ECONOMIA Autor - G ustavo Casseb Pessoti Adaptada por Carlos Mauricio Castro
© 2013. Universidade Salvador – UNIFACS – Laureate International Universities É proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização. Curso de Graduação Tecnológica em Negócios Imobiliários Universidade Salvador – UNIFACS Diretor Presidente Marcelo Henrik Chanceler Manoel Joaquim Fernandes de Barros Sobrinho Reitora Marcia Pereira Fernandes de Barros Pró-reitor de Educação Corporativa e EAD Adriano Lima de Barbosa Miranda Pró-reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão Comunitária Carolina de Andrade Spinola Coordenadora do Eixo de Formação Humanística Sílvia Rita Magalhães de Olinda EAD UNIFACS Coordenador-Geral Luciano Pena Almeida de Souza Coordenador de Processos Operacionais Péricles Nogueira Magalhães Junior Coordenadora Pedagógica Maria Luiza Coutinho Seixas Coordenadora Acadêmico-Administrativa Rita de Cássia Beraldo Coordenadora do Curso Viviane Almeida Andrade Coordenador de Tecnologia da Informação Guna Alexander Silva dos Santos Coordenadora do Laboratório de Mídias Agnes Oliveira Bezerra Designers Jorge Antônio Santos Alves José Archimimo Costa Conceição Daniel Sousa Santos Apoio do Laboratório de Mídias Adusterlina Cerqueira Lordello Coordenadora SPACEAD Renata Lemos Carvalho Revisão / Estrutura Séfora Joca Maciel Sonildes de Jesus Sousa EAD UNIFACS - Av. Luís Viana, 3100. Paralela - Salvador - Bahia. CEP: 41.720-200 UNIFACS Atende (Salvador): 3535-3135 - Demais Localidades: 0800-284-0212 - http://www.unifacs.br/ead
Caro(a) estudante, Desde a criação da Unifacs, acreditamos que formação é muito mais do que preparação técnicocientífica e que nossa missão como Universidade é proporcionar ao estudante uma educação para toda a vida, embasada no domínio do conhecimento, na fixação de valores e no desenvolvimento de habilidades e atitudes. É proporcionar o desenvolvimento integral do indivíduo. Mais do que profissionais, queremos formar pessoas com visão abrangente do mundo e das transformações da dinâmica social, com competência para avaliar de forma crítica e criativa as questões que nos cercam. Pessoas capazes de enfren-tar os desafios que se coloquem ao longo de sua vida e de sua trajetória profissio-nal, e de aprender permanentemente e de forma autônoma. Buscamos atingir esse objetivo - fundamentados na nossa missão e no nos-so Projeto Pedagógico Institucional - por intermédio das diversas atividades acadê-micas, dentro e fora da sala de aula, que compõem o Currículo Unifacs e que desen-volvem e fortalecem habilidades essenciais para a formação do perfil do egresso Unifacs; como um “DNA” reconhecido pela sociedade e pelo mercado de trabalho. Este Currículo compõe-se dos elementos descritos a seguir: » » Disciplinas de Formação Humanística: são oferecidas em todos os cursos de Graduação da Unifacs; » » Disciplinas de Formação Básica: conferem conhecimentos e competências comuns aos cursos de uma mesma área do conhecimento para o futuro exercício profissional; » » Disciplinas de Formação Específica: proporcionam a formação técnica e o desenvolvimento de habilidades e atitudes necessárias ao perfil profissional do curso; » » Atividades Integradoras: permitem vivenciar na prática os conteúdos teóricos trabalhados em sala de aula,por meio do desenvolvimento de projetos específicos; » » Atividades Complementares: oferecem oportunidades de ampliação do conheci-mento fora da sala de aula, a exemplo da Iniciação Científica, ações comunitárias, programas de intercâmbio, cursos de extensão e participação em Empresas Juniores, entre outras; » » Estágio Supervisionado; » » Trabalho de Conclusão de Curso e demais atividades acadêmicas. As disciplinas de Formação Humanística, em especial, cumprem um papel fundamental na consecução desse perfil. Preparam uma sólida base de conheci-mentos gerais que permitirão uma compreensão mais ampla da formação técnica de cada curso, estimulando o pensamento crítico e sensibilizando o estudante para as questões sociais, políticas, culturais e éticas que envolvem sua atuação como cidadão e profissional, motivando a busca do saber perene. Em complementação, portanto, à formação técnico-profissional proporcio-nada pelas disciplinas de Formação Básica e Específica, as disciplinas de Formação Humanística possibilitarão ao estudante adquirir quatro importantes saberes: aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Esta é a concretização do nosso compromisso de formar pessoas melhores, cidadãos atuantes e profissionais comprometidos para a construção de um mundo melhor. Cordialmente, Prof. Manoel J. F. Barros Sobrinho Chanceler
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA UNIFACS Conforme explicitado no Projeto Pedagógico Institucional da Unifacs, as disciplinas de Formação Humanística têm como objetivo: Possibilitar aos discentes a visão abrangente do mundo e da sociedade, propiciando aquisição de competências relativas ao processo de comunicação e raciocínio lógico, necessárias para a formação profissional; bem como conhecimentos inerentes aos direitos humanos, à ética, às questões socioambientais que envolvam aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos e culturais, delineando a formação cidadã.
As disciplinas de Formação Humanística e seus objetivos são: 1. Comunicação Desenvolver a capacidade de ler criticamente e produzir textos de forma autônoma, adequandose às diversas situações comunicativas presentes no dia a dia, e reconhecer a importância do desenvolvimento destas habilidades para sua vida pessoal e profissional. 2. Introdução ao Trabalho Científico Despertar o interesse pela ciência, apontando seu papel na construção do conhecimento e mostrar como o método científico pode ser utilizado para a solução de questões cotidianas. 3. Sociedade, Direito e Cidadania Promover uma reflexão sobre o exercício da cidadania e os mecanismos que garantem sua efetividade, bem como a participação nos processos sociais, de forma a interferir positivamente na sociedade. 4. Conjuntura Econômica Habilitar a compreensão da dinâmica da economia e do impacto das suas diversas variáveis e características no dia a dia de países, empresas e cidadãos. 5. Arte e Cultura Proporcionar o conhecimento e a valorização das manifestações artísticas e culturais, e ampliar a percepção estética como habilidade relevante para profissionais de qualquer área do conhecimento. 6. Meio Ambiente e Sustentabilidade Transmitir conceitos fundamentais sobre ambiente, sustentabilidade e suas relações com o desenvolvimento e despertar atitude político-ambiental nos estudantes, a partir do entendimento de seu papel como profissionais e cidadãos. 7. Psicologia e Comportamento Estudar as interações dos indivíduos no cotidiano, nos grupos dos quais fazem parte, e avaliar papéis e funções nas relações pessoais e profissionais. 8. Filosofia Discutir as grandes questões da vida humana pela compreensão das diversas correntes de pensamento filosófico e de suas contribuições.
9. Empreendedorismo Desenvolver a atitude empreendedora como elemento indispensável para o sucesso pessoal e profissional, seja trabalhando em organizações ou como empresário. 10. Saúde e Qualidade de Vida Enfatizar a importância dos cuidados preventivos com a saúde para obter melhor qualidade de vida dando a base para o pleno desenvolvimento dos projetos pessoais e profissionais.
SUMÁRIO AULA 1 - INTRODUÇÃO À ECONOMIA................................................................................ 11 AULA 2 - ANÁLISE DA DEMANDA E OFERTA DE MERCADO................................................. 23 AULA 3 - INFLAÇÃO........................................................................................................... 35 AULA 4 - ANÁLISE DAS POLÍTICAS ECONÔMICAS NO BRASIL.............................................. 49 AULA 5 - CRESCIMENTO X DESENVOLVIMENTO................................................................... 61 AULA 6 - PRODUTO INTERNO BRUTO E A ANÁLISE DA ECONOMIA BAIANA....................... 73 AULA 7 - FRAGILIDADES DA ECONOMIA BAIANA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA................... 89 AULA 8 - ANÁLISE DA QUESTÃO DA DESIGUALDADE E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DOS NEGROS NA ECONOMIA BRASILEIRA E BAIANA........... 107
APRESENTAÇÃO Caro amigo(a), Nos próximos meses, vamos mergulhar na análise da conjuntura econômica. Embora pareça trabalho de economistas, a análise de conjuntura está presente em todas as áreas do mercado de trabalho. É indispensável para qualquer carreira conhecer bem as nuances da economia, bem como os limites e possibilidades que o saber econômico pode proporcionar, facilitando a geração de novos negócios nos mais diversos campos de atuação, e também no sentido de conhecer as particularidades do mercado baiano, que tem especificidades e limitações impostas por suas características econômicas. Especificamente em relação a essa disciplina, bucamos abarcar as principais discussões da análise econômica. Num primeiro momento, vamos entender a lógica de funcionamento de um mercado e as leis fundamentais da oferta e demanda. Feitas essas considerações de caráter mais conceitual, partimos para a análise de conjuntura propriamente dita, com destaque para o desempenho econômico do Brasil e da Bahia na atualidade. Neste curso, será possível entender como as variáveis econômicas se relacionam às mais diferentes atividades. Em nosso módulo, vamos analisar as principais decisões econômicas como, por exemplo, os instrumentais de atuação do governo no combate à inflação, na determinação do nível ótimo do crescimento do PIB, na geração de empregos, bem como as políticas de determinação do desenvolvimento econômico do nosso país. Em uma de nossas aulas, será esclarecida a questão do crescimento econômico e do desenvolvimento, variáveis que longe de serem sinônimas, interferem diretamente no bem-estar da nossa população. Assim também esclareceremos por que o Banco Central do Brasil assume uma importância tão grande em nossa economia e como as decisões tomadas por esse organismo podem afetar os nossos negócios e, inclusive, as nossas exportações para os demais países do globo. Devido ao caráter dinâmico da análise da Conjuntura Econômica Internacional e Nacional, decidimos tratar as atualidades através de discussões orientadas em fóruns abertos no AVA ao longo dos semestres letivos. Desta forma, garantimos a construção e o compartilhamento do conhecimento de fatos relevantes e atuais em cada momento de interação. A maior parte do nosso contato se dará no AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem. Lá, estaremos à disposição para dirimir todas as dúvidas que possam surgir. Espero que esta matéria seja uma oportunidade de abrirmos um grande debate, não com a pretensão de formar somente economistas, mas de contribuir para o aperfeiçoamento e excelência dos cursos de graduação da UNIFACS. Lembremos que o sucesso desta empreitada depende muito de nossa interação com a nova possibilidade de um aprendizado multidimensional e do desejo individual da busca por novos horizontes, fatores que, em um mercado altamente competitivo, são diferenciais para uma boa inserção no mercado de trabalho. Gustavo Casseb Pessoti
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AULA 1 Introdução à Economia Autor: Gustavo Casseb Pessoti, adaptada por Carlos Mauricio Castro.
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lá!
O objetivo, nesta primeira aula de Conjuntura Econômica, é instrumentalizá-lo de conceitos relativos à avaliação da atividade econômica, com base no conhecimento da teoria econômica. Vamos conhecer a dinâmica do sistema econômico (principais teorias) e as relações das variáveis econômicas, como forma de estabelecer um pré-requisito para a análise da conjuntura econômica, alvo desse programa.
CONCEITO DE ECONOMIA A palavra economia, etimologicamente, vem de uma dupla combinação do grego (oikos nomos), significando, ao pé da letra, aquele que administra uma casa. De forma mais generalizada, a economia pode ser entendida, dentro dessa questão de semântica, como a administração da “coisa pública” ou o conjunto de decisões normativas utilizadas para administrar recursos. A economia passou por muitas evoluções na sua concepção teórica até que se pudesse amplificar o seu conceito e adequá-lo ao ramo das ciências sociais. O termo foi estudado pelas mais diversas escolas do
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pensamento econômico, até que se chegasse a um denominador comum e universal sobre a proposta real de análise das ciências econômicas. Para efeitos do nosso estudo, vamos simplificar e dizer que economia é uma “ciência social que estuda a maneira pela qual os homens decidem empregar recursos escassos, a fim de produzir diferentes bens e serviços a atender às necessidades de consumo.” (Economia do Turismo, 2001). Paulo Sandroni, em seu Novíssimo Dicionário de economia (1999) – material obrigatório para todos aqueles que querem aprender as principais expressões do “economês” -, corrobora a definição anterior. Segundo esse autor, a economia é assim definida: “Ciências que estudam a atividade produtiva. Focaliza estritamente os problemas referentes ao uso mais eficiente de recursos materiais escassos para a produção de bens”. (SANDRONI, 1999, p.107). Segundo consta no site do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo (CORECON-ES) essa ciência também estuda as variações e combinações na alocação dos fatores de produção (terra, capital e trabalho), na distribuição de renda, na oferta e procura e nos preços das mercadorias. Sua preocupação fundamental refere-se à mensuração e análise da atividade produtiva, recorrendo, para isso, aos conhecimentos matemáticos, estatísticos e qualitativos (históricos). De forma geral, esse estudo pode ter por objetivo a unidade de produção (empresa), a unidade de consumo (família) ou então a atividade econômica de toda a sociedade. No primeiro caso, os estudos pertencem à microeconomia e, no segundo, à macroeconomia.
A QUESTÃO DA ESCASSEZ Um dos princípios fundamentais da Economia é a chamada “lei da escassez”, segundo a qual as necessidades humanas são ilimitadas, enquanto que os recursos necessários à produção dos bens, capazes de satisfazer a essas necessidades são escassos, ou seja, existem em quantidades limitadas. As necessidades humanas variam desde as mais elementares, tais como alimentação, segurança, moradia etc., até as mais sofisticadas, como a cultura e o lazer. Além disso, são consideradas ilimitadas, basicamente, por dois motivos: a) porque se renovam no dia a dia, exigindo contínuo suprimento de bens para atendê-las (por exemplo, alimentação, vestuário, transporte etc.); b) porque tendem a seguir uma escala de sofisticação - a cada dia surgem novos desejos e novas necessidades, motivadas pelas perspectivas de aumento do padrão de vida da sociedade (por exemplo, cultura, lazer, moda etc.). Para atender à imensa gama de desejos humanos, é preciso que sejam produzidos certos bens. Entende-se o conceito de “bem” como sendo tudo aquilo capaz de atender a uma necessidade humana. Os bens podem ser materiais (quando é possível atribuir-lhes características físicas, tais como tamanho, forma e cor) e imateriais (os chamados bens intangíveis como, por exemplo, os diversos tipos de serviços). A produção dos bens, por sua vez, exige o uso de certo conjunto de recursos, também chamados fatores de produção, que podem ser classificados em três grandes grupos: » » O fator de produção Terra, incluindo o solo e os diversos recursos naturais - minérios, florestas, recursos hídricos etc. » » O fator de produção Trabalho, representado pela força de trabalho humano, seja ele físico ou intelectual. 12
AULA 1 - INTRODUÇÃO À ECONOMIA
» » O fator de produção Capital, que corresponde às máquinas, aos equipamentos, às ferramentas, aos instrumentos, à infraestrutura, enfim, bens que foram produzidos anteriormente e que continuam a ser utilizados durante algum tempo para a produção de outros bens. Ocorre que toda sociedade, num dado momento, possui um estoque limitado desses recursos ou fatores de produção. Isto significa que não é possível produzir uma quantidade infinita de bens, porque os recursos são limitados. Assim, surge o problema econômico da escassez: de um lado, as necessidades humanas são ilimitadas; do outro, os recursos ou fatores de produção que devem ser utilizados para produzir os bens (que irão atender a essas necessidades) são limitados. Ou seja, não é possível produzir todos os bens de que a sociedade necessita, mas é possível utilizar os recursos da melhor maneira possível, para produzir o máximo de bens e, desse modo, atender à maior gama possível de necessidades. Isso nos leva a uma das ideias-chave na Economia, que é a ideia da eficiência: maximizar a produção de bens e serviços, dadas as restrições colocadas pela quantidade limitada de fatores de produção. Assim, a sociedade como um todo se organiza de modo a tentar produzir os bens e serviços de forma eficiente, ou seja, empregando de forma racional os recursos disponíveis, visando a otimizar seus resultados, maximizando o nível de bem-estar da população. Nesse contexto, Pinho e Vasconcellos (2003, p.5) afirmam que a Economia se apresenta como “a ciência social que estuda a administração dos recursos escassos entre usos alternativos e fins competitivos”. Para fins didáticos, costuma-se “dividir” a Ciência Econômica em áreas específicas, dentre as quais se destacam a Microeconomia – o estudo do comportamento das unidades produtivas, dos indivíduos, dos mercados etc. –, e a Macroeconomia – o estudo do comportamento dos grandes agregados econômicos: produto interno bruto, inflação, desemprego etc. A Macroeconomia trata do estudo dos agregados econômicos (conjunto de todas as atividades econômicas), de seus comportamentos e das relações que guardam entre si. Tenta-se avaliar o desempenho da economia no sentido de satisfazer as necessidades da sociedade. Assim, uma das questões fundamentais da Macroeconomia – nosso objeto de estudo daqui por diante – é justamente avaliar esse desempenho econômico. Em outras palavras, como “medir” a quantidade total de bens e serviços que estão sendo disponibilizados à sociedade e verificar as relações econômicas que estão na base desse processo produtivo. A Macroeconomia nos fornece um conjunto de variáveis que permitem saber se a economia de um país, num certo momento, está “crescendo” ou está em “recessão”, se existe “desemprego de fatores” ou “pleno emprego”, como está o “nível geral de preços” etc. Assim, o ponto de partida é medir o desempenho da economia através de algum indicador. Normalmente, os mais utilizados são: o Produto (bens e serviços produzidos ao longo de um ano), a Renda (todo rendimento que é gerado na economia, sob a forma de salários, lucros, aluguéis etc.) e a Despesa (todos os gastos que são realizados em consumo, investimento, importações etc.), para se mensurar o nível de atividade econômica de um país, de uma região ou cidade.
PROBLEMAS ECONÔMICOS FUNDAMENTAIS A Ciência Econômica, como vimos anteriormente, é conhecida como “ciência da escassez”. Ela parte do princípio de que as necessidades humanas são ilimitadas, enquanto que os recursos necessários
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para que as empresas produzam os bens e serviços capazes de satisfazer a essas necessidades são escassos, ou seja, existem em quantidades limitadas. As sociedades humanas, de modo geral, se defrontam com três problemas econômicos fundamentais: » » O QUE e QUANTO produzir? Significa que produtos deverão ser produzidos (feijão, televisores, sapatos etc.) e em que quantidades deverão ser colocados à disposição dos consumidores. O sistema econômico precisa se organizar para que as unidades produtivas – as empresas – passem a gerar esses bens, nas quantidades desejadas pela população. » » COMO produzir? Esta questão diz respeito à tecnologia a ser empregada na produção dos diver-sos bens e serviços. As empresas devem escolher, dentre vários processos técnicos, aquele que for mais eficiente, ou seja, que seja capaz de gerar a máxima produção possível a partir de certa quantidade de recursos (terra, trabalho e capital). » » PARA QUEM produzir? Este problema diz respeito ao modo como serão os bens e serviços “distribuídos” à população, na medida em que será necessário, de alguma forma, estabelecer um preço para os itens produzidos pelas empresas. Diante de tudo o que foi visto até aqui, percebe-se que a Economia é uma ciência preocupada com problemas de escolha. Quando o sistema econômico se defronta com os problemas de “o que e quanto”, “como” e “para quem” produzir, é necessário fazer escolhas entre várias opções possíveis. A escolha é necessária porque o “estoque” de fatores de produção (terra, trabalho e capital), no curto prazo, é dado, é limitado, enquanto que existem diversas demandas por bens e serviços. Assim, as empresas têm que decidir sobre a forma de alocar ou distribuir os recursos disponíveis entre milhares de diferentes linhas de produção possíveis. Quantos hectares de terra deverão ser utilizados para o cultivo de milho? E quantos para a criação de gado? Quantos televisores devem ser fabricados por ano? E quantos caminhões? E quantos navios? etc. Dadas as limitações dos recursos produtivos e do nível tecnológico, os diversos países tentam organizar suas economias, a fim de resolver os problemas do quê, quanto, como e para quem produzir, de forma eficiente, isto é, com o menor desperdício possível. Numa economia de mercado (aquela em que não há intervenção econômica do Estado), os três problemas fundamentais são resolvidos de forma descentralizada, pelo livre jogo de demanda (ou procura) e oferta nos diversos mercados de bens e serviços. Nenhum agente econômico (indivíduo ou empresa) se preocupa em desempenhar o papel de gerenciar o bom funcionamento do sistema de preços. Preocupa-se em resolver isoladamente seus próprios negócios. As empresas, todo o tempo, estão lutando para somente sobreviver num ambiente altamente competitivo, graças à concorrência imposta pelos mercados (tanto na venda de produtos finais, quanto na compra dos fatores de produção). Esse jogo econômico é todo baseado nos sinais dados pelos preços. Tudo é realizado através dos ajustes nos preços das mercadorias, em que se procura compatibilizar o preço desejado pelos indivíduos (o mais baixo possível) com o preço desejado pelas empresas (o mais alto possível). O desejo dos indivíduos determinará a magnitude da demanda e as intenções das empresas determinarão a magnitude da oferta.
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AULA 1 - INTRODUÇÃO À ECONOMIA
O equilíbrio entre a demanda e a oferta será sempre atingido pela flutuação do preço do produto em questão. Se a demanda for maior do que a oferta, o preço tende a subir. Se a oferta for maior do que a procura, o preço tende a cair. Se houve coincidência entre oferta e demanda, o preço tende a ficar estável – que corresponde à situação de equilíbrio de mercado. Assim, o mecanismo de preços se torna um grande sistema de ajustes, de modo que ao final de várias interações entre produtores (do lado da oferta) e de consumidores (do lado da demanda), surge o preço de equilíbrio, determinando as quantidades a serem transacionadas no mercado. Dessa forma, numa economia de mercado, os problemas básicos da economia – o que, quanto, como e para quem produzir - podem ser resolvidos pela concorrência dos mercados e pelo mecanismo dos preços. O consumidor tentará maximizar a sua satisfação e o produtor, o seu lucro. O gráfico, a seguir, demonstra a interação das for-ças de oferta e demanda, resultando no preço e na quantidade de equilíbrio.
Figura 1 - Interação das forças oferta e demanda
Os consumidores estabelecem os preços máximos que estão dispostos a pagar pelos produtos colocados no mercado. Essa avaliação é subjetiva (individual a cada consumidor) e deriva do conceito de utilidade (uma espécie de saciedade) que o consumidor procura maximizar. Assim, a curva de demanda de mercado delimita o preço máximo. Por sua vez, os produtores estabelecem o preço mínimo que estão dispostos a receber por cada quantidade ofertada, diante de todos os seus custos e seu objetivo de maximizar lucros. Assim, a curva de oferta representa o limite mínimo. Dessa forma, o equilíbrio será no ponto E. As leis do mercado econômico, de oferta e demanda, garantem a maneira mais eficiente, para que consumidores e produtores possam maximizar os seus objetivos, o que é a essência dos problemas econômicos.
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ECONOMIA
A ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ECONÔMICO O sistema econômico é formado a partir da interação entre a demanda e oferta da economia. Veremos, exatamente na Aula 02, as principais características da interação entre oferta e demanda da sociedade, de forma a complementar os ensinamentos do sistema econômico. Por ora, é importante que saibamos que, nas relações de troca que envolvem a economia, existe sempre uma mão dupla: de um lado, estão aqueles que são produtores e que vão até o mercado colocar à disposição aquela quantidade de recursos que não é utilizada na sua própria subsistência; de outro, estão aqueles para quem a produção da economia vai ser dirigida para a satisfação de suas necessidades. Estamos falando dos agentes que compõem as diversas transações da vida econômica. São eles: as famílias de consumidores, os produtores (empresas), o governo e um agente, até muito pouco tempo atrás desprezado pelos manuais de economia, o resto do mundo. Os consumidores são todos aqueles que têm necessidades básicas e para aten-dê-las têm que se dirigir para o mercado econômico para realizar operações de troca. Devem possuir, no mínimo, um fator de produção, isto é, a sua força de trabalho, por meio do qual estão aptos a participarem da vida econômica de um país. Numa economia moderna, as unidades familiares ativas participam do aparelho produtivo por meio das empresas, para as quais convergem os seus recursos individuais de produção (como o trabalho) e outros ativos (como a poupança), destinados não só à produção corrente de bens e serviços, como também à formação e expansão da capacidade instalada de produção. (ROSSETTI, 1995 apud VALVERDE, 2000 p. 10). Por sua participação no processo econômico de produção ou por seu acesso aos benefícios previdenciários existentes, Valverde (2000) afirma que convergem para as unidades familiares diferentes tipos de rendas, como salários, aluguéis, juros, lucros e dividendos, além de outros tipos de transferências. Nas unidades produtoras, enquadram-se todas as unidades que compõem o aparelho de produção da economia nacional. Reúnem-se, aqui, as empresas que se de-dicam a atividades primárias, secundárias ou terciárias, produzindo os bens e serviços que atendam às necessidades de consumo e de acumulação da sociedade. A característica principal das empresas, do ponto de vista da contabilidade so-cial, é o fato de que reúnem, organizam e remuneram os fatores de produção forneci-dos pelas unidades familiares. Cada uma das empresas integradas no processamento da produção é um centro de convergência e de aplicação de recursos, de cuja ativida-de resulta a oferta agregada dos mais diferentes tipos de bens e serviços. Assim, pode-se afirmar que as empresas produzem para que as famílias possam consumir os bens e serviços produzidos. Mas, o que garante que esses bens e serviços se revertam para o consumo das famílias é o fato de que os consumidores, ou seja, as famílias, são também proprietários dos fatores de produção. As famílias “cedem” esses fatores às empresas, para que eles possam ser utilizados na produção. E fazem isso justamente para obter, em troca, a garantia de sua participação na divisão dos produtos resultantes. Para intermediar esse processo e evitar que os produtores queiram se sobrepujar aos consumidores, ou para defender, criar condições favoráveis ao pleno funcionamento do sistema econômico, aparece o seu terceiro elemento, o governo. O governo destaca-se como um dos mais importantes agentes ativos do sistema, devido às particularidades que envolvem suas ações econômicas.
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AULA 1 - INTRODUÇÃO À ECONOMIA
O governo deve ser entendido como um agente coletivo que contrata diretamente o trabalho de unidades familiares e que adquire uma parcela da produção das empresas para proporcionar serviços úteis à sociedade como um todo (FARIAS, 2005). Apesar de ter uma capacidade limitada para a contratação de membros das unidades familiares, o governo também participa do sistema econômico realizando políticas públicas que devem (ou deveriam) ser direcionadas para os grupamentos mais necessitados das unidades familiares. O governo representa um centro de produção de bens e serviços coletivos. Suas receitas resultam majoritariamente da retirada compulsória de poder aquisitivo das famílias e empresas; e suas despesas são caracterizadas pelos pagamentos efetuados aos agentes envolvidos no fornecimento dos bens e serviços públicos à sociedade (FARIAS, 2005). Finalmente, é importante lembrar que nem tudo que é produzido em uma economia fica restrito ao espaço físico interno. Uma parte dessa mercadoria é exportada e outra, em função de nossas necessidades complementares, é importada, isto é, comprada de outros produtores que não estão localizados no mesmo país de nossos produtores. Então, surge o quarto dos nossos agentes do sistema econômico: o resto do mundo. Esta categoria destinase a registrar as transações econômicas entre unidades familiares, empresas e governo do país com semelhantes agentes pertencentes a outros países (VALVERDE, 2000). Aqui, citam-se, como exemplos, os fluxos de importações e exportações, os pagamentos pelos serviços internacionais e as transferências unilaterais de toda espécie com que os residentes de um país beneficiam os de outros países. Esses quatro agentes são responsáveis por todo o funcionamento e a organiza-ção do sistema econômico. Todas as relações econômicas que veremos ao longo deste curso derivam do comportamento de cada um desses agentes econômicos.
A EVOLUÇÃO DA TEORIA ECONÔMICA A partir de agora, você vai conhecer o percurso histórico da teoria econômica.
ANTIGUIDADE: GREGOS E ROMANOS Alguns autores defendem que a economia constitui um conjunto de preceitos ou de soluções adaptadas a problemas particulares, a exemplo de Pinho e Vasconcelos (2003). Por isso, na antiguidade, surgiram apenas algumas ideias econômicas, muito fragmentadas. Tanto na Grécia como em Roma, a unidade econômica foi mantida por redes de estradas e navegações em que, do centro de afluência, os produtos eram distribuídos para suas províncias, estimulando, assim, transações comerciais e a criação de companhias mercantis.
IDADE MÉDIA Já na Idade Média surgiram atividades econômicas intra e inter-regionais muito importantes, que foram as feiras periódicas organizadas por corporações de ofícios e impulsionadas pelo comércio no Mar Mediterrâneo. Porém, a doutrina econômica medieval era dependente da filosofia ou da prática de subordinação à moral cristã, que condenava as taxas de juros e defendia os “preços justos”, como equilíbrio dos agentes econômicos.
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MERCANTILISMO Essa doutrina econômica caracterizou o período histórico da Revolução Comercial, entre os séculos XVI a XVIII, marcado pela desintegração do feudalismo e pela formação dos Estados Nacionais. Teve como premissa básica o acúmulo de divisas em metais preciosos pelo Estado por meio de um comércio exterior de caráter protecionista. Os princípios básicos do mercantilismo foram (SANDRONI, 1898): » » O Estado deve incrementar o bem-estar nacional, ainda que em detrimento de seus vizinhos e colônias. » » A riqueza da economia nacional depende do aumento da população e do aumento do volume de metais preciosos no país. » » O comércio exterior deve ser estimulado, pois é por meio de uma balança comercial favorável que se aumenta o estoque de metais preciosos. » » O comércio e a indústria são mais importantes para a economia nacional que a agricultura. Essa concepção levava a um intenso protecionismo estatal e a uma ampla intervenção do Estado na economia. Todo esse processo se desenvolveu com uma forte autoridade central, tida como essencial para a conquista de novos mercados e para a proteção dos interesses comerciais. Essa doutrina era constituída por um conjunto de concepções desenvolvidas na prática por uma classe dominante formada por administradores e comerciantes, com objetivos não só econômicos, como também político-estratégicos. Sua aplicação variava conforme a situação do país, os recursos e o modelo de governo. Vale ressaltar que, na Holanda, o poder do Estado era subordinado às necessidades do comércio, enquanto que, na França e na Inglaterra, a iniciativa econômica estatal constituía outro braço das intenções militares do Estado, geralmente, agressivas em relação a seus vizinhos e colônias.
O LIBERALISMO: ESCOLAS, PRINCÍPIOS COMUNS Essa doutrina econômica tinha um caráter ideológico das revoluções antiab-solutistas que ocorriam na Europa, principalmente na Inglaterra e na França, nos sé-culos XVII e XVIII, e da luta pela independência dos Estados Unidos. Correspondia aos anseios da classe em ascensão, a burguesia, que consolidava a sua força econômica frente à aristocracia em decadência amparada pelo absolutismo monárquico. Os princípios básicos do liberalismo foram: » » ampla liberdade individual; » » democracia representativa com separação de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário); » » direito inalienável à propriedade; » » a livre iniciativa e a concorrência como forma de alcançar o progresso social. Dessa forma, deve-se destacar o princípio do laissez-faire, laisser-passer (deixar fazer, deixar passar), que proclamou a mais absoluta liberdade de produção e comercialização de mercadorias, condenando toda intervenção do Estado na economia, pois a função do Estado era a de garantir a propriedade privada e a livre concorrência, caso sofressem qualquer ameaça. Cabe destacar, nesse rápido passeio pela ciência econômica, os doutrinadores econômicos que influenciaram com suas teses e concepções ideológicas as ciências econômicas.
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AULA 1 - INTRODUÇÃO À ECONOMIA
ADAM SMITH: DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO E A “MÃO INVISÍVEL” Adam Smith, economista escocês, tem em sua obra mais célebre, A Riqueza das Nações: Investigação sobre sua Natureza e suas Causas, o marco inicial dos autores clássicos. Smith reconhece o trabalho como a verdadeira origem da riqueza e distingue o valor de uso (as mercadorias consideradas do ponto de vista da capacidade que elas têm de satisfazer as necessidades humanas) e o valor de troca (a proporção em que elas são trocadas umas pelas outras). Para ele, o valor de troca não se fundamenta na utilidade de uma mercadoria e sim no trabalho, ou seja, o tempo necessário para sua produção. Dessa forma, Smith inicia a análise dos efeitos da divisão do trabalho sobre a produtividade, demonstrando, contrariamente ao ponto de vista dos mercantilistas, que, à medida que o comércio aumenta a divisão do trabalho, todos se beneficiam do consequente aumento da produtividade. Outra tese defendida por Adam Smith é a do individualismo, considerando que os interesses individuais livremente desenvolvidos seriam harmonizados por uma “mão invisível” e resultaria no bem-estar coletivo. Essa “mão invisível” entraria também em jogo no mercado dos fatores de produção enquanto imperasse a livre-concorrência. A apologia ao interesse individual e a rejeição da intervenção estatal na economia se transformariam nos princípios básicos do liberalismo.
MALTHUS: POPULAÇÃO X CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E LEI DOS RENDIMENTOS DECRESCENTES Economista e clérigo inglês, é autor da obra Ensaio sobre o Princípio da População. Defendia a tese de que a produção de alimentos cresce em progressão aritmética, enquanto a população tenderia a aumentar em progressão geométrica, o que levaria à pobreza e à fome generalizada. Essa tese foi contestada por outros economistas da época, uma vez que Malthus ignorava a estrutura social da economia e as possibilidades criadas pela tecnologia agrícola. A sua concepção sobre a renda diferencial da terra é semelhante à de outros autores da época, a exemplo de Ricardo, através da aplicação da Lei dos Rendimentos Decrescentes, que admitia que o proprietário rural ocupava áreas menos férteis à medida que a população crescia. Ricardo: renda diferencial da terra, teoria das vantagens comparativas de custo Economista inglês, assim como Malthus, David Ricardo acreditava que a maior demanda, acarretada pelo aumento da população, exigia o cultivo de terras menos férteis, nas quais os custos de produção seriam mais elevados do que nas terras mais férteis. Entretanto, os custos e lucros deveriam ser mantidos no mesmo nível nos dois casos, pois, de outro modo, as terras de pior qualidade deixariam de ser cultivadas. Porém, a grande contribuição de Ricardo foi a formulação da Lei dos Custos Comparativos, ou Lei das Vantagens Comparativas, com que procurou demonstrar a vantagem de um país importar determinados produtos, mesmo que pudesse produzi-los por preço inferior, desde que sua vantagem, em comparação com outros produtos, fosse ainda maior. Essa lei constitui atualmente uma parte importante da teoria do comércio internacional.
