Segundo Unicom de 2010-1

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JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - UNISC - SANTA CRUZ DO SUL - VOLUME 15 - Nº 2 - JULHO/2011


EDITORIAL

Edições distintas, propósitos comuns

OPINIÃO

A primeira edição de 2011 do Uni- do, para além das pautas, que a ediAs sucessivas edições do Unicom, com, o jornal-laboratório do de Curso o jornal-laboratório do Curso Co- ção seja tematicamente adequada e de Comunicação da Unisc, que agora que sua angulação tenha coerência. municação da Unisc, têm se mostrachega às suas mãos, é um jornal ao do instrumentos muito importantes Da mesma forma que ocorreria, por mesmo igualdee todas diferente dos exemplo, quando de uma cobertura para quetempo os alunos as habique lhe antecederam. litações exercitem suas potencialida- especial, de um caderno dirigido, de Eleconstruindo, é igual porque se forma, mantém fiel um veículo temático. É o que se deu des, dessa desde à sua vocação de jornal-laboratório, a instância graduação, seus conheci- na primeira edição do Unicom desse qual seja, servir de profissionais. instrumento de ano, por exemplo, quando abordamentos e currículos aprimoramento, em primeiro lugar, No que toca especificamente aos mos a temática “sete pecados”. dos alunos da disciplina de Produalunos de Produção em Mídia ImHá muitas importâncias nesse ção emresponsáveis Mídia Impressa, pressa, pelaresponsáveis viabilização movimento. diretos elaboração dosemestre, Unicom, de duaspela edições a cada A mais evidente diz respeito ao mas também todos osem quemuito, quei- fato de, assim, os futuros jornalistas esse exercíciopara extrapola, ramaspectos exercitarmais suasdiretamente potencialidades os rela- estarem mais habilitados a exercitadurante a graduação, revelia da ha- rem competências que usualmente cionados à produçãoà de conteúdo, bilitação.ou Basta, para tanto, vontade aprenderiam somente na prática. editorial imagético. realizadora. A cada novo ano, e sempre duas Então também aí já se estabelece Por esse viés, ao longo dos sucessivezes a cada semestre, os alunos da um grande diferencial no que fazevos semestres, acabou por mos no Unicom a cada novo semesdisciplina têm o deUnicom dar conta de ediconsolidar comode umserem jornalsemelhanpor meio tre, mas não apenas. ções que, apesar do qual, além do jornalismo, estes entrepara si em termos de identidade A experiência demonstra que, em tudantes de publicidade e propaganvisual, projeto gráfico e editorial, são alunos e professor tendo exercitado da, produção muito distintasem paramídia alémaudiovisual, do conteú- uma edição temática, na segunda relações do de umapúblicas e outra. e fotografia não eles estarão mais aptos a se dedicaapenas exercitam suas competências O fato de trabalharmos, sempre, rem individualmente às suas pautas, comunicacionais como o fazem jun- sem perder o foco no propósito couma edição monotemática e outra tos,conteúdo antecipando, dessa forma, muito de aberto; a primeira volta- mum de todo o jornal. do ao que será o mercado de trabalho da tratamento de um único tema, O que muda? Basicamente o fato que se avizinha. enquanto que a segunda a assuntos de, assim, terem mais condições de Nesse sentido, mantemos fiéis escrever individualmente pensandiversos, faz comnos que exercitemos, a nossas origens e propósitos. em sala de aula, potencialidades que do na publicação como um todo, a jornalcaras que ali agora chega às suas quem ela se dirige, quais são seus nosOserão na frente. mãos, por outro dos propósitos, normas, valores etc. Vejamos como lado, isso sedifere-se estabelece. que lhe antecederam à medida que Quando, logo no início do semesEsse é, aliás, o propósito dessa seradicaliza o diálogo entre as de turmas tre, discutimos o tema geral uma gunda edição do semestre. e alunosem do cujo cursoentorno de Comunicação. edição as pautas (Também também aqui não estamos temos, digamos oscilarão, cuidanUma boa leitura a todos assim, uma diferença fundamental, à medida que o intercâmbio com as demais turmas sempre existiu na roEXPEDIENTE tina do Unicom. O que muda é a intensidade com que esse intercâmbio se estabelece). Editor-chefe Reportagem UNISC– Universidade de Demétrio Soster Ana Cláudia Schuh Santa Cruz do Sul Ana Luiza Rabuske Av. Independência, 2293 Editora Augusto Hoffmann Bairro Universitário Ana Luiza Rabuske Carolina Biscaglia Santa Cruz do Sul – RS Carolina Junqueira Lopes CEP 96815-900 Diagramação Juliana Eichwald

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Renan Silva Viviane Moura

Curso de Comunicação Social - Jornalismo Bloco 15 – Sala 1506 Telefone: 51 3717-7383

Editora de arte Viviane Herrmann

Coordenadora do curso: Fabiana Piccinin

Editora multimídia Carolina Biscáglia

Tiragem 500 exemplares

Capa Amanda Mendonça

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Contracapa Viviane Herrmann

Marluci Drum Renan Silva Vanessa Kannenberg Vanessa Schuler Viviane Moura Yaundé Narciso Fotografia Regina Colombelli Viviane Moura Impressão Graphoset

Crônica

Pedido de noivado ANA FLÁVIA HANTT

Apesar de ser meados de março, um ventinho fresco circulando entre as árvores da calçada já indicava que o outono estava por vir. Gabriela caminhava apressada em direção ao centro de Santa Cruz do Sul. Era seu aniversario de 26 anos. Seu namorado havia lhe prometido um jantar. Seu sexto sentido desconfiava para um pedido de noivado, afinal já eram seis anos de namoro. Estava feliz. Seu dia especial estava só começando. Ao chegar na esquina, aguardou ainda alguns segundos até que o sinal ficasse livre para os pedestres. Colocou o pé no asfalto úmido da rua. Uma música que estava tocando em uma das lojas lhe fez sorrir. Era a sua música. Porém, de repente, o sorriso sumiu de seus lábios e o espanto apareceu em seus olhos. Sem saber de onde, algo lhe atingiu e ela não viu mais nada antes de perder os sentidos. A primeira coisa que sentiu foi um enorme dor de cabeça. Os olhos foram abrindo aos poucos, mas aquela luz era tão forte! Resmungou. Onde estaria agora? Parece um quarto de hospital. Começou a lembrar. Era o dia do seu aniversário, estava fazendo 26 anos. Claro, tinha sido atropelada. Tentou mexer seus braços e pernas. Sentiu eles muito pesados.

- Meu Deus! Gabriela, você pode me ver? Gabriela, você acordou! Gabriela focalizou o olhar. Quem era mesmo aquela pessoa? Pensar doía. Tentou falar, mas apenas um sopro saiu de sua boca. - Não precisa falar nada. Você está acordada, eu nem acredito que isso possa ser verdade! Miguel, claro. Mas como estava velho! Suas feições haviam mudado um pouco. A barba estava mais espessa, e os cabelos mais curtos. Nesse meio tempo, sua mãe entrou no quarto. Por algum motivo, quando olhou para Gabriela, deixou cair no chão a sacola que trazia. - Minha filha, você acordou! Gabriela já não entendia mais nada. Por que todos estavam tão espantados? Ela só sofrera um pequeno acidente! Miguel, que já não continha mais as lágrimas, contou toda a história. Um trágico dia há sete anos. O atropelamento, o coma sem prazo de reversão, as noites intermináveis de indecisão... Ao final de toda história, atordoada com tantas revelações, Gabriela ainda recebeu mais uma enorme surpresa: Miguel tirou do bolso uma caixinha de veludo preto e a abriu. - Eu trago este anel todas as vezes que venho lhe visitar, na esperança de um dia poder lhe perguntar: você quer casar comigo?

TWITTER Ilustração Fernando Barros Giuzepe Fontanari Julio Cunha Neto Mariana Pellegrini

Este Jornal foi produzido na disciplina de Produção em Mídia Impressa, ministrada pelo professor Demétrio Soster. Colaboração dos alunos da disciplina de Jornalismo Impresso II, Técnicas de Reportagem e Jornalismo Especializado

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CONTATO

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Santa Cruz em traços Em meio a cores, rabiscos e pedaços amassados de papel, nasce o dom, ainda na infância. Alguns o fazem apenas pela diversão. Para outros, trata-se apenas de mais um exercício escolar. Mas há aqueles que fazem disso a sua essência. Tem gente que desenha pra si; tem gente que desenha para os outros; tem gente que desenha mesmo sem a intenção de desenhar. Em Santa Cruz do Sul, há diversos artistas que traduzem o mundo através de traços. Fernando Barros, por exemplo, trabalha como chargista em um jornal local. Outro que faz da arte sua fonte de sustento é o artista plástico Joe Nunes. O sonho de Giusepe Fontanari, ilustrador, é poder sustentar-se apenas com seus desenhos. Rodrigo de Almeida, porém, tem um sonho ainda mais ousado: disseminar a cultura hip hop, seja através da dança (sua atual fonte de sustento) ou do grafite uma paixão antiga que retomou há alguns meses. Foi no fim da década de 70 que

Os esboços mal traçados em pedaços de papel fazem parte da infância. Mas, para alguns, essa é uma paixão levada por toda a vida

po”. E é esse talento, que Pepe não deixou de lado, que o leva a sonhar alto. Estudante de Publicidade e Propaganda, é com sua arte que o jovem sonha em sustentar-se. “Quero poder trabalhar por conta própria. Ter meu atelier em casa, trabalhar a hora que me der na telha, seja de madrugada ou ao meio dia”. Fernando também teve total apoio da família. “Nunca existiu uma cobrança para que eu levasse o desenho a sério, que fizesse algum curso, que encarasse isso como uma profissão no futuro”. Seus pais entendiam que desenhar não passava de diversão. Mas tornar isso uma profissão não é algo que se escolhe. Pepe brinca que desenvolveu seu talento até que a escolha tornou-se inevitável. “Quando eu tenho uma caneta na mão, eu acabo rabiscando em algo. É meio inconsciente”. A realidade de um. O sonho de outro. Dezoito anos separam Pepe de Fernando. Mais de 50 Km separam suas cidades de origem. Uma paixão em comum une seus objetivos.

