G estão Estratégica de Pessoas
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D436g
Derner, Dália Gestão estratégica de pessoas. / Dália Derner. – Salvador: UNIFACS, 2013. 313 p.; 18,3 x 23,5cm. ISBN 978-85-87325-77-8 1. Administração de pessoal. 2. Planejamento estratégico. I.Título. CDD: 658.3
S umário ( 1 ) Gestão
Estratégica de Pessoas como Alinhamento Sistêmico, 13 1.1 Fundamentos de gestão estratégica de pessoas , 16 1.2 Abordagens: contingencial, universalista e cultural , 23 1.3 Atuação estratégica de RH e o modelo de diagnóstico , 26 1.3.1 Diagnóstico das condições de negócio, 28 1.3.2 Planejamento Estratégico de Pessoas, 30 1.3.3 Planejamento das atividades e dos processos de gestão de pessoas , 33
1.4 Ambiente atual da gestão de pessoas, 38 1.4.1 Dimensão mundo dos negócios, 38 1.4.2 Dimensão mundo do trabalho, 40 1.4.3 Dimensão cultura e clima organizacional, 50
( 2 ) Gestão
Estratégica de Pessoas como Potencial Competitivo, 57 2.1 Vantagem competitiva e gestão de pessoas, 60 2.2 Recursos, competências e capacidades: visão baseada em recursos (RBV) e competências e capacidades dinâmicas , 64 2.3 Aprendizagem organizacional, 75 ( 3 ) Gestão
estratégica de pessoas: perspectivas sobre um novo modelo de atuação, 93 3.1 Antes de começar, 96 3.2 Dos comportamentos às competências, 98 3.3 De alinhamento estratégico à flexibilidade organizacional, 104 3.4 Das culturas organizacionais fortes à diversidade cultural , 107 3.5 Reestruturando a função gestão de pessoas, 110 3.6 Competências para a reestruturação da gestão de pessoas, 124 ( 4 ) Gestão
de Competências, 129
4.1 Antes de começar, 132 4.2 Competência individual, 135
4.3 Competência organizacional, 139 4.4 Gestão das competências, 147 4.5 Gestão por competências, 149 4.6 Mapeamento das competências, 151 4.7 Desenvolvimento de competências, 155 ( 5 ) Gestão
do conhecimento, 169
5.1 Conceitos básicos, 172 5.2 Era do conhecimento e da informação: o contexto das organizações, 174 5.3 Criação do conhecimento: os modos de conversão do conhecimento, 178 5.4 Gestão do conhecimento, 183 5.5 Gestão do conhecimento nas empresas, 187 ( 6 ) Gestão
da mudança, 207
6.1 Antes de começar, 210 6.2 Cultura e mudança organizacional, 213 6.2.1 Artefatos visíveis , 214 6.2.2 Crenças e valores, 214 6.2.3 Pressupostos básicos latentes , 215
6.3 Mudança: um processo planejado, 217 6.4 Modelando oprocesso de mudança/transformação organizacional, 222 6.5 Mudança e a gestão de pessoas, 228 6.6 Líderes como agentes de mudanças, 232 6.7 Resistência à mudança, 234 6.7.1 Contribuição para a identificação e tratamento de lacunas, 236 6.7.2 Identificação dos riscos envolvidos, 236
6.7.3 Estímulo à reflexão e à discussão, 237 6.7.4 Melhoria do relacionamento interpares , 237 6.7.5 Aperfeiçoamento do processo de comunicação , 237 6.7.6 Identificação das necessidades específicas de cada área:, 237 6.7.7 Verificação de alinhamento da mudança com os objetivos estratégicos da empresa, 238
( 7 ) Avaliação
de Resultados em Gestão de Pessoas , 243 7.1 Ideia de resultados em gestão de pessoas, 246 7.2 Retorno do investimento (ROI) em capital humano, 250 7.3 Balanced Scorecard (BSC), 252 7.3.1 Perspectiva de aprendizagem e crescimento, 254 7.3.2 Perspectiva do cliente ou mercadológica, 254 7.3.3 Perspectiva financeira, 254 7.3.4 Perspectiva dos processos internos, 255
7.4 BSC aplicado à função gestão de pessoas, 256 7.5 Avaliando ativos intangíveis, 267 7.6 BSC no Brasil , 271 7.6.1 Indicadores de desempenho da perspectiva de aprendizagem e crescimento por grupo de ativo intangível , 272
( 8 ) Gestão
da Diversidade, 279
8.1 Antes de começar , 282 8.2 Diversidade no Brasil, 283 8.3 Diversidade nas organizações, 285 8.4 Ação afirmativa no Brasil, 290 8.5 Diversidade e diversidade cultural: alguns conceitos , 293 8.6 Abordagens tradicionais de tratamento à diversidade, 299 8.7 Gestão da diversidade cultural (GD), 301 8.8 Modelos para a gestão da diversidade, 305
(1)
G estĂŁo estratĂŠgica de pessoas como alinhamento sistĂŞmico
Profª Ms. Dália Derner
O bjetivos • Apresentar a evolução dos pressupostos da gestão estratégica de pessoas em termos dos conceitos e da visão subjacentes. • Analisar os fundamentos da gestão estratégica como suporte conceitual para a formulação e a implementação de um modelo de gestão estratégica de pessoas. • Analisar o ambiente da gestão de pessoas, destacando as principais características que assumem papel relevante na concepção e no funcionamento da gestão estratégica de pessoas.
Conteúdo apresentado • Fundamentos de gestão estratégica de pessoas. • Abordagens: contingencial, universalista e cultural. • Atuação estratégica de RH e modelo de diagnóstico. • Ambiente atual da gestão de pessoas.
1.1 F undamentos de gestão estratégica de pessoas O mundo contemporâneo, altamente competitivo e dinâmico, tem exigido das empresas práticas de gestão que as tornem cada vez mais competitivas e voltadas ao mercado. Mudanças de natureza social, econômica e política têm levado as empresas a reverem seus modelos de gestão e os paradigmas que os sustentam. Para Fischer (2002), o paradigma da estabilidade cedeu espaço ao paradigma da transformação organizacional. Neste cenário, a gestão de pessoas tem sido submetida a novos desafios, demonstrando a sua capacidade de agregar valor ao negócio. O conceito de modelo de gestão de pessoas é uma discussão acerca de como essa função é operacionalizada nas
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empresas. É um recurso teórico necessário para analisar as diversas maneiras como a gestão de pessoas acontece em diferentes contextos. De acordo com Albuquerque e Leite (2010), entre 1960 e 1980 foi possível testemunhar mudanças profundas no papel do então chamado “recursos humanos”, que apresentava função predominantemente administrativa. Na década de 1990 foi dada a ênfase à estratégia de negócios e à importância dos sistemas de
RH, inclusive com as discussões sobre as nomenclaturas “fator humano” e “gestão de pessoas”. A partir de 2000 novas reflexões e diálogos acerca de tais mudanças tem ocorrido. Para Wright e Boswell (2002, apud ALBUQUERQUE e LEITE, 2010), a gestão de pessoas pode ser definida de duas formas: 1. Tomando por base uma orientação micro, centrada nas funções de recrutamento, seleção, desenvolvimento, avaliação, remuneração etc. Nessa orientação exploram-se as práticas de gestão de pessoas e seus impactos sobre os indivíduos. 2. Partindo de uma orientação macro, cobrindo as estratégias gerais de gestão de pessoas adotadas pelas empresas e mensurando seus impactos sobre o desempenho. Essa orientação assume caráter mais abrangente e direciona o exame das práticas de gestão de pessoas para o nível organizacional. Os modelos de gestão adotados pelas organizações são sempre únicos, influenciados por conjunturas históricas e específicas a cada empresa. De acordo com Mascarenhas (2008) um modelo de gestão de pessoas traduz uma realidade de múltiplas facetas, que reflete algumas particularidades, gestão, necessidades e oportunidades tecnológicas, conceitos de cultura organizacional etc. Para o autor, um modelo de gestão de pessoas transcende a operação dos tradicionais subsistemas (seleção, treinamento, remuneração etc.) e abrange princípios, conceitos, políticas, práticas e prioridades em uma organização, que fundamentam a definição e a utilização de ferramentas de
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tais como: adoção de ideologias e de modelos consagrados de
gestão para direcionar o comportamento humano no trabalho, incluindo estratégias de ação de gestores e funcionários, líderes e liderados. Segundo Fischer (2002, apud FISCHER, DUTRA, AMORIM, 2010, p. 43) “entende-se por gestão de pessoas a maneira pela qual uma empresa se organiza para gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho”. Para o autor, os modelos de gestão de pessoas são estruturas, processos, sistemas e profissionais especializados que atuam com o objetivo de apoiar a gestão dos contratos psicológicos que predominam em uma empresa. Toda e qualquer empresa depende do desempenho humano para seu sucesso, por essa razão elas desenvolvem e organizam uma forma particular de estimular tal comportamento: seu modelo de gestão de pessoas.
O que é contrato psicológico?
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O contrato psicológico de trabalho caracteriza- se por um conjunto de expectativas que se estabelecem entre o indivíduo e a empresa a respeito das responsabilidades, remuneração, benefícios etc. Este é um fator decisivo no processo de adaptação do indivíduo na empresa e que, no entanto, são geralmente propostos por empresas em forma de modelos estatísticos e limitados, visando um enquadramento homogêneo ao cargo ou função. Estas expectativas e proposições informais ficam encobertas e só emergem em momentos de crise ou intervenções específicas, em programas de mudança organizacional, referentes às respostas psicossomáticas. A empresa tradicional não pretende adaptar o trabalho para o homem e sim este para o trabalho, criandose um hiato cada vez maior entre eles no exigente mundo contemporâneo (Revista de Psicofisiologia, 2000, v3, n2).
Para França (2006, p. 11) “o Contrato Psicológico é um fenômeno psicossocial que ocorre sempre que se constroem vínculos, em que entra em jogo a satisfação de necessidades de duas ou mais partes”. Para Guzzo E Nooan (1994) os contratos psicológicos podem ser entendidos como o conjunto dos termos subjetivos e específicos de cada empregado. Estes termos podem ser elementos concretos (salário, condições de trabalho) ou abstratos (segurança, desafio pessoal) de uma relação de troca entre empregado e empregador. Para os autores os contratos psicológicos podem ser considerados como a cola que liga os empregados às organizações, de tal forma que, quando tal contrato é violado, os empregados podem apresentar queda em seu comprometimento com a organização, além de aumento nas intenções de abandono/demissão e outras formas de desafeto. Dentro deste conceito, de acordo com Fischer; Dutra e Amorim (2010, p. 60) “tudo o que interfere ou influencia nas relações organizacionais – externa ou internamente – pode ser considerado um elemento importante do modelo de gestão de pessoas de uma empresa”. Para Mascarenhas (2008) cada organização pode ser caracterizada por uma configuração única da função gestão de pessoas, baseada em uma cultura e em competências que seriam o resultado do processo histórico de aprendizagem. No entanto, apesar de podermos reconhecer em cada organização um modelo particular de gestão de pessoas, é possível perceber um padrão de práticas adotadas e compartilhadas por diversas incertezas ambientais, são impelidas a copiar práticas adotadas por empresas de prestígio, como um modelo a ser seguido. Snell et al (2005, apud MASCARENHAS, 2008) discutem a evolução da gestão estratégica de pessoas em termos da existência de três modelos teóricos, cada qual caracterizado pela adoção de certas premissas, conceitos e objetivos, conforme pode ser observado no quadro a seguir.
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organizações. Isso ocorre porque as organizações, mediante as
Paradigmas em gestão estratégica de pessoas Paradigmas da gestão estratégica de pessoas
Alinhamento sistêmico
Valores de competitividade
• Integração vertical • Economia de escala • Eficiência e produtividade
• Globalização • Diversificação • Qualidade total e reengenharia
• Competição baseada em conhecimento • Mudança e inovação • Alianças e parcerias
Ênfase da estratégia de RH
• Administração • Tarefas • Cargos
• Implantação da estratégia • Comportamentos • Culturas • Papéis organizacionais
• “Formação” da estratégia • Competências • Conhecimentos, cultura e aprendizagem.
Lógica prevalente
• Análise dos cargos • Dedutiva
• Síntese, integração • Dedutiva
• Transformacional • Indutiva
Parâmetros de planejamento
• Divisão de tarefas • Padronização do trabalho • Estabilidade no emprego • Eficiência • Facilidade de substituição de RH • Minimização dos investimentos
• Alinhamento interno • Alinhamento externo • Sistemas de trabalho de alto desempenho • Configurações • Modelos contingenciais
• Valor estratégico dos recursos • Imitabilidade dos recursos • Criação, transferência e integração do conhecimento. • Agilidade, flexibilidade e alinhamento. • Sistemas complexos de gestão de pessoas
Questões de gestão e avaliação de resultados
• Eficiência (custo por funcionário) • Rotatividade e absenteísmo • Tamanho do departamento de RH
• Sinergia entre práticas • Consenso e divergência • Implantação da estratégia • Desempenho da firma
• Capital intelectual • Capital organizacional • Competências • Balanced Scorecard
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Recursos humanos como potencial competitivo
Adequação indivíduo-cargo
Fonte: Mascarenhas (2008)
De acordo com Mascarenhas (2008), em um primeiro momento prevalecia uma abordagem comportamental, que apontava a necessidade de ajustar o comportamento organizacional às demandas estratégicas. Cada empresa deveria modelar o comportamento organizacional em função das contingências do negócio, o que a levaria a patamares elevados de desempenho. Nesse contexto as pessoas assumiriam papéis organizacionais para a implantação das estratégias, o que imporia o alinhamento estratégico da gestão de pessoas ao objetivo dos gestores de RH. A estratégia implícita a esse paradigma seria o alinhamento entre os requisitos do cargo, as posições hierárquicas e as pessoas que os ocupam. A concepção simplificada de indivíduo e de organização, compreendida por esse modelo, recebeu diversas críticas ao longo do século XX, o que permitiu a definição de bases de modelos mais sofisticados de gestão de pessoas. Em um segundo momento, conforme Mascarenhas (2008), o modelo de gestão estratégica de pessoas se dá em consequência da crescente visão baseada em recursos, de perspectivas baseadas em conhecimento e das noções de aprendizagem organizacional na explicação da vantagem competitiva. Esses referenciais destacam o papel do indivíduo – seus relacionamentos e conhecimento –, as competências organizacionais, a gestão da mudança e a efetividade de sistemas complexos de gestão de pessoas. Gestão Estratégica de Pessoas como Alinhamento Sistêmico
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Saiba mais Visão baseada em recursos (RBV) A visão baseada nos recursos da empresa tem tido grande impacto no pensamento estratégico, além do conhecimento organizacional como um dos mais significativos recursos estratégicos sob as condições competitivas atuais. A origem da teoria dos recursos pode ser encontrada em ideias discutidas nas décadas de 60 e 70, nas quais as empresas eram tidas como conjuntos únicos de recursos produtivos integrados ao longo da história organizacional, detentoras de competências diferenciais a serem exploradas para a geração de vantagem competitiva. O desenvolvimento dessa corrente estratégica se intensificou a partir da década de 80, tornando-se, em 2000, um corpo teórico central no campo da estratégia empresarial. A teoria dos recursos busca entender a diferença de performance entre as empresas. Sugere que se encontre a fonte de vantagem competitiva, primariamente no conjunto de recursos e competências controladas pelas empresas e, secundariamente, na estrutura das empresas nas quais elas se posicionam. Essas ideias deslocam a ênfase dada aos determinantes externos para os determinantes internos na discussão sobre estratégia organizacional. A teoria dos recursos desenvolve-se em duas direções: uma perspectiva centrada nos recursos propriamente ditos e outra baseada nos conceitos de competência e de capacidade dinâmica da empresa.
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Vantagem Competitiva Habilidade de produzir produto ou serviço tido como valioso, de modo que ninguém consiga imita-lo, diferenciando deste modo a organização perante suas concorrentes. Uma empresa ganha vantagem competitiva executando atividades estrategicamente importantes, com menor custo do que a concorrência. Fonte: Mascarenhas, 2008
1.2 A bordagens: contingencial, universalista e cultural Mascarenhas (2008) afirma que foi a partir de 1980 que a gestão de pessoas passou a ser vista como área detentora de capacidade de gerar contribuições significativas para a definição e para o alcance dos objetivos organizacionais estratégicos, abrindo caminho para a perspectiva macro e para a perpetuação do conceito de gestão estratégica de pessoas. De acordo com o autor, o alinhamento estratégico de gestão de pessoas pode ser analisado em duas perspectivas: 1. Alinhamento externo ou vertical, que se refere à adequação do modelo de gestão de pessoas às contingências externas, tais como: objetivos e estratégias organizacionais, desafios do ambiente competitivo, aspectos culturais e sociais em que a organização está inserida. 2. Alinhamento interno ou horizontal, que diz respeito à coerência interna do modelo de gestão de pessoas, através da articulação de suas práticas, políticas pessoas na organização. A gestão estratégica de pessoas pode ser compreendida com base em três abordagens teóricas: a universalista, a contingencial e a configuracional, conforme pode ser observado no quadro a seguir:
23 Gestão Estratégica de Pessoas como Alinhamento Sistêmico
e estratégias associadas à cultura organizacional e às
A pesquisa sobre a gestão de pessoas e o desempenho das organizações Abordagem universalista
Sugere que haja algumas práticas universais de gestão de pessoas, cuja adoção está diretamente relacionada a níveis superiores de desempenho organizacional. Entre essas práticas estariam os sofisticados métodos de recrutamento interno e externo, programas formais de desenvolvimento de pessoas, sistemas de avaliação e gestão de desempenho, sistemas de remuneração baseados em desempenho etc.
Abordagem contingencial
Sugere que certas práticas de gestão de pessoas são mais adequadas que outras em dado contexto organizacional. Destaca a necessidade de padrões distintos de comportamentos, considerados os desafios estratégicos particulares que cada tipo de organização enfrenta.
Abordagem configuracionista
Haveria coleções de práticas de gestão de pessoas capazes de gerar valor a uma organização por meio das pessoas. Salienta a importância do alinhamento interno dos modelos de gestão de pessoas ao destacar configurações especificas de múltiplas práticas interdependentes, de difícil imitação.
Para Silva, Albuquerque e Costa (2009), as abordagens podem ser assim sintetizadas: • A abordagem universalista sugere a existência de um conjunto de melhores práticas de gestão de pessoas que seriam adequadas a todas as organizações, promovendo desempenho superior das empresas em qual-
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quer situação, independentemente de sua estratégia de negócios, do seu setor ou do seu tamanho. • A abordagem contingencial complementa a perspectiva universalista, acrescentando uma terceira variável, considerada como um fator de contingência, como a estratégia, o contexto organizacional ou o ambiente externo.
Logo, para serem eficazes e resultarem em melhor desempenho, determinadas práticas de gestão de pessoas devem ser consistentes com determinadas estratégias, exigindo assim o alinhamento externo ou vertical. • Por sua vez, a abordagem configuracional leva em consideração não só a necessidade de alinhamento vertical, mas também o alinhamento interno. Ela explora a dinâmica interna do sistema de gestão de pessoas e analisa como seus diferentes componentes podem ser configurados em diferentes modelos de gestão, que representam diversas orientações para a gestão de pessoas. Assim, inúmeras combinações entre fatores relevantes da gestão de pessoas e da estratégia organizacional podem conduzir a um desempenho superior, o que leva a uma busca constante por configurações de práticas de gestão de pessoas que sejam consistentes internamente e alinhadas externamente. De acordo com Paschini (2006, apud SILVA et al, 2009), somente a partir da abordagem configuracional é que se passa a reconhecer a importância do alinhamento interno e a visualizar a cultura organizacional como um fator de extrema importância, que deve ser considerado no processo de alinhamento estratégico, por sua capacidade de moldar e de ser moldado pelos sistemas de gestão de pessoas.
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1.3 Atuação estratégica de RH e o modelo de diagnóstico A abordagem contingencial diz respeito à necessidade de alinhar estratégias e práticas de gestão de pessoas aos desafios da organização na busca por comportamentos compatíveis. Conforme Albuquerque (1987, apud MASCARENHAS, 2008) há um descompasso entre as necessidades previstas para a implementação das estratégias organizacionais e a realidade das empresas, em termos de pessoas para implantá-las. Diminuir esse descompasso implica em executar o planejamento estratégico de pessoas. Para Teixeira et al (2010), a gestão estratégica é um processo de ação gerencial, sistemático e contínuo que visa assegurar à empresa, simultaneamente: senso de direção e continuidade em longo prazo e flexibilidade e agilidade no cotidiano organizacional. Em outras palavras, na gestão estratégica, tenta-se, de certo modo, prever e analisar o futuro para assim poder planejá-lo. De acordo com Mascarenhas (2008, p.31), “a gestão estratégica pode ser definida como os esforços para a formu-
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lação e implementação das estratégias empresariais”. A formulação de estratégias é abordada como um processo de planejamento que envolve duas etapas: • A primeira, que abrange a definição do negócio e a explicitação da missão da organização; • A segunda, implicando na determinação dos objetivos estratégicos, seus indicadores de acompanhamento,
bem como a formulação das estratégias correspondentes para alcançá-los. No que tange a gestão de pessoas, para Mascarenhas (2008), o planejamento estratégico de pessoas pode ser compreendido como o processo por meio do qual são antecipadas as demandas ambientais e dos negócios, assim como direcionadas em suas dimensões de gestão de pessoas. São muitos os modelos e as prescrições, sugeridos por diferentes autores, no que se refere ao planejamento estratégico de pessoas, bem como para a implementação e a avaliação de estratégias. Em sua maioria, autores como, Milkovich e Boudreau (2000) indicam o modelo de diagnóstico das condições de negócio, que implica no reconhecimento dos recursos da empresa e na sua inserção estratégica, atual e futura, no mercado e sociedade. Veja na figura a seguir o modelo de diagnóstico coerente com a abordagem contingencial.
Diagnóstico das condições do negócio
Modelo de Diagnóstico para Atuação de GP
Planejamento das atividades de GP
Fonte: Mascarenhas, 2008, p.32
Definição das estratégias de GP
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Avaliação e acompanhamento
O modelo de diagnóstico, conforme vimos na figura, está dividido em quatro etapas. Vamos conhecê-las a seguir.
1.3.1 Diagnóstico das condições de negócio Cada empresa está inserida em determinado ambiente econômico e cultural, sendo dotada de recursos físicos, humanos, financeiros e organizacionais cuja interação e gestão influenciam na implementação adequada das estratégias empresariais, e em certa medida, determinam a estrutura do modelo de gestão de pessoas. Na primeira fase do modelo de diagnóstico, levantam-se informações para a compreensão da situação e das necessidades de gestão de pessoas, isto é, como a empresa se encontra em termos de estrutura, cultura e pessoas para implementar as estratégias (MIRVIS, 1985 apud MASCARENHAS, 2008, p. 38). A atuação estratégica de gestão de pessoas envolve a análise das variáveis do contexto de negócios de modo a viabilizar o alinhamento estratégico. Com tal finalidade, de acordo com Teixeira et al (2010), é necessária a análise dos ambientes externo e interno da organização. Entre as condições externas destacam-se o ambiente sociocultural, econômico, político e institucional que podem ser mais especificamente analisados, por exemplo, pelo nível de qualificação dos indivíduos em uma determinada região, pelos índices de desemprego e competitividade do mercado de
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trabalho, pelas leis e tendências da legislação etc. Por sua vez, dentre os fatores internos destacam-se as decisões, as intenções e a inserção estratégica da empresa, a estrutura e a cultura organizacional, os padrões tecnológicos, as condições financeiras da empresa, as competências dos funcionários etc. Anthony,
Perrewé
e
Kacmar
(1996,
apud
ALBUQUERQUE E LEITE, 2009) sugerem que o ambiente que influencia a organização e, consequentemente, a gestão
de pessoas pode ser dividido em dois tipos: o social e a tarefa, conforme mostra o quadro que veremos a seguir. O ambiente social compreende várias tendências e forças que não estão diretamente relacionadas com a organização, mas que podem impactá-la eventual ou indiretamente. Os autores se referem a quatro forças: econômicas, tecnológicas, políticas e legais e socioculturais e demográficas. Por sua vez, o ambiente da tarefa inclui os elementos que influenciam diretamente as operações e as estratégias da organização e são constituídos por: mercado de trabalho, competição, clientes e consumidores, e stakeholders. O ambiente Social e o Ambiente da Tarefa
Ambiente Social
Ambiente da Terefa
ECONÔMICAS MERCADO DE TRABALHO É importante acompanhar tenAs condições econômicas de dências relacionadas ao nível de uma nação determinam o contexto geral de negócios para desemprego, de educação, ao grau as empresas e seus gestores. de diversidade cultural e alteraOs principais indicadores,que ções nas categorias de trabalho. A recessão e os planos de estabidevem ser monitorados, são o Produto Interno Bruto (PIB), lização econômica, a busca do a renda per capita e a taxa de setor privado por maior competiinflação. No Brasil, sugere-se tividade, abertura comercial etc., acompanhar também a taxa impactam sobre a (des)ocupação e de juros e a taxa de câmbio. rendimento das pessoas.
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COMPETIÇÃO TECNOLÓGICAS Como resultado da revolução tec- Conhecer as ações dos competidores é importante para a elabonológica, podem ser observadas ração de estratégias corporativas inovações em produtos, serviços adotadas pela gestão de pessoas e processos. As novas tecnolopara a atração e retenção de gias culminaram em alterações talentos. Algumas questões – tais profundas na organização do como: quais níveis salariais são trabalho e elevaram as exigências praticados? Que benefícios são de capacitação profissional em todos os âmbitos organizacionais. oferecidos? Como os talentos são No Brasil, o avanço da tecnologia reconhecidos? Que incentivos são levou à eliminação de postos de oferecidos para a educação continuada? – podem contribuir para trabalho e ao desaparecimento de várias categorias de ocupação, a implementação de objetivos de gestão de pessoas consonantes como datilógrafa, operador de telex etc. com a estratégia empresarial.
POLÍTICAS E LEGAIS A legislação trabalhista é um dos aspectos mais importantes do ambiente externo a ser considerado na gestão estratégica de pessoas.
CLIENTES E CONSUMIDORES Informações sobre esse grupo são importantes para o processo decisório estratégico. Suas características podem influenciar na prática de contratação de pessoas. Por exemplo, a motivação por diversidade cultural que pode levar a contratação de grupos de minorias.
SOCIOCULTURAIS E DEMOGRÁFICAS Refere-se às características sociais e demográficas que compõem a sociedade. Inclui: valores culturais, normas de conduta, estilo de vida, assim como características físicas de composição da sociedade (idade, gênero, origem geográfica, nível sócio econômico e educacional etc.)
STAKEHOLDERS Compostos por grupos que têm interesses específicos nos resultados organizacionais. Por exemplo: governo, comunidades locais, sindicatos, associações de classe etc.
Fonte: adaptado de Albuquerque e Leite (2009, p. 20 - 21)
1.3.2 Planejamento Estratégico de Pessoas Na segunda fase do modelo de diagnóstico, a empresa precisa definir princípios, objetivos e estratégias de gestão de pessoas de forma a viabilizar a implementação das estratégias organizacionais no que diz respeito às variáveis humanas e organizacionais. Segundo
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Golden
e
Ramanujam
(1985,
apud
MASCARENHAS, 2008, p. 38), as relações, entre a área de pessoas e as equipes de planejamento estratégico que surgem com a gestão estratégica de pessoas podem ser classificadas de duas formas: 1ª) Conexão de mão única, nas quais as equipes de gestão de pessoas assumem responsabilidades relacionadas à implementação das estratégias por meio de
planejamento de políticas e de práticas de gestão de pessoas. Nesse tipo de articulação, gestão de pessoas não tem nenhum papel na formulação da estratégia organizacional. 2ª) Conexão de mão dupla, conforme pode ser observado na figura a seguir, na qual a gestão de pessoas contribui para a formulação das estratégias empresariais, fornecendo informações sobre o ambiente interno e externo à organização em suas dimensões humanas, discutindo possibilidades estratégicas e articulando-se por meio de políticas e de práticas de gestão de pessoas.
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Planejamento estratégico e planejamento estratégico de pessoas
Visão de negócio
Desenvolvimento da compreensão e do comprometimento com a visão do negócio
Definição da missão
Missão da gestão de pessoas
Análise do ambiente
Análise do ambiente da gestão de pessoas
Análise das capacidades
Análise das pessoas
Definição dos objetivos organizacionais
Definição dos objetivos da gestão de pessoas
Definição das macropolíticas
Definição das políticas de gestão de pessoas
Elementos estratégicos críticos
Elementos estratégicos críticos de gestão de pessoas
Seleção e desenvolvimento da estratégia
Estratégia de gestão de pessoas para inclusão no plano estratégico da empresa
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Implementação Estratégia da empresa (planejamento estratégico)
Estratégia de GP (planejamento estratégico de pessoas)
Fonte: Mascarenhas, 2008, p.39
Em ambas as formas, o planejamento estratégico de gestão de pessoas é visto como um processo paralelo ao planejamento estratégico geral da empresa, baseado no pressuposto da adaptação, ou seja, uma subordinação da definição das estratégias de gestão de pessoas às etapas do planejamento estratégico da empresa.