STUART MILL: TEORIA DO VALOR E ESTADO ESTACIONÁRIO Filósofo e economista clássico inglês, ao analisar a teoria do valor, procurou de-monstrar como o preço é determinado pela igualdade entre a demanda e a oferta e como a demanda recíproca de produtos afeta os termos do intercâmbio entre os países. Lançou a ideia da elasticidade da demanda, expressão introduzida mais tarde pelos neoclássicos, para analisar possibilidades alternativas de comércio. 19
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Assim como Ricardo e Malthus, Mill previa a ocorrência de um “estado estacio-nário”, fruto do crescimento populacional e responsável pelo cultivo de terras cada vez menos férteis. Ao chegar a determinado limite, o lucro seria tão baixo que a acumula-ção de capital simplesmente acabaria, prejudicando o desenvolvimento econômico.
MARX: TEORIA DE MAIS VALIA — CONSEQUÊNCIAS E CAUSAS Filósofo e economista alemão, Marx foi o mais eminente teórico do comunismo, cuja obra mais conhecida, O capital, teve seus dois últimos volumes acabados, após sua morte, pelo amigo Friedrich Engels. O conceito de mais-valia consiste no valor trabalho não pago ao trabalhador, isto é, na exploração exercida pelos capitalistas sobre seus assalariados. Marx, assim como outros teóricos clássicos, considerava que o valor de toda mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la. Sendo a força de trabalho uma mercadoria cujo valor é determinado pelos meios de vida necessários à subsistência do trabalhador (alimentos, roupas, moradia transporte etc.), e se este trabalhar além de um determinado número de horas, estará produzindo não apenas o valor correspondente a sua força de trabalho, que é pago pelo capitalista sobre forma de salário, mas também um valor a mais, um valor excedente sem contrapartida, denominado “mais-valia”.
OS MARGINALISTAS OU NEOCLÁSSICOS: O CONCEITO DE UTILIDADE Com a mudança na definição dos problemas econômicos da determinação das causas do desenvolvimento da riqueza, os economistas passaram a se preocupar com a alocação de recursos escassos entre usos alternativos, com o fim de maximizar a utilidade ou a satisfação dos consumidores. Segundo Barcellos e Perez (2009), essa teoria econômica define o valor dos bens a partir de um fator subjetivo denominado “utilidade”, isto é, sua capacidade de satisfazer as necessidades humanas. Como a necessidade é uma característica subjetiva, também a utilidade de um bem terá sua avaliação subjetiva. Assim, um mesmo bem ou serviço terá diferentes utilidades e, portanto, valores diferentes, de acordo com a satisfação de cada indivíduo. Por isso, cada indivíduo diferente deve saber como maximizar sua satisfação. Essa maximização de negócios não seria possível se houvesse uma autoridade armada que colocasse dificuldade no desenvolvimento dos negócios econômicos. A Teoria Neoclássica se destacava ao colocar o mercado como principal agente econômico. Sob a influência de Smith, seus teóricos defendiam a mínima participação do Estado na economia, uma clara alusão ao Estado absolutista que tolhia as liberdades individuais e impedia a maximização dos lucros. O Neoliberalismo contemporâneo tem suas raízes nessa concepção teórica, por defender o livre mercado e a interferência do governo restrita à defesa da propriedade privada e da segurança nacional.
KEYNES: A REVOLUÇÃO ECONÔMICA De todos os filósofos que se preocuparam com a formulação de teorias para explicar o comportamento econômico, talvez o de maior importância tenha sido John Maynard Keynes, considerado como o pai da macroeconomia. Em seu mais importante legado, o livro que escreveu durante a grande depressão da economia mundial de 1929 - Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda -, Keynes destacava que a formulação das teorias anteriores, classificadas por ele como clássicas, já não davam conta de explicar os problemas da superprodução e do desemprego estrutural que assolava a economia norte-
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AULA 1 - INTRODUÇÃO À ECONOMIA
americana. É justamente por isso que, a despeito de suas influências teóricas, vai formular uma nova lei econômica, defendendo a intervenção do governo como a principal forma de alavancar a economia de um país, em substituição à clássica ideia de que as livres forças de mercado (Adam Smith) eram capazes de conduzir a economia ao equilíbrio de pleno emprego. Keynes, ao analisar a situação de colapso da economia mundial, concluiu que o desemprego era um dos principais problemas para a insuficiência de demanda. Dessa forma, defendia que o governo deveria intervir na economia a partir de seus gastos para estimular o consumo. A lógica keynesiana era bastante intuitiva: quando o governo gastava na contratação de funcionários públicos, trazia de volta para o mercado de trabalho uma série de consumidores que estavam alijados do sistema econômico. Esses trabalhadores públicos, voltando a consumir, sinalizam para os investidores que está ocorrendo uma retomada no crescimento, estimulando as empresas a voltarem a realizar novos investimentos em novos produtos para essa nova fatia de consumido-res. Dessa forma, a intervenção governamental acabou estimulando o investimento privado. A esse fenômeno Keynes batizou de “efeito multiplicador dos gastos governa-mentais”, pois um aumento da participação do governo na economia significou também uma elevação dos gastos privados, de forma que toda a sociedade ganhava com essa intervenção. A “era keynesiana” foi rica em contribuições em todos os espectros da economia, sobretudo aos ligados à macroeconomia, e vigorou como expressão dos acontecimentos mundiais até o final da década de 1970.
O PERÍODO MODERNO A partir das sistematizações oferecidas pela teoria keynesiana, começaram a surgir contrapontos interessantes, evidenciando que não existe, na ciência econômica, uma só teoria capaz de explicar todos os fenômenos do mundo moderno. Muitas das considerações aventadas pelos pensadores econômicos não podiam trabalhar com a hipótese do desenvolvimento e da internacionalização do mundo, com a velocidade como ocorreram o processo de globalização e a financeirização das economias mundiais. A revolução tecnológica encurtou as distâncias entres os países de forma jamais imaginada pelos autores que descrevemos anteriormente. Isso, em hipótese alguma, inviabiliza suas considerações teóricas, muitas delas válidas até hoje e defendidas por um conjunto de economistas que ainda acredita na retomada do desenvolvimento econômico no século XXI, com base em uma política keynesiana. A crise mundial, vivenciada em 2008, é uma prova inequívoca de que o sistema de livre mercado, pressuposto da corrente neoliberal que se instalou no mundo pós Consenso de Washington (1989), já está em fase de esgotamento, assim como esteve em 1929. Todo o escopo teórico da economia avançou consideravelmente. Hoje, a análise econômica engloba quase todos os aspectos da vida humana e os impactos desses estudos na melhoria do padrão de vida e no bem-estar de nossa sociedade são consideráveis. O controle e planejamento macroeconômico permitem antecipar muitos problemas e evitar algumas situações desnecessárias. A teoria econômica passou a ter um conteúdo empírico que lhe conferiu uma prática maior. Hoje, as novas frentes de trabalho direcionam-se para as áreas de finanças empresariais. A incorporação de algumas técnicas econométricas, conceitos de equilíbrio de mercado e hipóteses sobre o comportamento dos agentes econômicos revolucionaram a teoria econômica. Essa explosão de negócios internacionais colocam, a todo momento, a economia no cerne das discussões contemporâneas.
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SÍNTESE O objetivo desta aula foi mostrar uma visão evolutiva da ciência econômica, com definições, conceitos, interação de fatos e a contribuição de doutrinadores econômicos que se destacaram no decorrer dos tempos. Com isso, demos o primeiro passo, no sentido de conhecer a dinâmica do sistema econômico e suas relações, como forma de estabelecer um preâmbulo para a análise da conjuntura econômica.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Com base nas diversas correntes do pensamento econômico, qual deve ser o papel do Estado na economia: intervenção para o desenvolvimento ou regulação complementar ao equilíbrio de mercado?
LEITURAS INDICADAS MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia: princípios de micro e macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Thomson, 2007.
SITE INDICADO Dicionário de Economia: http://economiabr.net/teoria_escolas/monopolio.html
REFERÊNCIAS O’ SULLIVAN, Arthur. Princípios de Economia. Rio de Janeiro: LTC, 2000. PINHO, Diva Benevides; VASCONCELOS, Marco Antônio S. (Org.). Manual de Economia. Equipe de Profes-sores da USP. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005. VASCONCELOS, Marco Antônio S.; GARCIA, Manuel E. Fundamentos de Economia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
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AULA 2 Análise da Demanda e Oferta de Mercado Autor: Gustavo Casseb Pessoti, adaptada por Carlos Mauricio Castro.
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lá! Dando continuidade à nossa disciplina, vamos estudar, nesta aula, a análise da demanda e da oferta de mercado, com o objetivo de demonstrar como se dá o equilíbrio econômico no mercado.
Esta aula será um primeiro passo para que você possa conhecer a dinâmica dos mercados e suas estruturas. Para isso, precisamos entender bem os conceitos dessas variáveis e seu comportamento no mercado.
INTRODUÇÃO Antes de iniciarmos o estudo da demanda e da oferta, será interessante entendermos o Fluxo Circular da Renda de uma economia, que é uma espécie de grande mercado em que interagem dois dos principais agentes do sistema econômico, que apresentamos em nossa Aula 01. A lógica de funcionamento desse fluxo é bastante simplória e vai nos ajudar a estabelecer as relações entre a oferta e a demanda de uma sociedade. De um lado, estão as empresas que são as responsáveis pela produção de todos os bens e serviços que são colocados à disposição da economia. Nessa produção, estão incluídos bens de consumo, como alimentos e
ECONOMIA
artigos de vestuário; os bens de capital, como carros, eletrodomésticos e casas; e os serviços que são prestados na sociedade, como aulas de economia, serviços de manutenção, música etc. Enfim, as empresas ofertam para a sociedade todo o conjunto de bens e serviços que processam no interior de seus processos produtivos. De outro lado, estão as famílias (consumidores) que participam ativamente do fluxo econômico. Como as famílias são formadas por seres humanos, o primeiro pré-requisito desse agente é que ele tenha uma série de necessidades básicas, que devem ser atendidas para que a vida aconteça. Por exemplo, as famílias precisam comer, ves-tir-se, transportar-se etc. Assim sendo, vão demandar os bens e serviços que serão co-locados no mercado econômico pelas empresas. Vejamos, no esquema a seguir, como acontece o fluxo de recursos entre empresas e famílias.
Figura 1 - Fluxo de Bens e Serviços
O fluxo circular da renda é assim chamado porque o processo se inicia em um determinado ponto e retorna para ele, como podemos ver nos esquemas indicados por setas que vão e voltam para cada um dos elementos constituintes da vida econômica. Vamos entender como funciona a economia de uma maneira bastante intuitiva, pois, apesar de ser uma representação gráfica, os elementos aí presentes são totalmente reais e as relações estabelecidas são a base do nosso sistema capitalista. O fluxo se inicia quando os indivíduos procuram as empresas para trabalhar. A premissa é que qualquer indivíduo que participa da vida em sociedade possui um fator de produção a oferecer em troca de salários. Uns possuem terras, capital guardado em banco, máquinas, equipamentos. Outros não possuem nada disso, mas têm os seus braços e sua inteligência para oferecer. Munidos de qualquer um desses itens, que chamamos de fatores de produção (fatores que são empregados na produção para que ela aconteça), as famílias se direcionam para o mercado de fatores de produção para vendêlos para as empresas capitalistas (vide esquema). Portanto, as firmas compram o uso dos fatores de produção dos indivíduos no mercado de fatores. De posse dos fatores de produção, as firmas vão realizar uma série de atividades que vai culminar com a produção de todo o conjunto de bens e serviços que são ofertados para a sociedade. Repare que os dois agentes têm igual importância no fluxo: primeiro, as famílias vendem seus talentos ou posses
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AULA 2 - ANÁLISE DA DEMANDA E OFERTA DE MERCADO
para as empresas; depois, dispondo de tecnologia apropriada, as empresas empregam esses fatores para produzir os bens e serviços que serão vendidos no mercado de bens e serviços. Como dependem de itens que são oferecidos no mercado de bens e serviços para sobreviverem, as famílias, que agora têm um salário, por sua participação no processo produtivo, passam a comprar esses bens e serviços. Esse esquema, que começa e termina nas famílias, representa o Fluxo Circular da Renda, elemento fundamental para se compreender o funcionamento de um determinado sistema econômico e compreender os conceitos de demanda e oferta.
DEFINIÇÃO DE DEMANDA Oferta e demanda são duas expressões que nós, economistas, usamos com muita frequência e que estão por trás de todos os fatos econômicos que acontecem no mercado econômico. Por trás de um vendedor, tem que existir, antes, um comprador, para que o negócio aconteça. Como define Mankiw (2005, p. 64), oferta e demanda são as forças que fazem com que as economias de mercado funcionem. São elas que determinam a quantidade produzida de cada bem e o preço pelo qual este será vendido. Se alguém quiser saber como a economia será afetada por essa crise financeira internacional, como esta que marcou a conjuntura econômica mundial em 2008, precisa antes entender os movimentos sobre a oferta e a demanda da sociedade. Assim, há que se esclarecer uma coisa: os conteúdos expostos nesta aula são uma sistematização dos principais manuais de economia que estão colocados nas referências bibliográficas do nosso curso. No caso desta aula, não há como fugir do curso de explicar como se dá o equilíbrio de mercado. Dessa forma, precisaremos nos apoiar em conceitos que são, há muito, estudados e sistematizados pelos pensadores econômicos. E para entender a lógica de funcionamento dos mercados e, por conseguinte, os conceitos de oferta e demanda, basta olhar o fluxo circular da renda que apresentamos na seção anterior. Os termos oferta e demanda se referem àquela lógica de com-portamento dos agentes envolvidos na visa econômica de uma sociedade. A interação entre famílias, que aparecem, para nós, como os compradores, e as empresas, que ofertam bens e serviços, irá definir o conceito de demanda e oferta. Vamos voltar ao fluxo: a sua ideia é a de que existe uma interação entre dois mercados (vide Figura 1): o de fatores de produção e o mercado de bens e serviços. Então, o mercado aparece, para nós, como o espaço (que, hoje em dia, pode ser até virtual) onde compradores e vendedores se relacionam, objetivando maximizar a sua satisfação. De um lado, os compradores querem comprar o máximo possível ao menor preço e melhor qualidade; de outro, estão os vendedores, interessados em maximizar suas vendas para aumentar o lucro. Sem perceber, estamos falando de demanda e oferta a todo o momento. A demanda ou procura é a quantidade de um bem qualquer (ou uma cesta deles) que os compradores desejam e podem comprar (alocação de sua renda). A quantidade demandada pelo consumidor é a quantidade de produto que ele vai procurar no mercado, de acordo com suas preferências, sua renda e outros fatores. Dentre esses fatores, está a qualidade dos bens necessitados, mas, sobretudo, há um determinante que, no caso de nós consumidores, é fundamental para que a compra efetivamente aconteça: o preço. Se você está com uma vontade tremenda de tomar um sorvete e, ao passar em frente a uma sorveteria, descobre que cada bola de sorvete custa R$ 20,00, muito provavelmente, se você for um consumidor de classe média, vai preferir abrir mão da vontade, em função do preço. Assim sendo, por
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incrível que pareça, nesse exemplo simplório, já definimos uma complexa relação econômica: quanto maior o preço de um bem ou serviço, tanto menor será a demanda (procura) por esse bem ou serviço. Dito, conforme nós, economistas, gostamos de fazer, a quan-tidade demanda é negativamente relacionada com o preço. Essa relação entre o preço e a quantidade demandada da maioria dos bens é tão válida e aceita universalmente pela economia que chamamos essa relação entre preço e procura de Lei da Demanda. Então, para complicar um pouco (como nós adoramos fazer), a formulação da lei da demanda fica assim enunciada: tudo mais permanecendo constante (coeteris paribus), quando o preço de um bem aumenta, a demanda diminui; quando o preço do bem diminui, sua quantidade demandada aumenta. Coeteris paribus é uma expressão muito utilizada por nós, pois a economia como ciência também faz muitos testes antes de determinar uma lei de funcionamento econômico. Assim, essa expressão significa, simplesmente, que todas as demais variáveis são tomadas como constantes para que se possa entender apenas o comportamento de determinada variável. Assim, dizemos que: coeteris paribus, a demanda de um bem é afetada unicamente pelo seu preço. Ou seja, estamos afirmando que, supondo inalterados a renda e os gostos ou preferências dos consumidores, sua demanda sofrerá influência em função da variação do preço do bem ou serviço em questão. É por isso que quando analisamos o gráfico a seguir, que mostra a demanda de um produto qualquer, podemos perceber uma reta negativamente inclinada. No gráfico, um dos eixos é a quantidade demandada e o outro é o preço. A reta indica que todo aumento no preço significa diminuição na quantidade demandada por esse produto. Vejamos o gráfico que evidencia a lei da demanda, conceito universalmente aceito por qualquer corrente do pensamento econômico.
Figura 2 - Lei da demanda
A interseção de P1 - Q1 representa o ponto de equilíbrio na demanda desse bem. Significa que dada uma restrição orçamentária (isto é, dado seu nível de renda) ao preço 1, a sociedade aceita adquirir a quantidade 1. Esse é o ponto de equilíbrio da demanda. A restrição orçamentária mencionada refere-se ao poder de compra dos con-sumidores. Esse gráfico foi uma simples esquematização de um bem qualquer, mas, na vida real, nós consumidores temos muitos desses gráficos em nosso imaginário, pois, para atender às nossas necessidades, precisamos de uma combinação de vários bens e serviços que são ofertados pelas empresas. A combinação dessa
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AULA 2 - ANÁLISE DA DEMANDA E OFERTA DE MERCADO
cesta de bens vai depender de duas variáveis principais: do tamanho da minha restrição orçamentária (renda) e da minha preferência por qualquer tipo de bem ou serviço. Tendo um orçamento limitado, ou seja, um determinado nível de renda, o consumidor procurará distribuir esse seu orçamento (renda) entre os diversos bens e serviços, de forma a alcançar a melhor combinação possível, ou seja, aquela que lhe trará maior nível de satisfação ou utilidade. Percebemos, agora, que a demanda não é só influenciada pelo preço. Existe uma série de variáveis que afetam direta ou indiretamente a procura pela composição da melhor cesta de bens por parte dos consumidores. A formulação econômica a esse respeito diz o seguinte: saindo da condição de coeteris paribus e analisando as relações do mundo real, cada consumidor busca alocar sua renda na aquisição de uma cesta de produtos (uma combinação de bens e serviços) de acordo com o nível de sua renda, suas preferências (gosto), o preço do bem e de seus similares ou substitutos e de suas expectativas em relação ao comportamento da economia. A ideia subjacente a essa formulação é a de que cada consumidor é um agente extremamente racional e sabe perfeitamente, dada a sua restrição orçamentária, isto é, sua renda, maximizar a aquisição de bens e serviços de acordo com a utilidade que esses bens e serviços vão atender na sua vida em sociedade. A análise de quão im-portante é cada uma dessas variáveis na determinação da demanda vai depender do perfil de consumidor que estamos analisando. Assim sendo, tomando Antônio Erminio de Moraes (dono do grupo Votorantim) como referência, certamente as variáveis que vão mais influenciar no seu padrão de demanda serão as suas preferências e as expectativas em relação ao comportamento do mercado econômico, dado que sua restrição ao consumo é muito baixa. Assim, analisando o perfil de consumidor do qual esse seu professor faz parte, as variáveis que mais afetam o nosso padrão de consumo são os preços dos bens e a existência ou não de substitutos. Para esse perfil de consumidor, existe uma dupla alternativa quando o preço de um bem sobe: ou ele troca de marca e passa a consumir produtos similares (como substituir o consumo de manteiga por margarina, quando o preço da primeira sobe, ou carne de primeira por carne de segunda na mesma situação), ou reduz o consumo, até que o preço desse produto volte a se encaixar na sua restrição orçamentária. Quanto mais baixo o padrão de vida (menor nível de renda), mais as demais variáveis, como gosto e expectativas, tendem a se tornar nulas na determinação da demanda, isto é, maior a relação entre a demanda e o preço do bem. Quanto maior o padrão de vida, maior importância é conferida à preferência de um bem que maximize o prazer daquele que o adquire, em detrimento do nível de preço, que acaba assumindo importância menor.
DEFINIÇÃO DE OFERTA Vamos, agora, analisar o que acontece do lado dos produtores, ou seja, das empresas que produzem e vendem os diversos tipos de bens no mercado. A definição é similar à da demanda com a mudança de uma palavra, vejamos: a quantidade ofertada de um bem ou serviço é a quantidade que os vendedores querem e podem vender. E olha que coisa interessante é a análise econômica! A oferta do bem depende basicamente do próprio preço desse bem. Admitindo-se a hipótese coeteris paribus, podemos afirmar que, quanto maior for o preço do bem, mais interessante será produ-zi-lo e, portanto, a oferta é maior. Ou seja, a análise entre oferta e demanda é bastante parecida, só mudando o foco dos compradores (caso da demanda) para os produtores (que são responsáveis pela oferta de bens e serviços no mercado econômico).
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ECONOMIA
Relacionando a quantidade ofertada de um bem com seu preço, obteremos, portanto, a curva de oferta, ilustrando uma relação crescente entre preços e quantidades:
Figura 3 - Curva de Oferta.
Reparou que, apesar de parecida com a curva da demanda, no caso da oferta, a curva é positivamente inclinada? É que, neste caso, estamos analisando a ótica de um produtor. Assim sendo, quanto maior o preço de mercado, maior será a possibilidade de lucro desses produtos e, assim, mais o produtor vai querer ofertar. Aumentos nos preços provocam maior interesse em oferecer produtos para a sociedade, pois aumenta a expectativa de lucros dos empresários. Com isso, podemos também definir a Lei da Oferta, aceita universalmente por toda a corrente do pensamento econômico e traduzida no seguinte enunciado: com tudo mais mantido constante (coeteris paribus), quando o preço de um bem aumenta, a quantidade ofertada desse bem também aumenta; quando o preço de um bem cai, a quantidade ofertada desse bem também cai. Como já entendemos que a lógica de funcionamento é a mesma, só invertendo os papéis, podemos passar logo para o entendimento de quais são os fatores que afetam a oferta no mundo real, isto é, quando as demais variáveis não são tidas como constantes. Como a oferta está condicionada ao produtor, as variáveis são menos subjeti-vas, como no caso do consumidor em que, por exemplo, os gostos podem interferir na demanda. No caso do produtor, o nível de oferta vai depender: do preço do bem que ele se propõe a produzir; do preço dos demais bens e serviços produzidos por outros produtores; do custo de produção (insumos e mão de obra); do nível de tecnologia e capital de que o produtor dispõe; do número de vendedores concorrentes e das ex-pectativas em relação ao comportamento da economia. Assim, o número de variáveis que interfere, direta ou indiretamente, na oferta é muito maior e pode excluir muitos pretensos vendedores do mercado. Se, por exemplo, o número de vendedores de um determinado produto for muito grande, eles terão que oferecer o mesmo produto com preços diferenciados. A depender do custo de produção e da escala de vendas, pode acontecer que determinados produtores tenham que ofertar a um preço mais alto. Certamente, o consumidor vai
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AULA 2 - ANÁLISE DA DEMANDA E OFERTA DE MERCADO
preferir aqueles produtos com preços mais baixos, obrigando o ofertante a baixar o preço ou a sair desse mercado. Em outra análise, o preço das demais mercadorias também influencia a produ-ção de um determinado bem qualquer. Suponha um fabricante de derivados de açúcar que produz x quantidades de chocolates e y quantidades de sorvetes. Se o preço do sorvete no mercado econômico for mais alto do que o do chocolate, esse fabricante, na busca de maximização dos lucros, vai direcionar sua fábrica para fazer mais sorvete e menos chocolate, pois as expectativas de lucros serão maiores no mercado do sorvete do que no de chocolate. A mesma formulação, agora dita no vocábulo do economista, diz que: se os preços dos demais bens subirem e o preço de um bem x qualquer permanecer idêntico, sua produção será menos atraente em relação à produção dos outros bens, consequentemente, diminuirá a sua oferta (VASCONCELLOS e PINHO, 2005). Se sobre os consumidores impera uma lei da racionalidade para maximização da sua satisfação, dada a sua restrição orçamentária, os produtores maximizam sua uti-lidade, intensificando a produção daqueles bens e serviços que têm vantagens com-parativas aos demais produtores da sociedade, isto é, vai aumentar a oferta, quanto maior o preço de mercado e menor o seu custo de produção. Essa lógica funciona para todo o entendimento das relações econômicas. Se um agricultor acreditar que o preço da soja estará elevado no próximo ano, aumenta o plantio já este ano. Caso contrário, substitui a sua produção por de outro produto mais rentável, até que o preço volte a aumentar e estimular a sua produção. A lógica do consumidor é maximização de satisfação ao menor preço de mercado; a do produtor é maximizar o seu lucro ao maior preço de mercado.
O EQUILÍBRIO DE MERCADO A aula já teria acabado se os ofertantes e os demandantes não interagissem em um mesmo ambiente econômico, o mercado. Assim sendo, precisamos entender, agora que já conhecemos o comportamento da oferta e demanda, como se dá o equilíbrio entre esses dois agentes que têm a mesma lógica de atuação, mas objetivos completamente diferentes. Em economia, a palavra “equilíbrio” define uma situação em que diversas forças estão em igualdade. Trazendo essa definição para nosso estudo do mercado econômico, o equilíbrio ocorreria em uma situação em que, a determinado preço, a quantidade de um bem que os compradores desejam e podem comprar é exatamente igual à quantidade que os vendedores desejam e podem vender. Nesse caso, o mercado está satisfeito e maximizado: os compradores compram tudo o que desejam e os vendedores maximizam seus lucros. O gráfico, a seguir, mostra a interação entre as forças de oferta e demanda.
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Figura 4 - Equilíbrio entre Demanda e Oferta.
Observe a intersecção das curvas no ponto E, pois este é o único ponto em que o mercado está em equilíbrio. Nele, consumidores e vendedores conseguem maximizar a sua função “utilidade”. Uma vez que o mercado atinja o seu equilíbrio, todos os compradores e vendedores ficam satisfeitos e não há pressão nem para cima nem para baixo dos preços. Analisado o ponto de equilíbrio, vejamos, agora, os casos em que não ocorre equilíbrio entre oferta e demanda. Isso também pode ser visualizado nesse mesmo gráfico. Para qualquer preço superior a P1, a quantidade que os ofertantes desejam vender é maior que aquela que os consumidores desejam comprar. Em linguagem técnica, dizemos que existe excesso de oferta. De outra parte, para qualquer preço inferior a P1, surgirá excesso de demanda. Em qualquer dessas situações, não existe equilíbrio pela incompatibilidade de desejos entre os agentes econômicos. Vejamos o que acontece em cada uma dessas situações. Quando existe excesso de demanda no mercado por um produto, significa que o preço desse bem está compatível com a restrição orçamentária de toda a sociedade. Nesse caso, os consumidores estão dispostos a pagar mais de suas receitas para conseguirem quantidades adicionais de determinado produto. A consequência imediata é que os vendedores, percebendo essa situação, passam a fabricar mais desse produto, de modo a suprir o excesso de demanda e trazer a economia de volta para o equilíbrio. Se não for possível produzir quantidades extras do produto, que atendam à demanda da sociedade, a consequência natural é que os produtores subam o preço do produto, de forma a restringir o consumo e trazer de volta a economia ao equilíbrio. Quando existe excesso de oferta, significa que diversos produtores ofertaram produtos no mercado e a resposta do público foi uma retração no consumo. Isso indica que, pela maior concorrência e pela grande quantidade de produtos no mercado, os preços dessa mercadoria deverão cair, de modo a sugerir um aumento no consumo. Suponha que você vá ao mercado para comprar um saco de pão e perceba que a lata de leite saiu de R$ 5,00 para R$ 1,99. Mesmo não precisando do produto naquele momento – mas consciente de sua necessidade no futuro -, você será induzido a aumentar a sua demanda de leite pela queda no preço. Assim sendo, o ajustamento do equilíbrio, no caso de um excesso de oferta, se dará pela queda no preço, que estimula o consumo e faz a economia voltar para o equilíbrio de mercado.
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AULA 2 - ANÁLISE DA DEMANDA E OFERTA DE MERCADO
ESTRUTURAS DE MERCADO Infelizmente, ainda não podemos encerrar esta aula, pois, embora já saibamos de muitos elementos que caracterizam a oferta e a demanda de mercado, o equilíbrio a que nos referimos na seção passada vai depender justamente do tipo de mercado em que as relações econômicas acontecem. Se só existisse uma situação em que compradores e vendedores pudessem ajustar a produção e o preço de equilíbrio, a própria lei da oferta ou da demanda se encarregaria de colocar a economia no nível de equilíbrio. Entretanto, a depender do número de ofertantes, o mercado pode ser mais ou menos competitivo. E quanto menos competitivo, maior a dificuldade para chegar ao equilíbrio. Os mercados assumem diferentes formas. Às vezes, são altamente organizados, tais como os mercados de produtos agrícolas. Neles, compradores e vendedores se en-contram em lugares e horários determinados. Os preços quase todos são conhecidos e as vendas são organizadas nas feiras. Mas, existem também mercados completamente desorganizados, em que os compradores estão em diferentes pontos do mundo e os vendedores oferecem seus produtos diferenciados. Cada vendedor estabelece o seu preço e cada comprador escolhe onde comprar. Cada estrutura de mercado se destaca pela interação entre a oferta e a deman-da, e se diferencia uma da outra pela observância de uma ou de todas as caracterís-ticas observadas em mercados existentes, tais como: a quantidade e o tamanho das empresas; o grau de diferenciação dos produtos; o grau de transparência do mercado; a possibilidade da entrada de novas empresas etc. Assim, os mercados podem ser mais competitivos (concorrência perfeita) ou menos competitivos (oligopólio e monopólio). Um mercado competitivo é aquele em que há muitos compradores e muitos vendedores, de modo que cada um deles, individualmente, tem impacto insignificante sobre o preço de mercado. Cada vendedor tem um controle limitado sobre o preço porque os outros produtores oferecem produtos similares. Nesse mercado, um vende-dor não tem motivos para realizar promoções e se cobrar mais caro, os compradores vão fazer suas compras em outro lugar. Da mesma forma, comprador algum pode influenciar os preços de mercado, porque cada um deles compra uma pequena quanti-dade em relação ao total comercializado no mercado. Nesse caso, estamos diante de um mercado perfeitamente competitivo ou em concorrência perfeita. O mercado em concorrência perfeita é estudado por muitos economistas, dentro da ideia do que seria uma estrutura ideal de funcionamento para beneficiar, sobretudo, a classe de consumidores. Mankiw (2005, p.64) define as seguintes características de uma estrutura de concorrência perfeita: » » existe grande número de compradores e vendedores; » » os produtos são homogêneos, isto é, são substitutos perfeitos entre si; » » existe informação completa sobre o preço do produto (e todo mundo sabe onde é mais barato comprar e vender); » » a entrada e a saída das firmas no mercado é livre, não havendo barreiras para quem quiser participar (compradores e vendedores); » » os compradores e os vendedores precisam aceitar o preço de equilíbrio do mercado, por isso ambos são tomadores de preço - o mercado determina e eles assumem. Além disso, esse mercado de concorrência perfeita assume a ideia de que firmas que apresentarem custos de produção superiores àquele que é imposto pelo mercado fecharão suas portas. Do mesmo modo, se um mercado apresentar elevados ganhos para suas empresas, essa situação vai atrair novas firmas para esse mercado e eventuais ganhos adicionais tendem a desaparecer, de modo que a economia nunca sai do equilíbrio, sendo a oferta exatamente igual à demanda. 31
ECONOMIA
Há mercados em que o conceito “competição perfeita” se aplica perfeitamente. Isso acontece normalmente nos mercados agrícolas. No mercado produtor de mandio-ca, que é um produto com baixa capacidade de exportação para o exterior, há milhares de agricultores que vendem mandioca e outros tantos consumidores que a utilizam como subsistência. Como não há um comprador ou vendedor específico que seja ca-paz de influenciar o preço da mandioca, cada um deles aceita o preço como dado. Mas nem todos os bens e serviços são negociados em mercados plenamente competitivos. Alguns mercados têm um só vendedor, que é quem determina o preço. Um mercado nessas condições é chamado de monopólio. Em alguns casos, o mono-pólio pode acontecer porque a entrada de mais firmas encareceria demais, para os consumidores, os preços das mercadorias. Vejamos, como exemplo, o transporte ferroviário. Imagine se houvesse duas firmas que ofertassem esse serviço. Cada uma teria que construir sua própria via férrea e isso terminaria por encarecer os serviços para toda a sociedade. Nesses casos, em que a entrada de mais concorrentes encarece o preço dos bens ou serviços produzidos por uma economia, dizemos que existe um monopólio natural. Assim, as características de um monopólio são completamente diferentes da concorrência perfeita. Nesse caso, basta negar as características contempladas na concorrência perfeita que entenderemos bem a ocorrência de um monopólio. No monopólio, o setor é a própria firma, porque existe um só produtor que realiza toda a produção. Dessa forma, a oferta da firma é a oferta da economia. Negando as demais características da concorrência perfeita, chegamos ao pleno entendimento de monopólio. Vejamos: » » o setor é constituído de uma única firma; » » existem barreiras à entrada de novas firmas; » » a firma produz um produto para o qual não existe substituto próximo; » » existe concorrência entre os consumidores; » » a firma não é “tomadora”, mas sim “formadora do preço de mercado”. Alguns mercados ficam entre o extremo da concorrência perfeita e do monopó-lio. Um mercado nessas condições é chamado de oligopólio e é caracterizado por ser o meio termo entre uma e outra estrutura de mercado. Um oligopólio tem um pequeno número de empresas produzindo ou uma grande quantidade de empresas, mas apenas as maiores dominam a maior parte do mercado. Suas características o aproximam mais de um monopólio do que da concorrência imperfeita, mas os empresários nesse mercado não têm tanto poder de mercado como os monopolistas. Segundo Vasconcelos (2006, p. 78), as estruturas oligopólicas das quais o mercado aéreo brasileiro faz parte têm as seguintes características: » » existência de empresas dominantes, com poder de influência e, portanto, de fixação do preço de mercado; » » baixo poder de reação dos consumidores às variações do preço; » » existência de barreiras à entrada de novas firmas no mercado; » » persistência dos lucros extraordinários, no longo prazo, como consequência das barreiras à entrada de novas firmas. Outra estrutura de mercado que está entre a concorrência perfeita e o monopó-lio é a concorrência imperfeita. Tal como oligopólio, esta estrutura está no meio termo, mas, diferente do oligopólio, que se aproxima mais das características do monopólio, no caso da concorrência imperfeita (também
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AULA 2 - ANÁLISE DA DEMANDA E OFERTA DE MERCADO
chamada de concorrência monopolística), as características são um pouco mais parecidas com as da concorrência perfeita. De modo semelhante à concorrência perfeita, a concorrência monopolística (ou competição imperfeita) apresenta um elevado número de empresas; todavia, a grande diferença entre os dois modelos é que, na concorrência monopolística, as empresas produzem produtos ligeiramente diferenciados, embora substitutos próximos (isto é, existe diferença na forma e na qualidade de empresa para empresa, de marca para marca). Por isso, essa estrutura é mais próxima da realidade que a concorrência perfeita, na qual se supõe um produto homogêneo, produzido por todas as empresas (aqui se supõe que não há diferenças na qualidade entre os produtos). A existência de substitutos próximos confere aos consumidores muitas alternativas para reagirem a eventuais aumentos de preços. Outra característica da concorrência monopolística que a aproxima da concorrência perfeita é o fato de que não existem barreiras à entrada de novas firmas no mercado. Isso significa que, diferentemente dos sistemas de monopólio e oligopólio, em que os lucros tendem a ser potencializados, na concorrência imperfeita, pelo menos a longo prazo, há uma tendência de lucros normais, isto é, mais repartidos entre todas as firmas que participam do sistema econômico. Por fim, é importante destacar, ainda, outras estruturas de mercado, como o “monopsônio”, em que existem muitos vendedores, mas um único comprador pode definir o preço de compra e a qualidade esperada. As estruturas de mercado mais conhecidas podem ser sistematizadas da seguinte forma, conforme indica Vasconcelos (2006, p. 85):
ESTRUTURA DE MERCADO
QUANTIDADE DE FIRMAS
PRODUTO
BARREIRAS À ENTRADA
Concorrência Perfeita
Infinita
Homogêneo
Não existem
Monopólio
Uma única firma
Sem substitutos próximos
Existem
Concorrência Monopolística (Imperfeita)
Grande número de firmas
Diferenciado
Não existem
Oligopólio
Poucas firmas dominam o mercado
Homogêneo ou Diferenciado
Existem
Dessa forma, as estruturas de mercados impõem condicionantes para o equilíbrio das forças de mercado, entrando a lei da demanda e a lei da oferta. Quanto mais competitiva é uma estrutura de mercado, maior o poder da demanda e dos consumidores; quanto mais concentrado, maior o poder dos empresários.
