Quem és Tu?

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QUEM ÉS TU

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TEXTOS DE ALMEIDA GARRETT ILUSTRAÇÕES DE DULCE SILVA

clube comunicação


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ALMEIDA 1799 - 1854 GARRETT

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Dramaturgo, poeta, romancista e político, Almeida Garrett foi um inovador da escrita e da composição literária do século XIX. Na conturbada vida política da primeira metade do século, distinguiu-se como jornalista, deputado e ministro. Foram as suas responsabilidades políticas que o levaram a fundar o Teatro Nacional (hoje Teatro Nacional D. Maria II ) e o Conservatório. Na sua actividade de dramaturgo propõe-se criar um repertório dramático português. Como romancista, Garrett é considerado o criador da prosa moderna em Portugal. Na poesia, é dos primeiros a libertar-se dos cânones clássicos e a introduzir em Portugal a nova estética romântica.

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FÉ MARIA — Voz do povo, voz de MANUEL Deus, minha senhora -mãe: E Deus eles entregou que andam tão crentes nisto, alguma tudo à nossa razão, coisa há de ser . Mas ora menos osdásegredos o que me que pensar é versua natureza da que, tirado aqui o meu inefável, os do seu bom Telmo (chega- se amor e daele, sua justiça toda para o), para eacarinhando misericórdia ninguém nesta casa gosta connosco. Esses são de ouvir falar em que escapasse o nosso bravo os pontos sublimes e rei, o nosso santo rei D. Sebastião. O meu pai, que é tão bom português,

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que não pode sofrer estes castelhanos, e que da até, às incompreensíveis vezes, dizem que é de nossa mais ofé! queEsses ele faz e o tudo que ele fala. crêem-se; o mais Em ouvindo duvidar da examina-se. morte do meuMas querido rei D. vamos: (sorrindo) não Sebastião. Ninguém tal há irão que sou de dizer, mas da põe-se logo outro, muda de rosto, Ordem fica pensativo e dosPregadores? carrancudo; parece que o vinha afrontar, se voltasse, o pobre do rei. Ó minha mãe, pois ele não é por D. Filipe; não é, não?


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AMOR AMOR MADALENA — Meu adorado esposo, não te deites a perder, não te arrebates. Que farás tu contra esses poderosos? Eles já te querem tão mal pelo mais que tu vales que eles, pelo teu saber, que esses grandes fingem que desprezam.

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Mas não é assim, o que eles têm é inveja! O que fará, se lhes deres pretexto para se vingarem da afronta em que os traz a superioridade do teu mérito! Manuel, meu esposo, Manuel de Sousa, pelo nosso amor.


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FANTASMA MADALENA - Pois tens: melhor! E és tu o que andas continuamente e quase por acinte a sustentar essa quimera, a levantar esse fantasma, cuja sombra, a mais remota, bastaria para enodoara pureza daquela inocente, para condenar a eterna desonra a mãe e a filha!

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(Telmo dá sinais de grande agitação). Ora diz: já pensaste bem no mal que estás fazendo? Eu bem sei que a ninguém neste mundo, senão a mim, falas em tais coisas. Falas assim como hoje temos falado.


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MEDO MADALENA — Hoje. Hoje! Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado. Que ainda temo que não acabe sem muita grande desgraça. É um dia fatal para mim; faz hoje anos que… que casei a primeira vez, faz anos que se

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perdeu el-rei D. Sebastião, e faz anos também que vi pela primeira vez Manuel de Sousa


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TRAGÉDIA TELMO (disfarçando o terror de que está tomado) — Não digais isso. Deus há de fazê-lo por melhor, que lho merecem ambos (cobrando ânimo e exaltando-se). O vosso pai, D. Maria, é um português às direitas. Eu sempre o tive em boa conta; mas agora, depois que lhe vi fazer aquela ação, que o vi, com aquela alma de português velho, deitar as mãos às tochas e lançar ele mesmo o fogo à sua própria casa; queimar e destruir numa hora tanto

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do seu haver, tanta coisa do seu gosto, para dar um exemplo de liberdade, uma lição tremenda a estes nossos tiranos. Oh, minha querida filha, aquilo é um homem! A minha vida, que ele queira, é sua. E a minha pena, toda a minha pena é que o não conheci, que o não estimei sempre no que ele valia.


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SAUDADE ROMEIRO — São vinte anos de cativeiro e miséria, de saudades, de ânsias que por aqui passaram. Para a cabeça bastou uma noite como a que veio depois da batalha de Alcácer; a barba, acabaram de a curar o sol da Palestina e as águas do Jordão.

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MORTE MARIA (apontando para o romeiro) — É aquela voz, é ele, é ele! Já não é tempo.. A minha mãe, meu pai, cobri-me bem estas faces, que morro de vergonha. (Esconde o rosto no seio da mãe) morro, morro. De vergonha. (Cai e fica morta no chão. Manuel de Sousa e Madalena prostram-se ao pé do cadáver da filha.)

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ÍNDICE ALMEIDA GARRETT BIOGRAFIA

1

2

AMOR

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FANTASMA

6

MEDO

8

TRAGÉDIA

10

SAUDADE

12

MORTE

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A

pós sete anos de buscas do marido, um fidalgo que partiu com D. Sebastião para o desastre de Alcácer Quibir, D. Madalena de Vilhena casa-se com o cavaleiro Manuel de Sousa Coutinho, e tem uma filha, Maria de Noronha, tocada por uma doença fatal. Só o aio Te l m o P a i s c o n s e r v a a esperança de D. João estar vivo, presságio que se confirma ao fi mde vinte anos, na figura de um romeiro.

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