1.3.3 Planejamento das atividades e dos processos de gestão de pessoas A terceira fase do modelo de diagnóstico prevê o planejamento tático de atividades e de processos de gestão de pessoas. A cultura organizacional é um fenômeno de caráter mais profundo e de maior permanência, que requer mais tempo para mudar. Em razão disso, uma mudança na cultura organizacional é um processo complexo, que tem na área de gestão de pessoas a liderança mais apropriada. Uma mudança cultural demanda alterações em vários conteúdos, de modo que possam repercutir em novos padrões de normas, valores e expectativas de comportamento. Independentemente do contexto considerado, a cultura pode ser analisada de acordo com Teixeira et al (2010, p. 60) com base em alguns aspectos: • É sistêmica, ou seja, é constituída de diferentes partes entre as quais existe interdependência. • Contém partes materiais e não materiais. características
diferenciadoras
às
organizações. • É adquirida e transmitida socialmente Para Trompenaars (1994, apud TEIXEIRA et al, 2010, p. 61) a cultura é a forma por meio da qual um grupo de pes-
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• Confere
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soas resolve problemas, sendo a essência da cultura o modo que esses grupos entendem e interpretam o mundo. Para o autor, a cultura pode ser definida como “um sistema comum de significados, que nos mostra a que devemos prestar atenção, como devemos agir e o que devemos valorizar”. A ideia de significado é relevante para se entender a importância dos valores nos sistemas culturais. De acordo com Teixeira et al (2010, p. 62), o valor é uma relação que se estabelece entre um sujeito que avalia e algo que é avaliado positivamente. Os valores podem ser categorizados de acordo com o contexto em que surgem ou são aplicáveis. Dessa forma, existem desde os valores mais elevados e transcendentais, relacionados com concepções filosóficas de vida e de mundo, até os valores utilitários, como os valores da maioria das ciências e das tecnologias e suas aplicações, cuja valoração é suscetível de mudanças, por força do próprio progresso. Outra característica do valor é a sua conotação subjetiva, ou seja, os mesmos valores se manifestam nas pessoas de maneira diferente ou sob diferentes gradações. Para Mascarenhas (2008) os subsistemas de gestão de pessoas devem ser pensados como ferramentas para a mudança cultural e devem ser capazes de mobilizar as pessoas para a busca de objetivos estratégicos. Mudanças – nos sistemas de recompensa, recrutamento e seleção, nos estilos de liderança, na construção de novas habilidades individuais e na impleGestão Estratégica de Pessoas
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mentação de novas estruturas e estratégias organizacionais – podem contribuir para a internalização de novas expectativas e valores, além de promover novos comportamentos. Em um nível tático, as decisões giram em torno do como fazer para que os objetivos de gestão de pessoas sejam alcançados. Nesse sentido, decisões relacionadas às políticas e às ferramentas de gestão de pessoas assumem implicações importantes no alcance desses objetivos, o que salienta
a importância do alinhamento interno, uma vez que as definições a respeito das políticas de gestão de pessoas não são somente operacionais, mas devem contemplar as suas inter-relações de modo mais amplo. Por exemplo, a remuneração por competências pode estimular o desenvolvimento, sendo recomendada para empresas que pretendem implementar sistemas de aprendizagem e educação continuada. No âmbito da gestão estratégica de pessoas tornou-se clara a necessidade de promover padrões técnicos e comportamentais adequados às organizações, o que fez, de acordo com Mascarenhas (2008), com que o subsistema de gestão de desempenho fosse destacado por constituir-se em uma espécie de elo entre os demais subsistemas. Lucena (2004), por exemplo, trata a gestão de desempenho como uma metodologia capaz de verificar se os objetivos organizacionais – através de metas departamentais, coletivas e individuais – estão sendo alcançados. Outros autores, tais como Pontes (1986, apud MASCARENHAS, 2008) destacam as vantagens de uma abordagem integrada de gestão de pessoas que utilize como base as informações geradas por meio da aplicação sistemática de avaliação de desempenho. Os autores enfatizam que a avaliação de desempenho poderia integrar as atividades de todos os subsistemas de gestão de pessoas, integrando o alinhamento estratégico de gestão de pessoas. Por exemplo, a avaliação de desempenho treinamento, assim como para as iniciativas de capacitação, ou mesmo, estimular determinados comportamentos, desejados no ambiente de trabalho, ao servir como parâmetro para promoções e/ou remuneração. Para Armstrong (2006, apud MASCARENHAS, 2008), ao fornecer aos gestores e à área de gestão de pessoas dados e parâmetros aos diversos processos de gestão de pessoas, a
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pode servir de base para o levantamento e as necessidades de
avaliação de desempenho teria como funções principais: fornecer feedback a todos os colaboradores com relação ao seu desempenho; promover valores, expectativas e comportamentos coerentes com as estratégias organizacionais e servir de base à integração de todos os subsistemas de gestão de pessoas. A figura a seguir ilustra a função integradora da avaliação de desempenho. Avaliação de desempenho como integrador de gestão estratégica de pessoas
Motivação das pessoas Promoção e movimentação de pessoas
Seleção de pessoas
AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO Necessidade de qualificação
Planejamento
de pessoal
Remuneração das pessoas 36 Gestão Estratégica de Pessoas
Fonte: Mascarenhas, 2008, p. 51.
A integração dos diversos subsistemas de gestão de pessoas em torno dos critérios de avaliação de desempenho foi comum a todas as metodologias emergentes. A ideia era viabilizar o alinhamento externo – vinculando expectativas de comportamentos a metas divisionais e corporativas – e o alinhamento interno, associando as deci-
sões de gestão de pessoas entre si e em torno das estratégias, tornando possível a coerência das políticas que incidem sobre os colaboradores, a consistência das condições de trabalho dos indivíduos que exercem funções similares e a coerência no tratamento dos colaboradores. Acompanhamento e avaliação das políticas de gestão de pessoas Sempre foi uma questão crítica em gestão de pessoas o acompanhamento e a avaliação de suas políticas no que se refere à sua capacidade de alcançar os objetivos estratégicos predefinidos. Muitos autores têm questionado as ferramentas e os métodos de gestão utilizados pela área de gestão de pessoas, sugerindo a necessidade de se verificar em que medida as iniciativas de gestão de pessoas efetivamente contribuem para o sucesso organizacional. Uma das dificuldades da área sempre foi a avaliação dos resultados de suas práticas. A subjetividade que as caracteriza dificulta a definição de indicadores objetivos, capazes de quantificar o retorno sobre o investimento em gestão de pessoas. É comum que os indicadores de desempenho da área de gestão de pessoas sejam voltados a processos e a tarefas e não a resultados efetivos. Por exemplo, fala-se da quantidade de horas de treinamento por funcionário e não o que os processos de treinamento representam em termos de contribuição real (2008), o advento da gestão estratégica de pessoas reforçou a necessidade de avaliar objetivamente políticas e práticas de gestão de pessoas, sob o risco de ser considerada um centro de custos e não uma função indispensável nas organizações. A definição de indicadores de avaliação das práticas de gestão de pessoas deveria assumir os objetivos de gestão de pessoas como parâmetros. Isso implica em dizer
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para a empresa. Entretanto, conforme assinala Mascarenhas
que cada subsistema de gestão de pessoas deveria ser planejado e avaliado em relação à sua capacidade de contribuir para o alcance dos macro-objetivos de gestão de pessoas. (MASCARENHAS, 2008). As atividades de acompanhamento e avaliação normalmente requerem a definição de uma série de indicadores que seriam capazes de sistematizar os efeitos das políticas e atividades de gestão de pessoas na empresa. Por exemplo, para avaliar políticas de recrutamento e desenvolvimento por meio de programa de estágio é necessário acompanhar a trajetória dos estagiários durante um período de cinco anos para que se possa conhecer a porcentagem foi efetivada, promovida e desligada da empresa nesse período. É possível, ainda, fazer também um acompanhamento mais qualitativo da trajetória, avaliando suas contribuições individuais para a organização.
1.4 A mbiente atual da gestão de pessoas Para Teixeira et al (2010), o ambiente da gestão de pessoas, por sua abrangência, envolve diversas dimensões, tanto externas como internas, que refletem as mudanças tecnológicas, sociais, cul-
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turais que deveriam ser processadas no mundo organizacional. Os autores classificam essas dimensões em três grandes grupos que possuem especial relevância e que requerem especial atenção da gestão de pessoas: o mundo dos negócios, o mundo do trabalho, a cultura e o clima organizacional.
1.4.1 Dimensão mundo dos negócios O atual mundo dos negócios é condicionado por uma série de variáveis que atuam sobre as organizações em ritmo acelerado de velocidade. Destacam-se, por seu impacto: a sociedade do conhecimento, a sociedade da informação e a hipercompetitividade. a) Sociedade do conhecimento Nessa sociedade se sobressai o capital humano, que expressa o valor do conhecimento e de outros bens intangíveis. Segundo Davenport e Prousak (1998, p. 20), “(...) ao contrário dos ativos materiais, que diminuem à medida que são usados, os ativos do conhecimento aumentam com o uso: ideias geram novas ideias e o conhecimento é compartilhado com o doador, ao mesmo tempo em que enriquece o recebedor”. Uma das implicações do papel do conhecimento como ativo de uma empresa está levando esse conhecimento à transformação em um ativo a seu serviço e não apenas em propriedade de indivíduos ou de grupos de profissionais. No mundo dos negócios o conhecimento passa a ser um forte diferencial competitivo das organizações. “As empresas de sucesso do século XXI serão aquelas que conseguirem captar, armazenar e alavancar melhor o que os seus funcionários sabem” (PLATT apud BOHLANDER, 2003, p. 9), ou seja, em uma sociedade do conhecimento o trabalho tende a ser cada manual tradicional em trabalhador do conhecimento. b) Sociedade da informação Na sociedade da informação, cada vez mais se fortalece a dimensão digital, o que leva as empresas a enfatizarem, como estratégias de competitividade, o e-business e a gestão de pessoas, a e-GP. Pode-se dizer, de acordo com Teixeira et
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vez mais de natureza intelectual, transformando o trabalhador
al (2010), que a e-GP é uma estratégia que, utilizando meios digitais e tecnologias de rede, agiliza e otimiza os serviços para seus clientes: gerentes e colaboradores. A e-GP implica na substituição de processos burocráticos por tecnologias que incluem um sistema de informações de gestão de pessoas, a utilização inteligente de tecnologias de rede e o uso de canais de comunicação. A gestão de pessoas abandona a abordagem do isolamento do antigo departamento de pessoal e passa a atuar de forma interativa e online com os parceiros das demais unidades da empresa. São exemplos de otimização do uso da e-GP: o acesso às informações sobre o negócio, o recrutamento pela internet, o e-learning, o acesso às oportunidades de capacitação, a facilitação da gestão por competências, o autoatendimento dos colaboradores etc. Essa sociedade proporciona uma rede mundial de gestão, permitindo que decisões empresariais sejam tomadas de forma interativa e em tempo real. Com a integração de computadores e tecnologias de comunicação, gradualmente se está chegando à empresa virtual. Uma das implicações disso para a gestão de pessoas é o surgimento do trabalhador virtual, proporcionando maior flexibilidade do trabalho e maior mobilidade de colaboradores. c) Hipercompetitividade Com o acirramento da globalização e de outras conGestão Estratégica de Pessoas
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dicionantes da competição empresarial, as empresas passaram a atuar num regime de hipercompetitividade, que vem influenciando, ao longo dos últimos anos, a privatização, o crescimento de empresas multinacionais e brasileiras e as fusões e aquisições. A hipercompetitividade aumenta na medida em que o ritmo de negócios se acelera, exigindo respostas imediatas, independentemente de lugar e de tempo.
1.4.2 Dimensão mundo do trabalho No atual mundo de negócios têm ocorrido mudanças na natureza do trabalho e nas relações entre as empresas e seus colaboradores, configurando uma nova situação que gera importantes implicações para a gestão de pessoas. De acordo com Teixeira et al (2010), essa nova situação repercute em um novo mundo do trabalho, cada vez mais caracterizado por: a) Convivência do emprego clássico com um novo tipo de emprego O emprego clássico é normalmente entendido como aquele em que o colaborador trabalha para um único empregador, em suas dependências, em tempo integral e por prazo indeterminado. Nesse contexto, o trabalho é sinônimo de emprego. Embora continue e tenha tendências de continuar nas empresas, o emprego clássico começa a conviver com um novo tipo de emprego, caracterizado pela possibilidade de se trabalhar para mais de um empregador, fora de suas dependências, em regime parcial de horário e por prazo temporário. Essa modalidade não deve ser entendida como trabalho informal, sem proteção legal e social. Ela só se torna um problema quando empregadores deturpam o sentido desse tipo de trabalho e o utilizam como instrumento de supressão dos
b) Desconfiguração do cargo em sua forma tradicional O cargo, tal qual o conhecemos, em sua forma tradicional, limitado a um conjunto de tarefas específicas e prescritas, vem sendo substituído por uma nova forma. Ele passa a ser uma classificação genérica, com a definição de sua missão, incluindo, além das tarefas específicas e perma-
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direitos básicos do empregado.
nentes, tarefas transitórias e diversificadas, desempenhadas em uma perspectiva de interdependência, interdisciplinaridade e multifuncionalidade. A característica desse novo tipo de cargo é a possibilidade de as empresas poderem dispor de maior flexibilidade na alocação de pessoas em diferentes atividades e a oportunidade de as pessoas encontrarem melhores condições de progresso profissional.
Interdisciplinaridade A interdisciplinaridade pode ser entendida como a cooperação de várias disciplinas científicas no exame de um mesmo e único objeto. Esse intercâmbio e a integração recíproca entre várias ciências, tem como resultado um enriquecimento recíproco e a construção do conhecimento. Surgiu como uma resposta à necessidade de uma reconciliação epistemológica, devida à fragmentação dos conhecimentos, ocorrida com a revolução industrial e a necessidade de mão de obra especializada. A interdisciplinaridade buscou conciliar os conceitos pertencentes às diversas áreas do conhecimento a fim de promover avanços, como a produção de novos conhecimentos ou mesmo, novas subáreas.
Interdependência
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A interdependência de tarefas pode ser definida como a extensão em que os membros do grupo devem interagir e dependem mutuamente para completar o trabalho de maneira satisfatória. A interdependência de tarefas é o grau em que o desempenho das tarefas de um membro da equipe depende do esforço e habilidades dos outros.
Multifuncionalidade O conceito de variedade na tarefa é ampliado para o conceito de multifuncionalidade. É a capacidade do colaborador de se adaptar aos diversos meios, desenvolvendo tarefas múltiplas. O mercado de trabalho moderno exige profissionais com várias habilidades, que são chamados também de multiespecialistas, profissionais que possuem uma ou mais formações específicas, mas que apresentam também noções genéricas sobre outros assuntos.
c) Base tecnológica mais sofisticada Essa característica leva à extinção de cargos menos qualificados e à criação de outros que exijam maiores qualificações. São conhecidos os exemplos de extinção de cargos decorrentes do impacto tecnológico, como caixa, operador de telex, datilógrafa e outros. Em consequência da extinção de cargos menos qualificados e da criação de cargos com maiores qualificações, algumas empresas passam a enfrentar o problema de não encontrar no mercado de trabalho candidatos preparados para determinados cargos. d) Migração do emprego É um fenômeno decorrente da globalização econômica que, gradativamente, é inserida no mercado de trabalho brasileiro. Pastore (2003) destaca que, nos dias atuais, surge uma nova forma de migração, em que as empresas permanecem nos países onde estão sediadas e os empregos migram. Cita o exemplo de contadores, na Índia, que fazem a análise de empréstimos pessoais que são concedidos por uma instituição financeira sediada na Califórnia. No Brasil podemos encontrar o caso de algumas montadoras de automóveis e de indústrias de vestuário e calçados. São duas as implicações para o país com relação à migração do emprego: ocorre o deslocamento de empregos de dições facilitadoras, como melhorar o nível educacional dos empregados e flexibilizar a legislação trabalhista. Por outro lado, pode ocorrer também o deslocamento do emprego do Brasil para outros países, onde é preciso criar condições inibidoras dessa realidade, a partir de maior capacitação profissional e condições para sua retenção.
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outros países para o Brasil, o que torna necessário criar con-
e) Novas formas de flexibilização do trabalho São utilizadas novas formas de flexibilização do trabalho, compreendendo: formas de organização, de duração flexível e de contratação. Essas novas formas são inseridas em um contexto maior, que é a empresa flexível. O modelo de empresa flexível pode ser abordado de duas formas: 1) Procura-se analisar as exigências que essa flexibilidade faz à empresa, em termos de um contexto organizacional propício para a sua efetivação. Nessa abordagem, além da necessidade de uma estrutura organizacional horizontalizada e baseada em resultados, na necessidade do cliente, na interdependência e na interdisciplinaridade, ressalta-se como condição fundamental a atuação dos executivos, pois a empresa flexível requer uma nova liderança, capaz de enfrentar situações em que pequenas mudanças possam desencadear amplos resultados. 2) Enfoca-se um modelo de organização que distribui as diferentes formas de flexibilidade do trabalho, em função do núcleo central dos negócios da empresa, o chamado core, e de suas atividades periféricas. Nesse modelo as diferentes formas de trabalho flexível estão atividades periféricas. O core business reúne os empre-
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relacionadas ao core business das empresas e às suas 44
gados permanentes e as atividades periféricas incluem os empregados temporários, terceirizados, de jornada parcial e outros de condições semelhantes. Os empregados permanentes desempenham, principalmente, as tarefas essenciais da empresa que procura atin-
gir, com eles, o máximo de flexibilidade funcional, oferecendo-lhes alto grau de segurança no emprego.
Core Business Core Business significa a parte central de um negócio ou de uma área de negócios, que é geralmente definido em função da estratégia dessa empresa para o mercado. Esse termo é utilizado habitualmente para definir qual o ponto forte e estratégico da atuação de uma determinada empresa. É utilizado também para definir a área de atuação onde não pode, ou não se deve existir terceirização. Formas de organização do trabalho Entre essas formas, têm maior importância na análise do ambiente da gestão de pessoas a equipe interdisciplinar, o cargo compartilhado, o teletrabalho e a multifuncionalidade. • Equipe interdisciplinar: Tradicionalmente, o trabalho em equipe é realizado por equipes constituídas por pessoas com a mesma formação ou do mesmo campo de conhecimento. Com essas características, a equipe aborda os problemas à luz de uma única disciplina, o que leva, na maioria das vezes, a uma solução setorial dos problemas. Ao contrário, a equipe interdisciplinar é integrada por pessoas de diferentes formações, integrando conhecimentos, tecnologias e práticas do seu campo profissional com outras trabalho. Nessas condições, a equipe interdisciplinar aborda os
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problemas com uma visão integrada dos diversos campos do
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áreas do conhecimento, na busca da eficiência e da eficácia do
saber, procurando alcançar a solução global para os problemas. • Cargo compartilhado: É uma forma de organização do trabalho em que dois empregados partilham, em jornada parcial, o que antes era
um cargo de tempo integral. Surgiu como um mecanismo voluntário pelo qual os empregados propõem à empresa o compartilhamento do cargo para resolver problemas pessoais. Nesse tipo de organização do trabalho, a partilha pode ser feita por dia – dividindo a jornada pelos dois empregados –, por semana – dividindo a duração semanal em dias ou alternando semanas inteiras. O salário e os benefícios são divididos entre os ocupantes do cargo, proporcionalmente ao número de horas trabalhadas. No Brasil, não se tem notícia da aplicação do cargo compartilhado. • Teletrabalho: O teletrabalho ganhou maior expressão com o desenvolvimento das corporações virtuais. Murphy (1996, apud TEIXEIRA et al, 2010, p. 50) define teletrabalho como: “Uma situação em que uma pessoa desempenha o trabalho à distância do empregador ou do cliente para o qual o trabalho está sendo desempenhado, com a utilização de ferramentas de informática e telecomunicações”. Apesar de o tipo mais conhecido ser o trabalho em casa, Trope (1999, apud TEIXEIRA et al, 2010) menciona outras modalidades, tais como o teletrabalho pendular, onde o funcionário trabalha alguns dias em sua residência e outros na sede da empresa e o trabalho nômade, no qual o funcionário é itinerante, como funcionários do setor comercial. Gestão Estratégica de Pessoas
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No Brasil, cerca de 11 milhões de colaboradores já utilizam esse regime. (OSCAR, 2008). • Multifuncionalidade: Conforme Teixeira et al (2010), os cargos estruturados com base no princípio da especialização de tarefas, com descrições excessivamente detalhadas, durante muito tempo
limitaram o empregado a uma área restrita de atuação, com o desempenho de uma única função. A crescente velocidade das mudanças tecnológicas, a constatação do desperdício das competências dos empregados na situação de trabalho e a necessidade da otimização dos custos levaram a que empregados passassem a romper as barreiras rígidas do cargo, desempenhando funções diversificadas e de outras áreas, principalmente correlacionadas. Essa situação levou à multifuncionalidade, condição em que os empregados com as competências correspondentes passam a exercer mais de uma função. A multifuncionalidade implica desempenho de funções diversas, em toda a sua plenitude e com o mesmo nível de proficiência. Não pode, assim, ser confundida com situações em que o empregado detém o domínio completo de uma função e desempenha eventualmente outras, em caráter complementar ou em substituição esporádica, o que na linguagem popular representa o “quebra-galho”. Três cuidados são fundamentais para maior eficácia da multifuncionalidade: a seleção e o treinamento com base no perfil de competências das funções; a avaliação contínua e sistemática das competências e do desempenho; e a adoção de mecanismos de recompensas. Formas de flexibilidade relacionadas à duração do
• Horário flexível: Consiste na possibilidade de os empregados flexibilizarem a duração de trabalho diária no início e no final do expediente, ou, ainda, no intervalo do almoço. Para essa flexibilização, as empresas estabelecem núcleos, como, por exem-
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trabalho
plo, das 8h às 10 h para a entrada e das 17h às 19 h para a saída. Funciona como um sistema de crédito/débito, cujo balanço pode ser fechado, tendo por referência o número de horas estabelecido para a semana ou para o mês. • Banco de horas: Sistema em que a duração do trabalho varia em função da demanda da produção das empresas. Nos casos de alta demanda, a jornada de trabalho aumenta e aos empregados é atribuído um crédito de horas correspondente à maior jornada. Nos casos de baixa procura, o crédito é compensado pela redução da jornada ou pela concessão de folgas em número de horas correspondentes às creditadas. No Brasil as horas trabalhadas a mais não podem exceder de duas horas diárias e o período máximo para compensação das horas é de um ano. São apontadas como vantagens do banco de horas: a manutenção de empregos na época de baixa demanda, a redução do número de horas extras e a melhoria da qualidade de vida, pela concessão das folgas. • Ano flexível: Sistema em que empregados trabalham na base de um número de horas fixado para o ano e não para a semana ou mês, como usualmente se pratica.
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Exemplificando: empregados são designados para trabalhar 1.800 horas por ano e não 44 horas semanais ou 220 mensais. Nessa modalidade, as horas a serem trabalhadas pelos empregados podem variar ao longo do ano, em função das necessidades de trabalho das empresas. A variação do número de horas pode ocorrer por dia, semana ou mês. É um sistema altamente flexível que, embora praticado de forma preponderante com base nas necessidades de traba-
lho das empresas, não impede que se levem em conta, também, as necessidades do empregado. • Jornada parcial: Situação em que o empregado trabalha um determinado número de horas, abaixo da duração semanal normal do trabalho no país. O limite máximo de horas semanais para caracterizar a jornada parcial varia de país para país. Assim, na Alemanha o limite é de 38 horas, no Reino Unido, de 30 horas e no Brasil, de 35 horas. • Formas relativas à contratação Essas formas – representadas principalmente pelo trabalho temporário, pelo trabalho terceirizado e pela prestação de serviços mediada por cooperativas de trabalho – têm sido amplamente discutidas na teoria e na prática da gestão de pessoas e no campo das relações do trabalho face à sua posição em relação ao contrato permanente, considerando a relação ideal de emprego. As discussões têm se concentrado em torno de duas posições: uma que aborda a precariedade dessas formas de contratação e outra que considera essa flexibilidade um dos fatores facilitadores da competitividade das empresas e da geração de empregos. Espanha, demonstra a grande redução do desemprego, que caiu de 24% em 1994 para 10,5% em 2004, não pela aceleração do crescimento e melhoria da educação, mas pela flexibilização do sistema de contratação, que incluiu, entre outros, os seguintes tipos flexíveis de contratos: tempo parcial, eventual, obra certa, interino, de formação de jovens e de estímulo a pessoas de meia-idade.
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Pastore (2004), ao analisar a reforma trabalhista da
Esses tipos de contrato têm menor custo para as empresas por oferecerem proteção legal parcial, assegurando, no entanto, a proteção básica. f) Exigência de novo tipo de profissional Na sociedade do conhecimento e com o forte impacto da tecnologia na organização e no gerenciamento das empresas, a maioria dos trabalhos envolve conhecimentos mais abrangentes e sua integração, bem como a necessidade de capacitação continuada, a busca constante de novas informações e a polivalência. Com essa configuração, o trabalho, para ser eficaz e passa a exigir um novo tipo de profissional: • orientado para a interdisciplinaridade; • orientado para o autodesenvolvimento; • capaz de aprender e manter-se atualizado; • orientado para missões; • orientado para desafios; • empreendedor; • comprometido com o negócio da empresa; • polivalente/policompetente.
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1.4.3 A organizacional
dimensão
cultura
e
clima
A abrangência da cultura e do clima organizacional como uma dimensão da gestão estratégica de pessoas requer a compreensão dessas duas variáveis. Para Teixeira et al (2010, p. 56) a cultura pode ser entendida como “um conjunto de ideias, conhecimentos, modo de agir, pensar e sentir expressas em termos materiais ou não, que são partilhadas por um grupo ou uma organização, com
certa regularidade no tempo e no espaço”. Então, podemos dizer que é um conjunto de padrões valorativos, técnicos e comportamentais construídos ao longo da história de uma organização, que adquirem caráter permanente, passando a constituir seu referencial de atuação interna e externa. Por sua vez, o clima organizacional pode ser definido como o conjunto de percepções, opiniões e sentimentos manifestos no comportamento de um grupo em determinado momento ou situação. É um fenômeno psicossocial e mutável, baseado nas percepções e opiniões que as pessoas têm da organização em que trabalham, em uma dada situação. Enquanto as mudanças no clima podem ocorrer por meio de uma intervenção localizada e em curto tempo, mudanças na cultura depreendem estratégias e ações específicas de médio e longo prazo. Enquanto a cultura é um fenômeno organizacional de caráter mais profundo e de maior permanência, que requer mais tempo para mudar, o clima organizacional é um fenômeno de caráter menos profundo, passível de mudança em menos tempo. Ambos, cultura e clima organizacional, precisam ser compreendidos dentro do ambiente mais amplo da organização em sua relação com a gestão de pessoas. Organizações são sistemas sociais e a gestão de pessoas, de acordo com Teixeira et al (2010), um dos seus subsistemas com características políticas, estruturais, normas e procedimentos que refletem as características do sistema global, tem duas empresas iguais. Apesar de características tecnológicas, estruturais e algumas práticas poderem ser as mesmas, sempre as organizações assumirão identidade própria, transmitida inclusive às pessoas que ali trabalham. As pessoas trazem a “marca“ da cultura de suas empresas e, do mesmo modo, a gestão de pessoas tende a assumir as características culturais do sistema organizacional imediato em que está inserida.
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incluindo a cultura e o clima. Depreende-se daí que não exis-
Independentemente do tipo de organização, um sistema de gestão de pessoas terá sempre a função de captar, desenvolver e reter o elemento humano necessário para o cumprimento da missão da empresa. Hoje a gestão de pessoas está orientada para duas direções que precisam ser compatibilizadas: sua adequação eficaz ao negócio da organização e sua capacidade de proporcionar às pessoas oportunidade e condições de trabalho, adequadas às novas conquistas da cidadania plena. Para Teixeira et al (2010) essas orientações são a base conceitual e valorativa ideal na qual deveria estar apoiada a gestão de pessoas de qualquer organização.
Saiba Mais • “Inovação digital: em qual século você está?” é uma entrevista de Gil Giardelli, concedida ao portal HSM online, na qual são discutidos alguns aspectos referentes aos impactos da revolução digital nas organizações. A entrevista pode ser acessada no link http:// w w w. h s m e duc a c a o.c o m . b r/ S a l a - D e - I mp r e n s a / Inovacao-digital3a-em-qual-seculo-voce-esta3f/115.
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• “Gestão estratégica de pessoas ainda está só no discurso” é a visão de Pedro Martins, presidente da PM - International Consulting, professor e consultor de empresas em 23 países, inclusive no Brasil com relação à gestão estratégica de pessoas. A entrevista pode ser acessada no link: http://www2.uol.com.br/canalexecutivo/notas101/1309201013.htm.
REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, L. G. de; LEITE, N. P. Diálogo teórico-empírico em gestão estratégica de pessoas. In: XIII SEMEAD - Seminários Em Administração. São Paulo, set. 2010. Disponível em: http://www.ead.fea.usp.br/semead/13semead/ resultado/trabalhosPDF/3.pdf. Acesso em set. 2013. ____. Gestão estratégica de pessoas: conceito, evolução e visão. In: ALBUQUERQUE, L. G. de; LEITE, N. P. Gestão de pessoas: perspectivas estratégicas. São Paulo: Atlas, 2009. BOHLANDER, G. W. Administração de recursos humanos. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. FISCHER, A. L.; DUTRA, J. S.; AMORIM, W. A. C. de. Gestão de pessoas: práticas modernas e transformação nas organizações. São Paulo: Atlas, 2010. FISCHER, R. M. Mudança e transformação organizacional. In: FLEURY, M. T. L. (org.). As pessoas na organização. São Paulo: Gente, 2002. LUCENA, M. D. da S. Planejamento estratégico e gestão do desempenho para resultados. São Paulo: Atlas, 2004.
lução, teoria e crítica. São Paulo: Cengage Learning, 2008. MILKOVICH, G. T.; BOUDREAU, J. W. Administração de recursos humanos. São Paulo: Atlas, 2000.
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MASCARENHAS, A. O. Gestão estratégica de pessoas: evo-
SILVA, L. M. T. da; ALBUQUERQUE, L. G. de; COSTA, B. K. O alinhamento estratégico entre cultura organizacional e estratégias de gestão de pessoas. RECADM – Revista Eletrônica de Ciência Administrativa. Paraná, v8, n2, nov. 2009. Disponível em: http://revistas.facecla.com.br/index.php/recadm/ article/view/562/457. Acesso em: 27 nov. 2009. TEIXEIRA, G. M.; SILVEIRA, A. C. da; BASTOS NETO, C. P. dos S.; OLIVEIRA, G. A. de. Gestão estratégica de pessoas. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
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G estĂŁo estratĂŠgica de pessoas como potencial competitivo
Profª Ms. Dália Derner
O bjetivos • Discutir os novos paradigmas para uma estratégia competitiva organizacional e sua relação com a gestão de pessoas. • Apresentar as tendências na área de gestão estratégica de pessoas e a maneira que podem sustentar estratégias organizacionais. Conteúdo apresentado • Vantagem competitiva e gestão de pessoas. • Recursos, competências e capacidades: visão baseada em recursos (RBV) e competências e capacidades dinâmicas. • Aprendizagem organizacional.
2.1 Vantagem competitiva e gestão de pessoas As transformações econômicas ocorridas a partir de 1980 e 1990 têm impelido empresas a uma constante revisão de seus processos, dada à necessidade de sobreviver em um mercado altamente concorrido e, por assim dizer, competitivo. A perda de prestígio da indústria norte-americana foi um dos fenômenos que levaram a uma crescente preocupação com o tema competitividade em diversos âmbitos, tanto nas universidades como nas instituições responsáveis pelas análises e formulação de políticas econômicas (LEITE, 2008). No Brasil, com a abertura comercial promovida pelo Governo Collor, em 1990, as empresas foram impulsionadas a buscar metas de produtividade, redução de custos, mecanismos para inovação tecnológica, entre outras estratégias, para fazer frente à concorrência em nível mundial. Para Leite (2008, p. 9), os movimentos estratégicos das Gestão Estratégica de Pessoas
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empresas referem-se às constantes buscas por vantagens competitivas no ambiente econômico onde se desenrola o processo de concorrência. Dessa forma, para o autor, “competitividade é o atributo que deveria ser buscado pelos agentes, de modo a obter melhor posicionamento estratégico no mercado”. Posição similar apresentam Teixeira e Zaccarelli (2008), para quem a competitividade reflete-se na posição relativa de uma empresa frente aos seus concorrentes, devendo possuir fontes de vantagem competitiva que resultem na atratividade de clientes superior aos seus concorrentes.
De acordo com Teixeira e Zaccarelli (2008), a obtenção de uma vantagem competitiva não é suficiente, pois o recurso que gera ganho competitivo pode ser assimilado rapidamente pelos concorrentes. O recurso, por si só, pouco contribui como fonte eficaz de vantagem competitiva sustentável, pois é passível de imitação pelo mercado. Isso implica na necessidade de desenvolver recursos intangíveis, visando criar competências particulares a cada organização, menos sujeitas à imitação. Uma empresa obtém vantagem competitiva de diferentes formas e vários autores têm procurado identificar quais os fatores que influenciam a sua construção. Vamos conhecer alguns deles: Michael Porter, George Stalk Jr., Flávio Vasconcellos e Álvaro Cyrino. Porter (1986 apud TEIXEIRA E ZACARELLI, 2008) propôs o modelo das cinco forças, entendendo que as empresas constroem a sua vantagem competitiva traçando estratégias de custos, diferenciação e enfoque, tendo como se posicionar perante as cinco forças: • o poder de barganha dos clientes; • o poder de barganha dos fornecedores; • a ameaça dos produtos substitutos; • a força dos concorrentes existentes. Nessa perspectiva da escola do posicionamento, os patamares de desempenho empresarial podem ser explicados com base nos fatores externos à empresa e pelo seu posicionamento no mercado, o que leva a gestão de pessoas a um segundo plano na explicação do desempenho das empresas.
