Ciencia e tecnologia dos materiais

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS Autor – Rafael S. F. Pereira


Universidade Anhembi Morumbi

Universidade Salvador

Janes Fidelis Tomelin Diretor de EaD

Adriano Lima Barbosa Miranda Diretor de Educação Corporativa e Novos Projetos

Fabiano Prado Marques Diretor Acadêmico – Escola de Engenharia e Tecnologia Conrad Elber Pinheiro Revisor Técnico

Universidade Potiguar Barney Vilela Coordenador Geral do Núcleo de Coordenação a Distância Catarina de Sena Pinheiro Diretora da Escola de Engenharia e Ciências Exatas

Rafael Gonçalves Bezerra de Araújo Diretor da Escola de Engenharia e TI

Rede Laureate Internacional de Universidades Daniella Loureiro Koncz Coordenadora de Novos Negócios André Torres Gregório Designer Instrucional

FabriCO Projeto educacional Projeto gráfico Autoria do conteúdo Revisão ortográfica e gramatical


SUMÁRIO CARTA AO ALUNO................................................................................................................ 6 AULA 1 - OS MATERIAIS E SEUS DIFERENTES NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO............................... 7 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 7 OBJETIVOS................................................................................................................ 8 1.1 Estrutura atômica dos materiais....................................................................... 8 1.1.1 Ligações atômicas primárias................................................................... 11 1.1.2 Ligações atômicas secundárias............................................................... 13 1.2 A classificação dos materiais segundo suas ligações..................................... 13 1.2.1 Materiais Metálicos................................................................................. 13 1.2.2 Materiais Poliméricos.............................................................................. 13 1.2.3 Materiais Cerâmicos................................................................................ 14 1.3 Organização dos átomos em um sólido......................................................... 14 1.3.1 Sólidos cristalinos................................................................................... 15 1.3.2 Sólidos amorfos...................................................................................... 20 CONCLUSÃO........................................................................................................... 21 AULA 2 - IMPERFEIÇÕES EM SÓLIDOS E MOVIMENTO DE DISCORDÂNCIAS......................... 23 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 23 OBJETIVOS.............................................................................................................. 24 2.1 Imperfeições em sólidos................................................................................ 24 2.1.1 Defeitos pontuais.................................................................................... 24 2.1.2 Defeitos de linha.................................................................................... 26 2.1.3 Defeitos interfaciais................................................................................ 27 2.1.4 Defeitos volumétricos............................................................................. 29 2.2 Difusão............................................................................................................ 30 CONCLUSÃO........................................................................................................... 35 AULA 3 -PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS...................................................... 37 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 37 OBJETIVOS.............................................................................................................. 38 3.1 Tensão e deformação..................................................................................... 38 3.2 Ensaio de tração............................................................................................. 39 3.2.1 Comportamento elástico dos materiais.................................................. 42 3.2.2 Comportamento plástico dos materiais.................................................. 44 3.3 Ensaio de flexão............................................................................................. 47 3.4 Ensaio de compressão.................................................................................... 50


3.5 Ensaio de dureza............................................................................................ 52 3.4.1. Dureza Rockwell.................................................................................... 53 3.4.2. Dureza Brinell........................................................................................ 53 3.4.3 Dureza Vickers........................................................................................ 54 CONCLUSÃO........................................................................................................... 55 AULA 4 - PROPRIEDADES FÍSICAS DOS MATERIAIS............................................................. 57 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 57 OBJETIVO................................................................................................................ 58 4.1 Propriedades volumétricas............................................................................. 58 4.1.2 Massa específica..................................................................................... 58 4.1.2 Porosidade.............................................................................................. 58 4.1.3 Permeabilidade....................................................................................... 59 4.2 Propriedades elétricas.................................................................................... 60 4.2.1 Resistividade elétrica.............................................................................. 60 4.2.2 Condutividade elétrica............................................................................ 61 4.3 Propriedades térmicas.................................................................................... 62 4.3.1 Capacidade calorífica ou capacidade térmica......................................... 62 4.3.2 Condutividade térmica............................................................................ 63 4.3.3 Coeficiente de expansão térmica .......................................................... 64 4.3.4 Tensões térmicas.................................................................................... 65 4.4 Propriedades magnéticas............................................................................... 67 4.4.1 Diamagnetismo....................................................................................... 67 4.4.2 Paramagnetismo..................................................................................... 68 4.4.3 Ferromagnetismo ................................................................................... 68 4.5 Propriedades Óticas........................................................................................ 68 4.5.1 Reflexão.................................................................................................. 69 4.5.2 Absorção................................................................................................. 70 4.5.3 Transmissão............................................................................................. 70 4.5.4 Luminescência......................................................................................... 71 CONCLUSÃO........................................................................................................... 71


AULA 5 - DIAGRAMA DE FASES.......................................................................................... 73 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 73 OBJETIVOS.............................................................................................................. 74 5.1 Diagrama de fases.......................................................................................... 74 5.1.1 Quantidade e composição de cada fase................................................. 76 5.1.2 Diagrama de fases ferro-carbono........................................................... 78 5.1.3 Diagrama de fases em materiais cerâmicos.......................................... 84 CONCLUSÃO........................................................................................................... 84 AULA 6 - MATERIAIS METÁLICOS........................................................................................ 85 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 85 OBJETIVOS.............................................................................................................. 86 6.1 Tipos de materiais metálicos ......................................................................... 86 6.1.2 Metais ferrosos....................................................................................... 86 6.2.2 Metais não ferrosos................................................................................ 90 6.2 Processos de fabricação de materiais metálicos............................................ 91 6.2.1Fundição................................................................................................... 92 6.2.2 Soldagem................................................................................................ 92 6.2.3 Conformação mecânica........................................................................... 97 6.2.4 Usinagem.............................................................................................. 102 CONCLUSÃO......................................................................................................... 105


INFORMÁTICA APLICADA

CARTA AO ALUNO É tarefa corrente do profissional da Engenharia selecionar os materiais que farão parte de seus projetos, sejam eles de construção civil, montagem e manufatura de produtos ou de equipamentos. Uma escolha malfeita pode causar prejuízos econômicos ou até mesmo a perda de vidas. Por isso, é essencial que o engenheiro tenha uma noção mínima sobre aquilo que está usando, de forma que possa realizar um julgamento razoável sobre os materiais presentes em seu projeto. Para isso, é necessário conhecer noções básicas dos materiais: como eles são formados, do que são constituídos, suas classificações, quais as suas propriedades e como modificá-las, como é o seu processo de produção, além das suas vantagens e desvantagens. Através destas noções básicas, você será capaz de selecionar os melhores materiais disponíveis para realização de seu projeto. Você também terá conhecimentos para aplicar tecnologias inovadoras para construir desde um dispositivo em uma linha de produção até uma ponte ou uma aeronave.

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AULA 1 Os materiais e seus diferentes níveis de organização

INTRODUÇÃO Até que seja provado o contrário, tudo o que existe no universo é formado por átomos. De suas interações, resultam substâncias completamente diferentes, tanto em aspectos perceptíveis, como cores e estado físico, quanto em características não observáveis facilmente, como a resistência mecânica e condutividade elétrica. Apesar de muito difíceis de serem vistos e mais ainda de serem divididos, os átomos já são relativamente bem compreendidos, e as teorias atuais para sua composição respondem a boa parte das dúvidas científicas e tecnológicas do mundo. Sempre que você, como engenheiro, for utilizar um material, deverá lembrar que ele é formado por inúmeros átomos e que, além de cada material possuir suas particularidades, eles ainda interagem de formas diferentes uns com os outros, fornecendo uma gama enorme de soluções de materiais de Engenharia.


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Nesta aula, você verá que os átomos possuem uma estrutura particular, que determina que tipo de interações eles terão com outros átomos para formar materiais. Também perceberá que, na maioria das vezes, existe um padrão organizacional dos átomos dentro de um sólido e, com isso, é possível estipular propriedades de um material sem a necessidade de conhecer medidas.

OBJETIVOS » » Conhecer as diferentes ligações atômicas presentes nos materiais sólidos. » » Classificar os materiais de acordo com suas ligações (metálicos, poliméricos e cerâmicos). » » Definir o que é estrutura cristalina. » » Diferenciar materiais cristalinos e amorfos. » » Calcular a densidade teórica de materiais com base em sua estrutura.

1.1 ESTRUTURA ATÔMICA DOS MATERIAIS Se você procurar definições para a palavra átomo, fatalmente receberá resultados associados ao seu tamanho ou à sua indivisibilidade. O dicionário Michaelis (2014), por exemplo, o define como uma “[...] parcela de um corpo simples, considerada outrora como indivisível e formando a menor quantidade de um elemento que possa entrar em combinação”. A ideia de uma substância simples e indivisível vem de épocas muito antigas, quando se acreditava que a divisão de um sólido poderia ser feita subsequentemente diversas vezes, até que se chegasse a uma partícula maciça e indivisível. Essa seria a menor parte daquela substância, ou seja, o átomo. Com o tempo e os experimentos realizados, foi se entendendo que o átomo não é algo maciço e muito menos indivisível. Também foi descoberto que substâncias são formadas por combinações de átomos. O conhecimento atual sobre os átomos sugere que eles são compostos por duas zonas distintas: o núcleo, formado por dois tipos de partícula: os prótons e os nêutrons; e uma nuvem de elétrons, que está situada em torno desse núcleo. Tanto prótons quanto elétrons são carregados eletricamente: os primeiros possuem carga positiva e os segundos, negativa, ambas com a magnitude de 1,6xC. É no núcleo que cada átomo se difere, gerando os diversos elementos químicos conhecidos. Essa diferenciação ocorre graças ao número de prótons existente, característica chamada de Número Atômico, que é única para cada elemento. Outra característica definida no núcleo do material é o peso atômico do elemento, que é igual à soma de prótons e nêutrons (os elétrons não são somados, uma vez que sua massa é praticamente vezes menos que a massa dos prótons e nêutrons).

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AULA 1 – OS MATERIAIS E SEUS DIFERENTES NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO

Figura 1 - Estrutura do átomo. Em azul estão os elétrons; em vermelho, os prótons e, em amarelo, os nêutrons. Fonte: Shutterstock (2014).

A periferia do átomo, ou eletrosfera, foi descoberta muito depois de ele ter sido proposto. Inicialmente, em 1898, Joseph John Thomson propôs que o átomo seria composto por partículas pesadas, chamadas prótons, e partículas leves, os elétrons. Depois dele, em 1911, Ernest Rutherford concretizou esta teoria, chegando à conclusão de que os elétrons, por possuírem cargas opostas aos prótons, deveriam estar em movimentos circulares ao redor do núcleo. Utilizando artifícios da mecânica quântica, Niels Bohr aperfeiçoou, em 1920, o modelo de Rutherford, estabelecendo que os elétrons deveriam girar ao redor do núcleo em quantidades unitárias de energia, não sendo possível para um elétron ocupar estados intermediários. Com essa definição, surge uma importante característica atômica: os números quânticos principais (n), que são níveis de energia específicos designados pelas letras K, L, M, N, O, e assim por diante, ou por seus respectivos números, n = 1, 2, 3, 4, 5 etc. Esses números são importantes, pois indicam a quantidade de energia que os elétrons possuem de acordo com a órbita em que eles estão inseridos. A estes números também está associada uma quantidade de elétrons específica, responsável por estabilizar a camada elétrica do átomo. Veja a relação da quantidade de elétrons ideal para cada número quântico principal. N

ELÉTRONS

1

2

2

8

3

18

4

32

5

32

6

18

7

2

Quadro 1 - Quantidade de elétrons necessária para estabilizar os níveis eletrônicos.

Fonte: Pereira (2014).

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Para a caracterização da eletrosfera, também existe o número quântico secundário (l), que determina o subnível em que o elétron se encontra, o número quântico magnético (m) e o número quântico spin (s). Através dos dados referentes ao núcleo e à eletrosfera, foi elaborada uma classificação lógica dos elementos, chamada Tabela Periódica. Nela, os elementos estão dispostos em ordem crescente de número atômico (N), da esquerda para a direita. As linhas da tabela representam o número de níveis principais de energia (n) de cima para baixo. Já as colunas, estas representam a estrutura eletrônica dos elementos. Os elementos mais à direita são aqueles que possuem uma condição estável energeticamente, ou seja, já possuem a quantidade máxima de elétrons em sua camada mais externa (camada de valência).

Figura 2 - Tabela periódica dos elementos. Fonte: Shutterstock (2014).

Ao passear pelas colunas de um lado ao outro, o número de elétrons da camada de valência mudará, estando sempre em uma condição não estável, com exceção da última coluna à direita. Estar na primeira coluna, por exemplo, significa que o átomo possui um elétron na camada de valência, o que não é uma condição estável. Para esse caso, é mais vantajoso para o átomo doar esse elétron e possuir sua camada de valência completa, como é o caso do sódio, que se encontra na terceira linha da primeira coluna. Por estar na terceira linha, deduz-se que ele possui três níveis principais de energia, K, L, M, e o último precisaria de 18 elétrons para ficar estável, mas possui apenas um. Nesse caso, é mais fácil que o sódio perca um elétron da camada M e a camada L torne-se a mais externa, completa. Da mesma maneira que os átomos da esquerda da tabela possuem a tendência de perder elétrons, os da direita tendem a ganhar, pois precisam de poucos elétrons para que sua camada de valência atinja o equilíbrio. A facilidade de perder ou ganhar elétrons é medida através da eletronegatividade 10


AULA 1 – OS MATERIAIS E SEUS DIFERENTES NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO

dos elementos. Átomos da esquerda da tabela tendem a ser eletropositivos (perdem elétrons) enquanto os da direita tendem a ser eletronegativos (ganham elétrons).

O hidrogênio é o único elemento com característica eletronegativa que está localizado na esquerda da tabela. Isso ocorre porque ele possui apenas um elétron. Perdendo-o, o elemento ficaria sem nenhum elétron em sua camada de valência.

Essa disponibilidade de ceder e receber elétrons faz com que, quando fisicamente próximos, diferentes elementos tendam a se unir, estabelecendo uma condição mútua de equilíbrio energético. Esse é o motivo pelo qual átomos estabelecem diferentes tipos de ligações.

1.1.1 Ligações atômicas primárias De acordo com a disponibilidade dos átomos envolvidos em uma ligação em doar ou receber elétrons, três tipos de ligação primária são desenvolvidas.

Ligação iônica É o tipo de ligação mais fácil de ser compreendida. Nela, dois ou mais átomos com características eletrônicas completamente diferentes se unem a fim de estabilizar sua camada mais externa. É o caso do NaCl (o sal de cozinha), em que o sódio, como você já viu nesta aula, tende a perder um elétron enquanto o cloro tende a ganhar um. Dessa maneira, tem-se a atração de cargas positivas e negativas, formando uma ligação normalmente forte.

Figura 3 - Átomos de cloro e sódio formando o sal de cozinha. Fonte: Shutterstock (2014).

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Ligação covalente Nem sempre os elementos que se unem em uma ligação possuem características eletrônicas diferentes, ou seja, nem sempre um átomo deseja doar e outro, receber. Muitas vezes, a maneira alcançada para a estabilidade eletrônica envolve o compartilhamento de elétrons. Um bom exemplo é a molécula de água, na qual os átomos envolvidos são extremamente eletronegativos, sendo mais vantajoso para ambos que ocorra o compartilhamento.

Figura 4 - Ligações covalentes entre hidrogênio e oxigênio formando a molécula de água. Fonte: Shutterstock (2014).

É importante perceber que as ligações primárias não são arbitrariamente covalentes ou iônicas, possuindo normalmente uma predominância de determinada ligação, mas ainda um pouco do caráter de outra. Uma ligação terá maior caráter iônico quando realizada entre elementos com maiores diferenças eletrônicas.

Ligação metálica É o tipo de ligação que ocorre entre elementos que possuem caráter eletropositvo (também chamados metais). Nessa ligação, os elétrons de valência são compartilhados não apenas entre dois ou três átomos, mas entre todos os átomos presentes no material. Dessa maneira, existe uma nuvem de elétrons livres no material, responsável por manter cada átomo unido a ele.

Átomo

Elétron

Figura 5 - Ligação metálica. Fonte: Pereira (2014).

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1.1.2 Ligações atômicas secundárias As ligações secundárias são resultado da criação de dipolos energéticos em átomos ou moléculas. Essas ligações ocorrem porque, quando dois ou mais átomos interagem, a disposição dos elétrons ao redor deles é alterada, criando polos positivos e negativos. Uma molécula que possui polaridade elétrica poderá se unir com outra que também a possui, formando uma ligação secundária relativamente forte. No entanto, ao interagir com uma molécula apolar, a ligação entre elas será fraca. A ligação secundária mais forte que pode existir entre moléculas, é conhecida como ligação de hidrogênio, que ocorre porque o hidrogênio, ao ligar-se covalentemente com algum elemento muito eletronegativo, tende a polarizar seu único elétron na direção do elemento ligante, deixando o polo exposto praticamente como um próton, facilitando a ligação de outras moléculas polares.

1.2 A CLASSIFICAÇÃO DOS MATERIAIS SEGUNDO SUAS LIGAÇÕES A maneira com que os átomos estabelecem ligações entre si é tão importante que é capaz de criar substâncias com propriedades completamente distintas umas das outras. Um exemplo de propriedade que está relacionada exclusivamente às ligações atômicas é o coeficiente de dilatação, também chamado de coeficiente de expansão térmica. Significa, em nível atômico, o quanto um átomo se afasta do outro com o aumento da temperatura. Para essa propriedade, a força de cada ligação é fundamental, pois dificultará o afastamento dos átomos, minimizando os efeitos da temperatura. Ao se analisar os materiais no estado sólido, existe uma classificação que os separa em três categorias, de acordo com suas características resultantes de suas ligações químicas: metais, cerâmicas e polímeros.

1.2.1 Materiais Metálicos Como o nome já sugere, esses materiais são formados majoritariamente por ligações metálicas. Por serem ligações não direcionais e por compartilharem uma nuvem eletrônica muito densa, esse tipo de ligação quase sempre resulta em materiais moles – ou seja, deformáveis – e com boa condutividade térmica e elétrica, além de possuírem, normalmente, alta densidade. Esses materiais são representados principalmente pelo aço, cobre, alumínio e tantos outros metais que fazem parte do cotidiano das pessoas.

1.2.2 Materiais Poliméricos Esses materiais são formados por duas ligações distintas. Seu arranjo ocorre de tal forma que existem cadeias de ligações principais (ligações primárias) covalentes, como você pode ver na figura a seguir. Cada cadeira polimérica se une à outra através de ligações secundárias. Sua estrutura é semelhante à estrutura molecular, com átomos ligados covalentemente, porém, com muito mais átomos presentes na estrutura principal, o que faz com que os polímeros sejam, em temperatura ambiente, materiais sólidos.

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Figura 6 - Uma cadeira de um polímero. Fonte: Shutterstock (2014).

Analise as ligações covalentes presentes nas cadeias poliméricas. Esses materiais deveriam ser bastante resistentes e inflexíveis, certo? É o que você pode pensar a princípio, mas não é o que acontece. Isso porque as ligações secundárias que unem as cadeias de polímeros tornam o material deformável, inclusive reduzindo sua temperatura de fusão. Basta lembrar de objetos bem comuns no seu dia a dia, como garrafas PET, borrachas e copos plásticos. São todos polímeros, mas não são, exatamente, materiais extremamente rígidos.