Giusepe Fontanari

RENAN SILVA E YAUNDÉ NARCISO REPORTAGEM

Fernando, 40 anos, rabiscou seus primeiros traços. “Eu comecei a desenhar no colégio, como toda criança, fazendo trabalhos, mas já levava jeito pra coisa, sempre fazia alguns detalhes a mais, caprichava nas cores”. Mesmo sentado em frente à TV, o rio-pardense não largava o lápis e o papel. Paixão que começou como brincadeira e se propagou por toda a vida. Mas ele não pensava em trabalhar com desenho. “Via isso como uma diversão, um passatempo, mas surgiram propostas”. Com o tempo, Fernando se interessou pela possibilidade de transformar seu hobby em algo mais sério. “Gostei da ideia de me divertir e ainda ganhar pra isso”. Já o cachoeirense Giusepe, 22 anos, lembra de desenhar desde sempre. Incentivado pelo pai e pela avó que também gostam de desenhar mas nunca levaram o próprio talento a sério, Pepe - como prefere ser chamado - sempre contou com o apoio da família. “A verdade é que muita gente tem um talento semelhante mas deixa de lado com o passar do tem-

DESENHO

“Cotidianismo” - nas palavras do autor, o desenho “dá a sensação do cansaço de uma quarta-feira a noite”

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Fernando de Barros

DESENHO

Caricatura de Yamandú Costa

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Há muito mais semelhanças do que diferenças entre a história de cada artista. Pepe mora há aproximadamente 4 anos em Santa Cruz do Sul. Fernando trabalha desde 2001 em um jornal local. Em comum, a terra da Oktoberfest foi a cidade que disponibilizou espaço para que ambos mostrassem seu trabalho. Trabalhar se divertindo, levar como profissão aquilo que muitos encarariam como um simples hobby, fazer da arte seu projeto de vida. Desenhar. Esse é o presente de Fernando. Esse é o futuro de Pepe. Quando questionado se é possível sobreviver apenas disso, Fernando não hesita: “Sim. Mesmo que você só faça charges, ainda assim é possível ter uma boa renda”. É assim que o rio-pardense vive. É disso que o cachoeirense quer viver. Santa Cruz do Sul é mais do que um simples es-

boço da história de cada um. É onde os anseios de cada artista ganham forma, tamanho e cor. É onde a utopia de ganhar dinheiro desenhando torna-se realidade. Ao menos para esses dois sonhadores. Arte urbana Mas a arte rabiscada vai muito além das folhas de papel. O sonho de outros dois artistas que fazem dos espaços urbanos sua fonte de inspiração também foi concretizado em Santa Cruz do Sul. O gosto por reinventar o mundo - da mesma forma que o de Fernando e Pepe - surgiu na escola, naquela época em que tudo que se tem a fazer é desenhar. Nesse momento, um mundo de possibilidades é aberto na mente das crianças, e no papel, um reflexo dessa criatividade ainda inocente, se manifes-

ta. No caso de Rodrigo de Almeida, 22 anos, foram os colegas que diziam que seus desenhos eram muito bons. E ele passou a acreditar nisso e a desenhar cada vez mais. Desenhar para livrar-se das angústias, ou para mostrar aos outros o formato que tinha alegria que estava sentindo. O menino, muito tímido, viu no desenho uma forma de contornar sua timidez. Os pais logo perceberam que era por meio dos desenhos que o filho comunicava muitas coisas. A mãe, que também pintava quadros, achou muito natural que fosse assim. Já a mãe de Joe Nunes, 35 anos, foi uma das grandes responsáveis pelo incentivo ao artista plástico autodidata. Joe, que começou também a descobrir seu talento na infância, conta que sua inspiração teve muito a ver com ilustrações em preto e branco de

livros antigos e reproduções de telas famosas em casas de parentes. Isso o levou a ter cada vez mais gosto pelo desenho, e posteriormente, pela pintura. Começou copiando histórias em quadrinhos dos personagens Marvel e DC: “Naquele velho caderno com linhas que toda criança tem, sabe? E eram coisas horríveis!”, diz ele. Mas, graças à insistência da mãe em convencê-lo de que, não, não eram coisas horríveis, e sim, eram coisas boas, muito boas, Joe nunca mais parou. “Através dos quadrinhos conheci um cara chamado Emir Ribeiro (hoje ele é desenhista da Marvel Comics e um grande amigo) e comecei a achar que podia fazer aquelas histórias também. Certa vez, uma figura que já morreu, Rodolfo Zalla (um ícone dos quadrinhos nacionais), disse que


Joe Nunes

começar a pintar foi ter imaginado que poderia ganhar mais dinheiro fazendo algo mais fácil que as histórias em quadrinhos, mas acabou se decepcionando com o mercado da arte. No entanto, descobriu na pintura uma essência bem mais sombria que as HQs poderiam dar à sua arte e continua nela até hoje: “Afrontando o espírito público e as mentes acomodadas da sociedade”, relata o artista. Há duas coisas que aproximam os dois artistas santa-cruzenses. A primeira é o propósito social da suas artes: “Minha arte serve ao mundo, ela mostra às pessoas a verdade sobre elas mesmas e que elas insistem em esconder”, explica Joe. “Minha arte serve à sociedade. O grafite está dentro da cultura hip hop também para denunciar à sociedade os problemas que ela cala”, conta Digo. A segunda, você descobre lendo o box abaixo!

ARTISTAS INDEPENDENTES

DESENHO

Tanto o artista Rodrigo de Almeida, quanto o Joe Nunes, fazem parte da recém criada Associação Centro dos Artistas Independentes das Artes Cênicas e Visuais – CAI. Fundada em Santa Cruz do Sul, no dia 13 de maio de 2011, a CAI é uma associação classista, criada para ser um centro de referência na defesa dos seus direitos. Nasce para garantir a criação de espaços para o seu aprimoramento e desenvolvimento de seu trabalho, na luta pelo reconhecimento do artista como profissional, e para garantir a representação dos artistas visuais e das artes cênicas independentes nos espaços de decisões sobre as políticas públicas culturais do município. Outro objetivo é assegurar, de forma solidária e engajada, a livre manifestação de toda a diversidade estética, artística e cultural existentes dentro das artes cênicas e das artes visuais. E acima de tudo garantir a democracia dentro desses segmentos da arte.

Tela denominada “Anjos Urbanos”, obra integrante da primeira edição da exposição realizada em Santa Cruz do Sul/RS

Rodrigo de Almeida

meus textos nos quadrinhos eram muito bons. Eu acreditei nele (nem pensei que fosse algo do tipo “elogiei teu texto porque teus desenhos são horríveis”) e fiz muito roteiro de quadrinhos por aí.” A pintura chegou mais tarde à vida de Joe, assim, como o grafite, na vida de Rodrigo. Digo, como é conhecido, explica que quando criança chegou até a pintar alguns quadros que tem até hoje em casa, mas que a paixão mesmo ele sentiu quando começou a se envolver com a cultura hip hop, e conheceu o grafite. “Vi que eu tinha um dom. Fui aprendendo aos poucos, mas infelizmente, muitas das minhas criações ficaram somente no papel. O grafite ainda é muito marginalizado, assim como toda a cultura hip hop, e não se tem muitos projetos de espaços cedidos à essa arte”, lamenta Digo. Joe conta que a motivação para

Grafite realizado por Rodrigo de Almeida em maio deste ano

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Mulheres feitas para serem devoradas com os olhos “Ops! Deixei cair a minha calcinha…”, exclama uma linda garota, deitada de bruços, com uma perna para cima e o bumbum arrebitado. Se, à primeira vista, parece alguém vulgar, é, na verdade, uma pin-up, uma personagem que por muito tempo habitou o imaginário masculino. E que agora parece ter retomado seu lugar ao sol. Foi na década de 40 que as “garotas penduradas” viveram o auge do sucesso. Numa época em que mostrar as pernas era atitude perturbadora e ser fotografada nua, atentado ao pudor, lápis e tinta davam forma a essas mulheres, carinhosamente chamadas de “armas secretas” pelos soldados americanos – na Segunda Guerra Mundial, elas serviam de alívio para os pracinhas que arriscavam a vida nos campos de batalha. Seja ela desenhada ou fotografada, numa revista ou num calendário, a pin-up não é uma mulher de verdade, e sim uma fantasia: ela é feita para ser devorada com os olhos. Tendo como característica cabelo

Sensuais e ao mesmo tempo inocentes, as pin-ups modernas usam piercings, tatuagens e alargadores

PIN-UP

Vanessa Soares

CAROLINA BISCAGLIA REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

vintage, pele clara, batom vermelho e uma postura provocante, porém com algo de ingênuo, estão no manual das pin-ups modernas. Juliana Pereira, 26, é uma dessas meninas da vida real que têm como inspiração a sensualidade das mulheres de papel. Por se identificar com a ousadia que esse estilo transmite, e pela valorização da imagem feminina sem ser pejorativa, Ju explica que uma pin-up é aquela mulher que tem atitudes de fazer o que tem vontade de fazer e não se preocupar com preconceito. Várias meninas se identificam com as poses sensuais, as cintas-liga ingenuamente aparentes e a beleza das pin-ups. Andréli Deicke, 28, também admira o jeito sensual e provocativo. Tanto que já fez vários ensaios fotográficos inspirados nas mulheres dos anos 40 e adquiriu o estilo para o seu visual. Com o corpo repleto de tatuagens, sobrancelha marcada e rosto delicado, suas roupas também fazem parte do estilo: “Me sinto uma pin-up,

Andréli Deick já fez vários ensaios inspirados nas pin-ups

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tanto pelas minhas atitudes, quanto pelo meu visual e muita gente não entende que isso é prazeroso para mim”. Andréli diz que, quando vai a lugares públicos, sente que todos os olhares são voltados para ela, por causa das tatuagens e das vestimentas: “Sou autêntica, me sinto bem assim, não vou deixar de sair na rua porque meu estilo não é igual o de todo mundo”. Cada época fabrica uma pin-up que corresponde aos seus próprios anseios. Durante a Segunda Guerra Mundial, atrizes famosas da época alegravam e divertiam os soldados. Quando não visitavam quartéis, suas fotos eram item de coleção entre os jovens, que guardavam várias imagens em seus armários. Muitas atrizes famosas entraram para a história com seu look pin-up, entre elas Rita Hayworth, Ava Gardner e a loiríssima Marilyn Monroe, que foi a grande representante do estilo. Por aqueles dias, anônimas e atrizes espalharam-se pelas paredes dos dormitórios; dentro dos seus abri-


ups que seguem o estilo burlesco, de espetáculos sensuais e as cheesecake, que são as modelos fotográficas. Apesar de toda a apelação sexual do momento, onde existem mulheresfrutas que andam praticamente seminuas, com seios e bumbuns quase sempre à mostra, ainda existem meninas que seguem o estilo “sensual sem mostrar tudo” e fazendo uma releitura das belas moçoilas de anos atrás. As atuais pin-ups usam tatuagens, alargadores e piercings, acessórios que são muito mais aceitos hoje em dia que em décadas passadas, quando quem usava tatuagem ou era marinheiro ou presidiário. O importante é que as pin-ups sempre continuarão como inspiração para quem vê nessa estética um modo de vida e não apenas algo passageiro. Ser uma mulher sensual e provocativa sem ser vulgar, é para poucas.