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• a ameaça da entrada de novos concorrentes;
Saiba mais Escola do posicionamento Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) criaram uma tipologia dos distintos aspectos da administração estratégica, resultando na elaboração de uma classificação das estratégias já realizadas. Analisando a produção sobre estratégia, praticamente desde seus primórdios, os autores organizaram as ideias e teorias existentes em torno do que eles denominaram “10 escolas” do pensamento estratégico. De acordo com esses autores a terceira escola é a Escola do Posicionamento. Baseada nos trabalhos de Michael Porter, essa escola enfatiza a importância das estratégias, além de tratar de técnicas para a análise competitiva e de mercado, partindo de determinadas premissas (MINTZBERG, 2000, apud Silva Filho et al, 2005): - Estratégias são posições genéricas, especificamente comuns e identificáveis no mercado.
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- O mercado (o contexto) é econômico e competitivo. Assim, as estratégias saem desse processo totalmente desenvolvidas para serem articuladas e implementadas; a estrutura do mercado dirige as estratégias posicionais deliberadas que, por sua vez, dirigem a estrutura organizacional. O atual ambiente de negócios é marcado pelo acirramento da concorrência empresarial, promovendo a importância do conceito de competitividade. Perante essa intensificação da rivalidade, a concepção de estratégias em consonância com seu planejamento constituem elementos fundamentais para as organizações. Isso reforça o pensamento de Porter (1990), que argumenta que o desempenho acima da média, em um determinado setor, é alcançado e sustentado por meio de uma estratégia competitiva. Fonte: SILVA FILHO et al. Sistema integrado de marketing: contribuindo para um modelo In: REAd – Edição 44 Vol. 11 No. 2, mar-abr 2005, p. 6-7
Ao entender as organizações como um conjunto de atividades organizadas de acordo com certos posicionamentos de mercado, suas particularidades internas são deixadas em segundo plano.
Stalk (1988 apud SERIO e VASCONCELLOS, 2009) chama a atenção para o fator tempo. Para ele, o tempo é a vantagem-chave. Por sua vez, Prahalad e Hamel (1995) afirmam que a performance superior é um fenômeno derivado das características internas da organização. Criam o conceito de competências essenciais da organização, as raízes da vantagem competitiva, capazes de gerar produtos essenciais que permitam à empresa competir em vários mercados. Para esses autores, competência é a capacidade de integrar, misturar e combinar recursos em produtos e serviços, sendo a competitividade de uma organização determinada pela relação dinâmica entre as competências organizacionais e a estratégia competitiva. Competências constituem o aprendizado coletivo na organização, especialmente como coordenar as diversas habilidades de produção e integrar as múltiplas correntes de tecnologia. (...) Ela também está associada à organização do trabalho e à entrega de valor (...), à comunicação, ao envolvimento e a um profundo comprometimento em trabalhar através das fronteiras organizacionais (PRAHALAD; HAMEL, 1995, p. 268).
Mais recentemente, perspectivas alternativas ao entendimento da vantagem competitiva sustentável destacam os recursos e a dinâmica interna das organizações como determinantes de níveis superiores de desempenho. De acordo com Vasconcelos e Cyrino (2000, apud MASCARENHAS, 2008) há uma convergência entre os temas da área de estratégia e teoria das organizações, movimento que tem implicações abrangentes para a gestão de pessoas, pois passa a ser considerada fundamental para a compreen-
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são e geração de níveis superiores de resultados organizacionais. Para Mascarenhas (2008), novos princípios passam a ser incorporados a esse debate, sendo os mais significativos: recursos, competências e capacidades; a visão baseada em recursos; competências e capacidades dinâmicas e aprendizagem organizacional.
2.2 R ecursos, competências e capacidades: visão baseada em recursos (RBV) e competências e capacidades dinâmicas As origens da teoria dos recursos são encontradas em ideias de autores que, entre 1960 e 1970, já discutiam as empresas como conjuntos únicos de recursos produtivos integrados ao longo da historia organizacional, detentoras de competências peculiares a serem exploradas para a geração de vantagem competitiva.
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O desenvolvimento dessa corrente se intensifica a partir de 1980, originalmente denominada Resource Based View (RBV), questionando as noções da escola de posicionamento, tornando-se, nos anos 2000, um corpo teórico central no âmbito da estratégia empresarial (MASCARENHAS, 2008). Com base nos trabalhos de Penrose (1959, apud ALBUQUERQUE E LEITE, 2009), sobre a heterogeneidade de recursos, as firmas passam a ser vistas como um conjunto de recursos produtivos próprios e diferentes em relação às demais empresas.
Wernfelt (1984, apud ALBUQUERQUE E LEITE, 2009) elaborou a Teoria da Visão Baseada em Recursos (Resource Based View Theory – RBV), que busca entender a diferença entre a performance das firmas. Na prática, empresas de um mesmo setor apresentam desempenho econômico diferente, o que ocorre porque elas detêm e exploram recursos e capacidades internas heterogêneas, o que as levaria a patamares diferentes de resultados. Desse modo, a teoria dos recursos sugere que se encontre a fonte de vantagem competitiva, inicialmente, no conjunto de recursos e competências controladas pelas empresas e na estrutura das indústrias nas quais elas se posicionam. Essas ideias foram um avanço importante nas discussões sobre estratégia das empresas, na medida em que deslocavam o foco da análise estratégica dos determinantes externos para os internos. De acordo com Mascarenhas (2008), a teoria dos recursos se desenvolve em dois sentidos: o primeiro centrado nos recursos propriamente ditos e o segundo baseado nos conceitos de competências e capacidades dinâmicas da empresa. a) Visão Baseada em Recursos (RBV) Mascarenhas (2008, p. 99) afirma que “o desempenho da empresa depende dos recursos que esta possui e que lhe persos afirma ser necessário analisarmos não somente a estrutura, as ameaças e as oportunidades do ambiente competitivo - o que caracteriza o ambiente externo -, mas que sejam enfatizados os pontos fortes e fracos da empresa, que poderiam ser discutidos em termos de recursos da organização. Para Wernerfelt (1984, apud MASCARENHAS, 2008) um recurso pode ser entendido como qualquer ativo – tangível ou intangível – atrelado à organização. Na realidade, os recursos de uma empresa são os atributos - tangíveis e intangíveis - que possui, que lhe permitem
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mitem implantar estratégias diferenciadas”. A teoria dos recur-
conceber e implantar estratégias para competir no mundo dos negócios. Incluem-se entre esses atributos: todos os bens, as capacidades, os processos, os relacionamentos, os conhecimentos etc. Desse modo, o conceito de recurso na RBV inclui, não somente os recursos financeiros e físicos, mas também os recursos intangíveis. Para Barney (1986, apud MASCARENHAS, 2008) os recursos de uma empresa podem ser classificados em quatro grupos: • Recursos financeiros, que incluem todos os tipos de capital que a empresa dispõe para a implantação de ações estratégicas. • Recursos físicos, que abrangem a tecnologia física, fábricas, equipamentos, localização geográfica e acesso a matérias-primas. • Recursos humanos, que envolvem qualificação, experiência, inteligência, e relacionamentos dos funcionários. • Recursos organizacionais, que compreendem os
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atributos da empresa, permitindo que outros recursos sejam explorados para o alcance da vantagem competitiva, caso a empresa esteja organizada de forma a extrair valor dos recursos. São exemplos desse tipo de recurso: a estrutura formal da empresa, a cultura organizacional e os sistemas de coordenação e controle. Para outros autores, tais como Dierickx e Cool (1989, apud MASCARENHAS, 2008), os tipos de recursos centrais à RBV podem ser definidos como:
Recursos não negociáveis, desenvolvidos e acumulados pela empresa, o que limita a imitação por possuírem dimensões tácitas, serem socialmente complexos e surgirem como resultado da aprendizagem da empresa (DIERICKX e COOL, 1989, apud MASCARENHAS, 2008, p. 100).
De acordo com Teixeira e Zacarelli (2008), a RBV entende a empresa como um conjunto de recursos tangíveis e intangíveis. Os teóricos dessa abordagem argumentam que a vantagem competitiva sustentável provém de um conjunto único de recursos que os concorrentes não podem imitar. Conforme as autoras, as vantagens baseadas em recursos facilmente disponíveis são tipicamente imitáveis e, por isso, não caracterizam fontes de Vantagem Competitiva Sustentável (VCS), como o caso de recursos tangíveis, por exemplo matéria prima. Por outro lado, os recursos intangíveis são fonte de vantagem competitiva sustentável. Segundo Barney (2002, apud MASCARENHAS, 2008) a vantagem competitiva vem dos recursos estratégicos desenvolvidos e controlados pela empresa. Nem todos os recursos, no entanto, podem ser classificados como estratégicos. Alguns recursos são requisitos básicos de competitividade, garantindo apenas à empresa a possibilidade de competir, mas não a vantagem competitiva. O autor traça o modelo de análise, chamado de VRIO (valor, raridade, imitabilidade, organização), conforme pode ser observado no quadro a seguir, no qual são estabelecidos os quatro pré-requisitos para um recurso ser considerado estratégico: 1. Valor do recurso Este pré-requisito diz respeito à questão que liga a análise interna dos pontos fortes e fracos à análise exter-
na de ameaças e oportunidades. Procura-se responder à seguinte pergunta: “esse recurso permite implantar estratégias que oferecem valor ao mercado?”. Por exemplo, no que concerne à gestão de pessoas, as competências, os relacionamentos e a criatividade dos membros da equipe de desenvolvimento de produtos podem ser considerados recursos valiosos de uma empresa, caso permitam a geração de valor a partir do lançamento de produtos inovadores no mercado. 2. Raridade do recurso A raridade destaca que os recursos que trazem vantagem competitiva para uma empresa são aqueles que permitem a implantação de uma estratégia de valor que não é simultaneamente utilizada por outras empresas. 3. Imitação ou substituição do recurso Além de valioso e raro, o recurso só continuará estratégico se outros concorrentes não puderem imitá-lo perfeitamente ou substituí-lo por outro, implantando estratégias parecidas. A empresa só consegue sustenempresa isolada de cópia por parte de outras empresas.
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tar a vantagem competitiva se mantiver a estratégia da 68
Por exemplo, é difícil para um concorrente imitar a competências de uma equipe de desenvolvimento de produtos bem sucedida, ainda que ele transfira a equipe para a sua empresa. Recursos como cultura organizacional da empresa de origem poderia ser associada aos seus altos níveis de desempenho, não sendo possível a cópia. De acordo com Teixeira e Zacarelli (2008) um recurso é valioso se ele permite à empresa explorar oportunidades no mercado ou neutralizar as ameaças competitivas. A rari-
dade é uma função do número de empresas que possuem o recurso. Quanto mais empresas detêm um recurso particular, menor é a possibilidade de esse recurso resultar em rendas superiores. A imitabilidade pode ser o resultado de três condições: • Condições históricas únicas que envolvem um conhecimento particular, que pode ser difícil dos concorrentes compreenderem. • Ambiguidade causal que ocorre quando recursos valiosos explorados pela organização não podem ser perfeitamente identificados e compreendidos pelos concorrentes por serem particulares e inerentes à organização (por exemplo, o conhecimento tácito). • Complexidade social que abrange o conhecimento tácito de relações interpessoais, com os stakeholders e a cultura organizacional. Ou seja, são difíceis de serem replicados, pois estão embutidos em complexos sistemas sociais. 4. Organização para a utilização eficaz dos recursos tituível – só será estratégico se a empresa estiver adequadamente organizada para explorá-lo. São diversos os atributos organizacionais que são importantes nesse sentido, como a cultura organizacional, os sistemas de gestão de pessoas e a estrutura organizacional formal e informal.
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Um recurso – valioso, raro, de difícil imitação e insubs-
Modelo VRIO: Pré-requisitos para um Recurso Ser Considerado Estratégico
É valioso?
É raro?
É de difícil imitação?
Vantagem É bem competitiva explorado? sustentável (VCS)
A questão do valor
O recurso deve permitir que a empresa responda adequadamente a oportunidade e ameaças do ambiente de competição
A questão da raridade
O recurso valioso não deve estar disponível a outras empresas.
A questão da imitabilidade
O recurso valioso e raro não poderá ser copiado ou substituído facilmente por outras empresas.
A questão da organização
Para ser considerado recurso estratégico, a empresa deverá estar organizada adequadamente para explorar um recurso valioso, raro e dificilmente imitável. Fonte: Mascarenhas, 2008, p. 104.
b) Competências e capacidades dinâmicas Considerando o ambiente atual marcado pelo crescente ritmo de mudanças, é importante pensar a sustentabilidade da estratégia. Para Albuquerque e Leite (2009) esse concei-
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to está associado à capacidade de garantir um desempenho superior à firma, mantendo retornos acima da média da indústria, por um determinado período de tempo. Segundo os autores, a dimensão tradicional no estudo do desempenho de organizações é a financeira, mas outras dimensões qualitativas e ativos intangíveis devem ser considerados, tais como: flexibilidade, competências organizacionais, dentre outros. De acordo com Gomes et al (2008), no âmbito organizacional o termo competência aparece associado à competitividade e à vantagem competitiva, sendo tratado por diferentes nomenclaturas, tais como: competências essenciais,
competências distintivas, capacidades essenciais e capacidades organizacionais. Embora haja diferenças entre esses termos, todos apresentam um ponto em comum: conferir competitividade a uma organização e ser um fator de influência dentre os componentes de uma fonte de vantagem competitiva. Dentro desse entendimento, é possível agrupar todos os termos em um mais abrangente – competência organizacional –, que pode ser conceituado da seguinte forma:
Assim como os recursos, as competências estão distribuídas de forma heterogênea entre as empresas. Uma competência organizacional não é constituída por recursos isolados, mas pelo resultado de múltiplos recursos disponíveis à organização e integrados ao longo de sua história. No curto prazo, as organizações dependem de seus recursos e de suas competências atuais. Isso acontece porque as empresas não têm a capacidade de desenvolver novas competências e inte-
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Competência organizacional é o resultado de uma combinação estratégica de recursos, habilidades e processos organizacionais, os quais são orientados e integrados para o atendimento de uma ou mais necessidades de clientes; e que, em virtude de suas propriedades únicas, contribui de forma relevante para a geração de valor e para a formação de vantagem competitiva sustentável. A sustentabilidade se explica pelo fato de que as competências organizacionais não ocorrem de forma aleatória, nem são intermitentes. Adquirem perfil sistemático e comportamento consistente, ao longo do tempo, por serem incorporadas aos processos e rotinas organizacionais. Em decorrência, caracterizam-se pela durabilidade e perfil de longo prazo (GOMES et al, 2008, p. 219).
grar novos recursos rapidamente, além do fato de alguns desses recursos não estarem prontamente acessíveis para serem integrados, tais como conhecimento tácito, experiência de produção e reprodução da marca (TEECE et al, 1997, apud MASCARENHAS, 2008). As prescrições da RBV contribuíram para a escolha de estratégias capazes de garantir uma vantagem competitiva sustentável desde que a dinâmica de mercado permaneça relativamente estável. No entanto, um recurso estratégico pode perder esse status no caso de inovações ou mudanças significativas na dinâmica do mercado, haja vista, por exemplo, o caso de muitas empresas do setor de tecnologia, com recursos protegidos por patentes que não têm se mostrado suficientes para sustentar as vantagens competitivas no médio e longo prazo, ou ainda, conforme assinala Mascarenhas (2008), o caso da Kodak e de suas competências com filmes fotográficos. Desse modo, é importante um referencial teórico complementar, capaz de analisar o dinamismo atual de mercado, no sentido de explorar melhor a questão da sustentabilidade das vantagens competitivas. É nesse contexto que se insere a abordagem das capa-
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cidades dinâmicas. A vantagem competitiva de uma organização deve ser pensada em termos da capacidade gerencial de articular e reconfigurar recursos continuamente de maneira a sustentar posições favoráveis de mercado (TEECE et al, 1997, apud MASCARENHAS, 2008, p. 106).
Essa afirmação sugere a importância da função “gestão de pessoas”, que estaria por trás da mobilização de capacidades para a reconfiguração da base de recursos.
Para Teece et al (1997, apud ALBUQUERQUE e LEITE, 2009, p. 31), “as capacidades dinâmicas dizem respeito à capacidade de renovar competências para estar em consonância com o ambiente empresarial em mutação”. A gestão estratégica de uma organização deve ser capaz de adaptar, integrar, reconfigurar habilidades organizacionais internas e externas, recursos e competências funcionais, para atender às necessidades de um ambiente em constante mutação. Assim como as competências essenciais, as capacidades dinâmicas pressupõem o alcance de vantagem competitiva sustentável. Os autores mencionam três fatores como determinantes das capacidades dinâmicas de uma organização: 1) Os processos organizacionais, associados à eficiência e à eficácia na coordenação e na integração de recursos internos e externos da organização, no sentido de reconfigurá-los para aumentar a aprendizagem e obter vantagem competitiva. 2) As posições ou situação em termos de recursos (asset positions) referem-se às posturas estratégicas de mercado, que são determinadas pelos processos de aprendizagem e pelos ativos específicos que a orgafinanceiros, estruturais, institucionais etc. 3) As trajetórias ou caminhos evolutivos (paths), que mostram as ações a serem empreendidas pela empresa, o que ela pode fazer ou onde ela pode chegar, dependendo do caminho evolutivo trilhado até o momento. Hogarth e Michaud (1991, apud MASCARENHAS, 2008) colocam que ao assimilarmos a dinâmica da construção de vantagem competitiva, deve-se ir além da posse sim-
73 Gestão Estratégica de Pessoas como Potencial Competitivo
nização detém. Esses ativos podem ser tecnológicos,
plesmente de recursos estratégicos, sendo necessário viabilizar duas situações: a) a alavancagem de recursos de uma firma, que deve agir para aperfeiçoar, recombinar e renovar seu estoque de recursos com vistas à criação de novos mercados e; b) a regeneração de recursos, que diz respeito ao desenvolvimento de uma capacidade superior da empresa: a construção de competências ligadas à própria capacidade de gerar novos recursos. Entre as abordagens coerentes com a noção de capacidades dinâmicas está a teoria das competências essenciais (core competencies), de Prahalad e Hamel (1997, apud MASCARENHAS, 2008). Segundo os autores, as empresas devem ser vistas como um conjunto de competências e de capacidades, sendo a competição por competências essenciais a essência da concorrência, que se sobrepõe à noção tradicional de competição por mercados e produtos. Essa abordagem salienta a importância do desenvol-
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vimento de competências essenciais das firmas, que orientariam sua atuação competitiva, destacando a importância da contínua evolução da dotação de recursos da empresa. Segundo a teoria das competências essenciais, as organizações devem desenvolver continuamente suas competências desenvolvendo três critérios: a) Ser valiosa e versátil, no sentido de proporcionar acesso a ampla variedade de mercados. b) Oferecer reais benefícios aos consumidores. c) Ser de difícil imitação. O domínio de determinada
competência essencial definirá em quais mercados a empresa pode competir com sucesso. O foco nas competências essenciais deverá acontecer de forma a criar um sistema integrado que reforce a troca entre os diferentes tipos de conhecimentos da organização, aqueles relacionados à tecnologia, à produção, ao gerenciamento etc.
2.3 A Aprendizagem Organizacional A aprendizagem organizacional é a capacidade que a empresa tem para manter ou melhorar seu desempenho com base na experiência adquirida. Pode ser definida, de acordo com Gomes (2008, p. 233), como a “capacidade de uma organização adquirir conhecimentos com sua experiência e a experiência dos outros e modificar sua forma de funcionar de acordo com seus conhecimentos”. Uma aprendizagem só ocorre quando resulta de uma ação modificadora. A aprendizagem organizacional ocorde desempenho a fim de antecipar e/ou reagir às mudanças ambientais, descartando padrões que não são mais necessários. A partir do momento em que as empresas adotam a aprendizagem como um processo que incorpora erros e acertos é que se tem um ciclo de aprendizagem. O conceito de aprendizagem organizacional assume importância por abranger os processos pelos quais a organização desenvolve seu conjunto de competências de maneira contínua, de modo a sustentar seu desempenho. Para Mascarenhas (2008) a ideia de aprendizagem organizacional
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re quando a organização é capaz de alterar seus padrões
diz respeito ao aprimoramento das competências existentes e ao desenvolvimento de novas competências necessárias ao sucesso da organização, que acontece por meio de processos inter-relacionados de aprendizado, abrangendo os três níveis: dos indivíduos, dos grupos e da organização. A dinâmica de aprendizagem organizacional tem gerado muitas definições sobre esse fenômeno. Entretanto, é comum à grande parte delas, a concepção de aprendizagem organizacional ser mais do que simplesmente a soma da aprendizagem de seus membros. Angeloni (2008) situa o processo de aprendizagem organizacional como uma forma de alavancar o conhecimento, uma vez que por meio da aprendizagem as empresas conseguem adaptar, criar e recriar processos e atividades, requisitos fundamentais para as organizações que procuram vantagens competitivas sustentáveis. Para as organizações é fundamental que o aprendizado individual, como também o conhecimento gerado a partir dele, possa ser incorporado à memória da empresa, proporcionando a aprendizagem organizacional e evitando que o conhecimento gerado por ela, quando individual, saia da empresa quando, por exemplo, um colaborador dela se desli-
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ga. Desse modo, segundo a autora, a aprendizagem individual deve ser inicialmente analisada como referência para que se possa compreender o seu processo organizacional. Para Peters (1998, apud ANGELONI, 2008) aprender é um processo que implica entendimento do passado — para evitar a repetição de erros —, a capacitação no presente e o preparo adequado para o futuro. Por sua vez, a aprendizagem, conforme Fleury e Fleury (1995, apud ANGELONI, 2008), é um processo de mudança resultante de prática ou experiência anterior, que pode manifestar-se em uma mudança perceptível de comportamento ou não.
O aprendizado individual pode ser entendido como um ciclo no qual a pessoa assimila um novo dado, reflete sobre as experiências passadas, chega a uma conclusão e, em seguida, age. Ciclo de aprendizado individual Aprendizado individual
Apredizagem
Interpretação
(Significado dos dados fornecidos)
Memória Modelos mentais individuais
Reação do ambiente
Procura
(coleta dados)
Ação tomada Ação individual
Fonte: Angeloni, 2008, p. 137.
A figura que acabamos de ver descreve o ciclo de aprendizagem individual. O indivíduo traz lembranças do passado relacionadas às reações do ambiente, chegando a conclusões sobre o novo fragmento de informações obtidas. Elas são armazenadas em seu modelo mental individual e, ao final do processo, o novo aprendizado pode gerar (ou não) uma nova ação. dizado individual ocorre ele é armazenado em modelos mentais individuais, pois representa muito mais que memorização, envolvendo a produção ativa de novos conhecimentos, a visão pessoal do mundo, abrangendo percepções, determinando como a informação armazenada poderá ser aplicada em determinada situação. Para Senge (1990 apud GOMES et al, 2008) modelos mentais são ideias profundamente arraigadas, generalizações, ou mesmo imagens que influenciam nosso modo de encarar o mundo e nossas atitudes.
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De acordo com Gomes et al (2008), quando o apren-
O aprendizado individual é captado em modelos mentais por meio de dois caminhos: 1. do aprendizado operacional, que produz rotinas ou as revisa em substituição às antigas ou desgastadas. 2. do aprendizado conceitual, que conduz a mudanças nas estruturas, levando novas maneiras de ver o mundo e novas ações. O processo de aprendizagem organizacional pode ser entendido como uma continuação do processo individual, que se caracteriza pela coletividade e pela captura dos conhecimentos dos membros da organização. Dessa forma, conforme Angeloni (2008), a aprendizagem organizacional é a capacidade de criar novas ideias, multiplicada pela capacidade de generalizá-las por toda a empresa. Corresponde à forma pela qual as organizações constroem, mantêm, melhoram e organizam o conhecimento e a rotina em torno de suas atividades e culturas, a fim de utilizar aptidões e habilidades de sua força de trabalho de modo cada vez mais eficiente. A figura a seguir apresenta o ciclo de aprendizagem Gestão Estratégica de Pessoas
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organizacional. As ações individuais convergem em ações organizacionais, produzindo resultados. As reações ambientais funcionam como uma retroalimentação do aprendizado individual que influencia os modelos mentais individuais e a memória organizacional.
Ciclo de aprendizado organizacional Apredizado individual
Reação ao ambiente
Modelos mentais individuais
Ação individual
Memória organizacional
Ação da organização
Aprendizado organizacional Fonte: Angeloni, 2008, p. 138.
Para Gomes et al (2008), a aprendizagem organizacional difere da individual em dois aspectos: a) ela ocorre pelas percepções, conhecimentos e modelos mentais compartilhados; b) o aprendizado é constituído com base em conhecimentos e experiências passadas, com base na memória
As pessoas aprendem de maneiras diferentes, o mesmo ocorre com as organizações. Conforme Mascarenhas (2008), quando algo dá errado e o indivíduo deve corrigir o erro, surge a necessidade de aprendizagem, que assume duas formas: 1) Aprendizagem de circuito simples (single loop learning) Está baseada na detecção do erro e na sua correção, preservando-se, no entanto, os pressupostos que geraram
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organizacional.
a estratégia de ação. É o caso, por exemplo, do indivíduo que transforma suas práticas, na medida em que elas não contradigam seus pressupostos e valores de base. Não há incorporação de novos comportamentos que ameacem sua autoimagem ou os elementos constitutivos de sua identidade. Argyris e Schon (1978, apud MASCARENHAS, 2008) sugerem ser a aprendizagem de circuito simples a resposta dos membros de uma organização às mudanças no ambiente interno e externo por meio de correções de erros, de forma a manter intocadas as premissas das ações praticadas na organização. No processo de aprendizagem algumas empresas dedicam-se à aprendizagem de circuito simples, no qual os erros são detectados e sua correção baseia-se em rotinas passadas e com políticas atuais. Essa forma de aprendizagem não permite mudanças profundas na organização, permanecendo somente no nível mais superficial das mudanças e com adaptações contínuas ao ambiente. Por exemplo, um feedback operacional pode corrigir erros detectados, modificando as rotinas para manter o desempenho organizacional. É o caso de consumidores que reclamam ao Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC)
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da empresa, que o exemplar de uma revista chega à residência do assinante depois que a revista é veiculada em bancas de jornal. A empresa reformula a logística da distribuição e o problema é solucionado. 2) Aprendizagem de circuito duplo (double loop learning) Trata-se de questionar não somente as estratégias de ação, mas as próprias variáveis que tentamos controlar. A aprendizagem de circuito duplo é um processo de percepção e de exploração das possibilidades do ambiente, no qual o indivíduo tem, em um primeiro momento, acesso a novas informações.
Em um segundo momento, esse aprendiz compara as informações obtidas com as normas de funcionamento de dado sistema ou realidade, ao que se segue o questionamento da pertinência dessas normas e a iniciação de ações corretivas apropriadas, que podem envolver a mudança das práticas, prioridades, valores e pressupostos daquele sistema ou realidade. Esse processo pode levar a transformações nas maneiras como compreendemos as variáveis relevantes e como pensamos nossas estratégias e possíveis consequências. Essas ideias podem ser representadas como na figura a seguir. Aprendizagem de circuito simples e circuito duplo Variáveis
Estratégias de ação
Consequências
Aprendizagem de Circuito Simples Aprendizagem de Circuito Duplo Fonte: Mascarenhas, 2008, p. 116.
Conforme Gomes et al (2008), algumas empresas buscam o aprendizado mais profundo, de circuito duplo, que da empresa, com ampla revisão de sistemas. Os erros são corrigidos por ações que podem modificar objetivos, políticas e as rotinas-padrão da empresa, pois a aprendizagem desafia as premissas e normas profundamente arraigadas dentro da organização. Ela permite grandes avanços na qualidade e no posicionamento de mercado. É o que acontece, por exemplo, quando uma empresa opta por vender seus produtos somente para a classe de baixa renda. Toda a sua estrutura de negócios, envolvendo equipes de vendas, investimentos em marketing, políticas de crédito ao consumidor e financiamentos
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pode envolver mudança fundamental na direção estratégica
deverão ser realinhadas, assim como as rotinas de trabalho e o envolvimento dos colaboradores serão também afetados. A aprendizagem organizacional acontece à medida que adaptações, descobertas e inovações são incorporadas às imagens e representações que os indivíduos possuem e aos mapas que os indivíduos constroem coletivamente. Segundo Daft e Eick (1984, apud MASCARENHAS, 2008) a aprendizagem implica em nova resposta ou ação ante a interpretação, gerando novos dados a serem interpretados em um mecanismo de feedback à ação organizacional. Nessa perspectiva, a aprendizagem organizacional pode ser considerada uma modificação no sistema de conhecimento organizacional que capacita a aperfeiçoar seu entendimento e avaliação de um ambiente interno e externo. Tanto no nível individual como no organizacional, aprender significa aperfeiçoar os elementos conceituais e operacionais dos modelos mentais. A aprendizagem organizacional ocorre se os indivíduos explicitam seus modelos mentais e os modificam mutuamente pela criação de modelos mentais compartilhados. Para Angeloni (2008), assim como se dá na aprendizagem individual, a organização apresenta dois níveis de aprendizado: o aprendizado operacional – mudanças na maneira
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de efetuar o trabalho – e o aprendizado conceitual – o porquê de se realizar tais mudanças. De acordo com a autora existe o risco de não se completar o ciclo de aprendizagem, caso um dos vínculos seja enfraquecido ou rompido. O aprendizado situacional ocorre quando o vínculo entre o aprendizado individual e o modelo mental individual é cortado e o aprendizado é ocasionando, porém sem alteração dos modelos mentais. O aprendizado fragmentado ocorre quando o vínculo entre os modelos mentais individuais e a memória organizacional é quebrado, ocasionando uma mudança nos modelos
mentais individuais sem alteração da memória organizacional. O aprendizado oportuno ocorre quando o vínculo entre a memória organizacional e a sua ação é rompido, ocasionando ações organizacionais sem que se leve em conta a memória organizacional ou seus valores e cultura. Modelo Integrado de Aprendizagem Organizacional
MEMÓRIA ORGANIZACIONAL Aprendizado individual Aprendizado conceitual Aprendizado situacional
Reação ao ambiente
Aprendizado operacional
A Modelos Mentais Individuais Estruturas
Aprendizado fragmentado
Ação individual
Rotinas
B Memória Organizacional Concepção
Ação da organização
Procedimentos operacionais
Aprendizado organizacional
C
Fonte: Angeloni, 2008, p. 140.
A figura que acabamos de ver mostra o modelo integrado de aprendizagem organizacional. É possível observar que a aprendizagem organizacional, para ser alavancada, precisa ser gerenciada por meio de seu ciclo completo: aprendizado individual, organizacional e os vínculos entre os dois processos, ao mesmo tempo em que se deve tomar cuidado com as barreiras ao aprendizado organizacional (A, B e C).
83 Gestão Estratégica de Pessoas como Potencial Competitivo
Aprendizado oportunístico
Antonello (2005) destaca sete características que permeiam as diversas perspectivas da aprendizagem organizacional. Em sentido amplo, esse conceito parece assumir determinadas dimensões, como resume o quadro abaixo. Aprendizagem organizacional: dimensões conceituais básicas Foco no processo
A aprendizagem organizacional é um processo contínuo e abrangente.
Noção de mudança
A aprendizagem organizacional envolve mudanças nos padrões de comportamentos.
Natureza coletiva
A aprendizagem organizacional enfatiza a interação e o coletivo.
