, debatido. É para isso que existe o Congresso Nacional. O fim da aposentadoria integral num país onde a média do que ganha o trabalhador no Sistema Geral é muito baixa é um problema político para nós. A rigor, numa concepção de Estado republicano, democrático, o ideal seria darmos ao servidor público uma garantia de aposentadoria integral. Vamos falar com franqueza: nossa perspectiva é reorganizar o Estado brasileiro, sair do Estado mínimo, retomar os instrumentos e 124


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os fundos que o Estado tem, fazer políticas públicas universais, reorganizar o orçamento, os instrumentos de política industrial, tecnológica, de desenvolvimento. Mas com o PIB que o Brasil tem, com a riqueza, com a população, com a desigualdade que tem, isso não é possível. Isso nós precisamos debater e dizer para a sociedade. Quer dizer, o juiz, o delegado de polícia, o auditor, o professor universitário deixarão de ter uma aposentadoria integral de 4 mil, 7 mil, 10 mil, 12 mil reais, para ter como teto 2.400 reais (haverá uma transição, existe direito adquirido, estou dizendo isso para o futuro). Mas, comparado com o conjunto da sociedade brasileira, não é um absurdo. Evidentemente, para quem tem a expectativa, a perspectiva de se aposentar hoje com salário integral, é uma perda. Como é uma perda trabalhar mais sete anos, ou, na transição, perder 20%, 30% da sua aposentadoria integral. Assim como o é pagar 11%, ou, na verdade, deixar de ganhar os 11%. Tudo isso é uma perda. Mas a questão vai além. A pergunta a fazer é se vamos parar nas Reformas Tributária e Previdenciária. O governo acabou de dar um sinal de que tem política, no financiamento da dívida dos inadimplentes da Previdência e da Receita, da Fazenda, ao mudar a contribuição sobre o lucro líquido e a Cofins. Ao mudar completamente a política de financiamento do campo, em particular para a pequena agricultura, que pela primeira vez renegociou as suas dívidas. Ao instituir o segurosafra e a compra da safra da agricultura familiar, porque são bilhões e bilhões de reais. Ao mudar a política do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica. Ao dar outra destinação para os fundos públicos e outra orientação para a política dos fundos, em geral, no país, evidentemente o governo demonstra que não tem dois pesos e duas medidas. Nós vamos ter de aprofundar a Reforma Tributária e a política de distribuição de renda, porque o país não vai crescer, não vai se desenvolver sem isso. É impossível um país da dimensão do Brasil, com a população e o território que tem, com a estrutura produtiva que tem, com os problemas de desigualdade, de violência, de segurança pública que tem, crescer apenas com poupança externa e com mercado externo. 125


UMA NECESSIDADE DE JUSTIÇA SOCIAL

O Brasil tem de distribuir renda para expandir seu mercado interno e se apoiar neste mercado para ter um desenvolvimento auto-sustentável. Isso não se faz sem distribuição de renda e vamos ter de enfrentar isso. Mas a cada dia, sua agonia. É preciso lembrar que ganhamos a eleição numa correlação de forças, numa coalizão política que não é o PT e nem a esquerda só, é de centro-esquerda. Às vezes, vejo comentaristas se escandalizarem porque recebemos o apoio dessa ou daquela força política que não é de esquerda. Seríamos o primeiro governo a fazer haraquiri se recusássemos apoio para aprovar as nossas políticas. Isso é algo inacreditável em política. A falta de pudor que a direita tem, que setores da elite brasileira têm, eles, muitas vezes, querem atribuir a nós. Mas nós nunca escondemos que íamos fazer essa política, e nem o presidente Lula escondeu que ia fazer essas reformas quando era candidato. Vamos lembrar bem isso. Eu faço questão de repetir que, com exceção da cobrança dos inativos, o Diretório Nacional do PT já aprovou essa reforma que nós estamos discutindo em Resoluções, e o Encontro do Partido também já aprovou. Fico escandalizado, às vezes, porque o PT sempre defendeu um sistema único, com teto e com aposentadoria complementar. É que muitas vezes a gente aprova coisas no PT e os diferentes setores da opinião pública, ou do partido, ou dos movimentos sociais, acham que não é para valer. Então, a cobrança dos inativos, do Regime Próprio da Previdência, para os servidores públicos, é uma questão que as bancadas do PT, na Câmara e no Senado, vão ter de enfrentar. Mas as outras propostas da reforma, não. O que não quer dizer que o Congresso Nacional não tenha autonomia para repactuar a reforma. O governo vai defender a sua reforma. O PT e os partidos que apóiam o governo têm o dever de analisar a reforma e propor as mudanças que considerarem convenientes para o governo. Porque nós somos governo agora, não oposição. Então, quero dizer que entre a felicidade e a angústia, eu, particularmente, me sinto muito bem no governo, auxiliando o presidente Lula e representando o nosso partido no governo. Espero fazê-lo da melhor maneira possível, de acordo com o que sempre 126


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defendi durante toda a minha vida. Tenho a consciência absolutamente tranqüila sobre o que estamos fazendo. Só lamento não poder fazer mais e os erros que cometemos até agora. Mas muitas vezes me pergunto quantos de nós acreditaríamos, há três, quatro anos, que faríamos o que fizemos nesses cinco meses. Mas o que fizemos nesses cinco meses é muito pouco diante do que temos de fazer ainda. O debate, a discussão, a polêmica, a democracia, a transparência, o pluralismo sempre caracterizaram o nosso partido. E eu fiz questão de vir aqui para fazer parte desse momento da história do PT, que é esse debate sobre as reformas. O problema do debate não é ele ser público, sendo um debate contraditório. O problema é que nós somos governo e temos que apoiar o governo. Não podemos ter ilusões sobre o que acontecerá se o governo fraquejar, se o partido se dividir, se o governo perder apoio. Conhecemos este filme e sabemos que a história, nesse caso, se repete. Então, por isso, tenho a mais absoluta determinação de enfrentar o debate democrático ao mesmo tempo que tenho a mais absoluta determinação de sustentar o governo.

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C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

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A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Sulamis Dain

Condições econômicas e sociais

A discussão redistributiva relativa à Reforma da Previdência deve ser tratada de modo um pouco mais amplo do que normalmente se considera, porque a Previdência Social nada mais é do que o espelho da vida ativa dos indivíduos. Assim, se os indivíduos são desiguais na sua vida ativa, também serão desiguais na inatividade, e pouco pode fazer a Previdência para corrigir injustiças geradas fora do tempo e do espaço de sua atuação. Se o Brasil tem 56,9 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e 24 milhões abaixo da linha de indigência – e esses são números do Programa Fome Zero –, temos um problema seriíssimo para construir a solidariedade social, um valor que o Partido dos Trabalhadores e o governo prezam tanto, neste mundo tão disfuncional e desigual. A partir de um ponto de vista republicano, vou adotar o ponto de vista dos indivíduos excluídos que precisamos incluir, por um lado, e, por outro, a defesa do aparelho do Estado – e defender que não são incompatíveis. Temos de dar materialidade a direitos sociais e reconhecer a materialidade do aparelho do Estado na presença dos seus servidores. Isso é como construir em um terreno sujeito a terremotos. Temos de permitir que a construção oscile para não ra129


C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

char. Precisamos de flexibilidade para entender que o sistema é muito amplo e que o desafio brasileiro é fantástico. Também temos de reconhecer que possuímos a melhor Previdência Social da América Latina, e que temos feito um esforço, reiterado por esse governo, para manter uma visão ampla e universal da solidariedade social. Participei de reuniões do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social em que a reiteração do programa de Previdência Rural, como programa previdenciário não-assistencial, foi questionada por empresários e outros representantes que queriam tirar do rural sua condição de trabalhador, pelo fato de que o programa é indiretamente contributivo. Mas o país resistiu, por intermédio de suas várias representações da sociedade e do Executivo, garantindo mais uma vez os direitos estabelecidos em 1988. Gostaria que a Reforma da Previdência pudesse dar cidadania previdenciária e tributária àqueles que estão de certa maneira no mundo informal. São 12,9 milhões de empresários – na verdade, trabalhadores desempregados: pipoqueiros, vendedores de balas, ambulantes – que de alguma maneira têm de ser trazidos para a Previdência, ganhar cidadania previdenciária e ter clareza sobre seus direitos previdenciários. Nesse sentido, a proposta do governo de criar uma nova porta de entrada para os trabalhadores precários, à semelhança dos trabalhadores rurais, é um enorme avanço. Mas não se pode esquecer a perversidade que existe aqui. O Brasil é campeão de desigualdade: em 1999, 1% da população se apropriava de renda superior à dos 50% mais pobres. Outro dado: os 50% mais ricos se apropriam de 86,1% da renda do trabalho, enquanto os 50% mais pobres ficam com apenas 13,9%. Essa questão da desigualdade no Brasil é fundamental, porque é a partir dela que se constroem as aberrações da Previdência. Na verdade, se estivéssemos num país com maior homogeneidade, seria menor a diferença entre o piso e o teto da distribuição das contribuições e dos benefícios. É isso que é importante reconhecer. Não gostaria que essa discussão fosse conduzida como uma discussão redistributiva intramuros entre duas categorias de traba130