Dafne Barcellos

Vanessa Soares

Dafne Barcellos

Pierre Becker

mulheres sensuais. Um exemplo disso é a cantora Katy Parry, Amy Winehouse, Cristina Aguileira e a brasileira Pitty. Todas elas seguem a linha sexy, mas ingênua e até os clipes das suas música seguem o estilo. Outra famosa, que pode ser considerada uma pin-up moderna, é a dançarina Dita von Teese, que faz shows burlescos. O burlesco é como se fosse um tipo de apresentação teatral que muitas vezes implica uma apresentação de striptease. Em seus shows, a dançarina Dita, por exemplo, toma um banho em um copo de Martini gigante, onde ela deixa a platéia hipnotizada. Esse tipo de espetáculo está ligado diretamente as pin-ups, pois as mulheres que atuam, geralmente não ficam completamente nuas e deixam apenas na imaginação, abusando da sensualidade. Outro termo, que está ligado diretamente as pin-ups, é o cheesecake. Trata-se de uma expressão que alguns homens usavam para se referir a uma linda mulher. Serve também para fazer referência a uma fotografia. Mas uma foto especial, a mulher particularmente retratada, geralmente é a “cereja do bolo”. Ou seja, existem pin-

bit.ly/uniset PIN-UP EMOÇÃO

gos, até mesmo sobre a fuselagem dos aviões: é a nose art, pinturas que decoravam o bico dos aviões de guerra. Com o fim da guerra, o mercado das pin-ups se viu limitado às revistas masculinas. Então surge, em 1953, a Playboy, que se interessa pelo estilo, mas acaba fazendo com que elas se tornem bonecas sem personalidade. As poses são previsíveis e perdem aquele ar de inesperado, as fotos retocadas e o modelo de mulher natural perde o encanto. A geração Playboy afastou-se do grande público. Nesse mesmo período, surgiu a garota que se tornaria um ícone para as pin-ups. Bettie Page teve várias aparições na revista masculina, em calendários, cartas de baralho, outdoors e vários outros produtos em situações provocantes que a tornaram a “rainha das pin-ups”. Atualmente uma menina que segue o estilo, possui muitas tatuagens pelo corpo, com desenhos de cerejas e laços, franja no meio da testa, sobrancelhas expressivas, delineador estilo “gatinho” e um bom batom vermelho. Com essas fortes características a empresária Karine Guimarães, 25 anos se sente uma pin-up moderna: “Não sou uma mulher-fruta, nem sou magrinha. Sou gostosa e assim me sinto provocativa sem ser vulgar”. Seu corpo possui tatuagens pelos braços, pernas e no colo, todos com desenhos de traços delicados, nada agressivos: “Comecei com esses dois laços”, aponta para a parte de trás da perna, um pouco abaixo do bumbum. As famosas também se inspiram nas

Juliana Pereira

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FOTOGRAFIA

PIN-UP

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Ensaio Fotogrรกfico

Por: Kathiely Watte

FOTOGRAFIA

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Adultos brasileiros com alma de crianças japonesas Eles já não são mais crianças, mas a paixão pelos super-heróis daquela época continua a mesma

ANA CLÁUDIA SCHUH REPORTAGEM

ícone em cultura pop japonesa no Brasil, como principal referencial de informações. Influenciados pelas séries, aprenderam a falar japonês. Assim como a maioria dos meninos, nas séries super sentai (ver box) a preferência de Bruno era pelos heróis vermelhos, os líderes dos grupos. Com 10 anos, criou personagens e o enredo de sua própria série de tokusatsu. A saga dos Blast Rangers foi a primeira do gênero produzida no Brasil. O papel de Bruno, é claro, era o de Blast Red, o herói vermelho. A série, que começou a ser gravada em 2002, era bem simples, feita entre amigos e gravada no pátio da casa da avó, em Santa Cruz do Sul. Apesar de poucos recursos, os

amigos tinham figurino caprichado, trilha sonora, vídeos editados (numa época em que não existiam programas de edição como hoje), efeitos especiais e até fãs. Já o carioca Ivan se interessava mais por outro tipo de herói. Procurando se sentir como seus ídolos, criou Kamen Rider Orion. Assim como todas as produções caseiras, recebeu muitas críticas dos fãs brasileiros. Tanto Bruno quanto Ivan consideram as críticas normais, pois muitos dos admiradores de tokusatsu esperam que as produções amadoras, feitas sem orçamento algum, tenham a mesma qualidade das originais. Enquanto Bruno e Ivan produziam suas séries no Brasil, Ricardo conseguiu convencer os pais a fazer um intercâmbio e concluir o último ano do Ensino Médio na

TOKUSATSU

FÁBIO GOULART FOTOGRAFIA

Jaspion, Changeman e Jiraiya não são nomes estranhos para quem viveu a infância nos anos 80 e 90. Especialmente para os meninos. As séries japonesas chamadas de tokusatsu – caracterizadas pela presença de super-heróis, efeitos especiais, monstros e explosões fizeram grande sucesso no Brasil e nortearam a brincadeira de muitas crianças, que sonhavam em ser um dos heróis que lutavam contra grandes monstros para defender o universo das forças do mal. Bruno Seidel, 26 anos, Ivan de Souza, 27 anos, e Ricardo Cruz, 29 anos, foram algumas dessas crianças. Entretanto, para eles, esse tipo de produção significava muito mais do que para a maioria de telespectadores brasileiros. Fãs de tokusatsu, tinham a revista Heroi e. nº10, escrita por Alexandre Nagado, um

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Bruno Seidel coleciona bonecos e DVDs


Tokufãs

Ivan de Souza

O encontro de Blast Red e Gosei Red

Ricardo Cruz é cantor no Japão

Ivan é o Kamen Rider Orion

Tokusatsu Abreviatura da expressão japonesa tokushuu kouka satsuei, que pode ser traduzida como “ação real com efeitos especiais”.

Conheça os gêneros de séries: ULTRAMAN (desde 1966): Heróis gigantes com roupa de borracha e cara de peixe. O Ultraman original, de 1966, é o maior herói japonês de todos os tempos, que já não tem mais a mesma popularidade de antigamente. Produção: Tsuburaya Pro. KAMEN RIDER (desde 1971): Homens-gafanhotos (a princípio) e motoqueiros. Kamen Rider significa “motoqueiro mascarado”. Hoje, é o gênero mais popular no Japão, tendo uma nova série a cada ano. Produção: Toei Company SUPER SENTAI (desde 1975): Esquadrões (normalmente cinco elementos) coloridos, liderados sempre por um vermelho, que têm um robô gigante. Na década de 90, passou a ser adaptada nos EUA e dando origem às séries Power Rangers que, assim como os Super Sentais, se renovam a cada ano. Produção: Toei Company METAL HEROES (desde 1982): Heróis com armadura de metal. O gênero mais popular no Brasil, tendo 10 séries exibidas no total. Algumas delas fizeram enorme sucesso por aqui, como Jaspion, Jiraiya, Jiban e Winspector. Não se produzem mais séries do gênero. Produção: Toei Company

TOKUSATSU PING PONG

desses momentos. O bairro de Akihabara, em Tóquio, encantou o gaúcho. Ele ficou fascinado por conhecer o primeiro lugar do mundo em que as últimas novidades eletrônicas chegam. Além de ter gasto uma boa quantia lá comprando bonecos. Sim, ele comprou muitos bonecos dos heróis de tokusatsu. Entretanto, o dia em que ele realizou seu maior sonho foi 24 de outubro. Naquele dia, conheceu o Toei Studio Park. Toei é a produtora que faz a maioria das séries que os tokufãs admiram. Em um pavilhão ao lado das cidades cenográficas, a empresa mantém um museu que reúne as roupas usadas pelos personagens, além de acessórios, veículos, monstros e robôs. Ali, ele viu os figurinos originais do Jaspion, Changeman, entre outros muito antigos, que chegam a estar amarelados pelo uso. Lá, ainda pode assistir um show ao vivo, conhecer os cenários de algumas produções, comprar mais alguns bonecos e ainda fotografar com Gosei Red, o herói vermelho da série de super sentai que estava sendo exibida na época no Japão. Agora, os DVDs no quarto de Bruno Seidel têm a companhia de um quadro com fotos do Japão, um calendário autografado pelo Kamen R ider OOO e mais 42 bonecos de Super Sentais, Kamen R iders, Ultras e Metal Heroes.

bit.ly/unilet

terra de seus ídolos. Lá, além de estudar, gostava de frequentar karaokês com os amigos. Quando descobriu livros de músicas das séries de tokusatsu “enlouqueci”, conta. Fez tanto sucesso que, ao voltar ao Brasil, enquanto participava da organização de um evento que reúne fãs de cultura pop japonesa, foi convidado a integrar uma banda do Japão. Hoje, ele canta músicas-tema de séries de tokusatsu e animes e é ídolo na terra do sol nascente. Bruno Seidel frequentou muitos desses eventos, trabalhou como staff e coordenador em alguns até que decidiu organizar seu próprio. Em 2007 aconteceu, em Porto Alegre, o Café Harajuku, que reuniu entre fãs de tokusatsu, animes, mangás, música japonesa e curiosos, cerca de três mil pessoas. A principal atração do evento? Show internacional com R icardo Cruz. Como bom fã, Bruno coleciona objetos relativos às séries de tokusatsu. Em 2010, seu quarto recebeu mais alguns tesouros para fazer companhia aos exatos 159 DVDs. Em outubro daquele ano, ele realizou o sonho de conhecer a terra de origem de seus ídolos. Em 10 dias, conheceu Tóquio, Quioto e Osaka. Visitou templos centenários, palácios de imperadores, o famoso Monte Fuji e o lago Ashi. Mas a sua grande realização não foi em nenhum

Do karaokê aos palcos do oriente

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Viviane Moura

A prática de futebol americano e eisstock, uma espécie de boliche no gelo, divide espaço com esportes convencionais e ganha adeptos na cidade

O lado

exótico

do esporte

ESPORTES

CAROLINA LOPES REPORTAGEM

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A partida começa. Os jogadores se movimentam pelo gramado em direção ao objetivo final. Um passe de longa distância é feito, o jogador na linha de ataque recebe e corre para concluir a jogada. Touchdown! Como assim? Cadê o gol? No Brasil, onde o esporte mais popular é o futebol, é um tanto estranho e interessante ver

que aqui também se pratica outros tipos de esporte. E em Santa Cruz do Sul não é diferente: aqui existem variados tipos de práticas desportivas muito além da tradicional paixão brasileira, e dos mais conhecidos voleibol, atletismo e handebol. Na típica cidade alemã podem ser encontradas pessoas que jogam

futebol americano. Ou seja, com as mãos. Jeancarlo Weschenfelder, 26 anos, participa do time que treina todos os sábados à tarde no Parque da Oktoberfest. Jeancarlo já fazia parte do primeiro time que existiu na cidade entre 2004 e 2007, o Bulldogs, Com o fim dele, alguns dos que participavam do antigo resolveram


Quer saber mais?

