A20012016
POR QUE AMAMOS CAFÉ
CLABORADORES "QUE DOMINGO ENSOLARADO" MARIA APARECIDA SOARES FERREIRA "SPARCE NOTES" RODRIGO LOPES
" BIOGRAFIA" CLARICE LISPECTOR " UMA GALINHA" CLARICE LISPECTOR
+ qualidade sono
+ horas de รกudio
ora
+ dias de felicidade
sumário POR QUE AMAMOS CAFÉ - 5 " BIOGRAFIA" CLARICE LISPECTOR - 8 " UMA GALINHA" CLARICE LISPECTOR - 12 DRÁGEAS LITERÁRIAS " OS AMORES E SUAS DORES" ROBERTO PRADO - 14 CLABORADORES "QUE DOMINGO ENSOLARADO" MARIA APARECIDA SOARES FERREIRA - 16 "SPARCE NOTES" RODRIGO LOPES HAICAS DE ROBERTO PRADO - 17 MICROTEXTO " A TRAVESSIA: A INCRÍVEL JORNADA DE DOUGLAS WALTON" ALEXANDRE COSTA - 18 PARA LER SEM PRESSA DICA DOS MELHORES LIVROS PARA LER - 20 QUADRINHOS COLABORATIVOS - 21 CRÔNICAS DO PRADO - 22 MICROCONTOS - 23 GUIA DE CAFÉS DO BRASIL - 26
Revista Drágeas Literárias | n. 001 | Ano I | 2016 Arte, editoração, design, criação: Alexandre Costa Conteúdo programático: Roberto Prado
O café proporciona benefícios ao bebermos de 3 a 4 xícaras por dia Quando se afirma que o café é a bebida mais popular em território verde-amarelo, acredite, não é mera força de expressão. Na Pesquisa de Orçamentos Familiares divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi constatado que o brasileiro toma de 4 a 5 xícaras todos os dias, o que leva o líquido à base do fruto do cafeeiro a liderar a lista que avalia a média de consumo per capita de vários alimentos. Só para ter uma ideia, o feijão e o arroz, outros itens comuns à nossa mesa, ficaram em segundo e terceiro lugar, respectivamente. No resto do mundo, o consumo também surpreende. Enquanto aqui cada pessoa ingere cerca de 6 quilos do grão por ano, em países nórdicos, como Finlândia, Noruega e Dinamarca, esse número chega aos 13 quilos anuais. Aqueles que cultivam esse hábito mandam para dentro do organismo uma série de substâncias. Entre elas sobressai a cafeína, célebre por sua ação estimulante. Mas o que aparece em maior quantidade no pequeno grão são os ácidos clorogênicos, compostos antioxidantes. A xícara ainda concentra vitamina B3 e minerais como potássio, manganês e ferro. Tal combinação vem à tona constantemente nos laboratórios de cientistas planeta afora. No universo das pipetas e buretas, ela não é uma unanimidade. "Porém, a maioria dos estudos confirma seus benefícios", diz Adriana Farah, cientista do Núcleo de Pesquisa em Café Professor Luiz Carlos Trugo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fato é que o pretinho básico de todas as manhãs segue gerando contradições - as mais curiosas você conhece a seguir. drágeasliterárias * 5
Fertilidade Segundo cientistas do Hospital Universitário Aarhus, na Dinamarca, mais de cinco doses diárias de café reduzem em 50% a chance de sucesso no tratamento de fertilização. Câncer de pele Depois de acompanhar mais de 110 mil pessoas por 20 anos, esquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, descobriram que o café está inversamente associado ao tipo mais comum de tumor de pele. "Qualquer alimento antioxidante, caso do café, pode auxiliar na prevenção. Mas é cedo para indicá-lo com essa finalidade", analisa a dermatologista Flávia Addor, da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Expectativa de vida Uma investigação do Instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos, mostra que beber de 3 a 4 xícaras faz você viver mais. O ganho na expectativa de vida é de 10% para homens e 13% para mulheres. Problemas no coração As pesquisas que se dedicaram a analisar a relação entre o café e a incidência de insuficiência cardíaca condição em que o coração não consegue bombear quantidade suficiente de sangue para o corpo - sempre geraram dados discrepantes. Intrigada, a pesquisadora Elizabeth Mostofsky, da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, decidiu conduzir uma revisão sobre o tema. Nela, foram avaliados mais de 140 mil indivíduos, dos quais 6 522 mil tiveram o mal. Percebemos que quatro doses diárias de café diminuíram em até 11% o risco de ter o problema, conta a cientista. Os compostos bioativos da bebida - o destaque vai para os antioxidantes provavelmente estão por trás da benesse. Ao afastar o diabete tipo 2, eles também protegeriam contra essa doença cardíaca, raciocina. Tremores do Parkinson Quantas vezes você já ouviu alguém alegar que está mais acelerado porque bebeu café? Isso acontece por causa da cafeína. A exposição à substância 6 * drágeasliterárias