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lhadores, porque na verdade ela é muito mais ampla, envolvendo toda a desigualdade brasileira. Na França, há 20 anos, quando comecei a estudar a Previdência, acabou-se com o teto da contribuição previdenciária do trabalhador. Não houve reclamações porque havia somente 1% ou 2% dos trabalhadores que estavam acima do teto. O problema que está na base do sistema brasileiro, e que temos de combater com a inclusão social, é a desigualdade, a fragmentação e a heterogeneidade brasileira. Acho politicamente importante reconhecer esse fato porque – embora acredite na necessidade de estabelecer um teto de contribuição e de benefício – não podemos abordar o assunto como uma questão distributiva interna ao setor previdenciário. Na França, os trabalhadores passaram a contribuir sem teto, acima do limite, mas se manteve o teto de benefício. Quer dizer, quem ganha 20, 30 ou 40 salários contribui sobre 40, mas só recebe 10. Por quê? Porque o piso é um salário de suficiência e dez vezes o piso é dez vezes o salário de suficiência. Então, ao mesmo tempo que precisamos reconhecer a questão do teto previdenciário como uma realidade necessária, também não podemos perder de vista a importância de atrelar esse piso ao valor do salário mínimo, senão daqui a pouco teremos um novo teto de cinco salários mínimos. Nossa desigualdade social aparece de novo no Quadro 1, com a distribuição dos assalariados por nível de rendimento. Sessenta e cinco por cento dos trabalhadores brasileiros assalariados formais ganham até três salários mínimos. Por isso é que nunca conseguiram baixar o teto da Previdência para três ou para cinco salários mínimos. A distribuição é tão perversa que, embora 65% ganhem até três salários mínimos, os 10% que estão lá em cima são importantes para manter o sistema funcionando. Dificilmente conseguiríamos manter qualquer idéia de solidariedade social se excluíssemos os 10% ou 15% de cima. Então foram feitas contas e se manteve o piso em dez salários, ao longo de todo esse período horroroso que foi a década de 1990, porque simplesmente não vale a pena do ponto de vista de financiamento previdenciário. Essa é a nossa realidade. 131


C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

Quadro 1 Distribuição dos assalariados, por níveis de rendimento Brasil e grandes regiões – 1999 (em %) Nível de Norte Brasil rendimentos Urbana Até 1 salário 18,2 21,3 mínimo Mais de 1 a 2 26,6 30,6 salários mínimos Mais de 2 a 3 20,7 17,6 salários mínimos Mais de 3 a 5 15,0 14,1 salários mínimos Mais de 5 a 10 12,1 10,9 salários mínimos Mais de 10 a 20 4,3 3,9 salários mínimos Mais de 20 1,9 1,3 salários mínimos Sem rendimento 0,2 0,1 Sem declaração 1,0 0,2 Total 100,00 100,00 Empregados 36.805.740 1.607.767 Trabalhadores 5.334.533 252.183 domésticos Total 42.140.273 1.859.950

Nordeste

Sudeste

CentroOeste

S ul

40,9

10,5

11,0

16,2

29,4

23,2

29,5

32,3

12,4

23,6

24,1

20,4

7,6

18,2

16,5

12,9

5,7

15,2

12,4

11,1

2,2

5,4

4,1

4,3

1,0

2,3

1,7

2,3

0,3 0,1 0,5 1,5 100,00 100,00 8.096.902 18.172.580

0,2 0,5 100,0 6.019.420

0,1 0,4 100,0 2.875.962

2.638.264

804.142

482.619

9.250.124 20.810.844

6.823.562

3.358.581

1.153.222

Outro dado do Ministério da Previdência, extremamente importante, e que já foi mencionado, é que existem 28,3 milhões de contribuintes e mais 18,7 milhões de potenciais contribuintes, pessoas que poderiam ser incluídas, que melhorariam muito a equação previdenciária, porque fazem parte da população ativa, mas não estão incluídas na Previdência hoje por estarem desempregadas ou serem trabalhadores informais. Vejamos algumas comparações entre o setor privado e os servidores públicos civis da União no Quadro 2. A remuneração média dos trabalhadores civis da União é de 2.457 reais e a dos trabalhadores do setor privado é de 887 reais. E há uma relação entre aposentadoria e remuneração mais ou menos semelhante entre os dois segmentos, embora obviamente os valores sejam muito diferentes. 132


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Quadro 2 Comparações entre

PEA

ocupada no setor privado e servidores públicos civis da União

Remuneração e aposentadoria – média 2002 Remuneração média dos filiados que contribuem pelo salário Aposentadoria média concedida por tempo de contribuição % Aposentadoria / remuneração Idade Idade média dos aposentados – masculino Idade média dos aposentados – feminino Idade média dos aposentados

Servidores

RGPS

887,47

2.457,41

812,30

2.188,73

91,5%

89,1% Servidores

RGPS

Escolaridade – Trabalhadores e Servidores ocupados – 2002 Pós-graduação strictu sensu Superior completo Segundo grau completo ou pelo menos superior incompleto Primeiro grau completo Até primeiro grau completo, inclui não informado

68,4

63,9

66,4

Servidores

RGPS

nd nd

8,6% 45,6%

20,4%

28,5%

34,1%

8,8%

45,5%

8,5%

Por que é diferente a remuneração do setor público relativamente à remuneração dos trabalhadores do setor privado? Porque há uma diferença de escolaridade entre o setor público e o setor privado. Entre os que contribuem para o Regime Geral e o Regime dos Servidores 8,6% dos servidores têm pós-graduação strictu sensu, mestrado ou doutorado; 45% dos trabalhadores têm curso superior completo. Mais de 50% dos trabalhadores do setor público ganham mais porque têm um tipo de qualificação, são concursados, têm um tipo de engajamento de longo prazo com seu trabalho, de qualificação, de aperfeiçoamento. O padrão do se133


C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

gundo grau completo ainda é superior no caso dos servidores e apenas 8,8% têm apenas o primeiro grau completo. No Regime Geral isso é o resultado da aberração brasileira: quase 80% da população trabalhadora tem uma escolaridade que vai apenas até o primeiro grau completo. Isso também explica as diferenças salariais. Não é por nenhuma benesse do Estado, e sim por diferenças de qualificação, que há essa diferença de remuneração entre os trabalhadores do setor público e do setor privado. Acredito que o governo está respeitando e aprofundando a idéia de solidariedade social introduzida na Constituição de 1988, o que considero fundamental. Qual é o sentido dessa Constituição? Ela uniu direitos individuais e coletivos, os direitos daqueles que contribuem e dos que não têm capacidade contributiva. Para isso combinou, como nos países avançados, impostos e contribuições. As contribuições verdadeiras sobre a folha de salário, expressando um vínculo entre contribuição e benefício, respeitando a hierarquia dos salários até o teto, mas também os impostos, que se encarregam dos gastos redistributivos, porque a Previdência pretende e continuará pretendendo ser uma Previdência securitária, no sentido de dar segurança à população, de trabalhar para a inclusão. Isso só se pode fazer com impostos. Desse ponto de vista, o aparelho do Estado tem de ser financiado de forma tributária. Ninguém diz que ministérios são deficitários. Por definição, não vendem nada e têm de ser financiados por impostos, que são a fonte adequada para a cobertura de gastos a fundo perdido. Da mesma maneira, a inclusão social só se financia por impostos. É fundamental, por exemplo, pagar os trabalhadores da Previdência rural que não têm capacidade contributiva, ao menos durante parte do ano – às vezes têm condição de mercantilizar uma parte do seu trabalho, outras vezes não. Aqui cabe relatar algo que é absolutamente decisivo e mostra a importância da proteção social e da Previdência rural na distribuição de renda no Brasil. A pobreza rural seria enorme se não fosse a Previdência e o seu papel de inclusão social. A Previdência rural mudou a distribuição de renda, no Nordeste como no Sul do país. Outra coisa que é fundamental: a criação do seguro-agrícola, por134


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que, numa família em que todos trabalham na agricultura, o fato de haver dois velhinhos aposentados garante que se possa produzir o ano inteiro e, quando não se tem mais nada, tem-se a aposentadoria como seguro. Isso reforçou, na agricultura brasileira, a presença do pequeno produtor rural, que hoje, por meio da Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura), em negociação com o Ministério da Previdência, já busca se separar dessa Previdência básica e caminhar para uma Previdência contributiva. Esse é o potencial da inclusão: quando se dá a mão a um conjunto segregado de trabalhadores, quando se institui o direito à Previdência. Isso não significa optar por uma Previdência básica, com benefícios de valor único. Essa seria uma proposta liberal. A proposta que o Brasil tem feito, ao contrário, é a de reforço a uma forma de inclusão, de cidadania previdenciária, que mais tarde permitiria aos bem-sucedidos avançar, no sentido de chegar ao Ministério e dizer: “Eu quero contribuir com mais (e receber mais)”. E imagino que se possa fazer isso também em relação aos trabalhadores urbanos precários.

