Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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© Copyright 2013 da Laureate. É permitida a reprodução total ou parcial, desde que sejam respeitados os direitos do Autor, conforme determinam a Lei n.º 9.610/98 (Lei do Direito Autoral) e a Constituição Federal, art. 5º, inc. XXVII e XXVIII, "a" e "b". Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Sistema de Bibliotecas da UNIFACS Universidade Salvador - Laureate International Universities)

C672

Coelho, Marcio Desenvolvimento de novos produtos e marcas/ Marcio Coelho - São Paulo: Anhembi Morumbi, 2013. 216 p.; 18,3 x 23,5cm. ISBN 978-85-8344-032-1 1. Gestão da inovação 2. Desenvolvimento de produtos e marcas I. Título. CDD: 658.8




S umário ( 1)O

novo cenário competitivo, 13

1.1 A nova economia, 15 1.1.1 A insignificância das fronteiras, 16 1.1.2 A estrutura organizacional, 17 1.1.3 Diversidade cultural, 18 1.1.4 Responsabilidade social, 19 1.1.5 Pequenas empresas empreendedoras, 20 1.1.6 Necessidades dos clientes, 21

1.2 Forças modeladoras do novo cenário competitivo, 22 1.2.1 Desenvolvimento Tecnológico, 22 1.2.2 A Era da Informação ou a Sociedade do Conhecimento, 23


1.2.3 Alterações nos mercados e na sociedade, 25 1.2.4 Revolução Digital, 27 1.2.5 A sociedade do Conhecimento, 28

( 2)A

inovação como vantagem competitiva, 33 2.1 Gestão do Conhecimento, Criatividade e Inovação: O capital intelectual, 37 2.2 Criatividade e inovação como vantagens competitivas, 43 2.2.1 Aspectos para desenvolver a criatividade e a inovação na empresa, 43

( 3 ) Inovação: Conceitos e Abrangência, 51 3.1 A Tipologia da Inovação Segundo o Fórum de Inovação, 54 3.1.1 A inovação de produtos e serviços, 54 3.1.2 A inovação de processos, 55

3.2 Disseminação de uma inovação, 59 3.3 Forças críticas na inovação, 62 3.4 Vantagens da inovação e pioneirismo, 66 3.5 Riscos da Inovação e Pioneirismo, 69 3.5.1 Altos Riscos, 69 3.5.2 Altos custos, 70

( 4 ) Administrando

a Inovação, 75

4.1 Aspectos que influenciam o Desenvolvimento de Novos Produtos, 78 4.1.1 A taxa de mudança tecnológica, 78


4.1.2 A moda e as tendências, 79 4.1.3 Implicações gerenciais, 80

4.2 Desafios Gerenciais, 82 4.3 Princípios de Desenvolvimento de Produto, 86 ( 5)O

Processo de Desenvolvimento de Novos Produtos, 95 5.1 Selecionando as características dos novos produtos, 97 5.2 Tipos de Novos Produtos, 99 5.2.1 Novos produtos para o mercado, 100 5.2.2 Novas categorias de produtos, 100 5.2.3 Adições a linhas de produtos, 100 5.2.4 Melhorias nos produtos, 101 5.2.5 Reposicionamentos, 101

5.3 O Processo de Desenvolvimento de Novos Produtos, 102 5.3.1 Geração de Ideias, 102 5.3.2 Triagem das ideias, 108

( 6)O

processo de Desenvolvimento de Novos Produtos, 113 6.1 Análise Comercial, 116 6.1.1 Previsão de vendas, 118 6.1.2 Previsão de custos, 119

6.2 Desenvolvimento do Produto, 120 6.2.1 Desenvolvimento de um protótipo, 122 6.2.2 Testes com o protótipo, 122 6.2.3 Desenvolvimento de embalagem e marca, 123


6.2.4 Testes com embalagem, 123 6.2.5 Produção piloto, 123

6.3 Teste de Marketing, 124 6.4 Comercialização, 128 ( 7 ) Selecionando

as características dos novos produtos, 133 7.1 Selecionando as características dos novos produtos, 135 7.2 Nível de Qualidade, 136 7.3 Características do produto, 141 7.4 Design do Produto, 143 7.5 Segurança do Produto, 145 ( 8 ) Decidindo

sobre a Embalagem e o Rótulo do Novo Produto Objetivo, 149 8.1 Embalagem e Rótulo de Novos Produtos, 152 8.1.1 Embalagem, 152 8.1.2 Rótulo, 157

8.2 Críticas à embalagem, 160

Textos Complementares, 165 Texto 1 | Raio X da base da pirâmide, 167 Texto 2 | É você na fita, 176 Texto 3 | A era da mulherização, 181 Texto 4 | Fortunas no celular, 187 Texto 5 | O Triunfo da Toyota, 193 Texto 6 | Xerox, 208




(1)

O novo cenรกrio competitivo



1.1 A nova economia Estamos vivendo numa época sem precedentes em termos de mercado. Esse momento em que a competição entre as empresas aumentou significativamente, e os mercados consumidores tornaram-se mais exigentes, procurando produtos e serviços que ofereçam qualidade, bons preços e atendimento superiores, tem sido denominado Nova Economia. Mas, se existe uma economia denominada “nova”, é porque ela está em contraposição à outra que passamos a chamar de “velha”. O Quadro a seguir ilustra as principais diferenças entre a chamada “velha” e a “nova” economia.


Velha economia

Nova economia

Fronteiras nacionais

São quase insignificantes

Hierarquias rígidas

Informações compartilhadas

População homogênea

Diversidade cultural

Empresa alienada

X

Responsabilidade social

Grandes corporações

Pequenas empresas empreendedoras

Adquirir o que a empresa oferece

Necessidades dos clientes

Fonte: Robbins, 2000, p.5

Como pode ser observado, a forma das empresas competirem e atuarem no mercado foi radicalmente alterada em diversos aspectos.

1.1.1 A insignificância das fronteiras Com a globalização, as empresas passaram a aproveitar o melhor de cada mercado a fim de ganharem agilidade e competitividade. Os mercados da Ásia, por exemplo, mostraram-se como fontes de recursos, tais como matéria-prima e mão de obra barata, o que possibilitou a sobrevivência de diversas empresas que transferiram para lá seus processos de produção. Hoje em dia, o consumidor pode adquirir uma “legítima camisa italiana” que está sendo fabricada na Coreia. Em outras palavras, a localização geográfica de uma fábrica pouco influencia na atuação e na qualidade da marca. dos maiores fabricantes de notebooks do mundo. Situada em

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Outro exemplo que podemos citar refere-se a um

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Taiwan, a fábrica da Quanta oferece equipamentos para marcas conhecidas, como Dell e HP. Logo, a qualidade não está diretamente associada a quem fabrica, muito menos onde se localiza a planta fabril, mas muito mais relacionada aos padrões de qualidade exigidos pela marca que terceiriza esses serviços.


1.1.2 A estrutura organizacional A estrutura organizacional das empresas também foi alterada. Durante boa parte do século XX, as empresas se utilizaram de uma hierarquia rígida para sua estrutura organizacional. A partir dos anos 1980, outras formas mais horizontais de estrutura foram substituindo a anterior, concedendo mais autonomia de decisão ao funcionário, ampliando a comunicação entre os trabalhadores e seus líderes, e transformando o antigo chefe em um líder que orienta, motiva e acompanha os seus liderados. A figura do chefe autoritário, que concentra informação e autoridade, e que dá ordens que deveriam ser supostamente obedecidas sem questionamento, deu lugar ao líder que ouve sugestões, procura informações com sua equipe, utiliza experiência de seus liderados, e discute com eles novas formas para se buscar melhores resultados organizacionais. Veja no texto “Um herói na Microsoft” como uma empresa do porte da Microsoft abre espaço para as ideias de um estagiário.

Um herói na Microsoft

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No fim de março, o então estagiário Breno Moraes, de 22 anos, recebeu um e-mail do americano Joe Peterson, um dos vice-presidentes da Microsoft. Ele nunca havia trocado mensagens com Peterson. O diretor brasileiro da Microsoft, subordinado de Peterson, tampouco: só havia estado com ele para tirar fotos. “Fiquei surpreso”, diz Breno. No texto, Peterson dava-lhe os parabéns por ter aumentado as vendas de um software em 400% naquele mês no Brasil. No fim de junho, Breno foi o primeiro brasileiro a receber o prêmio Hero of the Year of Microsoft (Herói do Ano da Microsoft, em português) pelo feito. Depois disso, Breno começou a ser chamado de “hero” pelos colegas. “Isso só foi possível porque a Microsoft é flexível e dá autonomia para os funcionários”, diz. Apesar da pouca experiência, ele teve a confiança dos chefes para implementar sozinho um novo sistema de pagamento em um site da empresa.


Pôde, inclusive, negociar financiamentos com empresas de cartões de crédito. Antes, os pagamentos só podiam ser feitos à vista, o que levava muitos clientes a desistir da compra. “Os funcionários são desafiados a criar soluções, independentemente da hierarquia”, diz Silvio Baciello, gerente de RH da empresa. Como era de esperar, um ambiente assim é bastante descontraído. Em sua mesa de trabalho, Breno exibe o ingresso de um show da banda The Wailers, que acompanhava o cantor jamaicano Bob Marley. De vez em quando, comete gafes típicas dos distraídos. “Uma vez ele respondeu a um e-mail sobre uma pesquisa interna com cópia para toda a empresa”, diz Ricardo Wagner, chefe de Breno. “Ele é muito engraçado.” No dia de seu aniversário, 16 de agosto, Breno foi contratado como analista de marketing. Agora só falta se formar em Administração. História extraída da reportagem de Maria Laura Neves, da Revista Época Negócios, de 12 ago. 2008. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI5797815259,00-O+MELHOR+RETRATO+DAS+EMPRESAS. html. Acesso em: 09 abr. 2014.

1.1.3 Diversidade cultural Com o aumento das trocas e das negociações entre os países, e o surgimento de diversas marcas globais ao longo do século XX, as empresas passaram a oferecer produtos e serviços padronizados em várias partes do mundo, ao mesmo tempo. Contudo, até mesmo marcas globais precisaram adaptar seus

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produtos e serviços a características específicas em cada mercado em que atuavam. Quando a Nike, fabricante de artigos esportivos, entrou no mercado europeu, descobriu que seus anúncios no estilo norte-americano pareciam muito agressivos. A marca era percebida como algo extremamente ligado à moda. Para “autenticar” sua imagem naquele continente e criar credibilidade nos seus produtos, ela precisou dar relevância aos esportes apreciados pelos europeus, em especial ao futebol.


Diante disso, ela se envolveu ativamente no patrocínio de ligas de futebol juvenil, de clubes locais e de seleções nacionais. Da mesma forma, as empresas precisaram aprender a adaptar-se ao modo de trabalhar de cada uma das culturas onde atuam. No filme “A recém-chegada” (New in Town – 2009), Lucy Hill (Renée Zellweger) é uma poderosa e ambiciosa executiva, apaixonada pelo estilo de vida que leva em Miami - roupas, sapatos, carros e belos homens. Contudo, ambicionando uma promoção em sua empresa, ela tem diante de si um grande desafio: reestruturar uma fábrica, no gélido estado de Minnesota. Com seu modo de vida arrogante, a executiva é recebida com frieza pela população da pequena cidade e, em especial, pelo sindicalista Ted (Harry Connick Jr.), com quem acaba se envolvendo emocionalmente. Embora o filme mostre a diversidade cultural dentro de um mesmo país, situações semelhantes acontecem em empresas que atuam em diversos locais do globo.

1.1.4 Responsabilidade social Durante boa parte do século XX, as empresas tiveram liberdade para se instalarem e extraírem a matéria-prima para suas operações. Nas últimas décadas, porém, elas começaram a ser cobradas pela sociedade para assumirem a sua responsabilidade pelos resultados indesejados da atividade produtiva. Termos como Gestão Ambiental, Ética e Responsabilidade Social Corporativa passaram a mobilizar grupos na sociedade em reuniões de líderes mundiais. O esgotamento de recursos naturais, o desmatamento desenfreado que causa a desertificação de grandes áreas geográficas, a poluição e a degradação do ar, do solo, da água e também sonora, tornaram-se preocupações da sociedade. Esses fenômenos forçaram os governos a promulgarem leis que obrigam as empresas a cuidarem e preservarem a natureza nas áreas em que atuavam.

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civil, e se tornaram temas de debate nos governos, até mesmo


Além disso, os problemas sociais de saúde, educação, violência e segurança, passaram a demandar um envolvimento maior das corporações para resolvê-los, quando se constatou que as organizações, pelo seu poder econômico e financeiro, deveriam devolver à sociedade, por meio de projetos e ações sociais, um pouco daquilo que retiram dela e que lhes proporciona o lucro. Essa abordagem de cunho social passou a ganhar repercussão mundial, e as empresas perceberam nela uma forma de marketing e divulgação da sua marca perante a sociedade. Assim, além de preocuparem-se com produtos inovadores, com lançamentos bem-sucedidos e ações estratégicas que lhe forneçam vantagens competitivas sobre seus concorrentes, as empresas procuram garantir à sociedade um certo envolvimento nos seus problemas e nas demandas sociais.

1.1.5 Pequenas empresas empreendedoras Estamos vivendo a época das pequenas empresas empreendedoras. Embora as grandes empresas continuem atraindo a admiração das pessoas e exercendo importante papel no cenário competitivo, boa parte das inovações que existem no mundo foi desenvolvida ou se iniciaram em pequenas empresas com capacidade criativa. Essa capacidade trouxe um novo desafio para as grandes empresas, que passaram a receber uma concorrência de pequenas empresas mais ágeis

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e que respondem mais rapidamente às necessidades do mercado, roubando expressivas fatias de mercado das grandes corporações. A própria Microsoft, quando explodiu em vendas com o seu programa batizado de MS-DOS, possuía apenas 40 funcionários e 5 anos de fundação. Seu faturamento anual pulou de U$ 400 mil para US$ 16 milhões. Veja o exemplo da VMI, localizada nos arredores de Belo Horizonte, que compete com a Siemens, Hitachi e Philips, na reportagem de Eduardo


Ferraz, da revista Época Negócios (ver Texto 1 no capítulo de Textos complementares).

1.1.6 Necessidades dos clientes As empresas viram surgir diante de si um mercado consumidor cada vez mais exigente. Os consumidores passaram a ter mais acesso e conhecimento sobre as características e utilidades básicas dos produtos oferecidos pelas empresas, passaram a exigir mais qualidade dos fabricantes, e passaram a considerar as ofertas concorrentes antes de decidirem sua compra. Assim, as empresas tiveram que aplicar métodos de pesquisa de mercado para compreender as necessidades, os desejos e as preferências do consumidor. Empresas como a Unilever, uma das maiores empresas do mundo nos ramos de alimentação e limpeza, ou o Grupo Pão de Açúcar, dono de várias bandeiras de supermercados, colocam câmeras na casa dos consumidores, transmitindo, ao vivo, os afazeres domésticos da dona de casa, como lavar, passar e cozinhar. Ou, ainda, destacam um funcionário para acompanhar a família do café da manhã ao futebol pela TV, à noite, anotando cada hábito de consumo que possa servir de referência para a empresa desenvolver produtos e serviços que atendam melhor às necessidades dos consumidores.

da Revista Veja (ver Texto 2 no capítulo de Textos complementares). Não há como negar que, no início do século XX, o cenário competitivo era significativamente diferente do início século XXI, especialmente pelas grandes transformações na maneira das empresas competirem entre si e se posicionarem no mercado. Podemos observar alguns fato-

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• Leia a matéria completa de Adriana Negreiros,


res, os quais chamamos de “forças modeladoras” do novo cenário competitivo. Antes de continuarmos, é importante deixar claro que a principal diferença entre o ambiente mercadológico da atualidade e o de cem anos atrás NÃO está nas mudanças em si, mas sim na velocidade em que elas acontecem. Essa alteração no cenário competitivo, em períodos cada vez mais curtos, tem colocado um desafio ainda maior às organizações: tornarem-se flexíveis e adaptativas, sempre reinventando o modo de fazer e operar os negócios em seu mercado.

1.2 Forças modeladoras do novo cenário competitivo 1.2.1 Desenvolvimento Tecnológico O século XX é considerado por muitos como o “Século do Desenvolvimento Tecnológico”. Tal desenvolvimento aconteceu em uma velocidade sem precedentes na história da humanidade. A ciência, através de suas descobertas, possibilitou o surgimento de diversos tipos de produtos e serviços que

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aumentaram o conforto da população, trouxeram tratamento e cura para doenças fatais; possibilitou o intercâmbio de pessoas, de informação e de produtos por todas as partes do planeta, facilitando a vida de modo geral. Em apenas poucas gerações, as pessoas já podiam se comunicar com facilidade, transportar produtos e encomendas para qualquer parte do planeta, e ter acesso a recursos de saúde e educação que, poucos séculos antes, teria sido privilégio de nobres e monarcas.


Assim, as empresas tiveram que investir no desenvolvimento de novas tecnologias e agregá-las aos seus produtos ou serviços, e estar atentas ao mercado para identificar fontes de inovação e de melhorias a fim de não se tornarem ultrapassadas e perderem sua competitividade. O setor de tecnologia está repleto de histórias como essa. Por exemplo, o Palm era, até poucos anos, um objeto de desejo para qualquer executivo com o seu computador de mão. Ele substituiu um produto que, anteriormente, era o símbolo de status no meio corporativo: a agenda eletrônica. E qual era a melhor marca de agenda eletrônica vendida no Brasil? A Casio. Atualmente, o valor de mercado da empresa é de 1,7 bilhão de dólares; uma ninharia se for comparada aos 39 bilhões de dólares da canadense Research in Motion, fabricante do BlackBerry, que tomou o lugar no coração, na mente - e no bolso - dos executivos. Pressionada, a Palm vendeu 25% da participação a um grupo de investimentos, e diminuiu o número de funcionários. A Kodak perdeu o bonde mais que anunciado da fotografia digital. A Sun Microsystems enfrentou a maior crise de sua história quando empresas como HP, Dell e IBM lançaram servidores menores e mais econômicos.

1.2.2 A Era da Informação ou a Sociedade do Conhecimento que a humanidade está vivendo essa fase que dá nome ao seu livro. A primeira teria sido a onda da Agricultura, na qual as sociedades e as nações desenvolveram-se a partir da posse de terras férteis e próprias para a prática da agricultura. Durante séculos da história da humanidade, as nações e os reinos lutaram entre si por posses de terra e pelo controle de áreas produtivas.

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Alvin Tofler, em “A Terceira Onda” (2001), descreve


A época conhecida como “As Grandes Navegações” ilustra a necessidade que o mundo tinha de realizar expedições a fim de dominar as fontes de produção agrícola ou de riquezas minerais. A segunda onda veio com a introdução da máquina no processo de fabricação e com o fenômeno histórico conhecido como Revolução Industrial. A partir de então, não era necessário possuir uma grande extensão territorial ou uma produção agrícola significativa para se tornar uma grande nação com muito poder. O país que possuía o know-how, ou saber fazer, passou a exercer domínio, não mais baseado na força militar, mas na economia. As empresas que surgiram a partir da Revolução Industrial permitiram que os países industrializados alcançassem a hegemonia sobre os demais que ainda eram produtores apenas de matérias-primas agrícolas e minerais. Estes países tornaram-se fonte de recursos naturais para que as nações industrializadas manufaturassem os bens e os vendessem a preços bem mais altos. Segundo Tofler, a terceira onda veio no século XX, com a sociedade do conhecimento. A nação ou empresa que possui o conhecimento também possui mais poder de influenciar a sociedade do que aquela que possui apenas indústrias e que sabe apenas fabricar bons produtos. Na segunda metade do século, a inovação passou a ser uma das principais diferenças entre as empresas, e a criatividade e a percepção necessárias para inovar Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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começaram a ser buscadas e valorizadas. Contudo, a inovação acontece a partir de cérebros e mentes criativas, e as empresas e/ ou nações que valorizam as ideias e o conhecimento de seus participantes adquirem a possibilidade de se destacarem perante as demais em um cenário altamente competitivo.


1.2.3 Alterações nos mercados e na sociedade Outras áreas que mudaram de forma significativa a partir da última metade do século XX foram a sociedade e o mercado. Na composição da população mundial das últimas décadas, algumas características são comuns: Diminuição no ritmo do crescimento populacional Embora continue a crescer, a população mundial, de modo geral, cresce em ritmo bem menor do que o verificado na chamada “explosão demográfica” da primeira metade do século XX. Enquanto, em 1979, o crescimento era de 2,1% ao ano, atualmente essa taxa não é maior do que 1,3%. Assim, com menos pessoas nascendo, o mercado consumidor vem se tornando menor ao longo das décadas. Contudo, esse dado coloca outro desafio para as empresas, pois o crescimento demográfico não é homogêneo no mundo. A questão é que enquanto a população de países ricos cresce pouco (0,25% ao ano), a população de nações em desenvolvimento aumenta quase cinco vezes mais rapidamente. A evolução demográfica corresponde, portanto, a situações diferentes: nos países desenvolvidos, há a tendência de que a população diminua, ao passo em que, nas nações em desenvolvimento, a população deverá aumentar até 2050. Como exemplo da disparidade, podemos citar nações europeias como Itália, Espanha e Portugal onde a Ao mesmo tempo, a África e o oeste da Ásia têm apresentado grande desenvolvimento populacional. Na metade da década de 1990, a população mundial aumentava num ritmo de 82 milhões de pessoas por ano. Em 2004, a população mundial era de 6,4 bilhões de pessoas e aumentava a uma taxa anual de 1,3%, ou seja, 76 milhões de pessoas por ano.

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população está diminuindo.


Mantendo-se as atuais tendências demográficas, o mundo passará a ter aproximadamente 9 bilhões de habitantes em 2050. Apenas nove países serão responsáveis por metade do crescimento populacional: Índia, Paquistão, Bangladesh, Nigéria, República Democrática do Congo, Uganda, Etiópia, China e Estados Unidos. Com exceção dos EUA, todos os outros países são considerados pobres ou muitos pobres. Assim, nos maiores mercados consumidores da atualidade, haverá menos pessoas nascendo, e as empresas precisarão considerar seriamente a hipótese de entrarem em mercados com muitas pessoas que, porém, têm pouco poder aquisitivo. Aumento na expectativa de vida das pessoas No Brasil, a expectativa de vida passou de 72,86 anos para 73,17 anos entre 2008 e 2009, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar dos avanços nos últimos anos, a expectativa de vida do brasileiro continua abaixo de outros países em desenvolvimento, como Venezuela (73,8), Argentina (75,2), México (76,1), Uruguai (76,2) e Chile (78,5). No Japão, a esperança de vida ao nascer é a maior do planeta, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU): de 82,7 anos, seguido pela Islândia, França, Canadá e Noruega. Nos Estados Unidos, a expectativa média de vida é de 79,2 anos. Segundo o IBGE, entre 2000 e 2009, a esperança de vida do brasileiro cresceu 2 anos, 8 meses e 15 dias; porém, Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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nos últimos 30 anos, aumentou 10 anos, 7 meses e 6 dias. Com isso, novos serviços e produtos passaram a ser demandados para uma população cada vez mais idosa e com saúde para continuar consumindo. Muitas empresas recrutam e selecionam pessoas idosas para fazerem parte da sua equipe de atendimento, criando identificação com uma clientela também do mesmo perfil.


Participação ativa da mulher no mercado de trabalho e também no mercado consumidor A partir do movimento de emancipação da mulher, iniciado na década de 1960, a mulher passou a fazer parte do mercado de trabalho, ocupando lugares nos bancos escolares universitários e nas empresas, fazendo os mesmos trabalhos que eram, até então, destinados apenas aos homens. A partir de então, além de trabalhadora, a mulher tornou-se também consumidora. Com isso, nas últimas décadas, aumentou consideravelmente a sua influência no processo de decisão e escolha de produtos e serviços. Segundo a matéria “A era da mulherização” (ver Texto 3 no capítulo de Textos complementares), as mulheres passaram a ditar o modo como as empresas projetam seus produtos. Engenheiros e designers perceberam que é o gosto delas que vai determinar o sucesso ou fracasso de um lançamento.

1.2.4 Revolução Digital A Tecnologia da Informação não é o único avanço significativo do final do século XX, mas, com certeza, revolucionou a maneira de se fazer negócios. A partir da difusão do microchip, que permitiu o desenvolvimento do microcomputador ou dos chamados PCs (Computadores Pessoais), e da disseminação da internet, as pessoas passaram a relacionar-se de maneira diferente com as empresas, e essas, com seus fornecedores, parceiros e clientes. “Fortunas no Celular” (ver Texto 4 no capímitadas para inovação que a internet possibilita. O mundo tornou-se um mundo conectado, no qual as pessoas podem saber o que está acontecendo quase que instantaneamente. O levante popular ocorrido no início de 2011, contra os 30 anos de ditadura no Egito, levou à queda de Mubarak. Uma página criada em uma rede social dizia: “O Egito merece um futuro melhor. No dia 25 de janeiro, nós

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tulo de Textos complementares) mostra as oportunidades ili-


mudaremos nosso país. Ninguém irá nos deter se nós estivermos unidos. A população jovem deve se manifestar agora”. A página teve 100 mil adesões em poucas horas. Ali mesmo, jovens do país inteiro começaram a se mobilizar e a organizar as manifestações que levaram à queda do governo.

1.2.5 A sociedade do Conhecimento Como já foi dito acima, estamos vivendo na chamada “Sociedade do Conhecimento”. Sobre esse assunto, falaremos mais demoradamente na continuidade desse material.

CONCLUSÃO O contexto competitivo dos dias atuais mostra-se significativamente diferente daquele que existia nas primeiras décadas do século XX. As grandes empresas que dominaram o mercado com seus produtos, seu poder de barganha e sua atuação em diversos continentes tiveram que alterar radicalmente sua forma de administrar a fim de não sucumbirem à realidade de um novo mercado, mais dinâmico e muito mais exigente. Empresas como a Sears Reobuck, maior rede de lojas de departamento dos Estados Unidos, com atuação em diversos países, inclusive no Brasil, teve muitas dificuldades para perceber que o mercado estava mudando e que novos concorrentes estavam atendendo melhor as necessidades dos con-

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sumidores que eles próprios. Durante toda a década de 1970, enquanto empresas menores, como o recém-fundado WalMart, prosperavam, a Sears simplesmente os ignorava. A queda da companhia pode ser medida pelo valor das suas ações. Em 1972, ela era a 6ª maior companhia do mundo. Em 1982, tinha caído para a 10ª posição, e, dez anos depois, já ocupava a posição de número 81. Em 1987, a Sears, que chegou a ter 12 lojas no Brasil, decide deixar o país.


Nesse caso, a companhia conseguiu sobreviver, e ainda é um dos grandes varejistas nos Estados Unidos, mas outras não tiveram a mesma sorte. Foram atropeladas pela força e rapidez com que o mercado foi alterado nas últimas cinco décadas. Isso exige das empresas uma atenção cada vez maior aos mercados em que opera.

REFERÊNCIAS DECICINO, R. Ritmo de crescimento populacional desacelera. UOL Educação. Disponível em http://educacao.uol.com. br/geografia/ult1701u83.jhtm. Acesso em: 10 jun. 2011. ESPINDULA, F. M. História dos Calçados Esportivos. Disponível

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KOTLER, P.; KELLER, K. L. Administração de Marketing. 12 ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. NEGREIROS, A. É você na fita. Câmeras e pesquisadores instalados na casa do consumidor são as novas armas para o marketing das grandes empresas. Veja. São Paulo, 17 dez. 2003. Disponível

29 O novo cenário competitivo

ge,647908,0.htm. Acesso em: 10 jun. 2011.


em: http://veja.abril.com.br/171203/p_102.html. Acesso em: 09 abr. 2014. ROBBINS, S. P. Administração, Mudanças e Perspectivas. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000. TOFFLER, A. A Terceira Onda. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001. SAPORITO, B. Revista TIME. 30 mar. 1998, p. 34-39. SEGALLA, A.; ZAMBRANA, C. Fortunas no celular. Isto É Dinheiro. São Paulo, 1 abr. 2009.

SUGESTÃO DE LEITURA: CARRANCA, A. A revolução digital: da página do Facebook à queda de Mubarak. Blog Do Front, O Estado de S.Paulo, São Paulo, 11 fev. 2011. Disponível em http://blogs. estadao.com.br/adriana-carranca/a-revolucao-digital-no-egito-da-pagina-no-facebook-a-queda-e-mubarak/. Acesso em: 7 mai. 2011.

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(2)

A inovação como vantagem competitiva



Nessa unidade, iremos desenvolver o conceito de vantagem competitiva nos mercados atuais. Depois demonstraremos como, no cenário competitivo que estudamos na unidade anterior, a capacidade inovadora tem sido uma excelente forma de alcançar e manter uma vantagem sobre os demais concorrentes. Segundo a reportagem “As copias estão mais rápidas”, publicada pela revista Exame em 27 de janeiro de 2005, nas últimas três décadas do século XX, as vantagens competitivas alcançadas pelas empresas que inovaram em algum produto ou serviço tornaram-se cada vez menores, pois os concorrentes facilmente copiavam suas inovações. Atualmente, o desenvolvimento de diversas ferramentas de comunicação facilita ainda mais a disseminação de novas ideias e, consequentemente, a cópia dos produtos inovadores lançados pelos concorrentes.


A rapidez das cópias

Produtos inovadores levam hoje muito menos tempo para ser copiados pelos concorrentes. Veja quanto demora para surgir um produto similar, em diferentes setores. Setores

Tempo de cópia (em meses) 1970

1980

1990

2000

Telecomunicações

37

28

16

9

Indústria de base

39

33

28

19

Bens de consumo

33

28

20

17

Serviços

25

19

16

12

Fonte: E-Consulting Apud Revista Exame 2005

Mesmo assim, a empresa que tem capacidade de identificar oportunidades de mercado, desenvolver e lançar produtos que atendam necessidades de forma superior aos seus concorrentes ganha maior participação de mercado e mantém uma imagem de empresa inovadora perante seu público-alvo.

GLOSSÁRIO Capacidade criativa ou criatividade Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, criatividade é: Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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1. qualidade ou característica de quem ou do que é criativo; 2. inventividade, inteligência e talento, natos ou adquiridos, para criar, inventar, inovar, quer no campo artístico, quer no científico, esportivo etc. Por isso, um dos aspectos, cuja importância aumentou muito nos tempos atuais, é a capacidade criativa da empresa. E por capacidade criativa entende-se a quantidade de cérebros pensantes que as empresas possuem.


No filme “O Pagamento” (Paycheck, título em inglês, direção de John Woo - 2004), o ator Ben Affleck faz o papel de Michael Jennings, um funcionário contratado para copiar e aprimorar os produtos das empresas concorrentes. Depois, para que ele não vendesse o conhecimento adquirido ao desmontar e aprimorar a máquina desenvolvida, a sua memória era apagada. A história ilustra a vantagem de se possuir funcionários criativos, que, além de conceder vantagem competitiva para a empresa que os emprega, coloca uma dificuldade a mais para os concorrentes: como copiar o conhecimento desenvolvido internamente na empresa? A reportagem de Amauri Segalla “O Triunfo da Toyota” (ver Texto 5 no capítulo de Textos complementares) demonstra como a capacidade criativa e engenhosa dos funcionários da montadora japonesa é um dos motivos pelos quais ela desbancou as duas maiores fabricantes de automóveis da história, as norte-americanas Ford e GM.

2.1

Muito se tem falado sobre a importância do capital intelectual das empresas, e sobre a necessidade de se implementar a chamada “gestão do conhecimento” como forma de tornarem-se mais competitivas. Contudo, a aplicação da gestão do conhecimento não é tarefa fácil, e ainda é pouco compreendida pelas empresas.