SÍNTESE Esta aula foi de extrema importância para entendermos um conjunto de relações econômicas que podem ser modificadas ou potencializadas pela conjuntura econômica. Aqui, conhecemos os conceitos e o comportamento das variáveis oferta e demanda.
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ECONOMIA
De um lado, estão os vendedores que querem aumentar preços para maximizar suas receitas e seus lucros. De outro, estão os compradores que fazem parte das famí-lias de consumidores. Estes participam do mercado cedendo seus fatores de produção para as empresas, por isso têm direito a uma determinada renda que os condiciona a participar diretamente do fluxo circular da economia. Seu papel é maximizar a sua satisfação através de uma cesta de produtos que atendam às suas necessidades. No jogo entre ofertantes e demandantes, é a estrutura de mercado que vai definir o ponto de equilíbrio, situação em que tanto as empresas como os consumidores estão satisfeitos com os níveis de preços e quantidades transacionadas no mercado econômico.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Em que sentido a estrutura de um mercado pode interferir no equilíbrio entre a oferta e a demanda?
SITE INDICADO Dicionário de Economia: http://economiabr.net/teoria_escolas/monopolio.html
REFERÊNCIAS DORNBUSCH, Rudiger; FISCHER, Stanley. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1991. MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 3. ed. São Paulo: Thomson, 2005. PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 5. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002. PINHO, Diva Benevides; VASCONCELOS, Marco Antônio S. (Org.). Manual de Economia. Equipe de Professores da USP. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. VASCONCELOS, Marco Antônio S; GARCIA, Manuel E. Fundamentos de Economia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
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AULA 3 Inflação Autor: Gustavo Casseb Pessoti, adaptada por Carlos Mauricio Castro.
O
lá!
Agora que já passamos pela análise conceitual e pela ótica microeconômica, vamos nos dedicar mais às análises macroeconômicas. A inflação é um dos principais problemas da macroeconomia atual do Brasil. O objetivo desta nossa aula é compreender o conceito de inflação, seus indicadores e sua ligação com os problemas socioeconômicos vivenciados no dia a dia da população, enfatizando, também, as consequências e os principais tipos de inflação encontrados no Brasil. Vamos entender que a inflação é um dos principais problemas econômicos e que seu combate pode significar aumento na taxa de desemprego e diminuição no crescimento econômico, causando um grande conflito para os formuladores de políticas econômicas.
CONCEITO DE INFLAÇÃO Segundo Sandroni (2005, p. 222), o conceito de inflação é “aumento persistente dos preços em geral, de que resulta uma contínua perda do poder aquisitivo da moeda”.
ECONOMIA
Assim, deve ficar claro que esse aumento no índice de preços deve ser generalizado e contínuo, ou seja, os movimentos inflacionários não podem ser confundidos com altas ocasionais de preços, em função de fatores sazonais ou outros que acontecem em períodos limitados. De acordo com Lanzana (2001), é importante destacar que a inflação é: a) Um processo e não um fato isolado; b) Envolve aumentos contínuos e não esporádicos de preços; e c) Aumentos generalizados de preços e não isolados. (LANZANA, 2001, p. 302) De um modo geral, não se pode padronizar as fontes que ocasionam a ocorrência de um processo inflacionário em um país. Isso vai depender das condições do momento econômico e de outros fatores que envolvem: » » o tipo de estrutura de mercado (oligopolista, concorrencial etc.), que condiciona a capacidade dos vários setores repassarem aumentos de custos aos preços dos produtos; » » o grau de abertura da economia ao comércio exterior - quanto mais aberta a econo mia à competição externa, maior a concorrência interna entre fabricantes e menores os preços dos produto; » » a estrutura das organizações trabalhistas - quanto maior o poder de barganha dos sindicatos, maior a capacidade de obter reajustes salariais acima dos índices de produtividades e maior a pressão sobre os preços. Portanto, a inflação é definida como sendo uma alta persistente e generalizada dos preços na economia. A alta dos preços deve ser generalizada, ou seja, todos os produtos da economia devem sofrer acréscimos em seus preços. Se apenas alguns dos bens e serviços produzidos na economia apresentarem elevações de preços, enquanto outros apresentarem redução, isso não é inflação. Esse fenômeno pode decorrer simplesmente do mecanismo de ajuste dos respectivos mercados em virtude de alterações da demanda ou da oferta.
Figura 1 - Variação anual da inflação segundo diferentes medidas FONTE: IBGE (2010).
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AULA 3 - INFLAÇÃO
Figura 2 - Taxa de inflação mensal por regiões FONTE: IBGE (2012).
EFEITO SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA O processo inflacionário, especialmente aquele caracterizado por elevadas ta-xas, promove profundas distorções na estrutura produtiva de um país. Dentre os efeitos mais nocivos provocados por taxas elevadas de inflação, destaca-se a diminuição relativa do poder aquisitivo das pessoas. Esse efeito ocorre principalmente nas classes de assalariados que dependem de rendimentos fixos e com reajustes fixados em prazos estabelecidos por meio da política salarial instituída pelo governo. Nesse caso, quanto maior for o intervalo de reajuste, maior é a redução do seu poder de compra, que só é restabelecido a partir de novo reajuste. Os governos contemporâneos colocam a redução da inflação entre as principais metas de sua política econômica. Isso ocorre porque a inflação provoca alguns efeitos na economia. O principal deles é a perda do poder aquisitivo dos salários e de outras rendas fixas, como é o caso dos aluguéis e dos lucros do sistema capitalista. A classe trabalhadora é, sem dúvida, a que mais perde com a elevação das taxas de inflação, principalmente os trabalhadores de baixa renda, que não têm condições de se proteger, por exemplo, com aplicações financeiras, visto que consomem praticamente a totalidade de sua renda com a sua própria subsistência (alimentos, moradia e transportes). Se os assalariados não sofrerem reajustes nominais em seus vencimentos ou se esses reajustes forem inferiores ao nível do índice de preços, todos perderão com a inflação, pois a elevação continuada dos preços reduzirá paulatinamente seus salários reais, ou seja, a quantidade de bens e serviços que eles podem adquirir. Já os empresários, que podem reajustar seus preços de venda de seus produtos e, consequentemente, seus lucros, têm melhores condições de se proteger desse efeito danoso da inflação. Outros efeitos provocados por esse fenômeno, a inflação, segundo Pinho e Vasconcelos (2003, p.337), podem promover profundas distorções na estrutura produtiva, e devem aqui ser destacados.
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ECONOMIA
EFEITO SOBRE A BALANÇA DE PAGAMENTOS A balança de pagamentos, como veremos na Aula 04, é o registro de todas as transações que um país realiza com outros do mundo. Mede o fluxo global das exportações de bens e serviços e as importações que o país realiza. Um país que tenha inflação significativamente maior do que a dos seus parcei-ros poderá ter seus fluxos de comércio exterior seriamente prejudicados, pois a eleva-ção contínua dos preços internos diminui a competitividade e o volume das exporta-ções. De outro lado, a inflação interna faz com que as mercadorias importadas fiquem cada vez mais baratas. Isso causa um efeito bastante negativo para o país, pois tende a desestimular a produção interna, uma vez que os consumidores vão preferir comprar produtos vindos de fora com preços mais em conta. Além disso, com importações em alta e exportações em baixa, gera-se um déficit nas relações externas do país que pode comprometer as políticas públicas desse país.
EFEITO SOBRE O MERCADO DE CAPITAIS Tendo em vista o fato de que, num processo inflacionário intenso, o valor da moeda se deteriora rapidamente, ocorre um desestímulo à aplicação de recursos no mercado de capitais financeiros. As aplicações em poupança e títulos devem sofrer uma retração. Por outro lado, a inflação estimula a aplicação de recursos em bens de raiz, como terras e imóveis, que costumam se valorizar. No Brasil, essa distorção foi bastante minimizada pela instituição do mecanismo da correção monetária, pelo qual alguns papéis, como os títulos públicos, cadernetas de poupança e títulos privados, passaram a ser reajustados (ou indexados) por índices que refletem aproximadamente o crescimento da inflação. Em épocas de aceleração da inflação, isso contribui para um verdadeiro desvio de recursos de investimentos no setor produtivo, para aplicação no mercado financeiro.
OUTROS EFEITOS Outra distorção provocada por elevadas taxas de inflação prende-se à formação das expectativas sobre o futuro. Particularmente, o setor empresarial é bastante sensível a esse tipo de situação, dada a relativa instabilidade e imprevisibilidade de seus lucros. O empresário fica num compasso de espera. Enquanto a conjuntura inflacionária perdurar, ele dificilmente tomará iniciativas no sentido de aumentar seus investimentos na expansão da capacidade produtiva. Assim, a própria capacidade de produção futura e, consequentemente, o nível de emprego pode ser afetado pelo processo inflacionário. Embora os trabalhadores sejam os maiores prejudicados, as perdas salariais farão com que os capitalistas também percam, porque venderão menos, além do governo, que, com as quedas de renda dos trabalhadores e das vendas, terá a arrecadação de impostos reduzida. No âmbito do poder público, vale destacar o efeito de altas taxas de inflação sobre as finanças públicas. De acordo com o chamado Efeito Oliveira Tanzi, a inflação tende a diminuir o valor real da arrecadação fiscal do governo, pelo hiato de tempo existente entre o fato gerador e o recolhimento efetivo do imposto (VASCONCELOS, 2003, p. 340). Nesse caso, quanto maior inflação, menor a arrecadação real do governo. Uma vez discutidas as distorções provocadas por elevadas taxas de inflação, torna-se necessário analisar a inflação a partir dos fatores.
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AULA 3 - INFLAÇÃO
CAUSAS DA INFLAÇÃO Esta seção vai destacar as causas da inflação, ressaltando os principais tipos de inflação.
INFLAÇÃO DE DEMANDA Essa inflação refere-se ao excesso de demanda em relação à produção disponível de bens e serviços na economia. A inflação de demanda ocorre quando a economia está próxima de sua capacidade máxima, ou seja, não pode aumentar substancialmente a oferta de bens e serviços em curto prazo para acompanhar o crescimento da demanda. A inflação de demanda, considerada o tipo mais “clássico” de inflação, diz respeito ao excesso de demanda agregada em relação à oferta de bens e serviços. Normalmente, a inflação de demanda tem a sua origem em três fatores: » » aumento da renda disponível em decorrência de reajustes salariais ou da redução da carga tributária, ocasionando um aumento no poder aquisitivo e pressionando o consumo em níveis maiores do que a capacidade de expansão da produção, gerando um desequilíbrio no mercado e induzindo os preços a se elevarem; » » expansão do crédito ao consumidor que, mesmo com limitações na sua renda disponível, passa a dispor de um mecanismo de compra; » » diminuição das taxas de juros, que impulsiona as compras, principalmente a prazo, o que estimula a inflação.
INFLAÇÃO DE CUSTOS Esse tipo de inflação é causado pelo aumento no custo de produção. O au-mento das despesas com os fatores de produção, tais como o trabalho, os recursos naturais e o capital, ocasiona este tipo de inflação. Com relação ao trabalho, caso haja um aumento na sua remuneração (salário), haverá inflação, pois esse aumento normalmente é repassado para o preço final das mercadorias. No que se refere aos recursos naturais, caso das matérias-primas, um aumento em seus custos — decorrente, por exemplo, de aumento nos preços internacionais ou por problemas nas condições climáticas — ocasionará aumento nos custos de produção, que, por sua vez, será repassado para o preço final. Por último, com relação ao capital, caso haja uma elevação dos juros, haverá uma restrição no acesso a financiamentos; o dinheiro torna-se mais caro com os juros elevados, repassando, portanto, esse alto custo para o preço das mercadorias. A inflação de custos, também conhecida como “inflação de oferta”, ocorre quando o nível de demanda permanece o mesmo, mas os custos dos fatores de pro-dução aumentam. Essa situação provoca uma queda na produção induzindo um aumento dos preços de mercado. Podem-se detectar como principais causas da inflação de custos: » » aumento do custo da mão de obra; » » aumento do custo das matérias-primas e materiais secundários; » » aumento da taxa de juros (que ocorre quando as empresas utilizam capital de terceiros sobre o qual pagam remuneração);
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ECONOMIA
» » aumento da carga tributária. Cabe aqui destacar outros tipos de inflação, normalmente, não muito estudados nos cursos de introdução à economia.
INFLAÇÃO INERCIAL A inflação inercial ocorre em função da indexação da economia, portanto, de forma independente das pressões de demanda ou de custos. Normalmente, o processo inflacionário é autoalimentado pelo reajuste pleno de preço, tomando como base a inflação do período anterior. De acordo com Lanzana (2001) “o aspecto mais negativo da indexação é o fato de a mesma tornar a inflação rígida para baixo, isto é, mesmo sem pressões de demanda e de custos a inflação não cede.” (LANZANA, 2001, p. 311).
Um dos grandes responsáveis pela inflação inercial é a indexação da economia. A indexação consiste em se corrigir as rendas recebidas pelos agentes econômicos e o valor dos ativos de sua propriedade com base na variação de um índice de preços que reflita a taxa de inflação no período de tempo entre os reajustes. Desse modo, os salários dos trabalhadores, os aluguéis de imóveis, a taxa de câmbio da economia, o capital emprestado pelo poupador, os títulos da dívida pública emitidos pelo Governo, entre outros, são reajustados periodicamente com base na inflação passada. Dessa forma, a indexação acaba perpetuando a inflação, pois os agentes econômicos criam expectativas acerca do nível dos preços e sempre tenderão a reajustar os rendimentos pela inflação passada, impedindo que a taxa de inflação venha a cair no futuro. É necessário lembrar que essa diferenciação de tipos de inflação se dá no plano teórico. Na realidade, há um entrelaçamento variado entre todos esses tipos de inflação. O Brasil foi um dos países pioneiros no uso da indexação para “corrigir” a inflação. Porém, desde a aplicação do Plano Collor 2, esse mecanismo como medida de correção monetária foi oficialmente abolido.
INFLAÇÃO DE LUCROS Neste tipo de inflação, é importante considerar a inserção da empresa no mer-cado. Empresas que têm força de mercado podem elevar o preço de suas mercadorias sem enfrentar maiores obstáculos, dado que essas empresas possuem o poder de es-tabelecer preços (principalmente no caso dos monopólios e oligopólios que vimos na aula passada). No caso de existir um grande número de empresas com essas caracte-rísticas, há a possibilidade de elas entrarem em acordo para elevação conjunta dos preços com o intuito deliberado de aumentar a taxa de lucro. É exatamente esse tipo de acordo que caracteriza os cartéis econômicos.
INFLAÇÃO E CRESCIMENTO ECONÔMICO O cenário econômico do Brasil em 2012 favorece a discussão do trade-off, inflação e crescimento econômico. Com o aumento nos preços das principais commodities agrícolas e do petróleo no mercado internacional, há expectativa em relação ao retorno da inflação a patamares indesejáveis, o que poderá ocasionar desaceleração no desempenho da economia brasileira para os próximos anos. Considerando o crescimento econômico como algo distinto de controle inflacionário, evidencia-se, nessa questão, uma assimetria, pois uma inflação baixa estimula a estabilidade no setor financeiro e a combinação dos dois promove o crescimento. 40
AULA 3 - INFLAÇÃO
Essa discussão é muito importante e muito rica na história econômica do Brasil. Não por acaso estamos propondo, ainda nesta aula, a discussão dos Planos e Programas que abriram mão de uma política voltada para o crescimento e desenvolvimento para se concentrarem em medidas de combate à inflação. Particularmente no país, a partir de 1980, os índices de inflação atingiam níveis astronômicos (hiperinflação) e impediam o desenvolvimento, porque afetavam principalmente a renda dos mais pobres. Assim, a estabilidade dos preços é o primeiro passo para um país que objetive gerar crescimento econômico de suas atividades produtivas. A inflação baixa estimula o crescimento, segundo Wood (2001, p. 2), de três maneiras: » » Quando a inflação passa a ser alta, cresce a impopularidade do governo (se o país é uma democracia) e da elite rica (no poder em países não democráticos), junto à opinião pública. Em ambos os casos, os governantes tentam deter a inflação promovendo um aperto monetário, provocando pelo menos um desaquecimento econômico e, possivelmente, uma recessão. Essa perspectiva se constitui em obstáculo aos investimentos, o que compromete o crescimento. » » A inflação gera confusão em torno do significado das variações nos preços. A mudança de preço de uma mercadoria em relação a outras, uma alteração de preços relativos, é o que afeta a alocação de recursos. Se o preço de uma mercadoria sobe em relação ao de uma mercadoria substituta, então, os consumidores provavelmente comprarão a alternativa mais barata, ao passo que os produtores incrementarão a produção da mer cadoria cujo preço aumentou. Os consumidores gastam suas rendas de modo a maximizar seu bem-estar, ao passo que os produtores buscam aumentar a eficiência com que empregam seus recursos. Essas ações conjuntas melhoram a economia e o bem-estar das pessoas que vivem e trabalham nelas. » » Inflação baixa estimula a estabilidade financeira. A estabilidade financeira, por sua vez, estimula o crescimento. Se as instituições financeiras ficam vulneráveis ou perdem sua vitalidade, não funcionam bem na transmissão de capital de poupadores para investidores. Com isso, não se concretizam muitos investimentos em projetos perfeitamente viáveis e o crescimento deixa de acontecer. Então, quando sobe o nível geral de preços de uma economia, a maior parte da população perde muito dinheiro e a diminuição do poder de compra dos seus ativos provoca retrações nos negócios que são realizados na economia. Mesmo os investi-dores perdem, pois praticamente não conseguem fazer com que seus lucros sejam suficientes para honrar todos os compromissos, como por exemplo, os empréstimos bancários e os salários de seus funcionários, que têm que aumentar, para que possam adquirir produtos os quais ele (empresário) coloca à disposição no mercado. Além disso, a inflação provoca efeitos nocivos a uma série de outras estruturas - como as que foram descritas anteriormente - no caso do nível da arrecadação pública (Efeito Tanzi), sobre o balanço de pagamentos, sobre a distribuição de renda e, portan-to, provoca distorções em todos os setores produtivos, pois prejudica o funcionamento de inter-relações entre os agentes econômicos que vimos na aula passada: famílias, empresas, governo e resto do mundo. As dificuldades de interação entre esses agentes provocam distorções sobre a demanda e oferta da economia, levando a uma diminuição nos negócios realizados e uma paralisação na atividade econômica, desestimulando o crescimento. Com inflação em alta e lucros menores, certamente, os empresários vão ofertar menores postos de trabalho, gerando desemprego na economia. As pressões sobre o governo também serão maiores e este, ao invés de investir em uma política de desenvolvimento nacio-nal, terá que se preocupar com programas emergenciais e assistenciais.
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Assim, todos perdem com a inflação. Se as medidas de combate, muitas vezes, são “dolorosas”, o seu descontrole significa a “morte do paciente”, pois, no Brasil, quem mais perde com a inflação é a classe trabalhadora, que depende, basicamente, de um salário mínimo. Isso, para não falar dos trabalhadores informais, que, invariavelmente, nem chegam a este patamar. E isso vale para qualquer país do mundo, não só para o Brasil. Sugiro que você pesquise na Internet como a inflação, vez por outra, ameaça a estabilidade econômica de países como Estados Unidos, Alemanha ou Itália.
PRINCIPAIS PROGRAMAS DE COMBATE À INFLAÇÃO DA HISTÓRIA BRASILEIRA RECENTE Como já mencionado anteriormente, a história brasileira é riquíssima e foram muitos os fenômenos econômicos que assolaram a nossa economia – e que estão por trás da grande inflação que enfrentamos. Tais fenômenos estão relacionados à conjuntura interna e externa, como por exemplo, a crise da dívida externa, os choques do petróleo etc. A expansão inflacionária e os graves problemas decorrentes de medidas econômicas inadequadas, ocorridas em sucessivos governos a partir dos anos 1980, certamente, extrapolariam os objetivos desta aula. Para se aprofundar no tema, sugiro a consulta de qualquer um dos manuais de economia que anexamos nas referências bibliográficas desta aula. A inflação sempre preocupou muito as autoridades brasileiras ao longo da nossa história econômica. Particularmente na década de 1980, isto é, no pós segundo choque do petróleo, houve uma pluralidade de planos econômicos, que estavam mais comprometidos com a estabilização macroeconômica dos preços do que com o crescimento econômico propriamente dito. A seguir, faremos um breve resumo desses principais programas de combate à inflação dos últimos vinte anos. As medidas de estabilização tomadas no período entre os anos de 1981 e 1985, já no final do governo Figueiredo, foram baseadas em um rigoroso controle monetário e em esforço para reduzir o déficit público (isto é, a participação do governo na econo-mia). O objetivo era retirar a grande quantidade de moeda que estava em circulação, principalmente pela elevação dos gastos públicos em anos anteriores. Entretanto, parafraseando nosso exemplo anterior, a dose do remédio foi tão forte que o paciente morreu. A redução dos investimentos públicos e a contração mo-netária provocaram fortes recessões na economia brasileira (períodos consecutivos em que a taxa de crescimento da economia ficou negativa), com grande diminuição do PIB, sem que isso significasse diminuição também nos níveis de preços. Entre 1981 e 1983, a inflação brasileira passou de um patamar de 100 para 200% ao ano. Como não conseguiu sucesso, o governo tentou retomar o projeto desenvol-vimentista, aumentando os gastos públicos em 1984 e 1985, para pelo menos fazer o país voltar a crescer, no entanto, os indicadores inflacionários alcançaram níveis altíssi-mos, não gerando o crescimento econômico que se desejava. Assim, o déficit público e a inflação cresceram de tal forma que o país entrou em uma severa recessão. Com o fracasso da política anterior, que foi comandada por Delfim Neto, assume o poder, em um processo histórico, o presidente José Sarney e, em fevereiro de 1986, anuncia o Plano Cruzado, composto das seguintes medidas: » » congelamento de preços e salários, aluguéis e taxas de câmbio; » » substituição do cruzeiro pelo cruzado à razão de mil por um;
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» » extinção do sistema de indexação generalizada de impostos, salários, aluguéis e ativos financeiros existentes no país. As medidas introduzidas pelo Plano Cruzado foram recebidas pelos brasileiros com grande entusiasmo e euforia, mas logo encontraram um conjunto de obstáculos impostos pela teoria econômica, principalmente relacionados ao congelamento de preços (LEITE, 2000, p. 620): » » iniciou-se um processo de desabastecimento, com o sumiço das mercadorias das prateleiras dos supermercados; » » instalou-se um mercado paralelo (mercado negro), com alimentos básicos sendo vendidos às escondidas com preços superiores aos tabelados; » » revelou-se a insuficiência de fiscais para impor e acompanhar o congelamento dos preços (apesar do clamor do presidente Sarney para que todos os brasileiros fossem fiscais do plano); » » iniciou-se uma especulação com os estoques secretos das mercadorias em falta; » » tornou-se necessária a importação de alimentos (carne, arroz, leite) costumeiramente produzidos e até exportados pelo país. Ao final de dez meses, o Plano Cruzado foi “sepultado” com o descongelamento de preços e retorno da inflação aos níveis anteriores. Ágio e Câmbio Negro foram expressões que melhor caracterizaram o Plano Cruzado. Em função do fracasso do Plano Cruzado, assume o cargo de ministro da economia Luis Carlos Bresser Pereira (renomado economista brasileiro), que julgava ter entendido os erros do Plano Cruzado. Em junho de 1987, é lançado no Brasil o Plano Bresser, que também centrou seu plano no congelamento de preços, salários, aluguéis e taxa de câmbio, bem como num sistema de indexação defasada de salários e preços. Entretanto, desta feita, o congelamento foi precedido de um reajustamento das tarifas públicas, de uma minidesvalorização da moeda nacional e da promessa de uma política monetária restritiva e política fiscal de diminuição da participação do Estado na economia. Conforme destaca Leite (2000, p. 621), o Plano Bresser não contou com o apoio público que beneficiou o Plano Cruzado. Em vez de contar com boa vontade popular, o plano enfrentou forte reação dos setores prejudicados, especialmente as pressões por aumentos salariais da parte das empresas estatais e do próprio governo federal. O aumento dos salários dos funcionários terminou por impedir a contenção do déficit público, que aumentou brutalmente. O governo teve também que “afrouxar” os controles monetários para evitar a recessão e, como resposta, a inflação alcançou incríveis 400% no ano de 1987. É obvio dizer que o Plano Bresser foi abandonado em dezembro de 1987 com a demissão de seu criador. Diante do momento de recessão e forte elevação nos preços, o governo Sarney desistiu das investidas mirabolantes e passou a utilizar mecanismos mais tradicionais de controle da inflação, combinando políticas monetárias e fiscais restritivas (esse assunto será retomado em nossa próxima aula). O plano que entrou em vigor em 1988, na gestão de Maílson da Nóbrega como ministro da economia, foi, por isso mesmo, batizado de Feijão com Arroz. O Plano Feijão com Arroz até conseguiu diminuir o déficit público e gerar uma contenção monetária, mas a economia não deu respostas positivas e entrou de vez em recessão, com forte retração de 5% na taxa do PIB e inflação que atingiu 1000% ao ano.
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Em 1989 surgiu um novo plano, dessa vez batizado de Plano Verão, com novo congelamento de preços, salários, aluguéis e câmbio. O Plano veio acompanhado de uma reforma monetária, caracterizada pelo surgimento de uma nova moeda, denominada de Cruzado Novo, valendo mil cruzados antigos. O Plano Verão até foi bem intencionado e propôs, inclusive, um corte no número de ministérios, autarquias e cargos públicos, demissões de funcionários públicos não concursados e privatizações de empresas públicas deficitárias, objetivando conter a escalada do déficit público e do aumento na dívida externa, que engessava a ação do governo brasileiro com o pagamento de muitos milhares de dólares com credores internacionais. Entretanto, a sociedade brasileira não tolerava mais os congelamentos de preços e as expectativas inflacionárias aceleravam ainda mais a tendência inflacionária. Quando a taxa de inflação batia em 25% ao mês, os empresários já tomavam medidas defensivas, esperando um novo congelamento, e aumentavam, para acima de seus custos, os preços das mercadorias comercializadas, principalmente os gêneros alimentícios. O fracasso do Plano Verão foi tão evidente que a inflação chegou a bater em 50% ao mês e a pressão eleitoreira, em função das campanhas presidenciais e de renovação do congresso, fez com que se flexibilizasse a política em relação aos funcionários públicos e às empresas estatais, retomando, dessa maneira, a escalada do déficit público. Os índices econômicos pioraram tanto no final do governo Sarney que, além da inflação que já atingia 1200% ao ano, o governo foi obrigado a deixar de pagar os compromissos da dívida externa, decretando moratória da dívida e comprometendo o futuro do país com a diminuição de financiamentos externos. Está claro, com essas rápidas passagens da análise da economia brasileira entre 1980 e 2008, que muitos foram os programas de combate à inflação nesse período. Uma análise mais detida sobre as especificidades desses planos, bem como a conjuntura econômica da época, deve ser realizada nos livros de economia colocados nas referências bibliográficas de cada aula. Aqui nos interessa apenas analisar algumas medidas do combate à inflação, bem como evidenciar como a inflação causou males para a histórica econômica do Brasil. Dentro desse clima extremamente adverso de inflação descontrolada, de crise na dívida externa, de decretação de moratória, de baixo crescimento do PIB, de aumento do déficit público, a democracia brasileira, após anos de ditadura militar, colocou à frente do país o presidente Fernando Collor de Melo, com o objetivo de restabelecer a confiança na economia brasileira, retomar o crescimento econômico e controlar a hiperinflação. Ao tomar posse em 15 de março de 1990, o governo Collor, com uma só medida, resolveu, pelo menos no curto prazo, os problemas da hiperinflação, pagamento da dívida e o déficit público ao longo dos últimos vinte anos, ao decretar o bloqueio de 70% dos ativos financeiros do setor privado por dezoito meses com devolução posterior em doze parcelas ajustadas com a correção monetária e taxas de juros de 6% ao ano. Essa foi a principal medida do governo Collor, que prometera acabar de vez com a inflação. Partindo do princípio de que a inflação era sustentada pelo desequilíbrio orçamentário (déficit público) e alimentada pelo volume de ativos financeiros indexados e de liquidez imediata, o Plano Brasil Novo, lançado pelo governo e conhecido na mídia como Plano Collor I, tinha as seguintes premissas: » » promoveu nova reforma monetária, como a readoção do cruzeiro (Cr$) como moeda oficial (Cr$1,00 = NCz$1.000,00); » » determinou o bloqueio da maior parte dos ativos financeiros;
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» » estabeleceu congelamento temporário de preços e salários e reajustou as tarifas públicas; » » implementou um programa de privatização com o propósito de reduzir a participação do Estado na economia. O choque inicial do Plano Collor I provocou uma redução imediata no poder de compra da população e, em consequência, maior retração das atividades econômicas. O PIB brasileiro sofreu uma forte queda em 1990, com retração de 4,3%, valor mais baixo registrado pela economia desde 1981. O setor industrial foi o mais atingido com queda de 8,6% em relação a 1989 e a taxa de emprego da economia brasileira caiu 4% naquele mesmo período. Apesar desse mau resultado, em relação ao equilíbrio orçamentário, as medidas de privatizações de empresas estatais (no seio do Programa Nacional de Desregulamentação), bem como a demissão de funcionários públicos estáveis e, aliada a essas medidas, a venda de imóveis e veículos do governo, ocasionaram a redução do valor da dívida referente ao setor público. A inflação, no primeiro ano do plano, não recuou, mas se estabilizou no patamar de 11% ao mês. Entretanto, com a crise do petróleo no Oriente Médio, as importações provocaram a retomada da escalada de preços. Com uma inflação de 500% no ano de 1991, o plano Collor I chegava ao seu final, com total desaprovação pela população brasileira e com a inflação totalmente fora de controle. Um novo plano foi preparado ainda na vigência do governo Collor, batizado como Plano Collor II. Este previa a desindexação da economia, o tabelamento para a cesta básica e o congelamento de preços e salários. As políticas monetária e fiscal continuaram austeras, com juros altos e crédito restrito para inibir o consumo na época do descongelamento dos preços. O rigor da política do governo teve como primeiro impacto um aumento expressivo de desemprego (5,8% em relação ao ano anterior) e um crescimento quase nulo do PIB brasileiro, próximo a 0,3% em 1992. A inflação não se estabilizou e chegou a patamares de 50% ao mês, atingindo, no final de 1992, uma taxa acumulada de quase 2000% ao ano. Para sorte dos brasileiros, o governo Collor foi interrompido antes do seu fim. Marcado por uma corrupção muito grande, o presidente recebeu um grande veto ao seu mandato pelo povo e sofreu o impedimento de continuar à frente do país, tendo que renunciar ao mandato. A partir de 1993, com a queda de Collor, assume Itamar Franco e estabelece um novo plano econômico, dessa vez tendo como ministro da fazenda o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Cabe, aqui, apenas um registro de que o presidente Itamar Franco não conseguiu acertar a economia de primeira. Antecederam ao ministro Fernando Henrique três outros ministros que continuaram a ciranda da inflação alta nos primeiros cinco meses do governo. Estamos apenas reduzindo um pouco os fatos históricos, pois esse assunto deve ser melhor explicado em um curso específico sobre economia brasileira, o que não é o nosso objetivo principal. O plano econômico, lançado pelo então ministro Fernando Henrique, ficou conhecido como Plano de Ação Imediata (PAI), aprovado em julho de 1993. Entre os principais fatos que marcaram esse plano, podemos destacar: » » retomada do controle inflacionário - ainda elevado, mas em níveis já bem mais baixos (150% em 1993); » » abertura da economia em bases liberais com a diminuição do papel do Estado na economia; » » progressiva melhora nas contas públicas com a recuperação de confiança externa (abalada desde a moratória do governo Sarney); » » austeridade no gasto público, mantendo os gastos com programas sociais; 41
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» » privatizações de empresas estatais; » » saneamento do sistema bancário (envolvendo bancos federais e estaduais). O PAI ou Plano FHC, como ficou popularmente conhecido, definiu como seu objetivo principal assegurar a retomada do crescimento econômico em bases sustentáveis e com baixo índice de inflação. Assim, embora não tenha mitigado a inflação, o Plano FHC foi fundamental para criar as bases necessárias para que a inflação invertesse a sua trajetória ascendente. Ainda em 1994, é lançado o Plano Real. O Plano Real foi montado por uma equipe de especialistas e implementado com grandes diferenças em relação aos anteriores: primeiro, não houve qualquer tentativa de congelamento de preços, salários e muito menos bloqueio de ativos financeiros; segundo, o Plano Real foi antecipado para a sociedade antes mesmo de acontecer, de forma a ganhar o apoio popular, fator subjetivo, mas muito importante para o sucesso do plano. Além disso, o sucesso da abertura comercial, iniciada no governo Collor e continuada no governo de Itamar Franco, possibilitou uma reestruturação na economia brasileira e maior internacionalização nas relações econômicas. A ideia da equipe econômica era criar uma unidade monetária forte, de forma a evitar a sua corrosão e a explosão no processo inflacionário. Em entrevista ao portal UOL, o cientista político e ex-assessor do Ministério da Fazenda, Sérgio Fausto, assim definiu o processo de implementação do Plano Real: O Plano Real se desdobrou em três fases e, diferentemente dos anteriores, foi anunciado antecipadamente à sociedade. Em nenhum momento houve congelamento de preços. A primeira fase, que durou do final de 1993 a fevereiro de 1994, consistiu na batalha por aprovar no Congresso medidas que assegurassem um mínimo de controle sobre as contas públicas. Essa foi uma lição aprendida com os planos anteriores: como a inflação alta ajudava o governo a fechar as suas contas, se o objetivo era derrubá-la e mantê-la no chão, era preciso tomar as rédeas das contas públicas. A segunda fase transcorreu de fevereiro a junho de 1994 e foi marcada pela progressiva cotação dos preços em URV, uma unidade real de valor, ou seja, uma referência estável de valor. O cruzeiro novo não saiu de cena de imediato. A cada dia, o Banco Central fixava uma taxa de conversão da URV em cruzeiros, baseada na média de três índices diários de inflação. A URV era uma quase moeda, porque servia de unidade de conta, de reserva de valor, mas não de meio de pagamento. Ou seja, os bens e serviços continuavam a ser pagos em cruzeiros novos, mas passaram a ter referência numa unidade de valor estável, mais ou menos como se fosse um substituto do dólar. Assim, a URV permitiu o alinhamento dos preços sem necessidade e as inconveniências do congelamento. A terceira fase começa com a emissão da nova moeda, o Real, em lugar dos cruzeiros novos. A URV foi a parteira do Real. (http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/plano-real.jhtm)
Em primeiro de julho de 1994, o governo procedeu à reforma monetária, adotando o real como moeda corrente, de valor equivalente à URV do dia anterior (Cr$ 2.750,00) e mantendo a paridade com o dólar de US$1,00 para R$0,93. A valorização da moeda foi um trunfo para combater a inflação. Com a forte valorização da moeda (além de todas as medidas anteriores, da época de Itamar Franco, como as privatizações para diminuir a participação do setor público e a abertura da economia), houve um aumento nas importações de bens de consumo do exterior, de forma que os empresários brasileiros foram obrigados a baixar os preços internos para continuarem vivos na concorrência pelo consumidor brasileiro.