Orçamento da Seguridade Social Obviamente toda essa ação sempre esteve amparada na idéia do orçamento da Seguridade Social, pois a nossa Constituição cidadã é com razão desconfiada em relação à garantia de recursos para os mais pobres. Temos uma Constituição muito extensa em relação aos outros países, porque não acreditamos na lei. Nela pusemos a idéia do orçamento da Seguridade. O Gráfico 1, com dados do Ministério da Previdência, estima a linha de pobreza dos trabalhadores, dos idosos, se não houvesse as transferências. Isso se deve essencialmente à renda mensal vitalícia, à Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e à Previdência rural brasileira – para se perceber a extensão da proteção social já obtida no Brasil, que o governo Lula certamente aumentará. Por essa razão, é importante prezar o orçamento da Seguridade Social. 135


C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

Gráfico 1 O grau de pobreza entre os idosos é substancialmente inferior ao da população mais jovem e, caso não houvesse as transferências da Previdência, a pobreza entre os idosos triplicaria.

Grau de pobreza por idade 1999 80 Linha de pobreza estimada caso não houvesse transferências da Previdência

70

% de pobres

60 50 40 30 20

Linha da pobreza observada

10 0

5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 100 Idade (em anos)

No Quadro 3 estão as receitas das contribuições sociais. A do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que é a mais importante, e depois todas as contribuições sociais criadas ou aumentadas em nome da Seguridade Social. A Seguridade Social não é perdulária: criou compromissos, mas também criou capacidade de contribuição, exatamente no mesmo momento, no capítulo da Ordem Social, na Constituição de 1988. Por esse argumento e por essa lógica – que é a lógica dos fatos – existem receitas primárias que são do orçamento da Seguridade, 171 bilhões de reais, e despesas primárias de 136 bilhões de reais, o que dá um resultado primário superavitário no orçamento da Seguridade Social de 35,7 bilhões de reais. Esse é um dado do balanço da Seguridade Social de 2002.

136


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Quadro 3 Receitas e despesas da Seguridade Social OGU 2002

Receitas de contribuições sociais Contribuição previdenciária INSS Cofins CPMF PIS/P asep CSLL

Contribuições correção FGTS Outras contribuições sociais Receitas próprias INSS

Ministério da Saúde Total de receitas primárias exclusivas do orçamento da Seguridade Social Total de despesas primárias

170.065,2 70.921,4 51.030,6 20.264,7 12.590,2 12.457,8 1.425,8 1.374,7 1.840,5 951,1 889,4 171.905,7

136.168,0316

"Resultado do orçamento da Seguridade Social, exclui regimes próprios" Resultado primário obtido por meio do orçamento da Seguridade Social

35.737,7

O Quadro 4 apresenta as despesas financiadas com esse orçamento, a LOAS e a Renda Mensal Vitalícia, o Regime Geral de Previdência Social, as ações de saúde e saneamento, a assistência social etc. O item 6, pessoal ativo, está presente porque os trabalhadores da saúde, da Previdência, são atividade-meio da Seguridade Social e, dessa maneira, estão incluídos nas despesas. Já estão ali os 2 bilhões de reais do Fundo da Pobreza e outros encargos especiais. Estas rubricas somam 137 bilhões de reais. O Gráfico 2 mostra a existência e a evolução do superávit orçamentário, o que não implica aceitar que se possa fazer qualquer coisa com estes recursos. A construção de um orçamento depende de prioridades. Se escolhermos o social como prioridade, 137


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o que sobrar para ser financiado é que será fonte de pressão, origem do déficit. A interpretação do resultado de qualquer orçamento depende de escolhermos por onde começar. Quadro 4 OGU 2002 Despesas da Seguridade Social

exclui encargos previdenciários da União Valores p ag o s

TIPO 1 - Assistenciais (LOAS e RMV) 1 - RGPS 2 - Ações de saúde e saneamento 3 - Ações de assistência social 4 - Outras ações da Seguridade 6 - Pessoal ativo e encargos 7 - Ações FAT 8 - Ações do Fundo da Pobreza 9 - Encargos especiais Total Global

5.145,20 86.000,60 19.770,30 319,60 3.311,10 5.697,50 11.951,60 2.130,00 2.751,20 137.077,00

Gráfico 2 Seguridade Social Superávit orçamentário 40.000 Em bilhões de reais 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0

1997

2001

138

2003


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Quero chamar a atenção para isso: além de cobrir os gastos com os inativos do setor público, ainda sobram recursos do orçamento da Seguridade Social. Em março de 2003, tínhamos 9 bilhões de reais que eram oferecidos ao Tesouro, por conta desse excedente, no orçamento da Seguridade Social. É um dinheiro que foi arrecadado, não desvinculado, não desviado, não gasto, e que faz parte do superávit. Assim, o orçamento da Seguridade financia todas as suas despesas e contribui para o superávit primário da União. Temos a responsabilidade e a obrigação de honrar os gastos finalísticos, assim como as atividades-meio do orçamento da Seguridade. Mas não podemos esquecer que esse orçamento não apresenta déficits, embora não seja um orçamento folgado, dado que os compromissos com a inclusão são enormes e, certamente, absorverão esses e outros recursos. O Gráfico 3 nos dá uma idéia de como estão atualmente os impostos e contribuições no Brasil. Apresenta o peso da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), do PIS-Pasep, da contribuição sobre o lucro, todas elas contribuições sociais, a maioria sobre o faturamento. Quem paga mais, proporcionalmente, é a população mais pobre, vítima preferencial deste ônus indireto. Gráfico 3 Carga por principais tributos – 2002 Carga total 36,1% do PIB CSLL 3%

Demais

ICMS

16%

21% IPI

IR

4%

16%

II 2% PIS/Pasep 3%

CPMF 4%

Cofins 11%

139

FGTS 5%

Previdência 15%


C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

As contribuições da Seguridade Social foram as que mais cresceram nos últimos anos. E como o governo federal não explorou a produtividade dos impostos, para não dividir com estados e municípios, as contribuições passaram a centralizar não só o financiamento da Seguridade, como também a fazer frente às despesas do Orçamento da União e ao enorme passivo financeiro que o governo Lula encontrou. O Gráfico 4 traz a evolução da dívida pública brasileira em comparação com as despesas de pessoal. Considerando o peso da dívida e seu crescimento relativamente ao peso do gasto com pessoal da União, tenho a esperança de que se aproxime a oportunidade de reverter essa situação e, portanto, de existirem brechas no nosso orçamento, sem que isso implique simplesmente cortar gastos sociais. Gráfico 4 Evolução da dívida pública brasileira – Comparação com despesas de pessoal 700 600 1994

500

2001

400 300 200 100 0 DLT

DPF

DAD

DPU

Outra questão é que, ao longo do período 1995-2002, os servidores, em termos de despesa total de pessoal, mantiveram uma participação percentual praticamente estável em relação ao Produ140