Campeonato das Américas de Eisstocksport

Se quiser conhecer mais sobre o eisstocksport, vá até o Centro Cultural 25 de Julho. Interessou-se mais sobre o futebol americano? Todos os sábados os guris do Chacais treinam às 3 horas da tarde no Parque da Oktoberfest. Os dois estão sempre abertos a entrada de novos adeptos. criar um novo time, Jeancarlo foi um desses. No mesmo ano, 2007, surgiu o Chacais, e desde então Jeancarlo continua jogando. Ele conta que sempre gostou do esporte, mesmo quando o via apenas pela Tv e em filmes, sem entender nada do jogo. Ao saber que havia um pessoal que jogava, foi saber como funcionava. E, segundo ele, depois de alguns treinos, trata-se de “um esporte muito fácil de compreender”. A paixão pelo esporte, digamos assim, diferente, era tanta que eles organizaram e sediaram o primeiro campeonato gaúcho de futebol americano, em 2008. Jeancarlo explica que foi um torneio relâmpago, rápido, em que todos os jogos aconteceram no mesmo dia. Mas que valeu como campeonato daquele ano, e resultou em aprendizado para que o de 2010 fosse mais completo, e ocorresse nas diferentes cidades de cada time e durante seis meses. Vale ressaltar que foi reconhecido como campeonato pelos próprio times gaúchos que participaram, já que não são federados ou filiados a nenhum órgão específico do esporte aqui no sul. Este ano estão se preparando para estrear na LFBA (Liga Brasileira de Futebol Americano) no dia 23 de julho, em Foz do Iguaçu, no Paraná. Por isso, agora jogarão totalmente equipados como vemos nos filmes ianques, por uma questão do regula-

mento da Liga. E pelo mesmo motivo, decidiram não jogar o campeonato gaúcho de 2011, pois ele segue na modalidade “no pads”, ou seja, sem os equipamentos. Para Jean, hoje vice-presidente dos Chacais, o futebol americano é um esporte muito completo. “Se vê de tudo um pouco, velocidade, força, agilidade, mas principalmente estratégia e jogadas inteligentes”. Sem falar que se trata de um esporte sem maiores rigores quanto a forma física. “Temos jogadores de 70 kg e outros de mais de 160kg. Qual outro esporte consegue isso?”. Depois disso, talvez Ronaldo, o Fenômeno, pudesse se arriscar em uma modalidade um tanto diferente. Embora a prática do futebol americano não seja comum no Brasil, ainda a vemos no cinema e na televisão. Ou seja, é possível de ser acompanhada com mais freqüência. Mas o que dizer de um esporte cuja estratégia é fazer pinos deslizarem rumo a um alvo? Trata-se do eisstocksport, um jogo praticado em concreto ou asfalto (na Europa é no gelo que se joga), em que se atiram objetos parecidos com pinos, os stocks, em direção ao “alvo” pintado no chão. Quanto mais perto do centro, mais pontos são feitos. Faz sentido que o jogo tenha se iniciado no Brasil por Santa Cruz do Sul, ainda que haja muitas ou-

Dias 7, 8, 9 de Julho Santa Cruz do Sul sediou o Campeonato das Américas de Eisstocksport. Os jogos aconteceram no Centro Cultural 25 de Julho. O evento contou com a participação de atletas do Canadá, Paraguai e Brasil.

tras cidades de cololnização alemã no país. Esse esporte de pronúncia difícil para os que não possuem ascendência germânica foi trazido em 2003 para cá por um santa-cruzense depois de tê-lo visto na Alemanha. Simples assim. Renê Emmel conheceu o esporte na cidade de Paiten quando estava em visita à sua irmã. De volta ao Brasil, ele viu a oportunidade de integrar a prática aos jogos germânicos que sempre acontecem na Oktoberfest. Sua irmã entrou em contato com a Federação Internacional de Eisstock*, que fica na Suíça e organiza os campeonatos, e conseguiu não só os equipamentos, mas também materiais didáticos sobre o jogo. Conseguiram auxílio da prefeitura para construir a cancha apropriada para o esporte, e a iniciativa, levada a cabo durante os jogos germânicos da Oktberfest, ainda em 2003, teve sucesso. Tanto que em novembro do ano seguinte foram convidados para participar do campeonato internacional na Áustria. O grupo de sete pessoas que viajou obteve o 17º lugar, dentre os 26 países que estavam no mesmo grupo. Renê, hoje presidente da Federação Gaúcha de Eisstocksport, conta que, mais que uma coincidência, a iniciativa de trazer o esporte para Santa Cruz se deu por ser algo novo que ainda não existia no Brasil, e

também por ser um esporte típico alemão. E, para ele, o que o diferencia dos outros é que pode ser praticado por pessoas de qualquer idade. “Quando os pais vêm jogar, os filhos podem acompanhar”. O importante é poder ver que o esporte apesar de não ser tão conhecido, deu certo. E os atletas participam de várias competições, inclusive fora do país. Eduardo Henrique Schuster, 21 anos acredita que o eisstock dê oportunidades em pouco tempo que outros esportes não proporcionariam. “Você pode jogar vôlei, mas nem sempre é possível jogar um mundial, um europeu que para nós no eisstock é bem mais acessível”, conta ele, que foi integrante do grupo que conseguiu medalha de ouro no campeonato europeu na Suíça em 2007, e a prata no Campeonato Mundial na Itália em 2008. Entre os diferenciais dessa modalidade, Eduardo destacou o fato de ter conhecido outros países quando participou desses campeonatos, e a troca de culturas que isso lhe proporcionou. Seja jogar bola com as mãos, seja atirar stocks na pista de concreto, o importante é escolher um esporte que agrade e cause satisfação durante sua prática, sendo ele diferente ou não. Afinal, praticar esportes faz bem para mente e para o corpo, e mais ainda se quem o pratica tem paixão pelo que faz.

Carolina Lopes Viviane Moura

Carolina Lopes Viviane Moura

ESPORTES

Viviane Moura

Carolina Lopes

Esportes diferentes

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Uma história que começa pelo nome O bandeirinha Altemir Hausmann saiu de Estrela (RS) com nome de craque de futebol para conquistar o mundo (fora) das quatro linhas do campo VANESSA KANNENBERG REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

FUTEBOL

GIUSEPE FONTANARI ILUSTRAÇÃO

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Aos 41 anos, Altemir lembra bem de como chegou ao grau máximo da carreira que escolheu aos 19 anos: assistente de arbitragem. A escolha não foi aleatória. O futebol está no sangue da família Hausmann. O falecido pai, Ildo Walter, conhecido como Canhoto, foi goleiro do amador Oriental, time estrelense, e a mãe, Alzi Maria, torcedora fanática do Internacional. Foram eles que escolheram dar o pontapé inicial na história do caçula dando nome de craque ao filho. Naquele ano, mais precisamente em 1968, o lateral direito Altemir Marques da Cruz havia ajudado o Grêmio a conquistar o título de heptacampeão gaúcho de maneira ininterrupta. A vida não foi fácil para os Hausmann. Para ajudar a mãe, o quarteto composto por Crislaine, hoje com 49 anos, Loraine, (47), Eleno, (45) e Altemir tiveram que, desde os 13 anos, conciliar os estudos com o trabalho em uma fábrica de calçados. Um

exemplo da dificuldade financeira está estampado nos sorrisos. Como não havia dinheiro para tudo, incluído no que não podiam gastar estava o cuidado dos dentes. Quando as cáries tomavam conta da boca, o único dentista que cabia no bolso da dona Alzi solucionava o problema de forma radical. “Graças a Deus tivemos dinheiro para implantar dentes novos e bonitos, porque o dentista arrancou os quatro dentes da frente de todos nós”, conta Eleno, que também recebeu nome de jogador de futebol, mas, devido aos mais de 2 metros de altura, acabou se tornando jogador de basquete e atualmente atua como professor de Educação Física, além de trabalhar como comentarista esportivo. Outro item que ficava de fora do orçamento da família era a bola de futebol. No entanto, todo Natal, sem exceção, o tio Naldo presenteava os afilhados com uma pelota nova. E, anualmente, o presente se fazia

necessário. Isso porque os meninos não tinham critérios quanto ao local da brincadeira e o armazém da mãe era um dos preferidos. Depois de quebrar uma série de coisas, uma enfurecida Alzi furava a bola com uma faca. Mesmo tendo estragado a brincadeira dos filhos em momentos como esse, a mãe não deixou de ser a principal referência, principalmente para o caçula, que tinha apenas 8 anos quando perdeu o pai. O irmão acredita que Altemir tenha herdado muitas características de Alzi. “Ele é batalhador como ela. Sabe muito bem o que quer e vai atrás. É decidido. E perfeccionista também. Ele cuida dos mínimos detalhes de tudo que faz, por isso deu tão certo na carreira”, revela Eleno. Escolha pela bandeira Após terminar o Ginásio - o que equivale hoje ao período que vai do sexto ao nono ano do ensino fundamental - e prestar o serviço militar, em 1990, Altemir se viu tendo que decidir o que fazer da vida. E a escolha foi meio por acaso. “Meu tio era árbitro (Ingorn Kronbauer - que chegou a integrar o quadro da CBF) e um dia fui com ele a um jogo do campeonato interno da Corsan. Um cara faltou e ele me colocou para bandeirar. Gostei muito”, lembra. Depois disso, o mesmo tio o levou para fazer o curso de arbitragem. Habilitado para atuar tanto como árbitro como assistente, Altemir chegou a se arriscar com o apito em partidas amadoras, mas foi seduzido pela linha de impedimento. “Sou perfeccionista em tudo. Tenho uma fábrica de peças em fibra de vidro. Não posso errar um centímetro sequer. O impedimento é igual, um desafio, uma busca”, filosofa. Feita a escolha, o estrelense não parou mais. Em 1991, estreou na Federação Gaúcha de Futebol no jogo Rosário 1 x 3 Dínamo. Em 1992, trabalhou na sua primeira partida da 1ª divisão do Gauchão. O jogo foi Tabajara-Guaíba x Dínamo. No ano de 1994, entrou para o quadro nacional, estreou atuando pelo Cam-


VIDA DE BANDEIRINHA

Colorado ou Gremista? Na tomada dessas decisões, a preferência por um time ou outro não tem interferência nenhuma, garante o bandeirinha. Chegou a ser gremista quando o pai era avivo e virou a casaca pra agradar a mãe, alguns anos depois. No entanto, a neutralidade exigida pela profissão fez com que o amor clubístico fosse adormecido. “Não tem como eu torcer pra Inter ou Grêmio sem pensar em mim mesmo antes”, explica. O profissionalismo contaminou também a forma do assistente de ver uma partida de futebol. “Na Copa de 2002, quando meu filho vestiu a camiseta da Seleção Brasileira, eu voltei a vibrar com o futebol. Até então eu não sabia mais separar o que era futebol e o que era arbitragem. Eu só conseguia ver o árbitro no campo de jogo”, justifica. “Se eu posso dizer que uma das heranças que a arbitragem me deixou foi essa: eu não consigo mais me emocionar vendo futebol. Até porque, se eu me emocionar em um estádio com 50 mil pessoas e eles me xingarem de várias coisas, eu vou virar e mandar todo mundo longe. E não pode. Feliz ou infelizmente, o árbitro tem que se manter naquela mesma postura que não deixa expressar nada”, finaliza. Aposentadoria. e agora?

visibilidade do futebol brasileiro em nível mundial. Ao seu lado, o companheiro de Copa do Mundo, Carlos Simon, já aposentado pelo fator idade, trocou a arbitragem pela política e atualmente é o coordenador-geral do Comitê Executivo do Rio Grande do Sul para a Copa de 2014. Findado o trabalho junto ao Mundial de futebol, Hausmann não tem certeza que rumo vai seguir. Como a profissão de assistente de arbitra-

gem não é regulamentada, assim como a de árbitro, ele não tem direito à aposentadoria remunerada. Dessa forma, quer utilizar os conhecimentos obtidos fora das quatro linhas do campo para continuar vivendo. Uma das possibilidades é atuar como comentarista de arbitragem, uma especialização carente de profissionais, segundo o próprio Altemir. Quem sabe? Até lá, muitas bandeiradas devem ser dadas.