gera estímulos cerebrais, especialmente nas áreas que controlam as atividades motoras e o sono, explica a nutricionista Camila Leonel, da Universidade Federal de São Paulo. Para um paciente com Parkinson, doença caracterizada por tremores no corpo, é de supor que a cafeína piore o quadro, certo? Errado. Em estudo realizado no Instituto de Pesquisa da Universidade McGill, no Canadá, observou-se que ela ameniza o sintoma. Para chegar ao achado, os cientistas acompanharam 61 pacientes. Enquanto uma parte recebeu placebo, uma pílula inócua, a outra ganhou uma cápsula com 100 miligramas de cafeína duas vezes ao dia, por três semanas. Nos 21 dias seguintes, o valor passou para 200 miligramas - dose encontrada em cerca de 2 xícaras de café. A melhora motora entre aqueles que ingeriram a substância foi semelhante à de remédios indicados na fase inicial da doença, comenta o neurologista Renato Puppi, coordenador da Associação Paranaense dos Portadores de Parkinsonismo, em Curitiba, e um dos autores do trabalho. Dor de cabeça Está aí um tópico que rende pano para mangas. Geralmente, a confusão começa com a dificuldade de estabelecer se a bebida é realmente o estopim da dor de cabeça ou se as pessoas que sentem o incômodo a veem como válvula de escape. Para esclarecer a dúvida, diminua aos poucos a ingestão de cafeína, até tirá-la da dieta, recomenda a pesquisadora Adriana Farah, da UFrj. Lembre-se de que alguns chás e refrigerantes também carregam a substância. Daí, se a dor não sumir, procure um médico. Em muitos casos, a cafeína é a salvação. Prova disso é que está na fórmula de analgésicos. Algumas cefaleias são caracterizadas pela vasodilatação cerebral. Por deixar os vasos mais estreitos, a cafeína pode atuar como coadjuvante no tratamento, justifica a especialista.
Fonte: http://mdemulher.abril.com.br/saude/saude/o-cafe-faz-bem-ou-mal-para-a-saude
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biografia Clarice Lispector
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Clarice Lispector nasce em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920, tendo recebido o nome de Haia Lispector, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. Seu nascimento ocorre durante a viagem de emigração da família em direção à América. Aos dois anos, seu pai consegue, em Bucareste, um passaporte para toda a família no consulado da Rússia. Era fevereiro quando foram para a Alemanha e, no porto de Hamburgo, embarcam no navio "Cuyaba" com destino ao Brasil. Chegam a Maceió em março desse ano, sendo recebidos por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin, que viabilizara a entrada da biografada e de sua família no Brasil mediante uma "carta de chamada". Por iniciativa de seu pai, à exceção de Tania — irmã, todos mudam de nome: o pai passa a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia — irmã, Elisa; e Haia, em Clarice. Pedro passa a trabalhar com Rabin, já um próspero comerciante. A família muda-se para Recife, Pernambuco, onde Pedro pretende construir uma nova vida. A doença de sua mãe, Marieta, que ficou paralítica, faz com que sua irmã Elisa se dedique a cuidar de todos e da casa. Em 1928 passa a freqüentar o Grupo Escolar João Barbalho, naquela cidade, onde aprende a ler. Durante sua infância a família passou por sérias crises financeiras. Anos depois inscreve-se para o exame de admissão no Ginásio Pernambucano. Já escrevia suas historinhas, todas recusadas pelo Diário de Pernambuco, que àquela época dedicava uma página às composições infantis. Isso se devia ao fato de que, ao contrário das outras crianças, as histórias de Clarice não tinham enredo e fatos — apenas sensações. Pedro, pai de Clarice, em Dezembro de 1934, decide transferir-se para a cidade do Rio de Janeiro. Cinco anos depois, inicia seus estudos na Faculdade Nacional de Direito. Faz traduções de textos científicos para revistas em um laboratório onde trabalha como secretária. Trabalha, também como secretária, em um escritório de advocacia. Seu conto, Triunfo, é publicado em 25 de maio de 1940 no semanário "Pan", de Tasso da Silveira. Em outubro desse ano, é publicado na revista "Vamos Ler!", editada por Raymundo Magalhães Júnior, o conto Eu e Jimmy. Clarice ganha o lugar de redatora e repórter da Agência Nacional. Inicia-se, ai, sua carreira de jornalista. Em 1942, escreve seu primeiro romance, Perto do coração selvagem.