1.2.3 Materiais Cerâmicos Essa classe de materiais comporta tudo o que não é classificado como metal ou polímero. Sua ligação química é bastante variável, contendo ligações predominantemente iônicas (como cerâmicas de óxido de alumínio) ou predominantemente covalentes (como o diamante). Também há as cerâmicas com ligações diversas, como é o caso do cimento. De maneira geral, os materiais cerâmicos são inflexíveis após solidificados, maus condutores de energia e possuem alta temperatura de fusão. Todas essas características são oriundas de suas fortes ligações covalentes e iônicas.

1.3 ORGANIZAÇÃO DOS ÁTOMOS EM UM SÓLIDO Agora que você já conhece os tipos de ligações atômicas e a classificação dos materiais de acordo com elas, você deve partir para um novo nível de organização dos materiais, que é a maneira que os átomos se organizam em um sólido. O grau dessa organização será determinante para as mais diferentes propriedades dos materiais. De maneira geral, os sólidos podem ser classificados de acordo com sua organização atômica em: cristalinos e amorfos.

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AULA 1 – OS MATERIAIS E SEUS DIFERENTES NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO

1.3.1 Sólidos cristalinos Se você imaginar que certa substância, ao solidificar-se, possui milhões de átomos emparelhados lado a lado, de acordo com suas ligações químicas possíveis, perceberá um cenário organizado na maneira que eles estão dispersos tridimensionalmente. As diferentes formas com que os átomos se organizam são chamadas de estruturas cristalinas.

Figura 7 - Estrutura cristalina. Fonte: Shutterstock (2014).

Como é de se imaginar, um sólido cristalino está fatalmente atrelado a uma estrutura cristalina, ou seja, a maneira com que os átomos se organizam para formá-lo. Por sua vez, a estrutura cristalina de um material é definida como a repetição em longo alcance de uma unidade de organização atômica, chamada Célula Unitária. Você já sabe que os átomos possuem sua estrutura atômica, formada por núcleo e eletrosfera, que definirá quantas e como serão as ligações químicas realizadas com outros elementos (ou entre átomos do mesmo elemento), certo? Estando diversos átomos ligados, eles poderão, no estado sólido, formar uma estrutura organizada, chamada célula unitária, que será repetida por todo o material. É assim que se forma a estrutura cristalina.

Para descrever células unitárias, é utilizado comumente o modelo de esferas, o qual representa cada átomo como uma esfera rígida.

Na imagem a seguir, você pode observar quatro células unitárias bastante comuns para materiais metálicos.

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cúbica simples

cúbica de corpo centrado

cúbica de faces centradas

hexagonal compacta

Figura 8 - Células unitárias. Fonte: Shutterstock (2014).

A primeira estrutura é conhecida como cúbica simples (CS), em que os átomos estão arranjados de maneira a formar um cubo em que o centro de cada átomo fica em cada um dos vértices. Essa estrutura deve se repetir tridimensionalmente, ou seja, em cada uma das oito faces do cubo existirá outro cubo adjacente, criando uma rede de cubos que formará a estrutura cristalina do material. Por essa razão, cada átomo presente nos vértices é dividido em oito e, ao se calcular o número de átomos que existem em uma célula unitária do tipo cúbica simples, basta multiplicar o número de vértices de um cubo por 1/8 de cada átomo presente no vértice, resultando em 1 átomo por célula unitária. Agora você já sabe que, em uma célula unitária do tipo cúbica, sempre existirá ao menos um átomo inteiro presente. O segundo modelo de célula unitária mostrado na imagem é conhecido como cúbico de corpo centrado (CCC), pois, além dos átomos presentes nos vértices do cubo, também existe um átomo localizado exatamente no centro. Para calcular a quantidade de átomos em uma célula deste tipo, basta utilizar a regra descrita anteriormente e acrescer o átomo que se encontra no centro do cubo. Por não estar compartilhado com outra célula unitária, o átomo central deve ser contado como inteiro, resultando em dois átomos para a célula CCC. As outras duas estruturas exibidas são conhecidas como cúbica de faces centradas (CFC) e hexagonal compacta (HC), que possuem, respectivamente, quatro e seis átomos em seu interior.

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Perceba que os termos “estrutura cristalina” e “célula unitária” muitas vezes se confundem. Uma estrutura cristalina do tipo CCC é formada por diversas células unitárias CCC.

Além do número de átomos que constituem uma célula unitária, outros parâmetros podem ser analisados nesse tipo de estrutura, como o número de coordenação, o parâmetro de rede e o fator de empacotamento da estrutura. O número de coordenação é a quantidade de átomos em contato com determinado átomo em uma célula unitária. Para as estruturas do tipo CCC, esse número é 8. Já para as CFC e HC é 12, enquanto para as CS é 6. O parâmetro de rede, utilizando como exemplo uma estrutura cúbica simples, é o comprimento de uma aresta a formada pelo raio atômico dos dois átomos posicionados nos vértices adjacentes do cubo. Assim, a será igual a 2R (considerando que os átomos do vértice são iguais). Já as outras estruturas cúbicas necessitam de operações geométricas para o cálculo de a, pois os átomos presentes nos vértices do cubo não estão em contato entre si.

Quando as células unitárias não são cúbicas, use outras letras para indicar diferentes arestas.

A figura a seguir exibe a vista de uma das faces de uma célula unitária CFC, na qual é possível observar que as arestas do cubo não são formadas por átomos em contato, sendo necessário realizar uma operação geométrica simples para que se obtenha o valor de a.

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R

2R

a

R a

Figura 9 - Face de uma célula CFC. Fonte: Pereira (2014).

Nesse caso, os átomos presentes na face da célula unitária estão em contato com os átomos dos vértices. Assim, o valor de a pode ser determinado através do teorema de Pitágoras, em que a diagonal do quadrado que forma a face da estrutura será a hipotenusa do triângulo, e os catetos serão as arestas, que é o que você precisa descobrir. Observe bem a figura e perceba que a diagonal é formada pelo raio de um átomo presente no vértice da estrutura mais dois raios do átomo presente na face e o raio de um terceiro átomo do vértice, sendo: d = 4R. Utilizando o teorema de Pitágoras: d2 = a2 + a2 (4R)2 = 2a2 a = 2R√2

Para encontrar a, você sempre terá de buscar uma maneira de relacionar as arestas da célula unitária e a direção em que os átomos estão em contato, de forma e encontrar uma relação direta com R.

O fator de empacotamento atômico (FEA) é a densidade de átomos presentes em uma célula unitária, ou seja, o volume total de átomos em uma célula, divididos pelo volume da célula em si. Por exemplo, o volume de uma célula do tipo CFC é dado por: 4/3 3 FEA = 4 πR a3

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Agora que você já conhece o valor de a, é possível calcular o FEA para a estrutura CFC, que será: 4/3 3 FEA = 4 πR (2R√2)3

Com isso, chega-se ao número de 0,74, que é a maior densidade atômica possível para estruturas metálicas. Você já sabe calcular a densidade atômica de uma célula unitária, mas também existe outra densidade possível de ser calculada utilizando o conceito de estruturas cristalinas: a densidade do material. A densidade de uma substância, ou massa específica, é sempre dada através da razão massa sobre volume. Para calcular a densidade teórica de um material, basta que você conheça sua célula unitária e os átomos que a compõem. A massa da célula unitária será o número de átomos que nela existem vezes a sua massa molar. Já o volume será o mesmo volume calculado no exemplo anterior, que foi utilizado para o cálculo do fator de empacotamento. Dessa maneira, a densidade pode ser escrita como: ρ = nA VNa em que n é o número de átomos em uma célula unitária, A é a massa molar dos átomos, V é o volume da célula (a3) e Na é o número de Avogadro (6,02x1023), utilizado para que o valor seja obtido por grama de material. Utilizando como exemplo o alumínio, que possui uma estrutura do tipo CFC, você pode calcular sua densidade teórica utilizando os dados: n=4 A = 26,98 g/mol V = (2R √2 )3 R = 1,43x10-8m ρ=

4 ∙ 26,98 (2 ∙ 1,43 ∙ 10-8 ∙ √2)3 ∙ 6,02 ∙ 1023

O resultado é uma densidade teórica calculada de 2,7093, que é muito próxima à densidade medida através de métodos convencionais (como Arquimedes). Nem sempre os materiais possuem a organização que você acabou de conhecer. Alguns deles, mesmo no estado sólido, permanecem em um estado de desordem atômica. São os chamados sólidos amorfos.

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1.3.2 Sólidos amorfos Quando determinada substância se encontra no estado líquido ou gasoso, não existe a organização que você conheceu anteriormente, ou seja, não há ordem de longo alcance. Nesses casos, os átomos, ou as moléculas, possuem liberdade de movimento, o que faz com que não existam células unitárias. A maioria dos materiais, quando submetidos ao estado sólido, organizam-se espontaneamente formando estruturas cristalinas. Porém, existem alguns que, ao se solidificarem, mantêm sua desordem atômica e, com isso, não formam estruturas organizadas de longo alcance. São os sólidos amorfos, ou vítreos, que possuem como principal representante o vidro, que está inserido na categoria de material cerâmico. Outra classe de materiais amorfos inclui as borrachas, que possuem estruturas poliméricas. Muitas pessoas ainda pensam que o vidro é um estado intermediário entre o sólido e o líquido. Essa ideia surgiu porque os vitrais de antigas igrejas possuíam sua base mais espessa que o restante da peça, fazendo com que as pessoas acreditassem que o material havia escoado. Com investigações, foi descoberto que, na verdade, a causa dessa discrepância era o processo de produção utilizado na época, que deixava ao menos uma extremidade das placas de vidro mais espessa que o restante. Isto demonstra que sólidos amorfos são realmente sólidos, uma vez que não escoam em temperatura ambiente.

Silicon atom Oxygen atom

(a)

(b)

Figura 10 - (a) Sólido cristalino. (b) Sólido amorfo. Fonte: Willian D. Callister Jr (2008).

Para esses sólidos, os cálculos teóricos são mais complexos. Por não possuírem estrutura definida, eles não têm, por exemplo, uma temperatura de fusão específica, sendo que sua mudança de estado físico é caracterizada por uma temperatura de transição vítrea.

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AULA 1 – OS MATERIAIS E SEUS DIFERENTES NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO

Assim como um material pode apresentar diferentes ligações químicas, é comum encontrar materiais parte cristalinos e parte amorfos. Diversos polímeros e cerâmicas são compostos de fases cristalinas e fases vítreas, aliando propriedades e características dos dois tipos de estrutura. Um exemplo é o dos materiais vitrocerâmicos, comumente utilizados em fogões de bancada.

CONCLUSÃO O átomo é a menor partícula a ser estudada no universo da Engenharia. Nesta aula, você viu que o átomo é dividido em núcleo, que é como se fosse o seu “DNA”, e a eletrosfera, responsável pela interação entre elementos. A interação entre átomos ocorre através de ligações químicas, que podem ser primárias – quando os átomos interagem através de seus elétrons – ou secundárias – quando os átomos ou as moléculas interagem através de forças eletromagnéticas geradas pelo deslocamento de elétrons. Quando átomos formam ligações químicas de maneira a formar sólidos, eles dão origem a três classes principais de materiais: os metais, os polímeros e os cerâmicos. Os primeiros são formados essencialmente por ligações metálicas, ou seja, entre materiais metálicos, ou eletropositivos; os segundos são constituídos de ligações covalentes e ligações secundárias; enquanto os terceiros são constituídos de ligações iônicas e covalentes. A natureza das ligações químicas é tão importante para os materiais que o fato de as classes serem divididas por elas gera sólidos com propriedades relativamente similares quando comparados às outras classes. Outro aspecto importante na avaliação de materiais é quanto à estrutura cristalina na qual eles se solidificam. Sólidos cristalinos, principalmente os metálicos, são tão bem organizados que é possível calcular facilmente sua densidade teórica com dados atômicos. Por fim, também existem os sólidos amorfos, como o vidro. Por não possuírem organização atômica de longo alcance, não possibilitam as mesmas predições que os materiais cristalinos.

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AULA 2 Imperfeições em sólidos e movimento de discordâncias

INTRODUÇÃO No mundo, é muito difícil encontrar coisas organizadas minuciosamente. Sempre que se aumenta a procura por algo fora de lugar, encontra-se alguma desordem. A formação marcial em um desfile; vista de longe parece perfeitamente coordenada e alinhada, mas se você tirar uma foto de todos os militares perfilados, certamente encontrará uma perna menos dobrada, alguém ligeiramente à frente ou mesmo alguma coluna com um militar a menos. Isso funciona para pessoas, para objetos e também para os átomos. Imaginar que, como proposto na aula anterior, 1023 átomos possam formar um sólido perfeitamente organizado e sem nenhum defeito é utópico. Assim como a formação dos militares possui suas falhas, a organização atômica também. E são elas que fazem com que a densidade que você calculou nos exercícios da aula anterior chegue bem perto da prática, mas nunca a atinja. Outro comportamento comparável entre átomos e seres humanos é a vontade de se mudar. Para muitas pessoas, a situação de permanecer estável em determinado lugar é agradável, mas quando algo faz com


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que seja necessária uma mudança, as pessoas se deslocam. Assim também é com os átomos. Enquanto estão no estado sólido, eles tendem a ficar em suas posições, pois não existe algo que os “motive” a se moverem. Porém, se alguma motivação é fornecida, eles, assim como os seres humanos, mudam de posição. Estes dois comportamentos serão apresentados nesta aula: os defeitos nos sólidos organizados (cristalinos) e sua capacidade de se moverem em um sólido (difusão).

OBJETIVOS » » Definir o conceito de imperfeição em sólidos. » » Conhecer os principais defeitos. » » Conceituar difusão. » » Conhecer os principais mecanismos responsáveis pela difusão. » » Definir discordâncias. » » Compreender a importância das discordâncias nas propriedades dos materiais.

2.1 IMPERFEIÇÕES EM SÓLIDOS Você viu na aula anterior que, no estado sólido, os átomos tendem a formar estruturas organizadas, conhecidas como células unitárias. De acordo com essa teoria, cada átomo ocupa uma posição específica, formando uma rede cristalina perfeitamente organizada em um sólido. Na maioria dos materiais, os átomos possuem tendência ao ordenamento. Assim, pequenos desvios no padrão criado são vistos como defeitos. Os defeitos criados por desordens nos materiais podem ser classificados de acordo com sua magnitude. Assim, eles podem ser do tamanho de um átomo ou até visíveis a olho nu.

2.1.1 Defeitos pontuais Lacuna: também chamado de vacância, é o menor defeito encontrado nos materiais e se dá pela não ocupação de uma posição na rede cristalina por um átomo, como mostra a figura a seguir.

Figura 11 - Lacuna em uma rede cristalina. Fonte: Pereira (2014).

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AULA 2 – IMPERFEIÇÕES EM SÓLIDOS E MOVIMENTO DE DISCORDÂNCIAS

Vacâncias são inevitáveis nos materiais, e sua quantidade aumenta com o aumento da temperatura. O número de lacunas em equilíbrio é dado pela seguinte expressão: Nl = Nexp – Ql kT

(

)

em que Ql é a energia necessária para gerar uma lacuna, k é a constante de Boltzmann (que vale 1,38 x 10-23 J/átomo ⋅ K ou 8,62 x 10-5 eV/átomo ⋅ K), T é a temperatura de interesse e N é o número de posições atômicas por metro cúbico de material, que pode ser determinado por: N = Naρ A em que Na é o número de Avogadro (6,02 x 1023 átomos/mol), ρ é a densidade do material e A é seu número atômico. Segundo Callister (2008), a razão entre o número de lacunas e o número de posições atômicas para um metal logo abaixo de sua temperatura de fusão é de 10-4. Ou seja, a cada 10.000 átomos existe uma posição vaga. Impurezas: outro tipo de defeito de magnitude atômica são os elementos indesejáveis, ou não pertencentes ao material de origem. Da mesma maneira que as lacunas, esse tipo de defeito é impossível de ser completamente eliminado. Átomos “estranhos”, quando presentes em um sólido, podem incorporar-se à rede cristalina através de solução sólida ou formar uma segunda fase, com outro arranjo cristalino, modificando as propriedades do material de interesse. Quando em solução sólida, existem duas maneiras de se dispersarem na rede cristalina: através da substituição na posição de um átomo original da rede ou por meio do posicionamento em sítios atômicos (interstícios), como mostra a próxima imagem. Átomo intersticial

Átomo substitucional

Sítio atômico

Figura 12 - Impurezas e os sítios atômicos dos sólidos cristalinos. Fonte: Pereira (2014).

Você já observou que, ao adicionar açúcar ao seu café, existe um momento que, mesmo mexendo a bebida, o açúcar não fica mais em solução e se deposita no fundo da xícara? Isso acontece porque

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

a quantidade máxima de açúcar que o café aceita foi atingida e todo o excesso não será mais incorporado à solução. Assim como em soluções envolvendo líquidos, existe um ponto de saturação nas impurezas dos materiais. Acima dele, os átomos “estranhos” não permanecerão mais em solução, mas formarão outra fase. Esse ponto de saturação é determinado por características como o tamanho do átomo (que também determinará a preferência por soluções substitucionais ou intersticiais), sua valência, estrutura cristalina e eletronegatividade. Apesar do nome “impureza”, nem sempre átomos estranhos à rede cristalina podem ser considerados prejudiciais. Inclusive, muitas vezes eles são inseridos no material com o propósito de modificar propriedades. São as chamadas ligas, ou materiais dopados. Um exemplo é a liga de bronze, na qual cobre e estanho formam um exemplo de solução sólida substitucional. A solubilidade de um elemento no outro é completa, ou seja, eles sempre compartilharão a mesma estrutura cristalina, sem a formação de segunda fase. Esse tipo de comportamento é observado comumente em soluções do tipo substitucional. Já as soluções intersticiais possuem sempre um grau de saturação. A liga mais conhecida formada por solução intersticial é o aço, que possui como base ferro e carbono, sendo o primeiro responsável por formar a rede cristalina. Por mais que os defeitos apresentados sejam numerosos dentro dos materiais, eles ainda são pontuais. Existem, porém, aqueles que distorcem todo um alinhamento atômico, conhecidos como defeitos de linha.

2.1.2 Defeitos de linha O defeito que causa alterações em escala direcional nos materiais é conhecido como discordância (responsável por explicar boa parte das propriedades mecânicas dos metais).

Figura 13 - Discordância aresta. Fonte: Pereira (2014).

A discordância da figura é chamada aresta e possui caráter unidirecional, causando distorções em uma linha do arranjo atômico. 26


AULA 2 – IMPERFEIÇÕES EM SÓLIDOS E MOVIMENTO DE DISCORDÂNCIAS

Outro tipo de discordância é a espiral, formada por um deslocamento relativo de uma linha do plano cristalino, como mostra a figura a seguir. Observe que a linha AB é a zona de transição entre os arranjos atômicos na parte superior e inferior da figura.

A

B

b

Figura 14 - Discordância espiral. Fonte: Callister (2008).

Normalmente, uma discordância não é apenas aresta ou espiral, possuindo características das duas. Esse tipo de defeito é muito utilizado em metais para aumentar sua dureza. Através de impacto, criam-se mais discordâncias, o que faz com que o material se torne mais duro.

O aumento do número de discordâncias era a técnica utilizada por fabricantes de espadas, que após o resfriamento do aço também as submetiam a “amassamentos” para que sua lâmina adquirisse mais rigidez.