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

to Interno Bruto (PIB), como se vê no Quadro 5. O interessante é que todas as faixas de servidores públicos têm tido participação decrescente em relação à receita corrente líquida (Quadro 6), que é o conceito introduzido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Portanto, não se pode dizer que os servidores do Estado, na sua vida ativa, estejam onerando a receita pública. Pelo contrário, a sua participação é decrescente. O que me preocupa é que não se contratou ninguém no setor público na década de 1990. Não se fizeram concursos e todos os novos servidores públicos vieram por contratos precários ou terceirizados. Isso não gerou contribuição para a Previdência Social. Se tivessem sido contratados da maneira formal e correta, a relação ativo/inativo seria muito menos desfavorável do que é hoje. Quadro 5 A Reforma da Previdência e os serviços Despesa total de pessoal – Evolução ante o PIB % PIB

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Total Executivo

4,65

4,17

3,98

3,99

4,10

4,09

4,13

4,27

Total Legislativo

0,19

0,19

0,20

0,20

0,20

0,19

0,20

0,22

Total Judiciário

0,40

0,41

0,49

0,61

0,61

0,64

0,70

0,72

Total MPU

0,04

0,04

0,05

0,06

0,05

0,06

0,07

0,07

Total Transferências

0,40

0,26

0,24

0,23

0,23

0,24

0,23

0,27

Servidores e Militares

5,68

5,07

4,95

5,09

5,20

5,22

5,33

5,55

Fonte: Boletim de Pessoal-MPOG –SRH

Estamos diante da precarização do setor público. A Receita Federal já se deu conta disso e estabeleceu uma forma de pagamento de imposto para os consultores no serviço público. Mas isso ainda não existe no mundo previdenciário. De alguma maneira, existe um potencial contributivo maior no setor público do que aquele efetivamente apropriado. Assim, o desequilíbrio do setor público é estruturalmente menos grave, porque estamos pagando a inatividade de cerca de 1 milhão de funcio141


C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

nários e os ativos, hoje, são 400 mil. Então, essa relação tenderá a se equilibrar a longo prazo. Quadro 6 Despesa total de pessoal – Evolução ante a receita corrente líquida

% RCL Total Servidores civis Total ativos Total aposentados Total pensão Militares Total ativos Total aposentados Total pensão Transferências

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 54,5 44,2 44,4 44,6 38,6 38,3 38,2 36,7 38,17 31,75 32,23 31,12 27,99 27,34 26,25 24,77 22,40 18,60 19,05 17,57 16,04 16,13 15,94 15,04 11,55

9,63

9,74 10,00

8,72

8,04

7,40

6,98

4,22 3,53 3,44 3,55 12,49 10,13 10,09 11,39

3,23 8,88

3,17 2,91 2,75 9,19 10,32 10,20

5,74

4,58

4,35

5,04

3,19

3,89

3,81

3,92

3,86

3,27

3,16

3,56

3,17

2,94

3,83

3,63

2,89 3,84

2,28 2,30

2,57 2,12

2,79 2,05

2,53 1,74

2,35 1,75

2,68 1,68

2,64 1,77

Fonte: Boletim de Pessoal – MPOG-SRH

O Gráfico 5 mostra algo importante, que é o peso da renúncia de arrecadação no desajuste do Regime Geral. Isso é um absurdo e tenho certeza de que uma revisão administrativa dessa renúncia melhoraria em muito a equação do equilíbrio previdenciário. Acho, inclusive, que se deveria trocar renúncia por subsídio do governo. Subsídio orçamentário é transparente e pode ser associado a programas de indução a certos comportamentos. A renúncia é um submundo, uma escuridão da qual nada se sabe, mera desmercantilização do setor privado, dito de mercado. No Brasil, a renúncia de arrecadação no financiamento da Previdência é quase tão grande quanto o peso dos rurais na explicação do desajuste financeiro do Regime Geral. O Gráfico 6 mostra uma projeção, tirada da Lei de Diretrizes Orçamentárias, do anexo de metas fiscais, que comprova o que afirmei: no futuro, em 2022, o Regime do Servidor Público e o 142


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Regime Próprio dos militares terão um peso menor do que têm hoje, em termos de PIB, na evolução da necessidade de financiamento, exatamente devido a essa mudança de populações. Assim, o desequilíbrio dos servidores públicos é mais transitório do que se imagina. Por outro lado, o Regime Geral terá uma evolução um pouco menos favorável, a não ser que se consiga minimizar a renúncia de arrecadação e que os trabalhadores rurais possam ser mais contributivos. Gráfico 5 Desajustes – Regime Geral (INSS) 14 12

Em bilhões de reais

10 8 6 4 2 0

Rurais

Renúncia

Rmv

Não pretendo discutir a reforma em todos os seus detalhes, mas queria tocar em algumas questões que me parecem importantes. Existe um teto de contribuição, ele foi posto; o problema não é o teto, mas é o valor do salário, do piso e do teto. É esse o problema no Brasil. Todo país tem um teto e, normalmente, o intervalo de 1 a 10 é suficiente para cobrir toda a população. O problema é que somos um país extremamente desigual e perverso, e – enquanto não se corrigir isso – haverá muitos a reclamar desse teto, mas nem por isso ele pode deixar de ser estabelecido. 143


C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

Gráfico 6 Evolução da necessidade de financiamento previdenciária em bilhões de reais como proporção do PIB – 2003/2022 2,50%

2,00%

Regime Geral Próprio Servidores Próprio Militares

1,50%

1,00%

2022

2020 2021

2019

2018

2017

2016

2015

2013 2014

2012

2010 2011

2009

2007 2008

2005 2006

2004

0,00%

2003

0,50%

Fonte: LDO/2004 – Anexo de Metas Fiscais

Também é importante a questão do teto de benefícios, que já deveria existir há muito tempo. Sob meu ponto de vista, se não fossem as questões jurídicas apontadas, esse teto poderia ter sido menor. Quanto à idade de aposentadoria, também não vejo nenhum sentido em não existir uma idade. Apenas considero que deveria haver uma transição para aqueles que estão trabalhando hoje e que têm expectativa de direitos. Passei minha vida acreditando que deveria haver uma contribuição para inativos. Por quê? Em primeiro lugar, por conta da questão da solidariedade intergeracional. Desse ponto de vista, por uma questão de princípio, eu já seria a favor da contribuição dos inativos. Acho que essa discussão está muito prejudicada porque veio no bojo de uma discussão maior, em que expectativas de direitos são revistas. Senão, tenho certeza de que a idéia da contribuição dos inativos passaria de modo muito mais fácil. 144


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

A verdade é que essa discussão é muito emocional porque vem misturada com outras questões. Sou a favor da taxação, mas acho que deveria haver uma proposta intermediária, levando em conta que nos anos 1990 houve uma expansão indevida das pessoas que misturaram o tempo de serviço do Regime Geral com o de trabalhador do setor público para se aposentar nos mais altos salários da República. Houve gente que trouxe tempo do INSS e se aposentou com dois anos de serviço público. Essa é outra questão, a da aposentadoria precoce, na qual, se tivesse alguma voz, eu proporia que, em vez de trabalhar por faixa de isenção, se trabalhasse por limite de idade, como faz, aliás, o imposto de renda. Se o objetivo é dar conta das aposentadorias precoces, as pessoas seriam oneradas pela contribuição dos inativos até os 65 anos. Do meu ponto de vista, é essencial para a tramitação da proposta do governo que haja uma salvaguarda para aplicação dos ganhos com a questão distributiva interna, no orçamento da Seguridade. Porque a tradição orçamentária brasileira tem sido a de aplicar os recursos da Seguridade Social em outras finalidades. Portanto, no mínimo a questão redistributiva interna entre as várias clientelas deveria ser apropriada no orçamento da Seguridade Social. O Quadro 7 mostra que as alíquotas efetivas não serão iguais a 11% porque, se diminui o vencimento, é possível descontar isso do Imposto de Renda. Então, na verdade, quem ganha 2.115 reais vai pagar 5% de contribuição dos inativos, quem ganha 5 mil reais vai pagar 7,7%, quem ganha 10 mil reais vai pagar 9,3%. O Quadro 8 mostra como é hoje a estatística. Quantos são os aposentados, quantos excedem o teto, que são 63% das aposentadorias e 53% do valor. E, caso se estabelecesse, por exemplo, um teto de 2.400 reais, apenas 21,19% dos aposentados pagariam. Como a contribuição dos inativos é essencialmente para resolver problemas dos governos estaduais, há muito poucos trabalhadores que ganham acima desse teto. Então seria inteiramente inócuo.