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Casa-se com o colega de faculdade Maury Gurgel Valente em 1940, e termina o curso de Direito. Seu marido, por concurso, ingressa na carreira diplomática. Muda-se para Belém do Pará (PA), acompanhando seu marido. Fica por lá apenas seis meses. Seu livro recebe críticas favoráveis de Guilherme Figueiredo, Breno Accioly, Dinah Silveira de Queiroz, Lauro Escorel, Lúcio Cardoso, Antonio Cândido e Ledo Ivo, entre outros. O casal volta ao Rio e, em 13/07/44, muda-se para Nápoles, em plena Segunda Guerra Mundial, onde o marido da escritora vai trabalhar. Já na saída do Brasil, Clarice mostra-se dividida entre a obrigação de acompanhar o marido e ter de deixar a família e os amigos. Quando chega à Itália, depois de um mês de viagem, escreve: "Na verdade não sei escrever cartas sobre viagens, na verdade nem mesmo sei viajar." Termina seu segundo romance, O lustre. Recebe o prêmio Graça Aranha com Perto do coração selvagem, considerado o melhor romance de 1943. Conhece Rubem Braga, então correspondente de guerra do jornal "Diário Carioca". Em 1948 nasce Pedro, primeiro filho de Clarice. Inicia em 1952, o esboço do romance A veia no pulso, que viria a ser A Maçã no Escuro, livro publicado em 1961. Em 10 de fevereiro de 1953, nasce Paulo, seu segundo filho. É lançada em 1954 a primeira edição francesa de Perto do coração selvagem, pela Editora Plon, com capa de Henri Matisse, após inúmeras reclamações da escritora sobre erros na tradução. Separa-se do marido e, em julho de 1959, regressa ao Brasil com seus filhos, e um ano depois publica, finalmente, Laços de Família, seu primeiro livro de contos, pela editora Francisco Alves. Em 1961 publica o romance A maçã no escuro. Recebe o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, por Laços de família. Em 1964 publica o livro de contos A legião estrangeira e o romance A Paixão Segundo G. H., ambos pela Editora do Autor. Em dezembro, o juiz profere a sentença que poria fim ao processo de separação de Clarice e Maury. Na madrugada de 14 de setembro de 1866 a escritora dorme com um cigarro aceso , provocando um incêndio. Seu quarto ficou totalmente destruído. Com inúmeras queimaduras pelo corpo, passou três dias sob o risco de morte — e dois meses hospitalizada. Quase tem sua mão direita — a mais afetada — amputada pelos médicos. O acidente mudaria em definitivo a vida de Clarice. 10* drágeasliterárias
As inúmeras e profundas cicatrizes fazem com que a escritora caia em depressão, apesar de todo o apoio recebido de seus amigos. Em 1967 lança o livro infantil O mistério do coelho pensante, pela José Álvaro Editor. Em maio do ano seguinte, o livro é agraciado com a "Ordem do Calunga", concedido pela Campanha Nacional da Criança. Em 1971 publica a coletânea de contos Felicidade clandestina, volume que inclui O ovo e a galinha, escrito sob o impacto da morte do bandido Mineirinho, assassinado pela polícia com treze tiros, no Rio de Janeiro. Dois anos depois, em 1973 publica o romance Água viva, após três anos de elaboração, pela Editora Artenova, que lançaria também, nesse ano, A imitação da rosa, quinze contos já publicados anteriormente em outras coletâneas. Alberto Dines, em carta à escritora, diz sobre Água viva: "[...] É menos um livro-carta e, muito mais, um livro música. Acho que você escreveu uma sinfonia". Para manter seu nível de renda, aumenta sua atividade como tradutora. Verte, entre outros, "O retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, adaptado para o público juvenil, pela Ediouro. Seu filho Paulo casa-se com Ilana Kauffmann em 1976. Clarice grava depoimento no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, em outubro, conduzido por Affonso Romano de Sant'Anna, Marina Colasanti e por João Salgueiro, diretor do MIS. Enquanto escreve A hora da estrela com a a ajuda da amiga Olga, toma notas para o novo romance, Um sopro de vida. Vai à França e retorna inesperadamente. Publica A hora da estrela, pela José Olympio, com introdução — "O grito do silêncio" — de Eduardo Portella. Esse livro seria adaptado para o cinema, em 1985, por Suzana Amaral. Clarice morre, no Rio, no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu 57° aniversário vitimada por uma súbita obstrução intestinal, de origem desconhecida que, depois, veio-se a saber, ter sido motivada por um adenocarcinoma de ovário irreversível. O enterro aconteceu no Cemitério Comunal Israelita, no bairro do Caju, no dia 11.