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Com maior controle dos gastos públicos, uma política fiscal e monetária austera e com a retomada da confiança na economia brasileira, o que parecia impossível acon-teceu: a inflação recuou ainda em 1994, atingindo cerca de 50% ao ano, para nunca mais atingir patamares como esse. Em 1995, a economia brasileira cresceu 4,3% e o ní-vel de preços permaneceu num patamar jamais observado de 10%. Em 1996, o índice de preços ao consumidor chegou a menos de 2%. Hoje em dia, o patamar de inflação é determinado pelo Banco Central dentro de um determinado intervalo, normalmente situado em um mínimo de 4,5% ao ano até no máximo 6,5%. Com toda turbulência ocorrida em 2002, quando houve a troca do governo FHC pelo governo Lula e a possibilidade de descontinuidade na política econômica, a inflação se descontrolou um pouco e atingiu 9,8%. Um verdadeiro alento se considerarmos os 2000% já registrados no governo Collor.
SÍNTESE Percebemos, nesta aula, que a inflação é um fenômeno relacionado ao aumento generalizado dos preços dos diversos produtos de uma economia. Suas consequências são extremamente prejudiciais para o funcionamento do sistema econômico e podem barrar ou mesmo impedir o crescimento econômico. Uma inflação descontrolada pode, inclusive, prejudicar as relações de um país com o resto do mundo, ao tornar caras as exportações e baratas as importações. É por essa razão que, a partir da década de 1980, quando o nível de preços no Brasil atingiu o status de hiperinflação, começaram a ser desenvolvidos planos e programas de combate à inflação. Nenhum deles logrou sucesso, até que, em 1994, o Plano Real, no final do governo Itamar Franco, conseguiu reduzir os níveis inflacionários para patamares jamais observados na história econômica do Brasil.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Por que a inflação pode comprometer todas as metas do crescimento econômico da economia brasileira?
LEITURA INDICADA FILGUEIRAS, Luis. História do Plano Real. São Paulo: Boitempo, 2000, 232p.
SITES INDICADOS Dicionário de Economia: http://economiabr.net/teoria_escolas/monopolio.html Fundação Getúlio Vargas (FGV): www.fgvdados.br Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE): www. dieese.org.br Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE/USP): www.fipe.org.br/ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): www.ibge.gov.br/ Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI): www.sei.ba.gov.br/
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REFERÊNCIAS DORNBUSCH, Rudiger; FISCHER, Stanley. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1991. FAUSTO, Sérgio. Fim da inflação e conquista da estabilidade econômica. Disponível em: <http:// educa-cao.uol.com.br/historia-brasil/plano-real.jhtm>. Acesso em: 25 nov. 2008. LANZANA, Antonio E. Teixeira. Economia brasileira: fundamentos e atualidades. São Paulo: Atlas, 2001. PINHO, Diva Benevides; VASCONCELOS, Marco Antônio S. (Org.). Manual de Economia. Equipe de Professores da USP. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. SACHS, Jeffrey; LARRAIN, B. F. Macroeconomia. São Paulo: Makron, 1992. SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005. VASCONCELOS, Marco Antônio S.; GARCIA, Manuel E. Fundamentos de Economia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. WOOD, Geoffrey E. Controle de inflação e crescimento. São Paulo, 2001. www.ibge.gov.br
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AULA 4 Análise das Políticas Econômicas no Brasil Autor: Gustavo Casseb Pessoti, adaptada por Carlos Mauricio Castro.
O
lá!
Como vai você? Espero que bem e principalmente estudando os assuntos passados! Esta é uma aula muito importante sobre políticas econômicas, com destaque para as políticas fiscal, monetária e cambial. A análise desses instrumentos é a chave para entender como as decisões econômicas de um governo são diretamente afetadas pela conjuntura interna e externa, e como elas interferem em nosso dia a dia, no nosso bolso e nos nossos planos. A política econômica é o conjunto de todos os instrumentos de que dispõe um governo para sua intervenção na economia. Essa intervenção pode se dar com o propósito de aumentar o desenvolvimento econômico ou simplesmente gerar crescimento da atividade econômica e estabilidade nos preços. Esses assuntos serão complementados em nossa aula seguinte. Por ora, entendamos que o Estado assume a função importante na economia, buscando alocar os recursos escassos na direção de projetos que diminuam as desigualdades econômicas, promovam o aumento do emprego e da renda circulante na economia, gerando bem-estar social. E isso é feito através das políticas econômicas. Até antes de 1980, as políticas econômicas do Brasil tinham como objetivo maior a criação de um ciclo econômico sustentável e necessário para o desenvolvimento econômico. Se pesquisarmos alguns planos
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e programas implementados como o Plano de Metas de Juscelino, o Plano SALTE e os Programas Nacionais de Desenvolvimento da era militar, perceberemos que o foco da participação do governo na economia era acabar com os gargalos que impediam o desenvolvimento do país. As políticas econômicas daquela época visavam investimentos pesados por parte do setor público em setores considerados estratégicos como a infraestrutura, energia, transportes e na indústria de base (metalurgia e siderurgia). Não por acaso, o final dos anos 1960 e início dos 70 é batizado como a época do milagre brasileiro, período em que a economia nacional crescia a taxas superiores a 5% anual, expandindo a oferta de trabalho e gerando maior volume de renda, traduzido por grande expansão no PIB per capita do Brasil. Essa era a época em que as políticas econômicas tinham um propósito desenvolvimentista. A partir da segunda metade da década de 1980, a economia brasileira entra num colapso jamais percebido ao longo de toda a sua história contemporânea. A crise da dívida externa, em função do aumento dos gastos públicos do governo em épocas anteriores, fez com que o país enfrentasse uma grande dificuldade de financiamento do seu desenvolvimento. Em paralelo, observa-se uma grande explosão nos níveis da inflação interna. O desemprego em alta, a inflação e o baixo dinamismo da economia brasileira nesse período batizaram os anos 1980 como a década perdida. Nessa época, o PIB per capita despencou e as relações do Brasil com o resto do mundo reduziram-se a quase nada. Naquela época, todo o comércio internacional do Brasil representava apenas 1% da corrente de comércio do mundo, uma taxa muito insignificante para um país com tanto potencial econômico como o Brasil. Como resposta desse período conflituoso, diminuíram-se os investimentos ex-ternos no país e o governo brasileiro passou por uma necessidade: priorizar as políti-cas econômicas para o controle da inflação. Nessa época, a intervenção das políticas econômicas tinha um novo foco: as políticas saíram do propósito de propiciar as con-dições para o desenvolvimento e passaram a enfatizar o controle macroeconômico. Essas políticas são as que hoje em dia são aplicadas pelo governo brasileiro. Vamos agora entender um pouco mais de cada um desses instrumentos, pois eles nos ajudam a entender a dinâmica da atuação do governo na economia. Para tentar atingir os principais objetivos econômicos traçados, quais sejam, um crescimento econômico com equidade e controle do nível de preços, o governo do país utiliza três políticas econômicas principais: a política fiscal, a política monetária e a política cambial. Cada uma dessas políticas econômicas tem seu próprio objetivo e seu meca-nismo de intervenção. A política fiscal, por exemplo, é aquela em que o governo utiliza, com programas sociais e econômicos, os recursos que arrecadou de toda a sociedade por meio de impostos e tarifas. Gastar seus recursos com programas e assistências e arrecadar tributos sob a atividade econômica significa que o governo está exercendo o seu mecanismo fiscal de intervenção. Na política monetária, o governo controla a quantidade de moeda em circulação com o objetivo de evitar o aumento nas transações econômicas e segurar o nível dos preços. Assim, quando o governo retira a moeda de circulação, por exemplo, subindo a taxa de juros e tornando as aplicações financeiras mais rentáveis, ele o faz por meio de sua política monetária. Já na política cambial, o governo fixa “níveis ótimos” na relação entre o valor de face do Real (moeda brasileira) em comparação ao valor de outras moedas mundiais (normalmente o dólar e euro são os valores de refe-rência). Esse controle objetiva regularizar o fluxo de entrada e saída de divisas do país, por meio de exportações e importações. Toda vez que o governo gastar com suas diversas políticas públicas mais do que arrecadar com todos os impostos diretos (aqueles que incidem diretamente sobre a renda o patrimônio, como o imposto de renda, o IPTU e o IPVA) e indiretos (aqueles que incidem sobre os preços das mercadorias que
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consumimos, dos quais o ICMS é o principal), dizemos que ele produziu um déficit orçamentário ou déficit público. Quando os déficits públicos são elevados, isso significa que o governo gasta mais do que arrecada, portanto tem uma grande importância na renda que é gerada internamente em um determinado país. Imagine que o déficit do governo esteja atrelado ao programa Bolsa Família. Diminuir esse déficit significaria reduzir o volume de famílias beneficiadas, diminuin-do dessa forma o consumo da economia e sinalizando para os investidores, de forma negativa, que o momento deve ser de cautela. Assim, nesse caso extremo, observamos que nem todo o déficit público é prejudicial à economia. Isso depende não só da natureza do gasto e dos programas implementados pelo Estado, mas também da capacidade futura de pagamento desse déficit. A medida de referência para indicar o déficit público, e por tabela o endivida-mento do governo, é a relação dívida/PIB. Se esse percentual for muito elevado, esta remos diante de uma situação em que o país terá dificuldade de financiamentos para outras atividades e programas, pois uma parte de toda a sua produção econômica será necessária para honrar compromissos “velhos”. Então, devemos ver com cautela o aumento do déficit público, pois como vimos nos conceitos anteriores, essa dívida que fica passa por uma correção monetária e pela atualização de taxas de juros, dificul-tando que novas ações sejam tomadas antes do pagamento aos devedores. Um alto endividamento do setor público foi a razão do insucesso da economia brasileira na década de 1980, que apresentou baixo dinamismo econômico e alta inflação. Falando em inflação, é importante mencionar que o volume de dinheiro injetado na economia através das políticas econômicas tem também a possibilidade de, longe de alcançar um objetivo positivo, acabar por incentivar o aumento de preços. Voltemos ao nosso caso da Bolsa Família e suponhamos que o governo decida continuar com uma política fiscal expansionista, aumentando gastos com programas, independente do volume de impostos arrecadados. Nesse caso, teríamos uma situação prejudicial ao governo, pois com o aumento do déficit ele teria dificuldade de implementar novos programas. Mas, além disso, com uma quantidade muito grande de dinheiro em circulação, há uma tendência de que as pessoas comecem a gastar mais e com isso se provoque um aumento nos preços dos diversos itens da economia, gerando a inflação. Assim sendo, um descontrole nos gastos públicos pode ter como efeito colateral um aumento da inflação na economia. Para evitar que isso aconteça, surge um novo instrumento de política econô-mica que tem como objetivo fazer com que a economia cresça, mas sem com isso aumentar também o nível de preços gerando inflação. Estamos falando da política monetária, isto é, a intervenção do governo controlando a liquidez (volume de moeda em circulação) do sistema econômico de forma racional e equilibrada aos demais objetivos das políticas econômicas. Nesse sentido, ganha uma importância cada vez mais crescente a política monetária, como principal instrumento econômico para combate à inflação e aumento da renda sem necessariamente aumentar a participação do setor público na economia, como o faz a política fiscal. A política monetária do governo é desenhada por uma instância governamental chamada de Conselho Monetário Nacional e executada pelo principal órgão com-ponente desse conselho que é o Banco Central do Brasil. O Banco Central, no controle monetário, tem as seguintes funções: emissor de moeda; depositário de reservas in-ternacionais que chegam das relações do país com o resto do mundo; guardião das reservas monetárias dos bancos comerciais como Bradesco, Itaú etc., sendo responsável pelos empréstimos para instituições financeiras com problemas de caixa; responsável pelo controle seletivo do crédito que é disponibilizado no Brasil pelos bancos de investimento, como
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o BNDES. É também o banqueiro do governo, pois é depositário dos recursos captados pela União sob a forma de receitas tributárias (isto é, os impostos arrecadados pelo governo ficam no Banco Central). No Brasil, principalmente depois do Plano Real, o grande objetivo da política monetária é a estabilização dos preços, mesmo que isso signifique diminuir um pouco a intensidade do crescimento econômico. Traumatizado com a época em que a inflação atingia 2.000% (isso mesmo, dois mil pontos percentuais ao ano, como na época do governo Collor, em 1991), o governo brasileiro não flexibiliza a política monetária brasileira, de forma que, se for preciso sacrificar o crescimento econômico para manter a meta de inflação, a equipe econômica do governo não vai pensar duas vezes. A meta de inflação do Brasil é de 4,5% ao ano, com uma flexibilidade de dois pontos percentuais, podendo no máximo atingir 6,5% ao ano. Em 2002, a inflação no Brasil atingiu 10%, o que significou uma mudança no rigor da política monetária desde os inícios do governo Lula. Para realizar a política monetária, o Banco Central utiliza instrumentos quali-tativos e quantitativos. Os primeiros são aqueles que modificam a disponibilidade de crédito para as agências de fomento e bancos de desenvolvimento. Os segundos são aqueles que têm como missão regular a oferta de moeda na economia. Entre esses instrumentos estão as taxas de juros, as operações de open market (compra e venda de títulos públicos) e as operações de controle das reservas dos bancos comerciais, para que estes não emprestem dinheiro para a sociedade acima do permitido para não gerar inflação. No Brasil, o principal instrumento de controle monetário é a taxa de juros. Todos os meses, nós, economistas, aguardamos ansiosamente qual será a decisão do Banco Central em relação às taxas de juros cobradas no sistema financeiro. A depender do comportamento da Taxa SELIC, que é a taxa que serve de referência para o sistema financeiro brasileiro, sabemos se o Banco Central quer aumentar a liquidez da economia para incentivar o consumo ou se o objetivo é segurar os preços da economia, de forma a evitar a inflação. E o instrumento para isso é a taxa de juros. Entendamos a lógica desse instrumento.
O QUE É A TAXA DE JUROS? De maneira bastante simplificada, podemos dizer que é a remuneração que o sistema financeiro paga para que você, consumidor, abra mão de ter seu recurso de imediato para realização de transações ou o deixe aplicado em poupança ou em outro tipo de aplicação. Assim, quando a taxa de juros se eleva, aqueles que têm dinheiro aplicado conseguem um ganho adicional no mercado financeiro. O que o Banco Central faz é bastante intuitivo. Quando ele quer restringir a oferta de moeda na economia para evitar a alta nos preços, aumenta a taxa de juros. Esse aumento faz com que muitas pessoas deixem de comprar e passem a poupar para ganhar no mercado financeiro. Quando esses compradores diminuem o volume das compras, os empresários não têm outra saída senão abaixar os preços para não provocar uma queda no consumo. Além disso, quando as taxas de juros estão altas, as pessoas têm mais dificuldade de conseguir empréstimos bancários, pois estes ficam muito caros e diminuem a procura pelo dinheiro de forma a causar pouca pressão sobre a inflação. Assim, quando o Banco Central quer elevar o consumo da sociedade ou au-mentar a disponibilidade de crédito, basta que diminua a taxa de juros. Todos aqueles poupadores vão se sentir desestimulados a manterem o dinheiro parado e voltarão a realizar gastos na economia, pois com a queda na taxa de juros pode ser que o custo de deixar o dinheiro parado seja muito alto e valha mais a pena realizar aquele gasto que você gostaria, em relação a um bem ou serviço da economia.
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PRINCIPAIS TAXAS DE JUROS DO MERCADO BRASILEIRO Para Sandroni (1999, p. 316), “[...] juro é toda a remuneração que o tomador de um empréstimo deve pagar ao proprietário do capital emprestado”. Cada corrente do pensamento econômico atribui o juro a um fator econômico. São várias as taxas de juros do mercado brasileiro. Veja, a seguir, as principais taxas existentes. Perceba, dessa forma, que quando as taxas de juros aumentam e o consumo diminui, há uma pressão sobre o desempenho da economia que pode ter uma baixa taxa de crescimento em função do maior estímulo à poupança em detrimento do con-sumo. No caso contrário, quando as taxas de juros baixam, o consumo é incentivado e com isso aumenta a possibilidade de o país apresentar uma taxa de crescimento eleva-da. Isto é, o governo tem que escolher entre crescimento e inflação. No caso do Brasil, a ideia é do crescimento sem inflação. Caso a inflação ameace a estabilidade econômica, a equipe do governo aumenta a taxa de juros, pois o objetivo da política monetária do Plano Real é a estabilização nos preços, custe o que custar. No Brasil, as taxas de juros sempre estiveram sujeitas a algum tipo de interfe-rência governamental, por causa da prevenção existente, em certos setores, contra a rentabilidade do capital financeiro. Durante muito tempo, houve uma lei de Usura que estabelecia limites para as taxas de juros. Ainda hoje, a Constituição Federal estabele-ce um teto de 12% a.a. para os juros, embora tal teto não tenha sido obedecido, nem mesmo pelo governo federal, em suas operações da dívida interna. » » Taxa Referencial (TR): é uma taxa básica criada com o propósito de estabelecer um patamar móvel para fundamentar as demais taxas de juros. A variação da TR decorre tanto de modificações na inflação esperada, quanto no custo básico do capital. » » Taxa Básica Financeira: corresponde à média das taxas de juros do CDBs das trinta maiores instituições financeiras do país, sendo as duas extremas (a maior e a menor) expurgadas do cálculo. » » Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP): é fixada pelo BACEN e aplicável às operações financeiras de longo prazo realizadas pelo BNDES. » » A taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC): expressa na forma anual, é a taxa média ponderada pelo volume das operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulos públicos federais e realizadas no SELIC, na forma de operações compromissadas. É a taxa básica utilizada como referência pela política monetária. » » Taxa Over/CDI: é a taxa referente às transações de um dia realizadas com os Certificados de Depósitos Interbancários. » » Taxa CDB: é a taxa dos Certificados de Depósitos Bancários, principal taxa de captação de recursos dos bancos comerciais, incidindo sobre os depósitos de alto valor e de prazo fixo (trinta/sessenta dias). Influencia decisivamente as taxas dos empréstimos bancários. Assim, as taxas de juros desempenham um papel fundamental na política econômica, não somente porque influenciam o investimento, consumo e a poupança, internamente influenciando o produto, o emprego e o crescimento econômico, mas também porque podem servir de instrumento para o combate à inflação de demanda. Os juros influenciam ainda na determinação do déficit operacional do governo e no estoque da dívida pública (aquela dívida que o governo ainda não pagou e sobre a qual incide a correção monetária e a taxa de juros), engessando o efeito de uma política fiscal expansionista. As políticas econômicas do governo terão também como objetivo incentivar o aumento da produtividade e a expansão tanto do mercado interno quanto do nosso volume de comércio com o exterior, reduzindo 51
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a vulnerabilidade da economia brasileira a choques externos. Por isso, uma nova modalidade de política que tem como principal atribuição tornar mais competitivos os produtos nacionais no exterior, ganha importância na determinação do equilíbrio econômico: a política cambial. O avanço do comércio internacional possibilita aos países que se inserem com maior ou menor intensidade uma série de vantagens econômicas, das quais destacamos algumas: » » especialização na produção de bens com maior vantagens comparativas (menor custo de produção) de forma que o comércio entre os países potencializa o ganho da eficiência produtiva; » » diversificação de produtos a que o cidadão tem acesso; » » diversificações de opções de investimentos (em bolsa de valores ou produtivos) reduzindo-se o risco do negócio; » » ampliação da concorrência, limitando o poder de oligopólios nacionais; e » » controle da inflação em função da concorrência com o produto internacional (normalmente mais barato) que obriga um rebaixamento dos preços nacionais para não perder mercado. As transações internacionais são influenciadas pelos preços internacionais. Os dois preços internacionais mais importantes são a taxa de câmbio nominal e a taxa de câmbio real. » » Taxa de câmbio nominal: é a taxa pela qual se pode trocar a moeda de um país pela moeda de outro país. » » Taxa de câmbio real: é a taxa pela qual se pode trocar os bens e serviços de um país pelos bens e serviços de outro país, ou seja, compara o preço de bens domésticos e internacionais na economia doméstica. A taxa de câmbio real é o preço em reais de uma cesta de bens estrangeiros, em relação a uma cesta brasileira. A taxa de câmbio real é um fator chave na determinação de quanto um país exporta e importa. Ela é dada pela seguinte fórmula. (Não se assuste com a fórmula, pois nós vamos exemplificar como ela funciona e qual o seu significado).
Tx de Câmbio Real = R =
Tx de Câmbio Nominal * Preço Externo eP* = P Preço Interno
Exemplo Preço de um automóvel produzido no Brasil = R$ 15.000,00 Preço de um automóvel produzido nos EUA = US$ 12.000,00 e = taxa de câmbio nominal = R$ 1,00/US$ 1,00 R = taxa de câmbio real = (1,00 X 12.000) / 15.000 = 0,8
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Conclusão: o automóvel norte-americano é 20% mais barato que o brasileiro. Nesse caso, a depender dos custos de transação (frete, seguro, necessidade do bem, imposto de importação) valeria a pena comprar o produto norte-americano em detrimento da produção nacional. Exatamente por isso a política de câmbio tenta impedir que esse produto nacional fique mais caro que o importado, para que não percamos mercado consumidor externo. Num caso como esse, a melhor forma de garantir o aumento nas vendas externas é desvalorizar o câmbio nominal (e), pois com isso o carro brasileiro, deste exemplo em particular, ficaria mais barato aos preços da moeda internacional. Assim, o governo teria que agir para que a paridade real/ dólar aumentasse (desvalorização), isto é, R$2,00 = US$1,00.
Não por acaso, os setores exportadores estão “sangrando” com a atual valorização da moeda nacional que, desde o início de 2008, antes da crise mundial, esteve com uma cotação média de US$1,00 = R$1,65. Quanto mais forte a moeda, melhor para importar produtos do exterior e pior para exportar. Quando exportamos recebemos divisas do resto do mundo; quando importamos, mandamos divisas para o resto do mundo. Existem diversos tipos de câmbio, mas apenas dois tipos são mais usados, são eles o “câmbio fixo” e o “flutuante”. No regime de taxas fixas, o Banco Central tem a função de comprar ou vender moeda estrangeira, que muitas vezes é o dólar em um preço fixo em moeda nacional. No regime flutuante, a taxa de câmbio se altera de acordo com a oferta e a necessidade do mercado. Apesar de a definição da taxa de câmbio flutuante não mencionar a participação do governo na determinação da taxa de câmbio de equilíbrio que é determinada pelo mercado de divisas (oferta e de demanda de moeda estrangeira), na prática, podem ocorrer duas situações em que esta atuação do governo acaba acontecendo mesmo com o câmbio flutuante: » » Dirty Floating: (mais adotado) regime de câmbio flutuante, mas com intensa atuação do Banco Central, na venda e na compra, que procura mantê-la em níveis relativamente estáveis; » » Minibanda Cambiais: o regime é flutuante, porém dentro de limites fixados. pelo Ban-co Central. No caso brasileiro, o regime atualmente vigente é o de câmbio flutuante (sujo), pois quando a cotação da moeda brasileira começa a disparar em relação ao dólar, o Banco Central começa a comprar ou vender dólares de suas reservas internacionais para equilibrar uma paridade que seja adequada para sua política cambial, mas que também não provoque inflação. A inflação do Brasil também está relacionada com o dólar? Sim, infelizmente está só para mostrar como são complexas as relações do sistema econômico. Para responder a essa pergunta da maneira mais trivial possível, lembremo-nos de que o Brasil não é autossuficiente em uma série de produtos que são consumidos diariamente pela população brasileira. Para simplificar vamos pegar o exemplo do pãozinho francês. Para fabricar pães, as indústrias brasileiras (panificadoras) precisam importar grandes quantidades de trigo, principal insumo do pãozinho. Uma vez que a produção de trigo no Brasil é insuficiente para dar conta de toda a demanda, o país importa da Argentina a quantidade complementar de trigo de que necessita. Mas, para importar, não se pode pagar em Real produtos que são comprados no exterior, mesmo no caso de países vizinhos, como é o caso da Argentina. Para concretizar essa operação, o país tem que efetivar suas compras em dólar, que é a moeda internacionalmente usada para essas transações. Agora suponha as seguintes informações: que o Brasil tenha uma paridade de R$1,00 para US$1,00 (ou seja, um real vale um dólar), e que compre mensalmente cem quilos de trigo custando US$1,00 o quilo. Assim, para adquirir os cem quilos mensais, o Brasil gastaria o equivalente a R$100. Suponha 55
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agora que, por medidas que envolvam as relações internacionais, houve uma desvalorização na moeda brasileira e esta passou agora para uma relação de US$1,00 para R$2,00 (isto é, agora o mesmo um dólar vale dois reais). Com essa mudança cambial, para que o Brasil adquira os mesmos cem quilos, vai precisar não mais de R$100, e sim de R$200, em função, simplesmente, da modificação no câmbio. Resultado é que tendo que pagar o dobro que se pagava antes para obter os mesmos cem quilos de trigo, a indústria que faz os pãezinhos vai ter que repassar esse custo para o consumidor, elevando a inflação. Esse mesmo exemplo vale para toda a indústria brasileira de eletroeletrônicos, que importa a maior parte dos insumos que precisa para produzir os produtos que chegam até a casa dos consumidores. O Banco Central tem, desta forma, que regular as operações de entradas e saídas de divisas do país e não perder de vista que a política cambial também é forte aliada do controle inflacionário. O Brasil do Plano Real, logo no início, em julho de 1994, sobrevalorizou a taxa de câmbio em que US$1,00 valia R$0,92 (um dólar valia 0,92 centavos de real), de forma a facilitar a importação, pois com a maior importação de produtos similares aos que são produzidos aqui, o aumento da concorrência faz com que os preços dos produtos baixem para estimular o consumo. Além de tudo isso, a política cambial também interfere diretamente na balança comercial do país e, por tabela, no balanço de pagamentos que são de fundamental importância para o equilíbrio externo do país.
MAS VOCÊ SABE O QUE É BALANÇA COMERCIAL E BALANÇA DE PAGAMENTOS? Para entendermos esses conceitos e ao mesmo tempo podermos finalizar os aprendizados desta aula, precisamos, agora, fazer a inter-relação entre as políticas econômicas e o setor externo. O instrumento macroeconômico que registra todas as operações financeiras que um país realiza com o resto do mundo é chamado de Balanço de Pagamentos. O Balanço de Pagamentos é um registro contábil de todas as transações de um país com o resto do mundo. Envolve tanto transações com bens e serviços como transações com capitais físicos e financeiros. O Balanço de Pagamentos apresenta dois tipos de transações: » » correntes: associadas aos fluxos de bens e serviços; » » movimento de capitais: associadas aos direitos e obrigações, principalmente relacionadas com o investimento e o endividamento. A estrutura do Balanço de Pagamentos de qualquer país do mundo é dada pelo seguinte conjunto de contas: a) A – Balança de Transações Correntes (BTC ou Saldo em Conta Corrente do BP = A1 + A2 + A3) » » A1 – Balança Comercial » » A1.1 – Exportações (FOB): débito » » A1.2 – Importações (FOB): crédito » » A2 – Balança de Serviços e Rendas » » A2.1 – Transportes (fretes etc.) e Seguros » » A2.2 – Viagens Internacionais e Turismo » » A2.3 – Rendas de Capital (lucros, juros, dividendos, lucro 54
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» » reinvestido pelas multinacionais) » » A2.4 – Royalties e licenças » » A2.5 – Diversos (serviços governamentais – embaixadas, » » consulados, representações no exterior etc.) » » A3 – Transferências Unilaterais Correntes (donativos) b) B – Conta Capital e Financeira (Balança de Capitais) » » B1 – Investimentos direto líquido (instalação e participação do capital de multinacionais no país) » » B2 – Reinvestimentos (reinvestimentos de multinacionais já instaladas no país) » » B3 – Empréstimos e Financiamentos a Longo e Médio Prazo (Banco Mundial etc.). » » B4 – Empréstimos a Curto Prazo » » B5 – Amortizações de Empréstimos e Financiamentos » » B6 – Empréstimos de Regularização do FMI (problemas de liquidez) » » B7 – Capitais a Curto Prazo (aplicações no mercado financeiro) c) C – Erros e Omissões d) D – Saldo do Balanço de Pagamentos (A + B + C) A Balança Comercial aparece classificada dentro das transações correntes do balanço de pagamentos e se refere à diferença de tudo aquilo que exportamos em valores monetários e aquilo que importamos. Quanto maior esse saldo, maior será o desempenho positivo do país e maiores fluxos financeiros entrarão na conta de reservas internacionais do Banco Central. Essas reservas são a garantia de que o país pode honrar compromissos assumidos em moedas estrangeiras.
MAS O QUE TUDO ISSO TEM A VER COM A POLÍTICA CAMBIAL? A resposta é fácil e, de certa forma, já estava implícita em nossas discussões an-teriores. Quanto mais desvalorizada estiver a taxa de câmbio, maiores serão as exporta-ções e menores as importações, pois a moeda nacional fica mais barata de ser comprada pela moeda estrangeira e, por conseguinte, o volume do que se pode comprar tendo moeda estrangeira aumenta em grandes proporções. Assim, é importante que o Banco Central avalie a possibilidade de mexer na taxa de câmbio todas as vezes que o seu valor prejudicar muito a comercialização com o resto do mundo. O volume de importações de um país depende do nível da atividade econômica (renda nominal) e da taxa de câmbio real, que reflete a competitividade da produção doméstica em relação à externa. Quanto maior o nível de renda, maiores serão as importações. Mas as importações do país somente se elevarão se o câmbio real estiver valorizado, tornando o produto doméstico mais caro que o “estrangeiro”. Já as exportações dependem da renda do resto do mundo, uma vez que quanto maior o nível de atividade dos demais países, maior será a demanda por nossos pro-dutos, que só se traduzirá em ampliação das vendas se o preço dos produtos nacionais for mais barato que os internacionais (câmbio
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real). Nesse caso, é uma desvalorização do câmbio real que barateia os produtos nacionais cotados em moeda estrangeira. Não precisa ser especialista no assunto para saber que o Brasil é um país sub-desenvolvido e que, portanto, depende muito do comércio exterior para escoar a sua produção interna. Mas é preciso ficar alerta, também, para o fato de que uma grande parte da economia brasileira depende de importações do resto do mundo. Uma taxa de câmbio muito desvalorizada encarece muito as importações e pode gerar uma grande inflação interna. Como vimos, as decisões da equipe econômica do governo, quanto ao rumo das políticas econômicas, não são nada fáceis. A próxima aula tratará sobre crescimento e desenvolvimento econômico para melhor compreensão de aspectos evolutivos da economia brasileira e baiana.
SÍNTESE Assim, nesta aula, vimos como são complexas as decisões do governo brasileiro para atingir os objetivos de crescimento econômico, de inserção externa e controle do nível de preços. A utilização da política fiscal pode aumentar o crescimento, mas se a dívida do setor público subir muito, esse fato pode anular a eficiência da política. Em relação à política monetária, estudamos quais são os principais instrumentos de que dispõe a autoridade monetária para controlar o nível de preços e barrar a inflação no país. Por fim, percebemos que uma corrente de comércio para o país também advém do exterior e que, portanto, a política cambial joga um importante papel para garantir que esses fluxos melhorem o saldo de sua balança comercial e garantam o pagamento das dívidas contraídas pelo país com o resto do mundo.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Como vimos, o governo dispõe de três políticas principais para o alcance de seus objetivos internos e externos. Por assim dizer, poderíamos definir as políticas fiscal e monetária como as responsáveis pelo equilíbrio interno e a política cambial mais diretamente relacionada com o equilíbrio externo. E já que o governo dispõe dessas possibilidades, qual a melhor política para garantir o equilíbrio interno: a fiscal ou a monetária?
LEITURAS INDICADAS Minicurso de Política Econômica: do economês ao português - Estudo encomendado pela Universidade Federal do Espírito Santo. Disponível: www.ccje.ufes.br/ peteconomia/apostilaeconomes.pdf
SITES INDICADOS Banco Central do Brasil: www.bcb.gov.br Ministério da Fazenda do Brasil: www.fazenda.gov.br 54
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Ministério do Planejamento do Brasil: www.planejamento.gov.br Centro de Estudos do Comércio Exterior: www.funcex.com.br
REFERÊNCIAS MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia: princípios de micro e macroeconomia. 5. ed. Thomson, 2007. PINHO, Diva Benevides; VASCONCELOS, Marco Antônio S. (Org.). Manual de economia. Equipe de professores da USP. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. SANDRONI, Paulo (Org.). Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo: Best Seller, 1999. VASCONCELOS, Marco Antônio S; GARCIA, Manuel E. Fundamentos de economia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
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AULA 5 Crescimento X Desenvolvimento Autor: Gustavo Casseb Pessoti, adaptada por Carlos Mauricio Castro.
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esta aula, conheceremos dois conceitos econômicos muito utilizados e também confundidos, até mesmo por grandes especialistas: crescimento e desenvolvimento econômico. Há alguma semelhança entre crescimento e desenvolvimento econômico? Oliveira (2000) questiona: “Quais seriam as principais características de cada um desses termos? Quais contradições podem existir entre o aumento aferido pelo PIB e a efetiva melhoria da qualidade de vida da população?” Para responder a essas questões, vamos direto ao assunto!
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento deve ser entendido como um processo de transformação de uma determinada sociedade que tem como “subprodutos” o crescimento econômico e a melhora do bem-estar para determinada população de um determinado território. Isso significa que crescer é uma condição necessária, mas não suficiente para se chegar ao desenvolvimento. Se após o processo de transformação da estrutura produtiva não houver uma melhor distribuição de renda entre todos aqueles que participam do tecido econômico, então, verdadeiramente, esse processo não ensejou desenvolvimento.