Mesmo os defeitos de linha sendo mais abrangentes que os pontuais, eles ainda podem ser considerados defeitos que atuam localmente, causando distorções apenas em alguns átomos; ao contrário de defeitos em áreas, conhecidos como interfaciais.

2.1.3 Defeitos interfaciais Como você viu na aula anterior, os materiais, quando em estado líquido (alta temperatura), não possuem organização atômica. Conforme eles são submetidos a temperaturas menores, tendem, na maioria das vezes, a formar estruturas atômicas organizadas. Olhando o fenômeno da solidificação mais de perto, pode-se supor que os átomos perdem energia (fornecida através da temperatura) e passam a interagir entre si em diversos pontos do líquido

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

em solidificação. Na medida em que alguns poucos átomos interagem, formam pequenos sítios organizados e sólidos, dispersos no líquido. Porém, esses sítios não são formados necessariamente próximos uns aos outros e muito menos possuem sua estrutura cristalina alinhada. Na verdade, eles são formados de maneira aleatória, em pontos diversos. Enquanto a temperatura continua a ser reduzida, mais átomos interagem e se alinham nos sítios formados anteriormente, fazendo com que a fase líquida dê lugar à estrutura cristalina, que se propaga dentro do sólido. Já no final do processo de solidificação, existe pouca fase líquida e os sítios cristalinos do início do processo se expandem e formam grandes estruturas cristalinas, porém cada uma com um alinhamento diferente. É ai que surge outro tipo de defeito nos sólidos cristalinos: o contorno de grão. A próxima figura mostra o desalinhamento entre as estruturas cristalinas de um material. A parte que possui alinhamento contínuo da estrutura cristalina é chamada de grão. Assim, você pode observar na imagem três diferentes grãos. O desalinhamento dos grãos é classificado em alto ou baixo, de acordo com o ângulo formado entre a organização de seus átomos, como você pode verificar nas retas azuis do esquema.

Normalmente, os sólidos cristalinos são formados por diversos grãos, recebendo o nome de materiais policristalinos. Os poucos materiais formados por uma estrutura continuamente alinhada de átomos são chamados de monocristalinos.

Ângulo de desalinhamento

Contorno de grão de alto ângulo

Contorno de grão de baixo ângulo

Ângulo de desalinhamento

Figura 15 - Contorno de grão. Fonte: Callister (2008).

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AULA 2 – IMPERFEIÇÕES EM SÓLIDOS E MOVIMENTO DE DISCORDÂNCIAS

Os contornos de grão são áreas importantes dos materiais, pois representam descontinuidade química e mecânica. Assim, é importante mensurar o quanto de área de contorno de grão existe nos sólidos cristalinos, e isso é realizado indiretamente através da medição do tamanho de grão dos materiais. Grãos maiores representam menor área de contorno de grão, enquanto grãos menores representam maior área de contorno de grão. Apesar de parecer algo difícil de ser observado, por ser uma imperfeição em arranjos atômicos, medir o tamanho de grão é algo corriqueiro e bastante simples. Isso pode ser feito utilizando, normalmente, microscópios ópticos não muito sofisticados, que dão como resposta imagens como a que você verá a seguir. Nela, você pode observar estruturas mais claras (os grãos) e linhas mais escuras (os contornos de grão).

Figura 16 - Grãos em um material observado através de microscopia ótica. Fonte: Callister (2008).

Em posse dessa imagem, é possível utilizar diversas técnicas para medir o tamanho médio dos grãos dos materiais. As mais comuns consistem em: contar o número de grãos presentes na área da foto ou, então, traçar linhas paralelas na imagem e contabilizar quantos grãos são cortados por cada uma dessas linhas. Existe também um método baseado em comparação com diversas imagens padrão. Aquela que possuir aspecto semelhante corresponderá ao tamanho médio de grão. Conforme a magnitude dos defeitos aumenta, eles se tornam mais facilmente observáveis, possuem maior influência nas propriedades dos materiais e também são menos difíceis de serem controlados. É o que ocorre com a maioria dos defeitos volumétricos.

2.1.4 Defeitos volumétricos Além dos defeitos de magnitude atômica (10-9 m) e microscópica (10-6 m), existem aqueles que são perceptíveis a olho nu ou que, mesmo não chegando a ser tão grandes, normalmente possuem ordem de grandeza maior do que as observadas até aqui. É o caso de porosidades, trincas ou inclusões (partículas estranhas em meio ao material de interesse). Normalmente, essas desconformidades são produzidas durante e em razão do processamento dos materiais e seu controle é realizado por métodos mais simples ou similares ao utilizado para mensurar tamanho de grão em materiais. 29


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O controle de trincas em pisos cerâmicos é, muitas vezes, realizado através do som que o material emite ao ser golpeado com um martelo polimérico, sem ser quebrado.

Figura 17 - Poros (círculos pretos) em uma peça de alumínio observado em microscopia eletrônica. Fonte: Lee (2013).

Ao conjunto de fases e defeitos que constituem um sólido é dado o nome de microestrutura. Grãos, contornos de grão e defeitos volumétricos são elementos que a formam. Agora, você conhecerá um fenômeno que ocorre nos materiais: a difusão.

2.2 DIFUSÃO Muitas transformações em materiais ocorrem devido ao movimento atômico, que gera deslocamento de massa. A essa movimentação se dá o nome de difusão, que pode ocorrer de fora para dentro de um sólido (com a incorporação de diferentes elementos a ele) ou mesmo dentro dele próprio, entre seus próprios átomos. A primeira recebe o nome de interdifusão, enquanto a segunda é chamada de autodifusão. O processo de difusão é, muitas vezes, desejável quando, por exemplo, é necessário alterar a composição química da superfície de um aço ou quando se deseja substituir átomos da superfície de materiais cerâmicos, tornando-os mais resistentes. Mas esse processo pode ser também indesejável, como ocorre com materiais metálicos em presença de oxigênio ou então com o alumínio fundido na presença do hidrogênio. A figura a seguir mostra um exemplo de processo difusivo. Os esquemas “a”, “b” e “c” da esquerda exibem as concentrações de duas barras de cobre e níquel em um tempo 0. Perceba que, nesse exemplo teórico, as barras são formadas completamente por átomos de seu respectivo elemento. Os esquemas “a” representam as barras; em “b” observa-se os átomos que as constituem; enquanto “c” exibe um gráfico da concentração de átomos de cada elemento em função da posição.

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AULA 2 – IMPERFEIÇÕES EM SÓLIDOS E MOVIMENTO DE DISCORDÂNCIAS

Com a temperatura (T) e o tempo (t), os átomos de níquel e de cobre tendem a trocar de posição, difundindo, ou seja, se movendo, para a barra oposta. A força motriz para que ocorra difusão é o potencial químico existente entre as duas barras. Neste caso, é a diferença de concentração de níquel na barra de cobre e vice-versa. Difusão de átomos de Cu Cu

Cu

Ni

Cu-Ni alloy

Ni

100

0

(a)

(a)

(b)

(b)

Cu

Ni

Posição (c)

Concentração de Ni, Cu

Concentração de Ni, Cu

Difusão de átomos de Ni

100 Cu

0

Ni

Posição (c)

Figura 18 - Concentração de cobre em processo difusivo para t0 e t1. Fonte: Adaptada de Callister (2008).

Para que ocorra a difusão em sólidos, existem dois mecanismos possíveis e que são dependentes de defeitos pontuais: a difusão através de lacunas e a difusão através de interstícios. No primeiro mecanismo, através de lacunas, o átomo que deseja se movimentar é muito grande para que se posicione em um interstício. Nesse caso, o átomo, além do potencial químico, deverá receber energia suficiente para se movimentar e, sobretudo, deverá possuir uma lacuna em sua adjacência, tornando possível a troca de posição. Dessa maneira, pode-se entender o fenômeno de difusão por lacunas como átomos caminhando para um lado e lacunas para o outro. Esse mecanismo é o responsável, normalmente, por promover a autodifusão. A outra forma de difusão, através de interstícios, ocorre normalmente com átomos pequenos, como o hidrogênio, o carbono e o oxigênio. Por não depender da formação de lacunas e envolver átomos menores, ocorre, via de regra, mais rapidamente que o mecanismo através de lacunas. Seja por qual mecanismo for, durante o processo difusivo, o que ocorre de fato é o movimento de massa (átomos). Dessa maneira, é importante que o fluxo (massa em função do tempo) desse transporte seja qualificado e quantificado. Para isso, é essencial que haja a separação em dois tipos de difusão: a de estado estacionário (na qual o fluxo se mantém constante) e em estado não estacionário.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Por ser um processo fomentado por um potencial químico, é difícil que o fluxo atômico se mantenha constante com o passar do tempo, afinal, conforme a difusão ocorre, normalmente a concentração química tende à estabilidade, fazendo com que o fluxo seja reduzido. Mesmo assim, existem situações nas quais ocorre um fluxo constante de massa no material. Como você já viu nesta aula, a maior parte dos casos de difusão ocorre em estado não estacionário e pode ser descrita pela segunda lei de Fick, que pode ser generalizada, resultando em: Cx – C0 Cs – C0

= 1 – erf

x

( 2√Dt )

em que x é a distância da superfície do sólido até a profundidade de interesse, Cx é a concentração de átomos difundidos (soluto) na profundidade x após um tempo t, C0 é a concentração inicial, no tempo 0, do soluto no material (proposta como constante em todo o volume) e Cs é a concentração do soluto na superfície após um tempo t. x A expressão erf é conhecida como função erro de Gauss. Depois de calcular os valores 2√Dt x da fração , substituindo x, t e D (que é chamado de coeficiente de difusão), o número 2√Dt

(

)

obtido deve ser procurado na tabela 1, coluna erf(z). Depois, você precisa substituir na equação o seu correspondente em Z. Tabela 1 - Função erro de Gauss

Z

ERF(Z)

Z

ERF(Z)

Z

ERF(Z)

0

0

0.55

0.5633

1.3

0.9340

0.025

0.0282

0.60

0.6039

1.4

0.9523

0.05

0.0564

0.65

0.6420

1.5

0.9661

0.10

0.1125

0.70

0.6778

1.6

0.9763

0.15

0.1680

0.75

0.7112

1.7

0.9838

0.20

0.2227

0.80

0.7421

1.8

0.9891

0.25

0.2763

0.85

0.7707

1.9

0.9928

0.30

0.3284

0.90

0.7970

2.0

0.9953

0.35

0.3794

0.95

0.8209

2.2

0.9981

0.40

0.4284

1.0

0.8427

2.4

0.9993

0.45

0.4755

1.1

0.8802

2.6

0.9998

0.50

0.5205

1.2

0.9103

2.8

0.9999

Fonte: Callister (2008).

Por exemplo, para os parâmetros: x = 0,5 mm D = 1,6 x 10-11 m2/s t = 2h

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AULA 2 – IMPERFEIÇÕES EM SÓLIDOS E MOVIMENTO DE DISCORDÂNCIAS

Utilizando a função erro: erf(z) = erf

x

( 2√Dt )

Passando para o Sistema Internacional (SI) e substituindo: erf(z) = erf

5 ∙ 10-4

( 2√1,6 ∙ 10

-11

∙ 7200

)

z = 0,7365 Observando a tabela 1, o valor de Z encontrado está situando entre 0,70 e 0,75, o que corresponde a valores da função erro de 0,6778 e 0,7112, respectivamente. Por não possuir um valor exato, é necessário que seja feita uma interpolação da seguinte maneira: 0,7365 – 0,7 0,75 – 0,7

=

erf(z) – 0,6778 0,7112 – 0,6778

erf(z) = 0,7022 E a substituição na equação simplificada de Fick será: Cx – C0

= 1 – 0,7022

Cs – C0

Normalmente, esse desenvolvimento é realizado para encontrar o tempo necessário para que determinada concentração de soluto seja atingida. Por exemplo, se o lado direito da equação for igual a 0,5790 e você desejar descobrir o tempo para que se atinja determinada concentração. Utilizando os mesmos x e D anteriores: 0,5790 = 1 – erf

0,421 = erf

5 ∙ 10-4

( 2√1,6 ∙ 10

-11

∙t

)

∙t

)

5 ∙ 10-4

( 2√1,6 ∙ 10

-11

Ao contrário do procedimento anterior, agora é necessário encontrar um z correspondente a 0,421 na tabela 1, o que gerará como resultado a seguinte interpolação: z – 0,35 0,4 – 0,35

=

0,4210 – 0,3794 0,4284 – 0,3794

z = 0,392

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Agora, igualando z à função erro: 0,392 =

5 ∙ 10-4 2√1,6 ∙ 10-11 ∙ t

t = 25.400 s Através da equação proposta, é possível traçar um gráfico relacionando a concentração e a profundidade de difusão. O comportamento esperado pode ser observado na figura a seguir, na qual a concentração de soluto máxima é encontrada na superfície e, após determinada profundidade, tende ao valor inicial do sólido.

Concentração: C

Cs

Cs – C 0 Cx Cx – C 0 C

0

Distância da superfície: x Figura 19 - Perfil de concentração de soluto após a difusão. Fonte: Callister (2008).

O coeficiente de difusão D, por sua vez, é afetado por três fatores principais: o material, o mecanismo de difusão (por lacunas ou intersticial) e a temperatura, e a influência dela é descrita pela seguinte equação: D = D0exp – Qd RT

(

)

em que D0 é um fator independente da temperatura, Qd é a energia de ativação associada ao processo de difusão, R é a constante dos gases e T é a temperatura de interesse. Através dessa equação, você pode concluir que o coeficiente de difusão possui uma relação exponencial com a temperatura, mostrando sua importância para os processos difusivos. Já a energia de ativação (Qd) e D0 dependem do meio no qual o material está inserido e do próprio material.

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AULA 2 – IMPERFEIÇÕES EM SÓLIDOS E MOVIMENTO DE DISCORDÂNCIAS

CONCLUSÃO Você percebeu que, após esta aula, sua visão sobre a organização dos átomos se tornou mais ampla? Na aula anterior, você viu o átomo como uma partícula, suas divisões e suas relações com outros átomos. Isso tudo ocorre em escalas muito pequenas, de 10-10 metros. Agora, além dessa visão pontual, você já é capaz de ver algo mais tangível, que é a microestrutura dos átomos, facilmente observada em um microscópio óptico. Mas nem todos os conceitos apresentados nesta aula são facilmente observáveis. Os defeitos pontuais, como lacunas e impurezas, ainda se tratam de problemas em escala atômica e não são completamente observáveis. As lacunas, por exemplo, existem nos materiais por determinações termodinâmicas, enquanto as impurezas são resultado da interação do material de interesse com as substâncias presentes no planeta. Nessa escala, se encontra outro tópico abordado: a difusão, que é o movimento de átomos dentro dos materiais. Ela é dependente da estrutura cristalina do material, dos átomos que desejam se movimentar dentro do sólido, do tempo e, sobretudo, da temperatura. Partindo para uma escala maior, você também viu que a falta de uma coluna de átomos pode causar um defeito conhecido como discordância. Novamente, esse é um problema de magnitude atômica, que até pode ser observado com auxílio de técnicas mais avançadas de microscopia, mas que não se trata de um problema usualmente enfrentado. Acima dessa escala, encontram-se defeitos interfaciais e volumétricos. Na prática, esses são os parâmetros usualmente controlados quando se deseja projetar propriedades dos materiais. Assim como eles são mais facilmente visualizados, também são mais fáceis de controlar e, se necessário, corrigir. Com esses conhecimentos em mente, você poderá compreender boa parte do comportamento macroscópico dos materiais, assim como alterá-los quando necessário.

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AULA 3 Propriedades mecânicas dos materiais

INTRODUÇÃO Você, como engenheiro, deverá conhecer, mesmo que basicamente, o comportamento mecânico dos materiais que utilizará. Mas como saber se a viga, projetada em aço e concreto, suportará aos carregamentos impostos durante sua vida? Como dimensionar componentes estruturais sabendo apenas qual força será exercida sobre eles? Para que seja possível projetar um componente e garantir que ele não venha a falhar devido ao mau dimensionamento mecânico, é necessário conhecer exatamente as propriedades mecânicas do material que será usado como matéria-prima. Isso envolve diversos testes que simulam as mais diferentes condições de carreamento ao qual a estrutura será submetida, sempre com a preocupação de extrapolar para a pior condição possível. Nesta aula, você conhecerá algumas caracterizações mecânicas. Através delas, você saberá como proceder quando necessitar de dados sobre o comportamento mecânico dos materiais que utilizará durante a sua vida profissional.


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

OBJETIVOS » » Conhecer as principais propriedades mecânicas dos materiais. » » Relacionar movimento de discordâncias com mecanismos de falha dos materiais. » » Interpretar gráficos de tensão versus deformação. » » Classificar os materiais de acordo com suas propriedades mecânicas.

3.1 TENSÃO E DEFORMAÇÃO Antes de aprofundar seus estudos, é importante que você possua bem definidos dois conceitos que regem todas as propriedades mecânicas dos materiais: a tensão e a deformação. Tensão é a intensidade de uma força em um ponto. Isto é, considerando a soma de vários pontos, é o resultado de uma força aplicada a uma área (bastante similar ao conceito de pressão). Ela é representada comumente pela letra σ, e sua fórmula matemática é: σ= F A em que F é a força aplicada e A é a área em que essa força atua. A unidade utilizada para essa grandeza é o Pascal (Pa), que equivale a 1 N/mm2. A tensão pode ser de duas maneiras principais: a) tensão normal (trativa ou compressiva): a força é aplicada perpendicularmente ao plano em que ela atua; b) tensão de cisalhamento: a força atua paralelamente à área de interesse. A figura a seguir mostra os dois tipos de tensão. Observe, no lado esquerdo, a atuação da tensão normal (neste caso, compressiva). Na imagem à direita, você pode ver a tensão de cisalhamento. F

A F

A

Figura 20 - Tensão normal e tensão de cisalhamento. Fonte: Pereira (2014).

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AULA 3 – PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS

Lembre-se sempre que, segundo o princípio da ação e reação, quando uma força é aplicada em uma direção, existirá uma força resultante de mesma magnitude, porém de sentido oposto.

A deformação, por sua vez, é definida como a mudança em um comprimento L, definida infinitesimalmente por: dε = dL L Ao ser integrada, de um comprimento inicial L0, a um comprimento L, tem-se a deformação expressa por: ε=

L

∫L dLL = ln ( LL )

ƒ( )

0

0

Essa deformação corresponde à chamada deformação real, ou deformação verdadeira, e é expressa em fração adimensional ou mesmo em porcentagem. No dia a dia da Engenharia, não é usual usar a forma logarítmica para a deformação. Em seu lugar, utiliza-se a deformação de Engenharia, que também possui caráter adimensional, mas é expressa pela letra e. É obtida por meio da equação: e = ∆L L0 Agora que você já possui esses dois conceitos bem definidos, poderá compreender melhor algumas propriedades mecânicas dos materiais e qual a melhor maneira de medi-las.

3.2 ENSAIO DE TRAÇÃO Como você viu, a força aplicada sobre uma área pode gerar tensões normais e tensões cisalhantes. As primeiras podem ser divididas em tensões de tração (trativas) ou de compressão (compressivas), como mostra, respectivamente, a imagem a seguir.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Figura 21 - Tensão trativa (esquerda) e compressiva (direita). Fonte: Pereira (2014).