37 A inovação como vantagem competitiva

G estão do Conhecimento, Criatividade e Inovação: O capital intelectual


A Gestão do Conhecimento parte da seguinte premissa: todas as vezes que você, como individuo, depara-se com um problema a ser resolvido, tem diante de si um desafio. Para superar esse desafio, você busca informações sobre as diversas possibilidades de solução, avalia cada uma delas e escolhe aquela que lhe parece ser a melhor opção. Após resolver o assunto, você adquiriu um conhecimento experimental de grande valor. Contudo, muitas vezes esse conhecimento permanece apenas com você, e por isso mesmo ele tem um valor meramente individual. Vejamos o seguinte exemplo: imagine que você gosta muito de surfar, mas tem bastante dificuldade de encontrar roupas próprias que lhe sirvam e lhe permitam ter uma boa mobilidade, necessária para a prática do esporte. Buscando informações, você descobriu que existe uma roupa de surfista muito apropriada para situações como a sua, mas você teria que importá-la, por si mesmo. Disposto a enfrentar um processo desconhecido até o momento, você vai atrás de escritórios de importação de produtos, providencia toda a documentação necessária e aguarda, ansioso, a chegada da sua encomenda. Quando, enfim, você já está com o produto, a solução do problema de importação lhe permitiu adquirir um conhecimen-

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to sobre o assunto, tal como as tarifas e taxas aduaneiras, os melhores meios de transporte em termos de custo-benefício, e os documentos necessários para o processo. Esse é apenas um exemplo hipotético que utilizamos para ilustrar como o processo de aquisição de um conhecimento vem, muitas vezes, pela experiência própria. Da mesma forma, muitas vezes, no desempenho de suas tarefas dentro da empresa, o trabalhador se vê diante de obstáculos que devem ser superados, problemas a serem resolvidos. Então, ao buscar alternativas para solucionar o impasse, ele escolhe aquela que lhe pareceu ser a melhor opção.


A partir da publicação do livro “A quinta disciplina” de Peter Senge, em 1990, surgiu o conceito de Organizações de Aprendizagem.

GLOSSÁRIO Organizações de Aprendizagem É o processo permanente de criação e disseminação do conhecimento organizacional, visando à adaptação contínua da empresa às mudanças no seu ambiente externo, através de metodologias que facilitem a conversão do conhecimento tácito em conhecimento explícito. Fonte: JONES, 2010 Alguns aspectos precisam ser destacados dessa definição acima: • O aprendizado organizacional não acontece por acaso: ele é fruto de um processo intencional e persistente, iniciado pela alta direção da empresa, que vê na valorização do seu capital intelectual uma das principais ferramentas de competitividade empresarial; que ele adquire no exercício de sua profissão, precisa de um sistema próprio para ser captado, armazenado e distribuído para demais áreas da organização a fim de que seja aproveitado. • Existem dois tipos de conhecimento: o tácito e o explícito. Conhecimento tácito é aquele que o indivíduo tem em sua mente, e que foi adquirido ao longo de toda a sua vida, pela sua formação familiar, profissional, pelo interesse em diversas áreas do conhecimento, e até mesmo pela sua própria experiência de

39 A inovação como vantagem competitiva

• O conhecimento que o funcionário tem, ou aquele


vida (lugares que morou e visitou, cursos extras que fez, clubes e agremiações das quais participou etc.). Esse conhecimento não pode ser medido nem avaliado de forma completa. O conhecimento explícito é, por sua vez, aquele que está registrado, que faz parte dos relatórios, das pesquisas, das análises e que estão em alguma parte dos arquivos da empresa. Esse conhecimento pode ser acessado a qualquer momento, revisado, consultado e utilizado conforme a necessidade. Porém, muitas vezes, o conhecimento tácito poderia ser extremamente útil para a empresa, caso ele fosse revelado e viesse a público, tornando-se um conhecimento explícito. A gestão do conhecimento, portanto, é a disciplina que procura auxiliar a empresa e estimular seus funcionários a colocarem para fora o seu conhecimento tácito, de forma que ele venha a contribuir com ideias, sugestões, críticas, auxiliando no aprimoramento contínuo da organização. Ao procurar gerenciar o conhecimento adquirido e acumulado de seus funcionários, a empresa deverá estimulá-lo a oferecer sugestões e ideias, a registrar as novas soluções e abordagens para velhas situações, e a disseminar esse Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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conhecimento de tal forma que outros funcionários possam aproveitar-se dele, sem a necessidade de terem que “reinventar a roda”. Na reportagem sobre a Toyota, mencionada acima, temos o exemplo de uma empresa que procura incentivar e gerenciar o conhecimento adquirido pelos seus funcionários. Segundo a reportagem, a cada ano, a empresa implementa em todos os seus processos e níveis organizacionais aproximadamente 1 milhão de ideias novas. Essas ideias vêm dos funcionários de qualquer área e de qualquer nível estratégi-


co da corporação. Por isso mesmo, ela é a empresa que mais inova na sua área. Assim, poderíamos sugerir a seguinte definição para Gestão do Conhecimento:

GLOSSÁRIO “Gestão do conhecimento significa organizar e sistematizar, em todos os pontos de contato internos e externos, a capacidade da empresa de captar, gerar, criar, analisar, traduzir, transformar, modelar, armazenar, disseminar, implantar e gerenciar a informação, tanto interna como externa. Essa informação deve ser transformada efetivamente em conhecimento, e distribuída, tornando-se acessível aos interessados.” Fonte: HSM Management 42, janeiro-fevereiro 2004 Além de beneficiar a si própria, a empresa que implementa a Gestão do Conhecimento pode acrescentar ganhos aos seus fornecedores também. Veja novamente, na reportagem sobre a Toyota, o ganho que seus fornecedores tiveram com o conhecimento captado e implantado na companhia.

Saiba Mais Um milhão de ideias A perseguição do que é original pode ser medida em números: a cada ano, a empresa implementa em todos os seus processos e níveis organizacionais aproximadamente 1 milhão de ideias novas, segundo um levantamento realizado por Mathew May, professor durante oito anos da Universidade Toyota e autor do livro The Elegant Solution. Lançada no início do ano, a publicação mergulha nas práticas que tornaram a Toyota uma das empresas mais bem-sucedidas do mundo. De acordo com a análise de May, três princípios básicos formam o que ele chama

A inovação como vantagem competitiva

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de “mágica Toyota”. O primeiro deles é a criatividade. Outras companhias também possuem essa característica, mas poucas atingiram o mesmo grau de inventividade. “A diferença é que a Toyota não busca apenas as respostas, mas acima de tudo está atrás de perguntas”, escreveu o autor. O que os consumidores procuram? Há um jeito melhor de fazer isso? Como posso resolver o problema? Na montadora japonesa, segundo o autor, as respostas são de fato convertidas em ações - numa espiral de criatividade que abrange todos os níveis. Know-How transferido para fornecedores resulta em 700% de aumento da produtividade.

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A sintonia com os fornecedores teve papel vital no crescimento vertiginoso da Toyota nos últimos anos. Diferentemente de GM e Ford, que mantêm uma certa distância de seus parceiros e guardam a sete chaves o conhecimento acumulado, os japoneses promovem a transferência de seu know-how para os fornecedores. Pesquisas realizadas pela Toyota mostram que o compartilhamento do conhecimento cria redes que facilitam a troca de informações, beneficiando os dois lados envolvidos. O venerado sistema Toyota, capaz de tornar as fábricas mais produtivas, não é o único responsável pelo sucesso planetário da marca japonesa. Sua cultura vai além. São muitas as vantagens operacionais sobre General Motors e Ford, para ficar apenas nas líderes mundiais. Entre as décadas de 60 e 90, a empresa japonesa e seus fornecedores aumentaram a produtividade em 700%. É o que revela um estudo de Jeffrey Dyer, professor de estratégia internacional da Marriott School, nos EUA. Para efeito de comparação, no mesmo período, as montadoras americanas e seus parceiros registraram acréscimo de 250% na produtividade. Extraído da reportagem de Amauri Segalla publicada na Revista Época Negócios, edição de 4 de abril de 2007.


2.2 C riatividade e inovação como vantagens competitivas Se o conhecimento que os funcionários possuem é a fonte da inovação e da criatividade que a empresa necessita para manter-se competitiva no mercado, como transformar esse conhecimento em lucro? Afinal, uma vantagem sustentável de uma organização é aquilo que ela coletivamente sabe, a eficiência com que usa o que sabe, e a prontidão com que ela adquire e usa novos conhecimentos. Conforme comentamos acima, a resposta a essa pergunta foi colocada de forma clássica na obra de Peter Senge, “A quinta disciplina”. Contudo, alguns outros aspectos mais simples devem ser considerados.

2.2.1 Aspectos para desenvolver a criatividade e a inovação na empresa 1. Desenvolver uma cultura de inovação Nenhuma empresa torna-se inovadora apenas por Desenvolvimento de Novos Produtos, os conhecidos P&D. Para que a inovação passe a fazer parte da empresa como um todo e ela desfrute do conhecimento que existe em cada uma das áreas corporativas, é necessário começar com o desenvolvimento de uma cultura de inovação. Para se mudar ou se implantar uma cultura nova na empresa, é necessário que haja o compromisso da alta gerência (diretores), compreendendo que a inovação será uma das ferramentas estratégicas da empresa. Depois disso, é preciso desenvolver um sistema de valorização que incentive o sur-

43 A inovação como vantagem competitiva

implantar um departamento de inovação, ou de Pesquisa e


gimento de práticas inovadoras e, finalmente, um modo de celebrar e recompensar as novas práticas, reforçando o novo modelo adotado. Na Xerox do Brasil, por exemplo, houve uma época em que o endividamento dos funcionários preocupava o presidente da empresa no Brasil. Líder nato e que consegue motivar bem a sua equipe, Salles pensava em várias alternativas para solucionar o problema dos funcionários antes que suas dívidas começassem a prejudicar a produtividade deles na empresa. Certo dia, foi almoçar no refeitório da sede da empresa no Rio de Janeiro, e sentou-se num lugar vago ao lado de alguns empregados. Quando um deles questionou o porquê do semblante carregado, Salles expôs o motivo de sua preocupação. O funcionário então sugeriu que a empresa antecipasse os reajustes que daria para os funcionários, com a mensagem de que aquele dinheiro seria para saldar as dívidas, e não para contrair novas, e que o fato não se repetiria na empresa. A ideia agradou tanto o presidente e, também, os diretores, quando consultados sobre a sugestão, que foi imediatamente implantada. Em outra empresa onde a cultura da inovação não

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tivesse sido implantada, algo desse tipo dificilmente teria acontecido. Primeiramente porque o presidente não teria se preocupado com um problema que envia as finanças pessoais dos seus funcionários; além disso, dificilmente uma empresa sem a cultura da inovação iria ouvir uma sugestão vinda de um funcionário, senão daqueles designados ao departamento de inovação. Esse princípio de desenvolver a cultura da inovação está ancorado na crença de que, sem inovação, a empresa terá muitas dificuldades de manter-se competitiva.


2. Estimular a criatividade Toda inovação começa com ideias criativas. E por ideias criativas podemos entender aquelas que levam a um passo além do que já existe. A criatividade não se faz notar apenas pelas grandes inovações, como foi o telefone no final do século XIX, ou o computador, no final do século XX. Pequenas ideias criativas podem ser igualmente úteis para que a empresa mantenha o espírito de inovação aceso, e cultive uma cultura empreendedora de inovação. Durante um processo de reestruturação da área de vendas da Johnson & Johnson do Brasil, um funcionário percebeu que a distribuição e a logística da empresa poderiam reduzir custos se fizessem um acordo com um dos seus principais clientes, o varejista Wal-Mart. O caminhão da rede de supermercados Wal-Mart saía do centro de distribuição de São Paulo levando mercadorias para as lojas em São José dos Campos, no interior paulista, onde fica a fábrica da J&J (Johnson & Johnson) no Brasil. Voltava sempre vazio. A sugestão do pessoal da J&J: por que não passar na fábrica da J&J, também em São José dos Campos, e carregar o caminhão com mercadorias que abasteceriam o centro de distribuição da Wal-Mart E a redução de custos obtida seria compartilhada pelas duas empresas. Há empresas que, para estimular a criatividade e inovação, lança concursos anuais de ideias dos seus funcionários. As ideias vencedoras dos concursos são aplicadas na organização e os funcionários podem ser recompensados com bônus financeiros, entradas gratuitas para shows e teatros, viagens nacionais ou internacionais com direito a acompanhantes etc.

45 A inovação como vantagem competitiva

em São Paulo? Com isso, a J&J economizaria uma viagem.


3. Estar atento aos pequenos detalhes Quando se trata de estimular uma nova cultura na empresa, todo cuidado deve ser envidado pelos diretores, a fim de não passar uma mensagem errada com suas atitudes. Se o objetivo é estimular o funcionário a gerar novas ideias e a pensar com criatividade no seu trabalho, a empresa deve estar disposta a pagar o preço da inovação. Não existe mudança organizacional que não tenha o seu custo, e a criatividade e a inovação só acontecem nas empresas que estão dispostas a conviver com riscos e incertezas. Afinal, não são todas as inovações que dão certo. Por outro lado, a empresa, muitas vezes, não acredita numa ideia nova que acaba se mostrando uma ideia de sucesso. Segundo Jones (2010, p. 304), William Hewlett e David Packard deixaram a Fairchild Semiconductor, uma antiga líder da indústria, quando os dirigentes dessa empresa não apoiaram suas ideias; sua empresa, a HP, logo superou a Fairchild. A Compaq Computer foi fundada por Rod Canion e alguns de seus colegas, que deixaram a Texas Instruments (TI) quando os gestores lá não apoiaram a ideia de Canion, de que a TI deveria desenvolver seu próprio PC.

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4. Valorizar tanto as inovações radicais quanto as incrementais Montar o primeiro PC foi uma ideia radical para a época, e tornou os fundadores da Apple, Steve Jobs e Stephen Wozniak, ricos e famosos. Contudo, pequenas inovações incrementais nas cores, formatos e aplicativos de um computador podem ser importantes e lucrativas - como a decisão de Michael Dell, fundador da Dell Computers, de vender computadores por telefone e, posteriormente, pela internet. Essa inovação incremental o tornou tão famoso quanto Jobs e Wozniak.


Veja a seção Saiba Mais, que fala da experiência da Xerox na administração da criatividade e inovação internas.

Saiba Mais Inovações incrementais na Xerox As pessoas gostam de trabalhar na Xerox pelo fato de terem voz ativa na condução do dia-a-dia. Os empregados são divididos em células, cada uma destinada a uma atividade. Recentemente, uma célula de funcionários da área de finanças conseguiu que o layout do andar onde trabalham - o “mais feio e desorganizado da empresa”, segundo eles - fosse modificado. O trabalho braçal coube ao grupo, que ficou responsável pela nova distribuição do espaço, pela escolha e compra dos móveis e divisórias, pela administração da obra e da mudança, e por dar um fim à mobília que foi trocada. A empresa, é claro, bancou tudo.

Reportagem de Maria Amalia Bernardi, publicada na Revista Exame Edição 647a, em 22/10/1997. 5. Estar aberto para a destruição do atual e a construção do novo Administrar a inovação não é tarefa fácil, pois ideias criativas podem ser geradas em qualquer parte da companhia. Por isso mesmo, os gestores tem que estar prontos e

47 A inovação como vantagem competitiva

Parte dos próprios funcionários tem uma constante busca por novas maneiras de agilizar o atendimento aos clientes. Uma das sugestões aprovadas pela empresa cinco anos atrás foi deixar com cada um dos técnicos um kit básico contendo as peças mais usadas nos consertos das máquinas da Xerox. Dessa forma, eles não precisariam ir ao escritório buscar o material de trabalho - e chegariam mais rápido ao cliente. Os custos também seriam reduzidos, já que os carros da empresa rodariam menos. Ideias boas assim ou desempenhos acima do esperado são sempre premiados pela empresa - com dinheiro, viagens internacionais e nacionais, jantares a dois, elogios em público, autorização para uso do logotipo do prêmio no cartão de visita e em materiais personalizados.


dispostos a abrir mão das velhas formas de gerenciar e dos modelos estabelecidos de solução de problemas, a fim de experimentarem novas abordagens. Afinal, a fonte de conhecimento pode estar oculta nas intuições e nos palpites de pessoas em toda a organização. Para Nonaka (1991), a fonte pode ser uma percepção brilhante de um pesquisador, a intuição de um gerente médio sobre mudanças nas tendências de mercado, ou o conhecimento tácito de um operário de base de fábrica, construído pela sua intensa participação no processo de trabalho ao longo de vários anos. Jones e George (2008, p. 246) citam o exemplo do Wal-Mart que utiliza seus aprendizados e fracassos em um país para promover o aprendizado organizacional global em vários países onde operam.

O Exemplo do Wal-Mart

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Quando o Wal-Mart entrou na Malásia, estava convencida de que os clientes lá reagiriam bem ao seu formato de comprar tudo num único lugar. Descobriu, entretanto, que os malasianos adoram a experiência social de comprar em um mercado ou bazar movimentado, e por isso não gostam da eficiência impessoal da loja Wal-Mart típica. Como resultado, a Wal-Mart aprendeu a importância de conceber layouts de loja para atrair clientes em cada país onde opera.

REFERÊNCIAS BERNARDI, M. A. Xerox. Exame. Ed. 647, 22 jan. 1997. Disponível em http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/647a/ noticias/xerox-m0052189. Acesso em: 10 abr. 2014. JONES, G. R. Teoria das Organizações. 6. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2010.


JONES, G. R.; GEORGE, J. M. Administração Contemporânea. 4. ed. São Paulo: McGrawHill, 2008. NONAKA, I. The knowledge creating company. Harvard Business Review. nov.- dez. 1991. SEGALLA, A. O triunfo da Toyota. Época Negócios, 4 abr. 2007. Disponível em http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDG76927-8382-2,00.html. Acesso em: 08 abr. 2014. SENGE, P. A quinta disciplina. Rio de Janeiro: Best Seller, 2000.

A inovação como vantagem competitiva

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(3)

I novação: Conceitos e Abrangência



Na unidade anterior, verificamos a importância de se criar uma cultura de inovação dentro da empresa. Quando a alta administração se compromete e passa a desenvolver esforços consistentes e constantes na direção de inculcar uma mentalidade inovadora nos funcionários, o administrador terá diante de si um novo desafio: o de administrar a inovação. Nessa unidade, veremos: - Os tipos de inovação possíveis dentro de uma organização; - As categorias de empresas de acordo com a velocidade em que adotam uma inovação; - As cinco forças críticas que indicam que o surgimento de uma inovação radical está para acontecer; e - As vantagens e as desvantagens do pioneirismo.


3.1 A Tipologia da Inovação Segundo o Fórum de Inovação O Fórum de Inovação, consórcio de organizações criado pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP), classifica a inovação em quatro quadrantes: • Inovação de produtos e serviços: desenvolvimento e comercialização de produtos ou serviços novos fundamentados em novas tecnologias, e vinculados à satisfação de necessidades dos clientes; • Inovação de processos: desenvolvimento de novos meios de fabricação de produtos ou de novas formas de relacionamento para a prestação de serviços;

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• Inovação de negócios: desenvolvimento de novos negócios que forneçam uma vantagem competitiva sustentável; • Inovação em gestão: desenvolvimento de novas estruturas de poder e liderança. Para efeito de nosso estudo, vamos nos concentrar nos dois primeiros tipos de inovação.

3.1.1 A inovação de produtos e serviços A inovação de produtos e serviços é o tipo de inovação que é mais percebido pelo mercado consumidor, pois invariavelmente resulta em algo que será lançado e oferecido ao mercado. Mesmo assim, a inovação pode acontecer em pro-


dutos ou serviços que são oferecidos ao mercado empresarial, o conhecido B2B (Business to Business), aquele mercado no qual as empresas vendem para outras empresas. É o caso da indústria de embalagem que, nos últimos anos, vem experimentando significativo avanço em termos de matéria-prima e tecnologia de armazenamento. A empresa Pastagnolli, que fabrica massa caseira, alterou a tradicional embalagem de alumínio para uma feita de papel cartão que pode ir direto ao micro-ondas. As embalagens convencionais obrigam o consumidor a passar o alimento para outro recipiente caso ele deseja esquentá-lo no micro-ondas antes de consumir. Este novo tipo possui um revestimento específico, na parte interna, para receber alimentos. Geralmente as inovações são mais percebidas quando são desenvolvidas para o mercado consumidor, pois são produtos ou serviços que passam a fazer parte do dia a dia das pessoas. É o caso da empresa AprexCorp, da Califórnia, que desenvolveu uma tampa inteligente para pequenos recipientes, como as caixinhas porta-comprimidos. Equipada com pode avisar o proprietário quando ele se esquecer de tomar um comprimido ou, ainda, quando ele estiver, por engano, tomando o mesmo comprimido duas vezes.

3.1.2 A inovação de processos A inovação realizada nos processos refere-se às mudanças que alteram os métodos de fabricar o que a empresa produz. Quando Henry Ford implantou uma esteira em sua linha de montagem, ele aumentou sua produtividade fazendo que os componentes que seriam utilizados para a montagem das peças do automóvel se deslocassem mais rapidamente entre os diversos postos de trabalho. Assim, as peças iam até o operário para serem manipuladas por ele, e não o contrário. Essa

55 Inovação: Conceitos e Abrangência

um chip, relógio com alarme e um pequeno mostrador, ela


foi uma simples inovação no processo de fabricação do automóvel. O produto final não sofreria nenhum tipo de alteração em suas características básicas, mas a esteira permitiu uma redução drástica no tempo despendido nesta tarefa. Um exemplo de inovação em processo que trouxe significativa vantagem competitiva é o modelo instalado na Fábrica de Caminhões e Ônibus que a Volkswagen do Brasil instalou em Resende, interior do estado do Rio de Janeiro, em 1996. Segundo Maximiano (2000), a Volkswagen investiu 4,5 milhões de dólares na fábrica de Resende, como passo inicial de uma estratégia para aumentar para 20% sua participação no mercado de ônibus urbanos no período de um ano. Essa fábrica foi selecionada para aplicar de forma pioneira o conceito de “consórcio modular” de fabricação, no qual os fornecedores instalam módulos de suas fábricas dentro da fábrica “mãe”, no caso, a Volkswagen. Diferentemente do processo tradicional – no qual o fabricante recebe milhares de peças e componentes de seus fornecedores, e encarrega-se de montar

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o ônibus, verificar sua qualidade e vendê-lo aos clientes –, no consórcio modular, os fornecedores instalados dentro da unidade do fabricante são responsáveis por montar partes inteiras do veículo, zelando inclusive pelo seu padrão e controle de qualidade. Assim, a fábrica da Volkswagen, operada no conceito de consórcio modular, estava organizada em sete minifábricas, cada uma operada por um parceiro/fornecedor, conforme mostra a figura a seguir.


Esquema simplificado do Consórcio Modular de Resende - RJ Cabina: Delga Pintura: Eisenmann

Rodas: Michelin

Interior da Cabina:

Chassis: FNV (IMaxian)

Eixos e Suspensão: Rockwell

Motor e Transmiss. Cummins

Assim, nesse exemplo, 7 fornecedores instalaram suas próprias unidades dentro da Fábrica de Caminhões e Ônibus da Volkswagen. No início do processo, a Ioschpe-Maxion dos (e não apenas entregues) pela Rockwell; a Michelan completa a parte de baixo do ônibus instalando as rodas. Uma vez pronta a parte inferior do veículo (eixo, rodas e suspensão), a Cummins começa a instalar o conjunto de motor e transmissão fabricado por ela mesma. Para finalizar, a cabina é fabricada e instalada em três momentos: a Delga fabrica, a Eisenmann pinta e a VDO faz o interior dela instalando os instrumentos e dando o acabamento final. À Volkswagen cabe apenas supervisionar a qualidade da produção e pagar seus fornecedores de acordo com as unidades entregues. Esse é um sistema lógico e simples, mas que revolucionou a forma de fabricar caminhões e ônibus, sendo um dos motivos

57 Inovação: Conceitos e Abrangência

fabrica e entrega o chassi; os eixos e a suspensão são monta-


pelos quais a Volkswagen assumiu a liderança nesse segmento do Brasil. Uma das vantagens desse sistema é a flexibilidade que a empresa tem de alterar seu arranjo de produção, introduzir novos modelos e projetos de produtos, alterar fornecedores, e reduzir custos e riscos na fabricação de seus produtos. Outro exemplo de inovação nos processos foi o desenvolvido pela empresa Riva, com sede em Caxias do Sul, no estado do Rio Grande do Sul. Na produção de uma de suas linhas de produtos de peças de inox e prata, houve redução de quase 15% no consumo de matéria-prima graças a alterações realizadas desde o projeto do produto. O empresário e designer Rubens Simões desenvolveu objetos cujos detalhes utilizam as sobras de aço inox de outros produtos da companhia. Além disso, os novos projetos permitiram um salto de produtividade. Antes, puxadores e alças eram soldados um a um. Agora os desenhos permitem que as peças sejam feitas com uma única chapa, sem emendas. O tempo consumido para a produção desses itens diminuiu 70%. A empresa, fundada em 1988, hoje exporta para França, México, Israel e Grécia.

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Produtos Riva: processo de fabricação inovador reduz custos e uso de matéria-prima.

Linhas de produtos disponíveis em http://www.riva. com.br/portugues/linhas/produto_pop.php?id=104


3.2 D isseminação de uma inovação As empresas precisam administrar a inovação em duas frentes: aquelas inovações que promoverão e oferecerão ao mercado consumidor, como, por exemplo, novos serviços ou produtos, e as inovações que estão sendo oferecidas às empresas como forma de redução de custos e aumento da produtividade. Bateman & Snell (2007) distribuem as empresas em cinco grupos, de acordo com a rapidez na adoção das inovações, conforme a figura: Classificação de adotantes com base no prazo relativo de adoção de inovações

13 1/2% Adotantes imediatos

34% Maioria posterior

16% Retardatários

2 1/2% Inovadores

Prazo para a adoção de inovações

O primeiro grupo é composto pelas empresas consideradas inovadoras, pois são aquelas que desenvolvem os produtos/serviços que não existem e os lançam no mercado, conseguindo assim a chamada “vantagem competitiva” por saírem na frente dos seus concorrentes. Embora haja muita valorização para as empresas inovadoras em um mercado de alta competitividade, esse grupo é formado por apenas 2,5 % do total de empresas.

59 Inovação: Conceitos e Abrangência

34% Maioria imediata


O segundo grupo, formado por 13,5% das empresas, é chamado de adotantes imediatos ou iniciais. Esse grupo é vital para o sucesso da nova tecnologia, porque seus membros são os líderes no mercado em que atuam, e sua opinião pesa muito nas decisões do setor. As empresas que desejam que suas inovações sejam adotadas pelo mercado desenvolvem ações de marketing específicas para gerar entusiasmo nos membros desse grupo. O terceiro grupo é composto por 34% das empresas, e é chamado de maioria imediata ou maioria inicial. Os membros desse grupo levam um pouco mais de tempo para adotar uma inovação em sua área, mas tendem a seguir os líderes de mercado. Geralmente nesse grupo estão as empresas chamadas de “seguidoras da líder”, que aspiram, um dia, tornarem-se líderes de mercado. Em seguida, vem o grupo conhecido por maioria posterior ou maioria tardia, que representa 34% do mercado. Essas empresas demandam mais tempo para adotar a nova tecnologia e, geralmente, o fazem por pressão econômica ou mesmo

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social. Tendem a permanecer utilizando a tecnologia atual pelo maior prazo de tempo possível, visto que já fizeram altos investimentos no passado e querem aproveitar ao máximo o ganho com a tecnologia que já possuem. E, finalmente, o quinto grupo de usuários de tecnologia é formado por 16% das empresas, e é conhecido como o grupo dos retardatários. São extremamente conservadores e desconfiados em relação à inovação e à mudança e, provavelmente, vão adotá-la apenas quando a atual tecnologia não estiver mais disponível. É o caso das antigas máquinas de cartão de crédito que os lojistas utilizavam. Era necessário um formulário com carbono que, quando o cartão de crédito era pressionado por um rolo compressor, “marcava” o carbono com o número do cartão. Após a assinatu-


ra do cliente, o lojista tinha que mandar o comprovante da compra via malote para a operadora de crédito a fim de receber pela venda. Na figura a seguir, é possível visualizar três tipos de tecnologia de máquinas de cartão de crédito. 3 tipos diferentes de tecnologia

A primeira se refere ao exemplo que acabamos de descrever: máquinas manuais cujo comprovante precisa ser enviado fisicamente para a empresa operadora de crédito. A imagem do meio apresenta o modelo de máquina mais utilizado atualmente: a máquina eletrônica que transmite imediatamente as informações da venda para a operadora de crédito e imprime os recibos, tanto do cliente quando do lojista, para comprovar a transação. Muitas delas são por conexão sem fio, permitindo que até mesmo um vendedor ambulante ofereça aos seus cliengem, a da direita, apresenta o futuro do pagamento eletrônico através da tecnologia conhecida como NFC (Near Field Communication, ou comunicação de campo próximo), e o celular equipado com essa tecnologia funcionará como um cartão de crédito, bastando aproximá-lo da máquina de cartão e efetuar o pagamento.

61 Inovação: Conceitos e Abrangência

tes a facilidade de pagamento eletrônico. A terceira ima-


3.3 Forças críticas na inovação Estudos realizados demonstram que o surgimento das inovações obedece a um certo padrão, que a sua observação pode auxiliar o administrador a gerenciar, e até mesmo a prever o surgimento de uma nova tecnologia dominante. Esse padrão é formado por cinco “forças críticas”. Para que uma inovação radical surja no mercado, é preciso que as cinco forças críticas estejam presentes. Vejamos cada uma delas.

1ª Força crítica: O mercado mostra sinais da necessidade (demanda) de nova tecnologia A primeira força crítica necessária para o desenvolvimento de uma inovação é a própria necessidade que existe e que não é atendida pela tecnologia atual. Nesse sentido, diversos fatores podem contribuir para o surgimento ou aumento de uma necessidade. Por exemplo, a necessidade de Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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diminuir o impacto ambiental pela utilização de sacos plásticos como recipientes de lixo leva muitas empresas a investirem seus recursos na pesquisa e desenvolvimento de novas matérias-primas que possibilitem acondicionar o lixo doméstico sem poluir o solo ou as águas. Existem milhares de necessidades presentes em nossas atividades do dia a dia que ainda não são satisfeitas e que, por isso mesmo, podem dar origem a produtos inovadores. Por exemplo, já imaginou você transportando seu corpo de um lugar para outro, em apenas alguns segundos, sem a necessidade de ficar preso por horas a fio no trânsito caótico das grandes cidades? Aí está uma necessidade que todos temos: teletransporte. Contudo, como veremos a seguir, não basta apenas


a identificação de uma necessidade para que uma inovação surja no mercado. É necessário que TODAS as outras forças críticas sejam supridas uma a uma a fim de surgir uma inovação.

2ª Força crítica: O atendimento a esta necessidade deve ser possível (conhecimento) Em outras palavras, deve haver conhecimento científico que possibilite o atendimento dessa necessidade. Esse é o motivo pelo qual muitas necessidades que temos, no dia a dia, continuam sem serem supridas, ou sendo supridas de forma parcial. Por outro lado, somente o atendimento dessa segunda força, a existência do conhecimento científico, ainda não permite o surgimento de uma inovação. Existe muito conhecimento científico que não deu origem a novos produtos ou tecnologias inovadoras, não se convertendo, portanto, em produtos ou serviços disponíveis no mercado, porque as outras forças críticas ainda não puderam ser atendidas. Por exemplo, em 2006, cientistas em Copenhagen, na produtos. Nessa experiência, um objeto de 45 cm foi transporta-

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do por um feixe de luz a uma distância de meio metro. Contudo,

Inovação: Conceitos e Abrangência

Dinamarca, realizaram uma experiência de teletransporte de

esse conhecimento científico tem um longo percurso até tornar-se um produto de prateleira, de forma que as pessoas possam adquiri-lo e utilizá-lo em seu dia a dia. Para que isso aconteça, as próximas etapas da inovação precisam ser vencidas.