FUTEBOL ENSAIO

Altemir Hausmann não vai trabalhar como assistente na Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil. Não por falta de vontade, mas porque a regra da Fifa limita a idade do bandeirinha em jogos internacionais. “Se meus pais tivessem esperado mais 26 dias, quem sabe eu conseguiria participar de mais uma Copa”, brinca, se referindo ao fato de que no dia 5 de dezembro de 2013 ele completa 45 anos e deve encerrar a carreira. Mesmo aposentado, o estrelense não pretende se afastar do futebol. Ainda em 2010, ele foi nomeado embaixador da Copa, título concedido a personalidades representativas que, de alguma maneira, contribuíram a

bit.ly/uniesp

peonato Brasileiro na partida de Paraná 1 x 1 Náutico. Com uma média de 50 partidas por ano, Hausmann já passou dos 860 jogos bandeirados. “Meu objetivo é igual ao que foi o do Pelé: chegar aos 1.000”, brinca. Mesmo quando está fora dos gramados, o bandeirinha não para. Como um jogador de futebol, tem treinamentos, cuida da alimentação e do preparo físico. Durante os campeonatos, em meio a muitas viagens pelo Brasil e América do Sul, principalmente, faz o que chama de “manutenção”. Nas segundas, quartas e sextas-feiras faz treinamento em campo de futebol, quando treina habilidades como aceleração e deslocamento, e nas terças e quintas-feiras, faz reforço muscular na academia. Folga, somente aos sábados. É nesses dias que aproveita pra curtir a esposa Roselaine Cristine Schossler, de 36 anos, e os filhos Gustavo (12) e Arthur (6). O esforço, entretanto, não é em vão. Com 20 anos de profissão, Hausmann conseguiu conquistar o posto máximo da vida de um bandeirinha. Como único gaúcho integrante do quadro do órgão regulador máximo do futebol, a Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) desde 2004, o estrelense foi escalado para representar o Brasil na Copa do Mundo de Futebol da África do Sul, em 2010. “Sem dúvida nenhuma esse foi o ápice da minha carreira. Assim como para um jogador, não tem alegria maior para um bandeirinha do que participar de uma Copa”, conta emocionado. Durante o Mundial, ao lado do árbitro gaúcho Carlos Eugênio Simon e do assistente paranaense Roberto Braatz, bandeirou nos jogos de Estados Unidos 1 x 1Inglaterra e Gana 0 x 1 Alemanha. Nos bastidores da competição, no entanto, Hausmann destaca um ponto negativo. “Não esperava que fosse tanta exigência extracampo”, confessa. “Dos 34 dias que nós ficamos lá, só tivemos dois de descanso”. Como bons gaúchos, no entanto, Altemir e Simon contam que levaram térmica, bomba e cuia e se esforçaram para conseguir tomar o mate diário.

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Tem bicho no campus Na Universidade de Santa Cruz do Sul, convivendo com professores, funcionários e acadêmicos, existem mais de 1000 espécies diferentes de animais VIVIANE MOURA REPORTAGEM LABORATÓRIO DE ZOOLOGIA FOTOGRAFIA

Em universidades os famosos Bixos (isso mesmo, bicho com “xis”) – termo que designa estudante novato - são comuns. Agora, quando o que você vê pelo campus são B-I-C-H-O-S a história muda. São ouriços, graxains, tatus, gambás, tucanos, espécies de serpentes, aranhas, muitos pássaros, rãs, insetos... No quesito diversidade animal, a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) é um verdadeiro zoológico. Segundo o Biólogo e professor da instituição Andreas Kohler, acredita-se que, totalizando todas as espécies já vistas no campus, obtemos aproximadamente mil espécies diferentes – incluindo os minúsculos e quase imperceptíveis a olho nu. De animais vistos e reconhecidos com mais facilidade, como répteis, mamíferos, aracnídeos, anfíbios e pássaros são cerca de 50 espécies. Atendente de umas das lancherias do campus, Fabiano Salvi diz que é comum ver animais domésticos – como cães e gatos – e pássaros. Ele

acredita que os animais se aproximem devido às migalhas de alimentos que ficam próximo ao seu local de trabalho. Para Thamires Waechter, acadêmica de jornalismo, animais e pessoas convivem bem na universidade. “Eles ficam comendo do nosso lado, como se nós nem estivéssemos ali. Já estão acostumados com os seres humanos” conta.

plantadas e outras que já existiam; esse cinturão, que se conecta com cinturão da cidade, faz com que haja de fato um trânsito grande de animais silvestres”, conta o Reitor Vilmar Thomé. Os animais domésticos, por sua vez, aparecem no campus por terem sido abandonados pelos donos ou fugido de sua casa.

De onde eles veem

O que fazem aqui

A Unisc contém muitas áreas verdes, algumas delas pouco frequentadas. Além disso, situa-se próxima à área denominada Cinturão Verde – área inclinada, preservada por lei, que cerca a cidade de Santa Cruz do Sul. A mata do cinturão é ligada à mata da Unisc e serve de acesso ao campus, assim como as tubulações. “Nós temos um ‘cinturão verde’ dentro do campus, além do cinturão verde que cerca a cidade, então são milhares de árvores nativas

No filme os Sem Floresta os bichinhos invadem a cidade em busca de alimento. Mas, no nosso caso, não é exatamente isso que acontece. Seria como se os animais realmente gostassem do campus e aproveitassem sua diversidade vegetal. Para Andreas Kolher eles frequentam o campus, mas dificilmente se estabelecem. Com a preservação das nossas matas e a proximidade com grandes extensões verdes (como o cinturão) o campus se torna atrativo aos animais.

Algumas espécies que podem ser encontradas na Unisc Socó Boi – espécie rara de pássaro Quero-Quero Sabiá Bem-te-vi João de barro Saracura Canário da Terra

FAUNA

Ouriço Esquilo Graxaim Lagarto Tatu Mulita Gambá Tucano

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Lagarto Teju

Jararaca listrada ou Corredeira

Corruíra Surucuá Aracuã Pica-pau de campo Saíra Caranguejeira Aranha Marrom


Saíra

Picapau do campo Outro fator que influencia na chegada desses animais é o desmatamento da área situada acima do cinturão verde. “Nós temos hoje um grande impacto de condomínios, de construções (...) Eles (animais) ficam limitados a outras áreas, como o cinturão e assim também a área da Unisc que é bem preservada”, explica o biólogo. Espaço privilegiado Somos uma universidade privilegiada, localizada no meio da natureza. A variedade de espécies aqui encontradas facilita a coleta de animais para a coleção que temos aqui – a maior coleção do interior do Rio Grande do Sul. Há dois anos uma espécie nova de

Armadeira Aranha de Jardim Aranha dourada Coral verdadeira Coral falsa Jararaca Dormideira

aranha foi encontrada pelo campus. Esta aranha, jamais encontrada em outra parte do mundo, é da família Theraphosidae (caranguejeiras) e tem no abdômen uma mancha com coloração avermelhada – que caracterizou a aracnídea como diferente. Além disso, os alunos da área de biologia têm a possibilidade de pesquisar dentro do próprio campus. A aula prática inclusive, deste curso, pode ser com animais vivos – como no caso de análises de rã e pererecas – e no final eles são devolvidos à natureza. Para o nosso ecossistema só temos a ganhar, pois quando mais equilibrada é a formação de uma mata –fauna e flora – maiores são os benefícios neste ambiente.

Família diferente Era outono e uma brisa leve soprava as folhas das árvores localizadas entre o bloco 14 e 15 da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Todos corriam para fora de suas salas como se procurassem algo no céu, seguindo os passos de um colega. E lá estava aquele animalzinho espinhento aproveitando o gosto cítrico de sua planta predileta – Inga Marginata. Foi a primeira vez que o tal ouriço da comunicação apareceu. Mais tarde descobri que eram cinco. Uma família, composta por pai, mãe e os três filhotes. Segundo Andreas, o primeiro ouriço chegou ao campus há mais de 5 anos. Pelo crescente número de árvores e a falta de concorrência pelo alimento, ao contrário da maioria das outras espécies, ele se estabeleceu na Unisc e, posteriormente, formou sua família.