Uma das maneiras de caracterizar algumas propriedades mecânicas dos materiais é através da aplicação de tensões trativas no chamado ensaio de tração. Nesse ensaio, um corpo de prova é confeccionado com o material do qual se deseja conhecer as propriedades. Ele é fixado entre duas garras, ou dispositivos com rosca, que se afastam, gerando tensões de tração. A próxima figura mostra como é feito esse processo, utilizando objetos metálicos na parte inferior e superior como garras.

Figura 22 - Preparação de ensaio de tração. Fonte: Shutterstock (2014).

Durante o ensaio, mede-se o afastamento entre as garras e a força que está sendo aplicada. Como você viu, para que essa força seja transformada em tensão, é necessário dividi-la pela área em que ela está sendo aplicada. Para que se tenha certeza de que a tensão máxima aplicada seja paralela ao deslocamento das garras, os corpos de prova possuem a geometria exibida na figura adiante.

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AULA 3 – PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS

Figura 23 - Corpos de prova para ensaio de tração. Fonte: Shutterstock (2014).

Você pode observar na imagem que o local de fixação dos corpos de prova possui um diâmetro maior que o restante. Dessa maneira, a força aplicada no ensaio, distribuída igualmente por toda a amostra, causará maior tensão na região de menor diâmetro. O resultado de um ensaio de tração é uma curva tensão-deformação (de engenharia), como mostra a figura a seguir. Olhe com atenção e observe três zonas distintas: a primeira de 0 a σys, que apresenta um comportamento linear; a segunda, de σys a σuts, que apresenta um comportamento não linear crescente; e, por fim, de σuts até o fim da curva, com comportamento não linear decrescente.

Tensão (σ)

σuts σys

eyp

eu

ef

Deformação (e) Figura 24 - Curva tensão versus deformação. Fonte: Best (2014).

Por representarem alterações no comportamento dessa curva, esses três pontos de tensão e deformação são propriedades mecânicas muito importantes para a Engenharia e recebem nomes específicos: » » σys é a tensão de Young, ou tensão de escoamento; » » σuts é a tensão máxima, ou tensão de resistência; » » o fim da curva é chamado de tensão de ruptura, que é onde o material fratura.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Você pode visualizar um ensaio de tração no vídeo: <https://www. youtube.com/watch?v=D8U4G5kcpcM>.

Através do σys, é possível separar o comportamento mecânico dos materiais em duas regiões distintas, a elástica e a plástica.

3.2.1 Comportamento elástico dos materiais Quando um produto é projetado, ele é pensado para que, durante seu uso, as forças aplicadas sobre ele não gerem tensões que ultrapassem a tensão de escoamento. Isso ocorre porque, na região elástica, as deformações causadas são reversíveis, ou seja, quando retirada a força responsável por causar deformação no material, ele recupera sua geometria anterior. É como um elástico de borracha. Enquanto você o estica, está aumentado a força sobre ele e causando uma deformação. Assim que você solta uma de suas extremidades, ele retorna ao seu tamanho natural. Essa é a primeira propriedade mecânica que você conhecerá nesta aula: a elasticidade. É uma propriedade que depende apenas das ligações químicas do material e de seus defeitos volumétricos (poros e trincas). A região elástica de um material, assim como o coeficiente de dilatação, é dependente da sua composição química e pode ser descrita através da lei de Hooke, por meio da equação: E= σ e em que E é chamado de módulo de elasticidade, ou módulo de Young. Ele pode ser encarado como a resistência de um material ao ser deformado. Grandes valores de E significam que o material é mais rígido. Ao tracionar o material em um eixo, ocorre o alongamento do corpo de prova nessa direção, ou seja, ele se torna mais longo. É esperado que, no eixo perpendicular ao carregamento, exista uma contração que compense esse alongamento, já que o volume do material deve permanecer constante, como você pode observar na figura a seguir. A essa relação entre a deformação nos dois eixos do material se dá o nome de coeficiente de Poisson, que é a segunda propriedade mecânica desta aula, descrita pela equação: ν = – ex ez

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AULA 3 – PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS

A equação possui sinal negativo para que seu resultado seja positivo, pois uma das deformações também será menor que zero.

∆L

L

L

D

D

z

∆D

x

Figura 25 - Deformações causadas por forças trativas. Fonte: Pereira (2014).

Se o afastamento de ligações atômicas é o responsável pela deformação elástica em um material e cada ligação atômica possui uma energia específica, é natural que haja uma energia associada a esse afastamento. Essa energia é a propriedade chamada de resiliência. Em outras palavras, a resiliência é a energia máxima que o corpo suporta até que seja excedido seu limite elástico. Essa propriedade está representada, na próxima figura, pelo triângulo cinza.

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Tensão (σ)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

σys E

eyp

Deformação (e)

Figura 26 - Resiliência. Fonte: Adaptada de Best (2014).

A resiliência é calculada como a área sob a região elástica do material, ou seja: eyp

Ur = ∫0 σ ∙ de em que Ur é a resiliência. Por ser descrita por um fenômeno quase sempre linear, a resiliência pode ser simplificada como a área de um triângulo, de forma que: Ur = 1 σys ∙ eyp 2 Ao ser ultrapassada a fronteira da deformação elástica, duas coisas podem acontecer ao material: ou ele fratura ou então ocorre a deformação plástica.

3.2.2 Comportamento plástico dos materiais Como você viu, o ensaio de tração gera um gráfico de tensão versus deformação, em um corpo de prova padrão. No início do ensaio, ele é deformado elasticamente até que seja atingida uma tensão de escoamento, que, graficamente, é quando o comportamento da curva deixa de ser linear. Porém, como você viu na figura anterior, nem sempre o limite de escoamento de um material é fácil de ser determinado. A próxima imagem mostra dois materiais com diferentes comportamentos quanto ao limite de escoamento.

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AULA 3 – PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS

Elástico Plástico Tensão superior de escoamento

σy

P

Tensão

Tensão

σy

Tensão inferior de escoamento

Deformação 0.002

(a)

Tensão

(b)

Figura 27 - Diferentes comportamentos quanto ao limite de escoamento. Fonte: Adaptado de Callister (2008).

Materiais com o comportamento semelhante ao de (a) não possuem um limite de escoamento definido. Por isso, para descobrir esse limite, você deve observar o ponto de intersecção entre a curva tensão-deformação e uma linha paralela à região elástica, que deve estar localizada a 0,002 de distância da curva, no eixo da deformação. A maioria dos materiais apresenta esse comportamento. No entanto, alguns possuem uma transição entre a região elástica e a plástica bem definida, como mostra (b) na figura que você acabou de observar. Para esses materiais, a curva tensão-deformação apresenta um pico em sua região elástica, seguido de uma queda da tensão aplicada. Após esse decréscimo, a curva tornase oscilatória até alcançar um valor crítico em que passa a aumentar não linearmente. Nesses materiais, o limite de escoamento é definido como a média da tensão na região oscilatória. Então, durante o ensaio, seu corpo de prova foi deformado elasticamente, em uma relação linear entre tensão e deformação, até que a resistência limite de escoamento foi atingida. A partir desse momento, dois comportamentos são possíveis de acontecer para o material: a deformação plástica ou a sua ruptura. Se a deformação elástica é aquela que só ocorre enquanto existir uma tensão aplicada, a deformação plástica é a que ocorre permanentemente, ou seja, que continua existindo mesmo após remover a tensão. Um amassado na lataria de um carro é um exemplo de deformação plástica.

Em temperatura ambiente, sempre existe uma deformação elástica associada a uma deformação plástica.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Olhando em um aspecto atômico, a deformação plástica é a mudança de posição de diversos átomos, ou de um plano inteiro formado por eles. Então, para que ocorra deformação plástica, é necessário que os átomos possuam liberdade para se movimentarem dentro do material, e essa liberdade será conferida de acordo com ligações primárias e secundárias. Então, para que ocorra deformação plástica, é necessário que aconteça o movimento de defeitos de linha, ou seja, discordâncias, que você aprendeu na aula anterior. Materiais com ligações covalentes ou iônicas possuem pouca liberdade para que ocorra essa movimentação atômica. Já materiais com ligações metálicas podem possuir essa liberdade em maior ou menor grau. Os materiais que possuem ligações secundárias, como é o caso de polímeros, não dependem do movimento de discordâncias, mas sim do movimento das cadeias poliméricas, que é, em geral, facilitado pela existência de ligações mais fracas (secundárias). Mas então o que ocorre, após o limite de escoamento, com os materiais que possuem ligações que não favorecem o movimento de discordâncias? Eles fraturam. A fratura que ocorre sem a presença de deformação plástica é chamada fratura catastrófica, que ocorre de maneira súbita. Vidros são exemplos de materiais que sofrem esse tipo de fratura. Ao sofrer impacto, eles estilhaçam sem que haja deformação. A capacidade de um material deformar plasticamente antes de sua fratura é medida através de mais uma propriedade: a ductilidade. Materiais que não deformam, ou deformam pouco plasticamente, são chamados materiais frágeis, ou com baixa ductilidade. Os que possuem maiores deformações plásticas são chamados materiais dúcteis. A ductilidade de um material pode ser calculada tanto através de seu alongamento quanto por meio da redução de secção, utilizando as equações: AL% =

( l l– l ) ∙ 100 ƒ

0

0

RA% = A0 – Aƒ A0

(

) ∙ 100

em que AL é o alongamento percentual, lf é o comprimento final, l0 é o comprimento inicial, RA é a redução de área (ou secção transversal), A0 é a área inicial e Af é a área final. Observe a curva tensão-deformação de um material dúctil e o comportamento de seu corpo de prova na figura a seguir. Como você já viu, até o limite de escoamento, ocorre uma deformação elástica no material. Após o limite, o material passa a se deformar de maneira plástica e sua deformação é bem maior que no cenário anterior. Depois de ultrapassada a tensão máxima (marcada como TS na figura), ocorre uma concentração de tensão em uma região da amostra, que passa a deformar mais que o restante, em um fenômeno conhecido como empescoçamento. Esse fenômeno é característico de materiais dúcteis, e a fratura do corpo de prova ocorre nessa região, onde a tensão alcança seu valor máximo. O fenômeno do empescoçamento, ou instabilidade plástica, é associado a uma concentração extrema de discordâncias, geradas pela deformação, em uma região específica do material. A partir do momento em que a quantidade limite de discordâncias é atingida, a tensão nessa região aumenta mais do que no restante do corpo de prova, até que a fratura ocorra.

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AULA 3 – PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS

TS

M

Tensão

F

Deformação Figura 28 - Comportamento de um material dúctil. Fonte: Callister (2008).

Para fins de projeto, os materiais são desenhados para nunca excederem o limite de escoamento. Durante o processo de fabricação de produtos, entretanto, a região plástica deve ser conhecida, pois é nela que ocorrem as alterações de formato dos materiais. Outra propriedade associada ao regime plástico dos materiais é a tenacidade, que é a área sob toda a curva tensão-deformação. Ou seja, para materiais dúcteis, corresponde a resiliência mais a parcela correspondente até o ponto de fratura do material. Para materiais dúcteis, o ensaio de tração é o meio mais eficiente de caracterizar as propriedades mecânicas. Devido à dificuldade operacional, materiais frágeis são comumente ensaiados com outros métodos.

3.3 ENSAIO DE FLEXÃO Como você viu, materiais frágeis apresentam pouca, ou quase nenhuma, deformação plástica. Por esse motivo, muitas vezes é inviável a realização de um ensaio de tração, que acarreta em inúmeros erros associados ao fenômeno da fratura catastrófica. Para solucionar esse problema, são utilizados ensaios mais simples de serem preparados, como os ensaios de flexão. Nesse tipo de teste, uma barra é apoiada sobre dois apoios, enquanto um punção (ou mesmo outro par de punções) aplica uma carga de flexão no centro da amostra, até que seja alcançada a tensão máxima e o corpo de prova frature. A próxima imagem mostra a configuração de um ensaio de flexão de três pontos, ou seja, apoiada em dois apoios e fletida por apenas um punção.

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Figura 29 - Ensaio de flexão de três pontos. Fonte: Pereira (2014).

A grande diferença do ensaio de flexão para o ensaio de tração é o estado de tensões criado no corpo de prova. Enquanto no ensaio de tração é aplicada uma tensão puramente trativa, o ensaio de flexão gera um gradiente de tensões na amostra, que, ao ser fletida, possuirá tensões compressivas na face superior e tensões trativas em sua face inferior, como mostra a figura adiante. O perfil de tensões é tal que, na linha média (em relação à altura da amostra), não existe tensão aplicada.

Figura 30 - Perfil de tensões nas superfícies de uma amostra sob flexão. Fonte: Pereira (2014).

Por não possuírem movimento de discordância, materiais frágeis são muito mais sensíveis a esforços trativos do que compressivos. Isso faz com que a fratura dos materiais em ensaios de flexão sempre seja iniciada na superfície sob tração. Outra diferença no perfil das tensões entre os ensaios de tração e flexão é o volume sob a tensão máxima aplicada. No primeiro, a força normal atua igualmente em todo o corpo de prova, gerando a mesma tensão na área de interesse (secção menor). O segundo, por sua vez, não possui uma força constante atuando sobre a amostra, gerando tensões diferentes. A força no ensaio de flexão é resultante de um momento, ou um braço de alavanca. Assim, considerando uma barra simplesmente apoiada e carregada em seu ponto médio, como mostra a figura a seguir, o momento máximo estará posicionado no meio da amostra, decaindo linearmente até os pontos de apoio.

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AULA 3 – PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS

P

h S L

M=

PS 4

BMD Figura 31 - Perfil do momento em um ensaio de flexão de três pontos. Fonte: Adaptada de NPTEL (2014).

O momento é definido como uma força e pode ser transformado em tensão, para ensaios de três pontos em corpos de prova de secção retangular por: σ=

P∙S 2 ∙ b ∙ h2

em que P é o momento no ponto médio entre apoios, S é a distância entre apoios, b é a largura da amostra e h é sua altura. Juntando os dados das duas imagens, é possível chegar à conclusão de que a tensão de tração máxima está situada na face inferior do ponto médio entre apoios da amostra, como mostra a próxima figura. Nela, o ponto vermelho corresponde à localização da tensão trativa máxima, que deve ser considerada uma linha com comprimento igual a b da equação anterior.

σmax

Figura 32 - Tensão trativa máxima em ensaio de flexão de três pontos. Fonte: Pereira (2014).

Essa característica do ensaio faz com que os dados de resistência à flexão necessitem de tratamento estatístico, o que gera como resultado não mais uma tensão máxima absoluta, mas uma tensão característica, na qual determinada fração dos corpos de prova falharam.

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Para minimizar o efeito do pouco volume de material sob a tensão máxima, é utilizado o ensaio de flexão de quatro pontos, que não mais submete o material a uma linha de tensão trativa máxima, mas sim a uma área. A imagem a seguir mostra o diagrama da tensão trativa, resultante de um momento fletor, na face inferior de amostras fletidas em quatro pontos. Ao contrário do ensaio de três pontos, que possui só uma linha de momento máximo, o ensaio em quatro pontos possui uma área, formada pela distância entre os punções e a largura b da amostra. P

h

S1 S0 L

M=

P S 0 - S1 4

BMD Figura 33 - Momento máximo em ensaio de flexão de quatro pontos. Fonte: Adaptada de NPTEL (2014).

Apesar de o ensaio de flexão ser muito utilizado, ele não é a única alternativa para materiais frágeis, que, quando são menos resistentes, apresentam uma alternativa literalmente contrária ao ensaio de tração.

3.4 ENSAIO DE COMPRESSÃO Se no ensaio de tração uma carga é aplicada de forma a alongar um corpo de provas, no ensaio de compressão ocorre o contrário: a carga tende a achatar a amostra, que é, normalmente, um cilindro posicionado entre dois pratos metálicos que, ao se aproximarem, comprimem a amostra. O resultado do ensaio de compressão é a mesma curva vista para a tração. No entanto, a preparação da amostra e do ensaio é consideravelmente mais simples.

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Força de compressão (ou tensão)

AULA 3 – PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS

Deformação elástica

Deformação plástica

Deformação (ou tensão)

Figura 34 - Corpo de prova em ensaio de compressão e a curva tensão-deformação resultante. Fonte: NPTEL (2014).

Mas então por que os materiais frágeis não são todos ensaiados por este método? Uma das razões você viu no tópico anterior: materiais frágeis resistem muito mais à compressão do que à tração, e o objetivo do ensaio mecânico é quantificar da melhor maneira possível a resistência dos materiais, ou seja, buscando a condição mais severa. Outra limitação do ensaio de compressão, mais influente em materiais dúcteis, é que, ao comprimir o material na direção do carregamento, ocorre uma expansão na outra direção, causando o aumento de área do material. Por consequência, surge a necessidade de maiores forças de compressão para deformar a amostra. Esse problema poderia ser solucionado com equipamentos mais potentes, capazes de aplicar maiores carregamentos, mas o aumento da força não é a única barreira do ensaio. Enquanto o material expande sua área, é gerada uma força de atrito na interface materialequipamento, e isso é uma grande fonte de erro nesse tipo de ensaio. A próxima imagem ilustra essa situação. σ

σm

σ0

σ = tensão de compressão σ0 = σ sem atrito σm = média dos σ Figura 35 - A expansão da área de contato em ensaio de compressão. Fonte: Souza (1982).

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Porém, mesmo com suas limitações, o ensaio de compressão ainda é utilizado. Uma de suas maiores aplicações é no ramo da Engenharia Civil.

Para aplicações na Engenharia Civil, o ensaio de compressão é imprescindível, uma vez que o concreto, quando aplicado a edificações, está sujeito a grandes tensões compressivas.

Para minimizar os efeitos do atrito durante o teste, foi desenvolvida no Brasil uma variável conhecida mundialmente como Brazilian Test (ou seja, Teste Brasileiro), ou compressão diametral. Nesse ensaio, o cilindro é posicionado deitado, como mostra a figura a seguir.

Figura 36 - Ensaio de compressão axial (esquerda) e ensaio de compressão diametral (direita). Fonte: Vieira (2011).

Por enquanto, você viu ensaios que medem a resistência mecânica dos materiais, ou seja, medem a resposta a uma carga aplicada com o intuito de rompê-los. Mas nem sempre os ensaios dão como resposta uma tensão. É o caso da dureza, que você verá a partir de agora.

3.5 ENSAIO DE DUREZA A dureza é uma propriedade comumente confundida com a resistência mecânica, ou seja, a capacidade de suportar cargas sem romper. Esse conceito popular não corresponde ao conceito da Engenharia, em que a dureza é a capacidade de um material em resistir à penetração por outro. O ensaio de dureza consiste sempre em um material, consideravelmente duro, penetrando na amostra de interesse. Os resultados obtidos são diversos e dependem da variante do teste utilizada, mas no fim sempre resultará em uma resistência à penetração. Você verá a seguir as técnicas mais utilizadas para medir a dureza.

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AULA 3 – PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS

3.4.1. Dureza Rockwell Nesse ensaio, um indentador, de diamante ou aço, penetra na amostra, e a profundidade de penetração é medida em função da carga aplicada para a penetração.

Indentador: É um objeto duro utilizado para causar penetração em um material, formando uma endentação, ou impressão.

