Eyetracking: mapeando a direção dos olhares pelas interfaces

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Eyetracking: mapeando a direção dos olhares pelas interfaces

Elas começaram limitadas aos 640x480 pixels. Hoje,

site. Normalmente, ela tende a ignorar o que não tem

praticamente triplicaram sua capacidade de resolução

a ver com o seu objetivo e a focar naquilo que pode

em tela, tornando até mesmo os 1024x768 um padrão

de alguma maneira ajudá-la a fazer o que deseja.”

com os dias contados. Com o avanço das tecnologias

Assim, na busca por um melhor entendimento

dos monitores e a consequente queda nos preços dos

sobre como os usuários costumam direcionar os seus

hardwares disponíveis pelo mercado, o processo de

olhares pelas interfaces interativas, o eyetracking

criação e desenvolvimento de interfaces ampliou seus

surge como uma técnica interessante para pesquisar

limites, aumentando assim a capacidade de percepção

determinados comportamentos.

visual de projetos interativos. O professor João Gomes Filho, em um dos

“É importante se diferenciar um processo simples - fixação da visão - de processos complexos, que são

capítulos do livro “Gestalt do Objeto”, revela que um

os processos cognitivos no cérebro, um fenômeno de

dos princípios básicos da Gestalt diz que “o fenômeno

interpretação e entendimento. No entanto, podemos

da percepção que acontece no cérebro não é idêntico

concluir que o entendimento pode ser parcialmente

ao que ocorre na retina. Dessa forma, nossa primeira

explicado através da análise de como os indivíduos

sensação seria global e unificada, ou seja, não vemos

‘veem’ o mundo. Para tanto, o eyetracking pode ser

partes isoladas, mas sensações”.

uma ferramenta útil para explorar como indivíduos

Trazendo este contexto para o universo web,

enxergam o mundo, no nosso caso, websites e outras

será preciso entender as particularidades que podem

interfaces interativas, e pode nos ajudar em considerar

influenciar a percepção visual/leitura ocular em

o que estes indivíduos obtêm destas interfaces,

ambientes digitais. Um dos indícios para compreender

quando criam sua própria noção de um fenômeno.

este cenário, como destaca Mercedes Sanchez (www.

Exemplos: familiaridade do indivíduo com a interface,

mercedessanchez.com.br), especialista em usabilidade,

repertório, experiência de internet, movimentos,

envolve o fato de que as pessoas geralmente acessam

cores, tamanho de fontes, tipos de imagens etc.”,

um site com um objetivo (ou mais), que pode ser muito

explica Joana Andrade, coordenadora dos projetos de

bem definido ou ainda não muito claro.

pesquisa e design centrados no usuário da fhios:Brasil

“Eu posso entrar em vários sites para pesquisar

(www.fhios.com.br).

o preço de uma TV LCD de 40 polegadas, da marca X ou posso entrar em vários sites para ter uma ideia dos preços das TVs LCD de 40 ou 42 polegadas de várias

Aperfeiçoando o design de interfaces Argumentos que ajudem na definição das

marcas, porque ainda não tenho uma definição clara do

melhores estratégias no processo de concepção de

que vou querer. É esse objetivo que ‘guia’ a pessoa no

interfaces digitais. Segundo Rogério Pereira,


reportagem - Menu :: 51 reportagem - Eyetracking :: 51

arquiteto de informação da Talk Interactive (www.

ser utilizado juntamente com outras metodologias e

talkinteractive.com.br), esse seria um dos principais

técnicas, como o teste de usabilidade, onde o usuário

benefícios dos estudos de eyetracking em relação ao

efetua tarefas do sistema e nos conta o que fez, porque

design de um projeto.

fez, o que estava pensando, o que poderia melhorar

“É importante saber que essa metodologia precisa do apoio de outras etapas para que o design seja

etc.”, orienta Mercedes. “Na fhios, o eyetracking é diretamente

centrado em um público específico. Quando trabalhei

combinado com uma investigação qualitativa de

no planejamento de redesenho do portal do Ministério

usabilidade muito útil, pois revela os elementos de

da Cultura (www.minc.gov.br), existiam algumas

atração visual e os limites destes para o usuário. Em

áreas que queriam ganhar mais importância e assim

um estudo de usabilidade tradicional, o participante

utilizamos o eyetracking para comprovar quais eram

é incitado a verbalizar suas opiniões sobre a página,

os conteúdos que deveriam ganhar mais peso. Contra

obviamente que as limitações de linguagem do

números, não há argumentos.”

participante afetam sua habilidade de discursar sobre

Outra vantagem deste estudo, assim como de

a página. Através do eyetracking, é possível registrar

outras metodologias baseadas no design centrado no

o que realmente chama a atenção do participante

usuário, como ressalta Eduardo Loureiro, coordenador

(por razões boas ou não) sem limitações. Para isso,

de experiência do usuário da Mapa Digital (www.