3ª Força crítica: Deve existir a capacidade para converter o conhecimento em prática (engenharia e custo) Nesta etapa, o conhecimento científico adquirido e comprovado na etapa anterior precisa virar um protótipo de produto (veremos mais detalhes sobre a utilização de


protótipos nas próximas unidades). Ou seja, é necessário converter esse conhecimento em um produto ou serviço real e, para isso acontecer, é necessário que o projeto da engenharia seja viável. Por exemplo, o conhecimento científico para fazer ligações telefônicas de aparelhos móveis já existia desde 1973, quando Martin Cooper, da Motorola, realizou o primeiro telefonema de um celular. A empresa de telefonia AT&T já discutia o desenvolvimento de telefones sem fio desde 1915. Entretanto, entre os diversos aspectos que precisavam ser desenvolvidos, havia a necessidade de uma bateria portátil que possibilitasse o fornecimento de energia para a utilização do equipamento. Se o aparelho fosse desenvolvido naquela época, o proprietário teria que andar com uma pesada maleta ao seu lado somente para carregar a bateria do aparelho. Neste estágio, tanto a engenharia quanto o custo precisam ser viáveis. Ou seja, não basta saber como construir e fabricar aquele produto (engenharia), mas ele tem que ser viá-

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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vel do ponto de vista do custo para a empresa. Muitas vezes, o produto/serviço sairá tão caro, que a empresa não vê possibilidade de comercializá-lo por aquele preço. Por exemplo, desde meados dos anos 1990, diante da crescente preocupação mundial com o meio ambiente, a General Motors considerava a possibilidade de construir um carro híbrido, movido a gasolina e eletricidade. No entanto, o desenvolvimento da nova tecnologia era custoso, e o produto certamente acarretaria prejuízos financeiros por um longo período. A questão do custo fez com que a companhia desistisse, naquela época, de continuar desenvolvendo a nova tecnologia.


4ª Força crítica: Os recursos necessários para o desenvolvimento da nova tecnologia devem estar disponíveis (trabalho especializado, tempo, espaço...) Uma vez resolvida a questão da engenharia e do custo, é necessário haver possibilidade de fabricação e distribuição do produto. Na etapa da fabricação, é preciso haver fornecedores com capacidade e disposição para entrarem em uma iniciativa na qual existem riscos. O fornecedor de suprimentos para um produto inovador torna-se um parceiro em um negócio que pode ou não dar certo. Muitos fornecedores não têm condições, ou não estão dispostos a correr o risco por um produto que ainda não teve tempo suficiente para demonstrar que será aceito pelo mercado. Além disso, pode ser necessária uma mão de obra especializada para a fabricação de determinado produto, o que envolve custos em recrutamento, seleção e, principalmente, treinamento dessa força de trabalho.

Finalmente, não haverá nenhuma inovação se não houver empresas ou pessoas dispostas a acreditarem no novo produto ou serviço, investirem seu tempo e recursos em uma ideia, com a certeza de que o reconhecimento do mercado e o consequente retorno financeiro virão a seu tempo. Algumas empresas são reconhecidas como empresas inovadoras, e basta uma olhada em seu orçamento anual disponível para a Pesquisa e o Desenvolvimento de novos produtos para concluir que tais empresas tem a inovação com uma de suas estratégias principais. Antes de concluirmos esse material sobre a Administração da Inovação, vale a pena verificarmos as prin-

65 Inovação: Conceitos e Abrangência

5ª. Força crítica: Deve existir iniciativa empreendedora


cipais vantagens e também os riscos das empresas que optam pela inovação com uma vantagem competitiva. Bateman & Snell (2007) listam algumas vantagens e, também, os riscos do pioneirismo.

3.4 Vantagens da inovação e pioneirismo • Pouca ou nenhuma concorrência Quando uma empresa lança um produto/serviço inovador, ela desfrutará de um mercado inteiro somente para ela. Irá operar praticamente sozinha, pelo menos até que os primeiros produtos concorrentes surjam. Até então, a empresa inovadora desfrutará de um mercado sem concorrência, podendo ocupar os melhores espaços, e cobrar preços mais altos a fim de maximizar o tempo de retorno do capital invesDesenvolvimento de novos produtos e marcas

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tido naquela inovação.

• Maior eficiência em custos, preços baixos e mercados mais atrativos Todo processo de produção e venda de um produto ao mercado inclui situações que geram aumento de custos para a organização, como: problemas imprevistos no processo de fabricação, nas matérias-primas, e nos fornecedores, que dificultam a fabricação do produto de acordo com as características estabelecidas pela engenharia do produto; e até mesmo problemas com a sua distribuição. Ao longo do tempo, a empresa inovadora resolverá, aos poucos, os problemas que surgiram na sua fabricação, e con-


vencerá os distribuidores de que o produto é bom e terá aceitação no mercado. Nessa etapa em que as dificuldades iniciais estão sendo equacionadas, a empresa inovadora pode abaixar seu preço de venda quando da entrada de um novo concorrente no mercado sem, contudo, perder muita margem de lucratividade. O novo concorrente, por sua vez, terá que percorrer o mesmo aprendizado da empresa inovadora, arcando com custos altos por problemas diversos no processo de fabricação, problemas com fornecedores de matéria-prima e com os distribuidores. Assim, enquanto os novos entrantes naquele mercado estão às voltas com a necessidade de redução de custos para maximizar seus retornos financeiros, a empresa que lançou o produto já teve tempo suficiente para resolver essas questões, e pode concentrar-se, agora, em buscar mercados mais atrativos, desenvolvendo novas versões dos produtos e oferecendo-as para mercados específicos, como o corporativo ou o de executivos, ou, ainda, para mercados governamentais ou de luxo. Esse é o caso da Apple que, após vender 4,6 milhões de te no natal de 2004, viu entrar no mercado produtos de inúmeras companhias menos famosas, como a coreana iRiver, cujo modelo foi apresentado no começo de janeiro de 2005 por Bill Gates, dono da Microsoft, na mais importante feira de tecnologia do mundo, em Las Vegas. Steve Jobs, presidente da Apple, contra-atacou, lançando, no mesmo mês, um iPod mais barato, para manter-se à frente nas vendas.

• Construção de vantagem sustentável Essa distância que existe entre uma empresa que não inova e a empresa que lançou um produto novo, tratou logo de melhorá-lo e adaptá-lo às necessidades do seu mercado consumidor, e desenvolveu maneiras mais eficazes e eficien-

67 Inovação: Conceitos e Abrangência

aparelhos de reprodução de música digital, o iPod, somen-


tes de produzi-lo e distribui-lo, pode ser chamada de vantagem sustentável. É como se, numa corrida de automóvel, um carro largasse na frente porque sua equipe foi mais rápida em prepará-lo e ajustá-lo para a competição. Os demais concorrentes, tendo largado depois, terão que se esforçar bastante para diminuir a diferença que a primeira equipe conseguiu de vantagem na corrida.

• Reputação de inovador Em mercados altamente competitivos, muitas empresas precisam desenvolver novos produtos a fim de manter sua imagem de empresa moderna, tecnologicamente avançada e inovadora. A centenária Phillips, multinacional holandesa, vem sofrendo dura concorrência de empresas mais novas e presentes há muito menos tempo no cenário internacional, como a japonesa Sony e as coreanas Samsung e LG. No mercado de televisores, ela conseguiu reverter resultados financeiros negativos quando, Baseando-se em pesquisas com seus consumidores, dois anos

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

em 2004, lançou a TV Ambilight, com iluminação nas laterais. 68

depois lançou uma nova versão, a Ambilight 4, e retomou a liderança no segmento. Além disso, a imagem de uma empresa inovadora é renovada na mente do consumidor.

• Estabelecimento de barreiras de entrada Concorrentes que estão pensando em entrar na briga pelo mercado com um produto inovador terão um fator a mais para desestimulá-los: a presença de empresas inovadoras, e que constantemente lançam novos produtos e/ou serviços que já estejam operando nesses mercados. Isso também pode ser entendido como criar “barreiras para a entrada de novos concorrentes”.


• Desenvolvimento do espírito inovador Um dos maiores desafios para uma empresa que pretende ser reconhecida como empresa inovadora está em transformar a sua cultura interna numa cultura voltada para a inovação. Uma pesquisa realizada pela Boston Consulting Group com 940 executivos em 68 países demonstrou que, quando o assunto é inovação, um dos problemas mais citados pelos entrevistados está na dificuldade de criar uma cultura de inovação que vá além da área de pesquisa e desenvolvimento. O Texto Complementar “O Triunfo da Toyota” (ver Texto 5 no capítulo de Textos complementares) demonstra como a empresa implementa mais de um milhão de ideias novas por ano, vindas de seus próprios funcionários, que auxiliam a empresa a lançar novos produtos e a reduzir custos e prazos na fabricação de automóveis.

3.5

3.5.1 Altos Riscos As empresas que decidem por estabelecer a inovação como uma de suas estratégias competitivas estão sujeitas a enfrentar alguns problemas como: a. Inexistência de fornecedores Nesse caso, muitas empresas tem que arcar com custos adicionais fabricando as peças ou componentes necessários para que seu produto final seja montado e esteja disponível para o mercado consumidor;

69 Inovação: Conceitos e Abrangência

R iscos da Inovação e Pioneirismo


b. Problemas imprevisíveis Novos mercados ou novos produtos podem apresentar problemas imprevisíveis, tais como questões internacionais que afetem o fornecimento de matéria-prima ou de suprimentos necessários para seu funcionamento. Foi o caso das oficinas que faziam a adaptação dos motores de automóveis para funcionarem com GNV (Gás Natural Veicular). Em maio de 2006, o presidente da Bolívia Evo Morales ordenou que o exército boliviano invadisse e ocupasse as refinarias de gás que a Petrobras operava na Bolívia. A crise internacional fez com que o mercado desacreditasse com a viabilidade da conversão do motor de gasolina para o movido a gás, fazendo que muitas oficinas deixassem de oferecer esse serviço. c. Pouca aceitação pelo mercado Já comentamos aqui sobre os riscos que as empresas correm de lançar produtos que não são aceitos pelo mercado. A japonesa Sony teve dois grandes sucessos no mercado de games, com os lançamentos do Play Station 1 e do Play

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Station 2. Contudo, quando a versão do Play Station 3 chegou às lojas, ficou acumulada nas prateleiras em função do novo lançamento da Nintendo, o Wii.

3.5.2 Altos custos a. Na educação do consumidor Especialmente se os consumidores não estão acostumados com a nova tecnologia, será necessário que a empresa realize gastos com o chamado marketing educativo. Foi o caso dos primeiros modelos de tocadores de música digital, os chamados MP3. O aparelho mais próximo a um MP3 existente, na época do seu lançamento, era o Discman, mas cujo funcionamento, características e capacidade de armazenamento eram completamente diferentes. Assim, a aceitação de


um novo produto pode depender muito mais da propaganda boca a boca do que dos investimentos em publicidade. Tudo isso exige tempo e recursos da organização. b. No desenvolvimento da tecnologia Pesquisar e desenvolver uma nova tecnologia pode consumir alguns milhões de dólares, dependendo do projeto. Além disso, pode levar muitos anos e envolver muitas pessoas em dedicação integral àquela ideia. c. No desenvolvimento de infraestrutura para apoiar a tecnologia, pode ser necessário desenvolver tecnologias para fabricação de suprimentos ou até mesmo para a distribuição do produto Nem sempre os distribuidores e/ou transportadores estão dispostos a arcar com os custos de adaptação de sua estrutura física para cooperar com a empresa inovadora. O desenvolvimento do motor movido a gás combustível já era realidade muito antes de haver a infraestrutura de abastecia infraestrutura de distribuição desse combustível envolve a descoberta de jazidas de gás, a construção de quilômetros de gasodutos para levar o produto até as refinarias, e, finalmente, a adaptação dos postos de combustível para armazenar e entregar o produto, muitas oficinas instalavam um botijão de gás de cozinha no porta-malas do carro do cliente. d. Custo de aprendizagem Neste custo, estão envolvidos os problemas que surgem durante o desenvolvimento, fabricação e distribuição de um novo produto.

71 Inovação: Conceitos e Abrangência

mento do GNV nos postos de combustível. Contudo, como


REFERÊNCIAS BATEMAN, T.S.; SNELL, S. A. Administração: Liderança & Colaboração no Mundo Competitivo. São Paulo: McGraw-Hill, 2007. MACHADO, A.; TEIXEIRA, C. A. Privatização da Telefonia 10 anos depois. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 9 jul. 2008. MAXIMIANO, A. C. A. Teoria Geral da Administração: da escola científica à competitividade na economia globalizada. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2000. PADUAN, R. As cópias estão mais rápidas. Exame. 27 jan. 2005.

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Inovação: Conceitos e Abrangência

73



(4)

Administrando a Inovação



Na primeira parte desta unidade, verificamos os tipos possíveis de inovação, a classificação das empresas de acordo com a adoção de novas tecnologias, e as cinco forças críticas necessárias para o surgimento de uma inovação que deverá tornar-se o projeto dominante. Vimos também as vantagens e desvantagens para as empresas que resolvem incluir a inovação como uma de suas prioridades estratégicas. Antes de passarmos para a análise do processo de desenvolvimento de novos produtos, é necessário verificarmos os aspectos que influenciam e os desafios gerenciais para a administração do processo de Desenvolvimento de Novos Produtos.


4.1 A spectos que influenciam o Desenvolvimento de Novos Produtos 4.1.1 A taxa de mudança tecnológica A necessidade de se investir em inovação será proporcional à taxa de mudança tecnológica do setor em que a empresa opera. Nos setores em que essa taxa é menor, a empresa pode investir em pesquisa de novas tecnologias mais demoradamente, sem a necessidade de lançar novos produtos com muita frequência, a fim de manter-se na liderança do mercado. Já nos mercados em que essa taxa é muito

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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alta, as empresas possuem diversos processos simultâneos de desenvolvimento de novos produtos, a fim de conseguirem alimentar o mercado com versões mais recentes do produto, ou até mesmo novos produtos diferentes. As maiores empresas do setor cosmético no Brasil, como Natura, Avon e O Boticário, precisam lançar 50 novos produtos a cada ano para continuarem competitivas e não perderem mercado para seus concorrentes. A fim de garantir a sobrevivência da empresa em longo prazo, cada uma delas precisa desenvolver projetos contínuos de novas linhas de produtos e de inovações incrementais nas linhas já existentes. No mercado de aparelhos de telefonia celular, a chinesa Huawei investe US$ 2,3 bilhões em pesquisa e desenvolvimento por ano, e a empresa se orgulha de possuir um contingente de 37 mil funcionários, com o equivalente a 43%


do quadro total ligados à área. A HP (Hewlett-Packard) lança uma nova impressora a cada seis meses. No Brasil, a General Motors lança um novo modelo de carro a cada 3 meses; novos biscoitos são lançados a cada 15 dias, e a Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, lança duas novidades a cada semana. Em contrapartida, em muitos setores industriais básicos, em que o ritmo de mudanças tecnológicas é mais lento, os processos de inovação podem ser desenvolvidos ao longo de vários anos, como, por exemplo, no setor siderúrgico ou de eletricidade. Há muitos anos que produtos como vigas de aço e cabos elétricos são vendidos com pequenas alterações em seus atributos básicos que incluem a resistência do material, o peso e outros aspectos.

4.1.2 A moda e as tendências Quando a inovação passa a fazer parte do conjunto produtos que sejam aceitos e largamente utilizados pelo mercado, é preciso entender a diferença entre moda e tendências. A Moda, ou os modismos, consiste em alterações mais superficiais no comportamento das pessoas e do mercado, e tem como característica serem de curta duração. Durante a vigência de uma moda, o estado final de comportamento do mercado é pouco diferente do inicial. Por exemplo, o design de um carro, após cinco anos, é considerado fora de moda, e poderá perder, por isso, a sua atratividade ao mercado. Já as tendências são alterações mais lentas e profundas que acontecem ao longo de um período maior de tempo e cujo resultado é mais consistente e duradouro. Ao longo dos últimos quarenta anos, algumas tendências vêm sendo confirmadas no mercado brasileiro, como a diminuição do número de filhos por família, o aumento do número de pessoas soltei-

79 Administrando a Inovação

de estratégias da empresa, e ela se preocupa em desenvolver


ras, a utilização de internet para comércio de produtos e serviços, e a utilização das redes sociais como forma de comunicação e mobilização social. Assim, uma determinada rede social pode estar na moda hoje, e amanhã pode ser substituída por outra que ganhe rapidamente adeptos e se torne a rede social com maior número de usuários. Mas a tendência de se continuar utilizando a internet e a informática como forma de comunicação, de comércio e de desenvolvimento de relacionamentos não terá sofrido alteração. Nesse caso, a rede social de nome “XYZ” foi uma moda que passou e foi substituída por outra rede social, mas a utilização de informática como forma de comunicação é uma tendência que deve permanecer se desenvolvendo por muitos anos ainda.

4.1.3 Implicações gerenciais Os investimentos em inovação e lançamento de novos produtos serão proporcionais à exigência do mercado no qual a

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empresa opera. Mercados com altas taxas de mudanças tecnológicas, ou que sofrem grande influência de modas, exigem da empresa maiores índices de desenvolvimento e lançamento de novos produtos, a fim de continuarem disputando seus mercados e permanecerem na mente dos consumidores como marcas a serem consideradas na hora da compra. Empresas que atuam em mercados em que a taxa de mudança tecnológica é menor, ou que não sofrem tanto com a influência de modismos, podem lidar com ciclos maiores de desenvolvimento de novos produtos e preocuparem-se mais com inovações incrementais em seus produtos a fim de manterem-se no mercado. Contudo, o que se tem visto no mercado global é que cada vez mais os setores exigem investimentos em produtos inovadores a fim de saciar a crescente fome por novidades. Evidências demonstram que uma ampla gama de setores exige que os gerentes foquem seus esforços e recursos na


inovação, para aumentar a capacidade de resposta aos clientes. Para atrair novos clientes, as empresas tentam superar umas às outras, sendo as primeiras a comercializar um produto que incorpore uma nova tecnologia. Veja na seção Saiba Mais como a taxa de mudança tecnológica rege a competição entre duas gigantes do setor de microprocessadores.

Saiba Mais

81 Administrando a Inovação

Os microprocessadores da Intel são o cérebro de 85% dos computadores pessoais vendidos no mundo todo. O domínio da Intel nesse ramo pode remontar à decisão da IBM, em 1980, de utilizar o microprocessador Intel 8086 em seu primeiro PC. Desde então, a Intel produziu uma série de microprocessadores cada vez mais potentes, inclusive os chips 286, 386, 486 e o Pentium. Na década de 1990, porém, várias empresas começaram a fazer clones de chips da Intel com o mesmo desempenho e velocidade, mas com preços menores. Uma dessas empresas, a AMD, teve bastante sucesso com essa prática. No passado, a vantagem competitiva da Intel sobre seus concorrentes, como a AMD, residia no tempo entre o lançamento de um novo produto e o lançamento de um similar pelo concorrente. O concorrente não poderia lançar um clone de microprocessador até que ele estivesse no mercado. Contudo, esse tempo veio caindo nas décadas de 1980 e 1990. Quando a Intel lançou seu chip 386 em 1985, a AMD levou cinco anos para alcançar um processador compatível. Para se equiparar à próxima geração da Intel, o 486, a AMD levou apenas três anos. O Pentium da Intel viu surgir um concorrente à altura apenas dois anos depois do seu lançamento. A Intel também aumentou a velocidade de desenvolvimento de novos microprocessadores e lançou o substituto do Pentium, o Pentium Pro, em 1995, na metade do tempo que havia levado para substituir o 486 pelo Pentium. No entanto, a AMD surpreendeu o mercado quando, em 2000, anunciou que estava introduzindo seu novo chip, o Athlon, que era mais rápido que o então mais rápido Pentium da Intel, o Pentium 4. A AMD assumiu a liderança durante vários meses. Entretanto, em agosto de


2001, a Intel anunciou que tinha superado o marco de 2 giga-hertz, dobrando efetivamente a velocidade de seus processadores de computador em apenas 18 meses. Fonte: BATEMAN; SNELL, 2007, pp.673-675.

4.2 D esafios Gerenciais Assim, fica evidente que a empresa que atua num setor em que a competitividade por inovação é maior possui desafios que precisam ser considerados e administrados de forma eficiente. Bateman e Snell (2007) sugerem, pelo menos, quatro desafios principais com os quais o gerente precisa lidar e tirar vantagem competitiva sobre seus concorrentes.

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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1. Reduzir o tempo de desenvolvimento Considera-se que o processo de Desenvolvimento de um novo produto começa com a sua concepção inicial e termina com o seu lançamento no mercado. O tempo que esse processo leva depende de diversos fatores, como os dois que mencionamos acima. Mas cada vez mais se torna fundamental que a organização canalize recursos e esforços para diminuir esse tempo e chegar com uma novidade ao mercado antes que seus concorrentes. Existem três vantagens principais para a empresa que consegue reduzir o seu tempo de desenvolvimento de novos produtos: a. Cobrar preços mais altos e obter maior lucratividade: A empresa que chega primeiro ao mercado, com a última tecnologia agregada ao seu produto, poderá cobrar preços


mais altos pela inovação que somente o seu produto possui. O desenvolvimento da TV de plasma, um tipo de gás que forma as imagens, foi uma das grandes novidades no início dos anos 1990 no Brasil. Quando esse televisor foi lançado, um aparelho chegava a custar R$ 50.000,00. Paralelamente a isso, o LCD, tela de cristal líquido, que já fazia parte de monitores de computador, calculadoras e palm tops, foi embarcado na TV com muito sucesso. Mas essas TVs mais finas, mais leves e mais bonitas eram privilégio de poucos. Com o rápido avanço da tecnologia e o aumento da produção, esse preço foi sendo reduzido, e hoje é possível adquirir uma por R$ 4.000,00. Em abril de 2008, quando os primeiros aparelhos de telefone celular com TV digital chegaram ao mercado brasileiro, foram lançados ao preço de R$ 1.499,00. Hoje, aparelhos com essa tecnologia podem ser encontrados por R$ 599,00.

logo elas estejam disponíveis: Quando a organização con-

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segue diminuir o tempo entre os lançamentos de novos pro-

Administrando a Inovação

b. Incorporar novas tecnologias aos produtos, tão

dutos, ela obtém a vantagem de inserir novas tecnologias em cada lançamento, à medida que elas vão se tornando disponíveis no mercado. Assim, as empresas podem atender as necessidades do mercado com maior rapidez, e construir fidelidade à marca. c. Aprimorar produtos já lançados com maior facilidade, de acordo com as necessidades dos clientes: Os gerentes de empresas inovadoras, que lançam novos produtos com frequência, preferem produzir inovações incrementais em produtos que já estão no mercado a partir de informações e dados coletados diretamente dos seus clientes. Assim, novas versões aprimoradas podem ser lançadas muito mais rapidamente. É o caso, já apresentado na unidade anterior, da tele-


visão Ambilight da Philips que, a partir de pesquisas realizadas com os consumidores, inseriu iluminação nas 4 laterais do aparelho. 2. Maximizar a adequação à necessidade do cliente Um dos principais fatores no sucesso de um novo produto é a adequação entre a engenharia do produto, responsável pela definição dos principais atributos e características técnicas e de desempenho, e a necessidade dos clientes para quem ele foi desenvolvido. Veja a continuação do caso da Intel que desenvolveu microprocessadores ainda mais potentes, mas não percebeu o que os clientes estavam realmente precisando.

Saiba Mais

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Em 2004, a Intel aprimorou o seu processador Pentium 4 acrescentando a tecnologia “HT”, acreditando que o desejo dos clientes era velocidade para o computador. Contudo, esses chips mais rápidos necessitam consumir mais energia, potência e, portanto, geram maior aquecimento. De fato, em 2003, o que os clientes queriam era um chip que pudesse lidar com as necessidades de computadores multimídia, o que exigia melhor vídeo e qualidade do som. O novo Pentium 4 produzia calor demais para ser utilizado em PCs multimídia avançados, bem como em PCs notebook e outros aparelhos sem fio. O chip Pentium não foi desenhado pensando nesse mercado, e a Intel foi forçada a lutar para desenhar novos chips que pudessem ser utilizados nesses aplicativos. Em 2004, a AMD já tinha captado 50% do mercado de chips de PC. Fonte: BATEMAN, SNELL; 2007, p. 675 Não há pior pesadelo para uma empresa do que um novo produto ser rejeitado no mercado depois de terem sido gastos alguns milhões no seu desenvolvimento.


3. Maximizar a viabilidade de fabricação e a eficiência Para reduzir o tempo de fabricação e evitar erros de projeto ou de produção, os engenheiros responsáveis pelo projeto do produto precisam trabalhar em conjunto com os responsáveis pela fabricação do produto. Como veremos adiante, muitas empresas têm organizado equipes multifuncionais para o desenvolvimento de um novo produto a fim de evitar a perda de tempo de um projeto cujos atributos tornam inviável a sua fabricação a custos competitivos. Quando isso acontece, o projeto tem que voltar ao início e ser refeito, a fim de que os custos envolvidos na fabricação estejam dentro de uma viabilidade comercial para aquele produto. Um processo realizado em conjunto com as diversas equipes envolvidas reduzirá consideravelmente o seu tempo total de desenvolvimento.

Um velho ditado popular diz que “a pressa é inimiga

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da perfeição”. As diversas ferramentas de qualidade total,

Administrando a Inovação

4. Maximizar a qualidade do produto

desenvolvidas ao longo das últimas décadas, pretendem aliar a qualidade nos processos administrativos e operacionais à eficiência organizacional de lançar produtos cada vez melhores e em menos tempo. O desafio de alinhar velocidade e qualidade é contínuo. Reduzir o tempo do desenvolvimento e comprometer a qualidade pode significar prejuízos e perda de mercado. Os testes de qualidade e os de mercado precisam levantar dados que auxiliem a empresa a evitar fracassos e insucessos de boas iniciativas que foram apressadamente levadas a efeito. Empresas como a Whirlpool, fabricante de eletrodomésticos de linha branca (fogão, geladeira, máquina de lavar e etc.) equipa a cozinha de grupos de consumidores com protótipos dos seus produtos e, com base no retorno dos clientes durante a experiência, aperfei-


çoa os produtos até lançá-los no mercado. O desenvolvimento da TV com imagens em 3 Dimensões foi objeto de longos estudos e pesquisas de mercado antes de, finalmente, ser anunciado ao mercado. No final de 2003, por exemplo, testes realizados pela Philips com inúmeras famílias demonstraram que muitos membros, sobretudo os filhos, sentiam-se enjoados depois de 15 minutos de exibição. O projeto teve que ser imediatamente revisto.

4.3 P rincípios de Desenvolvimento de Produto Antes

de

passarmos

para

o

Processo

de

Desenvolvimento de Novos Produtos, é importante verificarDesenvolvimento de novos produtos e marcas

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mos 3 princípios essenciais que devem ser observados pela gerência durante todo o processo, a fim de reduzir seu tempo de desenvolvimento e aumentar suas chances de aceitação pelo mercado.

Princípio 1 – Peneira de ideias O processo de desenvolvimento de novos produtos sempre começa com ideias inovadoras, como veremos adiante, ao estudarmos com mais detalhes as diversas etapas pelas quais um novo produto passa antes de chegar ao mercado. Essas ideias podem ser geradas em qualquer parte da empresa, e até mesmo fora dela, como o exemplo abaixo da Procter & Gamble.


Saiba Mais A Procter & Gamble garimpa ideias para inovações no mundo todo. A Procter & Gamble, maior companhia do mundo no mercado de consumo, com 300 marcas próprias, utiliza pesquisadores e institutos externos como fonte de geração de ideias para o desenvolvimento de novos produtos. Por meio de sites especializados, está conectada a 1,8 milhão de pesquisadores espalhados ao redor do mundo, buscando nessa rede soluções prontas, produtos acabados ou tecnologias que permitirão a produção de algo imaginado por suas equipes. Assim, a empresa descobriu numa padaria italiana, comandada por um professor universitário, a tecnologia para imprimir com jato de tinta imagens em alimentos. Pouco depois, a companhia lançou batatas Pringles com desenhos de animais, um sucesso de vendas. Atualmente, metade dos produtos da companhia contém elementos originados fora dela. Essa prática é utilizada em menor escala por empresas como Boeing, Novartis ou IBM.

Muitas empresas desenvolvem programas que incentivam os funcionários, clientes e fornecedores a enviarem ideias de novos produtos e/ou serviços, e recompensam, de alguma forma, essas ideias, caso elas sejam aprovadas e venham a se tornar um lançamento de mercado. Como o volume de ideias para novos produtos e/ou serviços pode ser muito grande, é necessário fazer uma triagem inicial, ou seja, uma peneira. Para essa análise, pode ser muito útil utilizar-se de uma equipe multifuncional que considerará a proposta do ponto de vista de sua adequação à estratégia da organização e da sua viabilidade técnica. As ideias aprovadas nessa primeira peneira passarão por um segundo crivo, a fim de verificar a sua viabilidade a partir da elaboração de um plano de desenvolvimento de

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Fonte: Times que Sonham. Época Negócios – Reportagem de Eduardo Ferraz, de 5 de março de 2008.


produto para cada uma delas. A elaboração desse plano pode levar de 3 a 6 meses, pois precisa considerar aspectos estratégicos e financeiros, e conter uma análise do potencial de mercado do produto; uma lista dos atributos desejados pelos clientes, e dos requisitos tecnológicos, financeiros; e um orçamento e um cronograma detalhados para o seu desenvolvimento. Tudo isso será detalhado na próxima unidade.

Princípio 2 – Evite a monocromia Como já comentamos na unidade 1, por muitas décadas, a tarefa de desenvolver novos produtos ficou restrita a umas poucas pessoas que faziam parte do Departamento chamado P&D – Pesquisa e Desenvolvimento. Contudo, por mais competentes que essas pessoas sejam, esse modelo peca pela limitação do processo de inovação a um grupo muito restrito e homogêneo de pessoas. Esses projetos careciam da visão de outras áreas que contribuem

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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com aspectos importantes para o sucesso do lançamento de um novo produto no mercado. Por isso, o desenvolvimento de novos produtos deve ser tarefa de uma equipe multifuncional em que cada profissional enxergará a ideia a partir de sua experiência e especialidade, evitando uma visão voltada a apenas alguns aspectos, e não à sua totalidade. É nesse sentido que dizemos que o projeto pode ficar muito carregado de uma cor apenas (monocromia), ao passo que ele deve ser multicolorido, de acordo com a visão de outras áreas. Uma equipe multifuncional deve ser composta por, aproximadamente, seis pessoas diretamente envolvidas no processo, e uma segunda leva de profissionais que podem assessorar em algumas etapas, dando suas opiniões como membros consultivos. Contudo, equipes pequenas demais podem sobrecarregar seus integrantes e limitar a visão lançada sobre o projeto a apenas duas ou três áreas diferentes, e


equipes grandes demais podem aumentar o custo do desenvolvimento do produto e dificultar o seu funcionamento. O caso bem-sucedido do refrigerador Brastemp Club que trouxe inovações como um dispositivo que permite apanhar latinhas de cerveja ou refrigerante sem a necessidade de abrir a porta da geladeira, como numa vending machine, é um bom exemplo do sucesso na utilização de equipes multifuncionais. O grupo inicial contava com uma dúzia de profissionais, das áreas de marketing, estratégia de produto, desenho industrial, tecnologia (eletrônica e de refrigeração), manufatura, qualidade, comunicação da marca e suprimentos. Um típico grupo multidisciplinar, costurado em torno de objetivos comuns.