Foco na criação e na reflexão
A aprendizagem organizacional é o processo-base para o questionamento e para a inovação.
Foco na ação
De uma perspectiva pragmática, pela apropriação e disseminação do conhecimento. De uma perspectiva sociológica, pela ênfase na interação social, na experimentação e no compartilhamento de experiências.
A aprendizagem ocorre em função da situação e Abordagem do contexto social, sendo carregada de significacontingencial dos culturais. Abordagem cultural 84
Como um fenômeno coletivo e baseado em uma historia compartilhada, a aprendizagem organizacional é um processo por meio do qual são construídos os significados comuns à coletividade.
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Fonte: Mascarenhas, 2008, p. 122.
Parte dos estudos sobre aprendizagem organizacional assume a relevância de uma visão baseada em conhecimentos, que seriam os recursos estratégicos mais relevantes às firmas. Entre os modelos teóricos que tratam do conhecimento nas organizações, Nonaka (1991, apud MASCARENHAS, 2008) discute as interações dinâmicas entre duas dimensões da criação de conhecimento: a transformação do conhecimento tácito em conhecimento explícito e vice-versa e a manipula-
ção, a integração e a transferência desses conhecimentos entre os níveis: individual, grupal e organizacional, que são dimensões cruciais aos processos de aprendizagem organizacional. O conhecimento tácito é pessoal, específico ao contexto e às experiências pessoais, além de difícil de ser comunicado. O conhecimento explícito se refere àquele transmissível às várias esferas da organização, em linguagem formal e sistemática. Para Grant (1996, apud MASCARENHAS, 2008) enquanto a integração do conhecimento explícito levanta proporcionalmente menos questões, o conhecimento tácito pode ser integrado pela sua codificação em normas e regras explícitas ou pelo conhecimento de rotinas. Essas propostas assimilam questões relevantes para a transferência de conhecimentos entre níveis organizacionais, isto é, conhecimentos dos indivíduos sendo transferidos a outros níveis, gerando aprendizagem organizacional. Conforme Gomes et al (2008) a aquisição do conhecimento organizacional está relacionada diretamente à experiência dos colaboradores da empresa e, indiretamente, à experiência de outras empresas. Os colaboradores contribuem com seu conhecimento técnico, com suas habilidades, sua prática no trabalho para a melhoria contínua da empresa. práticas podem afetar diretamente a concorrência, obrigando uma empresa a mudar seus procedimentos. A disseminação do conhecimento remete ao conhecimento explícito, aquele que pode ser compartilhado ou transmitido na organização. Ele pode se dar de maneira formal ou informal, utilizando vários caminhos, como: boletins, telefone, internet etc. O uso do conhecimento diz respeito à mudança de decisões, aos comportamentos dos colaboradores e à cultura da organização. Caso o conhecimento não seja colocado em prá-
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Outras empresas servem como exemplo e suas experiências e
tica ou os comportamentos da organização não sejam alterados, o ciclo de aprendizagem organizacional ficará incompleto. Toda vez que um conhecimento é gerado e difundido na organização surge certo desafio para seus membros que faz com que revejam seus conceitos e adaptem-se a determinadas mudanças. Cabe às empresas criar esforços para promover sistemas motivadores e incentivos para o uso do conhecimento. Para Angeloni (2008) a aprendizagem organizacional torna-se uma vantagem competitiva por proporcionar às organizações formas de alavancar o conhecimento e as maneiras de aprender e de reaprender, de acordo com a estabilidade (ou instabilidade) que se forma no ambiente onde estão inseridas. Os profissionais que aprendem têm demonstrado algumas motivações, dentre as quais, segundo a autora, se destacam: • Competitividade: a aprendizagem surge como uma resposta para manter a longevidade das empresas. • Ambiente permanente de mudanças: o ambiente imprevisível impele as pessoas a novas situações, o que requer delas a renovação constante das habilidades; isso contribui para que a aprendizagem se torne a forma mais eficaz para se alcançar êxito.
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• Entendimento do negócio: as técnicas tradicionais de gestão não contemplam a chamada perplexidade dinâmica, ou seja, ações cujas consequências futuras demoram algum tempo para serem percebidas. A aprendizagem permite que se conheça como as ações presentes poderão influenciar o futuro. Ao compartilharem ideias, os profissionais da empresa se aproximam da compreensão de qual o negócio da empresa, qual o ambiente em que está inserida e como melhorá-la constantemente.
• Preparação para o futuro: a aprendizagem permite construir um ambiente que facilite e estimule a mudança, a disseminação das informações e dos conhecimentos gerados ou não pela organização, facilitando o seu gerenciamento. • Desempenho de equipes: a necessidade de se trabalhar em equipes trouxe a exigência de se estabelecerem novas formas de: organizar as tarefas, acompanhar os resultados e avaliar o sucesso dos processos de operação e gestão em uma organização. A aprendizagem surge como resposta a essas transformações. A ênfase na aprendizagem organizacional, na inovação e no desenvolvimento de competências nos indica a relevância de pensarmos as relações entre organizações. No atual contexto dinâmico caracterizado por fortes instabilidades e inseguranças, a capacidade de se aprender com outras empresas e parceiros é uma maneira muito importante de ajudar uma firma a alcançar seus objetivos principais, como maior participação no mercado, melhor rentabilidade em longo prazo e base maior de capacidades e conhecimentos centrais. Como muitas empresas vêm aumentando a sua participrocura demonstrar o quanto são importantes a transferência e a absorção mútua de conhecimentos no processo de formação e de consolidação de alianças estratégicas (KLOTZLE, 2002). Para Mascarenhas (2008) as organizações estabelecem relacionamentos com outras organizações, em busca de sinergia que alavanque o potencial coletivo de desenvolvimento. A sinergia ocorre quando empresas colaboram com o objetivo de produzir novos conhecimentos. Dentre as vantagens da construção de parcerias estratégicas, estão: o acesso a novas
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pação em parcerias, a teoria de aprendizagem organizacional
tecnologias e novos conhecimentos, as economias de escala e a redução do risco em decisões conjuntas. “Uma rede interorganizacional pode ser conceituada como um arranjo institucional de longa duração entre organizações distintas, mas associadas” (SYDOW, 1998 apud MASCARENHAS, 2008, 121). Uma característica das parcerias é importante: as instituições parceiras são interdependentes com relação à realização das metas acordadas. Diversos tipos de arranjos institucionais podem ser considerados parcerias estratégicas: joint ventures, arranjos de licenciamento, desenvolvimento conjunto de projetos, implantação compartilhada de processos como compras e produção e arranjos que são capazes de alavancar o desenvolvimento de competências organizacionais por meio de recursos compartilhados. Uma parceria estratégica envolve a troca de conhecimentos entre as empresas, o que acarreta uma série de implicações gerenciais e estratégicas consideráveis. Entre esses conhecimentos há planos estratégicos futuros, conhecimentos sobre processos de produção, tecnologias e capacidades coletivas etc. Desse modo, assim como nas equipes de trabalho de uma organização, a confiança mútua entre organizações é essencial para o trabalho cooperativo em redes de par-
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cerias, pois viabiliza: a construção de estratégias coletivas, a coordenação das atividades, a troca aberta de informações e conhecimentos, o gerenciamento de conflitos e as oportunidades para a mudança organizacional. Assim, de acordo com Mascarenhas (2008), empreendedorismo e aprendizagem organizacional vêm acontecendo no contexto de redes interorganizacionais cuja infraestrutura vem sendo facilitada com o desenvolvimento da tecnologia da informação. A aprendizagem acontece no âmbito da execução conjunta de estratégias e da resolução de problemas.
Saiba Mais • C.K. Prahalad, falecido em abril de 2010 é um dos mais influentes especialistas em estratégia empresarial. Internacionalmente consagrado por sua contribuição ao pensamento estratégico corporativo, é considerado um dos dez maiores “gurus” de administração e negócios do mundo. É autor de várias obras, entre as quais os best-sellers “Competindo pelo Futuro” (Ed. Campus), escrito com Gary Hamel e publicado em 20 idiomas e “A Riqueza na Base da Pirâmide”. • Para conhecer um pouco sobre as competências organizacionais e essenciais de Prahalad e Hamel, acesse o link http://gentecomvoce.blogspot.com/2010/02/core-competences-sob-otica-de-prahalad.html. • Outro website interessante com as ideias de Prahalad sobre o tema pode ser acessado em http://casesdesucesso. files.wordpress.com/2010/01/entrevista_prahalad.pdf
REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, L. G. de; LEITE, N. P. Gestão estratégica de pessoas: conceito, evolução e visão. In: ALBUQUERQUE, L. gicas. São Paulo: Atlas, 2009. ANGELONI, M. T. (Coord.) Organizações do conhecimento: infra-estrutura, pessoas e tecnologias. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. GOMES, C. E. et al. Competências organizacionais e individuais: o que são e como se desenvolvem. In: HANASHIRO, Darcy Mitiko Mori, TEIXEIRA, Maria Luisa Mendes e ZACCARELLI, L. M. (org). Gestão do fator humano: uma visão baseada nos stakeholders. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
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G. de; LEITE, N. P. Gestão de pessoas: perspectivas estraté-
KLOTZLE, M. C. Alianças estratégicas: conceito e teoria. Revista de Administração Contemporânea. Curitiba, v6, n1, jan./abr. 2002. Disponível em http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1415-65552002000100006 . Acesso em: out.2010 LEITE, A. L. da S. Competitividade, mercados e estratégia. In: ANGELONI, M. T.; MUSSI, C. C. (org). Estratégias: formulação, implementação e avaliação – o desafio das organizações contemporâneas. São Paulo: Saraiva, 2008. MASCARENHAS, A. O. Gestão estratégica de pessoas. São Paulo: Cengage Learning, 2008. PRAHALAD, C. K.; HAMEL, G. Competindo pelo futuro: estratégias inovadoras para obter o controle de seu setor e criar os mercados de amanhã. In: HARVARD BUSINESS SCHOLOL PRESS. 10 Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1995. SERIO, L. C. Di; VASCONCELLOS, M. A. de. Estratégia e competitividade empresarial: inovação e criação de valor. São Paulo: Saraiva, 2009.
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GestĂŁo EstratĂŠgica de Pessoas como Potencial Competitivo 91
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G estão estratégica de pessoas: perspectivas sobre um novo modelo de atuação
Profª Ms. Dália Derner
O bjetivos • Analisar o papel estratégico da gestão de pessoas no ambiente dinâmico e competitivo das organizações contemporâneas. • Apresentar um modelo estratégico de gestão de pessoas alinhado às necessidades atuais das organizações. Conteúdo apresentado • Antes de começar; • Dos comportamentos às competências; • De alinhamento estratégico à flexibilidade organizacional; • Das culturas organizacionais fortes à diversidade cultural; • Reestruturando a função gestão de pessoas.
3.1 A ntes de começar As duas últimas décadas foram marcadas pela crescente percepção da importância da gestão de pessoas na compreensão e na geração de desempenho superior nas organizações. A análise dos referenciais teóricos recentes sobre vantagem competitiva sugere uma associação entre o desempenho da empresa, seus recursos, suas competências e seus processos internos, incluindo, aí, as pessoas e os processos de gestão de pessoas. Ao se adotar a RBV (vista na aula anterior) fica clara a relevância da função gestão de pessoas, que passa a ser entendida como um conjunto privilegiado de princípios, práticas, políticas e processos por meio dos quais competências e recursos organizacionais são desenvolvidos; entre eles estão: o capital humano (pessoas dotadas de inteligência em relação de emprego
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com a organização), o capital social (seus relacionamentos) e os sistemas de gestão capazes de satisfazer as demandas cotidianas e as expectativas dos grupos, retendo talentos e promovendo a aprendizagem ao reforçar culturas cooperativas de trabalho (MASCARENHAS, 2008). No Brasil, alguns autores, tais como Fischer (2002, apud MASCARENHAS, 2008, p. 127), denominaram esse modelo de “gestão de pessoas como vantagem competitiva”, definido como “todas as práticas e políticas que afetam o comportamento dos indivíduos em seus esforços para formular e implantar as necessidades estratégicas de um negócio”. Segundo esse modelo reformulado, a gestão de pessoas não se resume às ações planejadas e integradas por meio das quais são direcionados os comportamentos das pessoas
ao alcance das estratégias deliberadas da empresa. A gestão de pessoas, conforme Boxall (1996, apud MASCARENHAS, 2008), deve ultrapassar as noções reativas da implantação e da adaptação, sendo avaliada também pela sua capacidade de gerar e sustentar recursos estratégicos, desenvolver capacidades e competências organizacionais, criar organizações mais flexíveis e inteligentes que seus competidores, por apresentarem níveis superiores de coordenação e inovação. O objetivo reformulado da função gestão de pessoas seria fazer das pessoas recursos estratégicos capazes de dinamizar as organizações e de garantir a sustentabilidade sua competitividade por meio da aprendizagem constante (FISCHER, 2002 apud MASCARENHAS, 2008, p. 128). O papel da gestão de pessoas transcende as barreiras da simples implementação de estratégias e assume a responsabilidade compartilhada pela formulação das estratégias organizacionais, em um processo dinâmico de geração de configurações de recursos e competências únicas, que, por sua vez, precisam ser articuladas por configurações de estrapara cada organização. Mascarenhas (2008) classifica a recontextualização e as transformações de gestão de pessoas em três tendências: dos comportamentos às competências; do alinhamento estratégico à flexibilidade organizacional; e das culturas organizacionais fortes à diversidade cultural. Nesta aula iremos conhecer e entender essas três tendências.
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tégias, políticas e práticas de gestão de pessoas, particulares
3.2 D os comportamentos às competências Entre as implicações das reformulações no modelo de gestão estratégica de pessoas, pode ser destacado o novo status atribuído às pessoas nas organizações. Nas discussões precursoras da gestão estratégica de pessoas, anteriores a 1980, já se mencionava a importância das pessoas nas empresas por serem elas quem efetivamente operacionalizam as estratégias e geram resultados. Entretanto, as críticas a essas proposições denunciavam o status ainda reduzido das pessoas. De acordo com Lado e Wilson (1994, apud MASCARENHAS, 2008), o surgimento da gestão estratégica de pessoas assimilava uma perspectiva comportamental, segundo a qual as práticas de gestão de pessoas deveriam ser pensadas de forma a promover comportamentos adequados,
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em consonância com as decisões estratégicas tomadas pela alta direção das empresas. A perspectiva comportamental não oferecia uma explicação para a vantagem competitiva sustentável. Empresas copiavam práticas de organizações percebidas como detentoras de vantagem competitiva, no entanto, sem gerar o mesmo padrão de resultados acima da média. Em razão de estes resultados alcançados serem diferentes entre as organizações, a qualidade dos recursos humanos foi considerada um fator mediador relevante nessa relação. Essa crítica, de acordo com Mascarenhas (2008), salienta a necessidade de considerar as pessoas como fontes principais de vantagem competitiva, não por simplesmente desem-
penharem papéis definidos na implantação de estratégias, mas por apresentarem características singulares, diferenciais em relação a indivíduos de outras empresas, o que contribui para a geração de resultados organizacionais superiores. Pessoas formam o capital humano da organização que, conforme Gomes et al (2008), compreende: capacidades, conhecimentos, habilidades, criatividade, inteligência e experiências individuais dos colaboradores da organização. Ao empregarem pessoas, as organizações detêm um conjunto de capacidades a serem utilizadas para a geração de resultados empresariais superiores. Conhecimentos, relacionamentos, experiências e habilidades das pessoas têm valor econômico para as organizações, pois se integradas aos demais recursos, permite que elas produzam. Conhecimentos, experiência e habilidades detidas pelas pessoas em uma organização, quando raras, podem gerar níveis superiores de valor econômico, o que justifica as políticas e as práticas organizacionais de captação e retenção de talentos. De acordo com Mascarenhas (2008), as pessoas podem
• gerarem valor para a organização, ou seja, se os resultados de seus esforços alavancarem os resultados da empresa; e • se forem recursos raros. Desenvolver talentos é assegurar que os colaboradores de uma empresa desenvolvam, continuamente, novas habilidades e capacidades e se preparem para assumir novas responsabilidades. Essa função estabelece um vínculo importante entre o desenvolvimento de talentos e a realização dos objetivos e estratégias das organizações. Para Cheese (2009,
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ser consideradas recursos estratégicos, ou talentos, se:
p. 1) “o talento humano – a capacidade combinada e a disposição das pessoas em atingir os objetivos da organização – é um recurso produtivo ímpar, com aptidão exclusiva de agregar valor à organização”. Barney e Wrigth (1998, apud MASCARENHAS, 2008), cuja concepção pode ser observada no quadro a seguir, colocam que, assim como outros ativos, o capital humano tem valor de mercado, o que o diferencia é o fato de o valor potencial do capital humano ser totalmente realizado somente por meio da cooperação e do envolvimento das pessoas nos processos produtivos. Vantagem competitiva por meio das pessoas As pessoas podem ser consideradas recursos estratégicos em uma organização e, portanto, contribuir para a geração de vantagem competitiva se: Gerarem valor para a organização, isto é, se os reA questão do sultados de seus esforços alavancarem os resultavalor dos da empresa. Forem recursos raros. Sugerimos que, de fato, pesA questão da soas com competências superiores não são recurraridade sos disponíveis a todas as empresas.
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Os competidores não puderem reproduzir as quaA questão da lidades do capital humano gerador de resultados imobilidade superiores. As pessoas se articularem com outros recursos organizacionais, o que salienta a importância de A questão da sistemas de trabalho e de uma cutura que viabiorganização lize a cooperação e o desnvolvimento do máximo potencial dos indivíduos. Fonte: Mascarenhas, 2008, p. 138.
Para Mascarenhas (2008) ao se discutir a importância das pessoas na geração de vantagem competitiva, é necessário que se articulem dois elementos: • as qualidades distintivas dos indivíduos, abrangendo seus conhecimentos e habilidades; e
• os comportamentos e engajamentos efetivos dos indivíduos, mobilizados por meio de práticas consistentes de gestão de pessoas e capazes de gerar resultados superiores. Depreende-se daí a complexidade do conceito de competência por meio da qual as organizações sustentam seus patamares superiores de resultados organizacionais. Para o autor, a competência individual pode ser entendida como os conhecimentos, as habilidades, os comportamentos e as atitudes de um indivíduo que permitem a execução de determinadas ações com determinado nível de desempenho. Por sua vez, nas organizações a competência individual pode ser definida como: “(...) saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo (FLEURY e FLEURY, 2004, p. 30)”. A nova ênfase dada às pessoas e às suas qualidades distintivas nas organizações, desperta a atenção para uma conhecimento”. Foi Drucker (1999) o primeiro teórico a usar em suas aulas o termo knowledge worker (trabalhador do conhecimento). Do mesmo modo, foi um dos primeiros a chamar a atenção para o fato de que todos os tipos de trabalho, técnicos ou não, estão cada vez mais baseados no conhecimento. Para o autor, a aplicação do conhecimento no trabalho gerou o valor criado pela produtividade e pela inovação. Os “trabalhadores do conhecimento”, profissionais que sabem alocar conhecimentos para uso produtivo, passam a ser um dos principais grupos da sociedade do conhecimento; são as pessoas que estão e que estarão empregadas, pois possuem as
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emergente categoria, a dos chamados “trabalhadores do
“ferramentas de produção”, ou seja, seu próprio conhecimento, que podem levar com elas para onde forem. Gerir a atuação dos trabalhadores do conhecimento, de acordo com Mascarenhas (2008), incorpora questões importantes relacionadas à motivação e ao engajamento dessas pessoas no contexto da organização informatizada. O trabalhador do conhecimento tem que buscar a interação entre conhecimento técnico, gerencial e profissional, por meio do desenvolvimento de competências e habilidades inerentes à sua função. Por essa razão precisa gerenciar a si mesmo, pois enfrenta demandas totalmente novas. Para Albagli e Maciel (2002, apud MASCARENHAS), os trabalhadores do conhecimento são potenciais empreendedores nas organizações, mas não trabalham sozinhos. A capacidade empreendedora, geralmente associada somente à qualificação formal, requer processos interativos e cooperativos de aprendizagem, o que desloca o foco para a capacitação coletiva e para o empreendedorismo e a inovação. Desse modo, o fortalecimento do capital social na organização também se relacio-
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na diretamente ao máximo potencial das pessoas. A complexidade social é inerente ao capital social organizacional. Leana e Buren (1999, apud TEIXEIRA E ZACCARELLI, 2008) definem capital social organizacional como um recurso que reflete o caráter das relações sociais existentes na organização, decorrente da orientação coletiva para alcançar os resultados e a confiança compartilhada por seus membros, facilitando o aprendizado coletivo. Para Teixeira e Zaccarelli (2008), o capital social da organização, associado ao capital humano, compõe o capital organizacional, que por sua vez, compreende: cultura e sistemas organizacionais, reputação da empresa e de seus produtos, processos de produção, direitos de propriedade inte-
lectual dentre outros ativos. Esses elementos dependem das relações sociais e da confiança mútua, bases para o aprendizado coletivo, ou seja, do capital social organizacional que, por sua vez, depende do capital humano, conforme veremos na figura a seguir. Relação entre o capital humano, o social organizacional e o organizacional
Capital Organizacional Cultura organizacional. Reputação. Processo de produção. Direitos de propriedade intelectual.
Capital Social Organizacional
Capital Humano • • • •
Conhecimento. Habilidades. Experiências Individuais. Criatividade.
• • •
Relações sociais. Confiança mútua. Aprendizado compartilhado.
Fonte: Teixeira e Zaccarelli, 2008, p. 12.
De acordo com Mascarenhas (2008), a construção de organizações caracterizadas por altos níveis de capital social e confiança viabiliza a cooperação espontânea, na medida em que as pessoas trabalham conforme as normas éticas comuns. O desenvolvimento de competências organizacionais é um processo não só dependente de capital social e confiança, mas também de um promotor de sua construção. Investimentos em sistemas de gestão de pessoas que geram comprometimento e cooperação no trabalho podem ser vistos como investimentos na base de capital humano da organização, em antecipação a futuras necessidades. “Investir no capital humano significa promover a capacitação contínua,
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• • • •
a cooperação, a confiança, a autonomia, o empreendedorismo” (MASCARENHAS, 2008, p. 142).
3.3 D e alinhamento estratégico à flexibilidade organizacional As proposições iniciais da gestão estratégica de pessoas traziam como prescrição a necessidade de os sistemas de gestão de pessoas promoverem os comportamentos adequados para o alcance das estratégias corporativas, considerando-se os desafios que o ambiente competitivo imporia à organização. O alinhamento estratégico, conforme Mascarenhas (2008), pressupõe adaptação, ou seja, ao serem adotadas algumas estratégias na empresa, os profissionais de RH devem identificar suas implicações para a gestão de pessoas e viabilizá-las. Essas prescrições partem de duas premissas: a primei-
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ra, referente à estabilidade e previsibilidade dos ambientes competitivos e, a segunda, que diz respeito à supremacia do planejamento estratégico, tomado como base para a identificação das necessidades de gestão de pessoas. Ambas são de difícil sustentação. Em ambientes dinâmicos as necessidades de gestão de pessoas se transformam no ritmo dos desafios do mercado e das mudanças estratégicas, o que se contrapõe ao caráter reativo, e por vezes tardio, das iniciativas de gestão de pessoas. Ainda, algumas iniciativas empreendedoras emergem e influenciam os rumos de uma organização, tornando-se padrões estratégicos nas empresas. Esses aspectos reforçam as dificuldades que os profissionais de RH encontram ao buscar o alinhamento entre comportamentos e estratégias.
Em um ambiente de negócios turbulento e imprevisível, o alinhamento estratégico requer que se considere uma dimensão dinâmica. Surge, conforme Mascarenhas (2008), a necessidade de desenvolver a flexibilidade organizacional, como consequência da percepção da empresa como um contexto dinâmico, formado por grupos envolvidos em atividades e projetos estratégicos cuja evolução é pouco previsível. Marx (1997) define a flexibilidade organizacional como a capacidade de reação da organização frente aos sobressaltos impostos pelos movimentos de inovação, o que representa uma das vantagens competitivas na concorrência de mercado. Para Mascarenhas (2008) a flexibilidade organizacional pode ser percebida na capacidade da empresa em modificar parâmetros do alinhamento estratégico de gestão de pessoas quando as dinâmicas competitivas ou as orientações estratégicas se alteram. Wrigth e Snell (1998, apud MASCARENHAS, 2008) propõem que, ao se assumir a flexibilidade como uma dimensão do alinhamento estratégico, três focos devem ser observados:
veis de gestão de pessoas que possam ser rapidamente adaptados em casos de reorientações estratégicas. Por exemplo, um sistema de remuneração por desempenho é mais adaptável que a remuneração “fixa”, atrelada a cargos, uma vez que os critérios de desempenho podem ser mais facilmente alterados. • É necessário promover o desenvolvimento do capital humano de forma que a empresa conte com uma grande variedade de capacidades e conhecimentos, passíveis de serem utilizados em caso de reorientação estratégica. Para tal finalidade, a empresa tanto pode captar esses talentos no mercado ou desenvolver
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• Devem-se desenvolver sistemas e práticas flexí-
a capacidade das pessoas em direção à multifuncionalidade, como promover um perfil diversificado de profissionais, ou seja, as pessoas podem possuir competências mais restritas. Porém, a empresa pode ter à sua disposição pessoas com capacidades e conhecimentos diversos, necessários em situações diferentes. Uma prática, também muito utilizada atualmente para essa finalidade, é a contratação de colaboradores temporários (ou consultores). Por possuírem as competências necessárias a certas iniciativas da empresa, esses profissionais são chamados a contribuir, mas sem a garantia de integração permanente à empresa. • É preciso promover a flexibilidade de comportamentos entre os indivíduos. A flexibilidade organizacional depende de um vasto repertório de comportamento dos indivíduos. As pessoas constroem comportamentos baseadas na sua percepção e interpretação da realidade; armazenam as informações em uma série de scripts ou rotinas de comportamento. Ao
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viverem situações cotidianas, as pessoas comparam as situações aos scripts armazenados e os utilizam no caso de as associações serem coerentes. Dessa forma, um script ganha força ao ser utilizado muitas vezes e com sucesso. Uma organização mais dinâmica, ou seja, na qual os desafios e as questões cotidianas são mais imprevisíveis, as pessoas tendem a incorporar maior diversidade de scripts, de forma a construírem uma base mais ampla de comportamentos testados e incorporados. Por exemplo, cargos rigidamente definidos e sistemas de avaliação de desempenho que reforçam comportamen-
tos específicos tendem a diminuir a flexibilidade dos comportamentos dos indivíduos e, por conseguinte, da empresa. Promover a diversidade cultural, hoje, é uma ideia alinhada à necessidade de desenvolver a flexibilidade de comportamentos nas empresas.
3.4 D as culturas organizacionais fortes à diversidade cultural Estudos da cultura organizacional ganharam destaque durante a década de 1980, época a partir da qual a cultura organizacional surgiu como um conceito relevante para a gestão estratégica de pessoas. Alguns autores tais como Kotter e Hesket (apud CARVALHO, 2008) colocam que a cultura de uma organização deve se constituir em um ativo estratégico que lhe permita competir em vez de agir como empecilho. no exige que as empresas possuam em suas culturas valores como flexibilidade e inovação. É por meio delas que a organização ficará atenta a seu respectivo desempenho organizacional. Com essas concepções, os autores sugerem a existência de culturas mais adequadas à geração de níveis superiores de desempenho organizacional. De acordo com Kotter e Hesket (1994, apud TEIXEIRA et al, 2010), as culturas fortes apresentam uma lógica que envolve três aspectos: alinhamento das metas; criação de um nível de motivação elevado nos colaboradores; estrutura e controles que atendam às necessidades organizacionais. Outra característica dessa cultura são os valores e os métodos relacionados aos negócios serem partilhados
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A velocidade das transformações do mundo moder-
pela maioria dos gestores e adotados pelos colaboradores. Os valores têm raízes profundas, não mudando facilmente, mesmo quando ocorrem mudanças nos níveis mais elevados da empresa. Para Mascarenhas (2008) o conceito de culturas fortes diz respeito à internalização de um conjunto de valores caracterizados pela forte consistência interna, que reforça os comportamentos esperados, gerando a conformidade voluntária entre os indivíduos e os objetivos organizacionais. Apesar de autores reconhecerem a cultura como uma entidade dinâmica e de caráter histórico, que se forma lentamente à medida que as pessoas obtêm sucesso ao lidar com os desafios e problemas da organização, é possível conduzir racionalmente processos de mudança cultural. Com a emergência das organizações de aprendizagem, o conceito de culturas fortes passou a sofrer críticas. Diante do dinamismo dos cenários competitivos contemporâneos, organizações caracterizadas por um conjunto de valores internalizados pelos indivíduos, gerando grande conformidade e integra-
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ção, estariam menos aptos ao questionamento, à adaptação e à mudança desses valores. No dia a dia, uma cultura forte pode gerar conformismo e rigidez à medida que as pessoas não se sentem estimuladas a adotar valores, conceitos e prioridades considerados atípicos ou não compartilhados na organização. No caso de mudanças de cenários de negócios, uma cultura forte poderia ser substituída por outra, à custa de um período de transição, durante o qual as contradições percebidas pelos indivíduos poderiam minar a habilidade de a organização gerar comprometimento com quaisquer ideologias sugeridas. (MASCARENHAS, 2008) Legge (2005, apud MASCARENHAS, 2008) denuncia os perigos associados a essas culturas. Se as condições
ambientais mudam, a cultura organizacional forte, uma vez associada ao sucesso, pode induzir ao fracasso em virtude da inexistência de mecanismos capazes de perceber a necessidade de mudanças. No que se refere ao desempenho de organizações de aprendizagem, as discussões sobre as vantagens de se fomentar a diversidade cultural passam pela ideia anterior. Entre suas implicações, deveríamos instigar as pessoas a comprometimentos múltiplos, dentro e fora da organização, uma vez que a heterogeneidade de repertórios culturais permite interpretações diferentes dos eventos organizacionais, gerando tensões criativas e estimulando os indivíduos a pensar de maneira mais ampla e significativa sobre a realidade ao seu redor. No que diz respeito à gestão da diversidade, os debates tornam-se complexos ao tentarmos dar conta das dinâmicas organizacionais nas quais as vantagens potenciais da diversidade seriam realizadas. Para Hanashiro (2008), a força de trabalho nas organizações está se tornando cada vez mais heterogênea em atribuum fator importante que enfatiza a relevância da diversidade para as empresas é o uso crescente de times formados por membros de diferentes áreas funcionais em busca de uma vantagem competitiva. Conforme Mascarenhas (2008), o tema diversidade surgiu da crescente conscientização, em diversos setores de algumas sociedades, das desigualdades e injustiças que caracterizavam historicamente as estruturas sociais e, consequentemente, as organizacionais. Políticas de ação afirmativa surgiram nos Estados Unidos e Europa, alicerçadas na premissa de que as desigualdades sociais não poderiam ser consideradas fenômenos naturais, mas o resultado de padrões históricos cujo desenvolvimento teria levado a uma situação
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tos como idade, gênero, etnia e local de origem. Para a autora,
de concentração de poder e status em determinados grupos, em detrimento de minorias sociais. Políticas de ação afirmativa são estratégias para a reversão desse quadro histórico, por meio de iniciativas intervencionistas que garantem o acesso dos grupos, de alguma forma marginalizados, às diversas oportunidades de desenvolvimento e inserção na sociedade. Para Hanashiro (2008), além de mudanças no perfil demográfico, é importante considerar uma alteração comportamental na sociedade americana (país onde a diversidade é um dos temas mais amplamente discutidos). O conceito de tratar a todos de forma igual agora é repensado pela ênfase no tratamento individualizado. Para isso é relevante que sejam consideradas as diferenças culturais, educacionais, étnicas e de gênero que representam a atual força de trabalho. As políticas de gestão de pessoas deverão refletir as necessidades particulares das pessoas em vez de focar somente em um “molde” ou padrão para todos os colaboradores. Mascarenhas (2008) coloca que, no Brasil, a questão da diversidade nas organizações começou a inspirar discus-
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sões na década de 1980, quando grandes estudos denunciam a situação precária de grupos considerados desprivilegiados, entre os quais, mulheres e negros.