Cobra cipó comum Serpente Liophis Sapo bufo Perereca Hyla Faber

Foto de 2009 de um dos primeiros ouriços estabelecidos no campus

FAUNA

Theraphosidae: nova espécie encontrada no campus

Cobra Cipó comum

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A dama e o vagabundo A história de uma beagle e de um vira-lata. Duas realidades distintas, onde um tem tudo e o outro, nada

JULIANA EICHWALD REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

Ele nunca tomou banho. Ela toma banho quando é necessário. Ele assiste o sol nascer quadrado todos os dias. Ela pode pegar sol a hora que sentir vontade. Ele dorme no chão frio, às vezes molhado pela própria sujeira que faz durante o dia. O máximo que recebe, no inverno, é um papelão para não congelar o pequeno corpo carente. Ela tem cama quentinha, coberta, travesseiro, e, se preferir, até os sofás, além da grama verde e da terra para rolar e brincar. Ele ganha uma refeição ao dia. Ela ganha três, incluindo algumas guloseimas fora de hora. Ele tem o olhar de quem espera por alguém. Ela tem o olhar de quem não espera por nada. Ele, um vira-lata de médio porte, inquieto, tremelico, barulhento e pelagem branca com pintas amarelas. Ela, uma beagle puríssima, agitada e arteira. Ele não

tem nome. Ela se chama Mel. Ela, a dama. Ele, o vagabundo. O Vira-Lata Sem Nome reside com outros 26 cães no Canil Municipal de Santa Cruz do Sul. Para chegar até lá gasta-se fôlego e muita gasolina. Perder-se no caminho é comum, já que não existem placas indicando o local. Durante o percurso, no bairro Distrito Industrial, questiono duas pessoas sobre a localidade do canil, mas não sabem responder. E, quando a volta para casa parece ser a única solução, surge um motorista de ônibus. “Pegue aquela rua e siga até o final, o canil é atrás da Usina de Lixo.” Dados gravados na memória, retomo o caminho. O asfalto é precário e a estrada parece não ter fim. Uma Santa Cruz desconhecida começa a ser desvendada pelas duas rodas da moto. Depois de percorrer alguns qui-

MUNDO ANIMAL

MUNDOS DISTANTES

Vira-lata Sem Nome

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Mel, a Beagle

lômetros, avisto o Parque de Reciclagem e Compostagem de Lixo Domiciliar de Santa Cruz. O caminho é uma estrada de chão, com pedras, buracos, parafusos e mato. Onde diabos é esse canil? Por que não ouço um latido sequer? A ansiedade toma conta. Eis que surge um enorme portão com os dizeres “Cuidado! Área de isolamento sanitário. Não ultrapassar” em vermelho e branco. Há bambus pelo caminho. Muitos. O ar gelado do mato entra pelos poros e toma conta do corpo. Os bambus dançam alucinados por causa da ventania. Filme de terror. A mente se aquieta quando enxergo o local. Sabe o fim do mundo? É lá. Barulho, muito barulho. Assim os 27 cachorros do Canil recebem os visitantes e seus possíveis donos. O cheiro é forte, de cachorro, de sujeira, de ração, de tristeza, de


Mel, a beagle, não vai para a creche somente em dia de chuva pais procuras para adoção. Os outros ficam lá, aguardando ansiosos a sua retomada de vida. Em cada olhar é como se os animais implorassem para serem levados dali. Em cada latido, um grito de socorro. Há mais de um ano no Canil Municipal, o Vira-Lata Sem Nome passa os seus dias sozinho, esperando que apareça algum dono ou até mesmo alguma companheira para tirá-lo da solidão. A vários quilômetros dali, na Avenida João Pessoa, Centro de Santa Cruz do Sul, Mel, a beagle, divide vários metros de grama, ar livre e liberdade com outros cães no Consultório Veterinário Pet a Teti. Além de clínica, o consultório também é uma espécie de creche para os cachorros, onde os donos deixam seus animais enquanto estão no trabalho ou viajando. Filhotes que não possuem todas as vacinas são proibidos, por causa da transmissão de doenças. São admitidos somente cães de pequeno e médio porte. Eles têm um período de adaptação para aprovação ou não na creche. Assim que aprovados, já podem desfrutar das mordomias oferecidas pelo estabelecimento, como cauterização de gengiva, banhos, tosa e limpeza de tártaro. A realidade da clínica é

totalmente diferente da do Canil, onde mora o Vira-Lata Sem Nome. Há interfone na entrada, o ambiente é limpo e cheiroso. Um pequeno pet shop com variedades de rações, brinquedos, camas e shampoos está exposto na entrada do local. O pátio é imenso. Lá, no auge do verão, já foram recebidos 45 animais. A veterinária Heloísa Teichmann Aita é a responsável pela clínica. Ela diz que a creche funciona como um descarregador de energia dos cães, pois eles brincam o dia inteiro. O valor da hospedagem é diário e varia de acordo com o tamanho do animal. A clínica funciona 24 horas e possui 14 funcionários, quatro são veterinários formados. Além da higienização dos cães, o consultório também realiza internações, cirurgia, ultrasonografia e eletrocardiograma. Mel já está acostumada com os horários da clínica. Ela geralmente fica no Pet a Teti à tarde, das 12h às 18h30min, horário em que sua dona está trabalhando. A beagle é agitada e corre o tempo inteiro pelo imenso gramado. Heloísa brinca: “a Mel já fica com a coleira na boca esperando a hora de vir pra cá.” “Um cachorro não se importa se você é rico ou pobre, inteligente ou

idiota. Um cão não julga os outros por sua cor, credo ou classe, mas pelo que são por dentro. Dê seu coração a ele, e ele lhe dará o dele. (...) De quantas pessoas você pode falar isso? Quantas pessoas fazem você se sentir raro, puro e especial? Quantas pessoas fazem você se sentir extraordinário?” Essas são palavras do autor John Grogan no livro Marley e Eu, que explicam o quanto cachorros podem ser (e muitas vezes são) seres melhores do que nós, humanos. Enquanto Mel se diverte na creche, o Vira-Lata Sem Nome espera pacientemente por alguém, pessoa ou outro “cãopanheiro”, que possa lhe oferecer carinho e atenção. Em um mundo onde todos afirmam que o cachorro é o melhor amigo do homem, há animais solitários, que clamam por um pouco de afago e de respeito. Torçamos para que a dona da Mel, como num clique de mágica, resolva passar um dia desses no Canil e aviste um vira-lata de médio porte, inquieto, tremelico, barulhento e pelagem branca com pintas amarelas, e queira levá-lo para casa. Quem sabe assim, o Vira-Lata ganhe um nome, carinho e respeito, e enfim possa viver uma história de Walt Disney, com final feliz e muito macarrão.

MUNDO ANIMAL

esperança. Cães pretos, brancos, marrons, todos os tons se misturam dentro das grades do lugar. São vários cercados de mais ou menos 2mx2m de largura e 3m de altura. Com 2 cachorros em cada um deles. As exceções são um pastor-alemão, que perdeu uma das patas dianteira em um acidente; um rottweiler, que foi capturado após desleixo do seu dono, e ele, o Vira-Lata Sem Nome. Aos cuidados de Jorge Antonio Loebens, veterinário da Prefeitura e Ernesto Dorneles, responsável pela limpeza, os cachorros recebem comida e higienização das suas baias uma vez por dia. A distribuição dos cães em seus cercados é em função de espaço e a sintonia entre os animais. Geralmente são um macho e uma fêmea juntos, já que os cachorros do mesmo sexo têm maior tendência a brigar. O Vira-Lata Sem Nome é antisocial, este é motivo dado por Jorge para explicar o porquê de o cão morar sozinho em sua “casa”. De outros machos o Vira-Lata passa longe e nenhuma fêmea conquistou o coração do pequeno rebelde. O Canil é um abrigo que recolhe cães doentes ou que colocam pessoas em risco. Filhotes são as princi-

O Vira-Lata sem nome espera por carinho e respeito

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O mundo mágico da Vovó Moina Os olhos cor do céu, os cabelos brancos de experiência e o sorriso meigo fazem de Moina Mary Fairon Rech uma escritora doce, que ainda cultiva em sua aparência os detalhes de uma criança. No auge de seus 79 anos, a santa-cruzense, que já publicou seis livros, prepara-se para ser a escritora homenageada da 24ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul. Perambulando entre contos de fadas e relatos vivos de sua infância, Moina encanta e é encantada pelo universo das palavras. Ela conversou com a reportagem do Unicom

ANA LUIZA RABUSKE REPORTAGEM

PING-PONG

VIVIANE MOURA FOTOGRAFIA

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Quando a senhora começou a escrever e de onde surgiu essa vontade pela escrita? omecei a escrever pelo ano 2000, quando meus netos me perguntaram como eu fazia no meu tempo de criança, já que não existia TV, videogame, nem internet. Aquilo mexeu comigo, e eu resolvi então deixar alguma coisa para eles. Foi por isso que comecei a escrever. São minhas memórias mais remotas, de quando eu tinha 3, 4 anos de idade. Depois que estava tudo no papel, a ideia era fazer sete cópias e dar de lembrança para os meus netos. Até o dia em que uma amiga, que é artista lá em Porto Alegre, me deu a ideia de publicar. Surgiu então “A janela para o passado”, que foi meu primeiro livro e que acabou virando um retrato de Santa Cruz entre os anos de 1935 e 1945.

C

A tradição irlandesa teve alguma influência nessa trajetória como escritora? inha influência toda foi do berço. Desde pequena minha mãe sempre constumava ler histórias antes de dormir. O meu pai era irlandês, por isso a gente recebia muitos livros em inglês. Era uma festa só, minha madrinha mandava, minhas tias também. A gente sempre tinha muitos volumes de contos de fadas vindos da Irlanda. Já minha mãe descendia de alemães, e também lia as histórias da tradição alemã. Sempre fui muito ligada nisso, tanto nas raízes irlandesas como alemãs.

M

Além dos 6 livros que a senhora já publicou, existe alguma outra história a caminho? u gostei de ficção, porque dá para deixar as idéias fluírem e dizer coisas que a gente pensa. Quando comecei a escrever “A Casa do Bosque” a trama estava com muitos personagens. Suprimi então alguns deles e fiquei só com um objetivo, que era falar sobre as lendas irlandesas. Porém os personagens que eu havia criado eram interessantes demais e não se conformaram em ficar esquecidos dentro do meu computador, estavam sempre me chamando. Queriam sair e não ficar presos para o resto da vida. Resolvi então juntá-los e começar um novo livro. Agora estou escrevendo, é um romance de ficção e estou me divertindo muito com esses personagens.

nuei lendo muito e posso dizer que nunca mais parei de ler. Acho que eu li quase tudo que deveria ter lido para me dar uma boa base. Se tivesse boa memória, acho que eu seria uma enciclopédia ambulante. Acho que li tudo na hora certa.

E existe alguma previsão de lançamento desse novo livro? este eu vou trabalhar com calma. Já está alinhavado e estou começando as revisões. Geralmente faço umas 10 ou 20 revisões até considerar o livro pronto. Não vou ter pressa, quero que saia perfeito. Vai dar um pouco de trabalho, mas se Deus quiser no final do ano que vem, poderá ser lançado.

Existe alguma história que a senhora gosta mais? u gostei muito de “A Casa do Bosque”, foi uma história que brotou do coração. Foi como uma porta que se descerrou na minha imaginação. Os personagens começaram a criar vida e a me empurrar para frente, e acabou dando essa história que, quem já leu, muito apreciou.

E

N

A senhora sempre foi muito apegada à literatura? uando criança li todos os livros infantis que me caíssem nas mãos. Quando adolescente conti-

Q

Já havia passado pela sua cabeça um dia escrever tantas histórias e ter a oportunidade de publicá-las? unca me passou pela cabeça de ver algum livro meu publicado. Eu até estou achando tudo isso muito interessante. Eu não esperava uma resposta tão entusiasmada como eu tive com o primeiro livro, “A Janela para o Passado”. Até hoje, quase dez anos depois, as pessoas falam dele para mim, e isso é muito bom, é sinal de que foi aprovado.