Princípio 3 – Olhe para fora da janela Muitas empresas estão incluindo pessoas de fora dela como membros de equipes de desenvolvimento de novos prosidades do mercado. Como, muitas vezes, o fracasso de um novo produto se deve pela sua não aceitação do mercado e por não atender às necessidades dos consumidores, as empresas passaram a incluir clientes e fornecedores desde o início do processo de desenvolvimento, e não apenas na fase de testes de mercado, quando o processo já está quase no seu final. A visão do cliente é fundamental para que o projeto do produto atenda a suas necessidades, e a participação de fornecedores pode auxiliar nas questões práticas da engenharia, a fim de se desenvolver um produto cujo fornecimento esteja de acordo com as especificações da engenharia. Durante muitos anos, a Plascar, fabricante de painéis automotivos, com sede em Jundiaí, no interior de São Paulo, manteve uma unidade dentro da fábrica da FIAT em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte. Como as duas fábricas são muito dis-

89 Administrando a Inovação

dutos, a fim de entender a melhor forma para atender as neces-


tantes entre si, a unidade da Plascar em Betim permitia que o projeto de desenvolvimento de um novo carro fosse acompanhado, desde o seu início, tanto pelos engenheiros da FIAT quanto pelos engenheiros da Plascar. Quando os fornecedores são responsáveis por componentes importantes de um produto, é importante estender o processo de desenvolvimento do produto até eles, de modo que fabriquem componentes de qualidade, com pontualidade e eficiência de custo. Ouvir os clientes também pode ser de grande importância antes de iniciar o processo de desenvolvimento de um novo produto. A Sony perdeu a corrida pela revolução das músicas em MP3 porque vendia CDs nas lojas, e encarava o novo formato compacto de arquivo musical como uma ameaça. Enquanto a Apple desenvolvia o iTunes, serviço que comercializa músicas na internet, a Sony só queria proteger os CDs. Se estivesse disposta a ouvir, descoDesenvolvimento de novos produtos e marcas

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briria que o cliente não quer necessariamente o CD. O que ele quer é ouvir música. Assim, nessa unidade, vimos alguns aspectos importantes que precisam ser considerados pela gerência antes de se iniciar o processo de desenvolvimento de um novo produto, de modo a gerar maior eficiência em todo o processo. Nas próximas unidades, veremos como se desenvolve um novo produto e os cuidados que a empresa deve ter nas atividades de comercialização do produto.


Saiba Mais

Fonte: Times que Sonham. Época Negócios – Reportagem de Eduardo Ferraz, 5 de março de 2008.

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O exemplo da Camiseteria, uma empresa que é feita pelos clientes e virou objeto de estudo de Universidade Americana Fundada por Fabio Seixas, de 32 anos, um jovem paulista criado no Rio de Janeiro, a Camiseteria é uma companhia de moda que não tem um estilista sequer entre os funcionários. Qualquer pessoa pode enviar um desenho para seu site e submetê-lo à avaliação da comunidade de frequentadores. Os desenhos que recebem as melhores notas são impressos em camisetas, vendidas online. Os vencedores recebem R$ 1.000,00 de prêmio (que muitas vezes trocam, espontaneamente, por crédito em camisetas). O risco do negócio é próximo do zero, pois o modelo que vai ser estampado já tem admiradores e compradores, antes da primeira camiseta ser efetivamente fabricada. Em muitos casos, uma série inteira de camiseta é vendida em dois dias. Desde que foi criada em 2006, a Camiseteria já recebeu mais de 13 mil desenhos - 160 deles foram estampados em camisetas. Nunca uma delas foi parar numa loja de ponta de estoque, algo comum no ramo. Seixas e seu sócio, o designer Rodrigo David, já produziram camisetas com desenhos de que não gostavam. Mas a ideia é fazer exatamente o que o mercado quer, não o que os donos acham que ele queira. Esse modelo de negócios - inspirado numa empresa americana chamada Threadless, foi até mesmo objeto de estudo no MIT. Seu funcionamento é sucesso graças à comunidade criada em torno do site. Os usuários, geralmente aficionados por camisetas, têm blogs pessoais, trocam mensagens entre si, viram amigos. A relação deles com a empresa é tão forte que a Camiseteria não precisa contratar modelos para mostrar fotos de sua coleção: os próprios clientes se oferecem para fazer a propaganda.


REFERÊNCIAS BATEMAN, T. S.; SNELL, S. A. Administração: Liderança & Colaboração no Mundo Competitivo. São Paulo: McGraw-Hill, 2007. FERRAZ, E. Times que sonham. Época Negócios. Ed.13. 5 mar. 2008. Disponível em: http://epocanegocios.globo.com/ Revista/Epocanegocios/0,,EDR82160-8374,00.html.

Acesso

em: 11 abr. 2014 JONES, G. R.; GEORGE, J. M. Administração Contemporânea. São Paulo: McGraw-Hill, 2008. MEYER, C. Quando o consumidor vira cobaia. Exame. 4 abr. 2006. Disponível em: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0864/noticias/quando-o-consumidor-vira-cobaia-

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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-m0081169. Acesso em: 11 abr. 2014.


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O Processo de Desenvolvimento de Novos Produtos



5.1 S elecionando as caracterĂ­sticas dos novos produtos O processo de desenvolvimento de novos produtos segue uma sĂŠrie de etapas que precisam ser cuidadosamente observadas. Nesta unidade, vocĂŞ terĂĄ a oportunidade de conhecer cada uma delas, verificar alguns exemplos de erros e acertos cometidos por empresas, e entender a necessidade de um correto gerenciamento dessas etapas a fim de que elas conduzam a empresa ao desenvolvimento bem-sucedido de um novo produto.


Esta unidade discute as questões relacionadas ao desenvolvimento de novos produtos e como eles devem ser comercializados. Começamos caracterizando o que é um produto considerado “novo”. Observe as diferentes situações a seguir, nas quais existem novos produtos:

1ª Situação: A Volkswagen do Brasil fabrica o veículo Gol desde 1980, e está na sua 5ª geração. Se formos pensar em termos de tempo em que o produto está no mercado, poderíamos dizer que o Gol é um “produto novo”?

2ª Situação: te como fabricante de tubos e conexões de PVC para a cons-

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

A empresa Tigre se tornou conhecida nacionalmen98

trução civil, imagem que foi apoiada por intensa publicidade realizada nos meios de comunicação de massa e, também, nos PDV (pontos de venda). Embora fosse especialista na produção de tubos de PVC desde 1950, a empresa assumiu, em 1997, a pincéis Tigre, e passou a comercializar uma nova linha de produtos. Afinal, quem está construindo ou reformando o seu banheiro tem necessidade de pintar a sua casa, utilizando, para isso, pincéis e outros produtos para pintura. Essa linha de produtos da Tigre pode ser considerada um “novo produto”?

3ª Situação: Em outro exemplo, as embalagens de vidro para bebidas ganharam a tampa de rosca que dispensa o uso de um abridor de garrafas. Muito mais prática, a embalagem permite que o consumidor não se preocupe em levar um abridor de garrafa para o lugar onde irá saborear sua bebida, bastando apenas forçar a rotação da tampa para abrir garrafa.


Esse lançamento pode ser considerado um “produto novo”, mesmo que as bebidas venham sendo acondicionadas em garrafas de vidro há mais de um século? Como você pode verificar, o conceito de “produto novo” é bem amplo, e cada exemplo acima se refere a uma situação em que algo novo é oferecido ao mercado. Vejamos, então, o que pode ser considerado um “produto novo”.

5.2 Tipos de Novos Produtos A figura a seguir demonstra 5 situações em que um produto pode ser considerado como “novo”. Há diferentes formas de caracterizar um produto novo, porém, o processo de desenvolvimento de cada uma dessas formas pode ser o mesmo, com pequenas diferenças em termos de tempo e complexidade. Vejamos cada um deles: Tipos de novos produtos Novos produtos para o mercado

Reposicionamento

Melhorias nos produtos

Novas categorias de produtos

Adições às linhas de produção

99 O Processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

Há muitos modos de se classificar um produto novo.


5.2.1 Novos produtos para o mercado Nessa categoria de produto, encaixam-se as inovações radicais, das quais surgem produtos que não existiam no mercado. A invenção do Walkman e, depois, sua substituição pelos tocadores digitais, é um exemplo de um novo produto para o mercado; também o exemplo do lançamento do sabão em pó, como substituto do sabão em pedra na lavagem de roupas, pode ser considerado aqui; a invenção da telefonia móvel, do GPS, do microcomputador e da nanotecnologia, entre tantas outras, são novos produtos que, na época em que foram lançados, não existiam no mercado. É nessa categoria que são lançados os produtos, muitas vezes, revolucionários, e que alteram o modo como as pessoas vivem e trabalham.

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5.2.2 Novas categorias de produtos São os produtos novos para a empresa, mas que não são necessariamente inovações radicais para o mercado. Nesse caso, a empresa passa pelo processo de inovar a sua linha de produtos. A novidade acontecerá muito mais internamente, na forma de fabricar, distribuir e divulgar a nova linha do que, necessariamente, para o mercado. É o caso da linha de pincéis da Tigre mencionada acima; outro exemplo, também, é a entrada da Microsoft no mercado de telefonia celular com o lançamento do seu sistema operacional, o Windows Mobile. Essa categoria é considerada nova quando é introduzida na empresa.

5.2.3 Adições a linhas de produtos Esses são novos produtos introduzidos na linha de produtos já existentes na empresa. Por exemplo, a linha completa de limpeza doméstica que a Assolan lançou como complemento da sua palha de aço, a fim de aumentar sua frente de ataque à líder de mercado Bombril.


Nesse caso, detergente, esponja, sapólio, sabão em pedra, etc. são produtos adicionados à linha já existente, mas que contava apenas com a palha de aço. A finalidade é aumentar a preferência e as vendas de sua marca.

5.2.4 Melhorias nos produtos São produtos novos na medida em que representam versões alteradas de produtos já existentes. É o caso das novas versões do automóvel Gol, lançadas a cada ano pela Volkswagen, e da embalagem de vidro com tampa de rosca, que mencionamos acima. As versões anuais de um veículo geralmente trazem alguma melhoria em relação à anterior, nem que seja apenas no aspecto estético. Além disso, no caso do veículo Gol, especificamente, as chamadas “gerações”, muitas vezes caracrior, representam quase o lançamento de um produto novo, aproveitando-se apenas da força atual da marca.

5.2.5 Reposicionamentos São produtos reposicionados para novos usos ou novos mercados, como o caso do uso do bicarbonato de sódio como desodorizador de geladeiras; de uma loção para pele como repelente de insetos; e das lâminas de barbear como a Gillete Sensor para mulheres, e não somente para homens. As empresas utilizam essas categorias de acordo com sua conveniência e seus objetivos estratégicos. Empresas reconhecidamente inovadoras, como a 3M, estão constantemente em busca de produtos novos para o mercado e, ao longo das últimas décadas, tem oferecido inovações radicais aos consumidores, como o corretivo líquido, a fita adesiva dupla face, a fita adesiva de alta abrasividade Silver Tape etc. Contudo, o corretivo em fita pode ser considerado uma inovação incremental em relação ao corretivo líquido, apre-

101 O Processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

terizadas por uma alteração radical em relação à Geração ante-


sentando diversas vantagens sobre o anterior. Mesmo assim, a empresa considera estratégico, em termos de mercado e de viabilidade econômica, continuar comercializando as duas versões de corretivos.

5.3 O Processo de Desenvolvimento de Novos Produtos Um processo tradicional de Desenvolvimento de Novos Produtos compreende 6 etapas, apresentadas a seguir.

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Geração de ideias Triagem das ideias Análise comercial Desenvolvimento do produto Testes de marketing Comercialização

Vejamos cada uma dessas etapas:

5.3.1 Geração de Ideias Já falamos rapidamente dessa etapa quando comentamos a Peneira de Ideias como um dos princípios que devem ser observados na administração da inovação (veja o item 4.2 – Princípios de Desenvolvimento de Produto, da Unidade 4, Administrando a Inovação). Todo novo produto e/ou serviço tem a sua origem numa ideia. Captar essas ideias é, pois, o primeiro grande desafio gerencial, pois elas podem ser geradas em qualquer lugar, dentro e fora da empresa. Vejamos algumas fontes de ideias.


Funcionários: Uma fonte preciosa de ideias que podem resultar em novos produtos está bem próxima dos gerentes. Muitas empresas vêm estimulando seus funcionários a registrarem e enviarem suas ideias de inovações aos seus superiores, através de campanhas e concursos que premiam e recompensam os autores das melhores ideias. Dessa forma, a empresa pretende estimular a geração de ideias internas, pois os funcionários de diversos departamentos podem ser fontes valiosas de inovação. Muitas vezes, porém, se a empresa não estimula a manifestação, os funcionários podem se sentir desanimados ou até mesmo desorientados de como proceder quando lhe vem novas ideias à sua mente. Programas bem estruturaníveis e funções dentro das empresas passem a ser valiosos celeiros de ideias que geram inovações de sucesso. Uma técnica bastante utilizada nas empresas para a geração de ideias é conhecida como Brainstorm, ou tempestade de ideias, que consiste na reunião de um grupo de funcionários que são estimulados a gerar ideias à medida que essas vêm à mente, sem nenhum tipo de filtro, censura ou questionamento. Depois que acontece a “tempestade”, o grupo passa a considerar seriamente cada uma das ideias citadas e, a partir delas, sugerem outras mais adequadas aos negócios da empresa. A Valetur é uma empresa que faz parte do Grupo Rio Quente Resorts que possui, entre outros empreendimentos, o Termas do Rio Quente Resorts, localizado na estância hidrotermal de Caldas Novas, interior de Goiás, conhecida como uma das maiores reservas de água quente natural do mundo. A empresa criou o programa de geração de ideias para melhoria do desempenho organizacional,

103 O Processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

dos têm feito com que o corpo de funcionários de diferentes


com o intuito de troca de conhecimento entre os colaboradores e a organização. Os gerentes, diretores e supervisores impulsionam seus liderados para que realizem projetos em troca de prêmios em dinheiro. Os autores dos projetos aprovados têm suas ideias e nomes divulgados internamente entre todos os departamentos, e recebem premiações, como viagens e quantias mais elevadas em dinheiro. Veja, na seção Saiba Mais, o exemplo de como a Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul no Brasil, montou diferentes grupos para gerar ideias de produtos inovadores.

Saiba Mais

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Whirlpool – Funcionários são excelente fonte de ideias para inovação Tudo começou em 2000, quando o alto escalão da matriz americana percebeu que o mercado de eletrodomésticos vinha se comoditizando (não havia diferenciação entre os produtos), e os preços dos produtos vinham caindo 3,4% a cada ano, afetando as margens de lucro e o preço das ações. Embora lançassem linhas de produtos novos no mercado - no Brasil, são duas novidades a cada semana -, fossem a maior fabricante mundial de eletrodomésticos, e seu faturamento tivesse chegado à casa dos US$ 19 bilhões em 2007, a corporação descobriu que não poderia melhorar seu desempenho apenas com os negócios tradicionais. Era preciso partir para inovações mais ousadas, e, para isso, ela só poderia contar com o seu recurso mais valioso: a mente dos seus funcionários. Foram selecionados 75 funcionários no mundo, em todos os escalões da empresa, de vice-presidentes a operários, para deixarem suas atribuições e receberem aulas sobre inovação e sobre como aprender a pensar sem barreiras. Esse contingente estava dividido em três grupos de 25 pessoas, um nos Estados Unidos, um numa cidade dos Alpes italianos, e o outro em São Paulo. No início, valia tudo. A equipe da Itália concebeu um sistema em que ciclistas poderiam competir um com o outro em bicicletas ergométricas conectadas à internet. A ideia


talvez não fosse ruim, mas não aproveitava em nada as competências da empresa nem a força da marca. Foi descartada. Estabeleceu-se, então, um critério segundo o qual as inovações deveriam reforçar as marcas existentes e os valores principais já existentes na companhia.

Fonte: Times que sonham. Reportagem de Eduardo Ferraz publicada na revista Época Negócios, de 5 de março de 2008 – Edição 13

105 O Processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

Whirlpool – Escolhendo quais ideias teriam mais chances de virar novos produtos. Como a Whirlpool decidiu quais das novas ideias deveriam seguir para a etapa de Análise da viabilidade comercial? Como vimos acima, a ideia de uma bicicleta ergométrica que permita o usuário competir com outros ciclistas conectados à internet não fazia parte da competência essencial da empresa. No Brasil, por exemplo, a empresa comercializa eletrodomésticos de linha branca (geladeira, fogão, máquinas de lavar e secar através das marcas Brastemp e Consul) e entrar no setor de equipamentos de ginástica não estava no foco estratégico da companhia. Assim, a empresa decidiu priorizar as inovações que reforçassem as marcas existentes, aproveitando os valores principais da companhia. Foi assim que, no Brasil, surgiu uma ideia com base na premissa de que dispor de água potável de qualidade em casa é algo fundamental para as famílias. Pesquisando mais sobre o assunto, descobriram que as soluções de água potável existentes eram todas incompletas. Por exemplo, a água engarrafada do supermercado tem o inconveniente do transporte; a que é entregue em casa em galões nem sempre é de qualidade; e os filtros tradicionais deterioram-se com o tempo, nem sempre recebendo, por parte do dono da casa, a manutenção adequada com a troca da vela. Foi então que a Brastemp criou um purificador que, em vez de ser vendido, é alugado. Periodicamente, um funcionário da empresa vai à casa do cliente para fazer a manutenção. Foi a primeira vez, em quase 100 anos de história da companhia, que um produto passou a ser alugado, criando-se assim um novo modelo de negócios que, não somente trouxe maiores receitas para a empresa, como começou a ser exportada e adaptada para outros países onde a empresa opera.


Clientes: Outra fonte importante de ideias para inovação é o próprio cliente da empresa. Existem diversas técnicas consagradas, utilizadas pelos profissionais de marketing para a geração de ideias a partir dos clientes da empresa.

Você sabia que o cliente quer um Milk-shake feito para durar?

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Uma cadeia de fast-food contratou uma pesquisa para descobrir um jeito de aumentar as vendas de seus milk-shakes. Fizeram painéis, focus groups, para descobrir se deviam fazer milk-shakes mais cremosos, mais baratos, mais densos, com mais frutas… Conseguiram informações interessantes sobre o que os clientes queriam. Fizeram as mudanças, mas não aumentaram vendas nem lucros. A partir daí, resolveram tentar entender o que os clientes desejavam quando compravam os milk-shakes. Chamaram uma empresa especializada, e os pesquisadores passavam 18 horas por dia nas lanchonetes observando quem comprava milk-shakes. Registravam quando eles eram comprados, quais outros produtos eram comprados além deles, se o cliente estava sozinho ou em grupo, se era consumido na loja ou “para viagem”, etc. Descobriram que mais de metade dos milk-shakes era comprada de manhã, raramente era consumida na hora, e geralmente era a única coisa que o cliente comprava. Os pesquisadores foram, então, observar de perto os compradores dos milk-shakes matutinos (conversaram com eles/obtiveram permissão para acompanhá-los), e descobriram uma característica comum: todos tinham um longo percurso até o trabalho… E o milk-shake tornava a viagem (metrô/carro) menos monótona! Ainda não estavam com fome quando compravam o milk-shake, mas sabiam que estariam famintos lá pelas 10 da manhã, e o passatempo teria de ir durando até lá. Fonte: Pesquisa de Mercado do Jeito Certo JTBD parte I. Clemente da Nóbrega. Disponível em: http://colunas.epocanegocios.globo.com/ideiaseinovacao/2009/08/11/pesquisa-de-mercado-do-jeito-certo-jtbdii/. Acesso em: 2 nov. 2010.


Departamentos de P&D: É preciso lembrar, porém, que o próprio funcionário é também cliente de diversos produtos no seu dia a dia, e suas ideias podem contribuir significativamente com a empresa, uma vez que esteja envolvido nessa cultura inovadora. Veja na seção Saiba Mais como surgiu um dos produtos mais inovadores lançados pela 3M, o Post-it, que revolucionou o modo de deixarmos recados e lembretes.

Post-it da 3M: uma invenção pode surgir de necessidades pessoais do próprio pesquisador

Fonte: Site Maxideia. Dicionário Digital. Disponível em: http:// www.maxideia.com/pt_pt/maxcontent/documento/10135/edicoes-dicionario-digital/sabia-que-o-post-it-nasceu-de-uma-experiencia-fracassada/. Acesso em: 20 jun. 2011.

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Art Fry, um investigador de desenvolvimento de novos produtos da 3M havia assistido uma palestra de Spence Silver, também da 3M, sobre a descoberta de um adesivo completamente diferente de tudo o que já haviam criado. Ele transformava-se em pequenas esferas que não se dissolviam, não derretiam, eram extremamente adesivas, mas não se fixavam com muita força. Apesar de saber que tinha feito uma descoberta importante, Silver passou cinco anos falando com o pessoal da empresa sobre o adesivo sem, contudo, acharem uma aplicação importante para o adesivo. Após ouvir a palestra de Silver, Fry ficou pensando na possibilidade do tal adesivo auxiliá-lo em uma necessidade semanal. Ele cantava no grupo coral da igreja e usava bocados de papel para marcar as páginas do seu livro de cânticos. Cada vez que o abria, estes caíam frequentemente, forçando-o a marcar as páginas novamente para cantar no culto seguinte. Art Fry percebeu como o adesivo de Silver podia servir de marcador, então adaptou o trabalho anterior de Silver ao seu, e acabou por inventar mais do que um marcador, inventou um novo conceito de bloco de recados/notas. Em 1981, o produto foi lançado, e um ano depois era considerado o melhor novo produto da 3M.


Assim, outra fonte de ideias para novos produtos ou para melhorias nos produtos existentes são os próprios departamentos de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), especialmente pelas fontes de pesquisa com as quais mantém contato. Uma empresa que não tem condição de manter seu próprio laboratório de pesquisa pode formar alianças com outras empresas especializadas em pesquisa. Contudo, mesmo gigantes do setor têm percebido que a riqueza do conhecimento pode estar espalhada em qualquer parte do mundo, e por isso desenvolvem parcerias a fim de obter ideias ou até mesmo tecnologias já prontas para utilizarem em seus produtos. É possível que empresa faça pesquisa em parceria com outros centros de Desenvolvimento Tecnológico, ou que mantenha relação com pesquisadores em outras partes do mundo,

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como o caso da Procter & Gamble, já comentado na Unidade 1. Por meio de sites especializados, a empresa está conectada a 1,8 milhão de pesquisadores espalhados ao redor do mundo, buscando, nessa rede, soluções prontas, produtos acabados ou tecnologias que permitam a produção de algo imaginado por suas equipes. Assim, descobriram numa padaria italiana, comandada por um professor universitário, a tecnologia para imprimir com jato de tinta imagens em alimentos. Pouco depois, a companhia lançou batatas Pringles com desenhos de animais, um sucesso de vendas. Atualmente, metade dos produtos da companhia vem de ideias ou descobertas originadas fora dela. Como vimos acima, no caso da Whirlpool, a geração de ideias para novos produtos precisa ser seguida de algum tipo de critério para selecioná-las e dar continuidade ao processo.

5.3.2 Triagem das ideias Nem toda boa ideia irá se tornar um novo produto. A organização precisa levar em conta uma série de aspectos


antes de decidir qual das ideias dará início ao processo de desenvolvimento de um novo produto. Vale lembrar que os recursos organizacionais são limitados, e a companhia precisa priorizar seus investimentos em áreas que considera estratégica. Logo, uma das primeiras questões a serem levantadas na triagem das ideias é se estão de acordo com o atual planejamento estratégico da companhia. Além disso, pode ser muito útil preferir ideias que já utilizem os recursos e pontos fortes da companhia, como o parque fabril que já possui, por exemplo, o que diminui consideravelmente a necessidade de altos investimentos em construção de novas fábricas. Caso uma nova ideia seja de fato criativa, interessante, e auxilie a empresa na consecução de seus objetivos estratégicos, mas necessite de altos investimentos em infraestrutuparceria com outra empresa. Mercados altamente regulados, como o de medicamentos, têm uma série de limitações para a introdução de novos produtos. Evidentemente que, por uma questão de preferência, as empresas estarão mais propensas a aprovar novas ideias de produtos que prometem agregar alto valor e trazer maiores resultados financeiros. Embora a Nestlé possuísse a marca Nestea desde 1948, foi somente em 1992, após a parceria com a Coca-Cola, que se iniciou a produção e a distribuição de chás gelados. O resultado dessa união foi o lançamento no mercado americano do NESTEA ICED TEA, um chá gelado com sabor, pronto para beber, que iria se transformar em uma verdadeira revolução no hábito de consumir a bebida milenar. Rapidamente, as latinhas de NESTEA, uma deliciosa e surpreendente combinação do chá preto puro com sabores de frutas, agradaram os consumidores, que viam no novo produto uma praticidade e a possibilidade do consumo em qualquer lugar.

109 O Processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

ra administrativa, a empresa pode decidir desenvolvê-la em


REFERÊNCIAS CHURCHILL JR., G. A; PETER, J. P.; Marketing, criando valor para os clientes. São Paulo: Saraiva, 2007. FERRAZ, E. Times que sonham. Época Negócios. Ed.13. 5 mar. 2008. Disponível em: http://epocanegocios.globo.com/ Revista/Epocanegocios/0,,EDR82160-8374,00.html. Acesso em: 11 abr. 2014 Mundo das Marcas [blog]. NESTEA. 13 jul. 2010. Disponível em http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2010/07/nestea. html. Acesso em 20 jun. 2011.

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SEGALLA, A. O triunfo da Toyota. Época Negócios. 4 abr. 2007. Disponível em http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDG76927-8382-2,00.html. Acesso em: 08 abr. 2014.


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O processo de Desenvolvimento de Novos Produtos



D esde a unidade anterior, temos estudado as seis etapas do Desenvolvimento de um Novo Produto, conforme a figura a seguir.

1 2 3 4 5 6

Geração de ideias Triagem das ideias Análise comercial Desenvolvimento do produto Testes de marketing Comercialização

Já estudamos as duas fases iniciais de um processo de desenvolvimento de um novo produto, e agora concluiremos o estudo das quatro etapas seguintes:


Como feito anteriormente, em cada uma das etapas, procuraremos verificar como elas acontecem na prática, e quais os desafios que se apresentam para os gerentes.

6.1 A nálise Comercial gem, precisam ser submetidas a uma rigorosa análise da via-

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

As ideias que sobrevivem à segunda etapa, a da tria-

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bilidade comercial, para verificar se os produtos têm chances de serem aceitos no mercado e trazer lucros para as empresas. Assim, quando a empresa começar a fabricação do novo produto, ela já tem uma projeção de vendas e de lucro bem próxima do real. Empresas têm se utilizado de diversas ferramentas, inclusive de Tecnologia da Informação, para ajudarem seus gerentes na análise dos projetos que possuem mais chances de serem bem-sucedidos, caso a empresa decida por lançá-los ao mercado. Veja, em Saiba Mais, o caso da Merck, multinacional do setor farmacêutico, utilizando-se de uma ferramenta de TI para obter maiores certezas de sucesso antes de decidir desenvolver um novo produto. Dois aspectos precisam ser considerados em detalhes antes de a ideia passar para o estágio seguinte. A empresa precisa saber se o novo produto terá vendas suficientes, que justifiquem todo o investimento na sua produção, e se os custos envolvidos em sua fabricação permitirão comercializá-lo a preços competitivos para o mercado-alvo que se pretende atingir.


Saiba Mais

117 O processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

Bola de Cristal? Merck utiliza TI para ajudar a decidir se investe em novo medicamento Com vendas anuais de mais de US$ 40 bilhões, a Merck é uma das maiores empresas que desenvolve e comercializa produtos farmacêuticos avançados no mundo. Em 2003, a empresa gastou mais de US$ 3 bilhões em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento de novos produtos) para desenvolver novas drogas – um processo caro e difícil que é cheio de riscos. A maioria das ideias de drogas novas não chega ao processo de desenvolvimento de um novo produto. Para se levar uma nova droga ao mercado, são necessários US$ 300 milhões e 10 anos de pesquisa, e uma proporção de 7 entre 10 drogas novas não dão lucro para a empresa em desenvolvimento. Dados os custos, riscos e incertezas envolvidos no processo de desenvolvimento de novas drogas, Judy Lewent, ex-diretora de análise de capital na Merck, decidiu desenvolver um sistema que poderia ajudar os gerentes a fazerem investimentos em P&D mais efetivos. O objetivo dela era dar aos diretores da Merck as informações que eles precisavam para avaliarem projetos propostos de P&D, caso a caso. O sistema que Lewent e seu staff (equipe de apoio) desenvolveram é referido na Merck como “Modelo de Planejamento de Pesquisa”. No coração desse sistema está um modelo sofisticado. As variáveis de insumo para o modelo incluem dados sobre gastos com P&D, custos de fabricação, custos de venda e condições de demanda. As relações entre as variáveis de insumo são modeladas por meio de várias equações que levam em conta a probabilidade de uma droga passar para o processo de desenvolvimento e chegar ao mercado. Os resultados desse processo de modelação são as receitas, os fluxos de caixa e os lucros que um projeto poderia gerar. O modelo Merck utiliza várias faixas de possibilidades. Por exemplo, a variável insumo pode ser especificada em várias faixas como um gasto alto, médio e baixo com P&D. O computador faz, repetidamente, amostras aleatórias da faixa de valores para cada variável de insumo, e produz uma distribuição probabilística de valores para cada produção. Logo, em vez de afirmar categoricamente que um


projeto proposto de P&D renderá um lucro de US$ 500 milhões, o sistema pode afirmar que, embora US$ 500 milhões seja o lucro mais provável, há uma chance de 25% de o lucro ser menor que US$ 300 milhões, e uma chance de 25% de ser maior que US$ 700 milhões. Fonte: JONES; GEORGE, 2008, pp. 649-650

6.1.1 Previsão de vendas A previsão de vendas levantará dados sobre a provável receita do produto nos primeiros meses/anos de sua comercialização, especialmente se for um produto inédito no mer-

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cado. Nesse caso, as vendas potenciais podem ser estimadas sem a variável da concorrência, pois levará um tempo até que ela reaja e lance algo semelhante. Contudo, nesses casos, a previsão de vendas tem um desafio a mais: como prever as vendas de um produto que ainda não existe no mercado? O levantamento terá que ser feito a partir de produtos similares existentes no mercado, considerando todas as possibilidades. Por exemplo, uma bota térmica aquecida por um sistema elétrico para ser usada em esportes ou passeios na neve, precisa ser avaliada em termos das botas convencionais existentes no mercado, e da provável aceitação que a novidade terá no mercado. Uma possibilidade, nesses casos, é realizar os chamados “testes de conceito”, nos quais a ideia do produto é apresentada para eventuais consumidores, e uma pesquisa é conduzida em termos de interesse que elas teriam no produto, caso ele viesse a existir. Para conduzir essa pesquisa, os profissionais se utilizam de fotos, ilustrações e até protótipos iniciais do produto, para que o consumidor tenha uma ideia mais clara do que se trata.


6.1.2 Previsão de custos Para se realizar uma análise comercial completa, o projeto precisa incluir uma previsão dos custos de fabricação do produto, de sua distribuição e divulgação. Essa previsão precisa ser o mais próxima do real, a fim de que a empresa verifique a sua viabilidade comercial. Uma vez levantados todos os custos envolvidos na produção e na comercialização do produto, subtrai-se esse valor da receita estimada levantada pela previsão de vendas. O resultado será a lucratividade possível com o lançamento do novo produto no mercado. que a companhia desista da ideia de desenvolver o novo produto, e o processo de desenvolvimento é encerrado nessa etapa por falta de viabilidade comercial. Mas há situações em que o desenvolvimento de um novo produto, mesmo não sendo lucrativo para a empresa, obedece outros fatores estratégicos. Nesse caso, a empresa pode decidir lançar um produto, mesmo que ele dê prejuízo financeiro no início. Veja o caso da Toyota e seu carro elétrico na seção Saiba Mais.