é importante também usar o PEEP (Post Experience

mapadigital.net), é procurar entender as pessoas para

Eyetracking Protocols) - que permite aos participantes

criar produtos adequados, eficientes e usáveis.

reverem os ‘gaze trail’ (registro do caminho do

“Dessa forma, a contribuição que os estudos

olhar realizado durante o teste) para que informem

de eyetracking trazem para os projetos digitais está

ao entrevistador porque focaram sua atenção na(s)

justamente em incorporar os usuários no processo

área(s) específica(s) da página. A partir destas

de design. Eles podem servir para identificar o

análises, é possível identificar claramente os pontos

comportamento visual dos usuários de acordo com

onde se poderão programar melhorias concretas no

pontos específicos das interfaces, como percepção de

design da interface”, completa Joana.

blocos de informação e de elementos de interação, legibilidade de textos ou mesmo percepção do layout

Eyetracking na prática Para quem se interessou em pesquisar mais

como um todo, extraindo métricas específicas como

profundamente os caminhos do olhar do usuário pelas

pontos de maior destaque para os usuários e primeiro

interfaces, os especialistas destacam que definir

local de percepção. A análise dos resultados obtidos

o objetivo ou a hipótese a ser avaliada é um dos

nessas pesquisas pode gerar recomendações de

estágios fundamentais deste processo.

design para alterar os elementos a fim de melhorar a percepção visual das pessoas.” Neste debate, é importante ressaltar que o uso

“O eyetracking funciona melhor quando o objetivo é preciso. Por exemplo: um web analytics indica claramente a evasão de uma página específica

do eyetracking trará resultados ainda mais eficazes

e deseja-se entender o motivo, ou quando se

caso seja combinado com outras metodologias de

necessita comparar duas versões de uma estratégia

usabilidade. “Ele permite monitorar e registrar a

navegacional para uma página”, explica Joana.

maneira pela qual uma pessoa olha uma página, ou

“Deve-se partir de hipóteses sobre como se daria

seja, em que áreas ela fixou o olhar, durante quanto

a interação visual do usuário e de boas suposições

tempo e que caminho fez durante a exploração visual da

sobre como esta interação pode ser convertida em

página. Essas informações sozinhas não são suficientes

retorno do investimento. Neste caso, o eyetracking

para avaliar uma interface, já que elas mostram o que

pode vir como técnica complementar ao teste de

aconteceu, mas não nos dizem por que aconteceu. É

usabilidade tradicional. Isto, sem dúvida, impactará

por isso que o eyetracking não deve ser utilizado como

positivamente e contribuirá para o sucesso do

metodologia única para avaliar a usabilidade. Ele pode

projeto, seja uma escola virtual ou um site de


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comércio eletrônico”, argumenta Luiz Agner (www.

encorajados a ‘pensar alto’, mas com foco na tarefa

agner.com.br), professor da especialização em

em execução. O eyetracking deve usar tarefas

usabilidade da PUC-Rio.

como base, sem isso é impossível saber por que

Com o objetivo definido, a etapa seguinte envolverá a seleção minuciosa de quem vai participar desta pesquisa. “É imprescindível

participantes estavam olhando para determinada parte da página”. Após a captura do movimento do olhar, a

que os indivíduos ‘corretos’ sejam recrutados,

recomendação é que o usuário possa descrever

entendendo que a ‘bagagem’ do participante

porque focou sua atenção em partes específicas

deve ser considerada. Ao definirmos a ‘bagagem’,

da interface. “Essa discussão é essencial para

nos referimos a variáveis como familiaridade e

entendermos porque houve atenção para um

experiência do participante com a marca, e ao

determinado foco. Exemplo: porque aquela parte

nível de experiência de internet. Acreditamos

da página era ‘interessante’ ou ‘distraia’; ou era

que estes dois fatores influenciam diretamente o

‘muito complexa’ ou ‘confusa’. Existem infinitas

resultado de eyetracking. Então, a chave é fazer a

razões porque os indivíduos focam sua atenção

pergunta correta (identificar os objetivos) e ter os

e é só através do PEEP (ou similares técnicas de

participantes corretos”, ressalta Joana.

entrevistas) que somos capazes de encontrar tais

“Só conseguimos avaliar a interpretação que um indivíduo faz sobre uma interface a partir do momento em que a estudamos como algo completo,

explicações”, diz Joana.

A leitura em forma de “F” No blog Arquitetura de Informação, Silvia Melo

dentro de um contexto social, cultural e subjetivo.

publicou um post (http://migre.me/tCm) relatando

Apesar de a interface ser uma composição de

23 lições de um estudo realizado pelo The Poynter

elementos, estudá-los separadamente anula

Institute, envolvendo a metodologia de pesquisa

questões importantes de percepção e sensação.

através do eyetracking.

Esse é um dos motivos pelos quais os arquitetos

Assim como outros estudos da área (http://

de informação não podem se isentar de questões

migre.me/tCt), a indicação é que boa parte dos

de design e identidade visual. Os próprios testes

usuários tem um comportamento de leitura ocular

de usabilidade ou de eyetracking podem ser

em forma de “F”. Assim, na hora de trabalhar

grandemente influenciados por essa percepção

com áreas privilegiadas, alguns detalhes serão

visual do todo, perdendo parte da validade quando

fundamentais para se garantir o equilíbrio na

são feitos em protótipos em tons de cinza ou quando

composição das interfaces digitais, de maneira que

o recrutamento não é feito de forma adequada”,

ela fique, ao mesmo tempo, criativa e inovadora,

alerta Fabricio Teixeira, arquiteto de informação da

sem perder a simplicidade e a funcionalidade no

AgênciaClick (http://clickaqui.agenciaclick.com.br/).

processo de experiência do usuário.