N

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Todas as histórias que a senhora escreve são de aventuras pessoais? A “Janela para o Passado” e a “Aventura na Amazônia” são memórias minhas. As histórias infantis, “Tato” e “Tobi” são de lembranças dos meus animais


As faces de Moina

Crônica

Isolamento opcional MARÍLIA GHERKE

de estimação. Já “O Portal Mágico” surgiu de um sonho que eu tive certa noite, quando descobri um jardim mágico embaixo do chão do meu quarto. Claro que depois, baseada naquela ideia, produzi a história toda.

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O livro “O Portal Mágico” foi a sua primeira obra a ser publicada fora do país. Qual o seu sentimento em relação a isso? evei um susto quando uma editora de Buenos Aires me procurou e se mostrou interessada em traduzir meu livro para o espanhol. Isso para mim foi fantástico! Pensei comigo mesma “acho que estão gostando dos meus escritos”. Hoje o livro está a venda em toda a América do Sul e também na Espanha. Eu fiquei muito faceira com isso.

L

A senhora se considera uma pessoa realizada? cho que sou uma pessoa realizada, sim. Criei a minha

A

família e deu certo. Tenho um marido que é o meu melhor amigo. Sinto-me em paz com o mundo e comigo mesma. Acho muito bom poder viver o momento presente e aproveitá-lo. Não penso muito em futuro e passado. Quando lembro do passado, é nas coisas positivas que aconteceram. Sempre faço de conta que tenho um cofre secreto onde eu guardo todas as coisas boas que me aconteceram. Quando quero me lembrar desses bons momentos, abro o cofre e tiro as lembranças. Até hoje fico admirada e ao mesmo tempo contente em ter conseguido publicar tanta coisa. Logo eu, que nunca pensei algum dia em ser uma escritora.

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CRÔNICA

A senhora possui um blog também, o que você passa através dele? osso dizer que o meu blog tem um objetivo só: incentivar a leitura. Acho que isso é uma das coisas mais importantes que existe. O gosto pela leitura vem do berço. Se uma mãe começa a ler histórias para a criança antes mesmo dela aprender a ler, automaticamente ela sentirá curiosidade em relação aos livros no futuro. Quanto mais a pessoa lê, mais conhecimento terá. A literatura é um tesouro que recebemos de graça e que pode ser

acumulado dentro da cabeça.

Solidão é uma das principais reclamações humanas na atual conjuntura. Sem tempo para pensar que não há tempo, as pessoas vivem de trabalho, estudo e reivindicação. Sentem-se, sobretudo, vítimas da chamada sociedade pós-moderna, condição que abre espaço para o egocentrismo, narcisismo e outras formas de pôr a primeira pessoa do singular em um pedestal. A verdade é que os responsáveis por seu isolamento são os próprios cidadãos. As pessoas são tão obcecadas pelo próprio umbigo que procuram preservar sua individualidade.Essa premissa pode ser observada em ferramentas de comunicação e até em meios de transporte. Imagine um ônibus com 50 lugares, cuja distribuição dos assentos se dá em duas colunas com dois bancos cada. Mentalize, agora, 25 pessoas em fila indiana. É isso que acontece nos transportes coletivos: as criaturas não gostam de viajar em dupla. Preferem trafegar consigo e com seus pensamentos. Isso quando não fazem cara feia na ocasião em que alguém se aproxima e pergunta se pode ocupar o banco. Para continuar na solidão, tem gente que chega a empregar técnicas de afastamento: 1) espalhar bugigangas no banco ao lado; 2) fingir estar dormindo; 3) ignorar. Para a alegria geral da nação, alguns ônibus urbanos já contam com assentos individuais. Foi-se o tempo em que os vizinhos visitavam uns aos outros. O MSN manteve as janelas, mas encurtou o diálogo. O Messenger, assim como outras ferramentas de comunicação – que serviriam para aproximar vidas - distanciou as pessoas. Ademais, a conversa, a roda de amigos e troca de confidências foram substituídas por relatos nos blogs. O mesmo ocorre nas redes sociais: quando não estão agulhando alguém, os usuários do Twitter fazem suas reflexões pessoais em 140 caracteres. Ninguém entende nada. A convivência, agora, é individual. A empatia já não existe. O isolamento, porém, é opcional.

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Aos olhos do Jacuí Da janela da casa amarela de capim Santa Fé às casas de madeira eucalipto, localizadas na esquina do paredão – nome dado a uma enorme parede de pedras em uma das curvas do Jacuí – Claudiomir de Souza, 44, cresceu aos cuidados do rio

NATUREZA

VANESSA SCHULER REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

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Bodalírio Manuel de Souza e Eva de Lurdes da Luz conheceram o amor às margens de uma das maiores bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul na década de 50. Seu Bodalírio é natural de São Leopoldo e Dona Eva de General Câmara. Por meio do trabalho em navios draga - utilizados para retirar areia do fundo dos rios – o jovem marinheiro apaixonou-se pelos encantos de uma moça das águas. As mesmas águas que trouxeram para Dona Eva o amor. Não somente o amor, mas uma vida cheia de alegrias, filhos e histórias sobre seu companheiro: o vizinho Jacuí. Os dois tinham um amor em comum: o rio. A falta de dinheiro e a admiração pelo afluente fizeram com que decidissem morar diante de suas águas. Seu Bodalíro juntou suas economias, comprou barco e motor e seguiu a vida de casado como pescador profissional. A família sempre teve condições financeiras suficientes para suprir todas as necessidades da casa. Nunca passaram fome e as crianças nunca sentiram falta do que brincar. Do rio, vinha o real sustento da família, por meio da pesca e da água para alimentação, higiene e plantio. Quando seus filhos nasceram, seguiram os passos dos pais. Claudiomir (foto da página ao lado), único menino no meio de quatro meninas, pescava todos os dias com o pai. As Marias - Orizontina, Clementina, Mara e Marisa - acompanhavam Dona Eva até o galpão para tratar os porcos, as galinhas, os cabritos e os cachorros. Além disso, colhiam os frutos do pomar que tinham ao redor da casa. Quando mais crescido, Claudiomir levava suas irmãs de barco até o outro lado do rio e dali seguiam a pé por 5km de fazendas e estrada de chão até a escola. Todo santo dia. Morar em barranca do rio tinha seus prós e contras. No verão era uma festa, banho de rio até anoitecer. No

inverno, o medo da casa desabar na madrugada, caso a enchente fosse muito forte. Todos os móveis da casa de três cômodos, Seu Bodalírio que construiu: fogão a lenha, armários, camas, mesas e cadeiras. E, até mesmo, a casa em que moravam. Energia elétrica nunca houve por ali. Pra satisfazer a mulher noveleira, Seu Bodalírio arrumou duas baterias nas quais ligara a televisão no horário nobre pra encher os olhos de alegria da companheira. O banho da família era quente, esquentavam a água numa chaleira e colocavam numa espécie de regador-chuveiro para se banhar no inverno. Do lado de fora da casa, tinha uma patente – nome dado a uma casinha de madeira com um acento, em cima de um buraco no chão para fazer as necessidades. A necessidade de condições melhores de vida fizeram com que Claudiomir, primeiro a tomar a iniciativa de sair de casa, fosse para a cidade. Entranto, não deixou de lado sua paixão pela natureza. Pelo contrário, foi como jardineiro que se estabilizou financeiramente, e como mantém-se em profundo contato com a natureza. - A natureza tem o ar puro e a cidade tem o recurso, eu queria dinheiro próprio, diz Claudiomir. A força do rio A beleza das praias e da água do Jacuí encantam veranistas todos os anos, assim como a fartura de espécies de peixes que o rio oferece faz a alegria dos pescadores. O que não se espera são períodos de chuva no verão e no inverno, quando o rio toma o lugar da terra que desenha as estradas da cidade até os balneários. A água também invade as casas das pessoas. Inteligente é aquele que monitora o nível do rio pelo jornal da sua cidade e corre pra lá na hora certa para levantar os móveis e recolher os

eletrodomésticos. O problema é que nem todos possuem tempo para isso. É impressionante a força com que a água percorre o leito do rio. Porém, nem sempre o leito é suficiente para suprir a quantidade imensurável de água que deságua nele e acaba invadindo lavouras e moradias que o cercam. Não foi uma nem duas vezes que a família Souza viu sua casa desabar na enchente. Claudiomir e suas quatro irmãs não tiveram uma casa igual à maioria das pessoas, de cimento, tijolos e pintada com cores alegres. Com recursos do rio, seu pai construiu a primeira moradia de capim Santa Fé – comum nas encostas fluviais – mas, por ironia, as chamas acabaram com tudo. – O pai tinha mania de fumar os “pitos”’ dele. Numa noite acordamos com a casa pegando fogo. Foi um toco do palheiro mal apagado. Com a madeira retirada da floresta que cerca o rio, Seu Bodalírio não desanimou e contruiu casa sobre casa, que a força das águas nas enchentes arrastou ou, simplesmente fez vir ao chão. Em 2010 a casa de madeira caiu pela última vez. Dona Eva e Seu Bodalírio não moram mais na barranca. Não por falta de vontade, mas porque o tempo passou e as condições físicas dos dois não permitem mais. Em um descuido, Dona Eva machucou o pé quando pisou em um prego. Por falta de socorro imediato, e teimosia, preparou suas ervas e repousou para o que pé sarasse. Mas ele não sarou. Em quatro dias sua perna direita estava tomada por uma séria infecção. Os médicos só viram uma solução: amputar a perna ou a morte. Sem forças pra continuar vivendo sem recursos, Seu Bodalírio adoeçeu. Foi diagnosticado um câncer maligno na cabeça. Hoje, Dona Eva, agora deficiente física, cuida do marido em um dos hospitais de Canoas.