Saiba Mais O primeiro carro ecológico do mercado não era viável financeiramente para a Toyota O surgimento do Prius, pioneiro no chamado segmento automotivo ecológico, é exemplo da decisão de uma empresa lançar um produto que não seja, pelo menos no início, viável comercialmente. Em meados dos anos 1990, diante da crescente preocupação mundial com o meio ambiente, delineava-se, na General Motors, a possibilidade de construir-se um carro híbrido, movido a gasolina e eletricidade. Como o desenvolvimento da nova tecnologia era custoso, o produto certamente acarretaria prejuízos financeiros por um longo período. Para a GM, não valia a pena

119 O processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

Muitas vezes, essa conta é suficiente para fazer com


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perder dinheiro apenas para marcar presença num território ainda inexplorado pelo mercado. Para a Toyota, fazia todo sentido. Estudos realizados pelos japoneses de fato comprovaram, pelo menos nos primeiros anos do Prius, que o híbrido levaria um bom tempo para ser rentável. Mas não era essa a preocupação central da Toyota. Lançar um carro ecológico num momento em que a humanidade se debruçava sobre a temática ambiental traria ganhos significativos para a imagem da companhia. Jogadora obstinada, embora trabalhasse sempre em silêncio, a Toyota bancou a aposta. Em 1998, antes de a rival GM se mexer, os japoneses lançaram o Prius, capaz de reduzir em até 80% as emissões de gases poluentes. Justamente por essa razão, o modelo virou coqueluche nos Estados Unidos. Celebridades como Leonardo DiCaprio e Cameron Diaz compraram seus exemplares e os exibiram nas ruas com orgulho. Afinal, os usuários do Prius transmitiam a ideia de que eram pessoas comprometidas com a preservação ambiental. Fonte: O triunfo da Toyota, reportagem de Amauri Segalla, publicada na Revista Época Negócios, de 4 abr. 2007

6.2 D esenvolvimento do Produto Uma vez que o produto tenha sido aprovado na fase da análise comercial, começa a fase do desenvolvimento de um projeto mais detalhado. A equipe de desenvolvimento do novo produto precisa, agora, decidir diversos aspectos relacionados à sua manufatura, como tamanho, peso, cores possíveis, materiais que serão utilizados, características técnicas e design possíveis. Mais uma vez, a utilização da Tecnologia da Informação pode auxiliar grandemente na fase do proje-


to do produto, pois, a partir de programas de computador como o CAD (Computer Aid Design ou Desenho Assistido por Computador), vários testes, como resistência e elasticidade dos materiais utilizados, podem ser feitos na tela do computador sem a necessidade de gastos com a fabricação de protótipos, e depois substituição dos materiais utilizados. Os engenheiros da Boeing, por exemplo, utilizam programas em 3D que permitem a simulação de cada peça da aeronave e até a sua montagem, antes de começarem a ser fabricadas. Assim, parafusos e encaixes são testados em programas tridimensionais, e os defeitos na fabricação ou no projeto podem ser corentão realizado. Outro aspecto a ser considerado com muita atenção é a chamada Engenharia Simultânea. Os engenheiros de desenvolvimento do produto (projeto do produto) precisam trabalhar em conjunto com os engenheiros de produção (fabricação do produto) a fim de definirem os tipos de material a serem utilizados na produção, bem como tamanho, cor e até mesmo o design do produto. Esse tipo de trabalho conjunto entre as duas engenharias é conhecido como “engenharia simultânea”, e foi desenvolvido para evitar que longos períodos de tempo dedicados a um projeto fossem perdidos por não haver condições técnicas de ser fabricado. Além disso, muitas empresas têm mantido equipes multifuncionais nessa fase de Desenvolvimento do Produto, pois percebem que não somente as questões técnicas da engenharia é que devem servir de parâmetro para a definição de todos os aspectos do produto. Assim, profissionais de marketing, finanças, vendas e distribuição, compras e qualidade, podem avaliar, sob diferentes aspectos, a viabilidade de sucesso do produto em questão. Profissionais de compras podem auxiliar a descobrir novos fornecedores que garantam

121 O processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

rigidos em sua origem sem que nenhum gasto tenha sido até


o tipo de textura ou de flexibilidade que a engenharia de produto deseja, ou que o marketing identificou como sendo um diferencial de mercado. Profissionais de vendas e distribuição podem trazer sua visão atualizada de mercado e das negociações que mantêm com os clientes diretos (atacadistas e distribuidores), levantando aspectos importantes que facilitem a armazenagem e distribuição dos produtos. Por exemplo, as latinhas de cerveja ganharam uma forma diferente, tornando-se levemente afuniladas no topo, facilitando a sua armazenagem tanto pelo consumidor final como pelo revendedor.

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

122

É possível estabelecer as seguintes etapas na fase do Desenvolvimento do Produto:

6.2.1 Desenvolvimento de um protótipo Nessa fase, a empresa desenvolve um primeiro modelo do produto, de acordo com as características técnicas e os atributos previstos para o produto. Um protótipo é a primeira vez que o produto se encontra materializado e pode, por isso mesmo, ser visualizado, tocado, sentido, cheirado. O protótipo pode ser importante na fase de teste de marketing, como veremos a seguir.

6.2.2 Testes com o protótipo O produto é colocado em funcionamento, permitindo, assim, verificar o seu desempenho e corrigir possíveis erros ou inadequações. No mercado automobilístico, por exemplo, os testes com protótipo são fundamentais para acertos de questões técnicas do produto. Em 2006, o Honda FCX era o primeiro protótipo do mundo a ser usado por uma família comum, a família Spallino. Embora tenha gasto 1 milhão de dólares para criar o protótipo, a montadora não sabia se iria lançá-lo ou não no mercado. Os dados colhidos semanalmen-


te com a família que testava o protótipo serviam de base para a decisão da empresa.

6.2.3 Desenvolvimento de embalagem e marca Dependendo da situação, uma embalagem pode ser de extrema importância na aceitação e na utilização do produto. Muitas vezes, o produto também precisa de uma marca diferente daquelas que a empresa já possui, como é o caso da Unilever, que possui diferentes marcas para shampoo e sabonetes, e produtos alimentícios.

Os testes realizados com embalagem permitem que a empresa identifique as cores, o material da embalagem e os dizeres mais adequados para que a embalagem cumpra a sua função de chamar a atenção do consumidor enquanto estiver em exposição.

6.2.5 Produção piloto Essa etapa de desenvolvimento do produto também inclui uma produção piloto que permite que a empresa verifique problemas nos ajustes das máquinas e na sequência das diversas etapas da fabricação do produto. A produção piloto expõe as falhas e os gargalos da linha de montagem, e permite que a empresa os elimine antes de começar a produção em larga escala.

123 O processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

6.2.4 Testes com embalagem


6.3 Teste de Marketing O teste de marketing é ligeiramente diferente do teste de conceito do produto, descrito na unidade anterior. Naquele momento, quando está sendo feita a análise comercial, o produto existe apenas como uma ideia que está sendo cogitada. Agora, na fase de teste de marketing, o produto é fabricado em pequena escala e vendido em alguns mercados seleciona-

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124

dos para verificar sua aceitação e corrigir possíveis problemas que apresente, em termos de tamanho, embalagens e características funcionais. O teste de marketing é utilizado para saber se os clientes comprarão o produto, sem a necessidade de a empresa incorrer nos custos de realizar uma divulgação do produto no mercado. O teste de marketing no mercado pode ser um estágio caro e demorado do processo de desenvolvimento. Para a General Mills, o teste e o aperfeiçoamento de sua cadeia de restaurantes Olive Garden levaram cinco anos, e custou cerca de 28 milhões de dólares. O teste de marketing também pode ser conduzido em mercados reais durante um período de tempo, com a finalidade de analisar a demanda e a aceitação dos consumidores. Os principais testes de mercado utilizados pelas empresas são: Grupo de foco (focus group): Por meio desse método, um profissional de marketing fica encarregado de implementar um questionário previamente elaborado a uma dezena de pessoas, normalmente reunidas numa sala separada,


e observadas de longe por outros profissionais da empresa. Para selecionar os participantes, os institutos de pesquisa se baseiam em informações como sexo, idade, posição social e localização geográfica do público-alvo. Painel de Lojas: Nessa técnica, uma quantidade de lojas é especialmente selecionada para participar do teste. É possível controlar a localização do produto nas prateleiras, o número de concorrentes em potencial, os aspectos promocionais que estão influenciando a compra do produto, e a sensibilidade ao preço. Depois de um período em que promoção e decidir que tipo de lugar, promoção e preço é mais adequado para a comercialização do produto. Mercado Teste: as chamadas cidades-teste de mercado possuem características de população que permitem à empresa tirar conclusão de como será a aceitação do produto em termos nacionais. Por outro lado, as cidades-teste não devem ser muito grandes, o que permite um melhor controle de outros fatores, como promoções dos concorrentes, situação de economia e renda da cidade. Assim, os mercados-teste possibilitam previsões mais confiáveis de vendas futuras e diferentes compostos de marketing. No Brasil, a cidade de Campinas, no interior de São Paulo, e Curitiba, no Paraná, eram mercados-teste nos anos 1970, por representarem bem a média da população brasileira (todas as classes). Essas cidades deixaram de representar ou de ser cidades modelos para teste de produtos, pois já não mais se consegue isolá-las em termos de comunicação e distribuição do resto do país. Testes de Uso de Produto: Nesse tipo de teste de mercado, são selecionados alguns clientes dentro do perfil do

125 O processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

preço são alterados e as vendas, monitoradas, a empresa pode


público-alvo do produto. Esses clientes recebem exemplares do produto para usarem como teste por tempo ilimitado. A tecnologia tem permitido a construção de verdadeiras casas-laboratório onde os testes podem ser controlados de forma mais próxima. Veja, na seção Saiba Mais, sobre as casas-laboratório. Em 2006, 20 famílias de Boston tiveram suas cozinhas reorganizadas com eletrodomésticos e aparelhos de última geração que ainda não haviam sido lançados no mercado. A vedete foi o fogão Polara, da Whirlpool. Totalmente programável, ele é capaz de se comportar como um refrigerador, mantendo o alimento congelado até o iní-

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cio de seu cozimento. O fogão foi lançado no final do ano, e existia fila para sua aquisição. Na Espanha, Panasonic, HP, Cysco, Whirlpool e Microsoft formaram um consórcio para construir uma casa inteligente no subúrbio de Barcelona. Lá morou uma família de quatro pessoas, por quase um ano, com a finalidade de testar um ambiente voltado para um melhor aproveitamento de energia. Os tetos são retráteis, dependendo da luz solar; as luzes acendem ou apagam automaticamente, de acordo com o número de pessoas presentes no ambiente; e o aquecedor pode ser acionado pelo celular, para que seja ligado somente às vésperas da chegada dos donos à casa. Feiras de Comercialização: As feiras setoriais têm se constituído como uma importante forma de verificar o nível de interesse dos profissionais do setor no produto e/ou serviço. Atacadistas, distribuidores, varejistas e até clientes frequentam essas feiras, e os profissionais de marketing da empresa podem observar o nível de interesse por determinado lançamento. A desvantagem de participar de uma feira é expor o produto à concorrência.


Showrooms: como nas feiras de comercialização, os showrooms possibilitam que a empresa verifique a preferência do consumidor num ambiente normal de venda do produto. Veja, na seção Saiba Mais, como muitas empresas estão montando verdadeiras casas laboratórios onde os clientes podem morar e interagir com os produtos, a fim de facilitar a avaliação da empresa sobre a aceitação do produto e as possíveis mudanças que devem ser feitas antes do seu lançamento.

Saiba Mais 127 O processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

Casas laboratório são as ferramentas mais modernas de teste de Marketing Por meio de câmeras espalhadas em casa, especialmente construídas para servirem de laboratórios onde clientes usam e interagem com novos produtos, os especialistas analisam as reações das pessoas diante das engenhocas futuristas, e instruem as empresas a fazer as modificações necessárias em cada produto. Em casos extremos, uma ideia pode ser completamente abortada, dependendo das reações das pessoas. Na matriz da Philips, em Eindhoven, na Holanda, funciona, desde 2002, o Home Lab, uma casa equipada com diversos protótipos. Aproximadamente 15 famílias visitam a residência todos os meses. O tempo mínimo de permanência é um dia, mas algumas chegam a viver por lá durante uma semana. A experiência já salvou a Philips de alguns vexames comerciais. No final de 2003, por exemplo, a companhia estava desenvolvendo um televisor capaz de exibir imagens tridimensionais. Testes com inúmeras famílias demonstraram que muitos membros, sobretudo os filhos, sentiam-se enjoados depois de 15 minutos de exibição. O projeto teve que ser imediatamente revisto. A ideia de um piso inteligente no banheiro, capaz de acusar alterações de peso logo que alguém entra no ambiente, também foi suspensa. Ela desagradou em cheio as mulheres. Por outro lado, o sucesso de alguns protótipos fez com que a Philips acelerasse seu lançamento no mercado. Foi o caso da TV Ambilight, que ilumina as laterais de acordo com a cor predominante do programa que está sendo exibido. Ao serem perguntados sobre o conceito do produto,


muitos consumidores diziam que não gostariam que sua sala fosse transformada numa discoteca. Mas, depois, durante o teste de marketing, no qual viram a TV funcionando, a aceitação foi geral. O produto chegou às lojas da Europa em 2004, e foi um sucesso instantâneo. Extraído da reportagem de Carolina Meyer, publicada na Revista Exame, edição 864, de 4 de abril de 2006

6.4

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

128

Comercialização Essa é a etapa final do Processo de Desenvolvimento de um Novo Produto. Todo esse processo tem a finalidade de levar uma inovação ao mercado, e obter os resultados financeiros de todo o investimento que foi realizado nele. Nessa etapa, a empresa se empenha em comercializar o produto, e inicia-se, então, um esforço de produção, distribuição e promoção em larga escala. Há duas formas principais que as organizações adotam para comercializar seus produtos. Uma delas é o lançamento nacional do produto, no qual uma grande campanha publicitária divulga os benefícios dos produtos e estimula os consumidores a procurarem as lojas e revendas onde ele poderá ser encontrado. Evidentemente que todo o esforço de venda, distribuição e entrega do produto já foi realizado previamente ao da publicidade. Contudo, a comercialização nem sempre precisa ser feita com uma grande campanha de lançamento nacional, especialmente quando os custos de comercializar um produto são muito altos. Nesses casos, a organização pode utilizar a estratégia de introdução gradual no mercado, atingin-


do região por região, até que todo o mercado seja atendido. A empresa americana de entregas expressas de encomendas, UPS – United Parcel Service – iniciou seus serviços domésticos no Brasil, em 2009, apenas entre as cidades nas quais a empresa já tinha escritórios, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Campinas (até essa data, a empresa operava apenas com encomendas internacionais). Na época, a presidente da companhia no Brasil, Nadir Moreno, disse, em entrevista ao Jornal Valor Econômico, que a empresa pretendia começar com essas cidades, aprender os novos processos, e daí averiguar o potencial de expandir o serviço para O Guaraná Kuat, exclusivamente brasileiro, voltado principalmente para o público jovem, foi lançado inicialmente nos mercados do Rio de Janeiro, São Paulo e Juiz de Fora, para depois ser estendido ao resto do país. No dia de lançamento, o sistema de distribuição e comunicação tem de estar funcionando plenamente em cada canal de venda, de forma a dominar o mercado o mais rapidamente possível. Muitas empresas perceberam que, como as cópias estão sendo feitas cada vez mais rápidas pelos concorrentes, a estratégia de lançar o produto em todo o território nacional pode ser uma forma de ganhar tempo em termos de vantagem competitiva. Foi essa lógica que levou a fabricante de calçados Azaleia a alterar completamente seu sistema de vendas nos últimos dois anos. Até 2003, a promoção das coleções era feita por meio de catálogos e amostras, cerca de dois meses antes de a fabricação começar, a fim de dimensionar a produção a partir dos produtos com maior aceitação pelos varejistas. A partir de 2004, a empresa extinguiu os catálogos e as amostras, e passou a produzir em grande quantidade para dar conta das vendas quando do lançamento, procurando cobrir

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outros locais no país.


todos os pontos de venda rapidamente, para que a concorrência tivesse menos tempo de produzir suas cópias. A Cadbury-Adams, empresa de confeitos, também alterou sua política de distribuição, formando uma rede com 600 funcionários próprios, que conseguem chegar em 150.000 pontos de venda em 15 dias. Nesse caso, como os produtos são de consumo barato, o sistema de distribuição é fundamental para que o consumidor faça a sua opção pela marca no momento da compra do produto. O investimento de 10 milhões de reais trouxe um aumento de 24% nas vendas em dois anos.

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Algumas decisões que os administradores precisam tomar em relação ao lançamento do produto. Decisões de lançamento do produto: Quando entrar no mercado? A empresa precisa escolher o melhor momento para fazer o seu lançamento. Se souber que outras empresas pretendem lançar inovações semelhantes, ela precisa decidir se deve se apressar para entrar antes que os concorrentes, ao mesmo tempo, ou depois que eles. Onde entrar no mercado? Essa decisão diz respeito à entrada, se deve ser em nível nacional de uma só vez; ou em algumas cidades, primeiramente, e depois alcançando as regiões; e finalmente o país inteiro. Para quem ele será oferecido? A empresa vai oferecer o produto para clientes que ainda não o conhecem e estimulá-los a se tornarem usuários, ou direcionará seus esforços para aqueles que são considerados alto-usuários (usuários muito ativos) do segmento, como as pessoas que utilizam a tecnologia de ponta, por exemplo?


Como o produto será oferecido? Essa questão auxilia a empresa a determinar o mix de marketing que será utilizado para o lançamento do produto, principalmente em termos de preço, praça e promoção.

REFERÊNCIAS CHURCHILL JR., G. A; PETER, J. P. Marketing, criando valor para os clientes. São Paulo: Saraiva, 2007. JONES, G. R.; GEORGE, J. M. Administração Contemporâ-

MEYER, C. Quando o consumidor vira cobaia. Exame. 4 abr. 2006. Disponível em: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0864/noticias/quando-o-consumidor-vira-cobaia-m0081169. Acesso em: 11 abr. 2014. PADUAN, R. As cópias estão mais rápidas. Exame. 27 jan. 2005. SEGALLA, A. O triunfo da Toyota. Época Negócios. 4 abr. 2007. Disponível em http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDG76927-8382-2,00.html. Acesso em: 08 abr. 2014.

131 O processo de Desenvolvimento de Novos Produtos

nea. São Paulo: McGraw-Hill, 2008.



(7)

S elecionando as caracterĂ­sticas dos novos produtos



Na unidade anterior, verificamos o processo utilizado pelas organizações para o Desenvolvimento de Novos Produtos. Além de segui-lo em todas as suas etapas, o gerente precisa tomar outras decisões que envolvem o projeto do produto, como as características que irá agregar ao produto.

7.1 S elecionando as características dos novos produtos Ao desenvolver novos produtos, os profissionais de marketing precisam decidir sobre alguns atributos que serão inseridos no produto, como nível de qualidade, características, design e nível de segurança do produto.


7.2 Nível de Qualidade Uma decisão importante do projeto de um novo produto é o nível de qualidade que o produto terá. A qualidade percebida pelo consumidor está diretamente relacionada ao

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valor que ele atribuirá ao produto, e isso pode afetar significativamente o volume de vendas do produto. Os consumidores e os compradores organizacionais geralmente levam em consideração o nível de qualidade dos produtos ao tomar decisões de compra sobre eles. Como o cliente está sempre relacionando preço com a qualidade, e comparando-os às outras ofertas disponíveis no mercado, a empresa precisa definir com clareza qual será o nível de qualidade que o produto irá oferecer ao consumidor. É possível que o cliente esteja disposto a levar um produto de qualidade inferior se perceber que ele desempenha as funções necessárias e esperadas, e, além disso, seja mais barato que a marca concorrente. Da mesma forma, os compradores organizacionais de parafusos, porcas e conectores elétricos para automóveis raramente compram os fechos caros e de alta qualidade, usados em aeronaves, uma vez que carros são usados em situações com menor grau de exigência. Ao projetar novos produtos, os profissionais de marketing precisam considerar quais critérios os clientes potenciais utilizam para considerar um produto como sendo de qualidade, e, assim, determinar suas expectativas em relação à qualidade esperada de um produto. O desafio de decidir sobre o nível de qualidade é ainda maior por ser um aspecto abrangente e, por vezes, subjetivo.


Para o engenheiro do produto, por exemplo, fabricar um produto de qualidade significa produzir algo que esteja de acordo com as especificações técnicas determinadas no seu projeto. Já para o cliente varejista, o produto será de qualidade se atender às suas expectativas em termos de vendas e retorno financeiro; para o cliente usuário, um produto será considerado de qualidade quanto mais prático ou mais durável de ser usado. Para o governo, um bom produto é aquesem fins lucrativos, a qualidade de um produto está diretamente relacionada à causa que ela defende. Nesse caso, uma sacola plástica utilizada para acondicionar as compras em um supermercado pode ser considerada um produto de qualidade para o fabricante porque obedece aos rígidos padrões da engenharia de materiais. O cliente usuário da sacola plástica também pode considerá-la como um bom produto, pois é adequada para transportar as compras até sua residência. Na avaliação do governo, a indústria de plástico no Brasil movimenta um importante setor da economia, e isto, por sua vez, traz riqueza pela geração de empregos e aumento da arrecadação tributária. Contudo, para as ONGs que defendem o meio ambiente, esse produto é altamente inadequado e perverso, pois polui o solo dos aterros sanitários onde é descartado. Se analisarmos tão somente do ponto de vista dos usuários, o termo qualidade também apresenta aspectos bem diferentes, dependendo do benefício que o cliente espera do produto. Ao comprar um novo relógio, por exemplo, o cliente pode estar à procura de um relógio de qualidade no sentido de apresentar um belo design. Logo, ele ficará satisfeito se encontrar um relógio que combine com ele ou que agrade o seu gosto estético; outro cliente pode estar procurando um relógio cuja qualidade seja

137 Selecionando as características dos novos produtos

le que traz boa arrecadação de tributos, e, para organizações


traduzida por durabilidade. Ou seja, ele ficará satisfeito com a compra na medida em que esse relógio exige menor manutenção ou reparos ao longo dos anos. Um terceiro consumidor considerará um “bom” relógio aquele cuja marca seja reconhecidamente uma marca que confere status e prestígio ao usuário. Logo, é possível que ele deixe de comprar um relógio bonito e durável, na opinião dos dois consumidores anteriores, por serem de uma marca des-

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conhecida. Finalmente, é possível que um cliente considere um bom relógio aquele que tenha características muito específicas, como, por exemplo, funcionar em temperaturas extremas ou em grandes profundidades. Mesmo que a expectativa de qualidade varie de acordo com a situação e com o tipo de cliente, os oito critérios a serem considerados, em termos de nível de qualidade, são: • Desempenho: Como o produto se sai na função que se propõe a desempenhar? Se o consumidor está procurando um aparelho de som para animar as festas que ele organiza com os colegas de faculdade, espera que as características técnicas e de potência do equipamento lhe garantam um desempenho satisfatório. Pode escolher um aparelho que não seja bonito nem muito prático, mas que, uma vez instalado, lhe deixe satisfeito quanto ao desempenho prometido. • Características: O produto tem características exclusivas desejáveis? Um consumidor pode procurar por características muito específicas numa máquina fotográfica, e ficará satisfeito em encontrar uma que permita armazenar as fotos recém-tiradas em um disco virtual disponível na internet e acessível por conexão sem fio.


• Confiabilidade: O produto parece funcionar bem e não quebrar por um período de tempo razoável? O consumidor pode preferir comprar um secador de cabelos que seja quase o dobro do preço de outro que está em promoção, pois tem dúvidas de que esse produto funcione por um ano inteiro sem quebrar, ou sem a necessidade de levá-lo à oficina para reparos técnicos.

estabelecidos para itens, como, por exemplo, segurança? Ao procurar um brinquedo para presentear uma criança, o consumidor observa se ele possui peças pequenas que possam ser engolidas e colocar em risco a saúde da criança, bem como se ele é produzido com tinta e material atóxico. • Durabilidade: Quanto tempo o produto irá durar antes de se desgastar e ter de ser substituído? Como dissemos acima, o consumidor espera um produto que dure o tempo suficiente para seu uso. Mães que possuem crianças pequenas não esperam comprar um berço que tenha durabilidade por 20 anos, mas ficarão satisfeitas com móveis que durem os seis anos em que família passará pela fase de filhos pequenos, com menos de dois anos de idade. • Serviços: Com que rapidez e facilidade qualquer problema com o produto pode ser corrigido? Alguns tipos de produtos dependem de uma ampla rede de assistência técnica e manutenção a fim de garantir a satisfação do usuário. Uma dona de casa pode ficar relutante em comprar um fogão ou uma máquina de lavar roupa cuja marca seja desconhecida, por duvidar que consiga achar uma assistência técnica próxima à sua residência, mesmo que o preço e o design tenham agradado essa consumidora.

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• Conformidade: O produto se conforma aos padrões


• Estética: Quanto o produto é atraente para os sentidos (visão, paladar, olfato, tato ou audição)? Algumas empresas têm procurado diferenciar seus produtos pelo design, a fim de atrair a atenção do consumidor e oferecer maior valor. Veja na seção Saiba Mais o exemplo da Spirit que resolveu inovar no design dos ventiladores. • Avaliação geral: Considerando todos os aspec-

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tos sobre o produto, incluindo suas características físicas, fabricante, imagem de marca, embalagem e preço, como o produto é avaliado? Antes de passarmos para a segunda decisão sobre a característica dos produtos, é importante lembrar que um aspecto fundamental é a garantia que a empresa oferece para o novo produto.

GLOSSÁRIO: Garantia é a declaração do produtor do que ele fará para compensar o comprador se o produto tiver algum defeito ou não funcionar adequadamente. Com a diminuição das diferenças entre os produtos, um produto com maior período de garantia pode ser um atrativo para o consumidor. A Honda despertou maior interesse no Brasil quando passou a oferecer 3 anos de garantia total em toda a sua linha de veículos, quando as demais montadoras ofereciam apenas 1 ano. Algum tempo depois, ela aumentou ainda mais o tempo de garantia, estendendo-o para 5 anos. É comum que alguns fabricantes de aparelhos de TV ofereçam garantia de 4 anos em época de Copa do Mundo de Futebol. Alguns setores industriais são regulamentados


por uma legislação que exige que as empresas ofereçam um tempo mínimo de garantia no desempenho do produto. A rede de fast-food Habib’s possui um programa de entrega em domicílio chamado Delivery 28 minutos, no qual a empresa se compromete a fazer a entrega dentro desse prazo em áreas geográficas pré-definidas. Caso a empresa não consiga cumprir o seu compromisso, o cliente recebe o lanche gratuitamente.

C aracterísticas do produto A empresa precisa selecionar as características que vai inserir no produto, de acordo com o público-alvo que deseja atingir. Essas características podem ter a finalidade de facilitar o uso do produto, o que aumenta suas chances de aceitação pelo mercado. As fabricantes de fotocopiadoras Canon e Ricoh abocanharam importantes fatias de mercado da líder Xerox, ao oferecer produtos menores e mais leves, fáceis de transportar de uma mesa para outra dentro do escritório. Outras empresas estão fazendo o mesmo com o iPhone da Apple. Veja um pouco dessa história na seção Saiba Mais.

Saiba Mais Como desbancar o líder de mercado Kodak e IBM um dia tentaram fabricar copiadoras para vencer a líder de mercado Xerox. Não havia nada que fizessem que a Xerox não fosse capaz de fazer. Contudo, o que a gigante do setor não esperava era ser incomodada por empresas muito menores no segmento, como a Ricoh e a Canon. Ignorou-as porque não tinha motivação para brigar com “pequenos” fabricantes de copiadoras de mesa, de margens menores. Foi um erro. Os pequenos crescem

141 Selecionando as características dos novos produtos

7.3


e batem os grandes, se não em tamanho, em lucratividade e valor de mercado. Outro exemplo é o iPhone da Apple, que atingiu a impressionante marca de vender 500 mil exemplares do produto somente no fim de semana do seu lançamento. É um celular melhor e (muito) mais caro do que os que já existem. Por trazer um alto retorno ao fabricante, o produto atrai os rivais a lutar para abocanhar um pedacinho, que seja, do mercado, inserindo novas características nos produtos como interfaces reprojetadas e preços menores.

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Fonte: Adaptado do artigo de Clemente da Nóbrega publicado na Revista Época Negócios, edição Inovação no. 6, 30 jul. 2007. Outro aspecto na seleção das características que serão inseridas no produto é oferecer maior valor ao consumidor. Os profissionais de marketing podem identificar a necessidade de alguns recursos que os mercados-alvo ainda não possuem, e ganhar sua preferência com eles. Uma das fabricantes de escovas dentais no Brasil descobriu que certos consumidores sofriam com sensibilidade nos dentes devido ao hábito de imprimir muita força na escovação. A partir dessa constatação, inseriu uma minúscula mola atrás da cabeça da escova de forma a impedir que a gengiva e o esmalte do dente fossem machucados. Um fabricante de aparelho celular colocou a função de lanterna junto com o flash fotográfico, permitindo que o usuário não perca muito tempo procurando os óculos na cabeceira da cama ao acordar pela manhã, e tenha mais facilidade para encontrar o orifício da fechadura e entrar em casa quando volta do trabalho no fim do dia. Outra característica que precisa ser considerada em relação aos novos produtos são as cores em que serão oferecidos. Em 2007, a Dell lançou no Brasil a série de notebooks Inspiron 1721, disponíveis em oito cores diferentes. O produ-


to foi desenvolvido a partir de pesquisa realizada com consumidores, em especial o público feminino. A variedade de opções permite atender a um número maior de preferência dos consumidores.

7.4 D esign do Produto O design do produto pode ser utilizado como um diferencial para atrair e conquistar mais consumidores. A fim de diferenciar a sua bebida das demais concorrentes, e valorizá-la no ponto de venda, a Coca-Cola desenvolveu, desde o início do século XX, uma embalagem com contorno peculiar que perpetuou a marca durante décadas. Uma campanha de divulgação do produto e de seu layout permite a fácil identificação e preferência em milhares de pontos de venda espalhados pelo país. Contudo, o design bonito também precisa ser viável em termos de fabricação e custos para a empresa. Um bom design pode agradar aos clientes sem que sua produção seja necessariamente mais cara. Isso é especialmente provável quando a organização usa equipes multifuncionais para desenvolver seus produtos e aplica a “engenharia simultânea” que comentamos na unidade 3. O design pode obedecer à funcionalidade (tornar mais fácil de utilizar), como lapiseiras que possuem o corpo emborrachado com pequenas esferas salientes (grip) para facilitar a escrita; ou esponjas de banho e sabonetes que se ajustam ao formato da mão fechada, aumentando a segurança no uso. Almofadas de viagem viraram apoios anatômicos que envolvem o pescoço dando maior conforto para o passagei-

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ro; mouses especialmente desenhados para ajustar-se à mão do usuário podem evitar dores e problemas físicos devido à intensidade do seu uso. Veja na seção Saiba Mais como a Spirit, fabricante de ventiladores, resolveu diferenciar seu produto pelo design, e alcançou considerável fatia de mercado.

Spirit – O design fez a empresa ganhar espaço num mercado de grandes Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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O empresário carioca Felipe Pech, de 51 anos, nunca se conformou com a imutabilidade dos ventiladores. Há décadas, o que se via no mercado eram as mesmas hélices brancas, protegidas por grades de plástico. Os modelos de teto também não apresentavam nenhuma diferença. Movido por essa convicção, Pech largou o cargo de executivo num grande magazine, abandonou sua carreira de 20 anos no varejo, e juntou 300.000 reais, entre suas economias e de alguns investidores. Chamou o designer Guto Índio da Costa e, em 2002, lançou o Spirit, o primeiro ventilador de teto brasileiro com duas pás, em vez das três ou quatro tradicionais. E, além disso, lançou a novidade em cores vibrantes, como verde-limão, abóbora e rosa-choque. A aerodinâmica do Spirit foi inspirada na hélice do avião usado pelo americano Charles Lindbergh, o primeiro a atravessar o oceano Atlântico num voo solo, em 1927. A aeronave - o Spirit of Saint Louis - deu nome ao produto e à própria empresa. Guardadas as devidas proporções, pode-se dizer que o Spirit também foi pioneiro, pois permitiu à empresa desbravar um mercado até então dominado por grandes marcas, como Arno e Electrolux. No primeiro ano, foram vendidas 75.000 unidades. No seguinte, as vendas dobraram. Em 2005, a Spirit faturou 45 milhões de reais, 42% mais do que em 2004. Estimava-se que a empresa já teria mais de 12% de participação no mercado de ventiladores de teto. O preço do Spirit é de cerca de 290 reais, ante os convencionais, que custam de 89 a 200 reais, dependendo do modelo.