ECONOMIA
Dentro da teoria econômica, o termo “desenvolvimento” tem dividido opiniões sobre os estágios que uma sociedade precisa alcançar para ser considerada desenvolvida. Schumpeter (1982), por exemplo, associava o desenvolvimento à capacidade de inovação de uma determinada economia. Para o pensador econômico, a inovação constitui o determinante fundamental do processo dinâmico da economia e, para definir a competitividade econômica, especialmente em nível regional e global. A seguir, veremos outras definições igualmente importantes, de diversos pensadores que trabalharam com a dicotomia entre desenvolvimento e crescimento econômico. Uma comparação mais objetiva e clara entre desenvolvimento e crescimento econômico de um país foi feita por Kindleberger (1967 apud GONZAGA DE SOUSA, 2004, p. 170), que afirmava: Implicitamente no uso geral, e explicitamente no que se segue, o crescimento econômico significa maior produção, enquanto desen-volvimento econômico implica maior produção e mudanças nas disposições técnicas e institucionais, pelas quais se chega a esta pro-dução. O crescimento pode implicar, não só maior produção, como também em mais insumos e mais eficiência, isto é, em um aumento no produto, por unidade de tempo. O desenvolvimento vai mais além, significando mudanças na estrutura da produção e na alocação de insumos, por setores. Numa analogia com o ser humano, enfatizar o crescimento significa focalizar a altura e o peso, enquanto explicar o desenvolvimento é dirigir a atenção para a capacidade funcional, para a coordenação motora, por exemplo, ou para a capacidade de aprender.
Para alguns autores, a exemplo de Baldwin (1979, p.2), o desenvolvimento econômico é uma decorrência direta e imediata do crescimento econômico nacional, quando se expressa dizendo que: A economia do desenvolvimento é o estudo do relacionamento econômico-chave, que determina os níveis e taxas de crescimento da renda per capita nas nações menos desenvolvidas. Existem algumas diferenças na maneira em que vários escritores dividem os países em nações desenvolvidas e menos desenvolvidas (ou em desenvolvimento), mas, geralmente, segue-se à classificação que divide todos os países em economias de mercado desenvolvidas, economias centralmente planejadas, e economias de mercado em desenvolvimento.
Já os trabalhos desenvolvidos por Hewlett (1981, p.15), sobre essa questão, destacam a relação entre o desenvolvimento econômico e a melhora do bem-estar medida pelo PIB per capita. Segundo ele, O desenvolvimento econômico é usualmente definido como um aumento significativo na renda real per capita de uma nação. Seu propósito fundamental é a obtenção de melhor alimentação, melhor saúde, melhor educação, melhores condições de vida e uma gama cada vez mais ampla de oportunidades de trabalho e de lazer para as pessoas dessa nação. Em essência, desenvolvimento significa a transformação das estruturas econômicas da sociedade a fim de se atingir um novo nível de capacidade produtiva. Isto, por seu turno, requer níveis sem precedentes de poupança e de investimento.
Poderíamos expor aqui um grande número de outras definições sobre essa questão. Seja qual for o entendimento do verdadeiro significado sobre o desenvolvi-mento econômico, mas, por ora, vamos nos ater a esta dupla associação, condição sine qua non para o desenvolvimento: crescimento e distribuição de renda.
ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento é um processo muito mais complexo do que o uso da função de produção1. O desenvolvimento alcançado por muitos países ocorreu com parte do movimento da saída de uma
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economia agrícola para uma economia industrial (DORNBUSCH; FISCHER, 1991). O essencial desse alcance positivo tem sido um aumento extraordinário da produtividade agrícola, acompanhado pelos rápidos aumentos da produtividade na manufatura. “A industrialização parece ser, portanto, a chave para o desenvolvimento.” (DORNBUSCH; FISCHER, 1991, p. 865). Várias estratégias de desenvolvimento foram seguidas no período pós-Segunda Guerra Mundial. As economias em desenvolvimento mais bem-sucedidas, as novas economias em processo de industrialização, têm seguido políticas direcionadas para o setor externo e, após um período restrito ao protecionismo, expõem os produtores domésticos à competição estrangeira. O desenvolvimento econômico ocorre, também, como resultado da acumula-ção de fatores de produção, incluindo capital humano, operando com um instrumental político e econômico estável. Isso geralmente envolve maior produtividade agrícola que permite que a população seja alimentada por apenas uma pequena parte da força de trabalho, facilitando o processo de industrialização. Hirschmann (1961) constata que, embora muitos pensadores, englobando várias áreas do saber, tivessem apontado caminhos para o desenvolvimento econômico de países subdesenvolvidos, era preciso perceber que as prescrições não davam certo porque a experiência demonstrava que as aptidões para desenvolver-se poderiam existir em qualquer povo, raça ou grupo humano e que, mesmo não tendo recursos naturais apropriados, nações pobres podem conseguir desenvolver-se. E acrescenta: “O papel propulsor do capital é geralmente depreciado por aqueles que acentuam a importância do espírito empreendedor e dos conhecimentos administrativos e técnicos.” (HIRSCHMANN, 1961, p.138). Então, o capital não é garantia de desenvolvimento e sim a conjugação dele com a capacidade que as pessoas têm de fazer a sua gestão. Isso pode ser definido como empreendedorismo, algo que, segundo o autor, não falta aos países subdesenvolvidos. Para analisar e criar estratégias de desenvolvimento, é necessário que o país tenha capital, traduzido através de certos recursos e fatores de produção, mas também seja capaz de organizar e aplicar corretamente tais recursos, o que só é possível através da descoberta de aptidões das pessoas que habitam o local. Hirschmann (1961) admite que o desenvolvimento seja gerado dentro do con-texto local, embora possa receber contribuições externas, como capitais. Se um país não tem condições materiais de buscar o desenvolvimento, pode receber capital de outras nações. Entretanto, isso não pode ser determinante da concepção de cresci-mento, ou seja, o capital precisa ser aplicado e gerido de acordo com as aptidões lo-cais, que são constituídas pela cultura, espaço geográfico e necessidades do lugar e não de acordo com a concepção de desenvolvimento de países que têm realidades completamente1 diferentes dos países do “Terceiro Mundo”. Assim, ele reconhece que um país subdesenvolvido pode desejar o desenvolvi-mento a partir da constatação de que outras nações o obtiveram. No entanto, crer que somente por isso caminharão seguindo os mesmos passos é um equívoco, pois os países subdesenvolvidos vêem somente os frutos do progresso econômico e poucos sabem sobre as rotas que precisam perfazer para alcançá-lo. Se desejarem os frutos, de qualquer forma se disporão a procurá-los. Assim, descobrirão quais as modificações do próprio meio social requeridas no curso do processo de desenvolvimento, à medida que tomarem iniciativas erradas e as acertarem, e superarão os sucessivos obstáculos. Dessa forma, melhor do que a priori, determinarão quais de suas instituições e traços característicos são retrógrados e devem ser reformados ou abolidos. A tensão do desenvolvimento 1 A função de produção é a relação existente entre a produção de um bem e os insumos ou fatores de produção necessários para produzi-los. Uma função de produção pode ser apresentada da seguinte forma: Q = f(L,K,t), onde Q é o produto, L é a força de trabalho, K é o capital e o t o progresso técnico.
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não se manifesta, deste modo, tanto entre lucros e sacrifícios conhecidos, quanto entre a meta e ignorância e as idéias errôneas acerca das trilhas que conduzirão a esta meta. (HIRSCHMANN, 1961, p.147).
No entanto, é preciso que cada país cometa acertos e erros, sem, necessaria-mente, fazerem isso porque são retrógrados, mas porque trilham o próprio caminho rumo às novas condições geradas pelo crescimento econômico, ou seja, é preciso tecer a nova realidade a partir da existente. Assim, não são as nações ricas, já desenvolvidas, que podem determinar o exato tempo em que o subdesenvolvimento é superado pelo desenvolvimento. Elas não ditam o que é ou deixa de ser ultrapassado, mas sim a própria nação subdesenvolvida que o faz, que descobre isso paulatinamente, durante o transcorrer do processo. Quando Hirschmann (1961) considera as condições históricas para explicar o subdesenvolvimento e entendê-lo como uma etapa necessária, quer dizer que a experiência atual é levada em conta na elaboração das novas concepções científicas sobre o assunto. Isso implica dizer que o desenvolvimento é uma etapa posterior, que só é alcançada porque as condições e o tempo histórico para isso, presentes no subdesenvolvimento, não foram desprezados.
CRESCIMENTO ECONÔMICO Apenas para antecipar futuras discussões, a medida do crescimento econô-mico é dada pelo PIB (vide a Aula 06 desta disciplina), que é, segundo Raza (2008), a soma anual de todas as atividades produtivas (bens e serviços) realizadas dentro do país. Ele representa o desempenho econômico de uma nação, independentemente da nacionalidade das empresas e das remessas de lucros feitas por elas ao exterior. Quando a taxa do PIB é positiva, isso quer dizer que a economia de um determinado país está crescendo, apesar de nem sempre o suficiente para gerar emprego e elevar a renda média da população. Taxa próxima de zero revela uma situação de estagnação econômica. Taxa abaixo de zero é um claro indicador de recessão econômica do país, semelhante ao que ocorreu no Brasil dos anos 1980, na chamada década perdida, que conjugou taxas negativas no PIB, com alto índice de desemprego e inflação elevada. Nesse conceito, está explícita a ideia do crescimento como a expansão da atividade produtiva de um país. Se um determinado país recebe investimentos de uma fábrica de carros, que antes só produzia fora, os incrementos dos veículos, que agora passam a ser produzidos internamente, fazem aumentar a quantidade de produtos ofertados por essa economia. A sua capacidade produtiva aumenta e, dessa forma, gera-se um aumento do PIB e, consequentemente, tem-se o crescimento econômico. Entretanto, como essa indústria de carros é capital intensivo, isto é, tem como principal ativo o capital empregado em máquinas e equipamentos, seguramente a sua instalação não significará uma grande quantidade de empregos gerados, muito menos a distribuição da renda, uma vez que a tendência global é o aumento dos lucros dos grandes capitalistas. Assim sendo, em que pese o aumento na produção ter propiciado ao país um crescimento de sua economia, essa estratégia não consegue gerar desenvolvimento por concentrar os benefícios do crescimento em uma pequena faixa da população. Não por acaso, como veremos a seguir, a Bahia é a sexta maior economia do país, mas só a 19ª quando o critério de análise é o desenvolvimento social. Além disso, como destacou o pesquisador Cláudio Mendonça (2006, s.p.), no portal da Internet UOL, o PIB como elemento para análise do desenvolvimento acaba apresentando algumas distorções. O PIB não é o reflexo apenas do lado construtivo da economia de um país. Nele também são somadas mazelas, tragédias e desperdício. Cada vez que um
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cidadão acelera o seu automóvel ele está contri-buindo para elevar o PIB. Melhor ainda se ele bater o carro e tiver despesas com funilaria e pronto socorro. Neste caso, quanto maior o acidente melhor para o PIB. Na sua contabilidade entra tudo e, por essa razão, são omitidos os custos ambientais, os problemas sociais e o desperdício tão necessário à sociedade de consumo.
Apesar do “exagero” desse exemplo, fica bastante claro que o conceito de PIB e, portanto, a associação ao crescimento econômico, acaba conjugando elementos que vão de encontro ao desenvolvimento propriamente dito. Para desenvolver, é preciso crescer, mas esse crescimento não pode passar por cima da melhoria do bem-estar da população. Por isso, diz-se que o desenvolvimento é um processo, dando a ideia de algo perene e só alcançado a longo prazo, com a conjugação de um conjunto de fatores. Assim, por exemplo, vejamos o caso da economia baiana que, ao longo dos úl-timos anos tem apresentado taxas de crescimento do PIB sempre superiores às do Brasil. Em 2004, por exemplo, o estado da Bahia apresentou um crescimento real do PIB que chegou a 10%. Entretanto, a estratégia adotada na Bahia para estimular o crescimento tem sido a atração de grandes empreendimentos industriais. De uns anos para cá, é notória a chegada de grandes conglomerados internacionais e mesmo nacionais oriundos de outros estados brasileiros. São exemplos a Ford, a Monsanto (fábrica de fertilizantes), a Continental Pneus, a Aracruz Celulose, entre outras, como a Azaleia Calçados e tantas outras menos conhecidas. A característica principal da industrialização competitiva mundial é importar o que há de mais moderno em termos de máquinas e equipamentos, para produzir bens e serviços cada vez mais especializados e complexos. Quem conhece a fábrica da Ford em Camaçari sabe do que eu estou falando. Praticamente, o homem fica com a responsabilidade dos designs dos carros ou para alimentar o processo, para que o robô faça todo o trabalho. Isto é, boa parte da indústria que está instalada na Bahia (petroquímica, papel e celulose, plástica, automobilística e metalúrgica) é intensiva em capital, ou seja, tem como principal ativo o capital gerado nos processos produtivos. Especialistas calculam que, para cada R$1 bilhão investido na indústria de celulose, são gerados apenas três empregos diretos com carteira assinada. Assim, a chegada dessas indústrias para a Bahia permite um grande crescimen-to econômico, com o aumento da produção de bens e serviços produzidos no estado. Mas, por serem empreendimentos intensivos em capital, tanto a geração de empregos é limitada, quanto a distribuição de renda, que acaba quase toda com os capitalistas estrangeiros (até porque o comando acionário dessas empresas é quase todo de matrizes do exterior). Por isso, muitas vezes essas estratégias pautadas em desenvolver uma região através de industrialização terminam por conseguir gerar apenas uma das pernas do desenvolvimento, que é o crescimento econômico. Resumidamente, a partir de agora, entendemos que crescimento econômico é o aumento da quantidade produzida de bens e serviços que atendam às necessidades da população. No processo do desenvolvimento, esses bens e serviços produzidos têm que proporcionar melhor qualidade de vida e possibilidade de usufruto por toda a população, independentemente de idade, cor ou raça, de forma bastante distribuída e não concentrada entre os partícipes da sociedade. Ou de maneira mais geral: o crescimento é quantitativo; o desenvolvimento é qualitativo.
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ANÁLISE DO ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (IDH) NO BRASIL E NA BAHIA O debate sobre desenvolvimento no Brasil e, especificamente, na Bahia não é tão recente. A partir da década de 1960, afloraram várias teorias que apontavam caminhos para o desenvolvimento econômico do país e nas Unidades da Federação. Atualmente, a expressão “crescimento econômico” tem ocupado lugar de destaque nos debates econômicos, principalmente, pelo valor atribuído ao Produto Interno Bruto - PIB. Partindo-se das premissas demonstradas ao longo desta aula, a exemplo das principais características de cada um destes termos, tornou-se necessário discutir as contradições entre o aumento aferido pelo PIB e a efetiva melhoria da qualidade de vida da população. Com base nessas discussões, propõe-se trabalhar com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) como proposta para abarcar uma dimensão mais abrangente dos benefícios alcançados pela população com o advento do crescimento econômico. Segundo Bramatti (2007):
O IDH é uma espécie de nota – de zero a um – que avalia a qualidade de vida em 177 países com base nos critérios renda, escolaridade e longevidade da população. Quanto maior o número, mais elevada é a qualidade de vida no país.
Não é raro que nos deparemos com artigos de jornais, revistas, artigos científicos, dissertações, teses, entre outros, discutindo um assunto tão em voga atualmente. Trata-se do tema “crescimento econômico”, ou simplesmente crescimento, mensurado através da explicitação de índices como Produto Interno Bruto (PIB). Sobre isso se faz oportuno observar o que diz o relatório da Unesco (1999, p. 28): O maior problema talvez surja do equilíbrio que automaticamente estabelece-se entre os níveis mais altos de produção — e por inferência, de consumo — e o desenvolvimento. A economia e todas as outras disciplinas reconhecem que, na melhor das hipóteses, trata-se de uma meia-verdade. O que é produzido e o fim que é dado ao produto tem igual importância no processo que a quantidade fabricada. Por outro lado, é evidente que o dólar que duplica a renda de uma pessoa pobre, cumpre papel diferente do dólar de acréscimo auferido por um milionário, para quem se trata de uma soma insignificante. Entretanto, em geral, equipara-se o desenvolvimento, quantificado em função de uma única medida técnica — habitualmente o PIB — com o progresso global da sociedade e do bem-estar. Faz parte da mentalidade do século XX, que considera que o meio é mais importante que o fim e o nível de atividade, mais importante do que os objetivos para os quais ela serve.
Para Franco (2000 apud MARTINELLI, 2004, p. 15), “[...] não se pode mais aceitar a crença economicista de que o crescimento do PIB representa tudo e vai resolver por si só todos os problemas econômicos e sociais do país.” O relatório da Unesco propõe como mecanismo aferidor do desenvolvimento humano, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), do Programa das Nações Uni-das para o Desenvolvimento (PNUD), “que procura considerar as numerosas dimen-sões do bem-estar humano, já que a atenção concentrar-se-ia assim sobre os fins para os quais o desenvolvimento deve servir, em vez de fazê-lo apenas sobre os meios, por exemplo, para o aumento da produção.” (UNESCO, 1999, p. 28-29).
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Veiga (2005, p. 87) defende o uso do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), uma vez que “as decisões políticas muitas vezes demandam uma medida sumária que incida mais claramente no bemestar humano do que no rendimento”. Veiga (2005, p. 87) considera ainda que: O PNUD admite que o IDH é um ponto de partida. Recorda que o processo de desenvolvimento é muito mais amplo e mais complexo do que qualquer medida sumária conseguiria captar, mesmo quando completada com outros índices. [...] O IDH não é uma medida compreensiva, pois não inclui, por exemplo, a capacidade de participar nas decisões que afetam a vida das pessoas e gozar do respeito dos outros na comunidade. [...] uma pessoa pode ser rica, saudável e muito instruída, mas sem essa capacidade o desenvolvimento é retardado.
Corroborando o pensamento de Veiga, Besserman (2005, p. 103) acrescenta que: todo indicador, entretanto, tem grandes limitações. O IDH deixa de considerar muitas variáveis importantes e combinam medidas que podem mudar rápido (freqüência à escola, renda per capita) com medidas que exigem mais tempo para mudar (analfabetismo, esperança de vida).
Por esse motivo, acredita o autor (2005, p. 103), “muitas vezes o IDH é severamente criticado”. Veiga (2005, p. 100) complementa sua abordagem, corroborando o esforço de sistematização acima proposto, quando afirma: O desenvolvimento pode ser medido e comparado a uma dada configuração projetada, mediante cada um dos indicadores e de seu conjunto. Ou seja, em vez de um duvidoso índice sintético, que pre-tenda expressar em um único número a complexidade do desenvol-vimento, é preferível ter um conjunto integrado de indicadores.
O fato de não haver consenso sobre o conceito de desenvolvimento não sig-nifica que alguns esforços para sua mensuração não sejam realizados. O PNUD, como foi dito anteriormente, realiza o cálculo do IDH que tem a particularidade de considerar critérios abrangentes de uma determinada população, na sua avaliação da qualidade de vida da população, considerando os aspectos econômicos e outras características sociais, influentes na qualidade de vida, tais como, cul-turais e políticas. Apesar de suas limitações, o IDH apresenta-se como um avanço na mensuração do desenvolvimento que parte de uma pers-pectiva mais humana e social. Evidenciando também certa insatis-fação em relação ao método empregado até o momento.limitado que vinha sendo proposto e até então aceito.
O IDH NO BRASIL Dentro do Brasil, ocorrem diferenças em relação ao IDH, que avalia as condições de vida das pessoas em nível geral ou particular. Então, existem regiões, estados ou municípios com maior ou menor índice de IDH. Através de estudos realizados pela PNUD, ficou constatado que, dentro do terri-tório brasileiro, existem praticamente cinco países, ou seja, cinco realidades distintas. De forma ordenada, podemos classificar em primeiro lugar a região que com-preende o sul do país, em sua totalidade, abrangendo, ainda, São Paulo, Rio de Janeiro e o Distrito Federal, que representam o melhor IDH. Em seguida, está a região inter-mediária, que corresponde aos estados do Espírito Santo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, fazendo parte, ainda, Minas Gerais, Goiás e Amapá. Na terceira região, estão presentes os estados de Tocantins, Pará, Amazonas, Rondônia e Roraima. O quarto grupo (ou quarta região) é formado pelo Acre, Bahia, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do
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ECONOMIA
Norte, e, por fim, o quinto grupo é composto pelos estados do Maranhão, Piauí, Alagoas, Sergipe e Paraíba. O IDH desses últimos estados pode ser comparado ao dos países mais pobres do mundo, como Bangladesh e Haiti. O relatório do PNUD, com as estatísticas de 2006, deu ao Brasil a nota 0,803, o que o situava entre as 75 nações de “alto desenvolvimento humano” — Colômbia, Granada e Bósnia Herzegovina estavam entre seus vizinhos no ranking. A promoção para o andar superior ocorre principalmente graças a um significativo ajuste estatístico. Ao atualizar a metodologia do cálculo do Produto Interno Bruto, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) descobriu que, em 2005, éramos 10,9% mais ricos do que imaginávamos. Com esse incremento no PIB e na renda per capita, o IDH subiu para 0,803, o bastante para o Brasil entrar no grupo de países com “alto desenvolvimento humano”. Em 2006, o ranking do IDH era liderado pela Noruega (0,971), seguida de Austrália (0,970) e Islândia (0,969). Na América do Sul, os mais bem posicionados nesse ranking são o Chile (0,878), Argentina (0,866) e Uruguai (0,865). A pobreza, a miséria e os efeitos nocivos dos constantes períodos de estiagem ainda são características marcantes do Nordeste brasileiro. Os recentes dados relativos ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculados para o Brasil, regiões, esta-dos e municípios, expõem de maneira inequívoca a situação desta região. Nesse sentido, considerando os dados do IDH calculados para o Brasil, em 2006, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), verificamos que a Região Nordeste se sobressai apresentando o mais baixo IDH (0,733), quando comparado com as outras macrorregiões do país. Em 2006, essas estatísticas mostraram que, dos 21 municípios com os piores índices de IDH do Brasil, dezoito estão localizados no Nordeste, apresentando valores até 0,500. Ou seja, após vários anos de “intervenção planejada do Estado”, a Região Nordeste do Brasil ainda se apresenta como uma “região-problema” ou sendo, o que chamara Furtado (1983): “o espelho onde a imagem do Brasil se reflete com brutal nitidez”. A partir dessas constatações é que se faz necessário discutir quais foram os elementos determinantes para o impedimento de um processo efetivo de desenvolvimento na região Nordeste do Brasil, apesar da aplicação de políticas públicas explícitas voltadas para a superação das desigualdades regionais, notadamente a partir do início dos anos 1960, quando se criou toda uma moldura econômica, política e institucional direcionada para esse fim.
O IDH NA BAHIA O IDH, inferido pelo PNUD em 2006, apresenta um interessante referencial comparativo. Atualmente, a Bahia continua a ocupar a 20ª posição no ranking do IDH (0,742) do país entre as 27 unidades da federação. Já o IDH-M (o IDH Municipal) de maior destaque em 2006 foi do município de Salvador, com 0,805. O menor, nesse mesmo período, pertence ao município de Itapicuru com 0,521, situado na região nordeste do estado. Cabe ressaltar que, mesmo no município de Salvador, que apresenta maior IDH-M do estado, existem distorções acentuadas entre suas localidades pesquisadas.
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AULA 5 - CRESCIMENTO X DESENVOLVIMENTO
Figura 1 - Mapa do Índice de Desenvolvimento Municipal 2000 FONTE: PNUD (2008).
O Estado da Bahia é exemplo das contradições existentes entre desenvolvimen-to econômico e crescimento. Apesar de ser a sexta maior economia do país, com um PIB medido pela SEI, em 2006, de aproximadamente R$96.559 bilhões, é um estado que apresenta uma situação pouco favorável em relação aos indicadores sociais. A grande concentração econômica registrada em sua região metropolitana e o baixo dinamismo dos municípios da região semiárida do estado (ver Figura 5), onde estão 2/3 dos 417 municípios baianos e estão a maioria das manchas de cor cinza, que significa IDH menor, provocam grandes distorções para a inserção econômica e social na Bahia.
SÍNTESE Após esta aula, já é por demais conhecido o argumento de que desenvolvimen-to econômico e crescimento não são sinônimos. Sinteticamente, podemos definir o crescimento econômico como a elevação do produto agregado do país, que é avaliado a partir da mensuração de valores agregados de uma determinada economia em um determinado período de tempo. Já o desenvolvimento econômico é um conceito bem mais amplo, que leva em conta a elevação da qualidade de vida da sociedade e a redução das diferenças econômicas e sociais entre seus membros.
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ECONOMIA
QUESTÃO PARA REFLEXÃO É possível gerar desenvolvimento em uma situação de estagnação da economia?
LEITURAS INDICADAS FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Série Os Economistas). PREBISCH, Raúl. Dinâmica do desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.
SITES INDICADOS Banco Mundial: www.worldbank.org Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): www.ipea.gov.br Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): www.ibge.gov.br Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD): www.pnud.org.br Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI): www.sei.ba.gov.br
REFERÊNCIAS BALDWIN, R. E. Desenvolvimento e crescimento econômico. São Paulo, Pioneira, 1979. BRAMATTI, Daniel. Como novo PIB, Brasil tem IDH de ‘primeiro mundo’. Disponível em: <http:// terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1524447-EI6578,00.html>. Acesso em: 16 jun. 2013. BESSERMAN, S. Indicadores. In: TRIGUEIRO, A. Meio Ambiente no Século 21. 4. ed. Campinas: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2005. DORNBUSCH, Rudiger; FISCHER, Stanley. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1991. FRANCO, A. de. Por que precisamos de desenvolvimento local integrado e sustentável? In: Separata da Revista Século XXI, n. 3. Brasília: Millenium – Instituto de Política, 2000. FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Série Os Economistas). GONZAGA DE SOUSA, Luís (2004) Ensaios de economia, edición electrónica. Disponível em: http:// www. eumed.net/cursecon/libreria/. Acesso em: 17 nov.2008. HEWLETT, S. A. Dilemas do desenvolvimento. Rio de Janeiro, ZAHAR, 1981. HIRSCHMANN, Albert. Estratégia do desenvolvimento econômico. São Paulo: Fundo de Cultura, 1961. MARTINELLI, D. P.; JOYAL, A. Desenvolvimento local e o papel das pequenas e médias empresas. Barueri: Manole, 2004.
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AULA 5 - CRESCIMENTO X DESENVOLVIMENTO
OLIVEIRA, E. C. Crescimento e desenvolvimento econômico: a sustentabilidade como modelo alternativo. 2011. disponível em: <http://www.funge.com.br/upload_trabalhos/13_artigoiiforumambiental.pdf>. Acesso: 16 jun. 2013. PINHO, Diva Benevides; VASCONCELOS, Marco Antônio S. (Orgs.). Manual de economia. 4. ed. Equipe de Professores da USP. São Paulo: Saraiva, 2003. PNUD. Brasil. Relatório de desenvolvimento humano 2007/2008. Combate à mudança do clima: solidariedade em um mundo dividido. Brasília: IBGE, 2008. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/atlas/>. Acesso em: 29 jun. 2008. SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005. SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982. RAZA, Claudio. Estados Unidos espirra o mundo fica gripado. 2008. Disponível em: <http:// www.administradores.com.br/artigos/economia-e-financas/estados-unidos-espirra-o-mundo-ficagripado/20953/>. Acesso em: 16 jun. 2013. ROSTOW, William Wilber. Etapas do desenvolvimento. Rio de Janeiro, ZAHAR, 1974. UNESCO. Educação para um futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para ações compartilhadas. Brasília: IBAMA, 1999. VASCONCELOS, Marco Antônio S; GARCIA, Manuel E. Fundamentos de economia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. VEIGA, J. E. da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
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AULA 6 O Produto Interno Bruto e a Análise da Economia Baiana Autor: Gustavo Casseb Pessoti, adaptada por Carlos Mauricio Castro.
O
lá
Nesta aula, nós vamos analisar o comportamento do mais importante indicador de conjuntura econômica, o Produto Interno Bruto (PIB). Com base neste indicador, vamos mergulhar na análise de conjuntura e estudar algumas características estruturais da economia baiana que limitam e/ou potencializam uma grande gama de negócios econômicos no estado da Bahia.
O QUE É O PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB)? O PIB é a expressão monetária que corresponde ao conjunto de todos os bens e serviços finais que foram gerados em uma economia por umdeterminado período. Bens finais são aqueles que já passaram por todas as transformações produtivas e estão aptos a chegarem até a casa dos consumidores. Como não é possível somar carros com bicicletas ou com horas de aula de um professor, transforma-se essa produção total de uma economia em um valor, atribuindo um preço a cada bem ou serviço gerado e depois agregando todos sob a forma de um único indicador.
ECONOMIA
O PIB, por agregar todos os setores da economia, acaba se transformando no mais poderoso indicador de tendência de uma economia. Pela sua expressão é possível examinar se as políticas públicas implementadas por um determinado governo surtiram o efeito esperado. Incrementos positivos no PIB significam que a soma das riquezas de um país são cada vez maiores. Uma queda no valor do PIB significa que a atividade econômica do país está enfrentando dificuldades. Apesar de ser um indicador importante, por medir o desempenho da atividade econômica, é muito importante que se mencione que o cálculo do PIB é feito por uma metodologia específica, estudada e debatida entre o IBGE, órgão responsável pela sua medição no Brasil, os demais órgãos de estatística do país e mesmo outros organismos mundiais como a Organização das Nações Unidas (ONU). Tudo isso, para estabelecer uma metodologia robusta e confiável que possa ser comparada no tempo e no espaço com as informações dos outros países do mundo. É válido que se diga que, por se tratar de um indicador de tendência, o PIB não consegue dar conta de explicar todas as relações econômicas que se estabelecem no mundo real. Ele capta movimentos do desempenho macroeconômico, mas não con-segue dar resposta dos porquês. Isso quer dizer que por trás do número gerado pelo computador, existem as análises de conjuntura que dão respaldo ao resultado e que ajudam a explicar o porquê de um aumento na atividade setorial ou a razão que explica a diminuição na atividade em queda no nível de emprego. PIB, dessa forma, não explica, ou melhor, não se propõe a analisar o desenvolvimento econômico, conceito que já trabalhamos na aula anterior. O PIB apenas mede o tamanho do crescimento econômico gerado em um determinado momento. A forma como este processo de crescimento é distribuído pela população não pode ser entendida pela análise do PIB. Por isso, quando falamos que o PIB do Brasil cresceu 6% em 2008, isso quer dizer que a riqueza brasileira, o total do produto gerado no Brasil cresceu 6%. Mas isso não quer dizer que todos os brasileiros se beneficiaram igualmente desse crescimento econômico. Para medir o nível de melhora do padrão de vida das pessoas, são usados indicadores sociais, dos quais o IDH, também analisado na aula anterior, é o principal. Mesmo assim, não se pode diminuir a importância do PIB, pois ele funciona como um “termômetro” do desempenho econômico de um país. Sua medida frequentemente é usada como fator político, por governos que, usando a bandeira do crescimento econômico, acabam conseguindo benefícios junto à população mais carente. O PIB é também usado por nós pesquisadores, professores, consultores ou acadêmicos e mesmo pelas equipes de planejamento estadual que fixam seus objetivos orçamentários em relação à magnitude do PIB. O PIB normalmente é usado para medir o desempenho macroeconômico de um país, mas, hoje em dia, as pesquisas avançaram tanto que já é possível medir o nível de atividade do pequeno município de Cabaceiras do Paraguaçu no recôncavo baiano e comparar seus resultados com a grande cidade Campos no Rio de Janeiro.
A MENSURAÇÃO DO PIB
Mas como é que o IBGE faz para calcular o PIB de todos os estados do Brasil?
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AULA 6 - O PRODUTO INTERNO BRUTO E A ANÁLISE DA ECONOMIA BAIANA
Existem três óticas diferentes para se mensurar o PIB: a ótica do dispêndio ou da despesa, a ótica do produto e a ótica da renda. a) Ótica do Dispêndio: avalia o produto de uma economia. Considera a soma dos valores de todos os bens e serviços produzidos no período que não foram destruídos (ou absorvidos como insumos) na produção de outros bens e serviços. Possui esta denominação, pois avalia o que a economia despendeu para consumo, investimento e exportação líquida. b) Ótica do Produto: calcula o valor que cada unidade produtiva agregou (adicionou) a determinada mercadoria. c) Ótica da Renda: é calculada através da soma de todas as remunerações monetárias pagas aos fatores de produção em um determinado período de tempo. Por exemplo, a remuneração do trabalho é o salário, a remuneração da terra é o aluguel etc. Os cálculos podem ser realizados pelas três distintas óticas, mas o resultado será sempre o mesmo, ou seja, existe uma identidade entre produto, dispêndio e renda. Embora existam essas três diferentes maneiras de se calcular o PIB de um país, a forma mais habitual é relacionar o PIB com a demanda agregada de um país (riqueza). Desta forma a equação básica de cálculo seria a seguinte:
PIB = Consumo das Famílias + Investimentos Privados + Gastos Governamentais + Saldo Externo da Balança Comercial
CONSUMO DAS FAMÍLIAS O consumo corresponde à parcela da renda destinada à aquisição de bens e serviços para a satisfação das necessidades dos indivíduos. Para tal, os indivíduos adquirem vários tipos de bens que podem ser classificados em quatro categorias: (i) Bens de consumo leves: aqueles que são consumidos rapidamente, como por exemplo, os alimentos e o vestuário; (ii) Bens de consumo duráveis: aqueles que são consumidos durante um longo período de tempo: materiais elétricos, carros, eletrodomésticos; (iii) Serviços: tais como educação, saúde, habitação; e, (iv) Bens públicos: que são aqueles que financiamos com nossos impostos e que servem a toda a coletividade (produzidos pelo governo na função de Estado).
INVESTIMENTO DAS EMPRESAS O investimento corresponde à aquisição de bens de capital, máquinas, equipamentos e estoques com o objetivo de gerar maior produção futura. Pode ser dividido entre formação bruta de capital fixo (investimentos que têm vida útil superior a um ano como, por exemplo, os apartamentos, terrenos, carros etc.) e variação de estoques em que a vida útil define a sua classificação. O investimento é uma das variáveis mais importantes para o desempenho do PIB de um país. Ele é o “motor” que vai permitir aumentar a capacidade de produção, gerar novos empregos e aumentar a circulação de recursos monetários na economia. Quando os empresários optam por fazer investimentos produtivos, isto é, aqueles que são realizados no processo de produção, toda a economia cresce. Quando optam por fazer investimentos financeiros, isto é, na aquisição de papéis de outras empresas
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ECONOMIA
nas bolsas de valores, acabam restringindo a possibilidade de gerar efeitos multiplicadores para a economia que possam desencadear em aumento do bem-estar da população.