3.5 R eestruturando a função gestão de pessoas O aparecimento do modelo de gestão estratégica de pessoas caracterizou-se pela indicação de novas funções e responsabilidades a serem exercidas pela área de gestão de pessoas. Antes dos debates em torno da gestão estratégica
de pessoas, atribuía-se menor relevância ao impacto do fator humano nos resultados empresariais. Às chefias cabia o controle e a supervisão dos trabalhadores e, entre as funções tradicionalmente atribuídas à área de gestão de pessoas, seus profissionais deveriam se responsabilizar pelos processos de recrutamento, seleção e remuneração, suprindo a organização com recursos humanos, garantindo a satisfação das necessidades das pessoas por meio de salários, benefícios, segurança e integração social no ambiente de trabalho. Essa realidade de pré-gestão estratégica pode ser denominada genericamente como “atuação administrativa” da área, que se resumia à complexa administração de subsistemas técnicos de gestão de pessoas, estruturados sem estarem suficientemente articulados aos processos de gestão estratégica (MASCARENHAS, 2008). De acordo com Azevedo (2010), em consonância com os estudos organizacionais e com os avanços teóricos nas proposições sobre estratégia e vantagem competitiva, um novo modelo de gestão de pessoas se delineou. A vertentes distintas: a primeira, alinhada à teoria contingencial, na qual os recursos humanos são considerados como variáveis organizacionais, que devem agir no sentido da execução dos objetivos estratégicos empresariais, sendo a função essencial de gestão de pessoas a execução da estratégia organizacional; e, a segunda, fundamentada nas contribuições da RBV, que enfatiza que a diversificação proporciona um diferencial para as empresas e, por isso, determinados tipos de recursos podem conduzir a altos lucros. A estratégia, nesse contexto, implica a boa administração dos recursos existentes e o desenvolvimento de novos que, quanto mais raros forem, maiores as perspectivas de diversificação.
111 Gestão estratégica de pessoas: perspectivas sobre um novo modelo de atuação
perspectiva estratégica passou a ser incorporada em duas
Segundo essa percepção, de acordo com a autora, a gestão estratégica consistiria em ultrapassar o mero alinhamento estratégico, alcançando o desenvolvimento dos recursos humanos de forma que se tornem recursos estratégicos para a promoção da flexibilidade e da mudança organizacional, constituindo-se como fonte de vantagem competitiva. “Propõe-se que através da aprendizagem contínua, os recursos humanos promoverão o alcance de resultados superiores e sustentáveis ao longo do tempo.” (AZEVEDO, 2010, p. 26). Para Teixeira et al (2010), no atual mundo dos negócios e do trabalho, as empresas que se mostrarem capazes de realizar a transformação de estratégias em ações, de enfrentar a incerteza e a ambiguidade e de atuar com visão global, terão maior probabilidade de sucesso. Essas condições exigem que a gestão de pessoas abandone a posição tático-operacional tradicional e assuma um posicionamento estratégico, o que implica a concepção de um modelo de gestão estratégica de pessoas, que deve compreender a análise dos desafios impos-
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tos pelo ambiente à gestão de pessoas. Posição similar apresentam Scartezini et al (2010); os autores mencionam que mediante os desafios organizacionais, novas demandas emergem para a área de gestão de pessoas. Frente à globalização e a competitividade, gestão de pessoas é chamada a criar modelos e processos que ajudem as empresas a alcançarem eficiência, agilidade, competência local e global. A mudança constante implica uma gestão de pessoas que esteja no mesmo ritmo e na mesma sintonia das alterações e proposições estratégicas das empresas. De acordo com Golden e Ramanujam (1985, apud MASCARENHAS, 2008), o modelo de gestão estratégica de pessoas passou a exigir maior integração entre a área e as
equipes responsáveis pelo planejamento estratégico, levando os teóricos a definirem a conexão de mão única (quando a gestão de pessoas assume responsabilidades quanto à implantação das estratégias por meio do planejamento de políticas e práticas de gestão de pessoas) e a conexão de mão dupla (quando a gestão de pessoas contribui também para a formulação de estratégias). Em organizações que consideram seus membros potenciais recursos estratégicos, a área de gestão de pessoas deve contribuir com seu conhecimento sobre o capital humano disponível e sobre as práticas de gestão capazes de alcançar o seu máximo potencial. Entre as ideias coerentes com a visão baseada em recursos, a vantagem competitiva seria alcançada por meio de combinações valiosas e exclusivas de recursos (MASCARENHAS, 2008, p. 156). Para Mascarenhas (2008), cabe à área de gestão de pessoas coordenar o desenvolvimento de recursos estratégicos e de competências organizacionais distintivas por meio do suporte especializado às equipes, que seriam de cionais nos quais essas competências possam ser desenvolvidas. Dessa forma, a área de gestão de pessoas passa a pleitear novas funções e responsabilidades capazes de lhe conferir um papel mais relevante para a definição dos rumos da organização. Golden e Ramanujam (1985, apud MASCARENHAS, 2008) colocam, ainda, que em poucas organizações a área de gestão de pessoas é chamada a participar ativamente na formulação da estratégia, segundo o que se denominou conexão integrativa, incorporando novas funções como a identificação e o desenvolvimento de recursos estratégicos (talentos, equipe de alto desempenho, arquiteturas sociais complexas), conforme mostra o quadro a seguir.
113 Gestão estratégica de pessoas: perspectivas sobre um novo modelo de atuação
fato responsáveis pela construção de ambientes organiza-
A articulação RH - planejamento estratégico Conexão de mão única
Os profissionais de RH assumem responsabilidade relacionadas à implantação das estratégias por meio do planejamento de políticas e práticas de gestão de pessoas derivadas das decisões estratégicas.
Conexão de mão dupla
A área de RH contribui para formulação de estratégias, fornecendo informações a respeito dos pontos fortes da organização em suas dimensões humanas e, também, para sua implantação por meio do planejamento de políticas e práticas de gestão de pessoas.
Conexão integrativa
Com base em uma conexão mais ampla de gestão estratégica, a área de RH assume novas responsabilidades, por exemplo, a gestão das competências, o desenvolvimento de recursos estratégicos (talentos, equipes de altos desempenhos, arquiteturas sociais complexas) e de competência distintiva, capazes de gerar vantagem competitiva. Fonte: Mascarenhas, 2008, p. 157.
Os debates em torno do modelo de gestão estratégica de pessoas abrangem os papéis e as funções a serem desenvolvidas pela área de gestão de pessoas e pelos demais envolvidos com gestão de pessoas. Com relação à construção de Gestão Estratégica de Pessoas
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organizações em aprendizagem, autores discutem as novas responsabilidades e uma nova estrutura da função de gestão de pessoas. Essa área teria suas responsabilidades aumentadas nesses contextos, já que, além de todas as funções e atividades que desempenha historicamente, deveria fazer mais. Ulrich (1998, apud SCARTEZINI et al, 2010) apresenta uma proposição de valor para a área. Conforme ilustra a figura que veremos a seguir, de acordo com o autor, a proposta de valor de gestão de pessoas significa transformar o plano empresarial em práticas de gestão de pessoas, que criam capacidades organizacionais, que, por sua vez, geram valor ao cliente e, consequentemente, resultam em valor econômico para a empresa.
Proposta de valor baseada em Ulrich
Valor de Gestão de Pessoas
Práticas de gestão de pessoas
Criam especialidades organizacionais
Geram valor para o cliente
Resultam em valor econômico para a empresa
Fonte: Scartezini et al, 2010, p. 61.
et al, 2010) contempla também quatro fontes de geração de valor em gestão de pessoas: canal, contribuição, conteúdo e competência, conforme identificadas na figura a seguir.
115 Gestão estratégica de pessoas: perspectivas sobre um novo modelo de atuação
O modelo teórico de Ulrich (2000, apud SCARTEZINI
Fonte de geração de valor baseada em Ulrich
Competências
Conteúdo
Fontes de geração de valor em questão de pessoas
Gerenciar mudanças Gerenciar cultura
Contribuição
Canal
Conhecer o negócio
Credibilidade pessoal Saber mensurar
Fonte: Scartezini et al, 2010, p. 62.
As quatro fontes de geração de valor, mencionadas pelo autor, podem ser compreendidas como: • Canal: quem executa o trabalho de gestão de pessoas (profissionais ou áreas especificas de gestão de pessoas);
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• Conteúdo: o que a gestão de pessoas faz para levar a empresa a competir e vencer; • Contribuição: como a gestão de pessoas trabalha na empresa (treina, transforma ideias em projetos, transforma projetos em ações e assegura que o trabalho seja realizado); e • Competência: o que a gestão de pessoas necessita saber (conhecimento) e como tem que fazer (habilidade) suas ações (SCARTEZINI et al, 2010, p. 62). O modelo de Ulrich (1998, apud MASCARENHAS, 2008) indica responsabilidades para a área. Para o autor, a área de gestão de pessoas deveria organizar-se com base no
modelo de múltiplos papéis, agregando grandes responsabilidades genéricas, mas inter-relacionadas: • Ser um parceiro estratégico. • Ser um especialista administrativo. • Ser um defensor dos colaboradores. • Ser um agente de mudanças. Para exercer adequadamente esses papéis, conforme mostra a figura a seguir, devem ser avaliadas as duas dimensões de atuação de gestão de pessoas (operacional e estratégica) e as duas perspectivas das atividades (processos e pessoas). Papeis de gestão de pessoas baseada em Ulrich Estratégia (longo prazo)
Parceria estratégica
Defensor dos colaboradores
Papel de gestão de pessoas
Especialista administrativo Operacional (curto prazo) ATIVIDADES Fonte: Scartezini et al, 2010, p. 64.
Agente de mudança
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Processos FOCO
Pessoas
De mesma forma, o modelo de Lengnick-Hall e Lengnick-Hall (2003, apud MASCARENHAS, 2008), se mostra útil ao direcionar questões específicas de gestão de pessoas que as organizações em aprendizagem enfrentam. Segundo esses autores, a área de gestão de pessoas deveria assumir quatro responsabilidades: • Gestão do capital humano. • Facilitação da aprendizagem. • Desenvolvimento dos relacionamentos. • Flexibilização da gestão de pessoas. As funções, apresentadas nos dois modelos, estão inter-relacionadas. Mascarenhas (2008) as integra, propondo um modelo para o que deveriam ser as responsabilidades atuais de gestão de pessoas. Veja a seguir.
Tornar-se um parceiro estratégico De acordo com Scartezini et al (2010), que tomam por
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base as ideias de Ulrich, atuar como parceiro estratégico requer que a gestão de pessoas saiba conduzir um diagnóstico organizacional, liderando um diálogo sobre as condições atuais e os projetos da empresa e sobre as condições necessárias para a execução da estratégia. A gestão estratégica de pessoas impôs para a área de gestão de pessoas o papel de parceiro da alta administração na implantação das estratégias, adaptando suas diretrizes e políticas às estratégias corporativas. Desse modo, tornou-se responsabilidade da área de gestão de pessoas seu alinhamento estratégico. Para Lengnick-Hall e Lengnick-Hall (2003, apud MASCARENHAS, 2008) a noção de alinhamento ganhou novos significados ampliando a função de gestão de pessoas:
• Surge a gestão do capital humano da organização, que subentende as responsabilidades da área de gestão de pessoas na evolução das competências e dos relacionamentos disponíveis à organização, tais como: captar, acumular, desenvolver, reter e organizar os recursos humanos da organização de forma a preencher os requisitos do modelo VRIO (valor, raridade, imitabilidade, organização). As competências – organizacionais e individuais – e o capital humano são conceitos que assumem importância ao se pensar o alinhamento estratégico, que deve incorporar uma dimensão dinâmica. • Deverá ser mantido um conjunto consistente de políticas de gestão de forma a contribuir para a acumulação de recursos, processo ao longo do qual os recursos humanos da empresa se desenvolvem em interdependência com outros recursos. A Gestão de pessoas prestará suporte às áreas e às equipes de trabalho em seus esforços de organizar e reorganizar a empresa, de forma • Será promovido o desenvolvimento do capital humano e organizacional, tendo como parâmetro o aperfeiçoamento contínuo, de difícil imitação, construindo barreiras à mobilidade de recursos estratégicos. A área deve aumentar a capacidade de a empresa atingir seus objetivos, por meio de realização de diagnósticos organizacionais e da implantação de arquiteturas organizacionais adequadas. No que se refere aos recursos humanos e complementares (por exemplo, cultura organizacional focada na aprendizagem e no respeito à diversidade), a área de gestão de pessoas deve reconhecer que arquiteturas sociais e sistemas
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a viabilizar a formação das estratégias.
complexos de gestão de pessoas, são fontes mais prováveis de vantagem competitiva em decorrência da dificuldade que outras empresas têm para copiá-los. Processos de gestão de competências e de captação e retenção de talentos ganham destaque. • Serão formuladas políticas que contribuam para a valorização e diferenciação do capital humano e organizacional, levando-os a preencher os requisitos do modelo VRIO. • Serão monitoradas as competências disponíveis na organização, permitindo à gestão de pessoas que influencie as decisões estratégicas da empresa que, por sua vez, devem levar em consideração seus recursos estratégicos e competências distintivas, acumulados e desenvolvidos ao longo do tempo. Liebeskind (1996, apud MASCARENHAS, 2008) discute a necessidade de proteger o conhecimento relevante à organização; atribui à área de gestão de pessoas a proteção do conheGestão Estratégica de Pessoas
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cimento, à medida que é também de sua responsabilidade a gestão de trabalhadores do conhecimento cujos contratos de trabalho são frequentemente flexíveis e diferenciados. A função da gestão de pessoas seria a de informar, discutir e tomar decisões quanto ao formato legal apropriado a projetos de risco que reúnam pesquisadores, em parcerias com instituições, cujos interesses podem se chocar com os da organização, impondo-lhe prejuízos relacionados à fuga de conhecimentos. Outro aspecto abordado por este autor, no que se refere à proteção do conhecimento, diz respeito ao formato do contrato de trabalho e às normas de conduta do colaborador. Em algumas empresas há cláusulas contratuais que impedem que seus demissionários trabalhem para empresas con-
correntes por determinados período após o desligamento da empresa, ou mesmo empresas que proíbem que seus colaboradores troquem informações estratégicas com pessoas externas à organização. Todas essas abordagens têm vantagens e desvantagens, podendo parecer autoritárias ou mesmo de difícil operacionalização, o que impõe aos gestores de pessoas a necessidade de avaliar a pertinência e o impacto dessas políticas, considerando a realidade organizacional e cultural da empresa na qual estão inseridos. Por fim, Liebeskind (1996, apud MASCARENHAS, 2008) sugere a importante capacidade institucional de reordenar sistemas de remuneração como estratégia para a proteção de conhecimento.
Tornar-se um especialista administrativo A gestão de pessoas deve contribuir para o aperfeiçoamento da infraestrutura de trabalho na empresa, a fim de aumentar a integração social, melhorar a eficácia e a eficiência de processos, diminuir custos, preparando a organização para seus (2010, p. 63), “no papel de especialista administrativo, a gestão de
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pessoas deve entender que a melhoria da eficiência aumenta a
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desafios operacionais e estratégicos ou, conforme Scartezini et al
sua credibilidade no âmbito organizacional”. Em relação aos serviços de gestão de pessoas, a terceirização de atividades burocratizadas e a implantação da tecnologia de informação podem aumentar a eficiência e a eficácia desses processos. Os profissionais de gestão de pessoas devem assumir responsabilidades como “consultores internos”, auxiliando os demais grupos a planejar e a construir arquiteturas organizacionais que agilizem a comunicação e a geração de novos conhecimentos. Nessa perspectiva, os sistemas de gestão de pessoas do tipo “autoatendimento” (ou e-GP) surgem como ferramentas poderosas por meio
das quais a área responsável pode reconfigurar seus processos, disseminar conhecimento, redistribuir responsabilidades e redirecionar seus esforços, descentralizando a gestão de pessoas, que deve ser uma função dos líderes de equipes (MASCARENHAS, 2008).
Tornar-se um agente de mudanças contínuas De acordo com Mascarenhas (2008), a busca da flexibilidade organizacional e a gestão de mudança passam a ser preocupações fundamentais de gestão de pessoas. É função da área desenvolver a capacidade e da empresa aceitar a mudança contínua, realizá-la e desenvolver-se por meio dela. A noção de capacidades dinâmicas contribui para a compreensão da vantagem competitiva sustentável, destacando a necessidade de se pensar continuamente a integração, a reconfiguração e o descarte de recursos, para a construção de competências organizacionais que possam auxiliar a empresa a manter posições favoráveis de mercado. A mudança é percebida como resposta a um ambiente instável, competitivo e também mutável. Nesse contexto,
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a organização precisa ser gerida permanentemente em um processo de evolução contínua. Na coordenação das mudanças culturais, por exemplo, cabe à área de gestão de pessoas desenvolver a capacidade de a organização implantar iniciativas variadas que garantam o seu melhor desempenho. “No papel de agente de mudanças, é necessário que a gestão de pessoas ajude a organização a substituir a resistência à mudança pela resolução, o planejamento pelos resultados e o medo da mudança pelo entusiasmo” (SCARTEZINI et al, 2010, p. 63). As dimensões contemporâneas à temática gestão da mudança incluem, por exemplo, a confiança como forma de regulação social nas organizações, a estruturação do tempo e do espaço, a diversidade organizacional, a religiosidade nas organiza-
ções, os universos de significados e legitimação, as identidades organizacionais, os paradoxos organizacionais e a ambiguidade.
Ser um defensor dos colaboradores Uma organização é feita por pessoas envolvidas em uma relação de trabalho. Nesse sentido, a gestão de pessoas deve ficar atenta às necessidades dos colaboradores, pois, para a empresa, o comprometimento dos colaboradores é um fator crítico de sucesso. De acordo com Mascarenhas (2008), especialistas em gestão de pessoas sempre foram os intermediários entre a organização e os trabalhadores. A gestão de pessoas, dessa forma, assumia uma identidade dúbia, ora buscando atender aos interesses dos colaboradores, ora defendendo os interesses dos empregadores. Atualmente a “defesa” dos colaboradores requer um posicionamento menos ambíguo por parte da gestão de pessoas e de novas estratégias de ação. “Defender” os interesses dos colaboradores sempre passou pela satisfação de suas necessidades básicas de segurança e sociais (por exemplo, através da administração de benefícios ou programas de socialização no trabalho), pela estruturação de sistemas predefinidos de carreira, ou mesmo em negociações sindicais, buscando conciliar reivindicação coletiva em favor da individualização no contexto de trabalho. Questões contemporâneas, como o surgimento do trabalho contingente e da carreira sem fronteiras, têm implicações relevantes para a estruturação da função gestão de pessoas. Em mercados de trabalho competitivos, nos quais os melhores talentos são disputados, as organizações não mais garantem segurança no emprego em troca de dedicação dos colaboradores, mas propõem contratos de trabalho alternativos, capazes de gerar benefícios a ambas as partes, atraindo e retendo os melhores colaboradores.
Assim, as organizações são entendidas como espaços de desenvolvimento ou acúmulo de competências, constituídas por indivíduos e grupos com identidades distintas, cujos interesses cotidianos são, com frequência, divergentes, impondo a sua negociação.
3.6 Competências para a reestruturação da gestão de pessoas Para
Fischer
e
Albuquerque
(2004,
apud
MASCARENHAS, 2008), a necessidade de repensarmos as competências necessárias à gestão de pessoas inclui, não somente os profissionais de gestão de pessoas, mas também os líderes, responsáveis pela dinâmica cotidiana de suas equipes. Conforme Mascarenhas (2008), no primeiro caso, ao se defrontarem com uma variedade de novos desafios, os pro-
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fissionais de gestão de pessoas deveriam acumular competências mais diversificadas e sofisticadas que as tradicionais competências técnicas. Com a informatização crescente, ou terceirização de processos e serviços tradicionais de gestão de pessoas, que sempre demandaram muito trabalho burocrático e mecânico, o modelo de gestão de pessoas centralizado, que administra a força de trabalho, é abandonado em favor de um modelo descentralizado, em que os profissionais da área passam a exercer o papel de consultores no relacionamento entre as chefias e seus subordinados. Essas novas funções requerem capacitação para a execução de atividades especializadas, as quais o seu papel principal é agregar conhecimento e qualidade à organização. Essa evolução, entretanto, não vem acontecendo facilmente.
Kesler (1995) indica três conjuntos de competências básicas dos profissionais de gestão de pessoas. Confira no quadro a seguir. Competências dos profissionais de gestão de pessoas Gestão de desempenho
Know how técnico de gestão de pessoas
- Gestão da mudança cultural. - Análise e diagnóstico organizacional. - Análise e diagnóstico estratégico. - Inovação em processos e estruturas - Controle e avaliação em gestão de pessoas. - Gestão de serviços de gestão de pessoas. - Consultoria especializada em gestão de pessoas.
- Arquiteturas organizacionais. - Gestão do capitalismo humano. - Gestão do clima organizacional e comprometimento. - Educação e desenvolvimento. - Reconhecimento e remuneração. - Qualidade de vida e satisfação. - Liderança e gestão da mativação. - Comunicação.
Conhecimentos de negócios - Gestão estratégica - Mercado de trabalho. - Cenário micro e macroeconômico. - Operações e logística. - Marketing e vendas. - História da empresa. - Conhecimentos específicos da indústria ou setor de atividades
Fonte: Mascarenhas, 2008, p. 173.
Para saber mais sobre Peter Drucker, acesse o link: http:// www.thinkfn.com/wikibolsa/Peter_ Drucker. “Além da Revolução da Informação” é um artigo do autor no qual ele aborda temas de alguns de seus livros, referentes aos desafios do século XXI. Para lê-lo, acesse: http:// www.facensa.com.br/paginapessoal/juliocesar/files/ alem_da_revolucao_da_informacao.pdf. Assita um trecho de entrevista com Peter Drucker, na qual ele fala sobre eficiência de executivos, no link: http://www. youtube.com/watch?v=iemrpo7iNHY. Para ler sua última entrevista, concedida à imprensa americana, na qual questiona a fixação do mundo dos negócios com a formação de líderes, acesse: http://www.desenvolvimentistas.com.br/desempregozero/wp-content/uploads/2008/02/entrevistapeterdrucker.pdf.
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Saiba Mais
REFERÊNCIAS AZEVEDO, A. N. S. As pessoas na organização e o (re)alinhamento estratégico: o modelo de gestão da Alesat Combustíveis em Natal/RN. 2010. 87f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. CARVALHO, S. G. de. Cultura organizacional como fonte de vantagem competitiva. In: HANASHIRO, D. M. M.; TEIXEIRA, M. L. M.; ZACCARELLI, L. M. (Org.). Gestão do fator humano: uma visão baseada nos stakeholders. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. CHESSE, P.; THOMAS, R. J.; CRAIG, E. A empresa movida pelo talento: uma visão estratégica e holística da gestão de equipes de alta performance na era da globalização. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. DRUCKER, P. F. Sociedade pós-capitalista. São Paulo: Pio-
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uma visão baseada nos stakeholders. 2 ed. São Paulo: Sarai-
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G estĂŁo de competĂŞncias
Profª Ms. Dália Derner
O bjetivos • Apresentar o conceito de competência humana e organizacional. • Situar a Gestão de competências como uma estratégia de gestão de pessoas para alinhar as competências individuais e organizacionais à estratégia da empresa. Conteúdo apresentado • Antes de começar; • Competência individual; • Competência organizacional; • Gestão das competências; • Gestão por competências; • Mapeamento das competências; • Desenvolvimento de competências.
4.1 A ntes de começar Segundo Bitencourt (2004), em cenários empresariais nos quais existe alto nível de competição, considera-se essencial a participação dos profissionais, com o intuito de tornar a empresa mais ágil e competitiva. Tal participação não se limita apenas ao comprometimento com os objetivos organizacionais e ao envolvimento com as decisões e processos de trabalho, porém implica melhor qualificação e capacitação. Nesse contexto, de acordo com a autora, a gestão de competências surge como uma resposta de capacitação e traz importantes reflexões sobre o significado do trabalho, o papel dos indivíduos e da educação continuada. vem sendo utilizado para a construção de uma abordagem
Gestão Estratégica de Pessoas
Para Mascarenhas (2008), o conceito de competência 132
alternativa às metodologias tradicionais de gestão de desempenho, sistema de administração que busca integrar o desempenho das pessoas, dos grupos e das áreas da organização aos objetivos e às metas empresariais, destacando a contribuição de cada nível organizacional às estratégias. Na gestão das competências, em substituição ao conceito tradicional de qualificação para o cargo, que até então servia de parâmetro para as ações de gestão de pessoas, a noção de competência individual – mais flexível e abrangente – passa a ser adotada como base para os modelos integrados de gestão de pessoas, pautados em valores e expectativas característicos das organizações em aprendizagem. A gestão das competências é um referencial que busca integrar o conceito de competência individual ao conceito de competência organizacional. Entre as propostas que
a compõem, a gestão por competências é uma visão alternativa aos critérios tradicionais de administração de RH (MASCARENHAS, 2008, p. 177). Segundo Dutra (2002), os comportamentos na empresa deveriam deixar de ser administrados com base no cargo, enquanto usado como parâmetro que define a posição hierárquica, tarefas e funções esperadas. Para o autor, a administração deveria ser feita com base em critérios como complexidade e entrega.
Entrega
Complexidade Até pouco tempo atrás avaliar o que a pessoa agregava de valor para a empresa era mensurado pelo cargo e/ou pelo nível hierárquico da pessoa na empresa. No novo modelo de gestão de pessoas, que tem as suas práticas e políticas integradas e em consonância com a estratégia organizacional, a pessoa passa a ser avaliada com base na sua capacidade para assumir e executar atribuições e responsabilidades de maior complexidade. Quanto maior o grau de complexidade de sua entrega, maior será sua capacidade de se diferenciar e de adicionar valor ao negócio. Para Dutra (2002) algumas variáveis que definem os níveis de complexidade são, por exemplo, abrangência das decisões, nível de autonomia e estruturação das atividades etc.
133 Gestão de Competências
Conceito defendido por Dutra (2002) para explicar a mobilização do conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes de uma pessoa, em determinada situação no contexto organizacional e o resultado efetivo por ela gerado, em termos de agregação de valor. Para o autor, geralmente nas empresas que adotam o modelo tradicional de gestão de pessoas, as pessoas são avaliadas com base em conceito de cargos, ou seja, são avaliadas pelo “o que fazem”, não pelo “como o fazem”, que é o que determina a capacidade da entrega. A pessoa deveria ser avaliada com base em sua capacidade de se entregar para a empresa, o que pode ser entendido como “saber agir responsável e reconhecido, que agrega valor à organização”.
Alguns autores, tais como Spencer e Spencer (1993, apud BRANDÃO; GUIMARÃES, 2001) associam competência a desempenho. Com relação a essa questão, Brandão e Guimarães (2001) sugerem haver proximidade entre a gestão do desempenho e a gestão das competências: as duas tecnologias propõem a necessidade de associar a performance ou as competências da organização com as de seus membros, assim como ambas as tecnologias estão baseadas em um mesmo pressuposto: a competência ou o desempenho do indivíduo exercem influência na competência ou no desempenho da organização e são influenciados por ela. De um lado a “corrente da gestão das competências” argumenta que a competência humana, aliada a outros recursos, dá origem e sustentação à competência organizacional; de outro lado, os defensores da gestão de desempenho alegam que a performance no trabalho é resultante, não apenas das competências inerentes ao indivíduo, mas também de Gestão Estratégica de Pessoas
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atributos organizacionais. A necessidade de associar o desempenho ou as competências humanas com o desempenho ou as competências da organização como um todo, faz com que ambas – gestão de desempenho e gestão das competências – estejam inseridas em um contexto de gestão estratégica de pessoas, entendida como a função de atrair, desenvolver e manter o pessoal necessário para atingir os objetivos organizacionais, por meio da utilização de sistemas de gestão de pessoas consistentes entre si e coerentes com a estratégia da organização (BRANDÃO; GUIMARÃES, 2001).
4.2 Competência individual No fim da Idade Média, a expressão competência era associada essencialmente à linguagem jurídica. Dizia respeito à faculdade – atribuída a alguém ou a alguma instituição – de apreciar e julgar certas questões. Por extensão, o conceito de competência veio a designar o reconhecimento social sobre a capacidade de alguém se pronunciar em relação a determinado assunto e, mais tarde, passou a ser utilizado, de forma mais genérica, para qualificar o indivíduo capaz de realizar determinado trabalho (ISAMBERT-JAMATI, 1997, apud CARBONE et al, 2009). Para Carbone et al (2009), no início do século pasorganizacional, sendo usado, fundamentalmente, para
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qualificar a pessoa capaz de desempenhar com eficiência
Gestão de Competências
sado o termo competência foi incorporado à linguagem
determinada função. Muitos autores têm procurado criar definições próprias para o termo, chamando a atenção para variados aspectos da competência. Temos, por exemplo, Gilbert (1978, apud CARBONE et al, 2009), que destaca a competência em função da manifestação do comportamento da pessoa no trabalho; Durand (2000, apud CARBONE et al, 2009), por sua vez, enfatiza os elementos que constituem a competência, ou seja, os conhecimentos, habilidades e atitudes de que a pessoa dispõe. Conforme assinala Dutra (2004, apud FISCHER et al, 2010), dada a variedade de concepções e de definições de competência, é possível perceber a existência de duas grandes correntes teóricas: uma norte-americana e outra francesa.
• A corrente teórica norte-americana é representada por autores tais como: McClelland (1973), Boyatzis (1982) e Spencer (1993). De acordo com esses autores, a competência pode ser definida como um conjunto de qualificações (por exemplo, conhecimentos, habilidades e atitudes), que permitem à pessoa uma performance superior em um trabalho ou situação. Essa abordagem foi disseminada no Brasil nos anos 80 e 90, associada à ideia de perfil de conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA), necessários para que uma pessoa pudesse ter uma boa performance em seu cargo. • A corrente teórica francesa, representada por autores como Le Boterf (1994), Zarifian (1996) e Fleury (1995) associa a competência, não a atributos ou qualificações da pessoa, mas, sim, às suas realizações em um dado contexto, ou seja, àquilo que o indivíduo pro-
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duz, realiza e/ou entrega ao meio onde está inserido. Nos últimos anos, uma vertente integradora tem procurado definir a competência a partir da junção de concepções das referidas correntes. No Brasil, essas abordagens integradoras têm gerado, a partir dos anos 90, um uso ampliado do conceito de competência, tanto na adaptação de sistemas desenvolvidos por matrizes de empresas multinacionais, como na modernização de sistemas de gestão de pessoas pelas empresas nacionais (FISCHER, 2010). Para Mascarenhas (2008) o conceito tradicional de qualificação para o cargo surgiu no contexto das prescrições do sistema produtivo burocratizado, que determinava que os indivíduos acumulassem capacidades necessárias ao desempenho das atribuições, rigidamente prescritas pela alta direção das empresas. Em contrapartida, a competência surgiu com a nova
lógica do trabalho, caracterizada pela baixa previsibilidade da tarefa e intensa informatização, principalmente depois dos anos 90, com a globalização da economia e o advento da internet. No novo contexto, os trabalhadores assumiram novas responsabilidades na organização, para as quais devem dominar ampla variedade de capacidades e conhecimentos. Zuboff (1994, apud MASCARENHAS, 2008) acredita que as novas responsabilidades levam a uma requalificação do trabalho decorrente das novas tecnologias. Esse processo implica o desenvolvimento de capacidades cognitivas e de um conjunto de comportamentos que permitem ao indivíduo atuar em um sistema que privilegia a autonomia e a flexibilidade. Desse modo, associa-se o surgimento do conceito de competência à crise dos modelos dos postos de trabalho. Devido à crescente incerteza que caracteriza os cenários competitivos, as previsões e os planejamentos nas organizato da definição de como o trabalho será realizado. Desloca-se,
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dessa forma, o foco da organização: “da previsão do proces-
Gestão de Competências
ções se voltam para os resultados do trabalho, em detrimen-
so para as previsões dos resultados”, o que confere destaque às iniciativas inteligentes dos indivíduos (MASCARENHAS, 2008, p. 181). Zarifian (2001, apud MASCARENHAS, 2008) sugere três perspectivas a partir das quais o conceito de competência deve ser compreendido: • A competência é uma responsabilidade pessoal que o indivíduo assume diante de situações produtivas. • A competência é exercida por meio da reflexividade no trabalho. É um exercício constante de distanciamento crítico diante do trabalho e do questionamento dos modos de trabalhar, dos conhecimentos e das capacidades mobilizados em cada situação profissional.