7.5 S egurança do Produto Os profissionais de marketing precisam desenvolver novos produtos que apresentem um nível razoável de segurança. Governos e associações civis têm exercido maior prestam a integridade física do usuário. Contudo, mesmo empresas, cujos produtos não ofereçam riscos diretos à saúde do cliente, precisam preocupar-se com a segurança dos usuários. Os fabricantes de canetas esferográficas alcançaram razoável qualidade ao desenvolver sistemas que evitam que a tinta vaze da caneta com a variação de temperatura, melhorando a aceitação e a utilização do produto. As empresas também se preocupam com a segurança do produto para evitar os prejuízos à sua imagem, quando deixa de satisfazer um cliente. Produtos que causem danos ao consumidor mancham a reputação da empresa, e recuperá-la pode ser bem mais caro do que melhorar o processo de fabricação e garantir a segurança do usuário. Continuaremos falando, em seguida, sobre a seleção das características de novos produtos, estudando a embalagem e os rótulos.

REFERÊNCIAS CHURCHILL JR., G. A; PETER, J. P. Marketing, criando valor para os clientes. São Paulo: Saraiva, 2007.

145 Selecionando as características dos novos produtos

são sobre as empresas a fim de exigir que os produtos garan-


NOBREGA, C. Qual o futuro do iPhone? Época Negócios. ed. 6.

30 jul. 2007. Disponível em: http://epocanegocios.

globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDG78323-8493-6,00QUAL%2BO%2BFUTURO%2BDO%2BIPHONE.html. Acesso em 14 abr. 2014.

Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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Selecionando as caracterĂ­sticas dos novos produtos

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(8)

D ecidindo sobre a Embalagem e o R贸tulo do Novo Produto Objetivo



Na unidade anterior, verificamos algumas decisões importantes que precisam ser tomadas quando se está elaborando as características que o novo produto terá. Agora iremos observar um aspecto cuja importância tem crescido e cuja definição pode exercer grande influência na aceitação do produto. Referimo-nos às decisões sobre Embalagem e Rótulos, que são partes importantes no Desenvolvimento de um Novo Produto, responsáveis por 15% do preço final do produto. Assim, o seu desenvolvimento eficiente e eficaz faz parte dos desafios da equipe que está desenvolvendo o novo produto. Historicamente, a embalagem pretendia proteger o produto durante a sua armazenagem e transporte. Hoje, o processo de embalagem tornou-se mais um importante fator para conseguir aumento na distribuição do produto, identi-


ficação pelos clientes e atração de novos consumidores. Os varejistas, por exemplo, dão preferências a comprar e expor produtos cujas embalagens sejam chamativas, com pacotes atraentes e funcionais, pois certamente venderão mais.

8.1 Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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E mbalagem e Rótulo de Novos Produtos 8.1.1 Embalagem As embalagens tornaram-se importantes ferramentas para contribuir com o sucesso de novos produtos no mercado, pois, além de servirem para chamar a atenção do consumidor, possibilitam acondicionar melhor o produto e distingui-lo dos seus concorrentes. Uma das primeiras funções da embalagem é acondicionar o produto. Logo, a sua concepção tem que estar presente desde as fases iniciais do desenvolvimento do novo produto, procurando vencer o desafio de alinhar dois aspectos difíceis de serem conciliados: facilidade de transporte e armazenagem, e facilidade de manuseio pelo consumidor final. Um produto não poderá ser vendido no ponto de venda se estiver com sua embalagem estragada ou violada, trazendo prejuízos ao fabricante. Por outro lado, é comum encontrar consumidores reclamando da dificuldade que encontram em abrir as embalagens de certos produtos em casa, fazendo, muitas vezes, uso de tesouras e talheres, como facas e garfos, para tentar desembalar o produto. É possível observar, numa praça de alimentação, os consumidores tentando abrir as embalagens dos sachês de


ketchup ou maionese para acompanharem o seu lanche. Não raro, o consumidor desiste de usar o molho com medo de acontecer um pequeno acidente e sujar sua roupa ou pertences. A fim de preservar o alimento por mais tempo, embalagens fechadas a vácuo apresentam os maiores desafios para os consumidores e, muitas vezes, ocorrem pequenos acidenPor outro lado, pacotes de biscoitos que sejam muito fáceis de abrir podem se romper durante o transporte, ou podem ser violados enquanto estão expostos no ponto de venda, permitindo o furto do seu conteúdo. Em ambos os casos, a empresa e o distribuidor arcam com prejuízos decorrentes da falha no projeto da embalagem. Nos últimos anos, as embalagens passaram a ser vistas como importantes ferramentas de promoção do produto. O aumento do consumo ganhou, como aliado, as novas tecnologias de impressão colorida que permitem desenvolver embalagens muito mais atraentes aos olhos, independentemente do tipo de material que esteja sendo utilizado. Uma embalagem sem os recursos gráficos terá pouco apelo no ponto de venda. Outra embalagem colorida, com fotos bem ilustrativas dos produtos, certamente contribuirá para o aumento de suas vendas. Veja na seção Saiba Mais como a empresa Bauducco conseguiu expressivos resultados pela reformulação gráfica de suas embalagens. Embalagens coloridas despertam a atenção e o desejo do consumidor e aumentam as vendas dos produtos.

153 Decidindo sobre a Embalagem e o Rótulo do Novo Produto Objetivo

tes domésticos ao tentar abri-las.


Saiba Mais

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Bauducco reformula suas embalagens e ganha prêmio internacional No ano de 1997, após uma série de pesquisas em profundidade, a Bauducco faz a maior mudança de identidade visual já realizada por uma empresa de alimentos. Modernizando a sua logomarca, adota o amarelo como cor predominante em todas as suas embalagens. O amarelo, entre outras coisas, simboliza a luz do sol e o trigo, base de todos os produtos. Junto com a mudança das embalagens, foi veiculado um filme publicitário contando a chegada da família Bauducco ao Brasil. No ano seguinte, a Bauducco recebe, em Londres, o prêmio Design Effectiveness Awards (Prêmio Eficácia em Design) com a embalagem desenvolvida para a sua lata especial de Natal do Panettone. É a primeira vez que uma empresa brasileira de alimentos recebe este prêmio. A Bauducco, uma das maiores doceiras e panificadoras do país, é líder de mercado em alguns segmentos de produtos forneados, como panettones, colombas, torradas e biscoitos waffers, produzindo diariamente 23 milhões de biscoitos. No período de pico da produção, entre agosto e a véspera do Natal, são assados 188 panettones por minuto nos fornos da empresa. Anualmente a empresa também produz mais de 7 milhões de unidades de Colomba Pascal. Fonte: Mundo das Marcas. Disponível em http://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/07/bauducco-da-famlia-bauducco-para-sua.html. Acesso em 20 jun. 2011. Um dos produtos mais conhecidos no mercado brasileiro, o leite condensado Moça, é líder absoluto de vendas e, mesmo assim, está sempre renovando sua imagem visual, desenvolvendo novas embalagens com a finalidade de manter sua imagem de qualidade e de marca inovadora. Se fosse pensar apenas em termos de popularidade, a marca dispensaria qualquer tipo de novidade. Contudo, o mesmo produto vem sendo oferecido de diferentes maneiras através de todo o


século XX e, também, neste início de Século XXI. A diferença, nesse caso, é apenas na embalagem. A Coca-Cola, há muito tempo, identificou seu produto pelo “contorno curvilíneo” da garrafa. Essa foi a forma encontrada pela companhia, desde o início do Século XX, para chamar a atenção do seu consumidor e para criar uma identidade ting, consumidores mais antigos associam tal formato com qualidade, enquanto os consumidores jovens a veem como distintivamente moderna. Mas, de acordo com a figura abaixo, a evolução da embalagem original de 1899 para a mais conhecida, de 1986, passou por estágios intermediários, sempre na intenção de fazê-la mais atraente e comunicar o valor do produto ao consumidor. Veja a evolução da embalagem da Coca-Cola. Na sequência: a de 1899, 1900, 1915, 1916,1957 e 1986.

Após a marcante alteração do modelo de 1916, a marca encontrou sua essência e o layout sofreu pouquíssimas mudanças desde então.

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visual com o produto. De acordo com pesquisas de marke-


A cor é outro aspecto da embalagem que precisa ser cuidadosamente analisado pela equipe responsável pelo novo produto. Uma vantagem diferencial pode ser obtida ao se identificar a cor mais atraente e saber quando mudar as cores. A cor pode ser extremamente importante para a embalagem, bem como para o próprio produto. Já vimos o exemDesenvolvimento de novos produtos e marcas

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plo, acima, da marca Bauducco, que reformulou totalmente as cores de suas embalagens como uma estratégia de modernização, inovação e atração de consumidores. Os especialistas em cor dizem que não é por coincidência que marcas como a Nabisco, a Marlboro, a Coca-Cola e a Budweiser são marcas bem-vendidas. Em cada caso, o vermelho é a cor primária das suas embalagens ou logotipos. Nabisco, Marlboro, Coca-Cola e Budweiser. Seria o vermelho uma razão para o sucesso dessas marcas? O vermelho pode ser chamativo porque ele “evoca sentimentos calorosos, passionais e sensuais”. Entretanto, de acordo com um pesquisador de cores, o azul tem ultrapassado o vermelho como a cor preferida dos compradores americanos. Ao determinar as características da embalagem para acondicionar o produto, a equipe de desenvolvimento de um novo produto precisa considerar os diferentes custos das várias alternativas. Tornar as embalagens muito mais atraentes, protetoras, convenientes e suficientemente seguras poderia ser proibitivamente caro. Por isso, mais uma vez o desafio é aliar praticidade, segurança e custos viáveis para a comercialização do produto. Com o aumento da preocupação ambiental e a pressão que os grupos da sociedade civil vêm exercendo sobre os governos e as empresas, legislações atuais estão responsabilizando as empresas produtoras, também, pelo descarte da embalagem de seus produtos. Com isso, surge um desafio a mais para os profissionais: desenvolver embalagens que,


além das características comentadas acima, sejam também ecoeficientes, ou seja, que produzam menos impacto ambiental, que extraiam menos matéria-prima da natureza, e que sejam recicláveis. O McDonald’s decidiu trocar suas embalagens de isopor por embalagens de plástico reciclado e papel, atendendo das acondicionadas em latinhas permitem a reciclagem do alumínio, o que deu oportunidade de trabalho para várias pessoas no Brasil, tornando o país o campeão mundial de reciclagem nesse tipo de material. Na Alemanha, a legislação exige que 80% do material de embalagem precisa ser coletado, e 80% dessa quantidade deve ser reciclada ou reutilizada para reduzir os despejos de material sólido nos aterros sanitários.

8.1.2 Rótulo Uma parte importante da embalagem é o rótulo, que pode ser pequeno e simples como o de uma trufa ou geleia artesanal vendidas no caixa de uma padaria, ou mais complexo como o de um medicamento ou pesticida. No caso da trufa, o rótulo pode conter apenas o sabor e a data de validade. Da mesma forma, geleias artesanais podem conter rótulos simples identificando o fabricante, o sabor e a data de validade. Um rótulo pode ser considerado complexo quando ele precisa trazer informações sobre a composição do produto, as limitações de sua utilização, os cuidados a serem tomados e etc. Produtos químicos e medicamentos são obrigados a trazerem informações de orientação sobre como proceder em caso de contaminação ou acidente com o usuário. Produtos contaminantes precisam, inclusive, ter a sua comercialização autorizada pelos órgãos competentes, e os varejistas assumem responsabilidade legal pela sua venda indevida.

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às expectativas de seus consumidores e do mercado. As bebi-


Nas últimas décadas, a tecnologia da Informação permitiu inserir, no rótulo do produto, mais um item importante para a identificação do seu conteúdo: o código de barras. Nele estão contidas informações úteis para o revendedor e usuário final do produto, como, por exemplo, a quantidade, o número de lote, tamanho ou peso, o fornecedor e o preço. Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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Para alguns produtos, existem exigências legais que determinam as informações que o rótulo deve conter. Por exemplo, produtos alimentícios devem trazer todos os ingredientes utilizados na sua composição, o seu valor nutricional, a quantidade de calorias e a porcentagem que ele representa na quantidade diária necessária de nutrientes para uma alimentação equilibrada. Etiquetas de roupas devem trazer o tipo e a quantidade de fibras utilizada na sua composição, e, ainda, instruções de manutenção e cuidado. Churchill (2007, p. 276) apresenta 10 dicas para desenvolver embalagens eficientes: 1. Deixar a autoridade e a responsabilidade máximas pela embalagem para o departamento de marketing (veja na seção Saiba Mais o exemplo, e como não fazer um rótulo de produto). 2. Usar equipes interfuncionais que incluam pessoal de outras áreas, como produção e engenharia. 3. Elaborar a embalagem de um novo produto desde o início do seu processo de desenvolvimento. 4. Considerar as necessidades dos clientes e dos revendedores. 5. Analisar também as embalagens dos concorrentes e possíveis requisitos legais. 6. Considerar a lucratividade como o objetivo mais importante. Um produto não pode ser deficitário por causa de sua embalagem.


7. Não alterar embalagens sem ter em mente uma vantagem clara sobre a atual. 8. Pesquisar a opinião dos clientes e revendedores. 9. Realizar testes de embalagem no mercado. 10. Introduzir mudanças na embalagem todas de uma só vez, reformulando-a totalmente e não de forma

Indústria de queijo dá o exemplo de como NÃO SE FAZER um rótulo Certa marca de produtos alimentícios no Brasil lançou uma nova linha de queijos com baixas calorias alcançadas pelo sistema de ultrafiltragem. No rótulo do produto, a empresa sentiu a necessidade de explicar ao consumidor o que é e quais as vantagens do novo método utilizado no queijo. Nele, o consumidor era surpreendido com as seguintes informações: “O E... foi especialmente fabricado por meio da alta tecnologia de ultrafiltração, um moderno método no qual a gordura e a proteína são retidas pelas membranas, enquanto a lactose, os sais minerais, o nitrogênio não proteico e outros componentes menores são eliminados, em parte, junto com a água. O método de ultrafiltração permite também reter as proteínas do soro (lactoalbumina e lactoglobulina) que, além de ótima qualidade, são de grande valor nutricional. Já no processo tradicional de fabricação de queijos, essas proteínas são perdidas juntamente com o soro. Outra vantagem da técnica de ultrafiltração é que, durante o processo, não há nenhum contato manual com o produto, o que irá contribuir para melhorar a qualidade microbiológica do produto.” Por mais que seja importante destacar as vantagens da nova técnica desenvolvida pela empresa para a filtragem do leite e a fabricação do queijo, a linguagem técnica demais assusta e confunde o consumidor. Esse linguajar é apropriado para os manuais dos estudantes e profissionais de química e engenharia de alimentos, mas não no rótulo e em uma embalagem.

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muito lenta e gradual.


Provavelmente, a seleção das informações e a elaboração do rótulo ficaram a cargo do Engenheiro Químico da empresa, que se preocupou em fornecer informações corretas do ponto de vista do processo químico, mas que pouco auxiliam o consumidor, nem geram valor para ele.

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Fonte: Site oficial da marca. Por razões éticas, a marca do produto foi mantida em sigilo.

Entretanto, redesenhar uma embalagem não é fácil nem barato. Essa tarefa pode custar de U$ 20.000,00, para um único e simples produto, até U$ 250.000,00 para um projeto que envolve uma linha de produto e requer pesquisas e testes com os consumidores. E nesses números não estão sendo considerados os gastos com publicidade e promoção da nova embalagem.

8.2 C ríticas à embalagem ETZEL et al. (2001) apresentam as seguintes críticas à embalagem: • A embalagem é enganosa: Um problema comum é que o tamanho da embalagem transmite a impressão de conter mais do que o conteúdo real, ou as fotos ilustrativas da embalagem contém imagens muito superiores à do produto real. As imagens abaixo comparam as embalagens com os produtos encontrados dentro delas. É comum o consumidor sentir-se desencantado depois de abrir a embalagem e conferir o seu conteúdo.


Bolinho com recheio de morango

• A embalagem é muito cara: mesmo em uma embalagem aparentemente simples, tal como a de refrigerantes, aproximadamente metade do custo de produção é do recipiente. Assim, a boa embalagem deve servir para reduzir as perdas de transporte e armazenagem do produto. • A embalagem esgota os recursos naturais: Esse problema é ainda maior porque, muitas vezes, as empresas preferem recipientes maiores que o necessário para destacar o produto nas gôndolas dos supermercados e atrair a atenção do consumidor. Muitas empresas têm desenvolvido estudos no sentido de utilização de material reciclável para as embalagens, mas esse é um aspecto particularmente difícil quando se trata de produtos alimentícios que precisam ser adequadamente condicionados para terem um prazo maior de validade.

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Sanduíche pronto


• Algumas formas de embalagem plástica e latas aerossol são prejudiciais à saúde: O clorofluorcarbono (CFC) foi utilizado durante muito tempo como o propulsor do aerossol, mas já foi proibido em vários países pelos danos que causa, quando liberado na camada de ozônio. As limitações legais têm exigido que a indústria Desenvolvimento de novos produtos e marcas

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de embalagem pesquise e desenvolva novas formas menos agressivas ao meio ambiente. • Embalagens usadas e descartadas compõem o problema do lixo sólido: Além do aspecto da escassez de matéria-prima para a confecção das embalagens, elas geram um problema adicional em relação ao seu descarte correto. Com a poluição do solo causada pelo lixo, as empresas começam a ser responsabilizadas pelos governos por cuidarem do lixo que elas ajudam a produzir. Esse problema pode ser diminuído pelo uso de materiais biodegradáveis nos pacotes. Assim, procuramos demonstrar a importância de se incluir a embalagem e o rótulo nas questões que envolvem o desenvolvimento de um novo produto. Mais do que simplesmente conter o produto, a embalagem e o rótulo podem ser importantes aliados da empresa na tarefa de tornar seus produtos mais competitivos.

REFERÊNCIAS CHURCHILL JR., G. A; PETER, J. P. Marketing, criando valor para os clientes. São Paulo, Saraiva: 2007. ETZEL, M. J. et al. Marketing. São Paulo: Makron Books, 2001.


KERIN, R. A. et al. Marketing. São Paulo: McGraw-Hill, 2007. TAVER, I. Coma com os olhos. Blog. Disponível em http:// www.comacomosolhos.com. Acesso em: 20 jun. de 2011.

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Textos Complementares



Texto 1 | Raio X da base da pirâmide1 A Philips comprou no Brasil a VMI, uma fábrica de equipamentos hospitalares com a qual não conseguia competir. O que isso ensina sobre a tecnologia nos mercados emergentes?

1. Reportagem de Eduardo Ferraz, publicada na Revista Época Negócios, s/d.


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NEGÓCIO EM FAMÍLIA Silvia, Otávio Viegas e três filhos junto ao aparelho de ressonância magnética da empresa. Eles formam a cúpula da VMI, tomam decisões rápidas e trabalham de olho na realidade do mercado nacional

O que leva uma gigante multinacional como a Philips, que obtém um faturamento anual de US$ 36 bilhões, a passar quase dois anos negociando a compra de uma pequena empresa mineira que fatura pouco mais de R$ 40 milhões? Não, a empresa em questão, localizada em Lagoa Santa, nos arredores de Belo Horizonte, não inventou um sistema revolucionário de vendas por internet. Tampouco criou um tipo novo e extraordinário de iluminação. Na verdade, não produziu qualquer tecnologia única no mundo. O que ela tem de especial a empresa chama-se VMI Sistemas Médicos e fabrica aparelhos de diagnóstico por imagem, como raios X ou mamógrafos - é o fato de incorporar, em pequena escala, tudo aquilo que a Philips almeja. Explica-se: em maio de 2006, Gerard Kleisterlee, presidente mundial da Philips, reuniu cerca de 150 executivos da companhia em Nova Délhi, na Índia, para informar que a partir de então a meta seria crescer por meio de uma atuação mais agressiva nos mercados emergentes. Como? Dando mais liberdade às suas subsidiárias para trabalhar de acordo com as demandas do cliente local. E a VMI com isso? Bom, a VMI é fera num mercado emergente estratégico - o Brasil. Criada com poucos recursos em 1985, ela desa-


fiou os grandes do setor, como a Siemens, a Hitachi e a própria Philips, e conseguiu garantir uma presença marcante em hospitais e clínicas espalhados pelo território nacional. Hoje, da empresa mineira - enquanto a Philips manquitola com 13% de participação no segmento. Para conseguir isso, um de seus principais trunfos é a agilidade. Um exemplo? Numa sexta-feira de novembro, Silvia Carvalho - co-fundadora da empresa ao lado do marido, Otávio Viegas - está na fábrica da companhia quando recebe uma ligação no celular e conversa sobre uma cirurgia. Ao desligar, explica: “Há exatamente uma semana, um médico nos ligou dizendo que precisava urgentemente de um arco cirúrgico (aparelho que mostra imagens contínuas do interior do corpo) para uma cirurgia que seria realizada hoje”, disse Silvia. “Construímos o aparelho, fizemos a calibragem e, como não dava tempo para treinar um funcionário do próprio hospital a utilizá-lo, um de nossos técnicos foi participar da operação. Quem me ligou agora foi ele, o Edson, para me dizer que a intervenção foi um sucesso.” A Philips quer aprender com esses exemplos da VMI. “Ao invés de chegar lá e impor nossa cultura, queremos criar uma blindagem e descobrir como eles conseguem atuar tão bem na base da pirâmide”, diz Daurio Speranzini Junior, vice-presidente para a América Latina da divisão de Sistemas Médicos da Philips. “Se olharmos o nosso slogan, ‘sense and simplicity’ (bom senso e simplicidade), vemos que hoje ele combina muito mais com a VMI do que com a própria Philips.” Trabalhar com a base da pirâmide significa entender que a realidade dos hospitais brasileiros é diferente daquela dos europeus e americanos. Um aparelho de raios X da VMI é vendido, em média, por metade do preço dos aparelhos importados. Um modelo compacto da VMI, por exemplo, custa US$ 140 mil. Um similar da Philips, fabricado em Hamburgo, sai por US$ 300

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um em cada três aparelhos de raios X vendidos no Brasil sai


mil. Está certo, o modelo que vem de fora tem funções adicionais. Mas só alguns hospitais de primeira linha, como o SírioLibanês, de São Paulo, estão dispostos a pagar pela diferença.

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A grande maioria vai procurar algo mais barato que cumpra o papel. Desde que foram lançados esses dois modelos, a VMI já vendeu no Brasil 30 unidades, ante apenas uma da Philips. Além de hospitais, uma boa parte da clientela da VMI é formada por clínicas pequenas, que não teriam condições de ter aparelho próprio se dependessem de importados. Para entender os clientes emergentes, a Philips garantiu no contrato de compra, assinado em junho passado, que o casal fundador permanecesse à frente do negócio por dois anos. Tenta, assim, preservar a alma da empresa.

SALA DE PROVAS A Philips quer manter a cultura empreendedora e ágil da VMI, que permite criar em Lagoa Santa, Minas Gerais, um novo aparelho de raios X em apenas cinco meses, pela metade do custo dos holandeses Essa alma chama-se Otávio Viegas, mineiro de 57 anos, com voz grave de barítono e um bigode de proporções iraquianas. Sua história tem ares de saga. Filho de um alfaiate e de uma dona de casa, aos nove anos de idade já tinha fama no bairro da Sagrada Família, em Belo Horizonte, por consertar rádios e outros aparelhos da vizinhança. Curiosamente, acabou tornando-se uma referência local na reparação de uma novidade que chegava ao Brasil, o Philishave, apare-


lho de barbear elétrico da Philips. Quando alguém chegava numa loja autorizada com um Philishave queimado, os técnicos diziam que era difícil importar a peça de reposição, mas rindo. “Só uma criança teria paciência para desenrolar todo o fio da bobina e achar o ponto partido para soldá-lo.” O caminho do menino precoce já estava traçado. Adolescente, trabalhou com o tio, Antonio Viegas, que vendia equipamentos de som, e participou da sonorização do estádio do Mineirão. A especialização em equipamentos médicos veio após a conclusão do curso de técnico eletrônico, em 1972. Ele e um outro tio, Geraldo Moreira, então funcionário da Siemens, abriram uma empresa de assistência técnica que prosperou e chegou a atuar em vários estados. Viegas comprou a parte do tio e o passo seguinte foi criar a companhia que se tornaria uma pedra no sapato das multinacionais.

A LUTA CONTINUA? Viegas sempre saúda os funcionários da fábrica erguendo o punho direito no ar. No início das grandes reuniões, o hino nacional é tocado. O espírito que imperava era “nós contra as multinacionais”. Agora, a VMI é, ela mesma, internacional Ela começou a operar num galpão alugado de 1,3 mil metros quadrados com 12 funcionários e Viegas no comando da engenharia. Para pagar o primeiro salário da turma, ele e Silvia, formada em enfermagem, precisaram vender o caminhão que tinham. Depois, vieram as dívidas bancárias.

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que tinha um menino que consertava. “Era eu”, diz Viegas,


“Mas o Otávio tinha um sonho”, diz Silvia. “Ele dizia que o Brasil precisava ter uma indústria própria de aparelhos de raios X.” Esse viés patriótico, aliás, ainda resiste na empresa.

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Há cerca de 50 bandeiras do Brasil espalhadas pela companhia (e uma num broche permanentemente preso ao paletó de Viegas). Antes de cada reunião importante, todos cantam o hino nacional, ritual que se repete duas ou três vezes por mês. “É uma coisa de emocionar”, diz Speranzini Junior, da Philips, que já presenciou a cena. “Os funcionários têm um espírito de grupo muito forte. São eles contra as multinacionais.” Em 22 anos de história, a empresa sofreu apenas três processos trabalhistas, que ganhou. Se um empregado pede demissão e depois de alguns meses volta atrás, a VMI o reemprega. Isso já aconteceu 20 vezes. Viegas, Silvia e os três filhos que trabalham na empresa (uma outra filha cuida da pequena construtora da família) almoçam com os funcionários no refeitório, pegam fila e comem os mesmos pratos. Nesse ambiente, a saudação que Viegas faz aos 90 técnicos do chão de fábrica, ao invés de forçada, parece natural: quando passa por eles, o patrão ergue o braço direito no ar, com o punho cerrado. A turma entende o gesto imediatamente - os resultados no mercado mostram isso. E POR QUE VENDER? Pergunta: por que uma empresa dessas, nacionalista e bem-sucedida, foi vendida a uma multinacional? Com lágrimas nos olhos, a família Viegas dá uma explicação simples: o mercado brasileiro de diagnósticos por imagem está dando os passos iniciais na revolução digital. As chapas de raios X vão sumir em poucos anos. “Aqui no Brasil o dinheiro é caro, e competir com países como a Coréia do Sul ou a China se tornaria muito difícil”, afirma Viegas. “Se não vendêssemos, a empresa corria um sério risco de perder a competitividade


no futuro. E desaparecer.” Optaram por preservar a companhia e seus empregados, abrindo mão do controle (por uma larga quantia não revelada). Em dois anos, quando saírem da trutora CVM, que opera em Minas Gerais) e à fabricação de escâneres de bagagem, com a VMI Sistemas de Segurança. Equipamentos hospitalares, somente cinco anos depois da venda, segundo os termos do contrato assinado com a Philips. Um em cada três aparelhos de raios X vendidos no Brasil saem da VMI

Tecnologia para começar do zero existe. No galpão da empresa foi criado o primeiro aparelho nacional de raios X de alta freqüência, assim como o primeiro mamógrafo de alta resolução. Tudo concebido para o cliente local. Quando a VMI descobriu que alguns hospitais velhos, principalmente no Nordeste, não tinham a fiação adequada para agüentar a carga de energia usada pelo aparelho de raios X móvel, criou em três meses um sistema que armazena a potência necessária dentro dos equipamentos. Assim, eles podem ser ligados em qualquer tomada, não importa o estado de conservação do prédio. Outra questão fundamental para o desenvolvimento da companhia foi a rede de assistência técnica e a facilidade de reposição de peças - essencial num setor em que um equipamento quebrado pode trazer conseqüências funestas. “As multinacionais sempre tiveram problemas com o alto custo de manutenção e a disponibilidade de peças”, afirma Viegas. Ao invés de criar escritórios próprios, algo caro, a VMI resolveu treinar técnicos em quase todas as capitais brasileiras para consertar seus equipamentos. Mas a Philips precisava comprar a empresa? Não poderia ela mesma replicar o modelo e os equipamentos de baixo custo?

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VMI, os Viegas irão se dedicar à construção civil (têm a cons-


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O OPERÁRIO E SUA OBRA Funcionário da VMI trabalha na soldagem de um equipamento de raios X que, quatro dias depois, já estará embalado e pronto para ser enviado a um dos 2,8 mil hospitais e clínicas atendidos pela empresa

“Passamos anos enviando para a matriz idéias de produtos para o mercado local que foram recusadas”, diz Alberto Chinen, gerente de suporte estratégico da Philips do Brasil, funcionário da empresa há 36 anos. “Na área médica, estava claro que precisávamos de soluções mais baratas.” Do ponto de vista da VMI, a explicação é um pouco diferente. “Nossa performance está baseada na agilidade. Aqui, em uma hora tomamos decisões sobre as características de novos produtos, que demorariam um ano para serem tomadas na Philips”, diz Otávio Viegas Júnior, mais conhecido por Juninho, responsável pela área comercial. Aos 23 anos, o ex-herdeiro já percorreu a trabalho os cinco continentes do globo e fechou vendas para 25 países, inclusive na África e no Oriente Médio. “As multinacionais são muito burocratizadas e focam em planejamento e controle, ao invés de se concentrar no empreendedorismo, como as empresas menores”, diz o consultor e palestrante César Souza, presidente da consultoria Empreenda, baseada em São Paulo. “Algumas vezes tentam blindar a empresa adquirida, para não contaminá-la, mas raramente isso dá certo.” A aquisição da VMI foi a primeira feita pela área médica da Philips em um país emergente.


Por enquanto, os holandeses mantêm na VMI apenas três funcionários, que estão acomodados provisoriamente numa sala de 16 metros quadrados, além de quatro silhuetas natural, que um belo dia aportaram por lá com o pedido de que fossem espalhadas pelas instalações. Mas algumas coisas mudaram.

AS BANDEIRAS E OS LENÇÓIS No teto da VMI, bandeiras dos diversos países para onde a empresa tem exportado seus produtos. À direita, equipamentos prontos, à espera de serem embalados. São feitos, em média, 38 deles por mês

20 ANOS EM 2 A Philips comprou a VMI porque precisava de soluções mais baratas O antigo organograma da VMI era um desenho semelhante a um sol, em que o centro era ocupado pela palavra “cliente” e cada raio representava um setor da empresa (incluindo a presidência). “Não temos o espírito de hierarquia, todo mundo é importante”, diz Viegas. “Mas acabamos adotando um organograma tradicional para que a Philips conseguisse enxergar a função de cada um aqui.” A gigante holandesa, feita a aquisição, quer começar a ganhar, finalmente, licitações públicas - uma parcela importantíssima de vendas nesse mercado. Nas camisetas de alguns dos 164 fun-

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de papelão da garota-propaganda Ivete Sangalo, em tamanho


cionários da VMI lê-se a nova palavra de ordem da companhia: “20 anos em 2”. É uma alusão ao slogan do governo Juscelino Kubitschek - Cinqüenta anos em Cinco. Talvez uma

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maneira de mostrar a todos que a luta continua.