A dureza Rockwell é provavelmente a mais utilizada em linhas de produção, pois sua medição é rápida e a técnica gera um resultado direto, sem a necessidade de tratamentos. A próxima figura mostra uma máquina para realização do ensaio de dureza Rockwell. Na parte superior do dispositivo, é possível ver um relógio, que dá o resultado no momento da análise.

Figura 37 - Dispositivo para ensaio Rockwell. Fonte: Shutterstock (2014).

3.4.2. Dureza Brinell Ao contrário da dureza Rockwell, essa técnica necessita de uma análise de imagem posterior ao processo de penetração. O ensaio consiste em penetrar lentamente uma esfera de aço contra a superfície da amostra de interesse. Após o ensaio, a impressão deixada pela esfera é medida, e uma relação entre as dimensões da impressão e a carga aplicada é feita através da equação: HB =

2Q πD(D – √D2 – d2)

em que HB é a dureza Brinell, Q é a carga aplicada, D é o diâmetro da esfera do penetrador e d é o diâmetro da impressão deixada. 53


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3.4.3 Dureza Vickers A técnica da dureza Vickers é muito semelhante à Brinell, com a vantagem de que o indentador utilizado é uma pirâmide de base quadrada feita de diamante, o que confere maior regularidade aos ensaios. F

I1

I2

Figura 38 - Procedimento para medição de dureza Vickers. Fonte: NPTEL (2014).

O teste consiste em aplicar carga em um penetrador, causando uma impressão na amostra. Por ser uma pirâmide de base quadrada, a indentação possuirá aspecto de um quadrado, como mostra a imagem a seguir.

Figura 39 - Aspecto de uma indentação Vickers. Fonte: ASTM (2010).

Por se tratar de uma propriedade que correlaciona uma área deformada com uma carga, a dureza Vickers pode ser descrita matematicamente por: HV = 1,8544 ∙ F d2 em que F é a carga aplicada e d é o comprimento da diagonal do quadrado.

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AULA 3 – PROPRIEDADES MECÂNICAS DOS MATERIAIS

CONCLUSÃO Ao se aplicar uma força sobre dado material, são induzidas tensões, que dependerão da área sobre qual essa força está sendo aplicada. Os ensaios mecânicos são, grosso modo, respostas que o material dá às forças ao qual ele é submetido. Em um ensaio de tração, forças normais trativas são aplicadas em um material que dá como resposta uma deformação. O comportamento da razão entre tensão e deformação fornece importantes características sobre o material. Assim, é possível determinar as propriedades mecânicas: módulo de elasticidade, limite de escoamento, resistência máxima, coeficiente de Poisson, resiliência, ductilidade, tenacidade e dureza (Rockweel, Brinell e Vickers). Além do ensaio de tração, outras técnicas são utilizadas, principalmente para a caracterização de materiais frágeis. O ensaio de flexão é utilizado devido à sua facilidade de preparação e ao baixo custo. Sua grande desvantagem é o pouco volume de material caracterizado durante o ensaio, sendo necessária a utilização de diversos corpos de prova e tratamento estatístico para determinação dos limites de resistência dos materiais. Ensaios de compressão, por sua vez, apresentam pouca vantagem em seu uso geral, mas possuem grande aplicabilidade na área da Engenharia Civil, em que os esforços exigidos pelos materiais são, muitas vezes, compressivos. Já ensaios de dureza são utilizados para caracterizar a resistência de um material à penetração. Esses ensaios são importantes para a Engenharia, uma vez que medem indiretamente a resistência ao desgaste na superfície dos materiais. Com esses conhecimentos, você, futuro engenheiro, terá mais subsídios para entender como os materiais se comportam, o que permitirá a construção de estruturas mais fortes e adequadas aos seus propósitos.

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AULA 4 Propriedades físicas dos materiais

INTRODUÇÃO Projetar objetos, componentes e estruturas é uma das atribuições da Engenharia. Para a maioria dos engenheiros, quando se fala em projeto, logo se pensa em esforços mecânicos e, por consequência, nas propriedades mecânicas necessárias para que aquilo que se está sendo projetado suporte os carregamentos necessários. Conhecer as características mecânicas, porém, nem sempre é o suficiente para o projeto de um bom produto. Também é preciso considerar outras propriedades dos materiais. Você já imaginou se um avião fosse fabricado com um material muito resistente e, ao mesmo tempo, muito pesado? O consumo de combustível seria tanto que a aviação não seria algo viável. E se as aeronaves não fossem projetadas para conduzirem descargas elétricas sem prejudicar seus sistemas embarcados? Um relâmpago poderia causar o colapso de todo o sistema elétrico do avião. Nesta aula, você conhecerá algumas importantes propriedades dos materiais, que o ajudarão a selecioná-los durante a execução de seus projetos profissionais.


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

OBJETIVO » » Conhecer as principais propriedades físicas, elétricas e magnéticas dos materiais.

4.1 PROPRIEDADES VOLUMÉTRICAS Ao se organizarem em sólidos, os átomos passam a formar estruturas com volume definido. Você viu na aula 3 que essas estruturas possuem propriedades mecânicas que garantem a estabilidade dimensional dos materiais. Mas essas não são as únicas propriedades que existem. O agrupamento de átomos de diferentes elementos cria outras, que você aprenderá a partir de agora.

4.1.2 Massa específica Essa propriedade é quase um sinônimo de outra propriedade que você já conhece de aulas anteriores: a densidade. Matematicamente, ambas são expressas pela mesma equação: ρ= m v em que ρ é a massa específica (ou densidade), m é a massa e v é o volume daquilo que se deseja medir. A divergência existente entre os conceitos está no fato que essa equação pode ser usada para calcular a propriedade tanto de um material quanto de um objeto. Algumas pessoas dizem que a massa específica é uma propriedade do material, enquanto a densidade é uma propriedade de um corpo. Por exemplo, você se lembra de que, na aula 1, você calculou a densidade teórica (ou massa específica) do ferro? Essa é uma propriedade do material ferro, que leva em consideração sua estrutura cristalina e seu peso atômico. Porém, nem sempre a densidade de um material corresponde à densidade de um objeto. Isso pode ser por causa de outra propriedade: a porosidade.

4.1.2 Porosidade Você viu na aula 2 que os poros são defeitos volumétricos, normalmente inseridos em um material durante seu processamento. A medida da quantidade de poros em um material resulta na sua porosidade. Se um objeto é fabricado a partir de um material com densidade teórica conhecida, sua porosidade pode ser determinada como a diferença entre a densidade teórica do objeto e a densidade real dele (obtida diretamente da relação massa/volume). Os poros de um material podem variar morfologicamente de diversas maneiras (tamanho, formato etc.), mas duas classificações são as mais utilizadas: a) quanto à sua interação: divide os poros em comunicantes e não comunicantes, ou seja, se eles se tocam ou não; b) quanto ao seu acesso ao meio externo: classifica os poros em abertos e fechados.

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AULA 4 – PROPRIEDADES FÍSICAS DOS MATERIAIS

A imagem a seguir exibe uma estrutura que possui grande quantidade de poros, com morfologia aberta e comunicante.

Figura 40 - Porosidade aberta e comunicante. Fonte: Shutterstock (2014).

Normalmente, porosidades comunicantes são abertas. Já as não comunicantes podem ser abertas ou fechadas. Você entenderá a importância dessa classificação ao estudar a próxima propriedade.

4.1.3 Permeabilidade A permeabilidade é a propriedade que mede a facilidade de fluidos em atravessarem corpos. É esperado que corpos com porosidade fechada e/ou não comunicante não sejam permeáveis ou tenham limitações.

As limitações quanto à permeabilidade também serão afetadas por características daquilo que se deseja permear. É lógico que gases, por exemplo, têm mais facilidade de adentrar em determinado meio do que substâncias líquidas.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

4.2 PROPRIEDADES ELÉTRICAS Para que você entenda as propriedades elétricas de um material, é necessário que lembre uma importante equação, conhecida como Lei de Ohm, que relaciona três características elétricas de um sistema: V=I×R em que V é a diferença de potencial, I é a corrente elétrica e R é a resistência elétrica do sistema. Essas três grandezas descrevem o movimento ordenado de elétrons em um sólido. Elas podem ser interpretadas da seguinte maneira: V é a “vontade” que os elétrons possuem de passar entre dois pontos, I é a quantidade de elétrons que está passando entre os dois pontos e R é as barreiras que impedem que eles caminhem. Quanto maior a distância percorrida, maior a quantidade de barreiras, ou seja, maior será R. Os raios vistos em tempestades são um exemplo prático dessa analogia. Por existir uma camada de ar muito grande separando as nuvens da terra, é necessário que seja acumulada muita energia (V) para que a vontade dos elétrons supere a barreira que os impede de descer (R). Quando a energia necessária é alcançada, o raio vem ao solo.

A diferença de potencial e a corrente são parâmetros intrínsecos do sistema elétrico, mas a resistência é uma característica associada a uma propriedade dos materiais, a resistividade elétrica.

4.2.1 Resistividade elétrica Resistência elétrica (R) é uma propriedade do material, enquanto a resistividade elétrica (ρ) é uma propriedade de um componente. Elas caminham sempre juntas e se relacionam pela seguinte equação: ρ= R×A L em que A é a área da secção transversal do componente que está conduzindo elétrons e L é o comprimento dele ou a distância entre dois pontos conhecidos.

A letra grega ρ é utilizada tanto para a resistividade quanto para a densidade.

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AULA 4 – PROPRIEDADES FÍSICAS DOS MATERIAIS

Diversas vezes na Engenharia o objetivo de se conhecer as propriedades elétricas dos materiais é isolar algo eletricamente, fazendo com que a resistividade seja uma propriedade intuitiva. Mas quando o objetivo é fazer com que a eletricidade seja conduzida, outra propriedade se torna mais palpável: a condutividade.

4.2.2 Condutividade elétrica A condutividade elétrica nada mais é do que o inverso da resistividade, ou seja, um material que é um mau condutor será um bom resistor e vice-versa. Sua definição matemática é, então: σ= 1 ρ em que σ é a condutividade elétrica e ρ é a resistividade do material. Você sabe dizer o que torna alguns materiais condutores e outros isolantes? De maneira geral, para que ocorra condução de eletricidade, é necessário que exista movimento ordenado de elétrons. É através deles que os materiais formam ligações, ou seja, quanto mais os elétrons estiverem envolvidos em suas ligações, menos condutividade terá o material. Para que os elétrons se movimentem em um sólido, é necessário que eles recebam energia e passem do nível energético formador de ligações atômicas a um nível no qual eles estejam livres dos átomos. A figura a seguir mostra o movimento dos elétrons em um fio.

CORRENTE ELÉTRICA Átomos de elementos metálicos Elétrons livres

Neutrons Prótons

Figura 41 - Elétrons se movendo em um metal. Fonte: Shutterstock (2014).

Na aula 1, você viu que os metais formam ligações metálicas, caracterizadas por uma nuvem de elétrons livres compartilhados por todos os átomos do sólido. Com isso, basta um pequeno

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

fornecimento de energia para que os elétrons de um metal passem a energia necessária à condução de eletricidade. É por isso que os metais, em sua maioria, são bons condutores elétricos. Já os materiais cerâmicos e os polímeros possuem ligações primárias fortes, que tendem a aprisionar os elétrons. Assim, é preciso fornecer mais energia para que ocorra a condução elétrica. A energia fornecida para que um material não condutor passe a ser condutor é indiretamente um parâmetro que divide os materiais em duas categorias: os isolantes e os semicondutores. Essa energia é, normalmente, de natureza térmica.

4.3 PROPRIEDADES TÉRMICAS Quando energia é fornecida a um material, sua temperatura aumenta. Isso significa que a vibração dos átomos que constituem o sólido também aumentou. Assim, medir a temperatura de um sólido significa medir essa energia de vibração. A maneira com que os materiais respondem ao aumento de sua temperatura dá origem a diferentes propriedades.

4.3.1 Capacidade calorífica ou capacidade térmica A capacidade calorífica é a razão entre a quantidade de energia fornecida a uma substância e seu aumento efetivo em temperatura. Matematicamente, é expressa por: C = dQ dT em que C é a capacidade calorífica e dQ é a energia fornecida ao sistema para produzir uma variação de temperatura dT. Quanto maior a quantidade de material existente, maior será a energia necessária para que exista alguma variação de temperatura. Desse modo, a capacidade calorífica é expressa sempre por mol de material, sendo suas unidades usuais J/mol.K ou cal/mol.K.

Nem sempre o mol é uma medida intuitiva. Assim, você pode usar uma unidade de massa, como o kg. Nesse caso, usa-se a expressão calor específico.

Além de avaliar quanta energia é necessário fornecer para que a temperatura de um material aumente, também é importante saber como a temperatura é dissipada através de um corpo sólido.

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AULA 4 – PROPRIEDADES FÍSICAS DOS MATERIAIS

4.3.2 Condutividade térmica Quando um material apresenta condutividade de energia elétrica, também conduz energia térmica, uma vez que ambas podem ser realizadas por elétrons livres. Isso faz dos metais bons condutores térmicos. A condução térmica através de elétrons livres ocorre pela transmissão de sua energia cinética aos átomos do sólido. Nesse mecanismo, os elétrons em determinada região do material são energizados e, como não possuem localização definida no sólido, migram para outra região, transferindo a energia que haviam adquirido anteriormente. O fato de a condutividade térmica dos metais estar associada aos elétrons livres faz com que ela seja relacionada com sua homônima elétrica, segundo a lei de Wiedemann-Franz: L= k σT em que L é uma constante com valor teórico de 2,44x10-8 Ω.W/(K2), k é a condutividade térmica, σ é a condutividade elétrica e T é a temperatura. Quando não há elétrons livres disponíveis, a condução térmica é realizada por ondas vibracionais na rede cristalina, chamadas de fônons, que nada mais são que a transferência da energia cinética de um átomo ao outro.

Você pode ver fônons sendo transmitidos em sólidos no link: <http://nelson.mit.edu/movie-theater>.

Nos materiais cerâmicos, este é o mecanismo de condução preponderante. Ele é acentuado com a cristalinidade do sólido, então, sólidos amorfos possuem uma má propagação de fônons. Isso porque os fônons são a transferência de energia entre átomos subsequentes e, nos materiais amorfos, não existe uma sequência ordenada de átomos. Os materiais poliméricos também conduzem sua energia térmica por meio da transferência de vibrações, mas, além das ligações primárias, também ocorre condução através da rotação das cadeias poliméricas. Com o aumento da temperatura, outra importante propriedade é evidenciada nos sólidos: o coeficiente de expansão térmica.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

4.3.3 Coeficiente de expansão térmica Também conhecida como coeficiente de dilatação, essa propriedade é importante tanto na fabricação de produtos quanto durante sua vida útil. O aquecimento de um material é resultado do fornecimento de energia aos átomos, o que causa a separação entre as ligações que formam os sólidos. Assim, esses sólidos aumentam de volume, efeito que pode ser descrito pela seguinte equação: ∆V = α × ∆T V0 em que ΔV é a variação de volume do material, V0 é o volume inicial, α é o coeficiente de expansão térmica do material e ΔT é a variação de temperatura. Nem sempre o material expande uniformemente em todas as direções, fazendo com que a relação volumétrica não seja a melhor maneira de tratar a dilatação do material. Nesses casos, cada direção é tratada individualmente. Desse modo, ao invés usar a expansão em volume, é necessário utilizar a expansão linear da direção de interesse, resultando em uma grandeza em metros, que pode ser descrita pela equação: ∆L1 = α × ∆T L01 em que ΔL1 é a variação de comprimento na direção 1 e L01 é o comprimento inicial na direção 1. Por ser uma propriedade dependente da natureza das ligações atômicas, é esperado que as três diferentes classes de materiais que você conhece se comportem de maneira diferente. Como os metais apresentam energia de ligações não tão fortes, eles possuem, em geral, coeficientes de expansão térmica elevados. Já as cerâmicas possuem ligações fortes, fazendo com que, normalmente, seu coeficiente de dilatação seja menor. Por fim, os polímeros possuem essa propriedade regida por suas ligações secundárias, fracas, com valores de α bastante grandes. Em alguns materiais, a expansão em uma direção vem acompanhada da contração em outra. Com isso, é possível projetar materiais que possuem coeficientes de dilatação próximos a 0, como é o caso dos vitrocerâmicos utilizados em fogões de resistência elétrica. Um exemplo de como o coeficiente de expansão térmica deve ser considerado ao se projetar algo são as juntas de dilatação. São espaços deixados entre estruturas, ou componentes, que permitem a sua expansão térmica sem que haja o contato entre elas. Esse tipo de solução é percebido em trilhos de trem, pontes e edificações.

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AULA 4 – PROPRIEDADES FÍSICAS DOS MATERIAIS

Figura 42 - Junta de dilatação em ponte para automóveis. Fonte: Shutterstock (2014).

As juntas de dilatação são soluções macroscópicas e geométricas para a expansão. Mas nem sempre é possível contar com esse tipo de abordagem, sendo necessário o estudo do efeito que a dilatação causa nos materiais. Isso nos leva à próxima propriedade.

4.3.4 Tensões térmicas Se existe uma deformação causada pela temperatura, existirá também uma tensão associada, que pode ser descrita como: σ = E × α × ∆T em que σ é a tensão térmica, E é o módulo de elasticidade do material, α é seu coeficiente de expansão térmica e ΔT é a variação de temperatura. Perceba que, durante o aquecimento, a variação de temperatura será positiva, resultando em uma tensão positiva, ou seja, compressiva. O inverso ocorre durante o resfriamento, causando tensões trativas no material.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Note que a letra grega σ, que agora se refere à tensão, já foi usada para a condutividade elétrica.

Normalmente, durante o aquecimento dos materiais nada é muito problemático. É no resfriamento que os problemas costumam aparecer. Imagine que um grande bloco de material está, em um tempo t0, completamente aquecido em um forno a 1.000 ºC. Depois, ele é retirado do forno e colocado ao ar, a 25 ºC, gerando um ΔT de 975 ºC. Passado pouco tempo (t1), esse bloco passa a perder calor para o ar e o material começa seu processo de resfriamento. Na superfície, o calor é transferido diretamente ao ar, mas no interior do bloco o calor precisa ser conduzido até as partes mais frias. Essa condução de calor do interior para a superfície faz com que exista uma diferença de temperatura entre as duas regiões. Essa diferença, por sua vez, causa diferentes contrações térmicas no material. Logo, é natural que sejam criadas diferentes tensões, resultando em um cenário de tensões térmicas residuais. Elas podem ser descritas por diversos parâmetros, mas a maioria deles tende a relacionar as propriedades envolvidas da seguinte maneira: ∆T = σ × k E×α Como você viu, as tensões residuais dependerão de algumas propriedades do material. Se seu coeficiente de expansão térmica for 0, não existirá diferença de contração. Se sua condutividade térmica for alta, a temperatura será mais homogênea durante o resfriamento. No caso de, mesmo assim, ocorrerem tensões térmicas altas, os materiais com deformação plástica deformarão assim que a tensão atingir o limite de escoamento. Para os materiais frágeis, no entanto, não existe deformação plástica. Ao atingirem uma tensão térmica crítica, eles sofrerão uma fratura catastrófica. É o chamado choque térmico, que pode ocorrer em sua cozinha, quando um líquido quente é retirado de um copo que, em seguida, é colocado sob água fria – o que faz com que seu copo quebre é nada mais do que a combinação entre o coeficiente de expansão térmica e a condutividade de calor.