Fonte: http://www.releituras.com/clispector_bio.asp
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Uma Galinha Clarice Lispector Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio. Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado. Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre. Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma. Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as
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penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos: — Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem! Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão: — Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida! — Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros. Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto. Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchiase de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado. Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos. Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.
Texto extraído do livro “Laços de Família”, Editora Rocco — Rio de Janeiro, 1998, pág. 30. Selecionado por Ítalo Moriconi, figura na publicação “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”.
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Série Drágeas Lietrárias OS AMORES E SUAS DORES Esse pobre escriba vive uma vida secreta, uma vida de cronista de um único assunto. Escrevo, descrevo , devaneio e viajo na vida de um sujeito que conheço. Não darei nome aos bois tampouco o dele, mas é tudo verdade. Nos próximos números continuarei a descrever a lenta decadência desse pobre homem, que reforço, existe de verdade, em carne, osso e sem o canino direito, quebrado comendo torresmo e, bem, vocês verão. Boa leitura!
Dia cheio quando ele chegou. Um daqueles dias em que o cristão se pergunta por que não nasceu um Rockefeller, Gates, ou mesmo um “Seu Manuel” da quitandinha, que tem mais dinheiro que eu. - Ela é casada com o careca, o garçom que nos atende – Falou-me assim de chofre enquanto eu pensava nas minhas dívidas. -Quem? Casada com que careca? Então é por isso que ele vive com aquele chapéu? - Luzia – murmurou, entre suspiros dolorosos. Longos cabelos negros escorridos, olhos lindos e profundos, pés pequenos, mãos brancas de dedos longos, unhas vermelhas, e sempre muito simpática, pensei naquele momento, mas guardei para mim. Ainda atordoado pela chegada súbita dele, fiquei a olhar para o nada. - Vi no facebook do restaurante a foto dela abraçada com o careca... - Mas você não achava que eles eram irmãos? Guardei para mim a decepção, mas logo a compartilharia com os outros colegas que iam almoçar lá só por causa dela. Afinal, quem divide, multiplica! - Me iludia, me enganava – resmungava o pobre homem. Tentava cobrir o sol com a peneira. Ela me hipnotiza. -... Sem palavras. Segurava o riso. Tenho medo dele! - Pobrezinha, li que ela não tem mais a mãe... - Perdeste a chance de ser feliz duplamente. - sou um cínico, eu sei! - Como? – indagava quase babando. - Ter a Luzia e não ter uma sogra. - por pura piedade deixei de falar que ainda assim teria um cunhado! - Essa é a história da minha vida. - E agora? – senti que a pergunta era como passar sal na ferida. Eu não presto mesmo! - Volto ao Português... – declarou decidido - Lá como à vontade e pago menos. Acho que o marido a explora. Ele a colocou ali, linda daquele jeito só para