• A competência implica a interação e a construção de relacionamentos com outras pessoas da organização. O indivíduo deve se guiar pela inteligência prática do que está ocorrendo e articular-se com outras pessoas ao mobilizar suas capacidades. De mesmo modo, Le Boterf (1994, apud CASTRO; KILIMNIK; SANT’ANNA, 2008), apoiando-se na tríade saber, “saber-fazer” e “saber-ser”, promove minucioso estudo da competência, o qual propicia importantes considerações: • Em primeiro lugar destaca que a competência não é “um estado”, nem um conhecimento que possa ser possuído, pois a experiência cotidiana nos tem mostrado que pessoas que dispõem de conhecimentos e capacidades nem sempre sabem mobilizá-los em situ-
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ações de trabalho ou em outros momentos oportunos. • Em segundo lugar, a competência é contingencial, ou seja, é exercida em um contexto específico, exigindo flexibilidade e ampla capacidade de atualização. • Em terceiro lugar, a competência não é apenas construto operatório, mas também construto social. Desse modo, o autor reconhece que o indivíduo, envolvido no processo de conhecimento e aprendizagem, é guiado por sistemas de valores e de significados e por modelos que são socialmente compartilhados. Em função disso, a competência não está dissociada das políticas e das práticas organizacionais, muito pelo contrário, há políticas e práticas organizacionais que podem favorecer a competência, enquanto outras podem dificultá-la ou mesmo destruí-la.
Os conhecimentos, as habilidades e as atitudes se complementam e se articulam de forma sistêmica. Uma prática organizacional que prioriza apenas um desses níveis subestima o efeito sobre os demais. O desenvolvimento de competências procura o equilíbrio entre o saber, o “saber-fazer” e o “saber-agir”. Essa visão sistêmica descreve o processo de aprendizagem no cruzamento entre o que o indivíduo conhece, o que o indivíduo pratica e como ele se comporta no cenário organizacional (MOURA; BITENCOURT, 2006). Depreende-se daí que a competência não é um “estoque de capacidades” que podem ser potencialmente mobilizadas, mas que só pode ser exercida e avaliada ao ser devidamente contextualizada. O conceito de competência torna-se importante ao se tornar a base para a constituição de sistemas de gestão de pessoas integrados, capazes de refletir as demandas por tência pode ser conceituada como “um saber agir respon-
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sável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, trans-
Gestão de Competências
desempenho em organizações de aprendizagem. A compe-
ferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo” (FLEURY; FLEURY, 2004:30).
4.3 Competência organizacional Até aqui, referiu-se à competência no plano individual. É possível, no entanto, elevar esse conceito a outros níveis. Muitos autores associam a noção de competência não apenas a indivíduos, mas também a equipes de trabalho ou mesmo à organização em sua totalidade.
Becker, Dutra e Ruas (2010) situam o interesse pelas competências organizacionais como um esforço empreendido por diversos autores, ao tentar desvendar como as empresas alcançam e mantêm posições competitivas no mercado. Orsi (2003) argumenta que a estratégia organizacional desempenha um importante papel na definição do modelo de gestão por competências à medida que o alinhamento entre ambos é fundamental para alcançar os resultados esperados. Para implementar sua estratégia, a empresa mobiliza competências organizacionais, que constituem seu diferencial competitivo e que vão determinar as competências individuais requeridas pela organização. De acordo com o autor, a compreensão sobre competências organizacionais pode ser baseada em abordagens distintas, conforme a predominância de fatores internos ou externos na definição das competências. A escola de posicionamento, que tem em Porter um de fora para dentro da empresa”. Compreende que a empresa
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seus representantes, está fundamentada em uma visão “de 140
deve adaptar a sua estratégia às variáveis do ambiente externo. Isso significa que a conquista de vantagem competitiva depende exclusivamente da capacidade de a empresa responder aos desafios que se apresentam, protegendo-se de possíveis ameaças – que podem ser provenientes dos concorrentes atuais, de novos entrantes no mercado, dos próprios clientes, bem como dos fornecedores. Decorre daí a proposta de criação de barreiras monopolistas como forma de garantia da manutenção da superioridade de desempenho (BARNEY E HESTERLY, 1996, apud CARBONE et al, 2009) A teoria das competências essenciais está baseada nas ideias de Hamel e Prahalad, que colocam que a competência essencial da empresa é a raiz da sua competitividade, ou seja, os autores destacam o papel dos recursos internos da empresa na construção das competências organizacionais. A opor-
tunidade da empresa em identificar as suas competências lhe oferece condições para realizar investimentos e alocar recursos em focos estratégicos. Para Hamel e Prahalad, (1994 apud MOURA; BITENCOURT, 2006) as competências essenciais podem ser definidas como “o conjunto de habilidades e tecnologias que habilitam uma companhia a proporcionar um benefício particular para os clientes, mais do que uma habilidade ou tecnologia”. Por sua vez, para esses autores, a competência organizacional pode ser compreendida como: Uma articulação de recursos organizacionais, um aprendizado da organização, um saber-fazer coletivo e complexo, especialmente no que diz respeito à coordenação de diversas habilidades de produção e à integração de múltiplas correntes da tecnologia (PRAHALAD; HAMEL, 1997, apud MASCARENHAS, 2008, p. 185).
das competências organizacionais foi influenciado pela teoria da visão baseada em recursos (RBV), voltada à análise dos recursos internos da firma, que apresenta a noção de competências do negócio como o resultado de uma trajetória trilhada pela empresa ao longo do tempo, advinda de suas escolhas estratégicas que se desdobram em um conjunto de rotinas realizadas em função de investimentos em tecnologia, aprendizado e processos organizacionais. Para Carbone et al (2009), a teoria baseada em recursos explica a diferença de desempenho entre as empresas a partir da heterogeneidade de seus recursos. Isso significa que, nessa perspectiva, a fonte básica para a vantagem competitiva são os recursos e as competências desenvolvidos e controlados pelas organizações, elementos escassos, valiosos, de difícil imitação e substituição. Entretanto, para os autores, apesar
141 Gestão de Competências
De acordo com Becker, Dutra e Ruas (2010), o estudo
da ênfase dada aos recursos internos das empresas (conhecimentos e competências), a teoria baseada em recursos pouco avança na compreensão dos processos internos de aprendizagem e construção de conhecimento. As duas principais correntes da administração estratégica – escola do posicionamento e visão baseada em recursos – não explicam a dinâmica dos ambientes competitivos nem os desafios de criar e gerir as capacidades organizacionais. Para superar essas lacunas, surgiu a teoria da competição baseada em competências, que busca integrar as visões anteriores. Segundo Carbone et al (2009), a origem da teoria da competição baseada em competências está no conceito de competências essenciais de Prahalad e Hamel (1990, apud CARBONE, 2009, p. 34), definidas como “o aprendizado coletivo na organização, especialmente como coordenar as diversas habilidades de produção e integrar as múltiplas correntes Gestão Estratégica de Pessoas
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de tecnologias”. A partir desse conceito de competências essenciais, a teoria da competição baseada em competências procura incorporar diferentes aspectos da administração estratégica, antes tratados de forma independente, por exemplo, a combinação da perspectiva dos processos organizacionais com as perspectivas sobre dotações de recursos. A construção e a alavancagem de competências das empresas passam a ter um papel fundamental na evolução da indústria. Em outras palavras: o conhecimento e a capacidade de aprendizagem nas organizações passam a ser considerados os motores da mudança estratégica. No longo prazo, a sustentação da vantagem competitiva depende de uma capacidade superior para identificar, construir e alavancar novas competências. Em suma: a aprendizagem torna-se uma variável estratégica crítica para o sucesso organizacional.
Conforme Carbone et al (2009) a teoria da competição baseada em competências parece ser mais eficaz na medida em que permite analisar a competição como uma disputa dinâmica entre competências, ou seja, entre empresas, buscando equilibrar duas realidades. De um lado, a dinâmica e a complexidade do mundo real; de outro, as capacidades cognitivas limitadas do homem diante do mundo. Essas competências são percebidas como multidimensionais, ou seja, dinâmicas, sistêmicas, cognitivas e holísticas: • São dinâmicas, pois a sua alavancagem e a construção de novas competências exigem a interação entre pessoas e grupos dentro das organizações, entre empresas e fornecedores externos, entre empresas e clientes e entre organizações competitivas e organizações cooperativas. funcionam como sistemas abertos que visam alcançar
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objetivos definidos, cujos ativos - tangíveis e intangí-
Gestão de Competências
• São sistêmicas, considerando-se que as empresas
veis - são organizados sob uma lógica estratégica de realização de resultados, por meio de uso de vários processos, incluindo a alavancagem e a construção de novas competências. • São cognitivas, na medida em que assumem características de uma disputa entre conhecimentos gerenciais para identificar as competências que são importantes para a organização, tornando-se foco dos objetivos organizacionais. • São também holísticas, pois os indicadores de desempenho da empresa vão além dos indicadores financeiros. A empresa passa a ser vista como um sistema multidimensional, ao mesmo tempo quantitativo
e qualitativo, tangível e intangível, humano, social e econômico. A teoria da competição baseada em competências não explica como a aprendizagem ocorre ou como o conhecimento é criado e gerenciado. De forma geral, as teorias da estratégia apresentam lacunas que precisam ser preenchidas com as contribuições de novas abordagens, como a gestão por competências e a gestão do conhecimento (CARBONE et al, 2009). Para Le Boterf (1999, apud BRANDÃO et al, 2010) a competência organizacional é mais que a soma das competências individuais, pois é constituída pela harmonização de recursos (humanos, tecnológicos e organizacionais) em rotinas que contribuem para o alcance da estratégia organizacional. Le Boterf (2003, apud MASCARENHAS 2008:186-7) clas-
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1. Saber elaborar representações compartilhadas. Uma
Gestão Estratégica de Pessoas
sifica quatro componentes da competência organizacional:
competência organizacional requer que as pessoas compartilhem um sistema comum de referências, com base no qual operam no seu cotidiano. Essas referências assumem formas de mapas cognitivos comuns, que articulam processos de pensamento, de raciocínio, além de relações causa e efeito e classificações e tipologias aos quais aquelas pessoas se referem. 2. Saber comunicar-se. Inseridas em um contexto de trabalho, as pessoas desenvolvem uma linguagem comum, capaz de integrar a equipe às situações práticas com as quais se deparam diariamente. Trata-se de um saber social que reforça a cooperação no grupo. 3. Saber cooperar. Uma competência organizacional supõe o compartilhamento de conhecimentos e a coo-
peração. Deve-se ter em mente a complementariedade entre as competências individuais como característica básica da competência organizacional. Por cooperação pode-se entender a definição da missão pelo grupo e a divisão de atividades necessárias para o seu alcance. As pessoas interagem continuamente de forma a direcionar suas ações em direção ao objetivo comum. 4. Saber aprender coletivamente com a experiência. Uma competência organizacional existe à medida que a coletividade aprende com suas experiências e não somente um indivíduo. O aprendizado em equipe supõe o distanciamento crítico, ou seja, a equipe aprende ao se articular coletivamente em uma análise crítica dos acontecimentos. Ao classificar as competências organizacionais de possível observar duas categorias importantes, conforme a figura a seguir: • Competências organizacionais básicas garantem a sobrevivência da empresa no mercado, entretanto, não lhe conferem vantagem competitiva. Sem o domínio de competências básicas a empresa não consegue disputar níveis mais elevados de competitividade • Competências organizacionais seletivas permitem a diferenciação da organização perante seus concorrentes no mercado.
145 Gestão de Competências
maneira mais ampla, de acordo com Mascarenhas (2008), é
Classificação das competências organizacionais
Competências organizacionais básicas
Competências organizacionais seletivas
Competências organizacionais essenciais
Contribuem decisivamente para a sobrevivência da organização
Contribuem para a diferenciação da organização em seu mercado. Viabilizam posicionamentos bem sucedidos no mercado
De difícil imitação, contribuem ao pioneirismo, à diferenciação e à liderança da organização em múltiplos mercados.
Fonte: Mascarenhas, 2008, p. 189.
Em um mercado dinâmico, uma competência seletiva pode tornar-se uma competência básica, o que salienta a
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necessidade do desenvolvimento contínuo das competências organizacionais. Conforme Mascarenhas (2008), as competências organizacionais podem ser desdobradas nas organizações em termos de seus macroprocessos ou atividades. Por exemplo, uma empresa distribuidora de revistas pode ser avaliada com base na competência de um “serviço pontual, eficiente e cuidadoso”. Para ser pontual e cuidadosa, a empresa deve integrar algumas competências, como “coordenar a operação de entrega” e “manipular as revistas dos clientes com cuidado e atenção”. Essas competências devem ser construídas no âmbito de determinados grupos ou áreas da empresa, em especial em logística. A área financeira não lida diretamente com as revistas dos clientes, por isso suas competências são significativamente diferentes das requeridas da área de logística. Essa ideia sugere a existência de competências funcionais, sendo associada a determinados grupos da organização e não a empresa como um todo.
4.4 G estão das competências Dutra (2002) afirma que entre organizações e pessoas se estabelece um espaço de troca contínua de competências. Por um lado, as empresas disponibilizam ao indivíduo seus recursos, gerando oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, preparando-o para enfrentar novas situações profissionais, dentro ou fora da empresa. Por outro lado e ao mesmo tempo, as pessoas, com seus conhecimentos e expectativas, contribuem com as empresas ao mobilizarem suas capacidades individuais, desenvolvendo-as e capacitando-as a enfrentar novos desafios. As pessoas mobilizam suas competências de forma salta a necessidade de se pensar a articulação das compe-
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tências individuais às organizacionais. Conforme salientam
Gestão de Competências
articulada com a intenção estratégica da empresa, o que res-
Fleury e Fleury (2004), há uma relação de interdependência entre as competências organizacionais e individuais. Quando a empresa identifica e define suas competências organizacionais básicas, essenciais ou seletivas, define, também, as competências associadas aos macroprocessos, áreas funcionais ou atividades. O desdobramento dessas competências, por sua vez, também viabiliza a identificação das competências requeridas dos indivíduos. A noção de competência funcional facilita o mapeamento de competências. De acordo com Fleury e Fleury (2004) as competências centrais de uma empresa podem ser associadas a três diferentes processos: operações, produtos ou serviços e, vendas ou marketing. Demais processos (finanças, tecnologia etc.) são considerados serviços de apoio. Dependendo da estratégia da
empresa no mercado, um desses processos (ou conjunto de competências organizacionais) predominará sobre os demais, agindo como coordenador das demais áreas. O quadro a seguir ilustra o alinhamento entre visão e orientação estratégica da empresa, as competências organizacionais e as competências individuais. Alinhamento entre orientação estratégica, competências organizacionais e competências individuais. Estratégia
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Competências organizacionais
Competências individuais
Excelência operacional
• Redução de custos. • Qualidade nos processos de produção. • Exelência em distribuição.
• Orientação para custos. • Orientação para qualidade. • Planejamento de produção. • Capacidade de negociação. • Operação de sistemas de produto.
Liderança em produtos
• Inovação em produtos/ excelência em pesquisa e desnvolvimento. • Inovação e monitoramento tecnológico. • Monitoramento de mercado. • Desenvolvimento de marca e imagem corporativa.
• Capacidade de inovação. • Capacidades interpes-soais: comunicação, persuasão, negociação, questionamento. • Liderança e trabalho em equipe.
Orientação aos clientes
• Flexibilidade, customizaçao e qualidade do processo produtivo. • Monitoramento tecnológico e de mercado. • Desenvolvimento de marca e imagem. • Relacionamento com clientes. • Excelência em apoio pós-venda.
• Criatividade e flexibilidade no trato interpessoal. • Capacidades interpes-soais: comunicação, persuasão, negociação, questionamento. • Autonomia e visão estratégica. • Liderança e trabalho em equipe.
Fonte: Mascarenhas, 2008, p. 194.
4.5 G estão por competências A construção de uma organização de aprendizagem requer a revisão de diversos conceitos e práticas tradicionais. As descrições de cargo, conforme assinala Mascarenhas (2008), sofreram alterações. De meras descrições de atividades a serem desempenhadas, atualmente há a preocupação com as expectativas de entrega desses cargos e com a contribuição das pessoas ao desenvolvimento organizacional. Em uma organização de aprendizagem as pessoas são estimuladas a agregar valor à organização, superando as responsabilidades imediatas. mais de poder e hierarquia, assim como os organogramas,
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tiveram sua relevância diminuída na medida em que pessoas
Gestão de Competências
De mesma forma, conforme o autor, as estruturas for-
chave para certas iniciativas e atividades podem estar alocadas em diferentes níveis hierárquicos. Dutra (2001 apud MASCARENHAS, 2008) menciona a sobreposição das estruturas burocráticas tradicionais com novos critérios de gestão de pessoas. Tem se tornado comum em algumas empresas, pessoas serem avaliadas com base nas suas contribuições efetivas para o sucesso da empresa. É, por exemplo, o caso do chefe que concede aumento salarial a um colaborador que contribui sistematicamente à melhoria operacional de seu departamento. Por outro lado, também é comum encontrar muitos sistemas de gestão de pessoas estruturados em critérios tradicionais, a exemplo da chamada remuneração fixa, atrelada a cargos que não necessariamente espelham a contribuição de seus ocupantes.
Ao assumir a importância do alinhamento de competências à competitividade de uma empresa, é preciso reconhecer a necessidade de um sistema integrado de gestão de pessoas que reforce a interação entre as pessoas e o compartilhamento dos diferentes conhecimentos, promovendo a aprendizagem nos diversos níveis da organização. Esse sistema deve articular não somente treinamento e desenvolvimento, mas, também, recrutamento e seleção para a captação dos talentos e remuneração para promover comportamentos condizentes com a visão estratégica da empresa. O conceito de gestão de pessoas por competências diz respeito a uma “sistemática alternativa à análise e à gestão da atuação, dos relacionamentos e da contribuição dos indivíduos à organização, segundo critérios de desempenho, com base no conceito de competência” (MASCARENHAS, 2008, p. 196). A gestão de pessoas por competência viabiliza, por buições efetivas das pessoas. É uma abordagem importante
Gestão Estratégica de Pessoas
exemplo, decisões de remuneração que premiam as contri150
para pensar o alinhamento de competências, uma vez que, de acordo com Mascarenhas (2008), a gestão de pessoas por competências é uma sistemática capaz de associar as competências individuais às organizacionais. A gestão das competências e a gestão por competências na realidade são propostas interdependentes, capazes de articular a gestão de pessoas à gestão estratégica das organizações. Construir um sistema de gestão por competências requer que sejam identificadas as competências organizacionais mais importantes à empresa para então definir as competências funcionais e individuais requeridas. Para Mascarenhas (2008) a gestão de pessoas por competências tem como objetivo incorporar de maneira sistematizada as competências dos indivíduos aos critérios de avaliação e de regulação para fins de gestão de pessoas. É um
referencial amplo que permite a reorganização da função de gestão de pessoas, assim como pode ser utilizado para o planejamento dos diferentes processos da área, por exemplo, remuneração por competências, captação, carreira etc.
4.6 M apeamento das competências Conforme Brandão e Guimarães (2001), o processo de mapeamento de competências se propõe a orientar os esforços para planejar, captar, desenvolver e avaliar, nos diferentes níveis da organização (individual, grupal e organizacional), as competências necessárias à consecução de seus objetivos. Para Carbone et al (2009) o mapeamento de competêndiscrepância entre as competências necessárias para concretizar a estratégia corporativa e as competências internas existentes na organização. O passo inicial desse processo consiste em identificar as competências (organizacionais e funcionais) necessárias à consecução dos objetivos da organização. Para essa identificação, inicialmente é realizada uma pesquisa documental, que inclui a análise do conteúdo da missão, da visão de futuro, dos objetivos e de outros documentos relativos à estratégia organizacional. Depois, realiza-se a coleta de dados com pessoas-chave da organização, para que tais dados sejam comparados com a análise documental. Podem ser utilizados, ainda, outros métodos e técnicas de pesquisa, como, por exemplo, a observação, os grupos focais e os questionários estruturados com escalas de avaliação (BRANDÃO; GUIMARÃES, 2001).
151 Gestão de Competências
cias objetiva identificar a lacuna de competências, isto é, a
Carbone et al (2009) mencionam alguns cuidados metodológicos a serem considerados para a descrição de competências. Os autores sugerem descrever as competências profissionais sob a forma de referenciais de desempenho, ou seja, de comportamentos objetivos e passíveis de observação no ambiente de trabalho. Quando a descrição não é clara, as pessoas tendem a dar a cada competência a interpretação que melhor lhes convém. A descrição de uma competência deve representar um desempenho ou comportamento esperado, indicando o que o profissional deve ser capaz de fazer. Esse comportamento deve ser descrito, utilizando-se um verbo e um objetivo de ação. A ele pode ser acrescido, sempre que possível e conveniente, uma condição na qual se espera que o desempenho ocorra. Pode incluir, ainda, um critério que indique um padrão de qualidade considerado satisfatório, conforme os exemplos dispostos no quadro a seguir. Gestão Estratégica de Pessoas
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Exemplo de descrição de competências sob a forma de referenciais de desempenho (comportamentos observáveis no trabalho) Competência
Competências organizacionais
Orientação para resultados
• Implementa ações para incrementar o volume de negócios. • Avalia com precisão os custos e benefícios das oportunidades negociais. • Utiliza indicadores de desempenho para avaliar os resultados alcançados. • Elabora planos para atingir as metas definidas.
Orientação para resultados
• Compartilha com seu grupo os desafios a enfrentar. • Mantém relacionamento interpessoal amigável e cordial com os membros de sua equipe. • Estimula a busca conjunta de soluções para os peoblemas enfrentados pela equipe. • Compartilha seus conhecimentos com os membros da equipe. Fonte: Carbone et al, 2009, p. 46.
Alguns autores descrevem as dimensões da competência em termos de conhecimentos, habilidades e atitudes que se acredita serem necessárias para que a pessoa apresente determinado desempenho no trabalho, conforme o quadro a seguir. Exemplo de recursos ou dimensões da competência “prestar um atendimento bancário baseado em padrões de excelência” Descrição (referênciais de desempenho)
Conhecimentos
• Princípios de contabilidade e de finanças. • Produtos e serviços bancários. • Princípios de relações humanas.
Habilidades
• Aptidão para operar computadores, periféricos e demais recuroso tecnológicos. • Habilidade de argumnetar de maneira convincente.
Atitudes
• Predisposição para tomada de iniciativa (proatividade). • Respeito à privacidade do cliente. • Predisposição para aprimorar-se continuamente. Fonte: Carbone et al, 2009, p. 47.
A adoção de um ou outro critério para a descrição de competências ocorre em função do uso que se pretende dar à descrição. Por exemplo, em avaliações de desempenho as competências são descritas em termos de comportamentos observáveis, para que seja possível a mensuração. Por sua vez, para uso em ações de treinamento torna-se necessário descrever, não somente os comportamentos desejados, mas também os conhecimentos, as habilidades e as atitudes, que constituirão o conteúdo educacional a ser ministrado (CARBONE et al, 2009). Para Brandão e Bahry (2005), na descrição de competências, deve-se evitar:
153 Gestão de Competências
Dimensão da Competência
• Construção de descrições muito longas e a utilização de termos técnicos que dificultem a compreensão das pessoas. • Ambiguidades, como, por exemplo, “implementa modelos de gestão bem-sucedidos em outras organizações”. Não se sabe, nesse caso, se a pessoa deve ser capaz de “implementar, na organização em que trabalha, modelos de gestão que foram bem-sucedidos em outras organizações” ou, então, “implementar, em outras organizações, modelos de gestão bem-sucedidos”. Essa redação é ambígua, dando margem a dupla interpretação. • Irrelevâncias e obviedades, como, por exemplo, “coordena reuniões que são marcadas”. Nesse caso, bastaria dizer: “coordena reuniões”. • Duplicidades, como em “soluciona problemas de forma criativa e original”.
Gestão Estratégica de Pessoas
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• Abstrações, como, por exemplo, “pensa o inédito, sugerindo ideias que resolvam divergências”. Nesse exemplo, seria melhor dizer simplesmente: “sugere ideias para solucionar problemas”. • Utilização de verbos que não expressem uma ação concreta, ou seja, que não representem comportamentos passíveis de observação no trabalho, como saber, apreciar, acreditar, pensar, dentre outros. Além da identificação das competências necessárias à estratégia organizacional, o mapeamento de competências pressupõe também inventariar as competências internas já disponíveis na organização, com o propósito de identificar a lacuna entre as competências necessárias e as já existentes na organização (CARBONE et al, 2009).
A identificação das competências disponíveis na organização geralmente é realizada por meio de instrumentos de avaliação de desempenho, uma vez que a competência humana é expressa em função do desempenho da pessoa no trabalho, conforme apontado por Brandão e Guimarães (2001). Uma vez realizado o mapeamento da lacuna de competências, pode-se, então, planejar e realizar a captação e/ou o desenvolvimento de competências profissionais, visando minimizar essa lacuna, bem como retribuir os profissionais que manifestam as competências necessárias à consecução dos objetivos organizacionais.
4.7
De acordo com Mascarenhas (2008,) segundo uma visão processual da gestão estratégica, a evolução das competências em uma empresa está relacionada à evolução de suas estratégias. As empresas realizam o planejamento estratégico, definindo visões e intenções de médio e longo prazo. Estratégias são definidas com base na identificação das competências seletivas, bem como nos mercados nos quais as competências podem ser exploradas de forma a gerar maior rentabilidade. A gestão das competências, de acordo com o autor, é um referencial que busca alinhar as competências individuais e organizacionais às estratégias. Fleury e Fleury (2004) colocam que em uma organização em processo de aprendizagem, as competências e a estratégia da organização se influenciam e retroalimentam continuamente.
155 Gestão de Competências
D esenvolvimento de competências
Estratégia e ciclo das competências organizacionais e individuais OBJETIVOS ESTRATÉGICOS Ao buscar alcançar vantagemcompetitiva, as competências existentes mudam ou são exigidas novas competências.
COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS
Existência de transformação mútua entre competências e desempenhos.
DEFINEM
SUBSIDIAM
MERCADO
COMPETÊNCIAS HUMANAS
PRINCÍPIOS E VALORES
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DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
RETROALIMENTAM Fonte: adaptado de Fleury e Fleury 2004.