NATUREZA

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À espera de uma família

SOLIDARIEDADE

MARLUCI DRUM REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

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Arquivo Pessoal

Há 24 anos o Centr­o Social, Cultural e Educacional Gideões abriga crianças vítimas de maus tratos, abuso sexual ou abandono

Jéssica Soares Gomes chegou ao Centro Social Gideões quando ainda tinha um ano de idade. A mãe não tinha condições de criá-la e o pai ela não chegou conhecer. Jéssica deixou o orfanato aos 17 anos para se casar. Hoje uma mulher de 20 anos, estatura mediana, cabelos e olhos escuros, com um jeito de menina que é perceptível pela forma de se vestir e pelo jeito alegre de ser. Casada, Jéssica mora em Bento Gonçalves. Mesmo assim, sempre que pode, volta a Santa Cruz do Sul para visitar as tias que cuidaram dela e as crianças com as quais conviveu tanto tempo: a sua família. Quando questionada de como foi a vida no lar, Jéssica afirma: “Foi muito boa, bem proveitosa, estudei, fiz curso de costura, aprendi tocar violino, participei de coral. Em alguns momentos senti falta de ter uma mãe, um pai, mas quase não dava tempo de sentir isso, porque sempre havia uma tia ou outra me chamando e sempre um monte de crianças ao meu redor, meus irmãos né?!” A mãe biológica de Jéssica morreu quando ela tinha 12 anos, somente depois do casamento, através da internet, que ela teve contato com parentes mais próximos como tias e avós. Quando Jéssica apareceu na sala onde havia um reforço, as meninas largaram suas tarefas e correram encontrá-la para abraçá-la, como irmãs que não se viam e sentiam saudades. A mãe social Leni Severo de 53 anos, que trabalha e mora no lar, emocionada comenta: “É muito gratificante, porque eles saem , casam e depois eles nos ligam para saber como agente tá e voltam para nos visitar porque nós somos a família deles, é por isso que eles sempre voltam!” O Centro Social, Cultural e Educacional Gideões abriga atualmente 20 menores que foram abandonados ou estavam em situação de risco. O centro, que funciona há 24 anos, possui quatro casas-lar, cada uma delas é administrada por pais sociais, apoiados por uma equipe de trabalho, que busca o crescimento

Jéssica Gomes na época em que viveu no orfanato dos abrigados, tanto no aspecto físico como no psicossocial. As crianças e adolescentes são atendidas em tempo integral e recebem todos os cuidados necessários para a reinserção social e para o desenvolvimento humano. O centro é um lar provisório para as crianças que vivem em situações de risco, como maus tratos, abuso sexual, falta de condições por parte dos pais, tanto humana quanto financeira, para dar uma vida decente aos filhos. Por meios judiciais as crianças são encaminhadas ao centro Gideões, para que possam se recuperar dos traumas sofridos e recomeçarem a vida. As casas possuem na decoração muitos porta retratos pendurados nas paredes e enfeitando as estan-

tes. Neles fotos de crianças, loiras, morenas, negras, brancas, bebês, adolescentes, meninos e meninas. Nas fotos a recordação de aniversários, casamentos, momentos felizes. Nem todas as fotos têm como fundo o lar social, algumas mostram que é possível encontrar uma boa família e levar uma vida feliz. Os quartos são separados, cada um possui dois beliches e por lá tudo é muito organizado e limpo. Os quartos das meninas, logo são identificados pelas bonecas, que, bem vestidas enfeitam as camas. A justiça avalia se os pais biológicos estão em condições de terem novamente a oportunidade de cuidar dos filhos ou se as crianças devem ser encaminhadas para adoção. Dona Leni lembra que no início era muito


Sentimento de união entre as irmãs que vivem no orfanato Ana Luiza Rabuske

Arquivo Pessoal

Dedicados à beleza

Pastor Neemias da Silva Junior

Leni Severo - Mãe Social Jéssica Gomes e o marido pequenos que ainda não vão à escola, também participam do reforço se esforçam e já fazem belos desenhos os quais mostram orgulhosos. Segundo a professora Vanusa Batista, as crianças são carentes e a convivência faz com que elas se apeguem, criem vínculos de amizades entre eles e também com ela e por isso ela ressalta: “Eles se sentem protegidos aqui, eles vivem com um tio e uma tia que cuidam deles, moram com eles, eles têm esse sentimento de família, mas também têm um mundo pra eles lá fora, essa é a realidade, é isso que a gente procura trabalhar com eles aqui”. As meninas daquela aula de reforço me surpreenderam. Quando perguntei se elas sonhavam com uma família nova, ou se queriam voltar

para a família de antes, algumas me disseram que sim queriam uma família nova, outras que queriam voltar com os pais biológicos e outras que não queriam outra família, queriam a família do orfanato, aquela que elas já tinham! Dos vinte menores que moram no centro social, apenas três estão disponíveis para adoção. Porém, segundo o Gerente Executivo do Centro Social Gideões, pastor Neemias da Silva Júnior, eles não estão no perfil considerado ideal de adoção – bebês e de cor branca - pois são adolescentes e dois deles ainda possuem deficiência mental, o que dificulta mais. Outra preocupação do centro é encaminhar irmãos para a mesma família, para não romper os laços fraternos.

“É sempre preferível que no momento da adoção irmãos fiquem juntos; quando isso não é possível, como, por exemplo, quando são quatro irmãos, é difícil encontrar uma família que queira ficar com os quatro”, explica Júnior. Nesses casos as crianças são encaminhadas para famílias separadas. A elas é ressaltada a importância de que mantenham contato e sejam próximas, para que os irmãos possam se encontrar e manter a união familiar. Segundo o pastor, o trabalho da instituição é mantido com recursos da Igreja Assembléia de Deus do Campo de Santa Cruz do Sul, doações de colaboradores, verbas públicas da Prefeitura Municipal e do apoio da Missão Nehemia, da Alemanha.

SOLIDARIEDADE

complicado quando as crianças iam embora: “Eu sofria muito, ainda mais quando as crianças estavam há mais tempo. A gente cuida como se fosse nosso?! Aí depois nos tiram eles, ah não é fácil, a gente se apega né?!” Nos sábados à tarde, os familiares legítimos e famílias voluntárias podem visitar o centro social, mas segundo Dona Leni isso é um fato raro: “É difícil! Chega o sábado e se tiver uma mãe legítima aqui é muito!” No turno inverso da escola as crianças e adolescentes recebem aulas de reforço numa sala decorada com trabalhinhos coloridos, muitos livros, materiais escolar, classes e cadeiras e claro o quadro negro com atividades escritas com giz. A professora auxilia com os temas e com os conteúdos de maior dificuldade. Os

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Diferentes sotaques na construção civil Operários, principalmente do norte e nordeste do país, deixam suas famílias para trabalhar na região

CONSTRUÇÃO

AUGUSTO HOFFMANN REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

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Cristiano Antonio Gonçalves, 34 anos, está há um mês em Santa Cruz do Sul. Nesse pouco tempo já ficou resfriado três vezes. Natural de Contagem, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, ele veio para trabalhar em uma obra na cidade e não imaginava que o frio do Sul pudesse ser tão intenso. Em sua cidade natal ele deixou mãe, irmãos e a namorada para tentar a vida no Sul do Brasil. “O mercado de trabalho pro lado de cá é melhor do que o de lá, questão de salário é melhor do que lá também, aqui eles te dão oportunidade”. Cristiano fez cursos de qualificação no Senai, em Belo Horizonte, mas as oportunidades não apareceram. A realidade de Cristiano é a mesma de muitos brasileiros, que se deslocam por todo o país em busca de um emprego. O perfil desses trabalhadores é principalmente de jovens na faixa de 18 aos 25 anos, com pouca qualificação. Segundo o coordenador do escritório regional do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado do Rio Grande do Sul (Sin-

duscom RS), engenheiro Ário Sabbi, a construção civil no estado está em um momento muito forte de crescimento. O sindicato reconhece a vinda de pessoas de outros estados para trabalharem em obras na cidade, principalmente nas multinacionais. Para o engenheiro, essa situação pode configurar um problema futuro. “Quando terminarem essas obras, parte dos trabalhadores vai ficar por aqui; se conseguirem colocação rápida no mercado de trabalho não vejo problemas, mas muitos deles vão ficar na informalidade. Sem ter onde morar, serão fontes de problema”. Ainda segundo Sabbi, na região falta mão de obra para trabalhar na construção civil. E foi esse um dos fatores que levou a empresa Philip Morris a contratar, através da construtora Serpal, funcionários de todo o Brasil. Para se ter uma ideia, só nessa obra são cerca de 400 operários; desses, apenas 10 % são da região do Vale do Rio Pardo. O paraibano Petrônio Guimarães dos Santos, 25 anos, já está mais ambientado com nosso clima e cultura, afinal de contas já faz um ano

que ele trabalha na cidade. Natural de Areial, região metropolitana da Paraíba, deixou pai, mãe e os irmãos para trabalhar em obras no Rio Grande do Sul. Segundo ele, o salário é razoavelmente bom e parte dele serve para ajudar os familiares que ficaram longe. “Ficar triste a gente fica, mas tem que ser assim, é a vida, tem que trabalhar”, comenta Santos sobre a saudade da família. Com uma jornada de trabalho que vai de segunda a sábado, começando às sete horas da manhã e às vezes sem hora para terminar, os trabalhadores aproveitam para fazer hora extra e engordar o contracheque. No seu alojamento, Santos convive com sete pessoas, cada um de um estado diferente. A folga no domingo é aproveitada ao máximo: eles ouvem música sertaneja o dia todo e aproveitam para descansar, conhecer a cidade e fazer churrasco. Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário (STICM-SCS), Hardi Inácio Assmann, o fato de os trabalhadores fazerem hora extra é bom tanto para o operário que ganha mais quanto para


a empreiteira da obra, pois tende a terminar a empreitada antes do previsto. “A intenção deles é ganhar dinheiro. Querem fazer bastante hora extra e gostariam de trabalhar até mais horas do que o permitido, mas a lei não deixa.” Estas horas extras estão previstas na convenção coletiva de trabalho do Sindicato assim como as regras relativas à estadia dos operários onde a empresa deve fornecer alojamento para os mesmos. “Quando os trabalhadores vêm de lá, a empreiteira contrata hotéis, pousadas, ou aluga uma casa grande, reforma e disponibiliza cama, mesa, fogão, tudo o que tem que ter, de acordo com a convenção que tem regras de alojamento, de canteiro de obras e assim por diante.” salienta Hardi. Segundo Hardi, muitos dos trabalhadores ficam insatisfeitos quando chegam na cidade, pois a promessa de ganhos não se confirma devido à impossibilidade de trabalho além das horas previstas em contrato. Hardi explica ainda que, com a chegada do inverno, muitos trabalhadores desistem de continuar na cidade, pois não estão acostumados com o

frio da região Sul. “Quando o pessoal vem de lá eles não sabem como funciona aqui, a realidade é bem diferente da que estão acostumados. Nos últimos dias, um contingente de trabalhadores foi embora porque eles não conseguiram lidar com o frio, eles pedem para voltar”. Para Hardi, o fato desses trabalhadores virem de fora para trabalhar na cidade gera perdas econômicas, uma vez que o dinheiro é normalmente enviado para suas famílias. “Se a mão de obra fosse daqui, o salário ganho por estes trabalhadores seria injetado na economia da região e o dinheiro ficaria todo aqui”. Tanto que o sindicato tentou via Sistema Nacional de Emprego (Sine) recrutar trabalhadores do município, mas a tentativa não deu certo. As empreiteiras de Santa Cruz do Sul encontram dificuldades e acabam buscando operários de outras cidades da região. “O custo do trabalhador de fora é muito maior. A cada três meses tem que dar uma passagem para visitarem a família, alojamento e alimentação. Se o empregado fosse do município seria muito mais barato”, comenta Hardi.

Cristiano Antonio Gonçalves, 34 anos (esquerda), e Petrônio Guimarães dos Santos, 25 anos

CONSTRUÇÃO

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