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atrair freguesia. Feito um vereador em cima de caixote, ele continuava com seu discurso inflamado: "Tenho certeza". – disse peremptório. "Aquele cafetão." – disse seguido de um soco na minha mesa. Não fosse o susto, juro que o aplaudiria! Tive vontade de colocar mais lenha na fogueira e acrescentar que ela gosta de coentro e quem gosta disso boa gente não é. Mas ele sabe da minha implicância com esse vegetal. Além do mais, se a minha mesa sem dizer nada levou um murro, imagine eu? Guardei para a mim o comentário. - Sim, afinal a comida no restaurante dela não era mesmo grande coisa, não é? – ai não sei bem se ele se engava ou tentava me convencer. - E aquele negócio do careca falando toda hora “bom dia senhores, bom dia cavalheiros, bom dia senhoritas.”, aquilo me irritava deveras... Coisa pouco máscula para um restaurante no porto... Só lamento o mau-gosto dela. - Quase, quase falei no coentro! – disse, seguido de mais um suspiro capaz de fazer estátuas chorarem. Tive vontade de discordar. Mas diante daquele olhar de cachorro abandonado na chuva não tive ânimo. - Mas no português tem a... – ele me interrompe. Não lhe agrada que eu o lembre de seus amores frustrados. Senti uma vontade muito grande de descrever a pele de seda dela, o gingado, o tratamento diferenciado, mas o medo falou mais alto, outra vez! - Sim, tem ela, mas já a superei. Hoje a vejo com outros olhos. Sinto-me um quase irmão dela... – dessa vez sou eu que o interrompo. - Não se iluda seu velho descarado. Tive ganas de perguntar-lhe se já havia comprado umas borboletas azuis, mas o meu bom-senso achou melhor deixar isso prá lá. Me arrependi de tê-lo xingado. Pude ver mais um futuro-pretérito desfazendo-se à minha frente. Lá se ia o sonho do casamento, da família, do Juninho, do labrador chamado Bonifácio, a criação de curiós. Tudo se desfazia. Do cenário idílico só sobraram os pombos voando sob um céu que há pouco tempo era azul, era promessas, era um mundo que... Poetizo, deliro, viajo nesses momentos. Sou um sentimental incurável! E há quem diga que não tenho coração. Ficamos em silêncio por um tempo. Ele olhou para o teto, achei que fosse reclamar das rachaduras, das paredes descascadas, das sujeiras das janelas, quando ele me sai com essa: - Hora de irmos ao quinto andar! - Voltou a fumar passivamente? - Não sei como consigo viver nesse mundo sem o seu cigarro! Eu ia tocar no assunto das borboletas azuis, mas resolvi deixar esse assunto pra lá... ROBERTO PRADO | ESCRITOR E POETA drágeasliterárias * 15
COLABORADORES RODRIGO LOPES LONDRES
Lead techinical Architect at Transport for London and Internet Entrepreneur Blog: Sparce Notes ust a little bit of sunshine
Flying so freely he never understood when he was too close to the sun Voando tão livremente ele nunca entendeu quando estava perto demais do sol I’m a foreign in life, always trying to learn but mostly just making mistakes Eu sou um estrangeiro na vida, sempre tentando aprender mas na maior parte do tempo só cometendo erros The night is so kind trying not to hurt me every time I get lost A noite é tão gentil tentando não me ferir cada vez que me perco
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MARIA APARECIDA SOARES FERREIRA Café nas tardes de domingo Que domingos ensolarados! Não me lembro que o calor fosse tão intenso como o de hoje, nesta cidade do litoral. Em minha casa almoço: macarrão com frango e salada, todos os domingos! Com o sol a pino, do alto víamos o porto, as ruas, as casas, paisagem cotidiana e privilegiada para quem morava na Vila! Um frei dizia que olhando debaixo para cima parecia um presépio encrustado na montanha. Lembranças que se perderam no tempo, um esforço de memória não traz de volta o que fazíamos após o almoço de domingo sempre com o mesmo cardápio. Porém, um perfume deixou traços mnemônicos, o de bolo assando no forno para o café da tarde, nas tardes de todos os domingos pontualmente às quinze horas. Sentávamos todos à mesa para saborear o perfumado bolo degustado com café puro ou com leite. Alguns componentes da mesa, já não estão mais entre nós, se foram três, restamos a metade e quando os visito tem a mesma tradição do café com bolo vespertino.