GASTO PÚBLICO O gasto público está associado à intervenção do governo na economia. Suas políticas públicas, a forma como o orçamento estabelecido se converte em benefícios para a população, fazem parte dos chamados gastos públicos. Vimos em aulas ante-riores que quando o governo gasta com os recursos que ele arrecada dos tributos e impostos indiretos, ele está utilizando uma política fiscal expansionista para aumentar o bem-estar da população. Além das despesas de custeio, isto é, o pagamento dos fun-cionários públicos que movimentam as economias regionais e dos gastos para manter a máquina pública (água, luz material de escritório), o governo é um importante aliado do setor privado na questão de financiar a infraestrutura (estradas, pontes, aeroportos etc.). Assim, ao lado do setor privado, o governo também é um importante agente que realiza investimentos na economia, objetivando aumentar a capacidade produtiva da economia e incentivar a iniciativa privada a elevar os seus investimentos.
SALDO EXTERNO DA BALANÇA COMERCIAL Esta questão já é trivial para nós, pois a estudamos na aula 04, quando falamos do setor externo. Mesmo assim vamos fazer aqui essa revisão! Esse saldo externo da balança comercial é a diferença entre as exportações e as importações do país. Quanto maior o saldo, maior a produção em território nacional e, por conseguinte, maior o nível de emprego e de crescimento econômico. Em contraposição, quanto menor o saldo, menor o nível de emprego, pois com a crescente participação das importações há um desestímulo à produção nacional. É óbvio que nenhum país se exclui totalmente do comércio internacional, mas o ideal é manter um superávit na balança comercial. Vale ressaltar que nenhuma economia mantém-se sempre superavitária, havendo a necessidade de um mercado interno bem estruturado para que não ocorra uma redu-ção na taxa de crescimento do PIB quando as exportações diminuírem.
OUTRAS MEDIDAS RELACIONADAS AO PIB Antes de passarmos para a análise que estou propondo nesta aula, evidenciado a inter-relação entre o PIB e a economia baiana, acho que é importante mencionar as derivações que podem ser feitas com o PIB. Isto é, o PIB possibilita a criação de uma série de outras medidas de análise do desempenho da economia. As principais medidas estão discriminadas a seguir:
PIB NOMINAL X PIB REAL Quando se analisa o resultado do PIB, verifica-se “[...] o valor agregado de todos os bens e serviços finais produzidos dentro do território econômico do país, indepen-dentemente da nacionalidade dos proprietários das unidades produtoras desses bens e serviços.” (SANDRONI, 1999, p. 459). Já falamos que para poder somar carros com la-ranjas, precisamos, antes, converter os produtos gerados em valores econômicos (isto é, atribuir preços). Assim, quando calculamos todo o PIB gerado em uma economia, estamos diante de um valor nominal, isto é, uma quantidade total multiplicada por um preço. Então, para sabermos quanto foi o crescimento somente da parte “física da eco-nomia”, da quantidade produzida, precisaremos retirar a influência dos preços. Quando dividimos o valor do PIB por um deflator (um índice de preços estabelecido em metodologia), nós retiramos deste valor aquela 74
AULA 6 - O PRODUTO INTERNO BRUTO E A ANÁLISE DA ECONOMIA BAIANA
parte que foi dada pelo aumento de preços e ficamos apenas com parte das quantidades produzidas (questão meramente matemática). Este valor, descontado da inflação, é chamado de PIB real. Este é o valor real que é utilizado para dizer se o país cresceu ou não em um ano em comparação com o período anterior. O PIB real leva em conta apenas as variações nas quantidades produzidas dos bens, e não nas alterações de seus preços de mercado.
PIB X PNB Qual a diferença entre os dois conceitos? O PIB é o valor de toda a produção de bens e serviços finais, ocorrida dentro das fronteiras do país, sem considerar a nacionalidade do capital que gera essa produção e nem se preocupar com o destino que será dado a ela. O PNB considera o processo de geração de riquezas por empresas de capital nacional, mesmo que elas sejam produzidas fora do país. No PNB o critério decisivo é a origem do capital que gera a produção; no PIB, o fator decisivo é a localidade da produção (interna). Vamos simplificar para facilitar o entendimento: suponha o caso da Ford que opera em Camaçari e da Petrobrás que está na Bolívia. No caso da Ford, apesar de estar produzindo carros em “solo baiano”, ela é uma empresa estrangeira e, portanto, remete lucros para o exterior. Assim sendo, a Ford faz parte do PIB do Brasil, mas não faz parte do PNB, uma vez que envia renda ao exterior, isto é, lucro. Vejamos agora o caso da Petrobrás que é uma empresa de capital nacional operando em solo estrangeiro. Assim, o valor que ela produzir lá na Bolívia é contabilizado no PNB do Brasil, por ser uma empresa de capital nacional, mas não será computado no PIB, pois a produção não é realizada internamente no Brasil. Segundo a SFB (Sociedade Federativa Brasileira) (1999), o PIB difere do Produto Nacional Bruto (PNB) basicamente pela renda líquida enviada ao exterior (RLEE): ela é desconsiderada no cálculo do PNB, e considerada no cálculo do PIB. Esta renda representa a diferença entre recursos enviados ao exterior (pagamento de fatores de produção internacionais alocados no país) e os recursos recebidos do exterior a partir de fatores de produção que, sendo do país considerado, encontram-se em atividade em outros países. Assim, temos a seguinte fórmula:
PNB = PIB – Renda Enviada ao Exterior + Renda Recebida do Exterior
No caso brasileiro, uma vez que é grande o número de empresas multinacionais operando nos vários estados brasileiros e é baixa a presença de empresas brasileiras operando em solo estrangeiro, o PIB é sempre maior do que o PNB. Raciocínio diferente temos para os Estados Unidos que têm o PNB maior do que o PIB.
PIB PER CAPITA Trata-se de um indicador muito utilizado para definir as metas das políticas públicas. Basta dividir o PIB de um país pela população para obter-se um valor médio per capita:
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ECONOMIA
PIBpc =
PIB N
O valor per capita foi o primeiro indicador utilizado para analisar a qualidade de vida em um país. Usam-se, atualmente, outros índices — que revelam o perfil da distribuição de renda de um país (tais como o Índice de Desenvolvimento Humano) — para que se obtenha uma avaliação mais precisa do bem-estar econômico que uma determinada população possui. Países podem ter um PIB elevado por serem grandes, mas por terem muitos habitantes, seu PIB per capita pode ser baixo, já que a fórmula mostra que é a renda total dividida pela população. Assim, são exemplos de países com PIB alto e PIB per capita baixo: a Índia e a China. Países como a Noruega e a Dinamarca exibem uma situação exatamente oposta: possuem um PIB moderado, mas que é suficiente para assegurar uma boa qualidade de vida a seus poucos milhões de habitantes. Daí seu PIB per capita ser alto. Entretanto, analisada de maneira incorreta, a medida do PIB per capita pode não ter significado algum. O PIB per capita do Brasil em 2008 era de aproximadamente R$14.000. Isso, como já sabemos, não significa que todos os habitantes do Brasil ganhem R$14 mil. Muito pelo contrário!
Leia mais sobre essa questão no artigo LEITURA DA ECONOMIA BAIANA PELA ÓTICA DO PIB: 1975-2007 que foi publicado na Revista de Desenvolvimento Econômico (RDE) da UNIFACS, cuja leitura indicamos no final desta aula.
Período 1 (1975–1986): transformações estruturais e crescimento acelerado Segundo Pessoti (2006), o período que vai de 1975 até 1986 tem como característica principal a transformação estrutural do PIB da Bahia, que deixa de ter como carro-chefe a agropecu-ária, passando a ser impulsionado pela indústria. Crescimentos acelerados (em torno de 6,5% ao ano) foram a tônica dessa época, marcada pela expansão do segmento industrial baiano, que apresentou taxas de crescimento de aproximadamente 9%. Este processo teve origem em meados dos anos 1950, embora, até o início dos anos 1970, a estrutura produtiva da economia baiana ainda estivesse fundada no setor primário-exportador, que se complementava com a economia de subsistência praticada em quase todas as suas regiões. Durante décadas, esta dinâmica foi comandada pelo agrobusiness do cacau, que era o principal produto agrícola estadual e o seu maior gerador de divisas. Contudo, a renda gerada pela cacauicultura foi em parte alocada no próprio setor, aprofundando e mantendo a monocultura do cacau, sendo o restante canalizado para consumo ou investimentos fora do Estado, principalmente em imóveis. Esse setor, por sua vez, devido às suas características estruturais, era incapaz de irradiar seu dinamismo para a economia baiana como um todo. A partir dos anos 1970, com o avanço da industrialização, essa estrutura produtiva começa a mudar e perde sua feição agroexportadora.
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AULA 6 - O PRODUTO INTERNO BRUTO E A ANÁLISE DA ECONOMIA BAIANA
Alguns fatores, a seguir comentados, podem ser apontados como principais para o desenvolvimento desse processo. Em primeiro lugar, as políticas macroeconômicas adotadas no país a partir da década de 1930, que alteraram profundamente a divisão nacional do trabalho no Brasil. O principal projeto era o de substituições de importações e é a partir da sua implantação, juntamente com a do processo de desconcentração da economia — promovido pelo Governo Federal e incentivado pelos estados periféricos, dentre eles a Bahia, para reduzir desequilíbrios regionais — que, finalmente, nos anos 1970, a Bahia se insere na matriz industrial brasileira, com a chamada “especialização regional”. Tal especialização levou o Estado a voltar-se para uma industrialização centrada no setor químico, especialmente na petroquímica e na metalurgia. Ainda no âmbito de medidas macroeconômicas, é importante salientar os in-centivos fiscais e financeiros criados pelo Governo Federal para atrair investimentos para outras regiões brasileiras que não o Centro-Sul. Esse sistema de incentivos fiscais beneficiou o processo de reestruturação da dinâmica econômica da região Nordeste, observando-se que tais incentivos foram, em sua grande maioria, alocados no Estado da Bahia. Isso se deu pela proximidade da Bahia em relação ao Centro– Sul, e pelo fato de a produção nacional não oferecer alguns insumos básicos demandados pela indústria de transformação do Sudeste. Entre os fatores sistêmicos da competitividade, a Bahia contava ainda com as vantagens de ser, à época, a maior produtora de petróleo do país e de já possuir uma refinaria, a Landulfo Alves. Em relação ao poder local, foi montada uma explícita política industrial, setorial e regional. Além de participar diretamente de alguns empreendimentos, com estudos, investimentos e infraestrutura, o Governo Estadual concedeu um amplo conjunto de incentivos fiscais e financeiros, o que possibilitou ao capital privado reduzir drastica-mente o risco de sua participação no processo produtivo e garantiu vantagens com-parativas à Bahia em relação aos demais estados do Nordeste. Em decorrência das medidas acima descritas, vários projetos foram implanta-dos, destacando-se os localizados no Centro Industrial de Aratu (CIA), nos Distritos In-dustriais do interior do Estado e no Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC).
COMPOSIÇÃO SETORIAL DO PIB BAIANO Anos
Setores (%) Primário
Secundário
Terciário
1960
40,0
12,0
48,0
1970
21,2
12,4
65,4
1975
30,7
27,5
41,8
1980
16,4
31,6
52,0
1986
18,2
43,2
38,6
1990
15,2
31,9
52,9
1992
9,7
36,3
54,0
2000
10,7
41,1
48,2
2005
10,3
50,2
39,5
Tabela 1 - Composição Setorial do PIB Baiano FONTE: SEI/COORDENAÇÃO DE CONTAS REGIONAIS (2006).
79
ECONOMIA
Essas alterações estruturais na economia baiana incrementaram fortemente seu produto interno. Em termos de taxas de crescimento real do PIB, a Bahia supera o Nordeste e o Brasil ao longo da década de 1970. No período entre 1975 e 1986, a indústria cresce acumuladamente 156,4%, a agricultura 30%, o comércio 117% e as comunicações 1.383%. Esse crescimento fez com que a economia baiana aumentasse sua participação na economia nacional — de menos de 4% em 1975 passa a 5,4% em 1985 — e contribuiu de forma positiva para a expansão do setor terciário da economia (em média 7,6% ao ano), particularmente na Região Metropolitana de Salvador - RMS. É importante destacar que a consolidação da indústria de transformação no processo de desenvolvimento econômico estadual, na primeira metade da década de 1980, ocorreu num período de grande recessão e crise da economia brasileira, da qual poucos estados lograram escapar. A Bahia, exatamente pelo avanço da sua indústria, estava entre estes últimos, ou seja, apresentou, malgrado a crise, crescimento do nível de atividade econômica. Nos anos 1980, inicia-se uma política de desvalorização cambial que torna caros os produtos importados. Esses fatores macroeconômicos fizeram com que aumentasse a demanda, por parte das indústrias instaladas no Centro-Sul, pelos petroquímicos produzidos na Bahia. Apesar de a economia ter se concentrado principalmente na RMS, outras áreas do interior do estado também apresentaram significativo crescimento no final da década de 1970. Entre os destaques têmse: produção de feijão na região de Irecê; expansão do polo cafeeiro na Chapada; extração de minérios em determinadas áreas do estado (Caraíba Metais etc.); rápida ocupação do Vale do Iuiú (pecuária e algodão) e desenvolvimento de regiões como o Extremo-Sul, com a extração de madeira.
Período 2 – 1986 a 1992: inflexão do crescimento e crise econômica A partir da segunda metade dos anos 1980, o vigoroso crescimento ocorrido entre 1975 a 1985 sofre um forte processo de inflexão. Entre 1986 e 1992, o ritmo de crescimento do PIB cai de 6,5% ao ano para aproximadamente 0,1%. Em dez anos, ou seja, de 1975 a 1986, o PIB baiano, sob o efeito do Polo Petro-químico de Camaçari, cresceu 92% acumuladamente. Entretanto, no período subsequente, entre 1986 e 1992, o crescimento acumulado foi de apenas 0,9%. Em que pese à diferença quantitativa dos anos entre os dois períodos, essa comparação tem como único objetivo salientar que entre 1986 e 1992 a economia baiana praticamente se estagnou. A figura 1, a seguir, evidencia claramente este processo. Entre 1986 e 1992, o cenário apresentado foi de recessão, com variação negativa do nível de atividade nos três últimos anos desse período.
78
AULA 6 - O PRODUTO INTERNO BRUTO E A ANÁLISE DA ECONOMIA BAIANA
Figura 1 - Evolução do PIB da Bahia segundo taxa anual de crescimento – 1976-2005 FONTE: SEI/COORDENAÇÃO DE CONTAS REGIONAIS (2006).
Os fatores que explicam essa crise podem ser encadeados da seguinte forma: » » A crise da economia nacional nos anos 1980 (a chamada década perdida), capitaneada pela crise fiscal e financeira do Estado brasileiro, levou à falência o modelo anterior, no qual o Estado era o motor da acumulação capitalista e sob o qual se pautou o crescimento da economia baiana entre 1975 e 1986. O endividamento interno e externo do Estado inviabilizou os investimentos projetados e a manutenção da acumulação capitalista, na forma até então vigente. » » A queda no ritmo de crescimento da economia ocasionou altas taxas de inflação, índices crescentes de desemprego e elevação das taxas de juros, o que desencadeou a chamada “ciranda” financeira e teve, portanto, efeitos negativos diretos na demanda agregada da economia brasileira, principalmente no consumo das famílias e nos gastos do Governo. » » Deu-se um redirecionamento da economia brasileira para o mercado externo: incen-tivaram-se, assim, as exportações que geravam divisas, garantiam o fechamento do balanço de pagamentos e mantinham o nível da atividade econômica. Os efeitos dessa crise para o estado da Bahia foram altamente negativos, po-dendo-se destacar alguns deles como os mais graves, como se pode verificar a seguir: » » Foram paralisados os investimentos previstos para o Polo de Camaçari e, assim, não foram geradas cadeias produtivas, a terceira geração da petroquímica. Dessa forma, a economia baiana permaneceu apenas como produtora de bens intermediários e o Complexo Petroquímico não recebeu novos investimentos. » » Diminuiu o ritmo de crescimento da produção da indústria química baiana, tendo esse segmento, nos anos de 1988, 1990 e 1991, apresentado taxas negativas, de 3,6%, 6,8% e 7,6%, respectivamente. Pelo elevado peso que a indústria química tem na estrutura do segmento industrial baiano, os reflexos negativos sobre o PIB eram inevitáveis. 79
ECONOMIA
» » Foi gerada, com a paralisação do processo de investimentos, uma economia duplamente concentrada na formação do PIB: na agricultura, o cacau, em crise, continuava a ser o principal produto de exportação. Na indústria, deu-se uma elevada concentração em torno do gênero químico. Em termos macroeconômicos, a geração espacial da renda concentrou-se na RMS e no litoral, principalmente na área de influência dos municípios de Ilhéus e Itabuna. » » Cresceu a taxa de desemprego na RMS, consequência da forte migração — em parte derivada do fato de a Bahia possuir uma população rural muito grande (ainda hoje a maior do país em termos absolutos, e vivendo de forma precária no semiárido) — para essa região, atraída pelo Polo. Esse processo fez de Salvador a terceira mais populosa cidade do país, com uma das maiores taxas de desemprego dentre as cidades estudadas pelos institutos de pesquisas brasileiros. » » Finalmente, identifica-se um último efeito, que se manifestou em meados dos anos 1980, decorrente da reestruturação produtiva mundial: a crise nos produtos tradicionais de exportação da agricultura baiana. A partir desse período, registraram-se sucessivas quedas nos preços internacionais dessas commodities, resultantes do crescimento da sua oferta mundial, com a entrada, no mercado, de novos países produtores, com menores custos médios e maiores rendimentos por hectare. Dentre os produtos baianos, cujos preços caíram, citam-se: o cacau, que também foi atingido pela grave doença conhecida como “vassoura de bruxa”, a mamona, o sisal, o fumo, o café e o algodão. O forte declínio do cacau, principal cultura agrícola do estado na segunda metade dos anos 1980, ocorre sem que outra lavoura a substitua de imediato. Assiste-se, assim, a uma total desestruturação do estado da Bahia: suas finanças desorganizam-se; seu patrimônio público — estradas, escolas, hospitais etc. — passa por um processo de desgaste; seu funcionalismo tem grandes perdas em termos reais. Os fatores sistêmicos da competitividade baiana seguem na mesma direção da situação financeira do setor público acima mencionado. A educação não apresenta grandes avanços, a concentração da renda aumenta, as estradas pioram de situação, o crescimento dos setores de serviços e comunicações é lento etc. Em conclusão, esse período, diferentemente do anterior, é marcado por uma redução da participação do PIB baiano no PIB nacional, em consequência de ter-se estagnado o ritmo de crescimento da economia baiana (na comparação com o período anterior, 1975/1985) e de se terem expandido fortemente outras áreas no Brasil, como o Centro-Oeste, incentivadas pela produção pecuária e agroexportadora, principalmente de grãos.
Período 3: anos 1990 e a retomada do crescimento econômico O período compreendido entre 1992 e 2000 tem algumas características marcantes, como: » » crescimento econômico acompanhando a média nacional; » » consolidação e ampliação da indústria montada no primeiro período, ou seja, petro-química e metalurgia; » » consolidação de setores que se beneficiaram com a política nacional de incentivo às exportações e que tiveram vantagens comparativas no estado, a exemplo da silvicultura, da produção de papel e celulose, dos frutos e grãos; » » alcance, pela agricultura, de um novo patamar de produção, com base na política nacional de incentivo às exportações iniciada no segundo período;
78
AULA 6 - O PRODUTO INTERNO BRUTO E A ANÁLISE DA ECONOMIA BAIANA
» » esgotamento dos produtos tradicionais, a exemplo do fumo, que chegam ao fundo do poço, e esboço de recuperação dos níveis de produção de outros, graças às políticas dos governos estadual e federal; » » surgimento de novos setores industriais, notadamente de bens finais, portadores de mudanças futuras na estrutura do Estado e promotores de sua inserção na divisão nacional do trabalho; » » maior preocupação com o turismo local, que passa a operar em um patamar mais elevado, a partir de investimento do governo estadual e de programas nacionais com parceiros internacionais, a exemplo do PRODETUR. O crescimento médio do PIB baiano correspondeu a 3,1% a.a. ou, em taxa acu-mulada, foi de 27,5%, no período de 1992 a 2000. Os setores agropecuário e industrial cresceram no mesmo patamar: 3,1% e 2,9% respectivamente. Outros segmentos, como o comércio e a comunicação, foram de grande destaque nesse período, alcançando um crescimento acumulado de 28,3% e 255,7% respectivamente. A mudança na política econômica nacional, o Plano Real, a abertura do mer-cado brasileiro e a reestruturação do governo estadual fizeram a economia voltar a crescer. Abriu-se um novo período de investimentos produtivos e a perspectiva de outro ciclo sustentado de crescimento, agora menos concentrado. Antes de tudo, verifica-se um forte crescimento do comércio e do consumo nos primeiros três anos do Plano Real, em função da estabilidade econômica e das facilidades de financiamento. Este processo beneficiou mais fortemente as classes menos favorecidas, que representam a maioria da população baiana. No que diz respeito ao comércio exterior, a competitividade da economia baiana fica evidente ao se verificar o significativo incremento do valor das exportações baianas, da ordem de quase 50% entre 1991 e 1998, apesar das dificuldades com que se defrontaram as exportações brasileiras no período. A conta de comércio (exportação + importação) cresce mais de 50%.
ANOS
EXPORTAÇÕES
IMPORTAÇÕES
SALDOS
CORR. DE COM
1991
1,277
632
645
1,909
1992
1,491
534
957
2,025
1993
1,450
615
835
2,065
1994
1,721
753
968
2,474
1995
1,919
1,208
711
3,127
1996
1,846
1,343
503
3,189
1997
1,868
1,590
278
3,458
1998
1,829
1,500
329
3,289
1999
1,581
1,467
114
3,048
2000
1,943
2,256
-313
4,199
Tabela 2 - Balança Comercial – Bahia (em U$ bilhões - FOB) FONTE: PROMO – CENTRO INTERNACIONAL DE NEGÓCIOS DA BAHIA (2001).
Na esfera governamental, a Bahia passou por um processo de reforma do Esta-do desde 1991 e promoveu um ajuste administrativo, fiscal e financeiro. Os primeiros resultados foram o equilíbrio das finanças públicas estaduais — o que levou à recu-peração do crédito público nacional e internacional — e o fato de o Estado passar a ter capacidade de gerar poupança interna e externa, abrindo assim a possibilidade de investimentos e de contar com programas de incentivos fiscais e financeiros. 79
ECONOMIA
Em conjunto, esses fatores viabilizaram múltiplos investimentos privados em novas áreas da atividade econômica, a exemplo dos segmentos industriais de bens de consumo populares, automobilístico, cerâmico e madeireiro/moveleiro, turismo etc. Esse movimento tem contribuído para a expansão e diversificação da economia, proporcionando uma maior integração industrial, com a abertura de novos horizontes que indicam um novo ciclo de crescimento. Concluindo, é possível afirmar que, do ponto de vista da geração do PIB, esse período se constitui no momento histórico em que foram lançadas as bases para um novo ciclo de expansão do produto baiano e para que se reestruture a composição desse indicador, sobretudo no que concerne ao peso que aí têm a agropecuária e a indústria.
Período 4 – 2000-2007: manutenção do crescimento e consolidação industrial A partir do ano 2000 começam a ser observadas mudanças na estrutura produtiva do Estado da Bahia oriundas de dois fatores principais: a) pela austera política macroeconômica colocada em prática pelo Governo Federal, priorizando a proteção da moeda contra desvalorizações, buscando uma meta inflacionária extremamente baixa. Utilizando-se do instrumental de controle da taxa de juros, a política econômica do Brasil priorizou o curto prazo, pondo fim definitivo ao projeto nacional desenvolvimentista. Esse fato tem grande relevância para a análise da evolução do PIB, pois, como já mencionado, a Bahia, como unidade da federação brasileira, passou por grandes problemas nos setores demandantes de recursos (atrelados ao crédito de longo prazo, praticamente inexistente nesse período). Essa conjuntura prejudicou muito o desempenho do setor de serviços baianos que, aos poucos, perdeu participação. b) pela política de atração de indústrias que se consolidou no Estado, atraindo uma montadora de veículos e seus sistemistas, grande geradora de valor agregado, e ou-tras tantas indústrias calçadistas, grandes geradoras de emprego. O empreendimento do Complexo Amazon, que trouxe uma unidade da Ford para a Bahia, gerou efeitos multiplicadores para a economia estadual. Como decorrência desse processo, vários sistemistas, inclusive de outros países, vieram para a Bahia e começaram a consolidar a indústria automobilística no Estado. Em menos de cinco anos de operação, a montadora baiana já bateu recordes de produção, e antecipou etapas, inicialmente previstas para 2006. A despeito disso, a “baianização” dos veículos ainda é pequena tal qual o montante de empregos diretos gerados vis-à-vis o montante dos investimentos, devido a grandes recursos tecnológicos utilizados na produção. A reformulação das atividades industriais baianas, como parte de um plano, da diversificação produtiva, alcançou maior impulso, a partir de 2001, com o lançamento de uma política de atração de investimentos para estimular fluxos de produção e renda no estado. Segundo dados da Secretaria de Indústria e Comércio e Mineração do Estado (2005), foram realizados na Bahia no período 20002007 cerca de R$30,7 bilhões em investimentos industriais, responsáveis por aproximadamente 135 mil empregos diretos. Merece destaque o fato de que 80% desses investimentos foram destinados à implantação de novas plantas industriais no estado, sendo, portanto, 20% outros des-tinados à reativação de plantas já existentes. Desta forma, vieram para a Bahia entre 2000 e 2007, diversas indústrias de diversas áreas. Delas destacam-se, seja pelo valor do investimento, seja pela elevada geração de emprego e valor agregado: a FORD e seus sistemistas de produção, a VERACEL CELULOSE, atualmente maior produtora de celulose do mundo, a MONSANTO, com produção de fertilizantes e diversas indústrias calçadistas, que são grandes geradoras de empregos. O destaque deste último empre-endimento deve ser dado ao fato de ter permitido uma ”interiorização” pelo território baiano. 74
AULA 6 - O PRODUTO INTERNO BRUTO E A ANÁLISE DA ECONOMIA BAIANA
SETORES PRODUTIVOS
VALOR (R$ 1,00)
EMPREGOS DIRETOS
1.380.613.142
26.482
871.233.381
4.209
Calçados/ Têxtil / Confecções
1.193.253.673
51.791
Complexo Madeireiro
11.743.348.258
15.265
Eletroeletrônico
291.876.673
7.325
Metal-Mecânico
5.489.259.913
12.221
871.911.287
3.115
5.547.086.516
3.952
6.716.500
221
Transformação Petroquímica
3.326.887.685
10.303
Total
30.722.187.027
134.883
Agroalimentar Atividade Mineral e Beneficiamento
Outros Químico-Petroquímico Reciclagem
Tabela 3 - Investimentos Industriais Realizados no Estado da Bahia no período de 2000 a 2007 FONTE: SICM (2008).
O PIB da Bahia alcançou, nesse período, uma taxa média de 3,8% de crescimento, acumulando 20,3%. Ainda em relação à taxa acumulada, os grandes destaques ficaram por conta da indústria de transformação (40,5%), agropecuária (31,4%) e, em menor fôlego, o setor de serviços (11,6%). Um outro aspecto que pode ser observado com a implementação dos novos arranjos produtivos é a mudança no perfil industrial da Bahia, que em 2001 chegou a concentrar mais de 57% da estrutura de sua indústria de transformação no segmento químico. A geração do valor agregado de uma indústria automobilística, além dos investimentos nas indústrias de papel e celulose e alimentos, têm contribuído para a diminuição na participação dessa estrutura, que passa, ainda que timidamente, por um processo de desconcentração industrial. A Bahia apresentou nesse período um crescimento médio do PIB superior ao do Brasil (na média — 3,8% Bahia e 2,2% Brasil — no acumulado, 20,3% Bahia e 11,4% Brasil). Os investimentos alocados no Estado proporcionaram uma elevação da base produtiva e da geração de valor agregado. Tais investimentos, além de se constituírem em impulso à indústria de transformação, foram fundamentais para a competitividade — inclusive internacional — do Estado. Em relação a esta última observação, é importante destacar a evolução do comércio exterior da Bahia nesse período. Somente em 2005, o Estado da Bahia atingiu o recorde de sua história econômica recente, quando suas exportações somaram aproximadamente U$6 bilhões, expandindo-se 48% em relação a 2004. A título de informação, apenas para que se perceba a relevância do resultado estadual, nesse mesmo período as exportações brasileiras expandiram-se 23%. DISCRIMINAÇÃO
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Exportações
1.942.968
2.119.651
2.410.037
3.258.772
4.062.916
5.987.744
Importações
2.250.906
2.292.634
1.877.606
1.924.220
3.021.129
3.310.799
Saldos
-307.938
-172.983
532.431
1.334.552
1.041.787
2.676.945
Corrente de Comércio
4.193.874
4.412.285
4.287.643
5.182.992
7.084.045
9.298.543
Tabela 4 - Balança Comercial da Bahia - 2000-2005 FONTE: MDIC/SECEX (2006).
79
ECONOMIA
Em 2001, a economia baiana apresentou uma taxa de crescimento apenas satisfatória (aproximadamente 1,0%), como reflexo de uma conjuntura bastante conflituosa. Crise de energia, desaceleração da economia norte-americana, crise na Argentina, ataques terroristas, desvalorização do Real marcaram negativamente este período. Na Bahia, houve ainda uma intensa seca, que atingiu praticamente todos os estados da região Nordeste e prejudicou sensivelmente o desempenho do setor agropecuário, não podendo esquecer da posição de destaque que o mesmo tem na estrutura do PIB. Nesse cenário, o governo brasileiro foi obrigado a agir, primeiro, para tentar separar as imagens do Brasil e da Argentina; em segundo lugar, para manter a meta inflacionária, grande âncora do Plano Real e condição obrigatória dos acordos de ajuda monetária com o FMI. Esses compromissos praticamente congelaram a ação da política macroeconômica brasileira em 2001. Para tentar equilibrar a economia frente a tantos problemas, o Governo foi obrigado a manter elevadas as taxas de juros internas. Na macroeconomia básica, um aumento na taxa de juros, em que pese a diminuição da liquidez da economia com re-dução na inflação, tem como reflexo imediato uma retração nos investimentos produ-tivos que, por sua vez, diminuem a demanda agregada e paralisam a atividade interna. Em um cenário como esse, diminui a procura pelo crédito e a inadimplência aumenta. Sofrem os impactos dessa situação o comércio, que depende muito dos financiamentos de médio e longo prazo; a indústria, que é fomentada pelos investimentos produtivos e que, praticamente em sua totalidade, utiliza insumos importados (comprados em dólar); e outros setores, como os serviços que, inevitavelmente, apresentaram diminuições nos indicadores de emprego e renda. Em 2003, com a eleição do novo presidente que ao longo de sua história política tinha posições contrárias à política econômica que vigorava até então, esperava-se uma mudança nesse quadro de juros altos para combater a inflação e segurar o câmbio. Esperava-se também o reinício de um projeto nacional desenvolvimentista capaz de fomentar o crescimento econômico para todas as regiões do Brasil. Entretanto, o que se tem acompanhado é a manutenção das “regras do jogo” em que o mercado continua imperando de forma absoluta e o cumprimento das metas de inflação é o único objeto de política econômica. Nesse cenário, fica difícil fazer qualquer prognóstico sobre o desempenho macroeconômico do país, que apresentou crescimento da economia ao longo dos anos 2000, muito mais pela insuficiência da demanda agregada do que pelo projeto colocado em prática. O Brasil, e particularmente a economia baiana (e nordestina de maneira geral), carece de um projeto nacional de desenvolvimento mais engajado em diminuir os desequilíbrios regionais do Brasil desenvolvido do Sul e Sudeste, e o empobrecido do Norte e Nordeste. Ou seja, enquanto vigorar essa política econômica, a agricultura da região Nordeste vai continuar a depender das chuvas para apresentar bons resultados e as atividades que dependem do crédito e do investimento de longo prazo vão continuar subordinadas ao “nervosismo do mercado” e à tradicional pouca vontade da iniciativa privada brasileira. Finalmente, e esperando-se ter alcançado o objetivo proposto inicialmente, qual seja, mostrar os principais fatos que proporcionaram ou limitaram o crescimento econômico da Bahia entre 1975 e 2007 — poder-se-ia dizer que política industrial, crise e recessão, retomada do crescimento e nova configuração industrial são as expressões que, respectivamente, melhor caracterizam cada um dos períodos aqui delimitados: 1975/1986, 1986/1992 e 1992/2000, 2000/2007.
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AULA 6 - O PRODUTO INTERNO BRUTO E A ANÁLISE DA ECONOMIA BAIANA
REFERÊNCIAS PINHO, Diva Benevides; VASCONCELOS, Marco Antônio S. (Org.). Manual de Economia. Equipe de Professores da USP. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. SANDRONI, Paulo (Org.). Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo: Best Seller, 1999. SOCIEDADE Federativa do Brasil. PIB. 1999. Disponível em: <http://www.sfbbrasil.org/pib.htm>. Acesso em: 16 jun. 2013. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. O PIB da Bahia: 30 anos em análise. Série de estudos e pesquisas. Salvador: SEI, nº 72, 2006.
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AULA 7 Fragilidades da Economia Baiana e a Dependência Externa Autor: Gustavo Casseb Pessoti, adaptada por Carlos Mauricio Castro.
N
esta aula, vamos apresentar um pouco da economia baiana atual. Vamos ver que, se do ponto de vista econômico, o estado vai muito bem como sexta maior economia do país, do ponto de vista social, há muitas carências. Este estudo é de fundamental importância para a sua compreensão do mercado de trabalho. É imprescindível que você conheça as possibilidades e limitações do “espaço territorial” onde habita e onde será alocado, no futuro, como profissional.
PANORAMA ECONÔMICO E SOCIAL DA BAHIA NO SÉCULOXXI Como já vimos na Aula 06 da nossa disciplina, essa é a característica estrutural da economia baiana dos últimos cinquenta anos:
ECONOMIA
COMPOSIÇÃO SETORIAL DO PIB BAIANO Anos
Setores (%) Primário
Secundário
Terciário
1960
40,0
12,0
48,0
1970
21,2
12,4
65,4
1975
30,7
27,5
41,8
1980
16,4
31,6
52,0
1986
18,2
43,2
38,6
1990
15,2
31,9
52,9
1992
9,7
36,3
54,0
2000
10,7
41,1
48,2
2005
10,3
50,2
39,5
Tabela 1 - Composição Setorial do PIB Baiano FONTE: SEI (2006).