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AULA 4 – PROPRIEDADES FÍSICAS DOS MATERIAIS

Figura 43 - Um copo pode ser quebrado pela ação de tensões térmicas. Fonte: Shutterstock (2014).

4.4 PROPRIEDADES MAGNÉTICAS A maneira com que os elétrons se movimentam gera inúmeros campos magnéticos dentro de um sólido. Por serem muito fracos e aleatórios (muitas vezes se anulando), esses campos magnéticos não são, normalmente, perceptíveis macroscopicamente. Para que isso ocorra, é necessário que os campos magnéticos dos elétrons estejam alinhados, resultando em um campo macroscópico. Devido às configurações eletrônicas, os materiais apresentam diferentes respostas magnéticas, que podem ser separadas em: diamagnetismo, ferromagnetismo e paramagnetismo.

4.4.1 Diamagnetismo É uma maneira muito fraca de magnetismo que só se manifesta na presença de um campo magnético externo, criando um campo induzido oposto ao indutor. O diamagnetismo ocorre em materiais com átomos cujo campo magnético resultante é nulo, pois eles possuem seus orbitais eletrônicos completos. A figura adiante demostra o fenômeno do diamagnetismo na presença de um campo magnético externo H.

H

H=0

Figura 44 - Diamagnetismo em um campo magnético H. Fonte: Callister (2008).

67


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Nem sempre o campo magnético dos átomos é nulo. É aí que surge outra forma de magnetismo: o paramagnetismo.

4.4.2 Paramagnetismo Esse comportamento ocorre em átomos que possuem seus orbitais eletrônicos incompletos. Porém, assim como no diamagnetismo, só se manifesta na presença de um campo magnético externo. No paramagnetismo, os átomos possuem seus campos magnéticos aleatórios com relação aos átomos adjacentes, fazendo com que a soma dos campos magnéticos do sólido seja igual a 0. Quando um campo magnético externo é aplicado, tende a alinhar os átomos, formando um campo interno de mesma orientação do outro.

H

H=0

Figura 45 - Paramagnetismo em presença de um campo externo H. Fonte: Callister (2008).

Tanto materiais diamagnéticos quanto paramagnéticos são considerados não magnéticos, pois, com a remoção do campo externo, eles retornam à condição anterior. Mas existe uma classe de matérias que possui magnetização por períodos de tempo prolongados: os materiais ferromagnéticos.

4.4.3 Ferromagnetismo Assim como os materiais paramagnéticos, os ferromagnéticos apresentam campos magnéticos dispersos aleatoriamente em todo o sólido e são alinhados na presença de um campo externo. A grande diferença entre os dois é que, ao ser removido o campo magnético externo, o material continua magnetizado. Além disso, sua magnetização é superior à dos materiais com paramagnetismo, devido à melhor orientação que os campos magnéticos atômicos alcançam. Esse fenômeno pode ser visto em materiais metálicos, como o ferro, cobalto e níquel.

4.5 PROPRIEDADES ÓTICAS Tudo o que você vê no mundo é resultado da interação entre a luz e aquilo que está sendo observado. A luz pode ser definida como uma onda eletromagnética que, na atmosfera, viaja através do ar. Quando a luz muda seu meio de propagação, por exemplo, do ar para um sólido, algumas coisas podem acontecer: ela pode ser transmitida para o sólido, refletida entre os dois meios ou absorvida. 68


AULA 4 – PROPRIEDADES FÍSICAS DOS MATERIAIS

O que ocorre normalmente é a contribuição de cada um desses fenômenos. Para um feixe de luz de intensidade I0, a passagem do ar para um meio sólido pode ser descrita como: I0 = IA + IT + IR em que IA é a intensidade de luz absorvida pelo sólido, IT é a intensidade de luz transmitida através do sólido e IR é a intensidade de luz refletida pelo sólido. A capacidade de transmitir luz separa os sólidos em três categorias: a) transparentes: possuem pouca absorção e/ou reflexão, como os vidros de janela; b) transluzentes: a luz é “espalhada” no interior do sólido, gerando uma imagem não muito nítida, como vidros de janelas de banheiro; c) opacos: transmitem pouca ou nenhuma luz, como é o caso da maioria dos materiais conhecidos.

Figura 46 - Material transparente, translúcido e opaco. Fonte: Callister (2008).

Se os materiais opacos são maioria no mundo, o que os confere essa característica? Eles são assim porque absorvem ou refletem luz, ao invés de a transmitirem. Mas então o que faz com que os materiais reflitam a luz?

4.5.1 Reflexão Dois fenômenos distintos podem atuar para que haja reflexão da luz ao interagir com os sólidos. Um dos fenômenos ocorre nos metais, que possuem diversos elétrons livres. Se você imaginar uma onda eletromagnética atravessando uma região com diversas cargas elétricas, é bem provável que a primeira interaja com as outras. E é isso que ocorre nos metais. Quando você estudou as propriedades elétricas de um metal, viu que é muito fácil mudar o nível de energia de um elétron livre. A luz, ao interagir com um metal, transfere sua energia aos elétrons, que a absorvem para que se tornem mais energizados. Se o fenômeno parasse por aqui, os metais seriam bons em absorver luz, mas você sabe que eles são bastante reflexivos. Acontece que os elétrons não permanecem com a energia adquirida e, quando perdem energia, liberam novamente a luz que havia sido absorvida, causando um efeito de reflexão. O outro fenômeno que atua para que haja reflexão nos materiais é a refração. Quando muda de meio, do ar para um sólido, por exemplo, a luz interage com os elétrons ligados aos átomos do sólido, perdendo sua velocidade. Ao desacelerar, ela é separada e uma parte é transmitida ao sólido, enquanto a outra é refletida ao ar. 69


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

A refletividade é a propriedade que mede quanto da luz foi refletida, e ela é descrita pela seguinte equação: R = IR I0 em que IR é a intensidade de luz refletida e I0 é a intensidade de luz incidente. Quanto maior a desaceleração que a luz sofre, maior será a sua reflexão. A refração também atua no interior dos sólidos. Como você viu, os materiais cristalinos são, muitas vezes, formados por diversos grãos, com orientações cristalinas diferentes umas das outras. Ao interagir com um grão, a luz é refratada e, então, dividida dentro do sólido. Os feixes criados interagem com grãos adjacentes e são novamente divididos. Isso faz com que a luz perca intensidade e não seja transmitida à outra extremidade do sólido. Mas essa não é a única razão para que os materiais não apresentem transparência. Além da reflexão, a absorção também contribui para que os sólidos sejam opacos.

4.5.2 Absorção Como você viu, quando a luz interage com um sólido, ela pode causar o aumento de energia dos elétrons das camadas mais externas dos átomos ou se chocar com um elétron fortemente ligado, perdendo sua energia. Dizemos que a parte da energia que foi doada ao átomo foi absorvida. A absorção é um fenômeno que depende da espessura do material em que a luz está incidindo e é descrita pela seguinte equação: IT = I0 exp(–β × l) em que IT é a intensidade de luz transmitida, I0 é a intensidade de luz não refletida, β é o coeficiente de absorção e l é a espessura medida.

4.5.3 Transmissão Agora que você já conhece os fenômenos de absorção e reflexão, poderá saber a quantidade de luz que atravessa uma amostra, através da transmissão. Essa propriedade é descrita pela seguinte equação: IT = I0(1 – R)2 exp(–β × l) em que IT é a intensidade de luz transmitida, I0 é a intensidade de luz incidente, R é a refletividade, β é o coeficiente de absorção e l é a espessura da amostra.

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AULA 4 – PROPRIEDADES FÍSICAS DOS MATERIAIS

Você percebeu que apenas as intensidades de luz transmitida e refletida são mencionadas na equação? Isso ocorre porque esses são os parâmetros possíveis de registrar através de sensores durante os experimentos. A absorção é um dado calculado, e não medido.

Todos esses fenômenos estudados envolvem interação de um feixe de luz visível com o sólido, gerando uma resposta também em luz visível. Mas o que ocorre quando a luz incidente não é visível?

4.5.4 Luminescência Quando um feixe de luz altamente energizado (e não visível) interage com materiais específicos, ele promove o aumento de energia de vários elétrons, ou seja, a absorção. Ao voltar à energia anterior, os elétrons emitem um fóton (ou um feixe de luz), que pode ser visível, fazendo com que o material “brilhe”. Você provavelmente já conhece esse efeito, que pode ser facilmente observado de duas maneiras. Uma delas é na luz negra, muito comum em festas. Seu efeito é chamado de fluorescência, observada em luzes negras, muito comuns em festas. Outro exemplo é a fosforescência, presente nos interruptores de energia. A diferença entre os dois é no tempo em que a luz é emitida. Observe seus interruptores: eles são projetados para brilhar por longos intervalos de tempo na ausência de luz visível.

CONCLUSÃO Apesar de o engenheiro utilizar pesadamente as propriedades mecânicas, é indispensável que ele tenha conhecimento de outras características para que possa fazer uma correta seleção dos materiais que usará durante seus projetos. Dentro desse escopo, você conheceu algumas propriedades físicas dos materiais, como a densidade, a porosidade e a permeabilidade, que são diretamente relacionadas. Outras propriedades de suma importância para os materiais de Engenharia são as de ordem elétrica, como a resistividade e a condutividade, que são inversamente proporcionais e governadas pelo movimento de elétrons em um sólido. Assim como as propriedades elétricas, as térmicas também podem ser governadas por elétrons, mas não exclusivamente por eles. Importantes propriedades térmicas são: a capacidade calorífica, a condutividade térmica, o coeficiente de expansão térmica e as tensões térmicas residuais, que são dependentes tanto da expansão quanto da condutividade térmica. Já as propriedades magnéticas dos materiais são exclusivamente dependentes dos elétrons e seus movimentos, separando os materiais em: ferromagnéticos, diamagnéticos e paramagnéticos. Por 71


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

fim, você viu as propriedades óticas dos materiais, que determinam como eles se comportam com a incidência da luz. Como a luz é uma onda eletromagnética, ela também sofre ação dos elétrons presentes nos átomos e interage com os materiais de diferentes maneiras, podendo ser transmitida, absorvida ou refletida.

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AULA 5 Diagrama de fases

INTRODUÇÃO Certamente você já ouviu falar do aço. A Engenharia não estaria no nível que se encontra se esse material não tivesse sido descoberto. O princípio que rege a sua fabricação foi utilizado durante séculos de maneira empírica, e ele está baseado em um conceito que você já aprendeu nesta disciplina: a difusão. Ferreiros utilizavam a difusão para fabricar aços de espada, por exemplo. Através desse processo, ao incorporar elementos estranhos aos materiais, é possível modificar a sua estrutura cristalina, e por consequência, as suas propriedades. O controle das fases, composições e propriedades é realizado através de uma ferramenta gráfica chamada de diagrama de fases. Nesta aula, você aprenderá a ler e utilizar diagramas de fases para o projeto e a seleção de materiais de Engenharia.


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

OBJETIVOS Interpretar diagramas de fases, seus principais pontos e suas fases. » » Determinar a composição e quantidade de cada fase presente em um material. » » Compreender o desenvolvimento da microestrutura para diferentes diagramas de fases. » » Conhecer e interpretar o diagrama de fases ferro-carbono. » » Mostrar as características e a importância de cada fase na Engenharia.

5.1 DIAGRAMA DE FASES Na maioria dos materiais sólidos, os átomos tendem a se organizar em estruturas cristalinas. Esse conceito é muito utilizado quando os materiais apresentam uma única fase, ou seja, quando possuem apenas um arranjo cristalográfico em seu interior. Porém, quando os materiais apresentam mais de uma estrutura cristalina, o conceito de fase se torna mais bem aplicado. Você viu na aula 2 que átomos estranhos podem se difundir em determinado material e que isso pode ser feito por meio de interstícios ou pela substituição de um átomo da rede cristalina. Dependendo da maneira com que isso ocorre, pode existir um limite de átomos estranhos (soluto) comportados pela rede cristalina do sólido. A quantidade excedente de soluto se une, formando uma nova fase no material, com outra estrutura cristalina e/ou outra composição química. O limite de átomos que podem ser solubilizados em um solvente é chamado de limite de solubilidade. Relembre um exemplo prático que você viu na aula 2: o café com açúcar. Quando você deseja adoçar seu café, existe um ponto no qual não importa quanto açúcar você colocar, o café não ficará mais doce. Além disso, todo o açúcar excedente ficará no fundo da xícara, o que corresponde à formação de uma segunda fase.

O limite de solubilidade, porém, não é um número constante e, para os sólidos, varia de acordo com o tipo de solubilização (intersticial ou substitucional) e, normalmente, com a temperatura. Muitas vezes também, a solubilidade de um elemento em outro é tão alta que não existe um limite. Assim, qualquer porcentagem de composição entre eles é permitida. É o caso dos materiais formados por cobre e níquel (Cu-Ni). Veja na figura a seguir um diagrama com as fases formadas na mistura Cu-Ni. No eixo x, você observa a composição do material: a esquerda corresponde a 100% de cobre e 0% de níquel. Conforme você avança à direita, a porcentagem de níquel aumenta, enquanto a de cobre diminui. No eixo y, é possível ver a temperatura à qual o material está submetido. Esse tipo de diagrama é chamado de diagrama de fases binário, pois mostra as possíveis fases formadas pela combinação de dois elementos, ou dois compostos.

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AULA 5 – DIAGRAMA DE FASES

Composição (at% Ni) 1600

0

40

20

60

80

100

2800 1500 Liquido

Linha Liquida 1300

Linha Sólida

α+L

2400

B 1200

1100

1000

2200

α

2000

C

0

20

40

Temperatura (ºF)

2600

A

1400 Temperatura (ºC)

1453ºC

60

80

100

Composição (wt% Ni) Figura 47 - Diagrama de fases Cu-Ni. Fonte: Adaptado de Callister (2008).

Analisando o diagrama de fases do sistema Cu – Ni, você pode observar três regiões distintas: » » região líquida: delimitada pela linha vermelha superior, chamada de linha liquidus; » » região α: delimitada pela linha vermelha inferior, chamada de linha solidus; » » região de líquido + α: está entre as duas linhas citadas anteriormente. Para que você compreenda como utilizar um diagrama de fases, observe o material de composição 60% Cu e 40% Ni, marcado com a linha roxa na imagem. No ponto A, o material se encontra a 1.400 ºC e está dentro da região líquida. Isso significa que, para ocorrer a composição química observada, o material deve estar completamente em estado líquido a 1.400 ºC. Se você acompanhar a linha para baixo, diminuindo a temperatura, cruzará com a linha liquidus (ou, em português, linha dos líquidos). Acima dessa linha, tudo é líquido. O ponto B está localizado entre as linhas liquidus e solidus, ou seja, nessa temperatura, o material é formado por uma fase líquida e uma sólida. A fase sólida é denominada α por convenção e, no caso da liga Cu – Ni, corresponde a uma estrutura cristalina do tipo CFC.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Para recordar os tipos de estrutura cristalina, releia a aula 1.

Você já sabe a composição nominal do material (60% Cu e 40% Ni), mas como o ponto B está localizado em uma região onde existe fase sólida e fase líquida, é interessante saber a quantidade e composição de cada fase para determinada temperatura.

5.1.1 Quantidade e composição de cada fase Vamos determinar a quantidade de cada fase presente no material a 1.250 ºC. Para isso, basta traçar uma linha que atravesse o gráfico horizontalmente — na temperatura de interesse e entre as linhas solidus e liquidus. É a chamada linha isoterma. Você pode ver o resultado desse processo na próxima imagem. A intersecção da isoterma com as duas linhas determinará seus limites, que estão representados como C1 e C2, com valores de aproximadamente 33 e 47, respectivamente, o que gera uma reta de comprimento 14. Composição (at% Ni) 1600

0

20

40

60

80

100

2800 1500 1453ºC

Temperatura (ºC)

1300

Linha Sólida

α+L

2400

B 1200

2200

α

1100

1000

2000

0

20

C1 40 C2

60

Composição (wt% Ni)

80

100 (Ni)

Figura 48 - Quantificação das fases líquida e sólida em uma liga de Cu-Ni. Fonte: Adaptado de Callister (2008). 76

Temperatura (ºF)

2600

1400


AULA 5 – DIAGRAMA DE FASES

O cálculo da quantidade das fases líquida e sólida é realizado por meio da regra da alavanca inversa, utilizando os dados da linha que você traçou. Você deve considerar a distância entre o ponto de interesse (B) e a linha solidus para descobrir a porcentagem de fase líquida. Já para calcular a porcentagem de fase sólida, leve em conta a distância entre esse mesmo ponto B e a linha liquidus. Para obter um resultado proporcional, você deve também dividir as secções pelo comprimento da reta traçada. Dessa maneira, as quantidades de líquido (QL) e sólido (QS) podem ser calculadas por:

Ou seja, em 1.250 ºC, o material de composição 60% Cu e 40% Ni apresenta 50% de fase líquida e 50% de fase sólida em seu interior. A temperatura não influencia apenas a quantidade de fases no interior do material. Ela também muda o arranjo de cada fase. A composição final (ou seja, nominal) do material é a soma de todas as fases para qualquer temperatura. Determinar a composição de cada fase para cada temperatura é bastante simples. Você faz isso assim que traça a linha isoterma. Perceba: essa composição corresponde exatamente aos pontos C1 e C2. Observe novamente a imagem que mostra a quantificação de cada fase. A composição da fase líquida é a intersecção da linha isoterma com a linha liquidus, ou seja, 33% de níquel e 67% de cobre. A fase sólida, por sua vez, corresponde à intersecção com a linha solidus e possui 47% de níquel e 53% de cobre. Por fim, volte à primeira figura desta aula e observe atentamente a linha A-C. Se você continuar descendo para além de C, passará o ponto de intersecção com a linha solidus. É aí que todo o material se encontra no estado sólido. A próxima imagem exibe o processo de solidificação de uma liga de composição similar à apresentada. É possível observar a quantidade de fase líquida (L) e sólida (α), assim como a variação de suas respectivas composições, durante a redução da temperatura.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

L (35 Ni) α (46 Ni)

1300

a +

a

b

L (32 Ni) Temperatura (ºC)

L

L (35 Ni)

α (46 Ni)

c

L (24 Ni)

α (43 Ni)

α (43 Ni)

d L (32 Ni) 1200

e α (35 Ni) α

α α α α α L (24 Ni) α α α α α α α α α α α α

α (35 Ni) 1100 20

30

L

40

α

α α 50

Figura 49 - Resfriamento de uma liga Cu-Ni e as fases formadas. Fonte: Callister (2008).

No caso da liga Cu-Ni, a fase α é a única possível para o estado sólido. Porém, nem sempre é assim. Em materiais que não apresentam solubilidade completa, é comum encontrar diferentes fases no estado sólido. O diagrama de fases mais importante para a Engenharia é formado por diversas fases.