RP BOLA cara-a-cara com o gol correu-rezou-chutou a bola no ar - errou!
ROBERTO PRADO HAICAIS
BORBOLETA. O noroeste sopra a borboleta, azul, de volta
CAร ADOR corre o gato perseguindo - desesperado predador a folha seca que o vento sopra
GALO canta o galo no terreiro, e mostra quem manda no dia nasce o dia no terreiro - e, supremo senhor canta o galo
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MICROTEXTO
A TRAVESSIA A incrível jornada de Douglas Walton
Não se dizia outra coisa na cidade que não fosse sobre Douglas Walton e em como ele atravessou o rio Brugery sem as duas pernas e um dos braços, perdidos na guerra do Vietnã, quando ainda tinha lá seus vinte e dois anos. A façanha ganhou destaque em todos os jornais de Abbetown, inclusive um pequeno espaço de quatro minutos na rádio local, onde pode dar seu depoimento e ser aclamado pela população. Não havia um único cidadão que não tivesse ouvido falar ou acompanhado a história de Douglas desde seu início, quando ainda se preparava para a empreitada. Seu patrocinador deu um depoimento revelador quando disse: - Eu apenas liguei o barco, foi ele quem ficou o tempo todo no manche!
ALEXANDRE COSTA
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GISHA w
CELEBRANDO
SEU CORPO
A Montanha Mágica, de Thomas Mann É o segundo grande romance de formação alemão. O livro conta a história do jovem Hans Castorp, que, ao visitar uma clínica para tuberculosos na Suíça, amadurece, participa de debates filosóficos. Enfim, vive e cresce. Mann escreveu: “E que outra coisa seria de fato o romance de formação alemão, a cujo tipo pertencem tanto o ‘Wilhelm Meister’ como ‘A Montanha Mágica’, senão uma sublimação e espiritualização do romance de aventuras?” (Nova Fronteira, tradução de Herbert Caro.) Reparação, de Ian McEwan Pense em Ian McEwan como uma espécie de Henry James modernizado, pós-jazz e pós-rock. O autor, talvez o mais refinado escritor inglês vivo — acima de pares como Martin Amis e Julian Barnes (este, às vezes subestimado, ao menos no Brasil) —, aparentemente mistura, aqui e ali, tanto Virginia Woolf quanto Henry James em suas histórias. Mas sua dicção para mostrar a ambivalência dos indivíduos é moderna, não é do século 19, quando James, o Henry, se formou. McEwan conta, em “Reparação”, uma história extraordinária, mas o modo como a relata, com personagens “manipulados” pelo meio e pelas próprias personagens, ou por uma delas, é que torna o romance interessante. Fica-se com a impressão de que há duas histórias — uma dominante e uma alternativa. O que é e o que poderia ter sido. São Bernardo, de Graciliano Ramos O romance mais importante de Graciliano Ramos é “Vidas Secas? Sem dúvida. Mas, num tempo de hegemonia dos estudos de gênero — que matam a literatura em nome de uma ideologia primária —, nada mais significante do que indicar “São Bernardo”. Este livro, se as feministas atuais lessem — as que leem são exceções —, se tornaria uma bíblia. Mas uma bíblia sem concessões moralistas. Poucos autores patropis, mesmo entre as mulheres, construíram tão bem um homem autoritário, até totalitário, quanto o Velho Graça. (Editora Record) 20 * drágeasliterárias
QUADRINHOS
a vida online VOU POSTAR MINHA FOTO MALHANDO NA ACADEMIA, QUERO SABER O QUE MEUS AMIGOS ACHAM.
OS GORDOS DIZEM QUE ESTOU MAGRO, E OS MAGROS DIZEM QUE ESTOU GORDO.
ACHO MELHOR POSTAR UMA FOTO DE PAISAGEM!!!
TEXTO: ALEXANDRE COSTA
notícias da repartição
JORGE, OS PAPÉIS DA APOSENTADORIA JÁ CHEGARAM! FINALMENTE. ESSA É UMA BOA NOTÍCIA
MAS FORAM OS MEUS QUE CHEGARAM ESSA É UMA NOTÍCIA MELHOR AINDA
ESPERA AÍ. ONDE VOCÊ VAI?