Até 1960, o estado era dependente da produção agrícola, principalmente relacionado com a atividade cacaueira do sul do estado. A partir da década de 1970, com o surgimento do Polo Petroquímico de Camaçari (1978), esse panorama começa a mudar. Observe que, já em 1980, o setor secundário da economia dobra de participação, atingindo 31,6% de participação econômica. Ainda assim, em função do surgimento desse complexo, diversas atividades de serviços auxiliares surgiram, como os serviços de alojamento e alimentação, comércio, transporte e armazenagem, e passaram a atuar a reboque do polo petroquímico, logrando grande expansão econômica. A partir de 1990, na época do Governo Collor, poucas alterações ocorreram na estrutura produtiva da Bahia, até porque a abertura econômica desmedida, a alta inflação do período e a grande corrupção foram as marcas dessa época. Não veio para a Bahia nenhum grande empreendimento industrial e pequena foi a participação do estado brasileiro para diminuir as desigualdades regionais entre o sudeste desenvolvido e o norte e o nordeste excluídos do cenário nacional. Por isso, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, o governo da Bahia começou com um programa de atração de investimentos industriais através de isenções fiscais e doações de terreno e infraestrutura de apoio. Nesse período, e através dos incentivos, vieram para a Bahia uma série de novas indústrias dos mais variados gêneros: calçados, fertilizantes, plásticos, químico e petroquímico, mas o grande empreendimento dessa época foi a chegada da Ford e suas empresas auxiliares de componentes para veículos. A resposta foi imediata no PIB. Nesse período, a economia baiana cresceu muito. Em 2004, o PIB cresceu quase 10%, o dobro do crescimento da economia brasileira. Assim, a indústria, ou setor secundário da economia, passou a ser o mais importante da estrutura produtiva do estado da Bahia. Mas, será que esse fato é positivo ou negativo? Vamos passar para a próxima informação para começarmos a formular essa resposta.
90
AULA 7 - FRAGILIDADES DA ECONOMIA BAIANA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA
Figura 1 - Distribuição Percentual do PIB e da população ocupada por setores produtivos, Bahia, 2005 FONTE: SEI (2006).
Observe que a estratégia adotada pelo governo baiano, carente de maior su-porte do governo federal – que estava preocupado apenas com o controle da inflação e com os ajustes econômicos deixados pelo governo Collor –, acabou produzindo um grande crescimento, mas não houve, em contrapartida, uma geração de empregos para a economia baiana. Adotar uma estratégia de dar isenção fiscal para atrair indústrias foi uma boa alternativa para tornar o estado mais equipado do ponto de vista industrial, mas observe que são a agropecuária e o setor de serviços os grandes responsáveis pela geração de empregos na Bahia. A indústria que é responsável por mais da metade do PIB da Bahia é responsável por apenas 14% do emprego gerado na economia baiana. Agora, olhe que coisa impressionante: a indústria de transformação gera a mes-ma quantidade de empregos que o trabalho doméstico: 8,7% um e 8,8% o outro. Ou seja, indústria não foi feita para gerar emprego. Quem gera emprego são os pequenos negócios e o setor de serviços. Mas isso não aparece politicamente, ou se aparece, de-mora muito para dar frutos, se é que você me entende. Na Bahia, uma oportunidade de emprego está no setor turístico, mas demorou muito para que o governo percebesse que turismo não é só carnaval, e mais: que a Bahia não é apenas Salvador.
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ECONOMIA
Figura 2 - Distribuição dos Ocupados na RMS FONTE: SEI (2007).
Mas, então, essa estratégia de industrializar-se foi um equívoco, não é mesmo, professor?
Infelizmente, não podemos concordar com essa resposta e veremos agora o por quê. Observe a pauta de exportações do estado da Bahia. Como você sabe, o comércio exterior exerce grande importância na dinamização econômica de um determinado local. A partir dele, pode-se lucrar com a venda de produtos e, ao mesmo tempo, complementar a produção interna, ao importarmos aquilo que não temos condições de produzir localmente ou que temos, mas com um alto custo de produção. Reparou bem a nossa pauta? Totalmente concentrada em poucos produtos e liderada pela produção petroquímica. Se retirarmos também o segmento automotivo, papel e celulose e a metalurgia, o que sobra para todas as demais atividades é extremamente pulverizado.
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AULA 7 - FRAGILIDADES DA ECONOMIA BAIANA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA
VALORES (US$ 1000 FOB)
VARIAÇÃO
PARTICIPAÇÃO
SEGMENTOS 2006
2007
%
%
Químicos e Petroquímicos
1.351.022
1.580.387
17,0
21,3
Metalúrgicos
1.029.267
1.076.532
4,6
14,5
Petróleo e Derivados
1.099.312
1.003.710
-8,7
13,5
Papel e Celulose
715.376
897.384
25,4
12,1
Automotivo
920.652
761.556
-17,3
10,3
Soja e Derivados
270.403
392.559
45,2
5,3
Minerais
221.742
222.487
0,3
3,0
Cacau e Derivados
209.561
224.650
7,2
3,0
Borracha e suas Obras
75.985
246.847
224,9
3,3
Café e Especiarias
111.100
118.187
6,4
1,6
Couros e Peles
92.372
108.997
18,0
1,5
Sisal e Derivados
82.840
84.330
1,8
1,1
Algodão e seus Subprodutos
107.654
153.150
42,3
2,1
Móveis e Semelhantes
71.502
65.563
-8,3
0,9
Calçados e suas Partes
62.489
82.542
32,1
1,1
Frutas e suas Preparações
115.469
138.252
19,7
1,9
Maq., Apars. e Mat. Elétricos
57.670
74.975
30,0
1,0
Fumo e Derivados
24.614
22.480
-8,7
0,3
Pesca e Aquicultura
12.067
7.597
-37,0
0,1
Demais Segmentos
142.202
146.544
3,1
2,0
Total
6.773.299
7.408.729
9,38
100,00
Tabela 2 - Principais Segmentos de Exportação da Bahia: 2006 e 2007 FONTE: MDIC/SECEX, DADOS COLETADOS EM 12//11/2007. ELABORAÇÃO: PROMO - CENTRO INTERNACIONAL DE NEGÓCIOS DA BAHIA.
Para tentar transformar esse quadro de dependência da produção química, aquela política de atração de investimentos industriais premiava com isenção, por período mais longo, aqueles empreendimentos ligados à indústria de bens finais, complementares da cadeia petroquímica. Por isso, o estado insistiu tanto com a tentativa de dinamizar outros municípios e outras atividades econômicas.
Ah, então, a atração de investimentos industriais conseguiu ao menos dinamizar a economia baiana?
Vejamos como é rica e complexa a análise da economia baiana. Para que essa dinamização ocorresse, era preciso, já que a nossa pauta de exportações é concentrada no segmento químico, pelo menos, que as nossas importações fossem complementares à produção química, mostrando que nós, para dinamizarmos o nosso parque industrial, importássemos máquinas e equipamentos. Mas, o que revela a tabela é que a maior parte das nossas importações é também de produtos químicos, para nossa
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ECONOMIA
frustração. Para produzir os produtos petroquímicos, a Bahia necessita da matéria-prima, ou seja, nafta. Como a Petrobrás da Bahia não produz tudo aquilo que nossa produção necessita, temos que importar. Resultado da ópera: exportamos petroquímicos e importamos petroquímicos! Vejamos como é rica e complexa a análise da economia baiana. Para que essa dinamização ocorresse, era preciso, já que a nossa pauta de exportações é concentrada no segmento químico, pelo menos, que as nossas importações fossem complementares à produção química, mostrando que nós, para dinamizarmos o nosso parque industrial, importássemos máquinas e equipamentos. Mas, o que revela a tabela é que a maior parte das nossas importações é também de produtos químicos, para nossa frustração. Para produzir os produtos petroquímicos, a Bahia necessita da matéria-prima, ou seja, nafta. Como a Petrobrás da Bahia não produz tudo aquilo que nossa produção necessita, temos que importar. Resultado da ópera: exportamos petroquímicos e importamos petroquímicos!
IMPORTAÇÕES BAIANAS POR CATEGORIAS DE USO 2006 / 2007 Valores em US$1000 FOB Discriminação
2006
2007
Var. %
Part. %
1.982.949
2.432.237
22,7
44,8
Bens de Capital
992.588
1.372.449
38,3
25,3
Combustíveis e Lubrificantes
998.649
992.912
-0,6
18,3
Bens de Consumo Duráveis
461.715
563.490
22,0
10,4
Bens de Consumo não Duráveis
39.138
69.170
76,7
1,3
4.475.039
5.430.258
21,3
100,0
Bens Intermediários
Total
Tabela 3 - Importações baianas por categorias de uso 2006/2007 MDIC/SEDEX. DADOS COLETADOS EM 15/01/2008. OBS.: IMPORTAÇÕES EFETIVAS, DADOS PRELIMINARES..
Então, para analisar a economia baiana, precisaremos apresentar outros indicadores. Dessa forma, teremos condições de fazer o nosso julgamento final sobre a estratégia recente de tentativa de desenvolver a economia baiana. Comecemos pelo PIB, indicador que mede o desempenho da atividade econômica de local em determinado período de tempo.
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AULA 7 - FRAGILIDADES DA ECONOMIA BAIANA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA
Figura 3 - Desempenho do Valor Agregado da Agropecuária, da Indústria de Transformação e do Comércio, Bahia: 2003-2007 FONTE: SEI (2008).
Como podemos observar, com base no gráfico, a despeito de, até esse momen-to, não podermos formar uma opinião concreta a respeito da atual economia baiana, as atividades econômicas do estado têm mostrado uma evolução bastante favorável nos últimos anos, principalmente no setor industrial. Por isso, um efeito positivo da atração dos investimentos industriais foi alavancar a indústria, que, desde 2000, vem crescendo em ritmo progressivo. Mas, você reparou que, mesmo sem incentivos, a agropecuária, que gera bastante emprego, é quem teve o melhor desempenho nessa série considerada. Em 2004, cresceu mais de 24%. Também o setor comercial, que gera bastante emprego, tem um comportamento ascendente ao longo da série, exceto nos anos de mudança eleitoral (2003), pois, com medo do efeito Lula, FHC teve que au-mentar muito a taxa de juros para combater a inflação. Em 2007, foram quase R$5 bilhões em investimentos industriais e a previsão para o período de 20082012, é de quase R$20 bilhões em novos investimentos industriais.
95
ECONOMIA
INDICADORES BÁSICOS DO MERCADO DE TRABALHO / BAHIA 2005-2006 Atividade Econômica
Volume (R$ 1,00)
No Projetos
Emprego direto
1.674.910.492
94
13.418
Artefatos de couro e calçados
96.248.486
29
8.162
Borracha e plástico
753.911.329
61
6.882
Construção
120.000.000
1
90
1.532.348.753
10
1.918
239.657
1
42
3.805.040.000
2
1.450
Fumo
38.913.265
2
460
Máq. escritório e equip. informática
37.628.876
34
2.014
Máq. aparelhos e materiais elétricos
13.346.693
2
120
Máq. e equipamentos
21.665.078
12
496
Mat. eletrônico e equip. de comunicações
103.364.119
14
1.760
Metalurgia básica
245.707.274
13
1.146
2.235.488.611
27
3.368
Móveis e indústrias diversas
31.041.465
16
1.389
Outros
2.480.000
1
52
213.728.294
7
1.400
3.095.279.480
16
2.265
Peças e acessórios veículos automotores
71.453.985
4
909
Pesca aquicultura
49.615.415
4
2.225
2.005.913.532
5
8.219
73.467.626
14
855
2.721.538.171
102
14.159
4.800.000
1
110
Têxtil
743.296.870
12
2.433
Vestuário e acessórios
117.170.042
16
5.733
19.808.597.513
500
81.075
Alimentos e Bebidas
Eletricidade, gás e água quente Equip. médicos, ópticos, de automação e precisão Ext. de minerais metálicos
Minerais não metálicos
Outros e equip. de transporte Papel e celulose
Petróleo e derivados Produtos de metal - exclusivo máq. e equip. Produtos químicos Reciclagem
Total
Tabela 4 - Investimentos industriais previstos por atividade econômica no Estado da Bahia - Ano 2008-2012 FONTE: BICM (2008).
Apesar da expectativa de se gerar 81 mil novos postos de trabalhos com os projetos industriais, esse número é bastante longe do ideal, frente ao “estoque de desemprego” que temos acumulado. Ou seja, vamos continuar com um contingente grande de desempregados que não vão conseguir acesso ao mercado de trabalho. Senão, vejamos:
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AULA 7 - FRAGILIDADES DA ECONOMIA BAIANA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA
INDICADORES BÁSICOS DO MERCADO DE TRABALHO / BAHIA 2005-2006 Especificação
2005
2006
Variação 2005-2006
13.704
13.825.883
121.309
População em Idade Ativa (PIA)
11.090.795
11.199.568
108.773
PIA sobre a população total (%)
80,9
81,0
0,1
População Economicamente Ativa (PEA)
6.956.339
7.122.040
165,701
População Ocupada
6.227.939
6.413.900
185,961
728.400
708.140
-20,260
PEA sobre a população total (%)
50,8
51,5
0,7
Taxa de Atividade (PEA/PIA) (%)
62,7
63,6
0,9
Taxa de Desocupação (Desocupados/PEA) (%)
10,5
9,9
-0,5
População Total
População Desocupada
Tabela 5 - Indicadores do Mercado de Trabalho - Bahia, 2005-2006 FONTE: IBGE - PNAD (2007).
A tabela divulgada em 2007 demonstra que os indicadores não eram favoráveis. Como se pode notar, a população da Bahia estava situada em torno de catorze milhões de pessoas. Desse contingente, pouco mais de 7,1 milhões são os chamados economicamente ativos, isto é, aptos e querendo trabalhar. Mas, na limitada economia baiana, só há espaço para 6,5 milhões. Isto é, cerca de setecentos mil pessoas que querem e podem trabalhar não conseguem emprego. Vamos entender isso melhor ao refletirmos: será que esse contingente de desempregados tem preparo técnico necessário para a nova economia do século XXI? Uma economia marcada pela globalização e pela internacionalização das comunicações?
Figura 4 - Taxa de Analfabetismo funcional - Bahia, 1993/2006 FONTE: IBGE - PNAD (2007).
95
ECONOMIA
As informações do grau de instrução da população baiana deixam qualquer economista estarrecido e o pior, sem solução de curto prazo para resolver esse problema estrutural. Mais de 35% da população baiana são analfabetos funcionais (isto é, sabem ler e assinar o nome, mas não conseguem compreender o que leem). É muita gente! Como colocá-los no mercado de trabalho? Você contrataria para sua empresa uma pessoa dessas? Pois é, os grandes empresários que têm investido na Bahia também não querem! E a tabela a seguir não deixa qualquer dúvida sobre a questão que estamos querendo enfatizar. Repare os dados propositalmente assinalados em vermelho. 30% da população economicamente ativa da Bahia, situada na zona rural, são analfabetos. Se considerarmos aqueles que não têm sequer o nível fundamental completo, eles atingem 86% da população economicamente ativa da zona rural da Bahia. Só 3% dos baianos têm mais de quinze anos de ensino.
POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA POR SITUAÇÃO DO DOMICÍLIO SEGUNDO GRUPOS DE ANOS DE ESTUDO / BAHIA 2006 Grupos de Anos de Estudo
Total
%
Urbana
%
Rural
%
Sem instrução e menos de 1 ano
1.215.824
17,1
452.360
9,8
763.464
30,7
1 a 3 anos
1.177.711
16,5
541.531
11,7
636.180
25,6
4 a 7 anos
1.896.599
26,6
1.166.364
25,1
730.235
29,4
8 a 10 anos
1.003.814
14,1
786.483
17,0
217.331
8,8
11 a 14 anos
1.583.803
22,2
1.454.490
31,4
129.313
5,2
15 anos ou mais
232.625
3,3
227.186
4,9
5.439
0,2
Sem Declaração
11.664
0,2
10.236
0,2
1.428
0,1
Total
7.122.040
100,0
4.638.650
100,0
2.483.390
100,0
Cerca de 17,1% da PEA baiana é analfabeta, sendo que alcança 30,7% na zona rural. Uma proporção de 33,6% da PEA é composta por analfabetos funcionais, proporção qie chega a 56,3% nas áreas rurais do estado. Cerca de 60,2% da PEA não possui o ensino funcamental completo, enquanto que na zona rural tal proporção é de 85,7%. Tabela 6 - População economicamente ativa por situação do domicílio segundo grupos de anos de estudo - Bahia 2006 FONTE: IBGE - PNAD (2007).
Essa informação é relevante, pois, quanto mais baixo o grau de instrução da população, menor o seu nível de renda. Então, você, quando formado, vai trabalhar num mercado limitado e bastante concentrador de rendas. Vejamos um pouco mais de perto alguns números que evidenciam quão limitada e concentrada é a economia da Bahia.
94
AULA 7 - FRAGILIDADES DA ECONOMIA BAIANA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA
PIB MUNICIPAL PRODUTO INTERNO BRUTO A PREÇOS CORRENTES POR REGIÃO ECONÔMICA BAHIA, 2009 Municípios
2009 PIB (R$ Milhões)
%
Estado da Bahia
137.074,67
100,00
Metropolitana de Salvador
67.202,92
49,03
Litoral Sul
8.978,04
6,55
Paragaçu
10.039,87
7,32
Sudoeste
8.013,44
5,85
Oeste
7.302,48
5,33
Extremo Sul
6.768,62
4,94
Nordeste
6.197,24
4,52
Litoral Norte
4.500,92
3,28
Recôncavo Sul
3.923,28
2,85
Baixo Médio São Francisco
3.063,42
2,23
Piemonte da Diamantina
2.838,61
2,07
Serra Geral
2.726,87
1,99
Chapada Diamantina
2.401,71
1,75
Irecê
1.611,74
1,18
Médio São Francisco
1.505,54
1,10
Tabela 7 - PIBMunicipal: Produto Interno Bruto a preços correntes por região econômica - Bahia, 2009. FONTE: SEI/IBGE (2010).
PIB MUNICIPAL /DEZ MAIORES MUNICÍPIOS / BAHIA, 2009 Municípios
2009 PIB (R$ Milhões)
%
Estado da Bahia
137.074,67
100,00
Salvador
32.824,23
23,95
Camaçari
12.158,92
8,87
São Francisco do Conde
11.437,50
8,34
Feira de Santana
6.358,14
4,64
Simões Filho
3.008,29
2,19
Vitória da Conquista
3.142,68
2,29
Candeias
3.224,81
2,35
Lauro de Freitas
2.672,09
1,95
Ilhéus
1.925,64
1,40
Itabuna
2.280,73
1,66
Tabela 8 - PIB Municipal: dez maiores municípios - Bahia, 2009 FONTE: SEI/IBGE (2010).
95
ECONOMIA
Pelos números disponíveis na tabela 12, podemos ver que apenas três municípios (Salvador, Camaçari e São Francisco do Conde) respondem por cerca de 41% da economia baiana. A importante cidade de Feira de Santana só representa 4,6% da economia baiana. Dá a impressão de que essa informação está errada, não é? Apesar de ser a “porta de entrada” da capital baiana, Feira de Santana, com tantos serviços, só pesa 4,6% do PIB baiano. Queríamos ser animadores e dizer que realmente esse dado está incorreto, mas a verdade é que a economia baiana é a Região Metropolitana de Salvador. O restante da economia baiana é bastante pulverizado e sem grande expressividade. Vejamos um número ainda mais curioso.
PIB MUNICIPAL /DEZ MENORES MUNICÍPIOS / BAHIA, 2009 Municípios
2009 PIB (R$ Milhões)
%
Bahia
137.074,67
100,00
Cravolândia
21,62
0,02
Bom Jesus da Serra
29,62
0,02
Lafaiete Coutinho
17,01
0,01
Macururé
24,95
0,02
Ichu
19,51
0,01
Contendas do Sincorá
18,75
0,01
Dom Macêdo Costa
16,69
0,01
São José da Vitória
20,08
0,01
Gavião
15,64
0,01
Ibiquera
17,80
0,01
Tabela 9 - PIB Municipal: dez menores municípios - Bahia, 2009 FONTE: SEI/IBGE (2010).
A tabela 13 demonstra os municípios mais pobres da Bahia e nela se pode constatar que, dos 417 municípios da Bahia, os 57 mais pobres juntos chegam um pouco além de 1% do PIB do estado. Percebe-se, a partir daí, a questão da desigual distribuição da riqueza gerada no estado da Bahia. Infelizmente, moramos em um estado pobre, composto, em sua grande maioria, de pessoas com baixas taxas de alfabetização, e grande concentrador de rendas, com uma enorme população desempregada e sem perspectivas de ingresso no mercado de trabalho local. Para finalizar esta aula, vejamos alguns mapas econômicos da Bahia segundo atividades econômicas. A legenda permite uma visualização objetiva das realidades desiguais da distribuição da produção.
90
AULA 7 - FRAGILIDADES DA ECONOMIA BAIANA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA
Figura 5 - Mapa do PIB Municipal a preços correntes, Bahia - 2007 FONTE: SEI (2008).
95
ECONOMIA
Figura 6 - Mapa do Valor adicionado dos serviços, Bahia - 2007 FONTE: SEI (2008).
É fácil observar que existe um grande vazio econômico na região semiárida da Bahia, que ocupa 2/3 do território baiano, ou 70% da população. Retirando a Região Metropolitana de Salvador, é a região Oeste que tem destaque na produção do agro-negócio e o extremo sul do estado que se destaca por conta da produção de celulose, quase a totalidade dos demais espaços apresenta atividades econômicas rudimenta-res, de subsistência e de baixa penetração no mercado internacional. Se analisarmos o mapa a seguir, agora analisando apenas os espaços do territó-rio que são mais industrializados, a concentração é ainda mais brutal e restrita à Região Metropolitana de Salvador, principalmente em Camaçari, onde está o Polo Petroquímico, e São Francisco do Conde, em função da refinaria da Petrobrás.
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AULA 7 - FRAGILIDADES DA ECONOMIA BAIANA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA
Figura 7 - Mapa do Valor adicionado da indústria, Bahia - 2007 FONTE: SEI (2008).
Como não podia deixar de ser, do ponto de vista da agropecuária, há uma maior harmonia dos espaços, evidenciando que a grande vocação econômica do estado está na agricultura, a despeito das políticas econômicas do estado nos últimos vinte anos terem sempre privilegiado a industrialização. Observe a uniformidade das regiões de produção agropecuária no mapa que se segue:
95
ECONOMIA
Figura 8 - Mapa do Valor adicionado da agropecuária, Bahia - 2007 FONTE: SEI (2008).
Esses mapas, assim como as informações contidas nas tabelas anteriores, não deixam a menor dúvida de que o processo de desenvolvimento econômico acontece muito lentamente na Bahia. O desenvolvimento, já definido em aulas anteriores, é um processo de transformação da estrutura produtiva de um determinado local em que, após esse processo, há uma melhoria na qualidade de vida da população desse local. O que nós observamos é que as políticas econômicas adotadas na Bahia, nos últimos anos, realmente geraram crescimento econômico, tanto sim que o PIB acumula ano após ano taxas positivas, muitas vezes superiores às registradas pela própria economia brasileira. Entretanto, não houve uma
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AULA 7 - FRAGILIDADES DA ECONOMIA BAIANA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA
distribuição justa desse crescimento entre as mais longínquas áreas do estado. A riqueza concentrouse basicamente em vinte municípios dos 417 municípios existentes. A maior parte desses municípios é pequena, e sem qualquer viabilidade econômica. Eles sobrevivem graças às transferências constitucionais, principalmente advin-das da distribuição do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Nesses municípios, os pesos da admi-nistração pública e dos recursos do INSS (aposentadoria e pensões) são fundamentais para o giro dos negócios, pois a renda oriunda das atividades econômicas é extremamente pequena e quase sempre concentrada na produção da subsistência. Do ponto de vista dos serviços, a atividade econômica na Bahia também é bas-tante limitada. Embora disponha de uma vasta possibilidade de exploração de ativida-des culturais, o governo da Bahia erroneamente sempre associou turismo ao carna-val, o que jogou por terra possibilidades de desenvolvimento regional. Só agora, em pleno desenvolvimento do século XXI, é que começam a se desenvolver alternativas de roteiros turísticos pelo interior do estado (principalmente pela costa do descobrimento), mas a exploração do chamado turismo de eventos ainda é bastante incipiente. Na contramão de nossas belezas naturais estão a falta de planejamento do desen-volvimento, o nosso limitado mercado interno e o despreparo técnico e científico de nossa população, principalmente a do interior do estado. Com uma população despreparada para os novos desafios impostos pela globalização mundial e pelo atraso econômico e social que nós temos em relação aos centros mais desenvolvidos do país, que estão localizados no Sul e no Sudeste, cabe à Bahia, assim como ao Nordeste, um papel apenas secundário na dinamização econômica do país. Sem um planejamento do desenvolvimento, uma política de cunho nacional que repense os gargalos e os desequilíbrios das economias regionais, continuaremos a depender de políticas assistencialistas e continuar elegendo os governantes que, ao invés de defender uma reforma estrutural no país, continuam oferecendo para a população remédios apenas paliativos. Por isso, o tema da aula é a fragilidade do desenvolvimento baiano, mas poderia ser perfeitamente a inexistência do referido processo.
SÍNTESE A economia baiana apresenta, em pleno desenvolver do século XXI, uma forte concentração espacial e setorial. Do ponto de vista setorial, sua atividade está concen-trada na produção química e petroquímica, sobretudo por empresas fortemente ligadas ao mercado internacional como a Braskem e a Petrobrás. Na pauta de exportações e importações do estado, os segmentos químicos e derivados sempre figuram como os mais importantes. Do ponto de vista espacial, a economia baiana está concentrada em aproximadamente vinte municípios, que juntos representam mais de 80% do PIB do estado. Apenas para lembrar, no total, 417 municípios compõem o estado da Bahia. Somente os municípios da Região Metropolitana de Salvador são responsáveis por mais de 50% das riquezas produzidas no estado. Do ponto de vista social, o estado apresenta problemas estruturais de difíceis soluções. Uma taxa de analfabetismo muito alta e um grande desemprego de sua população. Segundo os dados do IBGE, somente em 2006, eram cerca de setecentos mil desempregados. Objetivando mudar esse quadro e realizar um processo de desenvolvimento, o governo do estado “apostou” na estratégia de atração de investimentos industriais. Longe de alcançar o objetivo, que só pode ser feito com o apoio do governo federal e a criação de um projeto nacional desenvolvimentista, houve grande crescimento do PIB, mas não houve, nesse mesmo período, melhoria na qualidade de 95
ECONOMIA
vida da população, que continua marginalizada, em sua grande maioria, e dependente de medidas assistencialistas, como os programas Bolsa Família, Vale Gás etc.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Quais são os principais fatores que justificam o baixo dinamismo da economia baiana quando comparados com os principais centros, localizados nas regiões Sul e Sudeste do país?
LEITURAS INDICADAS PESSOTI, Gustavo Casseb. Uma leitura da economia baiana pela ótica do PIB – 1975/2005. Revista de desenvolvimento econômico, Salvador, a. VIII, n. 14, p. 78-89, jul. 2006. GUIMARÃES, José Ribeiro Soares. Panorama social da Bahia com base na PNAD 2007. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. On-line, disponível em: <http://www.sei.ba.gov.br/ index.php?option=com_c ontent&view=article&id=303:panorama-social-da-bahia-com-base-na-pnad2007&catid=3:destaques>.
SITES INDICADOS Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): www.ibge.gov.br Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI): www.sei.ba.gov.br
REFERÊNCIAS ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA, 1, 2, 3 e 4. Salvador. Anais... Salvador: SEI, 2005, 2006, 2007 e 2008. 4 CD-ROM. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. O PIB da Bahia: 30 anos em Análise. Série de Estudos e Pesquisas. Salvador, SEI, n. 72, 2006. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Economia Brasileira e Baiana no pós-Real. Revista Bahia Análise & Dados, Salvador, SEI, n.4, v. 16, 2007. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Revista Conjuntura & Planejamento. Salvador, SEI, 2008
94
AULA 8 Análise da Questão da Desigualdade e do Desenvolvimento Socioeconômico dos Negros na Economia Brasileira e Baiana Autor: Carlos Mauricio Castro.
P
rezado aluno, em aulas anteriores foram abordados os tópicos relativos a assuntos que deram a dimensão ampla sobre Teoria Econômica e Formação econômica da Bahia e do Brasil.
Desta forma, não poderíamos deixar de tratar sobre um tema de fundamental importância para um país que cresce e quer se tornar grande, que é o de combater as desigualdades sociais tratadas em aulas anteriores mais precisamente nas aulas de nú-mero 05 e de número 07 em que foram abordadas questões sobre Crescimento e De-senvolvimento Econômico, e sobre as desigualdades existentes no estado da Bahia. Nesta aula, versaremos sobre o papel do negro na formação econômica do Bra-sil, as contradições do processo abolicionista que libertou os escravos sem ter dado a eles as perspectivas de inclusão social e analisaremos as consequências decorrentes deste processo excludente. Trataremos, também, sobre os resultados das ações das chamadas políticas de ações afirmativas ou reparatórias e seus resultados socioeconô-micos que têm
ECONOMIA
por objetivo uma integração mais justa como forma de combater uma das maiores desigualdades ocorridas tanto no Brasil quanto na Bahia. Deste modo, veremos que essas ações nada mais são que uma tentativa de reparação da distorção socioeconômica que ocasionou uma grave exclusão racial. Esse estudo é extremamente importante para entender, de forma mais pontual, a desigualdade entre negros e brancos, e para que possamos ter uma maior dimensão sobre o tema da desigualdade em suas várias faces.
A DESIGUALDADE SOCIAL NO MUNDO E NO BRASIL A desigualdade social é uma questão mundial que assola as nações em diferentes proporções. A desigualdade ainda é uma das maiores preocupações da humanidade e em aulas anteriores aprendemos um pouco sobre um dos principais indicadores para mensurar a desigualdade existente no mundo, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que é periodicamente divulgado pela ONU. Segundo Dias (2010, p. 188), “a expressão ‘desigualdade social’ descreve uma condição na qual os membros de uma sociedade possuem garantias diferentes de ri-queza, prestígio ou poder.” Para o autor, a “igualdade é uma impossibilidade social”, pois do mesmo modo que toda sociedade possui indivíduos com diferenças de idade, sexo, força, inteligência, beleza etc., as comunidades também apresentam diferenças de oportunidades. Entender o pensamento de Karl Marx é de extrema importância para compreender a origem das desigualdades dentro do sistema capitalista. Para Marx, a questão da análise das classes é o elemento central ao se avaliar os indivíduos. Para ele, a sociedade capitalista tem como regente a relação existente entre o capital e o trabalho assalariado. No entender de Marx existem duas classes fundamentais nesta relação: os ca-pitalistas personificados na burguesia e o proletariado que são os trabalhadores as-salariados. Essas duas classes, ao mesmo tempo em que se opõem, se complemen-tam, pois uma não existe sem a existência da outra. No entanto, ambas vivem sob um constante conflito que contrapõe interesses e formas de enxergar o mundo. Marx considera que a estrutura de classes na sociedade capitalista é o próprio movimento interno desta estrutura e que a oposição entre a burguesia e o proletariado é a base da transformação social. A esta oposição e divergências e a busca pela prevalência do direito de um acima do outro é chamada “luta de classes”. Essa luta não é travada em movimentos somente violentos e com confrontos armados, mas cotidianamente nos procedimentos institucionais, políticos, policiais, legais e ilegais dos quais as classes dominantes se utilizam para manutenção do status quo, ou seja, a manutenção dos privilégios. A finalidade desse embate era determinar a organização do processo de trabalho e da forma de dividir socialmente a riqueza gerada pelo processo de produção pelo lado dos burgueses e de combater essas desigualdades distributivas, a exploração, a dominação, e as injustiças sociais por parte dos trabalhadores. Outra questão importante para entender a desigualdade moderna é a compreensão do chamado processo de globalização. Esse processo é associado à chamada quebra das fronteiras de produção e de consumo entre as nações e traz também consigo a intensificação das desigualdades e o distanciamento entre países mais ricos e mais pobres, aumentando, assim, o fosso entre essas nações. As nações mais frágeis, que não têm condições competitivas, acabam por se tornarem reféns de produtos manufaturados de países industrializados e transferem parte significativa de suas rendas, nas relações desiguais de trocas, para as nações desenvolvidas, acentuando as desigualdades, transferindo postos de trabalho e criando dependência tecnológica e disparidades econômicas graves.
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AULA 8 - ANÁLISE DA QUESTÃO DA DESIGUALDADE E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DOS NEGROS NA ECONOMIA BRASILEIRA E BAIANA
Outro fator que tem contribuído para a intensificação das desigualdades, in-clusive em nações em que existe um menor distanciamento entre ricos e pobres, tem sido o desmonte das funções sociais do Estado, vivenciada em países em que o cha-mado Welfare State ou Estado de Bem Estar Social era praticado, com intuito de manter condições sociais mais adequadas e justas aos cidadãos. A justificativa para a desarticulação dessas políticas é a atual crise fiscal vivida em grande parte pelas nações da Europa, abalada pela crise econômica mundial que desarticulou as economias desenvolvidas e que, até os dias de hoje, deixou suas sequelas. Uma das soluções apresentadas para a solução desta situação são as chamadas medidas de redução de despesas que nada mais são que a adoção de práticas liberais com cortes de gastos em áreas sociais (saúde, educação, previdência social etc.), além de cortes de empregos nos quadros do próprio Estado nestas nações. A atual conjuntura social e econômica no mundo tem se mostrado desfavorável quando se avalia a distribuição do resultado social da produção nos países mais desenvolvidos. Essas nações, inclusive, tinham nos seus indicadores sociais um modelo a ser copiado e perseguido por parte dos demais países. O que se enxerga hoje é uma mudança na distribuição da riqueza gerada no mundo e na criação de postos de trabalho em nações que até trinta anos atrás não figuravam em indicações de preferência por parte de investidores estrangeiros. Isso seria positivo para as nações que receptam estes postos de trabalho, se isso também não viesse com a precarização dessas funções bem como a mobilidade desses postos que se vão à medida que os incentivos fiscais (tributários) acabam ou à medida que outras nações oferecem vantagens melhores e custos de produção menores. No Brasil, a desigualdade é multifacetada e ainda é uma barreira a ser trans-posta. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2011, o indicador de desenvolvimento humano brasileiro é de 0,718, (numa escala de zero a um), e coloca o Brasil atualmente na 84ª posição no ranking medido pela organização das nações unidas. Ainda que tenhamos algumas percepções positivas a respeito desses números, já que o Brasil tem subido no ranking, ainda temos muito a resolver em relação a esses indicadores, e muitos passivos sociais a serem combatidos, já que nossos in-dicadores internos nos estados e municípios brasileiros nos trazem um país totalmente desigual. O relatório mais recente com o IDH dos estados brasileiros foi publicado em 2010, com os dados do Censo 2007-2009. Segundo o site brasileiro do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (http://www.pnud.org.br/ IDH/IDH. aspx?indiceAccordion=0&li=li_IDH), o Censo com os dados de 2010 serão publicados em 2013. Vejamos, a seguir, a tabela de IDH divulgada dos estados brasileiros para compararmos essa dimensão.