145


C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

Quadro 7 Alíquotas efetivas de contribuição

Salário bruto

R ed u ção de salário líquido

Até 1.058

0

1.500

2,88%

2.115

5,05%

2.500

5,11%

3.000

5,96%

4.000

7,06%

5.000

7,78%

6.000

8,2%

7.000

8,6%

10.000

9,3%

Quadro 8 Aposentados Excedente do Teto

%

Quantidade

251.082

63,46%

Valor

430.255.857,36

53,08%

Quantidade

83.847

21,19%

Total da Folha

Valor

251.644.953,05

31,05%

810.540.418,40

Estatística Teto (R$ 1.058,00) Teto (R$ 2.400,00)

146

Total de Aposentados 395.631


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Pensionistas Estatística Quantidade Teto (R$ 1.058,00) Valor Quantidade Teto (R$ 2.400,00) Valor

Excedente do Teto (R$ 2.400,00)

%

75.063

28,21%

132.199.796,50

41,68%

27.170

10,21%

Total da Folha

Total de Pensionistas

78.217.102,59

24,66%

317.144.409,29

266.106

Queria discutir duas questões importantes do ponto de vista tributário e fazer uma ponte entre a Reforma da Previdência e a Tributária. A primeira delas é a questão da desoneração da folha de salários. O Ministério da Previdência promoveu no início de 2003 um debate sobre o tema, do qual tive o prazer de participar. Acho que a folha de salários é a expressão do mundo do trabalho. E nos defrontamos com uma situação nova, pois temos rendimentos do trabalho sem assalariamento. Então, independentemente de se fazer qualquer coisa a respeito, a folha de salários cai em participação no financiamento da Previdência. Mas, de qualquer maneira, eu faria uma desoneração da folha de salários, bem gradual, para ver os impactos, porque isso vai mudar a incidência setorial. O setor que paga pouco vai pagar muito. E a gente não sabe exatamente para onde vai a carga tributária. Mas certamente, no caso da micro e pequena empresa, a desoneração da folha de salários vai ter um impacto favorável importante, principalmente para aquela que não está no Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte)1.

1. Trata-se de um regime tributário diferenciado, simplificado e favorecido, aplicável às pessoas jurídicas consideradas como Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP), nos termos definidos na Lei 9.317, de 5/12/1996, e alterações posteriores, estabelecido em cumprimento ao que determina o disposto no art. 179 da Constituição Federal de 1988. Constitui-se em uma forma simplificada e unificada de recolhimento de tributos, por meio da aplicação de percentuais favorecidos e progressivos, incidentes sobre uma única base de cálculo, a receita bruta. (Fonte: site da Secretaria da Receita Federal: <http://www.receita.fazenda.gov.br>)

147


C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

Como não se deve dar nada de graça ao capital, que já tem tanto, isso devia ser acompanhado de alguma imposição em termos de contratação, de primeiro emprego, de pessoas desempregadas. Ou seja, é importante que a desoneração da folha de salários seja acompanhada de alguma contrapartida pelo empregador a favor dos trabalhadores e da Previdência. Finalmente, acho importantíssima a idéia de inclusão social exposta pelo ministro Berzoini. O que me parece extremamente curioso é que a política universal de renda mínima, associada à CPMF, tenha sido abordada na Reforma Tributária, e não na Reforma da Previdência, à qual ela pertence. Do meu ponto de vista, estamos buscando uma contribuição para fazer um programa de renda mínima universal. Essa é uma obrigação previdenciária, não tem nada a ver com a Reforma Tributária, e tenho certeza de que o nosso governo não vai usar um discurso falso em relação à política social. O PIS-Pasep, o Finsocial, a CPMF foram criados em nome do social, mas ele só se apropriou deles muito recentemente. Na verdade, essa idéia de contribuição, que está prevista no inciso IV do artigo 195, que versa sobre a preservação da CPMF, deveria pertencer à Seguridade Social. Ou seja, eu quero a Reforma da Previdência, mas quero mais reformas. Quero uma reforma que tenha capacidade de garantir um sistema universal de saúde, uma assistência universal menos mesquinha do que aquela que admite apenas um benefício para uma família que tem renda inferior a um salário mínimo. É preciso haver cinco pessoas morando na mesma casa, com a mesma renda de um salário, para poder ter direito ao benefício da LOAS. Quem não tem onde morar e vai morar com o seu filho, junta duas famílias, perde o direito porque, se ganha mais do que um salário mínimo, está fora. Então, essa é uma questão que tem de ser revista, numa idéia de uma Seguridade Social abrangente. Espero que a CPMF possa reencontrar seu verdadeiro nicho, sendo extraída da Reforma Tributária e trazida para a da Seguridade Social. Finalmente, uma última nota: a Previdência complementar é uma preocupação que já estava posta por vários economistas nos deba148


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

tes da Previdência desde 1986 e que está, inclusive, prevista desde então, embora nunca implementada. Fico feliz com a idéia de termos um fundo público e queria que ele tivesse um caráter mais abrangente, menos segmentado, menos apropriado corporativamente. Gostaria de apresentar uma proposta que também já está circulando desde a metade dos anos 1990, que é a idéia de criar um fundo público, agora associado à elevação dos recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Seria criada uma Letra do Desenvolvimento Econômico para alavancar investimentos de infra-estrutura. Por quê? Porque infra-estrutura é investimento de longo prazo que, embora não dê a melhor remuneração do mundo, tem uma rentabilidade garantida. Quando se investe em saneamento, já tem alguém que está esperando a torneira chegar na casa dele. Quando se aumenta a eletrificação, tem alguém que vai acender a luz todos os dias. Portanto, energia elétrica e saneamento básico são investimentos adequados para lastrear um fundo que todos queremos. E, queremos que seja seguro, para o bem dos trabalhadores e de seu futuro.

149



A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

João Antonio Felicio

A CUT e a Reforma da Previdência

Todas as vezes que se tentou implantar reformas neste país, nossa central sindical foi alijada do processo de discussão. Agora poder debater com o governo e com o PT não é pouco para quem vivenciou, durante 20 anos, um processo de isolamento na relação com o poder público. É muito positivo para todos nós, especialmente para os sindicalistas deste país que sempre encontraram dificuldade na relação com o poder público. Falo em nome da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Não são opiniões meramente pessoais. Sou servidor público, professor de escola pública, mas, quando falo em nome da CUT, falo em nome das categorias filiadas, inclusive as da iniciativa privada. Portanto, há na CUT uma ampla maioria que concorda com essas opiniões. Há também um setor que não concorda, e o nosso debate gera a riqueza da CUT, assim como a do PT. Acho que a forma como se colocou o debate da Reforma da Previdência na sociedade gerou um certo preconceito. Sinto isso inclusive no movimento sindical. Aliás, sinto na pele o preconceito que se tem contra o servidor público na sociedade brasileira. A forma como se apresentou o debate gerou a opinião de que o servidor público ganha muito bem neste país. Média é média. 151


A CUT E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

Quando se começa a apresentar a média na sociedade, acaba-se gerando a opinião de que todos os servidores ganham bem. E confesso que gostaria de ter uma cota-parte nessa média, porque estou bem abaixo dela. Discordo daqueles que afirmam que a proposta do governo Lula tem uma tendência neoliberal. Se formos analisar a história das reformas da Previdência que ocorreram no mundo todo, vamos perceber que quem afirma isso está desinformado. Porque, na proposta do governo, não significa privatização o fato de haver um teto de dez salários mínimos e a possibilidade de criação do Fundo de Pensão público sem fins lucrativos, fechado e com administração quadripartite. A CUT sempre foi contra o processo de privatização feito pelos governos anteriores. Portanto, seria um absurdo nos posicionarmos favoravelmente à criação de um Fundo de Pensão privado. Mas, francamente, não vemos isso na proposta do governo. Quanto à maneira de se apresentarem os salários dos servidores públicos, vale ressaltar que todos sabemos que a matemática é uma ciência exata, mas pode ser utilizada, ou apresentada, de acordo com os objetivos que se queira alcançar. Quem apóia integralmente a proposta vai buscar dados para defender a sua tese. Quem a questiona busca outros dados. Primeiro, a média. Temos aproximadamente 57% dos servidores públicos federais que ganham até 1.561 reais, ou seja, a maioria. A média desses 57% é de 1.038 reais. A média salarial dos servidores públicos estaduais e municipais varia de um a quatro salários mínimos. A imensa maioria encontra-se nessa faixa de um a quatro salários mínimos. Então, é esse contingente que a reforma vai atingir. Isso tem de ser levado obrigatoriamente em consideração. Um outro número também importante: quando se compara a média da aposentadoria dos servidores públicos, de cerca de 2 mil reais, com a média do setor privado, que é de 400 reais, é necessário levar em consideração a existência de aproximadamente 7 milhões de trabalhadores rurais que recebem aposentadoria, corretamente, mas que puxam a média do setor privado para baixo. Se computamos aqueles outros 43% dos funcionários públicos – eu usei o referencial de 57% –, nossa média cresce. E se 152