Conforme pode ser observado na figura acima, em função das turbulências do mercado, para obter vantagem competitiva a organização define suas competências organizacionais, que por sua vez irão subsidiar as competências individuais. Conforme a entrega e a mobilização das capacidades individuais, a empresa se desenvolve; entretanto, o mercado, dado o seu dinamismo, também já não será mais o mesmo, o que irá requerer da organização uma nova reconfiguração das competências, em um ciclo constante de aprendizagem. De mesma forma Moura e Bitencourt (2006) colocam que as competências organizacionais provêm da especificidade de cada empresa para identificar seus recursos e transformá-los em vantagem competitiva. De acordo com
as autoras, muitas vezes, os processos de conversão de recursos em competências organizacionais não são planejados e desenhados, mas ocorrem no cenário competitivo e movem a dinâmica organizacional. A estratégia surge vinculada às competências da empresa, enquanto o seu desdobramento em competências coletivas ou individuais atravessa níveis hierárquicos e equipes de trabalho. A efetividade da organização resulta da capacidade de articular o seu direcionamento estratégico com as competências da empresa, dos grupos e as competências individuais. Portanto, estabelecer o direcionamento estratégico, alinhado a competências organizacionais e desdobrado em competências – coletivas e individuais – implica refletir sobre o modelo de gestão. O conceito de capacidades dinâmicas busca incorporar questões referentes ao dinamismo de mercado enfatizando competitiva deveria ser pensada em termos da capacidade
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gerencial em promover transformações no cenário de negó-
Gestão de Competências
os processos de aprendizagem organizacional. A vantagem
cios, reconfigurando competências continuamente, de forma a manter posições favoráveis no mercado. A preocupação deveria ser não somente com o que a organização tem hoje, mas com o que ela pode fazer bem no futuro (MASCARENHAS, 2008). Para sustentar a vantagem competitiva, é necessário se pensar em um sistema organizacional que facilite a aprendizagem e a mudança. Para Moura e Bitencourt (2006), atividades que primam pela previsibilidade e repetição dificilmente promovem o desenvolvimento de competências. A competência sugere conseguir lidar com eventos inesperados. Conhecimentos, habilidades e atitudes desenvolvidos em circunstâncias anteriores constituem a base de competências para oferecer respostas frente a situações não rotineiras
e imprevisíveis. Mudanças externas e internas ao indivíduo mobilizam ativos para alcançar um resultado, como resolver problemas em circunstâncias inéditas. Se o elenco de competências adquiridas dá conta da situação inesperada, promove-se mais uma instância de aprendizagem. As competências organizacionais podem se formar continuamente à medida que as pessoas mobilizam capacidades, em interdependência com outros recursos, interagem com outras pessoas e compartilham conhecimentos, utilizando-os para resolver problemas e aproveitar oportunidades. A aprendizagem por meio das interações sociais pode acontecer de modo formal e controlado pela organização, como nos programas de desenvolvimento e nas universidades corporativas, ou de maneira informal, em eventos do cotidiano, como aprendizagem no local de trabalho, equipes requer, não somente desenvolver competências individuais,
Gestão Estratégica de Pessoas
autônomas, coaching etc. A aprendizagem organizacional 158
mas viabilizar novos padrões de desempenho organizacional (MASCARENHAS, 2008). Para Mascarenhas (2008), o processo de desenvolvimento de competências requer estratégias amplas e integradas de gestão de pessoas. O autor menciona que geralmente essas estratégias estão sob a coordenação de Treinamento e Desenvolvimento da empresa que, através de iniciativas formalizadas, permite à organização a construção de competências. Muller (apud MASCARENHAS, 2008), entretanto, faz um alerta. Coloca que o desenvolvimento de capacidades e competências é um processo que depende da inserção das pessoas nas rotinas organizacionais e experiências no trabalho. O autor sugere que uma forma de aprendizagem é “aprender fazendo”. Ao retirarem as pessoas do seu contexto de trabalho, treinamento e desenvolvimento, acabam de certo modo
inviabilizando ou limitando a mudança de comportamento na prática. Desse modo, a formação de competências raras, de difícil imitação, poderia até ser acelerada pelas iniciativas formais, mas não substituída por elas, pois, para esse autor, as competências desse tipo são construídas como resultado da evolução das rotinas nas quais os indivíduos estão inseridos. Bitencourt (2004) afirma que um sistema abrangente de desenvolvimento de competências deve associar práticas formais, coordenadas por gestão de pessoas, às práticas informais, coordenadas pelos líderes de equipes e dependentes da inserção das pessoas no trabalho. Para Mascarenhas (2008), uma estratégia possível é promover, no âmbito das iniciativas formais de desenvolvimento, a aprendizagem informal no contexto do trabalho, capaz de gerar padrões únicos de desempenho organizacional, difíceis de imitar. Desenvolver competências requer a promoção e a integração de práticas capazes de apoiar os processos de aprendizagem dos indivíduos e grupos. Entre essas práticas, Mascarenhas (2008) destaca a avaliação das competências, as práticas de coaching e mentoring e as universidades corporativas. A) Avaliação das competências A gestão e a avaliação de desempenho é uma metodologia tradicional de gestão de pessoas. Em suas propostas mais simples, inicialmente são definidas as metas e os objetivos individuais ou grupais; acompanha-se a atuação das pessoas e, ao final, a chefia estabelece um entendimento sobre o desempenho da pessoa ou equipe. Os subsídios gerados pela avaliação do desempenho seriam a base para a tomada de decisões em gestão de pessoas, de acordo com as particularidades adotadas pela empresa (MASCARENHAS, 2008). Desde a sua consolidação a gestão do desempenho vem
sofrendo críticas. Algumas das críticas referem-se à resistência apresentada por muitos gestores de linha, responsáveis pela operacionalização das avaliações. Esses gerentes encontram dificuldades ao terem que julgar seus subordinados e comunicá-los a respeito de suas conclusões. Muitos negligenciam as avaliações como forma de evitar desconforto devido a eventuais confrontos com a equipe. McGregor (1997, apud MASCARENHAS, 2008) sugere que a principal dificuldade com relação à avaliação de desempenho é a presunção de se “bancar o Deus” durante o processo, quando o chefe deve emitir seus julgamentos pessoais sobre o desempenho e os comportamentos dos subordinados, apesar das limitações de sua capacidade pessoal para perceber e julgar. Conforme salienta Mascarenhas (2008), o alto grau de subjetividade que sempre caracterizou os procedimentos de ção nas organizações, o que mina o envolvimento dos geren-
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avaliação é frequentemente associado a conflitos e a insatisfa160
tes com o processo. Segundo o autor, essas críticas permitiram a redefinição da sistemática em torno da avaliação das competências, que assume outros contornos no processo de gestão de desempenho. Enquanto a avaliação de desempenho tradicional pressupõe o controle e a avaliação do comportamento das pessoas, a avaliação de competências enfatiza a análise e a promoção do desenvolvimento. A aprendizagem e as melhorias no desempenho podem ser associadas à construção de expectativas positivas em decorrência da negociação conjunta de metas e do estímulo ao desenvolvimento do que da avaliação de desempenho do passado. Para Mascarenhas (2008, p. 208) “a avaliação de competências pode ser conceituada como a análise da capacidade dos indivíduos – conhecimentos, habilidades e atitudes –
requeridas ao trabalho em determinado contexto”. Na prática, a avaliação de competências é um conjunto de procedimentos por meio dos quais a pessoa é ajudada a construir planos de desenvolvimento de suas competências. Em muitas empresas, a avaliação de competências está estruturada com base nas informações geradas pela avaliação 360 graus. Essa metodologia permite que se sistematize e disponibilize a um indivíduo as percepções de diversas outras pessoas que convivem diariamente com ele , sobre seu desempenho profissional. “Adotar a gestão por competências implica avaliarmos a atuação das pessoas segundo critérios de desempenho como etapa fundamental à promoção e ao direcionamento de seu desenvolvimento”. Desempenho passa a ser entendido como o resultado da mobilização das competências das pes-
B) Coaching e mentoring
161
Os procedimentos de avaliação 360 graus destinam-
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soas (MASCARENHAS, 2008, p. 209).
-se a avaliação de desempenho; por si só, não tem o poder de gerar planos de desenvolvimento. Ao fazê-lo, devemos garantir que a percepção das deficiências de desempenho e as perspectivas de aprendizagem estimulem o comprometimento das pessoas e dos grupos às ações de desenvolvimento (MASCARENHAS, 2008). A organização deve viabilizar o desenvolvimento de competências estruturando oportunidades de aprendizagem. Por isso é fundamental uma cultura organizacional que promova as iniciativas de desenvolvimento dos grupos e das pessoas. Para Mascarenhas (2008) tanto o coaching como o mentoring são capazes de potencializar o comprometimento das pessoas com seus objetivos de desenvolvimento. Para o autor, essas práticas, se bem consolidadas,
podem contribuir para a construção de uma cultura organizacional centrada na promoção da aprendizagem, em detrimento da cultura controladora. Em uma organização, ser um coach significa assumir um papel ao se comprometer em orientar e apoiar alguém em seu processo de desenvolvimento. Um relacionamento de coaching ocorre a partir de uma solicitação, onde alguém menos experiente busca auxílio de outro indivíduo, mais experiente, para resolver um problema ou aconselhá-lo em determinada situação. Para Mascarenhas (2008), todo processo de coaching e mentoring requer a construção de relacionamentos duradouros, caracterizados pela confiança e influência mútuas. De acordo com o autor, as práticas de coaching assumiram três funções fundamentais: 1. O coach assume responsabilidades ligadas à defimento de competências de seu liderado.
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nição e ao acompanhamento do plano de desenvolvi162
2. O coach pode contribuir para o desenvolvimento das condições motivacionais necessárias à aprendizagem. 3. O coach pode assumir papéis importantes relacionados ao processo de aprendizagem em si, como, por exemplo, ser o facilitador do desenvolvimento do liderado quando da aprendizagem vivencial. C) De treinamento e desenvolvimento (T&D) às Universidades Corporativas (UC) As áreas tradicionais de treinamento assumiam posturas reativas por meio das quais buscavam resolver os problemas de qualificação do sistema produtivo, assim como, por assim dizer, adaptar o homem a certa atuação sistemá-
tica, como a operação de uma máquina. Recentemente, com as tendências de requalificação dos trabalhadores, a atuação das áreas de treinamento passou a ser mais proativa. Incorporando o termo desenvolvimento, as áreas assumiram uma dimensão mais dinâmica da educação, voltada ao crescimento pessoal e profissional de modo contínuo, com vistas às contribuições dos indivíduos para a organização (MASCARENHAS, 2008). A emergência da gestão das competências foi acompanhada de reformulações nas atividades de T&D. Uma das críticas à atuação tradicional da área se refere à falta de articulação com os objetivos estratégicos de longo prazo da organização. As iniciativas de treinamento são frequentemente reativas, pontuais e localizadas, adequadas para a resolução de deficiências no processo produtivo, mas não para garantir a sobrevivência da empresa no A UC surge como uma nova proposta à aprendiza-
163
gem e ao desenvolvimento dos indivíduos e dos grupos. De
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longo prazo.
acordo com Meister (1999, apud MASCARENHAS, 200:213), “a universidade corporativa é um guarda-chuva estratégico para desenvolver e educar funcionários, clientes, fornecedores e a comunidade, a fim de cumprir as estratégias empresariais da organização.”
Saiba Mais O vídeo “O valor da competência” estabelece um paralelo entre competência e experiência, sugerindo a necessidade de aperfeiçoamento constante. Para assistir ao vídeo, acesse o link http://www.youtube.com/watch?v=tzCX-Tv54g4. Para conhecer mais sobre competências, sob diversos aspectos e perspectivas, visite o site: http://www.gestaoporcompetencias.com.br.
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G est達o do conhecimento
Profª Ms. Dália Derner
O bjetivos Apresentar e situar a gestão do conhecimento como uma estratégia organizacional para alavancar a aprendizagem e o conhecimento na organização. Conteúdo apresentado • Conceitos básicos; • Era do conhecimento e da informação: o contexto das organizações; • Criação do conhecimento: os modos de conversão do conhecimento; • Gestão do conhecimento; • Gestão do conhecimento nas empresas.
5.1 Conceitos básicos Antes de se falar da gestão do conhecimento nas organizações é importante que se esclareça alguns de seus conceitos básicos, sendo útil a distinção entre os termos: “dado”, “informação” e “conhecimento”. De acordo com Davenport e Prusak (1998), o conhecimento não é dado e nem é informação, porém está relacionado a ambos. Entender o que são esses três elementos é essencial para que se possa entender a gestão do conhecimento. Segundo os autores, o conhecimento é decorrente da infor-
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172
mação que, por sua vez, deriva de um conjunto de dados. Angeloni (2008) coloca que o dado refere-se a um elemento descritivo de um evento e é desprovido de qualquer tratamento lógico ou contextualização; comunica um estado da realidade pura. Por sua vez, a informação tem origem etimológica no vocábulo latino informatio, que designa a ação de informare – dar forma, moldar – correspondendo a uma representação mental do mundo empírico. Para construir uma informação é necessário o envolvimento de atividades como coleta, classificação e aglutinação de dados. A informação não possui sentido próprio, sendo sempre um produto de relações sistemáticas entre fatos, além de estar constantemente inserida em uma rede de relações que lhe confere sentido. A informação pode ser entendida como um conjunto de dados selecionados e agrupados, segundo critério lógico, para a consecução de um determinado objetivo. O conhecimento pode ser visto como um conjunto de informações reconhecidas e integradas pelas pessoas dentro
de um esquema pré-existente. Isso significa que as informações são transformadas em conhecimento por meio da intervenção das pessoas. Davenport e Prousak (1998) afirmam que o conhecimento está mais próximo da ação e está relacionado ao uso inteligente da informação: pode ser avaliado pela qualidade das ações ou das decisões a que leva. O conhecimento é tão antigo quanto o ser humano. Maturana e Varela (2003, apud CARBONE, 2009), fazem alusão ao texto bíblico no qual Adão e Eva comeram o fruto do conhecimento, do bem e do mal. Desde os primórdios da história da humanidade, havia a preocupação de transmitir o conhecimento aos descendentes, seja através do registro dos acontecimentos – perpetuarepassados por comunicação oral ao longo de milênios. Muitos filósofos, no decorrer dos séculos, tentaram definir o significado do conhecimento. Hessen (2000, apud CARBONE, 2009) argumenta que o conhecimento é uma relação que se estabelece entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido. No processo de conhecimento, o sujeito apreende o objeto, ao mesmo tempo em que o objeto condiciona o sujeito que o apreende. O conhecimento, para Piaget (1989, apud NONAKA, 1997), resulta das ações e das interações do sujeito com o ambiente onde vive. Todo conhecimento é uma construção, que vem sendo elaborada desde a infância, através de interações do sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou do cultural. Para Angeloni (2008), o conhecimento, a despeito das múltiplas interpretações que o termo recebe, traz em si um conjunto de informações pertinentes a um sistema de relações criticamente elaborado. Não é sinônimo de acúmulo de infor-
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dos nas pinturas em rochas – ou mesmo através de contos,
mações, mas de um grupamento articulado delas por meio da legitimação empírica, cognitiva e emocional. Conhecimento significa compreender todas as dimensões da realidade, captando e expressando essa totalidade de forma cada vez mais ampla e integral. A gestão do conhecimento organizacional, para Angeloni (2008:2) pode ser definida como o “conjunto de processos que governa a aquisição, a criação, o compartilhamento, o armazenamento e a utilização de conhecimento no âmbito das organizações”. Para a autora, a organização do conhecimento é aquela em que o repertório dos saberes, individuais e dos socialmente compartilhados pelos grupos, é tratado como um ativo valioso. Essas organizações não medem esforços para criar condições ambientais, sociais e tecnológi-
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cas que viabilizem a geração e a disponibilização de conhecimento por parte dos indivíduos, com o objetivo de subsidiar a tomada de decisões (ANGELONI, 2005).
5.2 E ra do conhecimento e da informação: o contexto das organizações Na época da Revolução Industrial predominava a divisão do trabalho levada a extremos a partir dos estudos de tempos e de movimentos de Taylor. Merlo (2005) coloca que o modelo de gestão existente durante a Revolução Industrial, com seu paradigma de comando e controle – Taylorista/ Fordista – e seu sistema de produção voltado para resultados quantitativos, tem sido substituído por outro modelo, que
valoriza a criatividade e a intelectualização dos indivíduos, colocando o homem no centro do processo de trabalho. A Revolução Industrial aplicou o conhecimento às máquinas; a revolução da produtividade – de Frederick Taylor – aplicou o conhecimento ao trabalho; e a revolução gerencial de meados do século XX aplicou conhecimento ao conhecimento. A continuidade desse processo é que está moldando a nova sociedade, baseada no conhecimento (DRUCKER, 2001). De acordo com Alvarenga Neto (2008), o pós-industrialismo é marcado pela emergência de um novo paradigma baseado em inovação, informação e conhecimento. Para Stewart (1998, apud ALVARENGA NETO, 2008), o ano um da Era da Informação é 1991, quando os dispêndios de capital da Era Industrial se igualam ao da Era da Informação. nômico, segundo Lastres e Albagli (1999), resulta de avanços da ciência – com o objetivo de superar os limites do crescimento impostos pelo padrão estabelecido – e de pressões competitivas e sociais, que visam inaugurar novas frentes de expansão e sustentar a lucratividade e a produtividade, conforme pode ser visto no quadro a seguir. Transição da era industrial à era da Informação 1770/80 a 1830/40
1830/40 a 1880/90
Mecanização
Força a vapor e ferrovia
1880/90 a 1920/30
1920/30 a 1970/80
1980 a ?
Energia Produção Tecnoloelétrica e em massa gias da engenharia “fordismo” informação pesada
Fonte: adaptado de Lastres e Albagli, 1999, p. 34.
A informação e o conhecimento são elementos centrais, cruciais e fundamentais da nova ordem mundial. De acordo com Davenport e Beck (2001, apud ALVARENGA, 2008), o New York Times de domingo contém mais informações em
175 Gestão do conhecimento
A ascensão de um novo paradigma sócio-técnico-eco-
uma única edição do que todo o material escrito de que dispunham os leitores do século XV. Castells (2000, apud ALVARENGA NETO, 2008) caracteriza a mudança contemporânea de paradigma como uma mudança de uma tecnologia baseada em insumos baratos de energia para outra de insumos baratos de informação, derivada do avanço da tecnologia em microeletrônica e telecomunicações. Para Lastres e Albagli (1999), as transformações da sociedade da informação e do conhecimento, induzem novas atividades, novas formas de produção e comercialização, transformando as estratégias organizacionais e exigindo novas capacitações. As autoras enumeram as características e os efeitos mais importantes da tecnologia da informação e comunicação, destacando:
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• a crescente complexidade dos novos conhecimentos e das tecnologias utilizadas pela sociedade; • a aceleração do processo de geração dos novos conhecimentos; • a crescente capacidade de codificação dos conhecimentos; • as mudanças fundamentais nas formas de gestão e organização empresarial; • as mudanças no perfil dos diferentes agentes econômicos. Todas as mudanças a que esses autores se referem – principalmente após a consolidação da globalização e o advento da internet – impactaram diretamente o mundo do trabalho. O impacto de novas tecnologias, o rompimento do padrão tradicional das coordenadas de tempo e espaço, as novas formas de parceria e competição, a instantaneidade da
informação e da comunicação mundial, os novos padrões de interação social alteraram completamente as organizações. Sobreviver em um mercado dinâmico, imprevisível e altamente competitivo, tem se tornado a palavra de ordem. O desafio de ser competitivo está diretamente relacionado ao esforço de conquista e manutenção de vantagem competitiva ao longo do tempo. A vantagem competitiva é obtida, fundamentalmente, por meio de inovação que, por sua vez, tem como essência o conhecimento. Para Carbone et al (2009) o conhecimento representa o controle, mesmo que temporário, da incerteza; aplicado ao contexto empresarial visa a oferta de soluções para problemas concretos e não se desgasta com o uso – ao contrário, se renova e potencializa – o que permite a geração Nesse contexto deve-se ressaltar o trabalho humano: as pessoas são percebidas como agentes vivos dos processos de criação de conhecimento, na medida em que permitem à organização o estabelecimento de inúmeras combinações de competências. O conhecimento passa a ser compreendido como uma construção social, que não tem vida própria sem a figura do conhecedor. Conforme Marcondes (2008), na atual sociedade o conhecimento passou a ser o elemento fundamental na criação e no desenvolvimento de novas competências, surgindo um novo trabalhador – o “trabalhador do conhecimento” – que detém mais autonomia, inova continuamente o seu trabalho, busca aprendizado permanente e compromete-se com a alta qualidade do desempenho e com os resultados da organização.
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dinâmica de inovações.
5.3 C riação do conhecimento: os modos de conversão do conhecimento Entre as principais abordagens reconhecidas na literatura como referência teórica para a gestão do conhecimento, destaca-se a teoria da criação do conhecimento, de Nonaka e Takeushi (1997), fundamentada em duas dimensões: epistemológica e ontológica.
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Epistemologia: Do grego, “episteme”, significa ciência, conhecimento. “Logos” significa discurso, estudo. Assim, a epistemologia ou a teoria da ciência é um ramo da filosofia cujo objeto é o estudo reflexivo e crítico da origem, da natureza, dos limites e da validade do conhecimento humano. A reflexão epistemológica incide sobre duas áreas principais: a natureza ou a essência do conhecimento e a questão de suas possibilidades ou de seu valor.
Ontologia:
Do grego, “onto”, significa ser. “Logos” significa discurso, estudo. A ontologia, ou ciência do ser, é parte da filosofia que se preocupa com a natureza do ser e dos entes. Entende-se a ontologia de maneiras diferentes: por um lado, concebe-se como ciência do ser em si, do ser último ou irredutível, de um primeiro ente em que todos os demais consistem, isto é, do qual todos dependem . Nesse caso, a ontologia é verdadeiramente metafísica, isto é, ciência da realidade e da existência. Por outro lado, a ontologia parece ter como missão a determinação daquilo em que os entes consistem e ainda daquilo em que consiste o ser em si. Nesse caso é uma ciência das essências e não das existências.
A dimensão epistemológica baseia-se na distinção entre conhecimento explícito e tácito. A seguir, os conheceremos a fundo.
Conhecimento tácito • É altamente pessoal, de difícil formalização e comunicação. • É o conhecimento construído na história do próprio indivíduo, a partir do seu olhar sobre a realidade, incluindo elementos cognitivos e práticos. Reflete o entendimento do que é a realidade e a visão de futuro. • Resulta da representação mental interna, a partir de modelos mentais, esquemas e roteiros, crenças, per• O conhecimento organizacional tácito é aquele que inclui o discernimento, o instinto e a compreensão profunda dos indivíduos.
Conhecimento explícito • É formal e sistemático. Pode ser facilmente comunicado e partilhado por meio de linguagem formal. • É o conhecimento produzido pelo conjunto da troca do conhecimento tácito. Quanto maior a troca entre os indivíduos interagentes, maior é a produção de conhecimento explícito, o que significa a possibilidade de construção de um conhecimento coletivo e compartilhado, que circula pela organização por meio da comunicação. • Resulta da representação externa a partir da explicitação formal dos saberes coletivizados, que vão se traduzir em figuras e fotos, intranet, mapas de
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cepções, sentimentos, categorizações e protótipos.
aprendizagem, textos e toda e qualquer produção de conhecimento fisicamente exteriorizada. • Conhecimento organizacional explícito é o conhecimento exibido em manuais de procedimentos, memórias de computador, relatórios e pesquisas. O quadro a seguir mostra as diferenças entre o conhecimento tácito e explícito. Diferença entre conhecimento tácito e explícito
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Conhecimento tácito (subjetivo)
Conhecimento explícito (objetivo)
• Conhecimento da experiência (corpo). • Conhecimento simultâneo (aqui e agora). • Conhecimento análogo (prática).
• Conhecimento da racionalidade (mente). • Conhecimento digital (teoria). • Conhecimento sequencial (lá e então).
Fonte: Nonaka e Takeuchi, 1997, p.67.
A dimensão ontológica considera o conhecimento uma criação individual, que se expande pela organização através de uma espiral do conhecimento, formando uma “rede de conhecimentos da organização” (NONAKA E TAKEUSHI, 1997, p. 65). A origem do conhecimento está identificada na interação das duas perspectivas, por meio da integração das formas de conhecimento – tácito e explícito. São considerados quatro processos de conversão do conhecimento, conforme mostra a figura a seguir:
Quatro modos de conversão de conhecimento
Socialização
Externalização
Internalização
Combinação
Tácito
Explícito
Fonte: Angeloni, 2008, p. 171.
conhecimento tácito.
181
É um processo de compartilhamento de conhecimen-
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• Socialização: transferência de conhecimento tácito para
tos através da experiência. É primordial a existência de uma experiência anterior de ambas as partes, permitindo, assim, a associação por meio de contextos específicos. Embora a socialização seja uma maneira de conversão do conhecimento, ela constitui uma forma limitada de criação do conhecimento, pois, a não ser que se torne explícito, o conhecimento compartilhado não pode facilmente ser alavancado pela organização como um todo. • Externalização: transferência de conhecimento tácito para conhecimento explícito. É o processo de articulação do conhecimento tácito em conceitos explícitos, por meio de metáforas, analogias e modelos.
Através das metáforas, as pessoas começam a manifestar o que sabem, mas que ainda não são capazes de dizer claramente. Geralmente constroem conexões e ideias abstratas para depois estruturar e moldar comparações. Através de analogias, geralmente com exemplos mobilizados devido à identificação de semelhanças, as pessoas expressam seus conhecimentos auxiliando a transformação e a compreensão do que antes era de difícil expressão – e, portanto, desconhecido – para algo conhecido. Por sua vez, para Nonaka e Takeushi (1997, p. 75), “o modelo não pode conter discrepâncias e contradições e todos os conceitos e proposições devem ser expressos em linguagem sistemática e lógica coerente”. Para Gestão Estratégica de Pessoas
182
os autores, dentre os quatro modelos para a criação do conhecimento, a externalização é a chave para a criação do conhecimento, pois cria conceitos novos e explícitos a partir do conhecimento tácito. • Combinação: transferência de conhecimento explícito para conhecimento explícito. É o modo de conversão do conhecimento que envolve a junção de conjuntos diferentes de conhecimentos já explicitados. Os indivíduos utilizam meios como documentos, telefones, redes de computadores, conversas e reuniões para combinar conhecimentos já explicitados. A aprendizagem aparece quando os indivíduos aprendem a sistematizar, padronizar e armazenar o conhecimento adquirido, facilitando dessa forma sua externalização. Os maiores exemplos de aprendizagem, para Angeloni (2008), são ilustrados por meio dos processos de educação formal e dos programas de capacitação empresarial em salas de aulas.
• Internalização: transferência de conhecimento tácito para conhecimento tácito. É o processo de incorporação do conhecimento explícito ao tácito, sendo a aprendizagem uma forma de efetuar essa conversão. É nessa forma de conversão que a aprendizagem mais se destaca. Para que as experiências por meio da socialização, da externalização e da combinação tornem-se ativos valiosos, elas devem ser internalizadas nas bases do conhecimento tácito do indivíduo sob a forma de modelos mentais ou know-how técnico compartilhado. Para que esse processo se efetive, são necessárias a verbalização e a diagramação do conhecimento na forma de documentos, manuais ou histórias orais. A internalização também pode ências das outras pessoas. O exemplo mais forte é o de ”aprender fazendo”, por meio da incorporação do conhecimento explícito no conhecimento tácito, por meio da aplicação do conhecimento formal nas atividades de trabalho.
5.4 G estão do Conhecimento Para Carbone et al (2009) a origem da gestão do conhecimento nas empresas está situada no contexto maior da economia das organizações – área do conhecimento localizada entre as teorias da administração e a economia – que abrange, dentre outras correntes, a administração estratégica que busca explicar como as empresas conquistam vantagem competitiva. Segundo Grant (1997, apud CARBONE et al, 2009), o
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ocorrer sem a necessidade de experimentar as experi-
motor da vantagem competitiva é a geração permanente de inovações e o seu principal insumo é o conhecimento. A criação do conhecimento viabiliza a geração de inovações de forma duradoura, o que permite vislumbrar a conquista de vantagem competitiva por parte das empresas criadoras de conhecimento. Apesar de o conhecimento sempre ter existido, a prática de geri-lo não é tão antiga assim. Sveiby (1998) situa o surgimento da Gestão do Conhecimento em dois momentos específicos. Com a difusão da Inteligência Artificial, começou a se perceber que os sistemas se tornavam obsoletos após aproximadamente seis meses de uso. Deu-se início, então, à necessidade de se pensar sobre a criação de conhecimento. Um segundo momento ocorreu no Japão, que desde 1980 já
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dedicava atenção à inovação e ao conhecimento. De acordo com Nonaka e Takeushi (1997), as empresas japonesas começaram a obter retorno positivo em suas atividades. Esse êxito não foi devido à sua capacidade de fabricação nem ao acesso a outras práticas de gestão – o sucesso das empresas japonesas se devia à sua capacidade e especialização na criação do conhecimento organizacional. Takeushi (1998, apud CARBONE et al, 2009) identifica duas vertentes principais da gestão do conhecimento presentes no mundo ocidental. De um lado, na Europa, o foco é dado na mensuração do conhecimento, ou seja, na gestão do capital intelectual, abordagem desenvolvida a partir da obra de Sveiby (1998, apud CARBONE et al, 2009). Do outro lado, nos Estados Unidos, o foco se dá na gestão do conhecimento propriamente dita. A prática das empresas norte-americanas no que se refere à gestão do conhecimento enfatiza, principalmente, o conhecimento explícito, perspectiva que tem encontrado receptividade em empresas multinacionais tais como GE, 3M
e HP. Da mesma forma, isso também tem ocorrido com as empresas brasileiras (CARBONE et al, 2009). Uma das principais referências teóricas, nesse contexto, tem sido o trabalho de Davenport e Prousak (1998, apud CARBONE et al, 2009) que identificaram as dificuldades e as condições de sucesso dos modelos de gestão do conhecimento, a partir de estudo realizado em empresas de grande porte. As principais dificuldades dizem respeito à gestão do conhecimento tácito. Por sua vez, as condições de sucesso referem-se à existência de uma cultura organizacional favorável ao conhecimento e à utilização de sistemas de informação. Para Leonard-Barton (1998, apud VIEIRA e GARCIA, 2004), gerir o conhecimento em uma organização implica compreender as aptidões estratégicas, estabelecidas gradualem vantagens competitivas difíceis de serem imitadas. Cabe aos gestores criá-las e mantê-las, estimulando as atividades geradoras de conhecimento e identificando suas dimensões. De acordo com esses autores, as atividades geradoras de conhecimento são aquelas que adicionam valor e permitem: a busca de soluções criativas por parte dos colaboradores; o aperfeiçoamento constante dos processos de produção; a integração de novas técnicas e metodologias; a experimentação; e a importação de know-how. As dimensões das aptidões estratégicas são representadas pelas qualificações pessoais e pelos conhecimentos que são incorporados pelas empresas. Ainda, como reservas de saber, temos os modernos sistemas de captação capazes de selecionar os colaboradores tanto por seu potencial e experiência como por suas atitudes positivas em relação ao aprendizado. Na nova concepção, o aprendizado é parte da natureza humana e ocorre até mesmo nos eventos sociais. Os locais de trabalho oportunizam aprendizagem a todo ins-
185 Gestão do conhecimento
mente ao longo do tempo nas organizações, constituindo-se
tante, através do envolvimento entre os colaboradores. O “outro” serve como exemplo e ajuda a solucionar problemas mesmo nos espaços informais, quando se discute as políticas da empresa (JORDAN et al, 1997, apud VIEIRA e GARCIA, 2004). Nessa nova concepção, foca-se, além do conhecimento transferido, todo o suporte organizacional para que as necessidades de aprendizagem sejam satisfeitas. O que os grupos precisam aprender é definido na dimensão do próprio trabalho – pelas necessidades que se apresentam e pelas pessoas que o desempenham diariamente – cabendo à gestão de pessoas a criação de espaços de compartilhamento e a disponibilização dos recursos necessários para que a aprendizagem aconteça.
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Do ponto de vista das organizações, o conhecimento gerado tem que ser útil, isto é, aplicado à prática cotidiana dos indivíduos; além disso, ele tem que estar retido na organização, compartilhado e armazenado para posteriores aplicações (VIEIRA e GARCIA, 2004). Para Alvarenga Neto (2008) a gestão do conhecimento tem como foco de suas preocupações, aspectos tais como: • a criação e o uso do conhecimento; • a gestão da inovação e da criatividade; • o compartilhamento das informações; • a mensuração e a consolidação do capital intelectual encontrado nos capitais humano, estrutural e do cliente; • a criação de condições favoráveis que devem ser propiciadas pela organização.
5.5 G estão do Conhecimento nas Empresas Em uma era cada vez mais globalizada, de mercado competitivo, em que a comunicação expõe online a qualidade e a deficiência dos produtos e serviços vendidos, inovar significa sobreviver. A gestão dos ativos intangíveis, determinantes para o crescimento e a sustentação das empresas, passa a ter crucial importância para o sucesso das organizações. A implementação da gestão do conhecimento nas orgares internos da empresa. De acordo com Angeloni (2008), uma
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empresa voltada ao conhecimento emerge de interações con-
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nizações requer atenção e cuidados com relação a alguns fato-
tínuas e recursivas entre três dimensões: infraestrutura, pessoas e tecnologia. Uma das preocupações é a manutenção do equilíbrio entre as três dimensões como forma de viabilizar a criação do conhecimento. Eventuais modificações em uma das dimensões geram efeitos sobre as outras devido à sua interatividade. Dessa forma, tanto os métodos de estruturação organizacional, a criatividade e a inovação, como as ferramentas de gestão eletrônica de documentos, por exemplo, são entendidos como elementos fundamentais para uma organização produtora de conhecimento. Vejamos a seguir o modelo proposto com base em Angeloni (2008).
A) Dimensão “infraestrutura” Para Angeloni (2008) a dimensão “infraestrutura” compreende algumas variáveis importantes do ambiente organizacional, que – caso adequadamente implementadas na orga-
nização – contribuiriam com a criação e a manutenção de um ambiente propício à gestão do conhecimento na empresa. Para a autora o objetivo da dimensão é buscar continuamente a integração das pessoas à missão, à visão e às estratégias da organização, a fim de que elas compreendam as necessidades organizacionais para as quais desempenham suas atividades. Compõem a dimensão: a visão holística, a cultura organizacional, o estilo gerencial e a estrutura organizacional. A visão holística busca transformar um entendimento organizacional fragmentado, em uma visão mais ampla e sistêmica, a visão do todo. O conceito de holismo, que deriva do grego holos, significa todo, totalidade. É uma teoria que entende o homem como ser indivisível, que não pode ser interpretado por inter-
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médio de uma análise separada de suas diferentes partes. De acordo com Angeloni (2008, p. 33), a visão holística pode ser considerada como “maneira de perceber a realidade e a abordagem sistêmica como o primeiro nível de operacionalização dessa visão”. A base da percepção holística é que todos os sistemas se influenciam mutuamente. Tradicionalmente nas organizações, a visão e as práticas dela decorrentes são reducionistas, à medida que tratam o ser humano de forma fragmentada. Isso pode ser observado, por exemplo, quando as pessoas passam a representar apenas um número de registro no Departamento de Pessoal, sendo vistas de forma fria e impessoal, sem que sejam considerados aspectos como história de vida, sentimentos, desejos, necessidades e expectativas e sem que sejam percebidas como seres pensantes, criativos e flexíveis perante turbulências externas do mundo dinâmico e imprevisível. “Na organização holística a empresa passa a ser um conjunto articulado de subsistemas interdependentes que se ajustam em tempo real, e não uma série de atividades sucessivas” (ANGELONI, 2008, p. 36).