5.1.2 Diagrama de fases ferro-carbono Como você viu na aula 2, o carbono é pequeno demais para ocupar posições na rede cristalina do ferro. Isso faz com que ele ocupe sítios interatômicos, reduzindo sua solubilidade na estrutura do metal. O limite de solubilidade do carbono no ferro é muito importante para o desenvolvimento do diagrama de fases desses dois elementos, que você pode observar na imagem adiante. Inicialmente, você pode ficar assustado com a aparente complexidade, mas logo verá que as analogias que você viu anteriormente o ajudarão a compreendê-lo facilmente. Primeiro, note que o eixo x mostra a concentração de carbono do material. Se você for à extrema esquerda do diagrama, onde a concentração de carbono é 0, perceberá que, dependendo da temperatura, existem três diferentes fases sólidas para o ferro. Apenas duas têm importância significativa para a Engenharia. Da temperatura ambiente até 912 ºC, é encontrada a fase α do ferro, também conhecida como ferrita, que possui estrutura cristalina do tipo CCC. De 912 ºC até 1.394 ºC, a fase existente é a γ, conhecida como austenita, que possui estrutura cristalina do tipo CFC. 78


AULA 5 – DIAGRAMA DE FASES

0 1600 1538ºC

Composição (at % C) 10 15

5

25

1493ºC L

1400

2500 γ+L

1394ºC 1200

1147ºC 2.14

γ. Austenite

4.30

2000

1000 γ + Fe3C

912ºC 800

α + γ

Temperatura (ºF)

Temperatura (ºC)

20

1500

727ºC 0.76

600

400

0 (Fe)

0.022 α + Fe3C

a. Ferrite

1

2

3 4 Composição (wt % C)

Cementite (Fe3C)

5

6

1000

6.70

Figura 50 - Diagrama de fases Fe-C. Fonte: Callister (2008).

A parte inferior do diagrama mostra que, em temperatura ambiente, só existem duas fases possíveis para o sistema Fe-C, a fase α (ferrita) e Fe3C (cementita). A combinação dessas duas fases dá origem à microestrutura conhecida como perlita. A figura a seguir mostra uma estrutura perlítica observada em microscópio óptico. A região branca corresponde à ferrita, enquanto a região escura é a cementita.

20 μm Figura 51 - Perlita observada através de microscopia. Fonte: Callister (2008).

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

É importante ressaltar que o diagrama de fases considera uma condição de resfriamento lento, possibilitando que haja difusão dos elementos da liga. Em condições de resfriamento rápido, outras estruturas podem ser encontradas. Essa prática é conhecida como tratamento térmico e pode ser prevista através de diagramas tempo-temperatura-transformação.

Você pode saber um pouco mais sobre tratamento térmico assistindo ao seguinte vídeo: <https://www.youtube.com/watch?v=wPsKDp57mAs>.

Os diagramas de fases representam fases de um material, mas o diagrama ferro-carbono também apresenta dois diferentes materiais usados na Engenharia: o aço e o ferro fundido. A diferença entre eles está na quantidade de carbono contida em cada um e, por consequência, na microestrutura desenvolvida. O aço, em temperatura ambiente, é o material formado entre as composições 0,002% até 2,1% em peso de carbono. É utilizado em vergalhões para construção civil, lataria de carro e diversos outros elementos estruturais. Já o ferro fundido está incluso na faixa de 2,1% até 6,7% e é aplicado, por exemplo, em blocos de motores. Corriqueiramente, as pessoas chamam o aço de ferro, mas os dois materiais são diferentes. Na realidade, o ferro puro quase não possui aplicação para a Engenharia, enquanto o ferro fundido possui aplicações bastante específicas. O aço é o material mais utilizado e importante para os engenheiros.

Você viu que a solubilidade de um material em outro, na maioria dos casos, cai com a temperatura. Isso também ocorre para o carbono no ferro, com o agravante de que o ferro, quando em sua fase austenita, apresenta estrutura CFC, que possui maior solubilidade. Conforme a temperatura é reduzida, além de a solubilidade baixar, o ferro experimenta uma transformação de fase, passando à estrutura CCC. Isso faz com que a solubilidade despenque e boa parte do carbono seja expulsa da estrutura cristalina do ferro, formando a cementita. Observe esse comportamento na próxima imagem, que mostra o resfriamento de um aço contendo 0,76% em peso de carbono.

80


AULA 5 – DIAGRAMA DE FASES

1100

γ

1000

γ + Fe3C

900

Temperatura (ºC)

x 800

γ γ

α α+γ

700

γ γ

727ºC b

α

α 600

Fe3C

500

400

α + Fe3C x’ 0

1.0

2.0

Composição (wt % C) Figura 52 - Resfriamento de um aço ferro-carbono. Fonte: Callister (2008).

A composição exibida, 0,76%, é especial, e chamamos de eutetóide. Nela, o aço passa de uma estrutura austenítica para uma perlífica (formada por ferrita + cementita). Porém, isso é uma exceção à regra, já que se trata de uma composição específica em que uma fase (austenita) se transforma em duas (ferrita + cementita). O que ocorre normalmente é o seguinte: » » transição gradual da fase γ (austenita) para ferrita, quando à esquerda do ponto eutetóide (hipoeutetóide); » » surgimento gradual da fase cementita, quando à direita do ponto eutetóide (hipereutetóide). Para visualizar essa diferença, observe a imagem a seguir, que mostra um aço com composição à direita da eutetóide. Inicialmente, em temperaturas superiores, só existe a fase austenita presente na estrutura e todo o carbono está solubilizado nela. Conforme a temperatura é reduzida, a solubilidade também cai, e o carbono é expulso da estrutura, formando a cementita. Essa primeira cementita formada é chamada na figura de pró eutetóide e recebe esse nome por se formar antes da mudança da estrutura austenita para a estrutura ferrita. Com a queda da temperatura, mais cementita pró eutetóide é formada, até que seja atingida a temperatura de 727 ºC, quando toda austenita se transforma em ferrita e o carbono excedente é expulso, formando mais cementita. A cementita formada após a transformação γ → α é chamada de eutetóide, pois é fruto dessa transformação.

81


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

1100

γ + Fe3C γ

1000

z

γ γ

g

γ

900

Temperatura (ºC)

γ 800

γ

h α+γ O

700

γ

γ

Fe3C

γ

i

Perlita

α 600

α

500 α + Fe3C 400

0

Proeutectoid Eutectoid Fe3C Fe3C z’ 1.0 C 1

2.0

Composição (wt % C) Figura 53 - Resfriamento de um aço-carbono hipereutetóide. Fonte: Callister (2008).

O mesmo raciocínio utilizado para aços hipereutetóides é empregado também para os hipoeutetóides. Estes, porém, formam ferrita pró eutetóide antes da transformação de fases a 727 ºC. Você aprendeu a determinar a quantidade de fases e composição da liga formada por cobre e níquel, lembra? Isso também é possível para o aço. Aproveitando a figura que você acabou de ver, é possível determinar a quantidade de fases e composição dos pontos g, h e i. O ponto g está localizado no campo da austenita, que é a única fase existente para essa temperatura. Já a composição é a nominal do aço, marcada como C1, que corresponde a aproximadamente 1,1 % em peso de carbono, completamente solubilizado na estrutura do ferro. O ponto h, por sua vez, está localizado no campo correspondente à presença de cementita e austenita. Para determinar a quantidade de cada fase, basta utilizar a regra da alavanca inversa. A quantidade de cementita será determinada pela intersecção da isoterma com a linha que separa o campo austenítico dividido pelo comprimento total da linha. As quantidades de cementita pró eutetóide (CP) e austenita (A) podem ser calculadas pelas equações:

82


AULA 5 – DIAGRAMA DE FASES

em que 6,7 é a composição máxima de cementita. Já a composição de cada fase é determinada pela intersecção da linha isoterma com o campo da respectiva fase ─ nesse caso, da austenita ─, que tem 0,97% de peso de carbono. 1100

P γ + Fe3C

1000

γ

z g

Temperatura (ºC)

900

800

h α γ

700

O

6,7

i

α

600

500

400 0 CF

α + Fe3C z¹

Caus

1.0

2.0

C1 Composição (em % de massa de C) Figura 54 - Fases do aço em diferentes temperaturas. Fonte: Adaptado de Callister (2008).

Quando a temperatura é reduzida até o ponto i, a austenita já deu lugar à ferrita. As fases podem novamente ser calculadas através da regra da alavanca inversa e sua composição corresponderá ao cruzamento com o campo α, marcado na figura como CF. Apesar de mais corriqueiro para os metais, os diagramas de fase também podem ser vistos em materiais cerâmicos.

83


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

5.1.3 Diagrama de fases em materiais cerâmicos A grande diferença entre os materiais cerâmicos e os metálicos é que, por possuírem ligações definidas, os diagramas não são comumente exibidos em termos de elementos químicos, mas de compostos. Um exemplo é a zircônia (óxido de zircônio), que pode possuir três diferentes fases, de acordo com a quantidade de óxido adicionado. A imagem a seguir mostra o diagrama para o sistema ZrO2 – CeO2 e as três diferentes fases formadas: monoclínica, tetragonal e cúbica.

2800

Líquida

2400 Cúbica

Temperatura (ºC)

2000 Tetra- Tetragonal

+

1600 gonal

Cúbica

1200 800 400 Mono M’ 0

0 Zr0 2

1050

T

Monoclínica + Cúbica

T T - M’ 20

40

60 mol %

80

100 Ce0 2

Figura 55 - Diagrama de fases ZrO2-CeO2. Fonte: Zhao (2004).

CONCLUSÃO A combinação de diferentes elementos, ou compostos, faz surgir novos materiais (como é o caso da combinação cobre-níquel), e também torna possível modificar a estrutura cristalina dos sólidos. Para que exista um controle sobre o produto das interações entre diferentes elementos, são utilizados os diagramas de fase, que fornecem informações sobre o desenvolvimento das estruturas cristalinas em materiais solidificados sob condições de equilíbrio termodinâmico. Duas propriedades possuem importante papel para a formação de diferentes estruturas: a difusão e a solubilidade, ambas relacionadas à temperatura e às características dos elementos envolvidos no processo. Nesta aula, você aprende a interpretar os diagramas de fase para compreender a formação dessas estruturas. Você também pôde observar a importância do diagrama de fases ferro-carbono, que tem como principal produto o aço. 84


AULA 6 Materiais Metálicos

INTRODUÇÃO Os materiais metálicos são o suporte para o desenvolvimento de elementos estruturais em Engenharia. Mas você sabe quais os principais representantes dos metais aos quais terá de recorrer em sua vida profissional? Você já sabe, com base em aulas anteriores, que os materiais possuem diversas propriedades. Além de conhecê-las, o engenheiro também deve entender a relação entre elas e a metodologia de fabricação dos componentes, para que consiga elaborar um projeto. Você sabe de que material e como são feitos os componentes de um carro? Será que a troca do material, comumente utilizado, por outro, com propriedades superiores, mantém a produção viável? Nesta aula, você conhecerá alguns dos materiais metálicos mais utilizados na Engenharia e os seus principais processos de fabricação.


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

OBJETIVOS Conhecer os principais processos de fabricação dos materiais metálicos e suas aplicações. » » Conhecer as principais ligas metálicas e suas aplicações.

6.1 TIPOS DE MATERIAIS METÁLICOS Como você viu, os materiais metálicos possuem características que os tornam muito importantes para a Engenharia. Sua alta resistência mecânica, aliada à sua confiabilidade e deformação plástica, os tornam campeões para o desenvolvimento de projetos estruturais. Além disso, a alta condutividade térmica e elétrica também são características que tornam esse material atraente. Nessa classe, o material de maior uso na Engenharia é o aço, que pode existir em variadas composições e com diversos elementos ─ além do carbono ─, formando ligas. Mas, por maior que seja o número de elementos de liga adicionados aos aços, um sempre estará lá: o ferro. Assim, dada a sua relevância para os engenheiros, o aço virou um referencial, servindo de base para a classificação dos metais. Você verá agora que eles são divididos em duas categorias: os ferrosos e os não ferrosos.

6.1.2 Metais ferrosos Os metais ferros, como o próprio nome denota, são formados principalmente por ferro. Eles são os mais fabricados e utilizados em Engenharia e possuem diversas composições químicas, o que lhes confere grande variedade de propriedades e também de aplicações. Apesar de serem os principais representantes entre os materiais de Engenharia, sua classificação é feita em apenas duas categorias: aços e ferros fundidos. Os aços, por sua vez, são separados de acordo com sua composição química. Inicialmente, ele é dividido em alta liga e baixa liga, conforme a quantidade de elementos adicionada para a mudança de suas propriedades. Aços que contêm apenas ferro, carbono e/ou pequenas quantidades de outros elementos são chamados baixa liga ou aços-carbono. Os de alta liga possuem grande quantidade de elementos de liga. A figura a seguir exibe como é feita essa divisão.

86


AULA 6 – MATERIAIS METÁLICOS

Aços

Baixaliga

Baixo carbono

Médio carbono

Alta liga

Alto carbono

Figura 56 - Classificação dos aços segundo sua composição. Fonte: Pereira (2014).

É provável que a família de aço alta liga mais conhecida seja a de aços inoxidáveis, conhecidos por sua alta resistência à corrosão. Esses materiais são constituídos por altos teores de cromo (maiores que 11% em massa), e muitos também contêm níquel ou molibdênio. Já os aços-carbono (ou baixa liga) são representantes de peso em projetos estruturais. Eles são encontrados, por exemplo, em vergalhões utilizados na construção civil e também são utilizados na fabricação dos mais variados utensílios. Os aços são materiais que contêm até 2,1% em peso de carbono. Aços baixa liga raramente ultrapassam 1%, pois esse elemento possui dois efeitos contrários na liga de ferro: o aumento da resistência máxima e a redução da ductilidade. Essas duas características fazem com que seja necessário classificar os aços-carbono em três categorias, de acordo com suas composições. » » Aços baixo carbono: são compostos de menos de 0,25% em massa de carbono. Por isso, permitem maiores níveis de deformação plástica, com o revés de possuírem menor resistência mecânica quando comparados às outras categorias.

Figura 57 - Porcas fabricadas em aço baixo carbono. Fonte: Shutterstock (2014).

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

» » Aços médio carbono: possuem composição entre 0,25% e 0,6% em massa de carbono. São bastante versáteis e muito utilizados na área estrutural, principalmente na construção civil.

Figura 58 - Vergalhões de aço são fabricados em aço médio carbono. Fonte: Shutterstock (2014).

» » Aços alto carbono: possuem em sua composição mais de 0,6% em massa de carbono. Normalmente, são utilizados com elementos de liga, formando os aços ferramenta, por exemplo. Uma das aplicações é a fabricação de molas.

Figura 59 - Mola fabricada em aço alto carbono. Fonte: Shutterstock (2014).

Quando a quantidade de carbono excede 2,1% em peso, um novo tipo de material é criado, o ferro fundido. Entre os tipos de ferro fundido mais utilizados, estão o cinzento, o branco, o nodular e o maleável. Quantidades muito grandes de carbono tornam o material (formado por cementita + perlita) muito frágil. Para corrigir isso, normalmente adiciona-se silício à liga, fazendo com que seja precipitado grafite (carbono puro) ao invés de cementita (Fe3C). Em quantidades de 2,5 a 4% em peso de carbono e de 1 a 3% em peso de silício, forma-se o ferro fundido cinzento. Nesse material, o grafite, normalmente, está presente na microestrutura em forma de flocos. Isso faz com que esse material apresente uma propriedade bastante atraente para 88


AULA 6 – MATERIAIS METÁLICOS

a indústria automotiva: o amortecimento de vibrações. Essa característica torna o material a escolha certa para a fabricação de diversos componentes automotivos – por exemplo, os motores –, mesmo que suas propriedades térmicas e sua resistência mecânica não sejam tão boas.

Figura 60 - Bloco de motor de carro. Fonte: Shutterstock (2014).

Ao adicionar magnésio e/ou cério ao ferro fundido cinzento, os precipitados de grafite tendem a formar nódulos, ou esferas, dando origem ao ferro fundido nodular, que possui maior ductilidade do que o cinzento. A figura a seguir compara a microestrutura dos ferros fundidos cinzento e nodular, respectivamente. As regiões pretas correspondem ao grafite.

Figura 61 - (a) Ferro fundido cinzento. (b) Ferro fundido nodular. Fonte: Callister (2008).

Para a fabricação de ferro fundido branco, a quantidade de silício é reduzida a menos de 1% em peso e é utilizado resfriamento rápido, não permitindo a formação de grafite. Isso faz com que seja mantida uma estrutura com presença de cementita, o que torna o material duro e quebradiço.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Por ser um material muito frágil, as aplicações do ferro fundido branco são muito específicas, mas é através dele que outro material é fabricado: o ferro fundido maleável. Através da exposição do ferro fundido branco a temperaturas entre 800 e 900 ºC em longos intervalos de tempo, a cementita se decompõe em regiões de grafita. Apesar de o aço e o ferro fundido serem muito usados na Engenharia, diversos produtos e equipamentos não seriam viáveis sem a utilização de outros metais: os não ferrosos.

6.2.2 Metais não ferrosos Como o nome sugere, essa classe de metais possui sua composição majoritariamente formada por outros elementos que não o ferro. A aplicação de materiais não ferrosos é normalmente atrelada a circunstâncias que exigem propriedades que não são muito bem atendidas pelo aço. A fabricação de condutores elétricos é um exemplo. Fios e cabos, comumente, são feitos de cobre ou alumínio, enquanto os contatos eletrônicos costumam ser fabricados em prata ou ouro.

Figura 62 - Fios de cobre para a condução elétrica. Fonte: Shutterstock (2014).

Mas não são apenas as propriedades elétricas que fazem do cobre um metal interessante. Quando ligado ao zinco, ele forma os latões, que são ligas facilmente deformáveis e que possuem boa resistência à corrosão. Além do latão, outra liga formada pelo cobre é o bronze, que é combinação desse elemento com diversos outros, como alumínio, níquel e estanho. Os bronzes costumam apresentar resistência mecânica superior aos latões, porém com uma menor resistência à corrosão. Outro metal não ferroso muito explorado na Engenharia é o alumínio, que possui baixos valores de densidade (quando puro 2,7g/cm³). Por esse motivo, ele está intimamente ligado ao desenvolvimento de um setor industrial: o aeronáutico.

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AULA 6 – MATERIAIS METÁLICOS

As primeiras aeronaves inventadas eram fabricadas em madeira e enfrentavam muitos desafios tecnológicos. Foi durante a primeira guerra mundial que os aviões alemães começaram a ser produzidos com ligas de alumínio — mais especificamente a liga denominada “duralumínio”, composta de alumínio, cobre, magnésio e manganês. A partir desse momento, foi dada a largada para o desenvolvimento da aviação comercial ao redor do mundo.

Figura 63 - O desenvolvimento aeronáutico não seria viável sem o alumínio. Fonte: Shutterstock (2014).

Além da baixa densidade, o alumínio também apresenta outra característica desejável: a alta ductilidade. Isso permite a produção, por exemplo, de latas e do papel alumínio usado para embrulhar alimentos. O titânio, assim como suas ligas, é outro metal não ferroso muito utilizado na Engenharia. Puro, ele é usado, por exemplo, em implantes dentários. Já as ligas, por sua elevada resistência mecânica, possuem diversas aplicações nobres, como no setor aeroespacial. A liga mais conhecida é formada através da composição molar: Ti-6Al-4V.