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

calculamos esses dois setores, vamos verificar que a diferença não é tão brutal assim. Aí teríamos uma média do setor privado, do INSS, em torno de 770 reais, e a média do setor público em torno de 1.000 reais. Portanto inicialmente a diferença não é tão grande. Ao analisar as médias do funcionalismo público estadual e municipal, vamos verificar que elas não são tão diferentes da média do INSS. São muito próximas porque devem ser comparadas ao setor formal da economia. O funcionalismo público é um setor formal da economia assim como aqueles que têm carteira assinada. Não podemos comparar situações diferenciadas, com aqueles que nunca pagaram a Previdência. Se fizermos esse tipo de comparação, acabaremos cometendo uma injustiça, além de construir uma análise incorreta. A CUT sempre defendeu, ao longo da sua história, que deve ser feita uma Reforma da Previdência. Isso não é uma posição de momento, agora com o governo Lula. Defendemos isso desde 1995. Porém, a CUT sempre defendeu primeiramente uma Reforma Tributária. É nela que se baliza o Estado que queremos, a divisão de quem vai pagar, quem vai sustentar esse Estado. Infelizmente, no Brasil, há um determinado setor que não paga imposto. Quem paga é a classe média e o assalariado, além da população de baixa renda sofrer, e muito, as conseqüências perversas da atual estrutura. Portanto, seria mais interessante a Reforma Tributária ser discutida e votada primeiro.

Fusões dos sistemas A CUT defende a fusão dos dois sistemas previdenciários. Nesse sentido, nossa proposta é até mais radical que a do governo. Defendemos inclusive teto para os atuais funcionários públicos. É óbvio que para fundir os dois sistemas seria necessária uma enorme quantidade de recursos, porque os funcionários públicos que pagam sobre o total teriam de receber esse dinheiro, que seria repassado para um fundo e o Estado com uma cota-parte. Eu não sei se isso seria praticável, mas o correto na reforma seria isso, ter um sistema único, universal para todos. Essa sempre foi a opinião da CUT. 153


A CUT E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

Quero reforçar outra questão já comentada aqui. Para se resolver o problema de déficit da Previdência, na nossa avaliação, a taxação dos inativos de nada adianta. Essa taxação significa, pela proposta do governo, 911 milhões de reais a mais ao ano. Talvez seja uma enorme quantidade de recursos, mas significa apenas 5% em relação ao déficit da Previdência. Sobre a questão da idade, se fossem estabelecidas as idades de 55 e 60 anos, a União arrecadaria aproximadamente 21 milhões de reais, porque atrasaria parte daqueles que já estão em idade de aposentadoria. Portanto, não é com essa proposta que vamos resolver o problema do déficit da Previdência pública. Esclareço que não faremos uma luta para o governo federal retirar seu projeto do Congresso Nacional. Até porque quem conhece o Lula sabe que ele não faria isso. Portanto, essa seria uma luta inócua. Nossa luta é para fazer emendas à proposta do governo, na direção do que achamos mais adequado. É isso que devemos e vamos fazer no Congresso Nacional, utilizando os instrumentos de luta que nossa Central Sindical sempre teve. Em 20 anos de luta, a CUT sempre foi a mesma: ousada e combativa. O exercício da autonomia é fundamental e aprendemos a exercê-la, também, no interior do PT. A CUT propõe um teto de 4.800 reais para a aposentadoria do setor público. Alguém pode dizer que não há dinheiro para isso. É óbvio que, quando se eleva o teto e o trabalhador passa a pagar sobre o novo valor, é necessário computar o tempo que ele pagou sob um teto menor e o que vai pagar sob o maior, encontrando-se um denominador comum. E ainda achamos, de acordo com a necessidade da fusão, que existem carreiras típicas de Estado, que poderão ser desestimuladas se não houver um teto superior. Ficamos profundamente satisfeitos, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, na qual o ministro Ricardo Berzoini estava presente, quando inclusive em alguns momentos votamos contra os empresários e em outros eles votaram contra nós, mas onde ficou muito claro que o setor financeiro queria um Fundo de Pensão privado. Nesta questão nós votamos con154


A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

tra, a votação ficou empatada, mas acabou sendo aprovado o Fundo de Pensão público, fechado, com contribuição definida e benefício definido. O problema da idade talvez seja o ponto mais grave da proposta do governo. Inicialmente, lembremos que se criou neste país o mito de que o funcionário público se aposenta com salário integral. Qual salário integral? É só verificar o hollerith do servidor público para vermos abonos, gratificações e outros penduricalhos que serão perdidos ao se aposentar; assim o servidor sofrerá uma redução imediata de 10%, 20%, 30%, 40%... É bom deixar isso claro. Portanto, impor a essa pessoa trabalhar mais sete anos para garantir sua aposentadoria integral não parece uma medida razoável. Vejamos alguns dados da Reforma da Previdência que está ocorrendo na França. Lá estão propondo 60 anos de idade para a aposentadoria. Mas, na França, a situação do cidadão – de vida, de trabalho, de proteção social do Estado – é muito diferente da do Brasil. Se lá se propõe agora os 60 anos, aqui precisamos pelo menos de uma fase transitória. Posso dizer que confesso que prefiro a idéia de ser porteiro do Museu do Louvre a ser professor de escola pública do estado de São Paulo. Ainda sobre a questão do desconto nos proventos, utilizemos o exemplo de um funcionário público que ganha 1.000 reais. Se ele sofrer uma subtração de 20% no salário, devido às gratificações que não serão computadas para a aposentadoria, seu rendimento será reduzido para 800 reais. Se ele quiser se aposentar agora, pelas regras atuais, subtraem-se ainda mais 35% dos seus vencimentos, que vão despencar para algo em torno de 500 reais. Como haverá uma unificação da alíquota de desconto no Brasil todo, e em alguns estados a alíquota é menor do que 11%, poderá acontecer mais um desconto. Se o funcionário, para sua desgraça, tiver trabalhado parte da vida na iniciativa privada, ocorrerá uma nova subtração no seu salário. Se durante algum tempo, no funcionalismo público, ele exerceu um cargo em que não completou a quantidade de anos exigida, mais uma nova subtração... Essa proposta de reforma, como está, vai empobrecer ainda mais o funcionário público. 155


A CUT E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

Então é necessário fazer uma análise mais detalhada do caso dos funcionários de baixa renda, porque os de alta renda têm gordura para queimar. Esses funcionários públicos, os trabalhadores de baixa renda, compõem a imensa maioria do funcionalismo. Portanto é preciso tomar cuidado com a questão da idade. Fizemos as contas necessárias. Vamos analisar, por exemplo, a situação de um funcionário público que ganha 4 mil reais. Ele tem 25 anos no setor privado e dez anos no público. Se estiver ganhando 4 mil reais, pela proposta, vai cair para 1.643 reais. Com mais duas ou três subtrações, devido àquelas questões que coloquei, cai para 1.000 reais. Um cidadão que era da iniciativa privada veio para a esfera pública e, de repente, vê uma proposta dessa natureza... Aqui também se precisa de uma fase de transição, porque não se pode jogar sobre ele a responsabilidade de uma mudança tão abrupta na sua vida, quando estiver na velhice e não tiver mais tempo de optar por um Fundo de Pensão complementar, seja público ou privado. Como dizer para alguém, repentinamente, e que está beirando a aposentadoria, que espera uma aposentadoria de 2 mil, 3 mil ou 4 mil reais: “Companheiro, a sua aposentadoria vai ser reduzida a um quarto disso”. E ele responde o seguinte: “Mas como é que eu posso, já com 60 anos, ir para um Fundo de Pensão privado?” Não irá. A subtração no salário dele será brutal, não podemos entender como razoável. Isso tem de ser mudado, sob pena de se impor uma punição terrível para quem optou pelo serviço público. Além disso, vejamos a questão do critério de valor das aposentadorias e pensões. Aqui é preciso sempre levar em consideração o salário que o cidadão ganha. Se é verdade que o cálculo deve ser modificado para alguns setores do funcionalismo, também é verdade que tem de haver salvaguarda para o cidadão de baixa renda. Ele não pode sofrer uma subtração tão brutal nos seus vencimentos que o coloque numa situação insustentável. Essa salvaguarda deve valer para a aposentadoria, mas também para a pensão. Sobre a questão da paridade entre ativos e inativos, há um problema na proposta inicial do governo que coloca com muita clareza que os já aposentados e os que estão em tempo de aposen156