PEGAR SEU GRAMPEADOR PRA MIM
TEXTO: ALEXANDRE COSTA
O PESSIMISTA DE PLANTÃO!
MESES E MESES RECLAMANDO DO AR-CONDICIONADO.
MESES E MESES ENVIANDO RECLAMAÇÕES, MEMORANDOS, FAZENDO AMEAÇAS...
E QUANDO VOLTA A FUNCIONAR, ESFRIA!
TEXTO: ROBERTO PRADO
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CRÔNICAS DO PRADO UMA MOEDA, POR FAVOR! Estava na rua fumando meu cigarrinho, o segundo do dia - o primeiro foi dirigindo até o serviço – olhando para o céu e tentando adivinhar como seria o resto do dia, se com chuva, vento, chuva e vento, chuva, vento e frio, quando um sujeito de chinelos havaiana, gasto por sinal, aproximou-se de mim. Antes que ele pronunciasse a primeira palavra, escolado que estou nessa vida, já fui logo dizendo: - Amigo, se seu negócio é dinheiro já te aviso que não tenho. Veja só, hoje é dia cinco, e ainda estou longe do pagamento, aliás, eu e todos nestes prédios aqui em volta dessa praça. Ele olhou desconsolado e logo em seguida começa a desfiar a história triste de sua vida. Não pensem por essas palavras mal digitadas que sou um homem duro de coração, não, não sou, se sou duro é de bolso. Às vezes penso em invadir a seara dos pedintes para descolar mais alguns trocados, mas falta-me ainda a cara de pau para tanto. Contou-me ele que vinha do norte, como quase noventa e nove por cento dos que vejo e encontro pelas ruas. Mostrou-me a carteira de trabalho, quase desfeita, disse-me que estava desempregado e que queria voltar para casa, mas para tal, faltava-lhe dinheiro. 22 * drágeasliterárias
Explicou-me que precisava de uma determinada quantia – que não declinarei aqui, pois por não ter a quantidade que ele precisava, não quero de forma alguma a piedade de meus leitores – para completar a passagem de ônibus. Olhei bem para o sujeito, estava sujo, maltrapilho, e tenho certeza que se ele tivesse a tal “parte” do dinheiro para voltar, gastaria num pão com mortadela. Não sou desumano, quero frisar bem isso. Enquanto ele desabafava eu fumava meu cigarrinho que estava se tornando a cada tragada mais e mais amargo. Após alguns minutos de conversa, ele se dispõe a ir embora, avança uns passos para a rua, e quando penso que ele vai-se enfim embora, ele pára, volta atrás e, como tentando uma última cartada ou o blefe final, fala: - Sabe – disse-me olhando para o alto – eu não disse para o céu, eu disse para o alto – estou pensando em subir ali na passarela (passarela que as pessoas civilizadas, utilizam para atravessar a via férrea e a avenida lotada de caminhões e pegarem a barca para o outro lado do canal) e me jogar lá de cima... Olhei para a mesma direção que ele, talvez para lhe dar um certo sentimento de cumplicidade, ou para medir a altura e computar o estrago, sei lá. Passados alguns segundos, bem poucos por sinal, afinal meu cigarro já havia acabado e precisava
voltar para a minha sala e encarar o serviço que lá me esperava, respondi: - Pense bem rapaz, você quer pular para a morte, para o descanso final, mas pense bem, se ao invés da morte você ficar mutilado? Aqui passam muitos trens e nem sempre atropelamento por eles quer dizer que resulte em mortes... Ele olhou-me entre espantado e horrorizado, ele esperava de mim talvez alguma compaixão, algum milagre que fizesse surgir alguns trocados em meus bolsos, alguma coisa ele esperava de mim, menos aquela resposta. E antes que ele completasse qualquer pensamento que estivesse lhe cruzando a cabeça, concluí: - É ainda melhor pedir assim inteiro como você está agora, que ficar mutilado na porta de alguma igreja mendigando moedas, pense nisso. Ele atravessou a rua, e quando chegou do lado olhou-me de uma forma que não consegui traduzir, não consegui mesmo. Penso que salvei uma vida hoje.
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