6.2 PROCESSOS DE FABRICAÇÃO DE MATERIAIS METÁLICOS Sem uma aplicação, um material desenvolvido não possui utilidade para a sociedade. Para que se torne um produto, é necessário que ele passe por processos de fabricação, que podem ser realizados tanto a partir do estado sólido quanto do estado líquido.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

6.2.1Fundição É uma técnica que consiste em dar forma ao que se deseja ao derramar o metal líquido em um molde, que definirá a forma final do material solidificado. A fundição é utilizada preferencialmente quando o componente a ser fabricado possui geometrias complexas ou grandes dimensões, respeitando sempre os critérios econômicos envolvidos. Você conhecerá a seguir alguns dos processos de fundição mais conhecidos. 1) Fundição contínua: é um processamento primário, ou seja, dele sai matéria-prima para que outros processos sejam realizados. Após fundido, o aço é despejado (vazado) em funis que fazem com que ele adquira a forma de barra durante sua solidificação. Essas barras são contínuas e são chamadas de tarugos ou lingotes, dependendo do seu comprimento. A figura mostra a fundição contínua em uma aciaria.

Figura 64 - Fundição contínua. Fonte: Shutterstock (2014).

2) Fundição em molde de areia: nessa técnica, é confeccionado um molde em areia compactada, no qual o metal fundido será depositado. A cada peça ou conjunto de peças produzido, o molde é refeito. 3) Fundição em molde permanente: como o nome sugere, a diferença desse processo para o anterior é a durabilidade do molde. Enquanto o de areia é destruído ao final de cada processamento, o molde permanente é mantido. Esse tipo de técnica é empregado apenas em metais com baixa temperatura de fusão, como o alumínio (660 ºC). A fusão não é o único processo que envolve a fabricação de um objeto a partir do metal líquido. Outro procedimento que você deve conhecer é a soldagem.

6.2.2 Soldagem Esta técnica também envolve a fusão de materiais, mas ao contrário da anterior, que produz uma peça, a soldagem é a união entre peças, formando um novo objeto.

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AULA 6 – MATERIAIS METÁLICOS

Nem sempre a soldagem é uma técnica de fabricação. Muitas vezes, ela é utilizada apenas para recuperar ou reparar componentes já fabricados.

Durante a soldagem, duas ou mais peças são unidas por uma região fundida que, ao solidificar, garante a estabilidade estrutural do novo componente. O local onde o metal foi tornado líquido representa uma descontinuidade microestrutural para o material e recebe o nome de cordão de solda, mostrado na figura a seguir.

Figura 65 - Cordão de solda. Fonte: Shutterstock (2014).

O material que forma o cordão de solda separa as técnicas de soldagem em duas: » » soldagem autógena: as peças a serem soldadas são aquecidas e fundidas localmente, formando um cordão de solda com seu próprio material; » » soldagem com metal de adição: um metal externo às peças (de mesma composição ou não) é fundido na região onde a solda é realizada, promovendo a adição de material ao componente final. A maneira com que é realizada a fusão dos materiais do cordão de solda também divide os processos de soldagem em duas categorias: por combustão ou por arco voltaico.

O arco voltaico é formado por meio da ionização de gases, dando origem ao plasma, que possui tanta energia térmica que é capaz de fundir metais. Os relâmpagos são exemplos práticos de gás ionizado.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Entre os processos que utilizam arco voltaico, três são os mais utilizados na Engenharia. 1) Eletrodo revestido: nesse tipo de técnica, é criada uma diferença de potencial entre a peça que se deseja soldar e um eletrodo, para que seja formado um arco voltaico que fundirá tanto o metal de adição (presente no eletrodo) quanto o metal de base (que constitui a peça). A figura adiante mostra os elementos presentes durante o procedimento.

Arame (alma) do Eletrodo Revestimento Gases de Proteção

Escória Penetração

Metal de Solda

Metal de Solda Fundido

Cratera Metal de Base

Figura 66 - Soldagem com eletrodo revestido. Fonte: ESAB (2014).

O nome “eletrodo revestido” vem do revestimento aplicado ao metal que constitui o eletrodo. Tanto o metal quanto o revestimento são consumidos durante o processo, e o primeiro será adicionado à peça (metal de adição). O eletrodo é projetado dessa maneira para que, durante a formação do arco voltaico, sejam formados gases inertes oriundos da queima do revestimento, que protegem a poça de metal fundido da oxidação. Outra importante característica da maioria dos processos de soldagem é a formação de uma camada, normalmente óxida, sobre o metal soldado. Essa carapaça, bastante quebradiça, é removida após o processamento e recebe o nome de escória. A grande vantagem de utilizar o processo com eletrodos revestidos é a sua versatilidade e o baixo custo do equipamento. As desvantagens, por sua vez, são a baixa produtividade e a limitação à habilidade do soldador, já que essa é uma técnica não automatizada. A imagem a seguir mostra um equipamento para soldagem com eletrodos revestidos.

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AULA 6 – MATERIAIS METÁLICOS

Figura 67 - Equipamento para soldagem com eletrodo revestido. Fonte: Shutterstock (2014).

2) TIG: a sigla vem do inglês “Tungsten Inert Gas”. Assim como a técnica anterior, também faz uso de um eletrodo com uma diferença de potencial em relação à peça a ser soldada. A diferença é que aqui o eletrodo, fabricado em tungstênio, não é consumido durante o processo. Isso faz com que seja possível realizar soldas sem a presença de metais de adição (solda autógena), mas também abre espaço para que ele seja adicionado separadamente, sem a presença de corrente elétrica. Para que seja evitada a oxidação da poça de metal fundido durante o processo, é utilizado um gás inerte, o que resulta em soldas sem a presença de escória. As grandes vantagens desse processo são a qualidade final da solda e a possibilidade de automação, uma vez que o metal de adição pode ser adicionado por um carretel. Suas desvantagens são a baixa taxa de deposição de metal de adição e a possibilidade de usar um equipamento mais sofisticado quando comparado à solda por eletrodo revestido.

Tungsten eletrode Shielding gas Filler rod

Shielding gas

Contact tube Cable 1 Shielding gas nozzle Arc

Metal droplet

Weld metal Base metal

Weld pool Figura 68 - Soldagem TIG. Fonte: Kou (2003).

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

3) MIG/MAG: possui características dos dois processos já estudados. As siglas vêm do inglês “Metal Inert Gas” e “Metal Active Gas” e a diferença de um processo pra outro é apenas o gás utilizado. Assim como o processo de eletrodo revestido, os processos MIG/MAG também utilizam eletrodos consumíveis, de onde vem a diferença de potencial necessária para que seja criado o arco voltaico. Já a herança do processo TIG é a proteção da poça fundida através de um fluxo de gás externo.

Alimentação de arame Tocha MIG Arame de soldagem Proteção gasosa

Metal de solda solidificado

+ -

Poça de fusão

Peça Arco elétrico Figura 69 - Soldagem MIG/MAG. Fonte: ESAB (2014).

Por possuir a proteção de um gás, o eletrodo consumível é fabricado apenas do metal de adição, o que faz com que seja possível a utilização de um arame, assim como no processo TIG. Isso torna a soldagem MIG/MAG automatizável, com vantagens como a alta produtividade e o custo operacional relativamente baixo. As desvantagens são o custo do equipamento e a qualidade da solda, que normalmente não é tão boa quanto à do processo TIG. 4) Combustão: nesse tipo de técnica, uma chama é utilizada para produzir energia térmica para a fusão do metal. A combustão é realizada através de uma mistura dos gases oxigênio e acetileno, alcançando temperaturas de até 3.000 ºC. Assim como o processo TIG, é possível realizar soldas com ou sem material de adição. As grandes vantagens do processo por combustão são o baixo custo operacional, a portabilidade do equipamento e a não dependência de energia elétrica. Já as desvantagens residem principalmente no superaquecimento da peça a ser soldada e no risco de acidente com os cilindros de gás.

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AULA 6 – MATERIAIS METÁLICOS

Filler rod

Oxygen/acetylene mixture

Protection envelope Primary combustion

Metal droplet

Slag Weld metal

Base metal

Weld pool

Figura 70 - Solda através de combustão. Fonte: Kou (2003).

Todos os processos vistos até agora necessitaram de metal no estado líquido, mas isso nem sempre é necessário. Os processos de conformação mecânica utilizam os materiais no estado sólido.

6.2.3 Conformação mecânica Conformar significa dar forma. De maneira geral, é isto que se espera dos processos de fabricação dos materiais: formar um objeto ou elemento. Os processos de conformação mecânica possuem uma característica especial, que é a de dar forma a algo sólido a partir de materiais também sólidos. Como você viu na aula 3, diversos metais possuem um comportamento diferenciado: a capacidade de se deformar plasticamente. Essa característica faz com que seja possível produzir objetos metálicos sem a necessidade de alterar seu estado físico. Você se lembra do gráfico tensão x deformação? Relembre observando a figura a seguir. Nela, são exibidos os três pontos principais de deformação: deformação limite de escoamento (εyp), limite de deformação plástica uniforme (εu) e deformação final (εf).

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

σuts

Stress (σ)

σys

εyp

εu

εf

Strain (ε) Figura 71 - Tensão x deformação. Fonte: Best (2014).

Durante a vida útil de determinado objeto ou estrutura, esse gráfico é muito importante para garantir que as tensões impostas ao material não superem a tensão limite de escoamento. Isso faz com que os materiais trabalhem sempre em sua zona de deformação elástica, ou seja, de deformação reversível. Isso, porém, é diferente durante o processo de conformação de metais. Nesse caso, é outra área do gráfico a mais importante: a região de deformação plástica uniforme, ou seja, irreversível. Ela começa no limite de escoamento do material e vai até sua tensão máxima. A região elástica não deve ser desconsiderada, afinal, o material apresentará esse tipo de deformação antes de sofrer a definitiva. Quando a carga for retirada, entretanto, um pouco da deformação será perdida. Esse comportamento é conhecido como recuperação elástica e deve ser descontado em processos de conformação mecânica.

A maioria dos metais, quando deformados plasticamente, passa por um fenômeno chamado de encruamento. Como os átomos são trocados de posição durante a deformação plástica, formamse muitas discordâncias, que vão tornado o material cada vez mais resistente, até que se atinja o ápice da curva tensão x deformação. Por esse motivo, é tão importante que a região plástica seja conhecida durante os processos de conformação.

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AULA 6 – MATERIAIS METÁLICOS

Você provavelmente já experimentou o fenômeno de encruamento de um material ao tentar partir um clipe ou um pedaço de arame metálico. O movimento de dobrar o metal de um lado para o outro gera discordâncias, que fazem com que fique cada vez mais difícil de dobrar o objeto. Por fim, o número de discordâncias é tão grande que o arame se parte.

Como o encruamento é uma característica intrínseca de cada metal, e muitos deles são fragilizados rapidamente por esse fenômeno, é necessário utilizar algum artifício que permita que a maioria dos metais possa ser conformada mecanicamente. Isso é feito através do aumento da temperatura de processamento, criando processos a quente, morno e a frio. Os processos de conformação mecânica recebem diversos nomes, de acordo com a variação do tipo de esforço e as particularidades envolvidas. Uma dessas particularidades é o objeto utilizado para dar forma ao material, que, para cada processo, possui um nome específico. Veja as quatro categorias mais utilizadas entre os metais. 1) Laminação: esse tipo de processamento é utilizado na obtenção de perfis ou chapas metálicas. Nele, o metal é comprimido entre dois cilindros, que giram em sentidos opostos e com mesma velocidade. Uma boa analogia para o processo de laminação são as máquinas que extraem o caldo da cana-de-açúcar, em que ela entra com um diâmetro maior que a distância entre os cilindros e é comprimida, fazendo com que seu suco seja extraído. No caso dos metais, a matéria-prima pode ser um tarugo proveniente da fusão contínua ou então uma chapa que já sofreu um processo de laminação anterior. A espessura e geometria da chapa dependerão da distância entre os cilindros, da recuperação elástica do material e da geometria dos cilindros de laminação. R

Espessura inicial h0

Espessura inicial hf

Espessura inicial b0

Espessura inicial bf

Figura 72 - Processo de laminação. Fonte: Bresciani (2011).

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

2) Extrusão: nem sempre a laminação é capaz de gerar perfis com as geometrias necessárias. Nesses casos, é utilizada a técnica da extrusão, que consiste em comprimir um tarugo de metal contra uma ferramenta que possui um furo (fieira). Essa compressão faz com que o material escoe por deformação plástica, transpassando o furo. A força necessária para que isso ocorra é fornecida por um pistão. Como o atrito e as tensões envolvidas são muito elevadas, esse processo é sempre realizado a quente, de modo que o material processado esteja mais dúctil. Recipiente da extrusão Ferramenta

Pistão

Tarugo

Barra extrudada

Figura 73 - Processo de extrusão. Fonte: Bresciani (2011).

3) Trefilação: pode ser visto como um processo contrário à extrusão. Nele, o metal também é forçado a passar por uma ferramenta com um furo. A diferença é que, na trefilação, o material é puxado através do furo, gerando tensões trativas após a passagem pela fieira e compressivas durante a redução de secção do material. Esse tipo de técnica é muito utilizado na fabricação de arames, fios e tubos delgados.

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AULA 6 – MATERIAIS METÁLICOS

FIEIRA

D

1

D

i

F10

Di Df

ZONA DE DEFORMAÇÃO PLÁSTICA

σc

= DIÂMETRO INICIAL = DIÂMETRO FINAL

MOVIMENTO DO FIO

σT

σc

σT = σC =

TENSÃO DE TRAÇÃO TENSÃO DE COMPRESSÃO

Figura 74 - Processo de trefilação. Fonte: Bresciani (2011).

4) Forjamento: consiste em deformar um corpo através da aplicação de forças compressivas lenta ou rapidamente. O processo de forjamento também depende da liberdade que o corpo possui para se deformar. Quando o metal não possui barreiras físicas para a sua deformação, o forjamento é dito livre. Quando ele está inserido em um molde com a geometria final da peça, dizemos que há forjamento em matriz. A figura a seguir mostra exemplos dos dois tipos.

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Figura 75 - Diferentes forjamentos. (a) FORJAMENTO LIVRE (b) FORJAMENTO EM MATRIZ Fonte: Bresciani (2011).

Se você observar a figura, verá que o forjamento livre se assemelha muito a um ensaio de compressão. Na realidade, o ensaio de compressão, quando aplicado a materiais dúcteis, pode ser considerado um processo de forjamento por prensagem (em baixa velocidade). Outro exemplo de forjamento livre é a confecção de espadas. Nesse processo, o ferreiro utiliza um martelo para conformar o aço aquecido. Nem sempre e possível dar forma aos materiais através de deformação plástica, tampouco pela mudança de estado físico do metal. Muitas vezes é necessário que sejam realizados procedimentos que retiram massa dos componentes – são os chamados processos de usinagem.

6.2.4 Usinagem Os processos de usinagem são aqueles em que a peça final é obtida por meio da remoção de material de determinado componente. Para que o material seja removido, um elemento cortante é colocado em movimento relativo com a peça que se deseja processar. É a chamada ferramenta de corte, que deve ser mais resistente ao desgaste do que aquilo que se deseja cortar. Alguns processos utilizam ferramentas que possuem apenas uma unidade de elemento cortante, tornando possível a descrição da sua geometria. São chamadas de ferramenta de geometria definida. A figura a seguir mostra uma pastilha de usinagem, que é uma ferramenta de geometria definida, normalmente fabricada de widia, também conhecida como metal duro.

102


AULA 6 – MATERIAIS METÁLICOS

Figura 76 - Ferramenta de geometria definida. Fonte: Shutterstock (2014).

Muitas vezes, porém, a ferramenta é composta de diversos elementos cortantes, sendo impossível determinar com exatidão a geometria de cada um. São as chamadas ferramentas de geometria não definida. As lixas, formadas por diversas partículas duras, são um exemplo. Existem diversas maneiras de se remover material, de forma controlada, de volumes sólidos. Entre elas, três se destacam. 1) Torneamento: essa técnica faz uso das ferramentas de geometria definida exibidas na imagem anterior. O processo consiste em rotacionar a peça a ser usinada em torno do seu próprio eixo enquanto a ferramenta de corte avança sobre ela, causando remoção de material. Por depender do movimento de rotação da peça, o processo de torneamento está restrito a sólidos de revolução. A imagem a seguir mostra o aspecto de um torno, equipamento utilizado para realizar esse processo. À esquerda, você pode observar o aparelho responsável por fixar e rotacionar a peça. À direita e acima (elemento mais escuro), está o dispositivo no qual é fixada a ferramenta de corte, que corresponde ao elemento dourado mais próximo da peça.

Figura 77 - Torno. Fonte: Shutterstock (2014).

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CIÊNCIA E TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

Você pode obter uma melhor visualização do processo de torneamento assistindo ao vídeo: <https://www.youtube.com/ watch?v=u5QMiLkHm_Q>.

2) Fresamento: é uma técnica que também utiliza uma ferramenta de geometria definida, conhecida como fresa, que pode ser composta de diversas pastilhas de usinagem. Veja um exemplo na próxima figura.

Figura 78 - Fresa composta de pastilhas de usinagem. Fonte: Shutterstock (2014).

Uma das diferenças entre o torneamento e o fresamento está nos movimentos envolvidos. No torneamento, a peça é colocada em rotação para que sofra desgaste. Já no fresamento, a peça pode permanecer parada ou realizar os movimentos de aproximação da fresa, embora o movimento responsável pela remoção de material seja aplicado apenas à ferramenta. Uma das funções da máquina usada para realizar o fresamento, a fresadora, é confeccionar furos, chanfros e cortes. Não é à toa que ela se se assemelha muito a uma furadeira. Muitas fresas, inclusive, possuem formato bem parecido com o das brocas de furar.

Para visualizar melhor o processo de fresamento e suas diferenças com os processos que você já conhece, assista ao vídeo: <https:// www.youtube.com/watch?v=61HfnkK9Ujk>.

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3) Retificação: é um processo utilizado normalmente como acabamento final aos processos de torneamento e fresamento, que deixam a superfície das peças com diversos desníveis. Ao contrário dos métodos anteriores, a retificação utiliza ferramentas de geometria não definida, chamadas de rebolo, que são formados por diversas partículas duras unidas por um material ligante. Os materiais duros mais encontrados na fabricação de rebolos são o diamante, nitreto de boro cúbico (CBN) e carbeto de silício.

Figura 79 - Rebolos com suporte para fixação. Fonte: Shutterstock (2014).

Para que seja executado o processamento, o rebolo é posto em rotação em torno de seu próprio eixo e, então, em contato com a peça, causando a remoção de material. A retificação pode ser realizada tanto em torno quanto em uma fresadora, sendo necessária apenas a instalação do rebolo.

CONCLUSÃO Por serem extremamente versáteis, os aços são os materiais mais utilizados em Engenharia. Eles podem ser constituídos apenas de ferro e carbono e de outros metais, como cromo e níquel, que formam os aços inoxidáveis. Além do aço, outro material é formado pela interação entre esses dois elementos: os ferros fundidos, que se diferem do aço por possuírem elevados teores de carbono. Outra particularidade é que o carbono forma uma segunda fase no ferro fundido, o grafite, o que garante propriedades distintas quando comparadas à liga solubilizada. Os metais ferrosos são os campeões em uso na Engenharia, mas outras ligas também são importantes, como as de cobre, alumínio e titânio. Com tantos metais disponíveis, é natural que existam diferentes maneiras de fabricar peças a partir deles. A combinação de todos esses processos e metais dá origem a diversas possibilidades de projeto. Selecionar qual técnica e material será usado dependerá de diversos fatores, como 105


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a vida útil do que está sendo projetado, os custos de material e processamento, entre muitos outros fatores. Por isso, é importante conhecer os materiais, suas propriedades e os processos de fabricação para garantir a elaboração de projetos bem-sucedidos.

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