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tadoria terão a paridade. Mas aqueles que vão se aposentar no futuro e os que entrarão sob o novo teto terão reajuste de acordo com a inflação. Só que há um sério problema, a questão da Lei de Responsabilidade Fiscal. Vamos dar como exemplo um estado onde a legislação estipula que se deve dar reajuste de acordo com a inflação para os aposentados. Perfeito. Mas quando o governador vai dar o reajuste existe uma outra lei que diz que não se pode gastar mais do que um determinado percentual com a folha de pagamentos. Qual é a opção que o governador vai escolher, dar o reajuste ou respeitar a lei? Ele vai respeitar a lei e não sancionará o reajuste, argumentando que a Lei de Responsabilidade Fiscal é mais impositiva do que a da concessão do reajuste. É isso que ele vai fazer. Para existir a obrigatoriedade do reajuste, é preciso talvez uma nova redação desse artigo, para evitarmos uma nova subtração na sua já minguada aposentadoria. Outro ponto importante é o estabelecimento de alíquotas de contribuição. Quando falamos da necessidade de apresentar emendas à proposta do governo, não se trata somente de aumentá-las. Queremos aperfeiçoar alguns aspectos da proposta, inclusive para a iniciativa privada. Achamos que a questão do fator previdenciário é um confisco brutal para os trabalhadores da iniciativa privada. O que queremos mudar na proposta do governo? Se é tão ruim a subtração de 5% ao ano para o setor público, também o fator previdenciário é um confisco enorme para os trabalhadores da iniciativa privada. Vamos conversar com os parlamentares para fazer uma emenda, pelo menos para o trabalhador de baixa renda da iniciativa privada não ser penalizado com uma subtração tão acentuada. Precisamos combinar uma proposta que não seja tão injusta para nenhum dos setores, sob pena de continuar havendo um confisco enorme, especialmente para o cidadão de baixa renda. Sobre a regulamentação das atividades especiais no setor público, há algumas atividades especiais que constam da lei, mas até hoje não foram regulamentadas. Nosso governo deveria – e vamos lutar para isso ocorrer – elaborar uma lei de regulamentação logo, para os setores com direito a aposentadoria especial passarem a 157


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tê-lo, devido ao desgaste físico e mental no exercício de algumas funções; e para algumas categorias da iniciativa privada, como por exemplo quem trabalha em fundição, mina de carvão etc. Isso precisa de ser regulamentado porque significa proteção maior à saúde do trabalhador. Para ninguém dizer que só vemos defeitos na proposta do governo, deixo claro que achamos que ela tem também seus méritos, inclusive um espetacular: o esforço de inserir no sistema aqueles 55% de trabalhadores que estão na informalidade, que não têm direito a absolutamente nada. É na direção destas pessoas que a reforma tem de caminhar, diminuindo a contribuição dos autônomos, trazendo para a Previdência pública os trabalhadores da agricultura familiar. Esperamos que isso ocorra na elaboração da Lei Complementar. Acredito que o nosso governo vai criar mecanismos para trazer a informalidade para dentro do sistema. Porque, se a reforma não vem para inserir esse setor, para que então a reforma? Para tentar resolver tudo entre nós? Ou para tentar repassar recursos da classe média baixa a fim de sustentar os mais pobres? Essa não é a reforma de que precisamos. Até porque a distribuição de renda precisa ser dos mais ricos para os mais pobres, e não da classe média para os mais necessitados. Outro aspecto muito positivo da proposta do governo está relacionado à forma de contribuição das empresas. Diminuir a contribuição das pequenas e médias empresas, metade sobre a folha e metade sobre o valor agregado, nos parece ser medida correta, porque vai ajudar demais as pequenas e médias empresas, que são responsáveis por quase 70% dos postos de trabalho deste país – e que têm uma carga tributária muito elevada. Essa é uma medida necessária, pois torna possível taxar mais empresas que têm poucos funcionários, mas muita lucratividade. Está na hora de elas pagarem sua parte, de contribuírem com o crescimento do Brasil. Também acredito nas intenções do nosso governo, do nosso companheiro Lula, na elevação do piso. Fala-se tanto do teto e não se fala do piso, mas acredito que ao longo do governo Lula vamos ter, segundo as intenções expressas pelo ministro Ricardo Berzoini e pelos deputados, uma elevação do piso. 158


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Esses nos parecem ser elementos importantes na proposta do governo. Por último, o combate ferrenho à sonegação. Não podemos continuar convivendo com tamanha sonegação, e sei que o Ministério da Previdência já está tomando medidas para este combate, e que contarão com o apoio da nossa Central. Procurei apresentar alguns pontos positivos e negativos da proposta do governo, conforme avaliação da Central Única dos Trabalhadores. Contra o que há de negativo vamos lutar, utilizando os nossos argumentos, números e análises, para convencer a sociedade; e vamos fazer emendas no Congresso Nacional. A CUT vai agir de forma pacífica e firme, na defesa em especial dos mais pobres, como sempre fez ao longo da sua história.

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C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

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Sobre os autores

ROSA MARIA MARQUES Economista, professora titular do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), especialista em políticas sociais com pós-doutorado na Faculté Mendes France, em Grenoble. Foi chefe do Departamento de Economia da PUC-SP em três oportunidades (1987-1989; 1989-1991; 19971999). Foi presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) durante duas gestões: 1998-2000; 2000-2002. Entre sua extensa produção de livros e artigos nessa área, destaca-se A proteção social e o mundo do trabalho (Bienal, 1997). EINAR BRAATHEN Pesquisador no Instituto de Desenvolvimento Urbano e Regional da Noruega (NIBR). Cientista político, foi anteriormente pesquisador na Universidade de Bergen, onde escreveu sua tese de doutorado sobre políticas de desenvolvimento das telecomunicações em Moçambique e Zimbabwe. Desde 1995 é líder de um projeto para estudar o processo de descentralização em Moçambique. Em 1997 iniciou seu trabalho no Programa de Pesquisa Comparativa sobre Pobreza (CROP), sendo o responsável pelos workshops sobre o 161


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“Papel do Estado na diminuição da pobreza”, a partir do qual foi editado um livro no qual participou como editor. Seu mais recente trabalho é Ethnicity Kills? The Politics of War, Peace and Ethnicity in Sub-Saharian Africa, editado com M. Boas e G. Saether (McMillan, 1999).

LAURA TAVARES SOARES Doutora em economia do setor público, área de concentração em política social, pelo Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas, SP) em 1995. Atualmente é professora visitante do Instituto de Medicina Social (IMS) e pesquisadora do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), além de professora licenciada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), coordenando Projeto Integrado na linha de Estudos Comparados Latino-Americanos em Seguridade Social. É colaboradora do Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais) e assessora de diversos movimentos sociais. Participou de programas de pós-graduação em Universidades Latino-Americanas, ocupou diversos cargos públicos nas áreas de Saúde e Previdência Social, foi coordenadora do Programa Especial de Saúde da Baixada Fluminense (Rio de Janeiro, 19871989), assessora de Política Social do Governo do Rio Grande do Sul (gestão Olívio Dutra, 1999-2002) e consultora de organismos nacionais e internacionais na área de Política Social e Saúde. Livros publicados: Ajuste neoliberal e desajuste social na América Latina. Petrópolis/Rio de Janeiro, Vozes, 2001; Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina. São Paulo, Cortez, 2a edição, 2002; Tempo de desafios: A política social democrática e popular do governo do Rio Grande do Sul (org.). Petrópolis/Rio de Janeiro, Vozes, 2002; O desastre social. Rio de Janeiro, Record, 2003.