Texto 2 | É você na fita2 Câmeras e pesquisadores instalados na casa do consumidor são as novas armas para o marketing das grandes empresas

Em São Paulo, na sala do cafezinho da filial da Unilever, uma das maiores empresas do mundo nos ramos de alimentação e limpeza, o pessoal do escritório tem uma televisão sintonizada o tempo todo num reality show. As estrelas são os integrantes de uma família de classe média, com destaque para a dona-de-casa em seus afazeres: lavar, passar e cozinhar. Câmeras instaladas pela Unilever na casa de uma consumido-

2. Adriana Negreiros, da Revista Veja, edição 1833, de 17 de dezembro de 2003.


ra transmitem ao vivo essa programação. Há outras residências em que o mesmo tipo de vigilância é exercido cara a cara por um funcionário do grupo Pão de Açúcar que acompanha a cada item consumido, toda referência a algum produto, a emissora de rádio sintonizada, qualquer movimento que se relacione com compras. Essas bisbilhotices – com o consentimento dos bisbilhotados – são duas das técnicas coordenadas pelos departamentos de marketing de grandes empresas na tentativa de mapear os hábitos do consumidor, para depois ter idéias sobre como vender com maior eficiência. “Já não basta saber o que fazem ou dizem que fazem os consumidores”, explica Maristela Guimarães, professora de comportamento de compras e consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo. “As grandes companhias agora estão empenhadas em descobrir o desejo íntimo do consumidor, como se entrassem em sua alma.” Analistas dos hábitos das pessoas em relação a consumo há muito concluíram que nem sempre elas conseguem definir o que desejam. Daí a importância de vigiá-las, estudá-las, para descobrir como seduzi-las. Num único dia, um cidadão comum é bombardeado por até 1 500 mensagens comerciais, dos anúncios de rádio às placas de rua. Já se sabe que, no meio de tanta disputa por sua atenção, ele só consegue fixar 30% dessas informações num prazo de 24 horas. “Dessa fixação à decisão de compra, há um longo trajeto que os marqueteiros acreditam poder percorrer mais depressa se forem capazes de descobrir aquilo que nem mesmo o consumidor sabe que deseja”, explica o professor Celso Campos, da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. “A pessoa pode rejeitar amanhã o que adora hoje, e ganha a empresa que primeiro entender o que a leva a comprar uma coisa e não outra.”

177 Textos Complementares

família do café-da-manhã ao futebol pela TV, à noite, anotando


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Além de divertirem a turma do café, as imagens da Unilever ocupam os cientistas de marketing contratados pela empresa, que criam estratégias para ações de publicidade, de distribuição e até de localização de seus produtos nas prateleiras dos supermercados. Que estratégias são essas? “Não podemos revelar”, diz o diretor de marketing para detergentes da América Latina, João Francisco Campos. Esse, porém, não é o único segredo do negócio. Até bem pouco tempo atrás, as imagens gravadas pelas câmeras de vídeo das lojas de departamentos e supermercados não serviam apenas para flagrar gatunos tentando surrupiar um ou outro produto. Em muitos estabelecimentos, as gravações eram usadas para estudar o comportamento do consumidor – para saber que seções ele visitava primeiro, quanto tempo demorava numa decisão de compra, como comparava preços e o que pegava ou devolvia às prateleiras à medida que andava pela loja. Assim se podia descobrir, por exemplo, que conforme o tipo de produto nem sempre a posição de maior destaque era a ponta da gôndola ou a estante à altura dos olhos do comprador. “Essa técnica tornou-se desnecessária, porque já há meios mais sofisticados para analisar o interesse do cliente”, conta Eduardo Romero, diretor de marketing corporativo do grupo Pão de Açúcar.


Um desses mecanismos chama-se eye tracking e é aplicado pelo instituto de pesquisas Ipsos. Consiste num projetor de raios infravermelhos, invisíveis, que são dirigidos ção. Primeiro se pede que ela olhe para pontos específicos de uma tela e, assim, codifica-se a trajetória de seus movimentos oculares, elaborando-se coordenadas, como num mapa. Depois, imagens de gôndolas são colocadas nesses mesmos pontos e um computador registra e traduz os percursos feitos pelos olhos. Com essa informação, pode-se saber para que pontos o consumidor olha primeiro e, em conseqüência, descobrir posições privilegiadas para a exposição dos produtos. Também se pode analisar se a embalagem é eficiente no propósito de chamar a atenção do comprador. Uma pesquisa com o eye tracking chega a custar mais de 100.000 reais.

A análise do impacto das gôndolas é importante porque 85% das decisões de compra são tomadas no ponto-de-venda. Se um produto agrada nesse ambiente, tem grandes chances de ir parar no carrinho de compras. Um detalhe que pesquisas desse tipo mostram é que mais de um terço das embalagens nas gôndolas é ignorado pelos clientes. Não é por acaso que as empresas investem tanto em pesquisa antes de lançar novos produtos. “É o que se chama de administração

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para o olho da pessoa cujo comportamento está em observa-


do risco”, diz Rodrigo Toni, diretor-geral do Ipsos. “As pesquisas indicam como evitar desperdícios.” Na última década, o crescimento do mercado de pesquisas tem sido propor-

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cionalmente maior que o do produto interno bruto. Em 2001, quando houve uma retração no mercado publicitário, esse setor da economia cresceu quase duas vezes mais que o PIB mundial. Até a propaganda passa por testes antes de ir para a televisão. O mesmo instituto aplica um método de pesquisa pelo qual se convidam pessoas a analisar um programa de auditório gravado em fita de vídeo. Depois de verem todo o programa, os participantes são perguntados não sobre as atrações, mas sobre os anúncios publicitários enxertados na exibição. Como seu foco de atenção estava desviado para o desempenho dos artistas, obtém-se alto grau de sinceridade quanto à lembrança das mensagens comerciais. Os cartões de fidelidade, de débito e de crédito são hoje o mais popular instrumento para rastrear os hábitos do consumidor. Cada lista de compra emitida pelos caixas e paga com um desses cartões é uma fonte potencial de informação altamente personalizada. Genericamente, é possível descobrir que de madrugada se vendem mais produtos para gente solteira, como fez o Pão de Açúcar. No plano particular, também se pode saber o que determinado consumidor compra com mais freqüência, que lugares prefere, quanto gasta por dia e – no limite máximo – até a data em que decidiu trocar de creme dental. “As empresas que usam informações pessoais do consumidor para oferecer produtos a ele, sem seu consentimento, estão ultrapassando um limite ético”, diz Maristela Guimarães. “Mas que é plenamente possível, isso é verdade.” Se você desconfia que passou a receber mais ofertas de pacotes de viagens depois que andou voando por determinada companhia aérea, pode ter certeza. A venda de cadastros de consumidores interessados num ou noutro assunto é


um grande negócio. “Há dez anos, a taxa de retorno dessas ofertas era de 3%, no máximo”, explica o vice-presidente de marketing da MasterCard no Brasil, Murilo Barbosa. “Hoje, Há algumas semanas, o futurólogo americano Alvin Toffler disse a VEJA que as grandes corporações vão vigiar o comportamento dos consumidores diante das prateleiras dos supermercados. Nesse caso, Toffler fez previsão sobre o passado. Por isso, ao ir às compras e deparar com o aviso “Sorria, você está sendo filmado”, comporte-se. Alguém poderá se interessar muito por sua atuação.

Texto 3 | A era da mulherização3 O poder de consumo feminino força a indústria a alterar produtos e criar novas estratégias de marketing Talvez você não saiba, consumidora, mas o estofamento do banco de seu carro foi cuidadosamente escolhido para não desfiar meias-calças. Se você olhar bem, vai observar também que todos os veículos hoje em dia têm espelho de cortesia no quebra-sol do motorista – para aquela retocada básica no batom, enquanto o sinal está fechado. E se reparar ainda mais, verá que o vão entre a maçaneta e a porta do veículo está mais fundo e os botões do painel ficaram maiores. Tudo para que você não risque ou quebre as unhas. Ah, sim. Há montadoras que entregaram o desenho do interior do veículo a estilistas de moda e convocaram modelos famosas para anunciar seus carros na TV – hoje, já não se fala tanto em potência ou aerodinâmica, mas sim em design, conforto,

3. Reportagem de Darcio Oliveira, Eduardo Pincigher e Daniela Fernandes, publicada na Revista Isto É Dinheiro, edição 360, de 27 de julho de 2004.

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ultrapassa os 10%.”


segurança e economia. Parabéns, mulheres! Vocês acabam de fazer uma revolução na indústria. E não só na automobilística. As fabricantes de telefones celulares já inventaram aparelhos

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que exibem tabelas de calorias e cujo visor se transforma em espelhinho de maquiagem. As empresas de tecnologia mudaram o design de seus computadores, scanners e impressoras porque sabem que, além de toda a funcionalidade, eles têm que ser também belos objetos de decoração na casa. “Estamos vivendo a era da ‘mulherização’ da economia. E já não era sem tempo. Além do grande poder de consumo elas têm uma espetacular influência na decisão de compra de qualquer produto ou serviço”, diz Romeo Busarello, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing e diretor da construtora Tecnisa. Sua empresa, aliás, é prova desse furor feminino. Segundo Busarello, 42% dos imóveis vendidos pela Tecnisa são “escriturados” pelas mulheres. E pesquisas internas indicam que elas têm influência decisiva na compra de 91% dos apartamentos da companhia. As mulheres respondem pelo consumo de 94% do mobiliário doméstico. Dão a última palavra na aquisição de 42% dos carros novos. Bancam 58% dos remédios; 92% de pacotes turísticos e escolhem 88% dos planos de saúde negociados no País. Os dados vêm de pesquisas realizadas por consultorias e empresas de vários setores da economia. Trata-se de uma tendência global e os últimos números revelam que o mercado brasileiro se aproxima muito da realidade européia e norte-americana. Essa força feminina, nas maiores economias do mundo, está umbilicalmente ligada à ascensão da mulher no mercado de trabalho. A festejada consultora americana Faith Popcorn (o nome é esse mesmo) se apóia em dados recentes para reforçar a tese da mulherização. Segundo ela, a mulher americana hoje representa 50% da População Economicamente Ativa dos EUA. Há uma década, o número


não passava dos 42%. Na prática, isso significa maior independência, maior renda e uma enxurrada de dólares no mercado de consumo. Calcula-se que as cidadãs norte-americaanuais na economia dos EUA. Em seu PopCorn Report, Faith sustenta que durante anos a Indústria fechou os olhos para esse fenômeno e se contentou em vender apenas o óbvio para as mulheres – exatamente como aquele marido que só oferece flores no aniversário de casamento. Os tempos agora são outros e Faith aproveita para dar um puxão de orelha nos empresários: “Não nos venham mais com flores”. No Brasil, as mulheres já respondem por 44,9% da População Economicamente Ativa (PEA). Em 1992, esse índice era de 39%. O professor Busarello exibe outro termômetro curioso para mostrar o crescimento “delas” no mercado de trabalho. “Em 1991, existiam apenas quatro serviços de delivery no Brasil. Hoje, são 4,5 mil”, conta. “Trocando em miúdos, a mulher deixou de ser dona-de-casa em tempo integral e foi à luta.” Diante dos fatos, a indústria acordou e começou a tratá-las como rainhas, sem flores, mas oferecendo produtos de alta qualidade, com muita tecnologia e com um design que valorize os anseios femininos. Mais ainda, a Indústria mudou drasticamente sua forma de marquetear os produtos. Você imaginaria uma década atrás a germânica Volkswagen recorrendo à modelo Ana Hickman para vender um carro? Ou a Citröen colocando na tevê a bela Fernanda Tavares, pedindo para experimentar um C3 “pretinho” decorado pelo estilista Ocimar Versolato? A mulher é a grande comandante de compras da família e até o carro do marido tem de passar pelo seu crivo. “Lançamos o Clio Sedan O Boticário para esse público e fizemos um golaço: elas representam quase a metade das vendas do modelo Clio”, afirma Antônio Megale, diretor de marketing da Renault. “Se você também somar a

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nas sejam responsáveis pela injeção de mais de US$ 5 trilhões


influência que exercem nas compras efetuadas pelos homens, vai chegar a 70%”, calcula Luís Salem, gerente de marketing da Ford, uma das montadoras de maior empatia com as con-

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sumidoras. Prova disso é a recente escalada de vendas do EcoSport, um jipinho de porte compacto que vem despontando como um dos veículos de maior participação feminina nas compras, isto é, 55%. E há algo mais “masculino” que jipe? A Volkswagen é outra que recorreu às opiniões femininas na configuração de seus novos veículos. A propaganda de TV que mostra Ana Hickman – e seu 1m20 de pernas – assumindo o volante de um Fox contempla dois objetivos primordiais da comunicação do carro: vendê-lo às mulheres e valorizar seu espaço interno. “O Fox tem 17 porta-objetos que foram inteiramente aprovados pelas mulheres”, conta Paulo Kakinoff, diretor de vendas da Volks. Até quem nunca deu muita bola ao chamado “sexo frágil” rendeu-se à nova ordem do consumo. A Montblanc, fabricante de artigos de luxo historicamente ligada ao universo masculino, encabeça agora um projeto de R$ 1 milhão denominado Montblanc para as Mulheres. Trata-se de um evento itinerante de alto luxo que está percorrendo 14 cidades brasileiras. É um festival de canetas, bolsas, óculos e relógios para fisgar o novo tubarão do consumo. Estudo da USP aponta que no segmento de alto luxo 88% das decisões de compra partem das mulheres. “Elas sempre visitaram nossas lojas, mas para presentear os homens”, conta Ana Maria Magalhães, gerente de marketing da Montblanc. “Há pouco tempo, lançamos a caneta Mozart, miniatura da clássica Montblanc, e as mulheres adoraram. A partir daí, vimos a força desse mercado”. Hoje, são 300 itens voltados para o público feminino. Outra que soube aproveitar os desejos femininos foi a HP. Ciente de que as mulheres respondem por 50% das compras de produtos de tecnologia, a empresa tratou de embelezar


sua linha de computadores e impressoras. Os monitores ficaram mais finos, as CPUs menos “quadradonas” e os teclados ganharam maior ergonomia. A empresa também lançou um mento de alta tecnologia. “Isso sem contar a máquina digital, que virou hit entre as mulheres”, conta Edissa Furlan, gerente de marketing da HP Brasil. A ascensão feminina mexeu em todo o conceito de design e marketing da empresa. Hoje, nos EUA, há campanhas específicas da HP para as mulheres. Mas nessa área de tecnologia, ninguém atiçou mais a gula das consumidoras do que as fabricantes de telefones celulares. Por uma razão óbvia: elas trocam de aparelho com muito mais freqüência do que os homens. Números da Nokia mostram que em 2003 as vendas para as mulheres aumentaram 23,1%, enquanto o índice masculino ficou em 22%. Diante disso, a empresa finlandesa radicalizou: imagine só um celular com câmera digital, capaz de enviar imagens para um “pingente” no pescoço da consumidora. Ideal para as mamães que querem levar a foto dos filhos a tiracolo. Pois a Nokia tem um desse. E o que não dizer do celular com o tamanho de um tubo de batom? “As mulheres estão cada vez mais ávidas por tecnologia. Mas de uma coisa elas não abrem mão: a beleza dos telefones”, diz Anderson Ramos, diretor de marketing da Nokia. A Panasonic também inovou, com um celular que exibe tabelas de calorias e outra para ciclo menstrual. “São elas que ditam as tendências em nosso meio”, afirma Ramos, da Nokia. No setor de seguros, há uma luta diária pela conquista do público feminino. O Bradesco Seguros acaba de lançar o Vida Mais Mulher, que cobre diagnóstico de câncer de mama e ovário e oferece serviços de informação nutricional. Já o Unibanco AIG faz uma faxina em seu seguro Mulher e adiciona até descontos de clínicas de estéticas no contrato. A indústria, pelo visto, descobriu algo além das flores.

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scanner de “vidro”, que mais parece enfeite do que um equipa-


AS MULHERES COMPRAM OU INFLUENCIAM A COMPRA DE:

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94% dos acessórios do lar 92% dos pacotes turísticos 91% dos imóveis 88% dos planos de saúde 88% de artigos de luxo 75% de produtos de limpeza 72% de artigo de papelaria 65% de alimentos 50% dos computadores 42% dos carros Fonte: Edelman, StrategyOne, Phytia Research, H2R, Empresas

Sabia que Em 1980, as mulheres adquiriam 18% dos automóveis novos. Hoje respondem por 42% das vendas. Os modelos prediletos são os monovolumes (50%) e os compactos (44%). As montadoras são unânimes na definição: a mulher compra o carro de dentro para fora, valorizando espaço, conforto e segurança, enquanto o homem adquire o zero km de fora para dentro, apreciando design, potência, etc. As jovens solteiras são um forte perfil de consumidor: são extremamente profissionais, têm maior poder aquisitivo do que a média e podem gastar com liberdade. Pesquisa da Mastercard e H2R com 300 mulheres na faixa dos 30 anos traz uma informação emblemática dos novos tempos: mais de 90% delas não concordam com a máxima de que ser sustentada pelo marido é um ideal de vida. Pesquisa realizada pela Diageo, uma das maiores fabricantes mundiais de bebidas, revela que 65% dos consumidores de vinho no Brasil são mulheres. Baseado nisso, começou a promover encontros entresommeliers femininas para divulgar seus produtos e mudou os rótulos dos vinhos, adotando mais cores e desenhos. Agora, vai repetir a dose com os uísques. O termo Mulherização foi criado pelo professor de marketing Carlos Alberto Júlio, que também é presidente da empresa HSM. A denominação surgiu em seus livros sobre tendência de consumo.


Texto 4 | Fortunas no celular4

O PRIMEIRO TELEFONE CELULAR chegou ao mercado em 1983, pesando 800 gramas - pouco menos que um tijolo. O primeiro SMS enviado na história partiu, em 1992, de um computador pessoal para um telefone celular. O primeiro ringtone, a música Jump, da banda americana Van Halen, surgiu em 1997. A interoperabilidade, que permitiu a integração de vários sistemas, nasceu em 1999. O mobile marketing deu as caras em 2000. A indústria de conteúdo para celular como conhecemos hoje, provavelmente não será a mesma amanhã. “Estamos no momento de construção como aconteceu com a internet, em 2000, quando os padrões de navegação e sotwares estavam sendo definidos”, diz Guilherme Ribenboim, presidente do Interactive Advertising Bureau Brasil. “O mercado de mobile marketing caminha para a replicação de tudo o que aconteceu na internet.” A rigor, o segmento ainda é embrionário e, na onda de novos aparelhos e sistemas que surgem como o iPhone, da Apple; o Android, do Google; o BlackBerry, da RIM, e o G1, da HTC -, aparecem empreendedores que estão fazendo dinheiro e história da mesma forma que os primeiros desbravadores da internet. Hoje, apesar de ainda incipiente, o mobile marketing já movimenta US$ 2,7 bilhões por ano e deverá alcançar a marca de US$ 12,8 bilhões até 2011.

4. Reportagem de Amauri Segalla e Carlos Zambrana, publicada na Revista Isto É Dinheiro, edição 599, de 1 de abril de 2009.

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Uma nova geração de empresários enxerga nos aparelhos móveis a chance de lucrar como fizeram os pioneiros da internet. Saiba como você pode surfar nessa onda


O que despertou a atenção para os aparelhos móveis e iluminou esse mercado de modo a muitos acreditarem que o telefone poderá substituir os computadores portáteis foi o iPhone,

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da Apple. “Hoje é possível navegar na internet pelo celular como se navega pelo computador”, diz Marcelo Marzola, presidente da Predicta, consultoria de marketing online. Com uma tela grande e de fácil manuseio, o iPhone reinventou a indústria de aparelhos móveis e criou um nicho de mercado, fazendo com que a concorrência seguisse seus passos. Ao lançar a App Store, em julho de 2008, a Apple abriu caminho para que qualquer pessoa, até mesmo uma criança de nove anos de idade, como Lin Ding Wen, de Cingapura, que criou um programa nos moldes do Paintbrush - (que permite pintar na tela do celular), pudesse inventar um aplicativo e torná-lo lucrativo. Em Abril de 2009 existiam 50 mil desenvolvedores cadastrados na App Store, segundo Edwin Estrada, gerente de desenvolvimento de negócios da Apple América Latina. Esses desenvolvedores ganham dinheiro de uma maneira relativamente simples. Alguns cobram a partir de US$ 0,99 por download, 70% do dinheiro vai para os seus bolsos e o restante fica com a Apple. Desde programas inúteis, como o que imita o som de uma pessoa flatulenta (um sucesso planetário), passando por jogos até um dispositivo que mede a pressão arterial, os aplicativos se tornaram febre de consumo e já somam 15 mil apenas na empresa de Steve Jobs, com um total de 500 milhões de downloads. Chegar perto dessa marca é uma tarefa inglória para as concorrentes. O portal Yahoo!, por exemplo, criou o YahooGo, no qual é possível baixar aplicativos para o celular de várias marcas e atualmente possui 200 dispositivos na praça. “Estamos participando de eventos com programadores para mostrar a eles as vantagens de criar aplicativos para a nossa plataforma”, diz Melissa Beltrão, responsável pelas soluções


móveis do Yahoo!. Independentemente da concorrência existente no mercado, o segmento de mobile nasce com uma vantagem frente à internet: os softwares são livres e abrem a empresa mais associada à internet no mundo, também quer mostrar sua força no universo mobile. “Quem não apostar nesse mercado estará jogando fora seu próprio futuro”, disse à DINHEIRO Alex Dias, recém-empossado presidente do Google no Brasil. O Google criou a plataforma Android, que equipa o celular G1, da HTC, fabricante de celulares de Taiwan. Segundo especialistas, o G1 é o principal concorrente do iPhone. O BlackBerry, da RIM, talvez o segundo celular mais famoso do mundo, trilhou caminho no mundo corporativo. Ele está para o trabalho como o iPhone está para o lazer. É nesse vácuo que o G1 entra. “O Android levou para o celular a principal característica do Google: a simplicidade”, afirma Dias. A exemplo da Apple, o Google também criou um local dedicado à venda de aplicativos, o Android Market, que possui até agora 900 aplicativos gratuitos à disposição dos clientes. Todas as grandes empresas que são referência na área tecnológica apostam suas fichas nas oportunidades de negócios geradas pelo celular. A Microsoft, de Bill Gates, planejava para 2009 o lançamento de uma loja nos mesmos moldes da App Store. Trata-se da Microsoft Market Place, que ofereceria aplicativos pagos e gratuitos. A Nokia, sócia majoritária do sistema operacional Symbian, criou um grupo de trabalho para estimular e treinar desenvolvedores de aplicativos. Essa profunda transformação foi iniciada há apenas uma década. Alguns empreendedores entraram no mercado assim que ele surgiu - e já fazem fortuna com isso. Outros apostam nas infinitas oportunidades de negócios que o segmento mobile oferece. A seguir, histórias de empresários que descobriram bem antes que os celulares são capazes de tudo - eles

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espaço para uma novidade atrás da outra. O Google, talvez


transmitem vídeos, enviam mensagens, oferecem jogos, navegam pela internet. E até falam.

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Na mira do Google e do MIT O pernambucano Felipe Andrade deve ser um dos únicos brasileiros que recusaram uma proposta de emprego do Google. E não era uma proposta qualquer. No ano passado, ele foi chamado para trabalhar na divisão de novas tecnologias que a empresa possui em Londres, na Inglaterra. O convite incluía casa, rendimentos superiores aos que recebia e uma tremenda possibilidade de crescimento profissional. Mas Andrade preferiu ficar. O motivo? “A área de atuação da minha empresa vai crescer muito no Brasil e eu não quero perder essa oportunidade”, diz. Esse cientista da computação de 27 anos é dono da I2 Tecnologia, companhia sediada no Recife que cria jogos e aplicativos para celulares. Andrade montou a I2 em 2006 com o sócio Luciano Ayres, engenheiro de software de 28 anos que, como ele, é recifense e não troca a sua cidade por nada. A empresa surgiu como incubada do Instituto de Tecnologia de Pernambuco, que tem ajudado a fazer do Estado nordestino um dos polos de florescimento tecnológico do Brasil. Ases de informática, Andrade e Ayres desenvolveram nos últimos dois anos mais de 30 jogos de esportes, como futebol, vôlei e tênis, que podem ser acessados em smartphones. Também foram responsáveis por dezenas de aplicativos, a maioria deles para rodar em aparelhos fabricados pela Nokia. No mundo mobile, são quase celebridades. Blogs e fóruns de discussão especializados em tecnologia não economizam elogios ao trabalho deles. A popularidade da dupla aumentou com a conquista do prêmio Nokia Sem Limites, conferido aos projetos mais inovadores. A I2 ficou em primeiro lugar com o aplicativo Rio Mobile, que permite a visualiza-


ção das câmeras de trânsito do Rio de Janeiro em tempo real. “Suponha que você está em Ipanema e quer saber como está o tráfego em qualquer outro lugar da cidade. Basta acessar criativas e soluções tecnológicas criadas pela dupla chamaram a atenção do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Um programa desenvolvido pela I2, chamado de Flyer Framework, está sendo testado na universidade americana. “Eles nos convidaram para apresentar o projeto ao vivo”, diz Andrade. O sucesso é traduzido em dinheiro. No ano passado, a I2 faturou US$ 300 mil. Em 2009, as receitas devem saltar para US$ 2 milhões. The New York Post na tela dos cariocas Quando a Apple lançou a App Store, sua loja de aplicativos, em 11 de julho de 2008, os empresários cariocas Alex Pinheiro, 36 anos, e Reinaldo Mello, 28 anos, já estavam preparados para a febre que se seguiria. Sócios na Gol Mobile, empresa que desenvolve soluções e conteúdo para celular, eles já tinham em mente alguns dos produtos que lançariam na badalada loja online da empresa de Steve Jobs. Tanto é que foram os primeiros brasileiros a lançar um aplicativo na App Store. Tratava-se do Brasil Flex, que faz a conta do consumo de gasolina e álcool do carro. Depois desse aplicativo, a Gol Mobile desenvolveu um jogo chamado Desafio e passou a criar produtos corporativos. “A base de iPhone no mundo vem crescendo ano a ano e as próprias agências de publicidade estão pondo o aparelho nos planos de mídia dos anunciantes”, diz Pinheiro. “Em vez de anunciar em um outdoor, elas estão buscando o iPhone.” Um projeto corporativo, diz Pinheiro, custa entre R$ 150 mil e R$ 250 mil. Os resultados de comunicação para as empresas têm crescido na proporção do aumento da base de celulares 3G.

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o aplicativo e a resposta virá, ao vivo”, diz Ayres. As ideias


A vantagem é ainda maior para marcas que possuem presença em vários lugares do mundo. Afinal, os aplicativos da App Store são distribuídos em mais de 70 países. “Dos 38 mil

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downloads dos nossos programas, 700 foram no Japão”, diz Pinheiro. O trabalho da empresa, quem diria, chamou a atenção dos editores do jornal americano The New York Post. Na última quinta-feira 26, a diretoria do jornal se reuniu com executivos da Gol Mobile, em Nova York, para discutir a produção de um aplicativo do Post. “Só de nos chamarem, mostra que o Brasil vai se tornar no desenvolvimento de aplicativos um dos maiores players do mundo. É o mesmo que aconteceu com as agências de publicidade brasileiras que são vistas como as mais criativas que existem”, diz Pinheiro. Ideias que valem milhões Toda vez que um cliente que possui celular com bluetooth ligado entra num dos restaurantes de Sérgio Arno, ele recebe receitas exclusivas do chef de casas como La Vecchia Cucina, Alimentari e La Pasta Gialla. O sistema foi desenvolvido pela Pocket Midia, empresa que atua no mercado de mobile marketing. A empresa vive basicamente de boas ideias – que, aliás, não param de surgir. “Pensamos em iniciativas que possam criar uma relação amigável entre uma determinada companhia e seus clientes”, afirma Fabiano Destri, 34 anos, sócio da Pocket junto a um empresário francês. Foi Destri quem pensou em oferecer a qualquer pessoa que passe diante de um cinema a programação que está sendo exibida ali. O sistema, inédito no Brasil e que terá o patrocínio de uma grande rede cinematográfica, deve estrear nos próximos meses e poderá ser acessado por quem tiver bluetooth. Inovações simples como essa ajudam a Pocket a faturar, por ano, R$ 1,9 milhão. Os novos empreendedores descobriram que o grosso do dinheiro do universo mobile está na publicida-


de. Uma das maiores agências do setor no Brasil, a Hands tem 80% de seu faturamento gerado por ações de marketing. Os outros 20% vêm da criação de sites móveis para “Muitas companhias imaginam que basta pegar a página normal da internet e transferi-la para o celular”, diz César S. César, 38 anos, sócio da Hands. “São linguagens totalmente diferentes.” Segundo pesquisa informal da Hands, das 100 maiores empresas do Brasil, apenas quatro possuem sites móveis. Eis aí uma nova oportunidade para empreendedores.

Texto 5 | O Triunfo da Toyota5 A gigante japonesa está perto de quebrar uma hegemonia histórica. Segundo projeções do mercado, até o final de 2007 a Toyota será a maior fabricante de automóveis do mundo – é a primeira vez em 100 anos que Ford e General Motors deixam a liderança. O segredo? Uma cultura, nascida há 50 anos, ancorada na busca incessante pela inovação. A segunda metade do século 20 viu nascer uma grande revolução na indústria mundial. Enquanto o Japão agonizava no pós-guerra, a fabricante de automóveis Toyota criava, na década de 50, um dos sistemas de produção mais inovadores de todos os tempos. O modelo idealizado pelo fundador da empresa, Sakichi Toyoda, e aprimorado por seu filho, Kiichiro, consiste basicamente numa cadeia de suprimentos enxuta, flexível e altamente terceirizada, que prevê a eliminação quase total dos estoques e a busca incessante pela agilização do processo produtivo. Com tal premissa, a Toyota tornou anacrô-

5. Reportagem de Amauri Segalla publicada na Revista Época Negócios, edição de 4 de abril de 2007.

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empresas como Vale, Volkswagen, Climatempo e Claro.


nicos os métodos consagrados por Henry Ford, que, em 1908, introduziu a linha de montagem na fabricação de automóveis. A produção em série inventada por Ford possibilitou a con-

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fecção de bens a preços acessíveis, ajudou a erigir a sociedade de consumo e tornou-se um paradigma de sucesso cultuado e reproduzido por toda e qualquer empresa no mundo.

Carros montados no terminal de Long Beach, nos EUA: a empresa tem hoje 15% do mercado global

Entretanto, os métodos produtivos de Ford revelaram-se inflexíveis (não à toa, todos os seus carros daquele período eram pretos) e altamente ineficientes, o oposto do que veio a ser o método Toyota. Graças a isso, nas últimas cinco décadas o sistema desenvolvido pelos japoneses foi replicado por centenas de companhias de diferentes setores, entre elas a Microsoft, produtora de softwares, e a Boeing, fabricante de aviões, sendo reconhecido como um padrão de excelência único no mundo. Nos próximos meses, o chamado Sistema Toyota de Produção atingirá seu ápice. Segundo projeções da consultoria especializada CSM Worldwide, os japoneses da Toyota estão prestes a assumir a dianteira mundial da indústria automobilística. Estima-se que até dezembro deste ano a montadora alcançará recordistas 8,54 milhões de unidades vendidas no mundo, ante 8,53 milhões da General Motors. A façanha é notável: desde que a Ford iniciou a produção em série, o setor vem sendo dominado por empresas nascidas nos Estados Unidos. Embalada pelo sucesso do modelo T, a companhia de


Henry Ford liderou as vendas globais durante mais de duas décadas. Em 1930, graças principalmente a seu legendário presidente Alfred Sloan, a General Motors tornou-se a númeuma companhia barulhenta como a Apple, o feito seria comemorado com festas e discursos estrepitosos (não é difícil imaginar o alvoroço que Steve Jobs faria). Com ela não é assim. Mesmo às vésperas de alcançar uma das maiores proezas da indústria nos últimos 100 anos, os japoneses da Toyota continuam tão discretos quanto monges budistas. Nos comunicados oficiais da empresa, não há referências ao fato. Tampouco seus executivos alardeiam a provável conquista.