109
ECONOMIA
Distrito Federal
0,900
Rondônia
0,784
Santa Catarina
0,860
Roraima
0,782
São Paulo
0,857
Pará
0,782
Rio de janeiro
0,852
Acre
0,780
Rio Grande do Sul
0,847
Sergipe
0,770
Paraná
0,846
Bahia
0,767
Mato Grosso do Sul
0,830
Rio Grande do Norte
0,753
Minas Gerais
0,825
Paraíba
0,752
Goiás
0,824
Ceará
0,749
Espírito Santo
0,821
Pernambuco
0,742
Mato Grosso
0,808
Piauí
0,740
Amapá
0,800
Maranhão
0,724
Amazonas
0,796
Alagoas
0,722
Tocantins
0,784 Tabela 1 - IDH por Estados Brasileiros
FONTE: ELABORAÇÃO DO AUTOR ( DADOS ORIUNDOS DO PNDU - SISTEMATIZADOS PELA SEI).
A tabela demonstra os indicadores de desenvolvimento humano dos estados brasileiros, que leva em consideração alguns aspectos da vida dos brasileiros, desde o nascimento até a expectativa média dos anos de escolaridade e renda nacional bruta per capita. Deste modo, percebe-se que o Brasil possui várias contradições em suas regiões. Temos vários “Brasis”. Podemos afirmar isso através dos indicadores de desenvolvimento humano brasileiro, sinalizados nessas duas tabelas. Os dados nos dão uma dimensão destas contradições contidas a partir das distinções desses índices, bem como uma qualidade de vida totalmente distinta em regiões da federação. É importante ressaltar que são nas regiões norte e principalmente nordeste do país que estão os piores indicadores, tendo os estados do Maranhão e Alagoas os piores indicadores do IDH no país.
Região Sul
0,850
Região Sudeste
0,847
Região Centro-Oeste
0,838
Região Norte
0,786
Rgião Nordeste
0,749
Tabela 2 - IDH por Regiões do Brasi FONTE: ELABORAÇÃO DO AUTOR (DADOS ORIUNDOS DE PNDU - SISTEMATIZADOS PELA SEI).
O mapa a seguir também nos dá uma dimensão visual do IDH disperso entre as várias regiões do Brasil, avaliando a partir do desempenho de IDH entre estados que têm um nível de IDH elevado, médio alto e médio baixo, de acordo com os indicadores de desenvolvimento humano apurados pela Organização das Nações Unidas. 108
AULA 8 - ANÁLISE DA QUESTÃO DA DESIGUALDADE E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DOS NEGROS NA ECONOMIA BRASILEIRA E BAIANA
Figura 1 - Figura construída pelo autor com base nos dados da tabela 15 FONTE: IBGE (2007)
Os indicadores acima expostos nos trazem uma clara dimensão da concentra-ção das desigualdades dispersas entre as várias regiões do país. Estudaremos a seguir como a formação econômica do Brasil contribuiu para acentuar as desigualdades ra ciais e sociais do país.
A FORMAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA A PARTIR DA OCUPAÇÃO TERRITORIAL ESCRAVISTA E DE IMIGRAÇÃO No Brasil, o elemento racial está estreitamente conjugado à questão da formação econômica da sociedade brasileira. A escravidão já era uma prática existente e recorrente no continente africano desde a antiguidade, e ela ocorria por motivações variadas, tais como: ter sido prisioneiro de guerra, punições por crimes, pagamento de dívidas etc. A partir do século XV é configurado um novo modelo de escravidão com características mais capitalistas na sua estrutura, já que uma das principais finalidades era o acúmulo de riquezas decorrentes desta “prática econômica”. Este tipo de atividade ganha um substancial impulso quando os europeus começam a entrar intensamente nesta empreitada. O interesse do lucro resultante deste “comércio humano” e que se consistia fundamental para a acumulação de capital era a justificativa para os chamados negócios escravos. De acordo com Klein (1987), mais de onze milhões de escravos entre homens, mulheres e crianças foram capturados e levados compulsoriamente para as regiões intituladas de “novo mundo” entre os séculos XVI e XIX. Sendo que nesse período, o Brasil foi o território que mais recebeu escravos africanos (cerca de 40% do contingente de negros), sendo o último país a abolir a escravidão. A justificativa para tal volume de escravos no território se explica pelo modelo de exploração da colônia portuguesa. A necessária ocupação espacial do território, constantemente ameaçado por invasores estrangeiros, e as motivações econômicas da metrópole que necessitava obter retornos imediatos da empreitada colonial, incentivaram Portugal a agir com mais celeridade na sua ocupação nas terras brasileiras. O primeiro grande produto brasileiro que cumpria a missão de exploração agrícola foi a produção açucareira, que cumpria na verdade duas grandes finalidades. A primeira era a missão territorial e 109
ECONOMIA
estratégica, visto que o cultivo da cana-de-açúcar exigia um adequado contingente de Portugueses na colônia e também exigia um grande número de trabalhadores para o seu cultivo. O segundo era por uma motivação econômica, o açúcar era um produto caro e totalmente aceito na Europa, gerando lucros imediatos para Portugal, que passava neste período por uma crise econômica decorrente de excessivos gastos nas ações exploratórias e que carecia de recursos para tocar os seus projetos. Desta forma, a cana de açúcar propiciou a resolução desses problemas enfrentados pela metrópole portuguesa e, como podemos observar dessas características, os escravos caíram como um elemento de solução para resolução do problema da mão de obra inexistente em Portugal de acordo com o modelo de produção escolhido. Geograficamente, dentro destas escolhas, o norte e o nordeste do territorial co-lonial foram as regiões escolhidas e as capitanias de Pernambuco e da Bahia foram as mais importantes, pois reuniam as características apropriadas em relação à qualidade do solo e à posição estratégica de proximidade com a metrópole para o escoamento da produção e da riqueza por ela gerada. A atividade produtiva colonial tinha, então, a mão de obra escrava como elemento essencial para garantir a geração de riquezas e os lucros decorrentes da atividade econômica colonial. Assim sendo, durante um longo período da história econômica brasileira, os escravos cumpriram essa missão e mesmo com o declínio da produção açucareira, eles continuaram servindo para outras atividades, como a mineração e a produção do café que também tiveram os seus momentos de apogeu nos ciclos econômicos do Brasil, tempos mais tarde. Deste modo, percebe-se que a atividade de escravização africana atendeu a alguns interesses, tais como: o de amenizar os conflitos entre os missionários jesuítas e os senhores de engenhos; solucionar economicamente o problema da mão de obra; garantir uma fonte de lucro adicional para a metrópole portuguesa com a atividade de comércio dos escravos que era intensa e que atingia várias regiões e povos africanos, como ilustra a figura a seguir.
Figura 2 - Atlas Histórico do Brasil FONTE: CAMPOS (1998, P.9).
As condições dos escravos africanos eram as piores possíveis. O martírio começava no próprio aprisionamento já que eram caçados como animais e fugiam para o interior do continente para 112
AULA 8 - ANÁLISE DA QUESTÃO DA DESIGUALDADE E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DOS NEGROS NA ECONOMIA BRASILEIRA E BAIANA
tentar escapar desta possibilidade. Os que eram aprisionados eram encaminhados ao chamado novo mundo em embarcações conhecidas como navios negreiros em uma longa viagem de dois meses, amontoados em porões em terríveis condições higiênicas e alimentares. Uma grande parcela desses escravos perecia durante essa viagem, os que chegavam vivos eram desembarcados e vendidos de maneira dispersa por grupos a fim de evitar identidade comum por parte de grupos de mesma região. Após chegarem em solos brasileiros, os escravos eram comercializados como mercadorias pelos senhores de engenho, iniciando uma nova tortura, já que além de todo esse sofrimento pelo qual passaram anteriormente, os escravos que não se enquadrassem na empreitada estabelecida pelos seus “proprietários” sofriam maus tratos e torturas, pois trabalhavam sobre o rígido controle dos representantes dos senhores de engenho. Pode-se constatar que a situação dos escravos era terrível. Entretanto, mesmo com todas essas adversidades e fugindo ao rótulo de passivos, que durante muito tempo prevaleceu na história oficial brasileira, vários grupos resistiram e se rebelaram contra toda essa situação de opressão, realizando fugas, incêndios, rebeliões; alguns inclusive se agrupando em acampamentos intitulados de quilombos que continham vida social e econômica próprias. O mais famoso de todos esses quilombos foi o quilombo de Palmares, na Serra da Barriga, atual estado de Alagoas, liderado pelo grande líder Zumbi dos Palmares, o maior personagem da resistência e das lutas contra a escravidão negra no Brasil e que, abrigado neste quilombo, conseguiu desenvolver no início do século XVII uma comunidade composta por aproximadamente mais de 20.000 negros, e que era autossuficiente e produtora de milho, mandioca, cana-de-açúcar, entre outras culturas, e que durante um bom período chegou a comercializar seus excedentes com regiões vizinhas. Palmares resistiu por várias décadas e conseguiu derrotar diversas expedições militares realizadas por holandeses, portugueses e fazendeiros que viam a comunidade como uma ameaça aos seus negócios. Por fim, em 1695, uma expedição comandada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho derrotou o quilombo de Palmares. Zumbi foi assassinado no dia vinte de novembro, e sua cabeça foi levada como troféu para Recife, já sob domínio da metrópole portuguesa. Entretanto, o advento de Palmares foi o prenúncio do declínio do modelo de sociedade escravista que existia até então. O declínio do modelo escravista iniciou a partir do século XIX, mesmo com a so-ciedade brasileira mantendo sua ordem econômica baseada neste modelo e a aristo-cracia mantendo uma cultura baseada nestas relações escravocratas. O mundo passa-va por transformações importantes e os ingleses, que, durante um bom tempo, foram os principais beneficiários deste tipo de atividade, foram os primeiros a tentarem con-vencer o mundo da necessidade de supressão do modelo escravocrata. Logicamente, o interesse primordial seria, basicamente, econômico, todavia o discurso tinha um viés humanitário já que o fim dessa prática se reverteria em capital que traria benefícios para a indústria britânica, e além do mais, os ingleses estavam também interessados em manter a mão de obra nos seus empreendimentos coloniais no continente africano. Os ingleses pressionaram de várias maneiras e dada a existência da manuten-ção do tráfico negreiro, eles radicalizaram instituindo o decreto Bill Aberdeen em 1845, que era uma lei que autorizava a marinha inglesa a prender qualquer navio negreiro que traficasse escravos no Atlântico, não importando a nacionalidade da embarcação e a julgar os traficantes de acordo com as leis inglesas, mesmo que se confrontasse com as leis brasileiras. Lembramos que a Inglaterra estava em pleno processo de revolução industrial e neste período vigorava com força o chamado liberalismo econômico. Em alinhamento com essa forma de pensar, o governo inglês combateu o tráfico negreiro, já que este modelo ia contra o livre comércio e contra o trabalho livre. Além do mais, o trabalho escravo aumentava os custos dos produtos coloniais ingleses e desta forma justificava-se o grande empenho dos ingleses para encerrar as práticas de trabalho escravo no Brasil. Internamente, o governo imperial 113
ECONOMIA
reconhecia a superioridade militar e econômica dos ingleses, entretanto, sofria imensa pressão interna já que os que se utilizavam do trabalho escravo sabiam que o fim do tráfico também definiria o próprio fim da escravidão como modelo interno de produção. Nesse período, o Brasil já vivia um paradoxo, o governo pretendia fazer uma transição lenta para o trabalho escravo do presente, que era hegemônico, para o trabalho livre do futuro. Contudo, a sociedade brasileira já convivia com suas contradições internas, de um lado no campo um país predominantemente agrário, por outro, um modelo urbano liberal e capitalista, o que efetivamente não combinava com o modelo da mão de obra escrava. Em 1850, dado o grande contingente de escravos africanos em território brasi-leiro, é aprovada a Lei Eusébio de Queirós que na prática abolia o tráfico de escravos vindos do continente africano e que servia também para minimizar o temor por revoltas internas. Após a aprovação dessa lei, efetivamente, o governo passa a agir de maneira mais direta para repressão e supressão do tráfico e a instituição do chamado trabalho livre. Apesar de essa lei se constituir um avanço, na prática, isso atinge de maneira direta a economia brasileira, que carecia de mão de obra dentro do projeto de produção nacional que sempre esteve intimamente ligado a uma produção que se voltava para lógica de dentro para fora. Neste sentido, a extinção do tráfico foi o primeiro forte golpe na cafeicultura, pois limitava a possibilidade de expansão da produção desse produto, importante no ciclo econômico nacional. Para resolução deste problema, estimulou-se a vinda de trabalhadores estran-geiros para o Brasil que, em substituição aos escravos, cumpririam a mesma missão, a de possibilitar a expansão das fronteiras produtivas do modelo de grandes extensões de terra necessárias nos modelos açucareiro e cafeeiro, todavia, com um ingrediente novo, que é a remuneração pela execução das atividades. A criação do chamado “tra-balho assalariado” surge em substituição ao modelo escravocrata, até então vigente, criando, assim, uma nova dinâmica das relações internas de produção nacional. Outras iniciativas legais são aprovadas nos rumos da finalização da escravidão, uma delas é a chamada Lei do Ventre Livre de 1871, que determinou que em face à pressão da sociedade pelo fim da escravidão, todos os filhos de escravos nascidos no Brasil estariam livres a partir daquele momento. Na prática, os barões do café ainda assim continuavam reativos a qualquer tipo de lei que fosse contrária aos seus inte-resses, e o Brasil ainda era um dos últimos países do mundo a conviver com modelo de produção com uso de mão de obra escrava dentro das suas fronteiras. Chegamos à beira do século XX e ainda convivíamos com esse modelo arcaico e desumano. Foi justamente esse processo de produção econômica do Brasil que propiciou o alto nível de desigualdades sociais e raciais nas regiões norte-nordeste e sul-sudeste. Enquanto o nordeste continuava com a mão de obra escrava, mesmo após a abolição, as regiões sul e sudeste receberam os imigrantes de vários países, que recebiam salários pela sua mão de obra. Deste modo, é fácil compreender o alto nível de concentração dos negros na região nordeste, por exemplo, assim como os altos índices de desigualdades e oportunidades. O tópico a seguir versará sobre a desigualdade social e de oportunidades enfrentadas pelos negros no Brasil em decorrência da formação da mão de obra e da população do país.
A DESIGUALDADE ENTRE BRANCOS E NEGROS E AS CON-TRADIÇÕES DO PROCESSO ABOLICIONISTA E DE INCLUSÃO SOCIAL No Brasil, o elemento racial está intimamente ligado à questão da desigualdade. O Brasil foi, entre os séculos XVI e XIX, um dos maiores receptadores de escravos africanos, sendo responsável
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AULA 8 - ANÁLISE DA QUESTÃO DA DESIGUALDADE E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DOS NEGROS NA ECONOMIA BRASILEIRA E BAIANA
aproximadamente por cerca de 40% do contingente de negros vindos do continente africano. O trabalho escravo explorado pelos colonizado-res europeus contribuiu muito para que os negros enfrentassem posição social política e econômica inferior aos dos outros grupos da população. Após a abolição, o negro não foi tão favorecido como é divulgado em alguns livros de história. Como conseguir crescer financeiramente e viver de forma digna se poucos conquistavam o mercado de trabalho remunerado? Muitas escravas, por exemplo, continuavam nas casas em troca de moradia e comida. A sociedade via os ex-escravos como sujeitos não dignos de oportunidades iguais aos dos brancos. O preconceito cresceu, pois a sociedade não admitia que ex-escravos tivessem as mesmas oportunidades e frequentassem os mes-mos lugares que eles, que se julgavam de raça superior e privilegiada. Deste modo, é fácil notar que os negros, embora não fossem mais escravos, continuavam em posição de imenso desprestígio. Como fazer com que eles integrassem a população economicamente ativa se não lhes eram dadas oportunidades de trabalho de remuneração digna e justa? Os negros continuavam à margem da comunidade e desenvolviam atividades que não eram de interesse dos brancos, como cozinheiros, carregadores de água, serviçais domésticos e agrícolas em lavouras ainda exploradas pelos colonizadores e, posteriormente, pelos coronéis e latifundiários. A história avançou e a sociedade pouco fez para que a situação econômica social do negro fosse alterada. Os tempos modernos chegaram e poucos (em relação ao número de brancos) foram os negros que conseguiram se destacar e vencer econo-micamente. Deste modo, a população negra continuou exercendo as funções menos almejadas pelo restante da sociedade. Poucos tinham acesso à educação básica e mui-to menos à universidade. Os gráficos abaixo, já em uma época mais recente, ilustram como os negros continuam enfrentando desigualdade de escolaridade.
Figura 3 - Taxas de analfabetismo FONTE IBGE (2007). GRÁFICOS DE PRODUÇÃO DO AUTOR.
Ao analisar os gráficos, é possível observar que a maior taxa de analfabetismo da população está entre os negros, afirmando a herança desigual de oportunidades ao longo da história da formação econômica e social da população brasileira. Percebe-se que a classe branca dominante preferiu (e, infelizmente, ainda prefere) fechar as portas que pudessem colocar os negros e muitos mulatos em patamar de igualdade ao dos brancos. Deste modo, o negro não conseguia emprego porque não tinha educação e não podia criar e educar seus filhos porque não possuía trabalho. O “acorrentamento” do passado continua maltratando e deixando os negros em situação de inferioridade em muitos níveis da sociedade, embora alguns críticos acreditem que os negros não sofrem discriminação racial, mas sim de classe social. Fica aí uma questão para reflexão e discussão. A tabela a seguir demonstra a taxa de analfabetismo por faixa etária e a região de acordo com o Censo mais recente.
113
ECONOMIA
POPULAÇÃO NEGRA CARACTERÍSTICA
POPULAÇÃO TOTAL
TOTAL
15 A 29 ANOS
30 A 64 ANOS
65 ANOS E MAIS
TOTAL
15 A 29 ANOS
30 A 64 ANOS
65 ANOS E MAIS
Norte
10
2
12
42
9
2
10
39
Nordeste
21
6
24
57
19
5
22
51
Sudeste
8
2
8
33
6
1
5
21
Sul
10
2
10
39
5
1
5
20
Centro-Oeste
9
1
10
43
8
1
8
35
Brasil
13
3
15
45
10
2
10
31
REGIÃO
Tabela 3 - Taxa de analfabetismo da população de 15 anos por faixa etária e região - 2009 FONTE: ELABORAÇÃO DO AUTOR (DADOS1 ORIUNDOS DO OBSERVATÓRIO DO NEGRO (2012).
A miscigenação do povo brasileiro fez com que os mulatos e pardos disfarças-sem o preconceito, e muitos mestiços acabaram por ocupar cargos de confiança e des-taque na sociedade. A população afrodescendente ainda encontra dificuldade para se posicionar na sociedade e exercer cargos de destaque. Esse fato faz com que grandes decisões, como as do legislativo e judiciário, por exemplo, não tenham autores que, por meio delas, definitivamente in-terfiram privilegiem a população afrobrasileira. Desta forma, percebe-se que a desigualdade econômica e social provocada por cor de pele ou por etnia é algo que ainda é presente no país, embora o Brasil seja mundialmente conhecido como nação multirracial. As desigualdades econômicas e sociais são consequências da exclusão e da discriminação social gerada pela história da formação do país. Contudo, os governantes tentam, agora, mudar um pouco essa realidade, e através de políticas públicas procuram promover ações que reparem as desigualdades. Embora o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre tenha defendido a ideia de que o Brasil é um país de mestiços e que o brasileiro não discrimina ninguém pela raça, essa não é a realidade que vivemos. As estatísticas comprovam que a maioria da popu-lação preta e parda do Brasil possui uma qualidade de vida inferior à da porção branca e que os negros continuam com baixos índices de oportunidades de ascensão social. Analise o quadro a seguir e perceba o abismo racial de oportunidades no Brasil no início do século XXI.
ANALFABETISMO
PROPORÇÃO DE POBRES
DOMICÍLIOS COM BANHEIRO E ÁGUA ENCANADA
BRASIL
12,9
32,8
77
Brancos
8,3
22,2
87
Negros
18,3
45,5
65,1
Tabela 4 - Taxas de analfabetismo, pobreza e habitação básica entre brancos e negros. FONTE: ELABORAÇÃO DO AUTOR (DADOS ORIUNDOS DE ESCÓCIA (2010, P.4).
1 Estimativas produzidas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), excluindo o norte Rural.
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AULA 8 - ANÁLISE DA QUESTÃO DA DESIGUALDADE E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DOS NEGROS NA ECONOMIA BRASILEIRA E BAIANA
A desigualdade entre negros e brancos foi tratada anteriormente em vários aspectos, entretanto, foram escolhidas três variáveis práticas: a educação, a renda e o trabalho para continuarmos nossa análise. Essas informações nos permitem ter uma dimensão comparada de como pretos e pardos (que compõem a raça negra) sofrem uma desigualdade social em relação aos brancos. Essas informações tabuladas e comparadas entre brancos e negros no Brasil nos facilitam a compreensão dos desníveis e do distanciamento entre esses dois grupos. A tabela a seguir ilustra dados do último Censo publicado em 2010.
POPULAÇÃO NEGRA CARACTERÍSTICA
POPULAÇÃO TOTAL
TOTAL
15 A 29 ANOS
30 A 64 ANOS
65 ANOS E MAIS
TOTAL
15 A 29 30 A 64 ANOS ANOS
65 ANOS E MAIS
Norte
68
63
78
20
68
63
78
20
Nordeste
67
66
76
27
66
65
75
25
Sudeste
71
73
77
21
68
73
76
18
Sul
72
75
78
23
72
75
79
25
Centro-Oeste
73
72
79
28
72
71
79
27
Brasil
69
69
77
24
69
70
77
22
REGIÃO
Tabela 5 - Tabela 18 - Participação dos negros no mercado de trabalho FONTE: ELABORAÇÃO DO AUTOR (DADOS ORIUNDOS DO OBSERVATÓRIO DO NEGRO (2012)2
O deslocamento de classes, conhecido também como mobilidade social, é uma forma de permitir que oportunidades se tornem de fato mudanças e que permitam o acesso a condições que antes não eram possíveis, com alguns pré-requisitos que anteriormente eram bloqueados por esses grupos sociais. Para alterar essa situação, é necessário que se conheça, com o maior rigor, todas as “faces” dessas diferenças. Desta forma, pode-se, a partir das informações sobre escolaridade, renda e postos de trabalho, traçar uma reflexão e observar se efetivamente tem ocorrido, de verdade, alguma mudança na estrutura social do Brasil, no que se refere a aspectos de raça, a partir de políticas encampadas pelo governo para minimizar a distância entre brancos e negros no país. Inicialmente, vamos observar comparativamente as informações sobre a perspectiva da educação, mais precisamente sobre a alfabetização no país, comparando dados de 1995 a 2006 sobre a população alfabetizada. Podemos perceber, a partir do gráfico a seguir, a redução do número de analfabetos no país. Essa é uma informação positiva, entretanto, há ainda um grande número de pretos e pardos analfabetos em comparação com o número de brancos para esta mesma situação. Esses dados não são tão satisfatórios assim, visto que a partir desta tendência, imagina-se uma clara distinção de raças no que se refere à alfabetização. Isso nos leva a concluir que, em longo prazo, essa distinção se reproduza em estágios posteriores da educação, refletindo-se para os níveis fundamental, médio e superior. Vejamos o gráfico que representa essa análise.
2 Estimativas produzidas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), excluindo o norte Rural.
113
ECONOMIA
Figura 4 - População residente de 15 anos ou mais, analfabeta, segundo o grupo de cor ou raça (branca e preta & parda), Brasil, 1995 e 2006 (em número de pessoas). FONTE: RELATÓRIO ANUAL DAS DESIGUALDADES NO BRASIL; 2007- 2008 (UFRJ).
Outra informação importante sobre educação diz respeito à taxa de alfabetiza-ção funcional que é produzida a partir dos primeiros anos de educação e que permite a inserção de pessoas no mercado de trabalho. Para essa taxa percebe-se uma evolu-ção maior de pretos e pardos em relação à evolução para brancos. Essa transformação é positiva para diminuir a distância existente entre as raças. Contudo, é necessário sa-lientar que a evolução dessa taxa não determinará uma condição de vida melhor para os negros em longo prazo, pois a capacidade evolutiva educacional é influenciada por fatores internos e externos à estrutura da educação, como por exemplo, a evasão es-colar devido à necessidade de trabalhar para sobreviver. Isso pode ser evidenciado quando se compara o tempo de permanência entre as raças nas escolas. Isso pode ser percebido no gráfico a seguir, que ilustra de maneira bem clara o tempo de permanên-cia desses dois grupos na escola. O tempo das pessoas nas escolas também determina uma perspectiva de inserção no mercado de trabalho.
Figura 5 - Evolução da taxa de alfabetização funcional da população residente (15 anos ou mais), segundo os grupos de cor ou raça (branca e preta & parda), Brasil, 1995-2006 (em %). FONTE: RELATÓRIO ANUAL DAS DESIGUALDADES NO BRASIL; 2007- 2008 (UFRJ).
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AULA 8 - ANÁLISE DA QUESTÃO DA DESIGUALDADE E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DOS NEGROS NA ECONOMIA BRASILEIRA E BAIANA
O próximo gráfico ilustra a quantidade de anos em que pessoas de quinze anos de idade, de diferentes raças, permanecem na escola. Os dados comprovam que os pretos e pardos passam menos tempo na escola do que os brancos. Isso ocorre devido ao fato de os pardos e pretos precisarem, mais do que os brancos, evadir da escola para trabalhar e ajudar a sobrevivência da família, uma vez que as oportunidades são diferenciadas.
Figura 6 - Anos de estudo da população residente de 15 anos de idade ou mais segundo os grupos de cor ou raça (branca e preta & parda), Brasil, 1995-2006 (em anos de estudo). FONTE: RELATÓRIO ANUAL DAS DESIGUALDADES NO BRASIL; 2007- 2008 (UFRJ).
Ainda sobre educação, é importante salientar o atual estágio evolutivo da educação superior no Brasil. É inegável a contribuição das políticas sociais de ações afirmativas no país para a redução da distância social entre negros e brancos no Brasil. Essas políticas começaram a ser aplicadas há algum tempo e já podemos observar transformações importantes, embora tímidas, quando comparamos os números de brancos e negros com nível superior. O gráfico abaixo ilustra com maior clareza a situação descrita.
Figura 7 - Evolução de pessoas com Nível Superior Completo por Raça (%). FONTE: IBGE: SÍNTESE DE INDICADORES SOCIAIS, 2007.
Quando observamos a evolução da participação de negros em instituições de educação superior públicas, percebe-se ainda um déficit proporcional ao número total de negros que compõe a população dos estados em relação ao número de negros que entram nas universidades públicas. Analisemos o caso do estado da Bahia. A tabela a seguir informa que os negros representam 74,95% da população do estado, mas ape-nas 42,6% de negros ocupam as vagas das universidades federais sediadas na Bahia. 113
ECONOMIA
UFRJ
UFPR
UFMA
UFBA
UNB
USP
Branca
76,8
86,5
47
50,8
63,7
78,2
Negra
20,3
8,6
42,8
42,6
32,3
8,3
Amarela
1,6
4,1
5,9
3,0
2,9
13,0
Indígena
1,3
0,8
4,3
3,6
1,1
0,5
% de Negros no Estado
44,63
20,27
73,36
74,95
47,98
27,4
Déficit
24,33
11,67
30,56
33,55
15,68
18,94
Tabela 6 - Distribuição dos estudantes, segundo a cor (UFRJ, UFPR, UFMA, UFBA, UNB e USP)-2001 FONTE: GUIMARÃES (2003, s.p.).
Deste modo, podemos concluir que, embora a taxa de inserção dos negros nas faculdades tenha aumentado, ela continua baixa na Bahia, se levarmos em consideração que a maior parte da população do estado é composta por negros e não por brancos. Isso nos leva a perceber que, embora em minoria, os brancos ocupam a maior parte das vagas do ensino superior do estado. O fato de haver um menor número de negros com formação superior em relação aos brancos afeta diretamente na questão das oportunidades de emprego qualificado. O emprego é outra variável muito significativa quando observamos a desigualdade entre negros e brancos. Os indicadores comparativos de ocupação e emprego entre brancos e negros no país revelam a desigualdade de maneira bem clara. Vejamos os gráficos a seguir para que possamos entender este cenário.
Figura 8 - Taxa de desemprego segundo cor/raça e sexo – Brasil, 1996-2004. FONTE: IBGE (1996 E 2004).
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AULA 8 - ANÁLISE DA QUESTÃO DA DESIGUALDADE E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DOS NEGROS NA ECONOMIA BRASILEIRA E BAIANA
O gráfico demonstra que o desemprego entre negros é maior que entre os bran-cos, mesmo que comparado em relação ao gênero masculino e ao feminino. O cenário de desigualdade continua no que diz respeito ao rendimento médio da população entre as raças. A tabela 21 ilustra que, em todas as regiões do Brasil, os pretos e pardos possuem salários inferiores aos dos brancos. Já a tabela 22 demonstra a evolução da renda entre brancos e negros, homens e mulheres. Ao analisarmos essa evolução, percebemos que há uma grande diferença, não somente entre os salários em si, mas também no próprio processo de aumento. Um destaque especial para a questão das mulheres negras, que de acordo com os dados da tabela, são as que possuem menores salários.
REGIÕES
BRANCOS
PRETOS E PARDOS
Norte
801,51
502,01
Nordeste
610,80
363,41
Sudeste
1.124,71
608,46
Sul
882,53
548,46
Centro-Oeste
1.140,11
694,12
Tabela 7 - Rendimento real médio mensal da PEA residente ocupada segundo os grupos de cor ou raça (branca e preta & parda) nas regiões geográficas do Brasil (em R$, set. 2006) FONTE: RELATÓRIO ANUAL DAS DESIGUALDADES NO BRASIL; 2007- 2008 (UFRJ).
113
ECONOMIA
1.326,1
1996
1.339,3
1997
1.315,9
1998
1.211,5
1999
1.212,2
2001
1.177,5
2002
1.118,5
2003
1.096,1
2004
1.139,2
2005
1.238,2
2006
1.278,3
2007
COR/ RAÇA
Branca
649,0
Masculino
797,1
611,7
778,3
436,5
569,9
717,6
402,1
540,2
673,9
364,2
514,6
666,4
348,7
565,4
724,8
336,1
566,0
732,8
355,1
551,2
714,3
356,7
586,2
759,9
330,7
594,2
750,9
353,5
599,0
753,3
343,4
Negra1
Branca
357,9
Feminino
Negra1
Nota: (1) A população negra é composta de pardos e pretos. Obs.: (1) A PNAD não foi realizada em 2000. (2) Em 2004, o PNAD passa a contemplar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
Tabela 8 - Média da renda da ocupação principal por sexo, segundo cor/raça Brasil 1996-2007.
FONTE: IBGE/PNAD (2007).
Após as análises das tabelas, é possível perceber que há de fato um aumento nas oportunidades de escolaridade, emprego e renda dos negros. Fatores estruturais como escola e trabalho têm melhorado para a raça negra devido às políticas afirmati-vas de inclusão social dos afrodescendentes. Isso faz com que mais brasileiros se reconheçam como negros no Brasil, pois eles passam a se sentir mais valorizados e oportunizados. A renda tem crescido mais entre negros e pardos, proporcionando assim algumas mudanças de desigualdade de renda e consequente redução das diferenças econômicas entre as raças. Contudo, as diferenças continuam acirradas. Quando há discussão acerca das políticas de promoção da igualdade dos ne-gros, sempre surge o questionamento: e os brancos pobres? Os críticos que são contras as chamadas “ações afirmativas”
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AULA 8 - ANÁLISE DA QUESTÃO DA DESIGUALDADE E DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DOS NEGROS NA ECONOMIA BRASILEIRA E BAIANA
(ações emergenciais que visam promover oportunidades sociais, econômicas e educacionais para grupos que sofrem de discriminação e intensificar sua aceleração social) defendem que essas ações deveriam favorecer cotas sociais e não raciais, como o caso das cotas para afrodescendentes no ensino superior, pois assim estaríamos presenciando a discriminação dos brancos pobres. A polêmica continua e a população segue discutindo se as cotas raciais são justas ou não, embora o Supremo Tribunal Federal já tenha julgado que as políticas de ações afirmativas não contrariam o princípio de igualdade existente na Constituição Brasileira. É notório o fato de que a implementação das cotas não é e não será a única forma de combater as desigualdades raciais e sociais no Brasil, seja na educação ou em qualquer outra área que permita ascensão social e/ou econômica. O importante é que se criem condições de oportunidades iguais para todos, a começar pela educação básica, educação, saúde e moradia. E a partir de medidas mais igualitárias e menos excludentes, o país poderá sim dizer que é um país sem preconceitos e discriminações. Terminamos aqui as nossas aulas de Conjuntura Econômica. Continue se atualizando sobre economia através de leituras de jornais, revistas e pela internet. Afinal, a Ciência Econômica não é estanque, e os dados das diferentes áreas da economia mudam a cada dia.
SÍNTESE Esta aula tratou sobre a história da desigualdade racial e social do Brasil e a sua interferência nos índices de oportunidades socioeconômicas. Através da contex-tualização histórica foi possível perceber que a posição inferior do negro em grandes partes da sociedade e da economia do país foi oriunda do estabelecimento da mão de obra no processo de produção econômica da nação. Mas, é hoje, no século XXI que se pensa em políticas públicas que possam favorecer os negros e lhes darem melhores condições de vida do país, como as cotas para afrodescendentes no ensino superior.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO De acordo com o que foi tratado nesta aula, responda: o processo de exclusão do negro é oriundo de preconceito racial ou social? Por quê?
LEITURAS INDICADAS AVELAR, Idelber. Sobre algumas vitórias recentes da luta afro-brasileira. Revista Fórum, São Paulo, SP. n° 15 p. 22-23, jun. 2012.
SITES INDICADOS Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI): www.sei.ba.gov.br Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA): www.ipea.gov.br Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): www.ibge.gov.br
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ECONOMIA
REFERÊNCIAS CAMPOS, F; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1998. DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. ESCÓCIA, Fernanda. “Raças ocupam posições díspares e negro sofre mais”. Folha de São Paulo, 3 out 2003. Caderno Especial Qualidade de Vida, p A-4. IN: DIAS, Reinaldo. Introdução à sociologia. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. G1 - São Paulo: Globo notícias, 02.11.2011. Disponível em:‹ http://g1.globo.com/brasil/ noticia/2011/11/ brasil-ocupa-84-posicao-entre-187-paises-no-idh-2011.html. Acesso em: 15 set 2012. GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Acesso de negros às universidades públicas in Cadernos de Pesquisa n° 118, São Paulo, 2003. IBGE - Disponível em: ‹http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 15 set 2012. KLEIN,Herbert. Tráfico Negreiro. In: Estatísticas Históricas do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1987, p. 60. OBSERVATÓRIO DO NEGRO. Disponível em ‹ http://www.observatoriodonegro.org.br>. Acesso em: 24 out 2012. RDH - 2011 - Sustentabilidade e Equidade um Futuro Melhor para todos - PNUD. Disponível em: ‹http://hdr. undp.org/en/media/HDR_2011_PT_Complete.pdf>. Acesso em: 16 out 2012. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. O PIB da Bahia: 30 anos em Análise. Série de Estudos e Pesquisas. Salvador: SEI, nº 72, 2006. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Economia Brasileira e Baiana no pós-Real. Revista Bahia Análise & Dados. Salvador: SEI, nº 4, v. 16, 2007. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Revista Conjuntura & Planejamento. Salvador: SEI, 2008.
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