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JOSÉ PIMENTEL Advogado, sindicalista e funcionário do Banco do Brasil. Foi eleito em 2002 para o terceiro mandato de deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores do Ceará. Em 2003, integrou as comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Também foi relator da Comissão Especial de Reforma da Previdência, que analisou e proferiu parecer sobre a PEC nº 40/03. Em seguida foi escolhido vice-presidente da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao PLP 076/03 que cria a nova Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). Foi autor do requerimento da CPI do Finor (Fundo de Investimento do Nordeste), instalada em 2000, da qual foi vicepresidente e sub-relator de Investigação. Integrou, ainda, a Comissão Especial de Reforma da Previdência Social que resultou na Emenda Constitucional nº 20, e a Comissão Especial que aprovou as Leis Complementares nº 108 e 109, ambas de 2001, dentre outras. É autor da Lei nº 9.998, de 2000 (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST), que destina 1% do lucro das operadoras dos serviços de telecomunicações para garantir computadores e internet nas escolas, bibliotecas e hospitais públicos. ELI IÔLA GURGEL ANDRADE Professora da Faculdade de Medicina e do curso de mestrado em Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), além de economista, doutora em Demografia. Sua tese (Des)Equilíbrio da Previdência Social Brasileira: componente econômico, demográfico e institucional. 1945-1997 (CEDEPLAR/ FACE/UFMG, 1999) foi premiada pelo VII Prêmio Brasil de Economia, classificada em primeiro lugar na categoria tese de doutorado pelo Conselho Federal de Economia em 2000. ARLINDO CHINAGLIA JUNIOR Reeleito deputado federal em 2002 para seu terceiro mandato consecutivo. Durante o ano de 2001 e início de 2002 esteve licenciado da Câmara dos Deputados para exercer o cargo de 163


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Secretário de Implementação das Subprefeituras na capital paulista. No primeiro mandato em Brasília, em virtude de seu trabalho de fiscalização no uso do dinheiro público, tornou-se, em 1997, presidente da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados. Durante os dois primeiros mandatos atuou prioritariamente na Seguridade Social: revelou à sociedade os maiores devedores do INSS e participou intensamente do debate da Reforma da Previdência na Comissão Especial da PEC no 33/95. Integrou a CPI da Fabricação de Medicamentos e a Comissão Especial que regulamentou os Planos de Saúde, entre outras. Foi presidente do Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo, do PT e da CUT estadual. Foi secretário-geral do PT nacional, do qual é fundador. Formado em medicina pela UnB (Universidade de Brasília), é especializado em saúde pública, em radiodiagnóstico e em clínica médica. RICARDO BERZOINI Reeleito em 2002 para o cargo de deputado federal. Em seu primeiro mandato, foi vice-líder do PT na Câmara dos Deputados. Participou da coordenação da campanha de Lula à Presidência da República, é membro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores e exerceu a presidência do PT na cidade de São Paulo (1999-2000). Cursou Engenharia na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), é funcionário licenciado do Banco do Brasil, foi presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e o primeiro presidente da Confederação Nacional dos Bancários (CNB). Na sua gestão à frente do Sindicato, fundou a Bancoop – Cooperativa Habitacional dos Bancários – e o Projeto Travessia (que atende centenas de crianças que vivem em situação de risco nas ruas de São Paulo). JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA Nasceu em 16 de março de 1946 e formou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Foi Deputado Estadual (1987-1991), 164


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Deputado Federal em duas legislaturas (1991-1995 e 1999-2003). Dirceu também foi Secretário-Geral do Diretório Nacional do PT (1987-1993). Coordenou a campanha de Lula à Presidência da República em 1989. F oi presidente do PT de 1995 a 1999. Na Câmara dos Deputados pertenceu às Comissões Permanentes de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Constituição e Justiça e de Redação, Defesa Nacional, Finanças e Tributação, Relações Exteriores e de Defesa Nacional e Viação e Transportes e participou, ainda, da Comissão Externa de Desaparecidos Políticos Pós-1964 e da CPI de Privatização da VASP. Devido à sua militância no movimento estudantil, Dirceu foi preso no XXX Congresso da UNE, em 1969, teve sua nacionalidade cassada e foi banido do país. No exílio, trabalhou e estudou em Cuba, retornando ao Brasil clandestinamente em 1975. Participou ativamente da coordenação da campanha pelas Eleições Diretas para presidente da República, em 1984. Foi eleito em 2002 para o terceiro mandato na Câmara dos deputados e desde janeiro de 2003 exerce o cargo de ministro da Casa Civil do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. SULAMIS DAIN Professora titular de economia do setor público do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi secretária-executiva da Comissão da Reforma Tributária do Executivo Federal que apresentou projeto de Reforma Tributária à Constituinte de 1988 e secretária-geral adjunta do Ministério da Previdência e Assistência Social, encarregada de coordenar o projeto de Reforma da Previdência do Ministério, também apresentado à mesma Constituinte. Tem livros e artigos publicados sobre os temas Financiamento Público, Empresas Estatais, Reforma Tributária, Reforma da Previdência, Política Pública e Política Social. JOÃO ANTONIO FELICIO Formado em Desenho e Plástica, Educação Artística e História da Arte pela Fundação Educacional de Bauru, desde 1973 é pro165


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fessor de Educação Artística (História da Arte, Artes Plásticas e Teatro) em São Paulo, na rede oficial de ensino estadual. A partir de 1977 participou das mobilizações de professores na luta por melhores condições de vida e salário, contra a ditadura militar e pela conquista da APEOESP (Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo). Em 1987 foi eleito presidente da APEOESP, cargo para o qual foi reeleito em 1989 e 1991. Em 1994 foi eleito para Direção Executiva Nacional da CUT e, em 1997, tornou-se secretário-geral nacional da CUT e membro do Diretório Nacional do PT. Em 2000 foi eleito presidente nacional da CUT e, atualmente, é secretário-geral nacional da entidade e secretário sindical nacional do PT. É membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi indicado pela CUT como representante desta instituição no Conselho de Administração do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Faz parte ainda, da direção do Instituto de Cidadania.

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Índice de quadros e gráficos

• Trajetórias de construção e desenvolvimento – Estado e trabalhadores, 20 • Trajetórias de construção e desenvolvimento – Financiamento e custo da mão-de-obra, 21 • Trajetórias de construção e desenvolvimento – Financiamento e custo da mão-de-obra (gráfico), 22 • Receitas e despesas da Seguridade Social, 26 • Contribuintes X Não-contribuintes da população ocupada total, 60 • Contribuintes X Potenciais contribuintes, 61 • Brasil: estrutura da população ocupada, 62 • Benefícios pagos pela Previdência Social – Urbano/Rural – 1994/2002, 63 • Arrecadação líquida, despesas com benefícios previdenciários e saldo previdenciário, 64 • Valor médio dos benefícios pagos pela Previdência Social, 65 • Valor médio dos benefícios previdenciários no Serviço Público Federal e no RGPS, 66 • Valor médio dos aposentados, em salários mínimos, 67 • Previdência Social – Proporção anual despesas/receita, 72 • Previdência Rural X Urbana, 107 • Beneficiários X Subsídios, 109 • Expectativa de vida, 110

• Contribuintes X Potenciais contribuintes por posição na ocupação da população ocupada restrita, 113 • Brasil: estrutura da população ocupada, 115 • Distribuição dos assalariados, por níveis de rendimento – Brasil e grandes regiões – 1999, 132 • Comparações entre PEA ocupada no setor privado e servidores públicos civis da União, 133 • Grau de pobreza por idade – 1999, 136 • Receitas e despesas da Seguridade Social – OGU 2002, 137 • OGU 2002 – Despesas da Seguridade Social, 138 • Seguridade Social – Superávit orçamentário, 138 • Carga por principais tributos – 2002, 139 • Evolução da dívida pública brasileira – Comparação com despesas de pessoal, 140 • A Reforma da Previdência e os serviços – Despesa total de pessoal – Evolução ante o PIB, 141 • Despesa total de pessoal – Evolução ante a receita corrente líquida, 142 • Desajustes – Regime Geral (INSS), 143 • Evolução da necessidade de financiamento previdenciária em bilhões de reais como proporção do PIB – 2003-2022, 144 • Alíquotas efetivas de contribuição, 146 • Aposentados, 146

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Caso não encontre este livro nas livrarias, solicite-o diretamente a: Editora Fundação Perseu Abramo Rua Francisco Cruz, 224 04117-091 – São Paulo – SP Fone: (11) 5571-4299 Fax: (11) 5571-0910 Correio Eletrônico: editoravendas@fpabramo.org.br Na Internet: http://www.fpa.org.br

A Previdência Social no Brasil foi impresso na cidade de São Paulo em novembro de 2003 pela Bartira Gráfica. A tiragem foi de 2.500 exemplares. O texto foi composto em Times New Roman no corpo 10,5/13,5. Os fotolitos da capa foram executados pela Graphbox. Os laserfilms do miolo foram produzidos pela Editora. A capa foi impressa em papel Supremo 250g; o miolo foi impresso em Pólen Soft 80g.


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