O discreto CEO Katsuaki Watanabe: a conquista do primeiro lugar não é obsessão

Recentemente, num evento nos Estados Unidos, Katsuaki Watanabe, CEO da Toyota, afirmou que liderar as vendas não é uma obsessão. Para ele, melhor mesmo é continuar ganhando dinheiro, muito dinheiro, no negócio de automóveis. No ano passado, quando ocupou o segundo posto global, a Toyota lucrou US$ 13 bilhões, valor superior ao do lucro somado das outras cinco maiores fabricantes. A General Motors, depois de um 2005 tenebroso, alcançou o lucro de US$ 2,5 bilhões no ano passado. Já a Ford registrou prejuízo de US$ 12,7 bilhões, o pior resultado financeiro de sua história.

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ro 1 do planeta, posição que manteve até 2006. Fosse a Toyota


A CULTURA DA TOYOTA

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Fundador da Toyota, Sakichi Toyoda é um dos grandes inovadores contemporâneos. Ele criou o Sistema Toyota de Produção, modelo que transformou a indústria automobilística. Hoje, a empresa é reconhecida por possuir um padrão de excelência único no mundo. Entenda o que a faz diferente: 1) Produção enxuta O Sistema Toyota de Produção consiste numa cadeia de suprimentos enxuta e altamente terceirizada, que prevê a eliminação dos estoques e a busca permanente pela agilização do processo produtivo. 2) Eficiência logística A Toyota leva ao extremo o conceito de just-in-time (algo como a peça necessária, na quantidade necessária, no momento necessário). Os fornecedores são monitorados em tempo real. 3) Redes de conhecimento A empresa promove a transferência de seu know-how para os parceiros, treinados para atuar de acordo com a cultura Toyota. O compartilhamento do conhecimento cria redes que facilitam a troca de informações. 4) Flexibilidade no chão de fábrica Os operários da empresa têm autonomia para interromper a produção, caso detectem algum problema em peças ou equipamentos, evitando que os defeitos apareçam apenas no final do processo. 5) Agilidade para incorporar tecnologias A Toyota foi a primeira empresa a fabricar em grande escala um carro híbrido. A General Motors tinha um projeto parecido, mas não quis correr o risco. 6) Conhecimento do consumidor Enquanto os outros fabricantes faziam carros a partir de concepções de seus engenheiros, a Toyota inovou ao mapear as expectativas dos clientes. O Lexus foi desenhado com base nas sugestões dos consumidores.

Toyoda: padrão único


Apesar do estilo antagônico de seus líderes, Toyota e Apple têm em comum uma característica essencial que permitiu que as duas empresas se tornassem referêncorrente inova tanto quanto elas. Fundada em 1933 na província de Aichi, no Japão, a Toyota sempre foi uma usina de ideias. “Com o surgimento do Sistema Toyota de Produção, a empresa de uma hora para outra começou a gastar muito menos para fazer carros tão bons quanto os automóveis americanos”, disse a Época NEGÓCIOS W. Chan Kim, professor de gestão internacional da Escola de Administração Insead, na França, e coautor do best-seller A Estratégia do Oceano Azul, que analisa os mecanismos utilizados por grandes corporações para criar novos mercados, os chamados oceanos azuis. “A busca obstinada pela inovação salvou a Toyota do fracasso ao qual ela parecia condenada e a tornou uma gigante capaz de brigar com concorrentes maiores.” Um milhão de ideias A perseguição do que é original pode ser medida em números: a cada ano, a empresa implementa em todos os seus processos e níveis organizacionais aproximadamente 1 milhão de ideias novas, segundo um levantamento realizado por Mathew May, professor durante oito anos da Universidade Toyota e autor do livro The Elegant Solution. Lançada no início do ano, a publicação mergulha nas práticas que tornaram a Toyota uma das empresas mais bem-sucedidas do mundo. De acordo com a análise de May, três princípios básicos formam o que ele chama de “mágica Toyota”. O primeiro deles é a criatividade. Outras companhias também possuem essa característica, mas poucas atingiram o mesmo grau de inventividade. “A diferença é que a Toyota não busca

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cia não apenas em suas áreas de atuação. Nenhum con-


apenas as respostas, mas acima de tudo está atrás de perguntas”, escreveu o autor. O que os consumidores procuram? Há um jeito melhor de fazer isso? Como posso resolver o proble-

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ma? Na montadora japonesa, segundo o autor, as respostas são de fato convertidas em ações - numa espiral de criatividade que abrange todos os níveis. O segundo princípio destacado por May é a perseguição da perfeição. Parece um conceito óbvio, mas na Toyota o óbvio costuma fazer a diferença. Para a montadora japonesa, a perfeição é irmã gêmea da simplicidade. Se um procedimento é complexo demais, não faz sentido investir nele - o mesmo vale para ideias, produtos e modelos de gestão. O terceiro e último princípio diz respeito à capacidade de se ajustar ao mercado. Ninguém na indústria lança carros tão sintonizados com as demandas do público. Isso se deve principalmente à eficiência de seus métodos, que permite o lançamento de carros melhores e mais baratos do que os da concorrência. Se existe uma palavra capaz de traduzir a eficiência dos métodos da Toyota é logística. No pós-guerra, a empresa não tinha espaço nem dinheiro para guardar estoques. Para sobreviver, teve de aprender a viver sem eles. Nesse ramo, isso só é possível se houver uma estreita ligação com fornecedores. Sem armazenar peças e componentes, a companhia precisava receber o item certo na hora exata, para que todo o processo produtivo não fosse comprometido. Acabou criando o que parecia inviável - a fabricação de um carro sem estoques excessivos. Só no ano passado, a Toyota economizou US$ 100 milhões em custos financeiros decorrentes de sua inteligência logística. A obsessão pela agilidade dos processos fez a montadora japonesa levar ao extremo o conceito de entregas just-in-time. Em sua fábrica em Bangalore, na Índia, a Toyota exige que a entrega de peças aconteça a cada duas horas, sete dias por semana. Significa que, enquanto um caminhão des-


pacha, digamos, amortecedores, outro já se aproxima com um carregamento de faróis. A operação é ainda mais complexa, considerando que, na Índia, alguns fornecedores estão a mil sa desenvolveu sistemas matemáticos que ajudam a definir as melhores rotas até o destino final.

SUCESSO VELOZ Em pouco mais de uma década, o Prius virou grife do setor automotivo 1994 - desenvolver um carro capaz de reduzir a emissão de poluentes 1995 - o engenheiro Akihiro Wada sugere a criação de um modelo híbrido do, movido a eletricidade e gasolina 1996 - O primeiro protótipo do Prius é exibido no Salão do Automóvel de Tóquio. O então presidente da Toyota, Hiroshi Okuda, anuncia o início da produção em um ano 1997 - Divisões da Toyota no Japão começam a produção do Prius, cujo desenvolvimento custará à empresa US$ 1 bilhão 1998 - O primeiro Prius é vendido no Japão 1999 - O fraco desempenho do motor e problemas recorrentes nas baterias do automóvel comprometem sas vendas 2000 - Ajustes do motor e em outros sistemas tornam o carro mais veloz. O modelo é lançado nos Estados Unidos 2001 - O Prius torna-se um símbolo de automóvel ecologicamente correto. Celebridades como Leonardo DiCaprio e Cameron Diaz adquirem seus exemplares. 2002 - O modelo atinge a marca de 50 mil unidades vendidas em apenas um ano. 2003 - A Toyota faz marketing na entrega do Oscar. Harrison Ford chega ao evento dirigindo um Prius. 2004 - A segunda geração do Prius estréia no Japão e nos Estados Unidos 2005 - As vendas do automóvel disparam, superando 100 mil unidades apenas nos Estados Unidos. 2006 - Pela primeira vez, o Prius gera lucro para a Toyota 2007 - O Prius supera a marca de 500 mil unidades comercializados desde o lançamento.

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quilômetros de distância. Para monitorar tudo isso, a empre-


A sintonia com os fornecedores teve papel vital no crescimento vertiginoso da Toyota nos últimos anos. Diferentemente de GM e Ford, que mantêm uma certa distância de seus par-

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ceiros e guardam a sete chaves o conhecimento acumulado, os japoneses promovem a transferência de seu know-how para os fornecedores. Pesquisas realizadas pela Toyota mostram que o compartilhamento do conhecimento cria redes que facilitam a troca de informações, beneficiando os dois lados envolvidos. O venerado sistema Toyota, capaz de tornar as fábricas mais produtivas, não é o único responsável pelo sucesso planetário da marca japonesa. Sua cultura vai além. São muitas as vantagens operacionais sobre General Motors e Ford, para ficar apenas nas líderes mundiais. Entre as décadas de 60 e 90, a empresa japonesa e seus fornecedores aumentaram a produtividade em 700%. É o que revela um estudo de Jeffrey Dyer, professor de estratégia internacional da Marriott School, nos EUA. Para efeito de comparação, no mesmo período as montadoras americanas e seus parceiros registraram acréscimo de 250% na produtividade. Os veículos da Toyota também são mais resistentes. Eles apresentam 40% menos problemas do que os fabricados pelas montadoras americanas. Segundo o professor da London Business School Gary Hamel, isso se deve à flexibilidade adotada nas fábricas da companhia. Seus operários têm autonomia para interromper a produção, caso detectem algum problema nas peças ou nos equipamentos. Na GM e na Ford essa flexibilidade é menor. Outra vantagem é a agilidade. Enquanto os japoneses levam um ano para colocar um modelo em circulação, os americanos podem demorar até três vezes mais. “Todos os procedimentos de nossa empresa buscam essencialmente a rapidez, o que exige elevado grau de ousadia por parte dos funcionários”, afirma Luiz Carlos Andrade Júnior, vice-presidente da Toyota Mercosul.


Em 30 anos, a toyota aumentou a produtivida- de em 700%. Entre os fabricantes dos Estados Unidos, o índice foi de 250%

tecnológicos numa velocidade maior do que as outras fabricantes. O surgimento do Prius, pioneiro no chamado segmento automotivo ecológico, é exemplo disso. Em meados dos anos 90, diante da crescente preocupação mundial com o meio ambiente, delineava-se na General Motors a possibilidade de construir-se um carro híbrido, movido à gasolina e eletricidade. Como o desenvolvimento da nova tecnologia era custoso, o produto certamente acarretaria prejuízos financeiros por um longo período. Para a GM, não valia a pena perder dinheiro apenas para marcar presença num território ainda inexplorado pelo mercado. Para a Toyota, fazia todo sentido. Estudos realizados pelos japoneses de fato comprovaram, pelo menos nos primeiros anos do Prius, que o híbrido levaria um bom tempo para ser rentável. Mas não era essa a preocupação central da Toyota. Lançar um carro ecológico num momento em que a humanidade se debruçava sobre a temática ambiental traria ganhos significativos para a imagem da companhia. Jogadora obstinada, embora trabalhasse sempre em silêncio, a Toyota bancou a aposta. Em 1998, antes de a rival GM se mexer, os japoneses lançaram o Prius, capaz de reduzir em até 80% as emissões de gases poluentes. Justamente por essa razão, o modelo virou coqueluche nos Estados Unidos. Celebridades como Leonardo DiCaprio e Cameron Diaz compraram seus exemplares e os exibiram nas ruas com orgulho. Afinal, os usuários do Prius transmitiam a ideia de que eram pessoas comprometidas com a preservação ambiental. Para a montadora japonesa, o efeito foi imediato. Se antes os americanos esbravejavam contra a invasão de automóveis vinda do Oriente, a implicância diluiu-se.

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Graças a essa agilidade, a Toyota incorpora recursos


A Toyota ganhou um pedigree ambiental que nenhuma outra montadora possui no mundo. Os lucros demoraram a aparecer, mas afinal vingaram. No ano passado, pela primeira

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vez o Prius gerou uma pequena rentabilidade para a Toyota nos Estados Unidos. A próxima investida ecológica da Toyota é o Hybrid X, apresentado no último Salão de Genebra, em março. Com visual modernoso, o novo híbrido seria ainda menos poluente do que o Prius, segundo a montadora. PRIUS, O CARRO ECOLÓGICO As inovações do primeiro automóvel tido como ambientalmente correto

• Preço de venda: US$20 mil (nos Estados Unidos. O modelo não é vendido no Brasil) • Ignição com cartão: Para dar a partida no Prius, o motorista deve encaixar um pequeno cartão no painel, tecnologia ainda rara no setor. Como o motor é silencioso, só é possível saber se o carro está ligado se a palavra “power” aparecer no painel digital • Motor híbrido: O Prius tornou-se o primeiro carro comercializado em massa a possuir um motor a explosão combinado com outro elétrico. À velocidade de até 56 km/h, o motor elétrico (que é movido à bateria) se encarrega de movimentar o veículo. Acima disso, entra em ação o propulsor a gasolina


• Controle de emissões: A tecnologia do motor híbrido reduz em 80% a emissão de poluentes, índice não alcançado por nenhum outro modelo produzido ção de chumbo e aço na fabricação do veículo, materiais mais nocivos à natureza do que o alumínio • Design jovem: Antes do Prius, o design era considerado o ponto fraco da Toyota. Com linhas modernas (entre elas, capô liso, sem vincos pronunciados, e faróis grandes), o Prius agradou em cheio o público jovem, principalmente nos Estados Unidos e no Japão Percepção dos clientes Para o professor Chan Kim, do Insead, a chave do sucesso da Toyota também está em sua generosa capacidade de ler a mente do consumidor. O Prius comprova essa teoria. “A Toyota desenvolveu um talento enorme para captar o que o mercado procura”, afirma. Hoje, tornou-se um clichê afirmar que as empresas devem orientar seu foco para as expectativas dos clientes. Não faz tanto tempo assim, isso era novidade. Nos anos 70, enquanto outras fabricantes desenvolviam carros a partir de concepções vagas de seus engenheiros, a Toyota inovou ao mapear os desejos dos clientes e só então iniciar um novo projeto. Ao captar esses anseios, a empresa passou a fabricar exatamente o que os consumidores queriam, ao preço que estavam dispostos a pagar. A General Motors, a Ford e a Chrysler, a tríade do mercado americano, não desenvolveram, em grau de refinamento, tal habilidade de entender a psicologia do consumidor nem mesmo em seu próprio território. Em cidades que considera comercialmente estratégicas, a Toyota mantém equipes de pesquisadores que realizam levantamentos demográficos e econômicos da região.

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em grande escala. A Toyota também evitou a utiliza-


De posse desses dados, funcionários da empresa entrevistam consumidores potenciais e detectam suas expectativas em relação ao setor de automóveis. Muitas companhias fazem

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isso, mas a Toyota tem ousadia e agilidade suficientes para alterar seus projetos de acordo com a percepção dos clientes. No início do século 21, os pesquisadores japoneses descobriram que a empresa estava perdendo consumidores na faixa jovem. Na tentativa de recuperar esse público, lançou, em apenas dois anos, o Scion, que se revelaria um sucesso de vendas. O caso Lexus também é exemplar. Interessada em fisgar uma fatia do mercado de alto luxo, a Toyota despachou, em meados dos anos 80, uma equipe de 100 pesquisadores para os Estados Unidos. O desafio dessa turma era descobrir o que os potenciais compradores buscavam num modelo sofisticado. A partir daí, surgiram os esboços do design do futuro automóvel. Meses depois, com o material da pesquisa reunido, foi realizado o primeiro protótipo. O resultado? O Lexus tornou-se a marca importada de automóvel de luxo mais vendida no mercado americano. COROLLA, O MAIS VENDIDO Nenhum outro carro fez tanto sucesso quanto o Corolla. Com fama de ser à prova de quebras, tornou-se objeto de desejo da classe média em diversos países, inclusive no Brasil • Início de produção: 1966 • Preço no Brasil: a partir de R$ 56 mil • Unidades vendidas: 32 milhões A tática explica em parte o sucesso da empresa num mercado que se diferencia de todos os outros. No meio automobilístico, o impulso da compra nem sempre está ligado ao


aspecto utilitário. Fatores que alguns especialistas chamam de irracionais (paixão por determinada marca ou por um design específico) influenciam no momento da aquisição. O mérito sem ter um carro que se tornasse um ícone da indústria automobilística. A Ford tem seu histórico Mustang, o conversível que embalou o sonho de gerações nos anos 60 e 70. A alemã Volkswagen possui no currículo o charmoso Beetle (ou Fusca, para os brasileiros), um dos modelos mais populares de todos os tempos, e a Fiat carrega no portfólio nada menos do que a legendária Ferrari. A Toyota tem o Corolla. Convenhamos, não é a mesma coisa. Não que isso seja ruim. No mundo dos negócios, charme e sofisticação nem sempre são sinônimos de bonança - exemplo disso é a saúde financeira da própria Toyota. Lançado na década de 60, o Corolla é o carro mais vendido em todos os tempos, com 32 milhões de exemplares espalhados nos cinco continentes. O modelo não é uma maravilha do design, tampouco revolucionou o setor com sistemas inovadores. Seu segredo é pura e simplesmente a inegável eficiência. Com preço médio de US$ 20 mil nos Estados Unidos (no Brasil, é vendido a partir de R$ 56 mil), espaçoso, com desempenho generoso e fama merecida de ser à prova de quebras, o Corolla tornou-se objeto de desejo da classe média em diversos países, inclusive no Brasil. Com ele, a Toyota conquistou importantes fatias de mercado, principalmente nos Estados Unidos, e preparou o terreno para o lançamento de outros modelos. Ao contrário de Ford, Fiat e Volkswagen, a Toyota jamais produziu um carro que se tornou um ícone da indústria automobilística Os japoneses atacaram de forma impiedosa as três gigantes de Detroit. Inicialmente, a partir da década de 80 a Toyota avançou no mercado americano com veículos compac-

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da Toyota foi ter superado todas as outras grifes automotivas


tos, o que era uma relativa novidade por lá. Depois, com automóveis de médio e grande porte. A seguir, entrou de vez na briga, com caminhões e veículos utilitários esportivos (os inde-

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fectíveis SUVs, que tanto sucesso fazem nos Estados Unidos), ingressando num território que até então era sagrado para os americanos. Por fim, o golpe de misericórdia foi o lançamento do Prius, adiantando-se à onda ecológica que se anunciava. Os números comprovam a discrepância competitiva. De acordo com estudo realizado pela consultoria Harbour Group, a Toyota registrou em 2005 ganho médio de US$ 1,7 mil por carro vendido nos EUA. Para efeito de comparação, a GM perdeu US$ 1,2 mil toda vez que colocou um automóvel nas ruas naquele ano. FUTURA LÍDER MUNDIAL Segundo projeções do mercado, até o final de 2007 a Toyota se tornará a maior fabricante de automóveis do mundo. Se a previsão se confirmar, será a primeira vez desde 1930 que a General Motors deixa a liderança. Acompanhe no quadro o desempenho das três gigantes do setor

TOYOTA

GM

FORD

Vendas globais de carros em 2007 (em unidades)*

8,54 milhões

8,53 milhões

7,73 milhões

Valor de mercado

US$ 250 bilhões

US$ 20 bilhões

US$ 15 bilhões

Resultado econômico em 2006

Lucro de US$ 13 bilhões

Lucro de US$ 2,5 bilhões

Prejuízo de US$ 12,7 bilhões

Carro mais vendido em 2006 (em unidades)

Camry 448 mil

Silverado 636 mil

Ford F Series 796 mil

Encargos de US$ 73 bilhões A General Motors tem encargos de pensões e assistência médica remanescentes de uma época em que ainda era


vigorosa financeiramente. Na última década, os benefícios assegurados por contrato aos trabalhadores da GM custaram à empresa US$ 73 bilhões. Enquanto a GM fecha fábricas e empregos apenas no ano passado), a Toyota acumula em caixa a fortuna de US$ 36 bilhões. Recentemente, anunciou a construção de mais uma unidade nos Estados Unidos, ao custo de US$ 1,3 bilhão. No Brasil, os japoneses vêm realizando pesados aportes. “Nos últimos anos, investimos mais de US$ 300 milhões no país”, afirma Andrade Júnior, responsável pela operação da empresa no Mercosul. Boa parte do dinheiro foi aplicada na fábrica que a empresa mantém em Indaiatuba, no interior de São Paulo, onde é produzido o Corolla. A Toyota foi uma das primeiras empresas estrangeiras a se estabelecer no ABC paulista, em 1961. Durante 40 anos, fabricou em São Bernardo do Campo o Toyota Bandeirante, jipe que se tornaria um clássico, pelo design rústico e pela durabilidade. Como futura número 1 do mundo, a Toyota teme as reações adversas. Recentemente, o CEO Katsuaki Watanabe admitiu que a companhia será mais visada, e até insinuou que um antigo preconceito pode ressurgir. Há alguns anos, manifestantes americanos chegaram a ir às ruas protestar contra o que chamavam de “invasão japonesa”. Até o intocável Prius foi alvo de críticas. Entidades ambientalistas afirmaram, sem comprovar, que o modelo não é tão ecológico quanto parece ser. A montadora também foi alvo de críticas por convocar no ano passado um recall mundial de 1 milhão de veículos, graças a problemas detectados na coluna de direção dos modelos Wish, Isis e do próprio Prius. Mas nada disso parece capaz de abalar o triunfo da Toyota rumo ao topo do mundo dos automóveis.

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anuncia demissões no mundo todo (foram eliminados 33 mil


HYBRID X, O HÍBRIDO DO FUTURO Chamado provisoriamente de Hybrid X, o novo e futurista híbrido da Toyota será ainda menos poluente que o Prius, segundo a empresa

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• Início de fabricação: não há previsão. O carro foi apresentado em março passado, na Suíça. • Preço de venda: a empresa não informa, mas analistas acreditam que ficará na faixa de US$30 mil

Texto 6 | Xerox6 Os funcionários têm voz ativa no dia-a-dia. O resultado é satisfação geral, alta produtividade e comprometimento de todos Leia com atenção as pistas fornecidas nas próximas linhas e tente adivinhar de que tipo de lugar estamos falando: As pessoas entram e saem de um salão de beleza e de uma academia de ginástica. Ali, dispõem de serviços de engraxate, mensageiros e de acesso aos correios. Contam, também, com biblioteca, loja de conveniência e locadora de vídeo.

6. Reportagem de Maria Amalia Bernardi, publicada na Revista Exame, de 22 de outubro de 1997.


Ninguém parece mais importante que ninguém. É uma praça de cidade pequena? Um shopping center? Uma academia? Não, não. É uma empresa. Mais precisamenta ao velho prédio da companhia, na região portuária do Rio de Janeiro, concluirá rapidamente, mesmo sem maiores informações, que trabalhar naquele lugar deve ser bom. Os 6 500 funcionários da Xerox garantem que são testemunhas disso. Por isso ela marca presença neste guia das melhores empresas para trabalhar. Os empregados da Xerox brasileira têm diversas razões para estar satisfeitos. E, certamente, uma delas se deve ao tipo de presidente que os lidera. Carlos Augusto Salles - o presidente - é um desses líderes natos pelos quais os headhunters fariam qualquer negócio para ter em mãos. É também um homem surpreendente, pelo seu jeito de trabalhar e pelas coisas que é capaz de falar. “Eu sou a pessoa mais desocupada desta empresa”, diz ele. “Tenho uma equipe tão boa e tão eficiente que sobra pouca coisa para eu mesmo fazer.” Se isso é, ou não, verdade, não vem ao caso agora. Mas está na cara que Salles é um craque em motivar pessoas. Os funcionários da Xerox dizem que as frases feitas que o seu presidente gosta de proferir não são conversa fiada. Eles se lembram de inúmeras histórias que traduzem o tipo de relacionamento que Salles mantém com seu pessoal. Em julho de 1995 a Xerox recebeu um comunicado preocupante dos bancos que concentram as contas-salário de seus empregados. Sessenta e cinco por cento dos funcionários estavam em débito com os bancos. O papagaio médio era de 1,4 salário. “As pessoas custaram muito a entender que não haveria mais reajustes grandes de salário após o Real”, recorda Salles. Salles sabia que quem tem dívidas não tem sossego para trabalhar. Portanto, era preciso fazer algu-

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te, a sede da Xerox do Brasil. Qualquer um que fizer uma visi-


ma coisa antes que as preocupações dos funcionários com seus saldos devedores começassem a afetar negativamente o negócio da Xerox.

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Salles pensou em conceder um reajuste geral que cobrisse a inflação dos meses anteriores. “Isso não iria resolver, pois o aumento seria de no máximo 10%”, diz ele. Aventou, então, a possibilidade de um empréstimo, o que também não seria a solução ideal, já que só faria os funcionários mudar de credor. Convocou a diretoria para discutir a questão, mas não se chegou a acordo nenhum. Inquieto, Salles foi almoçar no refeitório da empresa, usado tanto pelos executivos quanto pelos funcionários. Como de hábito, procurou um lugar vago numa das mesas onde estavam alguns empregados e sentou-se. Foi quando um deles perguntou-lhe o porquê do seu semblante carregado. Salles contou a história e explicou que estava preocupado por não conseguir achar uma solução. Aí o rapaz fez a seguinte sugestão: por que a empresa não antecipava os reajustes que daria a todos até janeiro do ano seguinte? Com isso, os funcionários saldariam suas dívidas e a empresa só teria o custo financeiro do desembolso antecipado custo razoável, já que a Xerox poderia captar dinheiro no mercado internacional. Salles gostou da ideia. Voltou para sua sala, no quinto andar do velho prédio-sede da Xerox, e pediu a cada diretor que consultasse rapidamente um grupo de 10 funcionários para ver o que eles achavam da ideia. Todos aprovaram. Salles, então, gravou um vídeo para distribuir a cada funcionário - no qual explicava, paternalmente, que aquele dinheiro não era para fazerem novas dívidas, e sim para quitar as pendentes, e que a empresa não faria isso pela segunda vez. Esse é o estilo Salles de administrar. “Eu apenas aplico o que aprendi com o Gregori (Henrique Sergio Gregori, fundador da Xerox brasileira). Foi ele quem me deu as melhores lições de como administrar as pessoas e a empresa.”


Ter um líder de verdade numa empresa faz, sem sombra de dúvida, muita diferença. Para os funcionários e, consequentemente, para o negócio. Mas se essa empresa, ainda por nos seu pivô - como é o caso da Xerox -, o resultado é previsível: funcionários confiantes, satisfeitos e bem mais dispostos a permanecer na empresa em vez de se deixarem fisgar pela concorrência. “Hoje existe uma forte disputa no mercado pelos melhores talentos humanos”, afirma Salles. “Saber reter os que temos não é mais opção, é estratégia.” A Xerox quer distância da alta rotatividade por uma questão matemática (seu índice de turnover está em 3,10% ao ano, enquanto a média no Brasil, segundo a própria empresa, é de 15% a 20%). A substituição de um técnico de manutenção custa aos cofres da Xerox 30 000 dólares. “Sem contar a clientela que ele pode levar”, diz Salles. Na sua visão, portanto, os funcionários são ativos tão importantes numa empresa quanto os clientes. Nem sempre, porém, a Xerox seguiu essa linha de pensamento. “Quando implementamos o programa de Qualidade Total, 13 anos atrás, nos preocupamos tanto em satisfazer o cliente que os funcionários acabaram ficando para trás”, diz José Marcondes de Moura, diretor de RH. Os empregados, de fato, reclamam dessa fase. A empresa, no entanto, corrigiu a rota antes que um estrago maior fosse feito. Hoje o foco não é nem em clientes nem em funcionários, mas sim em pessoas. “São as pessoas, clientes e funcionários, que fazem o negócio”, afirma Moura. Os empregados percebem que a companhia está se empenhando para recuperar o tempo perdido. Em treinamento, por exemplo, a Xerox do Brasil tem investido entre 4 e 5 milhões de dólares por ano. Isso inclui o envio de executivos para outros países. Atualmente, há 27 expatriados sendo preparados para assumir novos postos quando regressarem ao Brasil. A pesqui-

211 Textos Complementares

cima, adota um modelo de gestão que faz de recursos huma-


sa de satisfação dos funcionários mais recente feita na Xerox revelou um índice de 91% de aprovação (a de satisfação dos clientes teve 92%).

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Na opinião de Moura, uma das razões pelas quais as pessoas gostam de trabalhar na Xerox é o fato de terem voz ativa na condução do dia-a-dia. Os empregados são divididos em células, cada uma destinada a uma atividade. Recentemente, uma célula de funcionários da área de finanças conseguiu que o layout do andar onde trabalham - o “mais feio e desorganizado da empresa”, segundo eles fosse modificado. O trabalho braçal coube ao grupo, que ficou responsável pela nova distribuição do espaço, pela escolha e compra dos móveis e divisórias, pela administração da obra e da mudança e por dar um fim à mobília que foi trocada. A empresa, é claro, bancou tudo. Parte dos próprios funcionários uma constante busca por novas maneiras de agilizar o atendimento aos clientes. Uma das sugestões aprovadas pela empresa cinco anos atrás foi deixar com cada um dos técnicos um kit básico contendo as peças mais usadas nos consertos das máquinas da Xerox. Dessa forma eles não precisariam ir ao escritório buscar o material de trabalho - e chegariam mais rápido ao cliente. Os custos também seriam reduzidos, já que os carros da empresa rodariam menos. Ideias boas assim ou desempenhos acima do esperado são sempre premiados pela empresa - com dinheiro, viagens internacionais e nacionais, jantares a dois, elogios em público, autorização para uso do logotipo do prêmio no cartão de visita e em materiais personalizados. Esse jeitão de a empresa trabalhar gera entusiasmo e orgulho genuínos nos funcionários. “Eu trabalhei num banco durante 10 anos e, é claro, conhecia o dono. Só que ele não me conhecia”, diz Antônio Caldas, analista de administração de pessoal. Outros diferenciais citados pelos empregados são


a postura ética dos executivos, tanto no trato com os clientes quanto com os colegas, e o comprometimento da empresa com a comunidade (a Xerox mantém um programa de treiEm matéria de benefícios não há queixas. A Xerox oferece um bom plano médico e odontológico e reembolsa até 85% da creche dos filhos das funcionárias (o limite é de 500 reais). Já em termos de salários a reclamação é geral. “Temos que apresentar um desempenho acima da média, mas os salários estão apenas na média do mercado”, diz Paulo Morais, controller de grupo da divisão de negócios. A empresa, no entanto, se gaba de seguir os padrões americanos nesse quesito, onde o salário mais alto da maioria das companhias nunca ultrapassa o mais baixo além de 17 vezes. (É bom que fique claro que esse modelo americano, considerado um exemplo de democracia, abrange todos os cargos menos o do presidente e do CEO.) O funcionário da Xerox brasileira que ganha menos leva para casa mensalmente cinco salários mínimos - é Pedro Pizzotti, o motorista do presidente. Muito bom. Mas que conversa era aquela do começo desta reportagem que falava de ginástica, salão de beleza, loja? Há mais de 10 anos os empregados fundaram uma associação - a Associação dos Empregados da Xerox, AEX - com o propósito de criar para si próprios facilidades que gostariam de ter. Hoje, em todas as praças onde a empresa está, os funcionários usufruem uma série de serviços diários, a preços subsidiados pela AEX. Na sede, por exemplo, há um salão de beleza completo (explorado em regime de comodato), massagista de shiatsu, aula de ginástica antes e depois do expediente, mensageiros para os serviços particulares, locadora de vídeo, biblioteca e loja de conveniência. Detalhe: as pessoas podem utilizar os serviços a qualquer hora do dia. “Não adotamos a velha política ditatorial de

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namento esportivo para crianças no morro da Mangueira).


ficar controlando os horários dos funcionários”, afirma Dora Figueiredo, vice-presidente da AEX. “Os empregados, melhor que ninguém, sabem como dispor de seu tempo.” A AEX é

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mantida por contribuições mensais dos funcionários (4 ou 5 reais por mês, dependendo da faixa salarial) e por outras fontes de renda. Uma delas é a comissão que recebe da ECT por recolher a correspondência da empresa e encaminhá-la ao correio. Aos cofres da Xerox, todos esses serviços custam apenas 500 reais por mês. “Nosso objetivo é reforçar a parceria da Xerox com os empregados e proporcionar um ambiente de trabalho mais relaxado”, diz Dora. Sem dúvida, o objetivo está sendo conseguido.




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