Com o recrutamento adequado dos

“Essa área privilegiada do ‘F’ já é usada hoje

participantes, Joana explica que o próximo passo

em grande parte dos sites para o posicionamento de

será a aplicação das entrevistas, que devem ser

elementos de navegação (menus superiores e/ou na

feitas com alguns cuidados. “É importante que as

coluna da esquerda), mas também pode ser usada

variáveis, durante a condução das entrevistas, sejam

para guiar o processo cognitivo da mensagem que

limitadas o suficiente para assegurar que todos os

precisa ser passada. Em sites de startups gringas,

participantes estejam ‘vendo’ o material de estudo

vemos esse modelo do caminho do olho sendo

de forma similar. Sendo assim, é importante que a

seguido à risca, pois ao apresentar um novo serviço

exposição às páginas seja consistente. O eyetracking

a mensagem precisa ser sintética e objetiva. Em

é uma ferramenta muito sofisticada que captura

portais de conteúdo, vemos as recomendações do

milissegundos de exposição de uma página ao olhar,

eyetracking sendo aplicadas no posicionamento dos

para isso é vital que a exposição inicial seja idêntica

banners, já que também dos relatórios de eyetracking

a todos os participantes. Eles também devem ser

vêm a sugestão de que os usuários simplesmente os


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ignoram. Mas essa regra do ‘F’ vale principalmente para os primeiros acessos de um usuário a um site. Quando você abre o seu Gmail, por exemplo, certamente você olha direto para o topo de sua lista de e-mails, já que conhece bem o restante daquela interface”, diz Fabricio. “Estudos como o eyetracking e outros, ao apontar o que realmente ocorre com os usuários na sua interação com os produtos, abrem um campo criativo enorme ao design, desafiando-o a solucionar problemas com base em fatos concretos e não em pressuposições corriqueiras baseadas no senso comum das equipes e do cliente. Ao demonstrar que os leitores on-line ignoram banners, focando neles apenas por uma fração de segundos, esses estudos desafiam todos os designers e comunicadores a serem mais criativos e a respeitar os limites cognitivos dos usuários. Por exemplo, criando bons anúncios textuais e posicionando-os próximos ao conteúdo relevante, sem irritar os usuários com ações não solicitadas por eles”, acrescenta Luiz. Para finalizar, Mercedes lembra que a construção de interfaces tem que ser focada em quem vai usá-la, para que se alcance o retorno esperado. “Os profissionais envolvidos na criação e desenvolvimento têm hoje à disposição informação séria e confiável sobre como o usuário lê na internet, que padrões de comportamento são relevantes, quais os princípios da usabilidade que precisam ser respeitados, enfim, há uma série de dados que estão aí para todos. O dever dos profissionais é se atualizar e utilizar todo o conhecimento disponível para realizar seu trabalho. Mas não há uma receita de bolo a ser seguida. Cada projeto tem as suas particularidades e é função do profissional avaliar os objetivos a serem alcançados, o escopo e o público-alvo, junto com o conhecimento e experiências adquiridos, para tomar as decisões. E o principal: envolver o usuário nas etapas de criação e desenvolvimento. A palavra final, se o balanço criativo & inovador / prático & fácil de usar é adequado, é do usuário. E quando a palavra final do usuário é positiva, o projeto está no caminho certo para o sucesso”.

Dicas de leitura Fontes: Eduardo Loureiro, Fabricio Teixeira, Joana Andrade, Luiz Agner, Mercedes Sanchez

Sites Artigo do “No Solo Usabilidad” (http://migre.me/tF9) Artigo sobre eyetracking: Webinsider (http://migre.me/tFs) Artigos da Smashing Magazine (http://migre.me/tF6)

Livros “Eye Tracking Methodology: Theory and Practice”

Artigos sobre eyetracking: Jakob Nielsen (http:// migre.me/tFe) Blog do Alex Horstmann (http://migre.me/tFA)

Autor: Andrew T. Duchowski

Estudo de Eyetracking feito pelo Google (http://

http://migre.me/tEf

migre.me/tFF)

“Eyetracking the News: a study of print and online reading”

(http://migre.me/tH8)

EyeTrack III

Autores: Sara Quinn, Pegie Stark e Rick Edmonds

Grupo Eyetracking no Linkedin

http://migre.me/tEQ

(http://migre.me/tFI)

“Eyetracking Web Usability” (sai em agosto)

Vídeo de eyetracking feito no Twitter

Autores: Jakob Nielsen e Kara Pernice

(http://migre.me/tFK)

http://migre.me/tEH

Website da Eyetools

“How People Look at Pictures”

(http://eyetools.com)

Autor: Buswell G.T.

Website da Tobii

http://migre.me/tEe

(http://www.tobii.com)


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