Para Ribeiro (1996, apud ANGELONI, 2008), nesse tipo de organização as funções continuam existindo e o que desaparece é a estrutura de cargos, rigidamente estabelecida. Não existindo cargos, desaparece a disputa por eles, devolvendo ao líder o seu papel de educador e formador. Desse modo, segundo o autor, a autoridade e o controle são transformados em responsabilidade e liderança. Algumas das características organizacionais holísticas dizem respeito ao estilo gerencial e à sua estrutura, que podem ser classificadas da seguinte forma: • A hierarquia vertical é substituída pela horizontal. • Surge o especialista-generalista, pessoa que sabe desempenhar a sua função, no entanto, não é o único querer aprender tudo sobre a sua área. • O espírito empreendedor é incentivado. • O papel do líder adquire algumas características que podem ser entendidas por meio do papel do gerente na organização tradicional e o papel do líder na organização do conhecimento. Na organização tradicional o gerente diz aos colaboradores exatamente “o que” e “como” as coisas devem ser feitas e depois os vigia para garantir o seu cumprimento; considera-se responsável por dar ordens; só se importa com seu próprio departamento ou função. Ao contrário, na organização do conhecimento, o gerente: assume o papel de líder (se percebendo como facilitador do processo, não dando ordens, mas ajudando no sucesso dos colaboradores); explica os resultados necessários e ajuda seus colaboradores a descobrirem como farão o trabalho; se preocupa com toda a empresa.
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responsável pelo setor, todos o são. Tem a postura de
A imprevisibilidade e o dinamismo do ambiente externo requer também uma nova estratégia de liderança. Não há como manter uma relação ainda baseada no comando-subordinação quando o objetivo é a criação de conhecimento que, por sua vez, exige um maior comprometimento e criatividade dos colaboradores. Para Nonaka e Takeuchi (1997) existem dois modelos dominantes de processo gerencial: • O modelo top-down (de cima para baixo) está baseado no modelo hierárquico clássico, no qual a criação do conhecimento ocorre dentro de limites quanto ao domínio e ao processamento das informações. A responsabilidade pelo processo é atribuída de acordo com
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o nível hierárquico, ou seja, somente gestores do alto escalão têm acesso à informação e, consequentemente, somente a alta gerência tem capacidade e possibilidade de criação de conhecimento. • O modelo bottom-up (de baixo para cima) pode ser compreendido como uma crítica radical ao modelo anterior, realizada principalmente pelos humanistas. Em oposição à hierarquia e à divisão rígida do trabalho, ocorre a autonomia; a alta gerência torna-se patrocinadora de colaboradores empreendedores da linha de frente, que trabalham de forma independente e isolada, diminuindo a interação entre os grupos. A falta de interação dificulta a criação e a disseminação do conhecimento que advém, em boa parte, das habilidades individuais dos integrantes da empresa, que somente podem ser externalizadas e compartilhadas em diálogos diretos. • O modelo middle-up-down (do meio para cima e para baixo) é proposto pelos autores como um
facilitador para o processo de criação de conhecimento. Os gerentes de nível médio, frequentemente líderes de uma equipe, passam a ser o centro da gestão do conhecimento, proporcionando interação entre os níveis organizacionais e convertendo-a em conhecimento. Esse tipo de gerente, segundo Nonaka e Takeushi (1997, p. 146), “servem como um nó estratégico, que liga a alta gerência aos gerentes de linha de frente”. Nessa concepção o papel do gerente é o de catalisador. É o articulador dos conhecimentos da organização. Nessa perspectiva, o “novo líder”, deve apresentar algumas características e preocupações, conforme o quadro a seguir: O líder tradicional versus o líder da era do conhecimento Líder da era do conhecimento
Apoia-se em regras, normas e procedimentos.
Apoia-se nas pessoas, suas capacitações e habilidades.
Rotina é uma batalha constante a ser vencida.
Rotina é reinício de novas oportunidades.
Distingue suas ações das dos colaboradores, tendo cada um o seu papel.
Distingue suas ações pela compotência.
Comunica o suficiente para manter as coisas funcionando.
Debate, pesquisa.
Vê, acompanha e controla.
Vê, acompanha e controla o que é mais importante.
Cultura específica de uma tarefa.
Cultura ampla, visando estender e criar alternativas.
Delega o que fazer.
Delega como fazer.
Motivado pelo poder e pelo dinheiro.
Motivado pelo desafio da autorrealização.
Poder baseado no cargo.
Poder baseado na competência.
Trabalho é simples troca econômica.
Trabalho é um processo de enriquecimento cultural, além de uma troca econômica.
Visão Específica.
Visão ampla de generalista. Fonte: Angeloni, 2008, p. 91.
191 Gestão do conhecimento
Líder tradicional
A partir de 1980, principalmente devido à ascensão da indústria e do modelo japonês, a cultura organizacional foi tema de inúmeras pesquisas, passando por reformulações. Atualmente, de acordo com Angeloni (2008), ela está dividida em duas vertentes: • Abordagem mecanicista, que entende a cultura organizacional como composta por uma série de elementos distintos, tais como: crenças, histórias, mitos, heróis, tabus, normas e rituais. • Abordagem holográfica, que compreende a cultura organizacional como um reflexo da forma pela qual a
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Caracteriza-se como uma representação comum da
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organização é interpretada pelos seus integrantes.
realidade, que é compartilhada pelos membros da organização até nas menores unidades que a constituem. Essa abordagem enfatiza a maneira como as pessoas entendem a organização. Esse entendimento se originaria do relacionamento entre as pessoas durante o cotidiano do ambiente do trabalho ou da influência de agentes externos, como, por exemplo, a cultura do país no qual a empresa está inserida. Na perspectiva da gestão do conhecimento, a cultura organizacional seria uma superestrutura que, incorporada ao coletivo humano da organização, possibilitaria a existência de posturas necessárias à geração, ao uso e ao compartilhamento do conhecimento. Schein (1992, apud ANGELONI, 2008) identifica algumas características presentes na cultura que possibilitariam a gestão do conhecimento:
• A crença nas possibilidades da organização de gerenciar o ambiente no qual está inserida. Pressuposto que serve de diretriz para atitudes que buscam criar alternativas e soluções frente às necessidades impostas pelo ambiente externo, como a sobrevivência da organização em mercado competitivo. • A inferência de que as pessoas são capazes de entender e modificar o ambiente pela sua atuação. • A postura de que as questões que se apresentam na organização não podem ser abordadas com base nos padrões previamente estabelecidos. • A crença de que as pessoas podem ser inseridas em um processo de crescimento tanto pessoal como grupal. devem ser completas e confiáveis. • A percepção de que a criação, a tolerância e o respeito de variadas subculturas organizacionais possibilitariam gerar soluções aos mais diversos problemas. • Ter como necessária a permanente análise dos múltiplos fatores que compõem as questões que se apresentam às organizações, assumindo a necessidade de se pensar o inter-relacionamento desses fatores. A cultura se origina na estrutura interpretativa do ser humano, como um molde para lidar com questões que se apresentam no cotidiano organizacional, integrando o conhecimento tácito. Existem duas formas de trabalhar a questão cultural nas organizações. Uma, trabalhando os modelos mentais das pessoas e, a outra, externa aos indivíduos, por meio do estilo gerencial.
193 Gestão do conhecimento
• O pressuposto de que as trocas de informações
Algumas das formas que o líder utiliza para lidar com a questão cultural são: • Contratar e manter subordinados com perfil igual ao seu ou ao desejado. • “Doutrinar” e socializar os subordinados, segundo seu modo de pensar e agir. • Sinalizar em seu próprio comportamento um modelo de papel funcional que estimula e guia os subordinados em direção a determinado esquema interpretativo.
B) Dimensão “pessoas” Composta pelas variáveis: aprendizagem, modelos Gestão Estratégica de Pessoas
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mentais, compartilhamento, criatividade e intuição, para Angeloni (2008) a dimensão “pessoas” diz respeito à integração do conhecimento de todos os indivíduos envolvidos na organização – assim como o desenvolvimento das suas habilidades – para a ampliação do conhecimento organizacional. As transformações ocorridas no mundo trouxeram à tona uma nova era, cuja riqueza fundamental é o conhecimento. Surge, então, a organização do conhecimento, composta por diversos fatores, dentre os quais destacamos a aprendizagem organizacional, que aparece como alavanca de transformação para se chegar às organizações do conhecimento. Por meio do processo de aquisição, criação, compartilhamento, utilização e armazenamento do conhecimento cria-se a possibilidade de perpetuação organizacional. “Todas as empresas aprendem naturalmente, entretanto, apenas as que conseguem estabelecer mecanismos sistemáticos de gerenciamento desse aprendizado atingem a alavancagem do conhecimento” (ANGELONI, 2008, p. 135).
Para as organizações é fundamental que o aprendizado individual, assim como o conhecimento gerado a partir dele, possa ser incorporado à memória da empresa. Aprender implica entender e evitar a repetição de erros do passado; implica na capacitação no presente e no preparo adequado para o futuro. Por sua vez, a aprendizagem é um processo de mudança resultante de experiência anterior, que pode manifestar-se em uma mudança perceptível de comportamento, ou não. Para Angeloni (2008, p. 154), modelos mentais podem ser compreendidos como imagens, crenças e histórias que trazemos em nossas mentes acerca de nós mesmos, de outras pessoas, das instituições e de diversos aspectos do mundo e da vida. Moldam o nosso “pensamento” com relação ao como as coisas são ou funcionam. “Constituem ‘mapas mentes complexos da vida”. Segundo Senge (1999), os modelos mentais são tácitos e inconscientes. Para Angeloni (2008) os modelos mentais atuam, em cada pessoa, como matriz cultural, sem serem testados nem examinados; são invisíveis e ao mesmo tempo determinam nossa conduta. O conhecimento tácito, de acordo com a autora, não pode ser substituído totalmente pelo conhecimento explícito. Polanyi (1983, apud ANGELONI, 2008) argumenta que existem conhecimentos difusos e desorganizados na mente, que dificilmente podem ser expressos em uma cadeia lógica de palavras, frase, discurso. Para este autor, também o conhecimento intuitivo tem caráter tácito, no entanto, a intuição ocupa um nível mais profundo da psique humana, o inconsciente. A intuição é um conhecimento implícito, não revelado nem mesmo para seu detentor, o qual não tem acesso deliberado a seu conteúdo. Tanto o conhecimento tácito consciente quanto o inconsciente oferecem ao conhecedor dificuldades para a sua comunicação.
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tais’ cognitivos com os quais é possível navegar em ambien-
As pessoas têm diferentes impressões com relação a um mesmo objeto; para se chegar a um mesmo entendimento e consenso, toma-se uso da linguagem como ferramenta. Modelos mentais distintos distanciam o consenso entre as partes. Para a construção de um pensamento sistêmico, os programas de modelos mentais apoiam-se no uso da linguagem. A característica dos ambientes organizacionais é de que as ações e as interações sociais são intensas e retratam um mundo social produzido pelos seus membros. Nesse ambiente desenvolvem-se duas linguagens: de um lado, a linguagem do indivíduo, em que define seus planos de vida, seus propósitos e suas marcas. É subjetivo e objetivo. De outro lado, a linguagem da organização, em que se definem as metas e os objetivos. Essas duas linguagens refletem diferentes modos
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de pensar e agir. Quando esses modelos se aproximam da busca de resultados convergentes, há uma forte tendência para uma gestão do conhecimento de qualidade. Desse modo, as organizações que têm suas estratégias voltadas para a aprendizagem contínua viabilizam a descoberta de modelos mentais, desenvolvendo a gestão do conhecimento. Segundo Angeloni (2008) há duas habilidades para se gerir os modelos mentais e se obter resultados positivos: a reflexão, que consiste em desacelerar nossos processos de pensamento para nos tornarmos mais conscientes de como formamos nossos modelos mentais e a inquirição, baseada em conversações em que abertamente compartilhamos visões e desenvolvemos conhecimento acerca dos pressupostos uns dos outros. Stewart (1998) já falava que de nada adianta dispor de conhecimentos importantes, se não se promove a sua partilha. O compartilhamento do conhecimento é um dos fatores que envolvem a gestão do conhecimento, sendo sua prática fundamental.
Conhecimento explícito e conhecimento tácito podem ser compartilhados através da socialização, combinação, externalização e internalização. Os conhecimentos mais importantes estão nas pessoas (conhecimento tácito), residem mais nos integrantes da empresa do que nela própria (conhecimento explícito). O desafio da gestão do conhecimento é justamente promover o compartilhamento deste conhecimento tácito. Na organização o compartilhamento do conhecimento pode ocorrer de duas formas: através da informação, quando o conhecimento é compartilhado de forma indireta – através de palestras, apresentações audiovisuais, manuais, livros etc. – ou através da tradição, compartilhado de forma direta, acontecendo de indivíduo para indivíduo por meio do aprenDe mesma forma, o compartilhamento do conhecimento na empresa pode acontecer por meio de práticas formais ou informais. • As práticas informais, como o próprio nome já diz, ocorrem de maneira não preestabelecida, durante encontros casuais e conversas locais. São fundamentais para a organização, pois permitem que as pessoas tenham noção do que seus colegas desenvolvem ou já desenvolveram, podendo muitas vezes servir de ligação a outros conhecimentos. As práticas informais favorecem o compartilhamento do conhecimento tácito. • As práticas formais, durante muito tempo, restringiram-se à reuniões e ao uso de materiais escritos da empresa, como manuais e relatórios. Hoje existem algumas práticas formais, tais como: palestras, apresentações audiovisuais, manuais e livros. Estas
197 Gestão do conhecimento
dizado pela prática.
práticas são propícias ao conhecimento explícito. Outra forma, mais adequada ao conhecimento tácito, diz respeito ao que Angeloni (2008) chama de método “carona” — quando um profissional júnior ou trainee trabalha por certo tempo com outro mais antigo para que ocorra o compartilhamento por meio da observação, imitação e prática. A criatividade nas organizações está relacionada com o processo de criação de ideias e produtos novos – tangíveis ou intangíveis - transformados em valor útil para a organização. Enquanto criatividade diz respeito à geração de ideais novas, a inovação se refere à implementação, bem sucedida, destas ideias sobre produtos ou processos. Para Angeloni Gestão Estratégica de Pessoas
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(2008) a criatividade pode ser analisada por duas perspectivas: individual - na qual se acredita que, todas as pessoas possuem potencial criativo, embora apresentem diferenças quanto ao grau de criatividade – e, a grupal, em que se pressupõe que a criatividade se manifesta em todas as idades, etnias e em todos os campos do empreendimento humano.
C) Dimensão “tecnologia” Para Angeloni (2008) a implementação de uma infraestrutura tecnológica constitui a terceira dimensão da gestão do conhecimento. São consideradas varáveis desta dimensão: os recursos de hardware e software que apoiam a tomada de decisão e o gerenciamento das informações e conhecimentos, considerando as pessoas que participam ativamente desses processos. Dada a multiplicidade de tecnologias disponíveis no mercado, a autora selecionou para estudo, como variáveis dessa dimensão: redes, business inteligence, workflow, gerenciamento eletrônico de documentos (GED) e portais do conhecimento.
Entende-se por tecnologia de informação e do conhecimento o conjunto de software e hardware que executa uma ou mais tarefas de processamentos das informações, tais como: coletar, transmitir, estocar, recuperar, manipular e exibir dados (ANGELONI, 2008). A tecnologia desempenha papel essencial na Era do Conhecimento, consistindo na adoção de ferramentas e métodos que objetivam facilitar a captação, estruturação e disseminação do conhecimento, anteriormente desestruturado e disperso na organização, ou restrito a poucas pessoas por meio de manuais e normas complexos. Computadores, redes e softwares são ferramentas que estão sendo disponibilizadas para criar, armazenar, resgatar e distribuir conhecimentos. As organizações necessitam utimento acumulado e em desenvolvimento. A tecnologia deve ser considerada suporte à gestão do conhecimento organizacional e não a gestão do conhecimento em si. Na década de 1990, a Internet rompeu barreiras importantes e tornou-se uma realidade para milhões de pessoas. Na gestão do conhecimento e, em consonância com as características das redes, a Internet vem servindo, por um lado, como base para diversos programas e ambientes que propiciam a captação, o armazenamento e a difusão do conhecimento e, por outro, o seu potencial de comunicação por meio de terminais online favorece a interação dos indivíduos organizacionais, colaborando para a criação do conhecimento. A Internet impõem novas formas de organização que incluem desde os relacionamentos mais próximos com fornecedores e clientes até a integração virtual da empresa com outras entidades. Muitas empresas ainda armazenam enormes quantidades de dados sobre as suas operações sem, no entanto, che-
199 Gestão do conhecimento
lizar esses recursos tecnológicos para gerenciar seu conheci-
gar a dispor de cruzamentos desses dados que proporcionem informações relevantes aos decisores. No que diz respeito à gestão do conhecimento, o foco está no estabelecimento de elevados padrões no sentido de criar e disseminar um novo conhecimento e incorporá-lo a novos produtos ou serviços, com o intuito de alavancar o processo decisório. Novos conceitos e ferramentas surgem para auxiliar as organizações nesse processo, como é o caso do Business Intelligence (BI), um conjunto de metodologias de gestão implementadas por meio de ferramentas de software, cuja função é, de acordo com Angeloni (2008, p. 275), “proporcionar ganhos nos processos decisórios gerenciais e da alta administração nas organizações, com base na capacidade analítica das ferramentas que integram em um só lugar
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todas as informações necessárias”. Com as transformações ocorridas surge a necessidade de reestruturação nas organizações em torno, não mais de uma perspectiva tradicional baseada em funções, departamentos ou produtos, mas em torno de processos-chave para o negócio. Em razão disso, torna-se necessário o uso da tecnologia da informação para a melhoria contínua dos processos. Nessa perspectiva, uma das tecnologias é o workflow, que assume o papel de um instrumento tecnológico para a transformação do conhecimento nas organizações. A tecnologia workflow é um conjunto de ferramentas que possibilita a automação dos processos da organização, na qual os documentos, informações ou tarefas percorrem vários estágios, envolvendo todos os participantes com o objetivo de agilizar as transações empresariais, a comunicação interna e com os clientes, bem como desenvolvimento dos produtos (ANGELONI, 2008). O gerenciamento do conhecimento nas organizações pode ser entendido como um processo de localização, trans-
formação e uso da informação dentro da empresa e o gerenciamento eletrônico de documentos (GED) como parte da tecnologia que visa propiciar a disseminação do conhecimento, uma vez que se constitui de um conjunto de métodos e técnicas utilizados para facilitar o arquivamento, o acesso e a difusão dos documentos de uma organização. Os portais corporativos ainda são pouco usados e têm custo elevado para sua implementação, entretanto, trazem toda a potencialidade da tecnologia da informação para as intranets e fazem uma conexão mais forte com o negócio da empresa (SALDANHA 2007, apud ANGELONE, 2008). Uma das formas de agregar a tecnologia à gestão do conhecimento é o portal do conhecimento. A informação e o conhecimento nem sempre estão integrados, de forma que seja facilitaportal corporativo – que pode ser de informação, de negócios, de suporte à decisão, de informações gerenciais, cooperativo e do conhecimento – é possível facilitar o trânsito da informação e do conhecimento, com o objetivo de gerar, compartilhar, utilizar e armazenar todo o conhecimento da organização e das pessoas. O Portal do conhecimento, ainda se mostra bastante controvertido quanto à sua definição. Conforme Angeloni (2008, p. 340), ele pode ser compreendido por um viés mais tecnológico, como uma moderna agregação de tecnologias da informação composta pela Internet e intranet, que reuniu outros produtos e serviços, tais como: acesso único às bases de dados coorporativas, gestão de conteúdo, GED, automação de escritórios, workflow, mecanismos de busca, personalização e sistemas de business intelligence. Em sentido mais amplo, de acordo com Angeloni (2008, p. 341), um portal do conhecimento “é uma interface automatizada que permite a cada usuário acessar facilmente diferentes fatores, humanos ou informacionais, de que necessita para o desenvolvimento de
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da a sua utilização no dia a dia das organizações. Através de um
suas atividades na organização”. É necessário destacar que o portal não é ainda algo tão evidente em razão de as organizações não darem a devida importância à questão das pessoas como agentes do conhecimento; Para uma total integração com as necessidades organizacionais, um portal do conhecimento deveria atender a algumas características, tais como: • estar centrado nos processo; • estar alinhado com a definição estratégica; • integrar todas as pessoas envolvidas; • facilitar o fluxo das informações; A implementação dos portais não é um procedimento
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fácil e constitui um grande desafio para as organizações, pois o custo de implementação é alto e sua utilização não é frequente. A figura a seguir mostra as três dimensões das organizações do conhecimento, com suas respectivas variáveis, baseado no modelo proposto por Angeloni (2008). Modelo de organização do conhecimento Estilo Gerencial
Modelos mentais Aprendizagem Portais
Redes
Visão holístiva Workflow
Organizações do conhecimento
Business Intelligence
GEF/EED Criatividade e inovação
Cultura Intuição
Estrutura
Pessoas
Compartilhamento
Infraestrutura organizacional Fonte: adaptado de Angeloni (2008, p. 7).
Tecnologia
Saiba mais Para conhecer mais sobre a gestão do conhecimento, acesse o site da Terraforum Consultores, no link: http:// www.terraforum.com.br/. Não deixe de conferir, também, o site da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento, em http://www. sbgc.org.br/.
REFERÊNCIAS ALVARENGA NETO, R. C. D. Gestão do conhecimento em organizações. São Paulo: Saraiva, 2008. ANGELONI, M. T. (Org.). Organizações do conhecimento: va, 2008. CARBONE, P. P.; BRANDÃO, H. P.; LEITE, J. B. D. Gestão por competências e gestão do conhecimento. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. DAVENPORT, T. H.; PRUSAK, L. Conhecimento empresarial: como as organizações gerenciam o seu capital intelectual. 6 Ed. Campus: Rio de Janeiro, 1998. DRUCKER, P. F. Desafios gerenciais para o século XXI. São Paulo: Pioneira, Thomson Learning, 2001. ____. Sociedade pós-capitalista. São Paulo: Pioneira, 1999. LASTRES, H. M. M.; ALBAGLI, S. (Org.). Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
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Infraestrutura, Pessoas e Tecnologias. 2 ed. São Paulo: Sarai-
MARCONDES, R. C. Desenvolvendo pessoas: do treinamento e desenvolvimento à universidade corporativa. In: HANASHIRO, D. M. M., TEIXEIRA, M. L. M. e ZACCARELLI, L. M. (Org.). Gestão do fator humano: uma visão baseada nos stakeholders. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. MERLO, T. R. O paradigma da gestão do conhecimento: 2005. Disponível em: http://portal.crie.coppe.ufrj.br/portal/ data/documents/storedDocuments/%7B93787CAE-E94C45C7-992B-9403F6F40836%7D/%7BDA3FF1A8-5555-4E83A08D-4DFDF8A3C4A7%7D/historiaGC.pdf. Acesso em: out. 2010. NONAKA, I.; T., H. Gestão do conhecimento. Porto Alegre:
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Bookman, 1997. SENGE, P. M. A quinta disciplina: arte, teoria e prática da organização de aprendizagem. São Paulo: Best Seller, 1999. STEWART, T. A. Capital Intelectual: a nova vantagem competitiva das empresas. 4 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998. SVEIBY, K. E. A nova riqueza das organizações: gerenciando e avaliando patrimônios de conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1998. VIEIRA, A.; GARCIA, F. C. Gestão do conhecimento e das competências gerenciais: um estudo de caso na indústria automobilística. In: RAE- eletrônica, v. 3, n. 1, Jan./Jun. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/raeel/v3n1/v3n1a07. pdf Acesso em: out.2010.
Gest達o do conhecimento
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(6)
G estรฃo da mudanรงa
Profª Ms. Dália Derner
O bjetivos • Apresentar e discutir o papel de gestão de pessoas nos processos de transformação organizacional; • Situar a mudança como um processo planejado de transformação organizacional. Conteúdo apresentado • Antes de começar; • Cultura e mudança organizacional; • Mudança: um processo planejado; • Modelando o processo de mudança/transformação organizacional; • Mudança e a gestão de pessoas; • Líderes como agentes de mudanças; • Resistência à mudança.
6.1 A ntes de começar Para Fischer (2002), até 1970, pouco espaço foi dado ao estudo sobre mudança organizacional; havia a preocupação de ressaltar somente seus efeitos negativos, mais do que propriamente fornecer orientações aos gestores de como lidar com o processo de mudança. A teoria das organizações pregava o paradigma da esta-
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210
bilidade; as organizações necessitariam ser geridas de forma a permanecerem grandes e poderosas, sendo que as alterações – consequência de mudanças constantes – deveriam ser harmônicas, sem desestabilizar o desempenho organizacional. De acordo com este paradigma, as mudanças eram vistas mais como melhorias do que como rupturas. As mudanças de larga escala, conforme Fischer (2002 apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010), eram encaradas como de alto risco, geradoras de conflitos organizacionais. Nessa visão, os líderes das organizações deveriam atuar para manter a estabilidade e o equilíbrio necessários para o sucesso dos negócios, o preço de manutenção do controle e a centralização das informações e das decisões. Quanto à gestão da mudança, o objetivo era mantê-la controlada, de modo a ter pequena abrangência e ser implementada em um prazo reduzido. O ambiente externo começou a mudar a partir de 1970. A estabilidade do ambiente começou a ficar abalada. Por conseguinte, as empresas foram afetadas por essas mudanças e passaram a lidar com um novo paradigma: o da transformação. Conforme Fischer (2002), para atender ao paradigma da transformação, foi solicitado aos gestores que mudassem a sua forma de atuação; para garantir o sucesso empresarial, os líde-
res deveriam passar a adotar posturas opostas às anteriores: descentralizar os processos, incentivar e ampliar a disseminação das informações, facilitar a gestão dos recursos disponíveis na empresa, integrar as diversas iniciativas de mudança que existem na empresa. Em resumo, o líder deveria gerir a mudança organizacional, considerando-a inerente à realidade empresarial. Mudança organizacional pode ser entendida como “qualquer transformação de natureza estrutural, estratégica, tecnológica, humana ou de qualquer outro componente, capaz de gerar impacto em partes ou no conjunto da organização” (WOOD JR, 1995, p. 190). pode ser classificada com base em três aspectos: Quanto à natureza • mudanças estruturais - relacionadas a quaisquer características da organização, tais como: organograma, funções, tarefas; • mudanças estratégicas - foco, mercado-alvo; • mudanças culturais - valores, estilos de liderança; • mudanças tecnológicas - processos, métodos de produção; e • mudanças relacionadas à gestão de pessoas - pessoas, políticas de captação e retenção de talentos, políticas de desenvolvimento de competências etc. Quanto à relação da organização com o ambiente • mudança reativa - resposta a mudanças ocorridas no ambiente; • mudança voluntária - antecipação baseada em expectativas da organização.
211 Gestão da mudança
De acordo com Wood Jr (1995, p. 190), uma mudança
Quanto à forma e implementação • mudança reeducativa; • mudança coercitiva; ou • Mudança racional. Segundo Anselmo e Shinyashiki (2003) uma parte dos estudos sobre mudanças têm buscado respostas a respeito do conteúdo das mudanças, analisando as variáveis: estratégia, estrutura, sistemas, pessoas e o desempenho das empresas. Outra categoria de estudos tem buscado analisar o contex-
Gestão Estratégica de Pessoas
212
to externo que determina essas mudanças, relacionando as características do ambiente externo com as formas de organização. Ainda, outros estudos tem focado o processo de mudança, buscando analisar como tais mudanças são decididas, implementadas e controladas. Em um ambiente competitivo e turbulento a adaptação contínua das organizações é questão de sobrevivência. A velocidade requerida para esse processo passou a ser a condição necessária para agregar diferencial competitivo. Para Piccolotto, Vassari e Dutra (2010) a pressão pela transformação organizacional passa a ser uma constante na vida das organizações e não mais algo eventual. Nesse contexto, a gestão de pessoas efetuada pelas organizações deve estimular e oferecer suporte além de preparar artífices das mudanças; deve gerar lideranças que inspirem e facilitem a transformação contínua. Modelos antigos de gestão estão sendo substituídos por sistemas mais flexíveis e adaptáveis às instáveis condições ambientais. Neste cenário, a função de gestão de pessoas deixa de ser própria e exclusiva de áreas específicas dentro das empresas e passa a migrar para as áreas operacionais, onde ganha contornos diferentes do que a caracterizaram no passado. Dessa forma, há uma mudança substancial no papel
da gestão de pessoas para o enfrentamento dos desafios organizacionais (WOOD JR., 2004 apud LAMANA, 2008).
6.2 Cultura e mudança organizacional Segundo Schein (1985, apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010), cultura e liderança são dois lados de mesma O autor conceitua a cultura como a produção mais profunda, geralmente inconsciente, de um grupo de pessoas. É menos tangível e visível que outros aspectos dos grupos e permeia todo o funcionamento dos mesmos. A cultura oferece estabilidade e integração aos grupos no que diz respeito aos seus relacionamentos com o ambiente interno e externo. Esses aspectos visam reduzir a ansiedade das pessoas ao lidar com ambientes e situações instáveis, desorganizados e imprevisíveis. A cultura pode ser formada de maneira espontânea ou de maneira formal, como no caso de organizações, cujo fundador exerce influência no estabelecimento dos valores e crenças que caracterizam a instituição. Fleury (2004, apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010, p. 2) compreende a cultura organizacional como: (...) um conjunto de valores e pressupostos básicos expresso em elementos simbólicos que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação.
213 Gestão da mudança
moeda; estudar um implica estudar e compreender o outro.
Toda cultura, organizacional ou não, é formada por níveis culturais. A seguir os conheceremos e compreenderemos.
6.2.1 Artefatos visíveis O primeiro nível é o mais aparente, compondo-se pelas estruturas e pelos processos visíveis nas organizações e nos grupos. Os artefatos visíveis são representados por aspectos como o ambiente físico, o layout, a arquitetura, a tecnologia, os produtos, os valores organizacionais, a missão e a visão, os padrões de comportamentos, os rituais existentes, a maneira de se vestir, enfim, todos os aspectos facilmente observa-
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214
dos quando se analisa um grupo. Apesar de serem facilmente observáveis, esses aspectos são de difícil interpretação. A análise destes artefatos deve ser cuidadosa e relacionada à percepção e ao entendimento dos demais níveis da cultura.
6.2.2 Crenças e valores Para Schein (2004, apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010) esse nível é caracterizado pelas estratégias, filosofias e metas do grupo ou organização. Tais aspectos não são facilmente observáveis e necessitam de interação com as pessoas e com os documentos do grupo ou organização para sua melhor compreensão e percepção. Este nível é inicialmente proposto pelo fundador ou líder do grupo, porém, apenas quando suas crenças e valores se tornam válidos, é que passam a constituir um nível cultural. Desse modo é importante destacar o papel do líder do grupo, visto ser ele que inicia as características desse nível cultural. De acordo com Fleury (2004 apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010, p. 3), os valores e as crenças: Geralmente representam apenas os valores manifestos da cultura. Isto é, eles expressam o que as pessoas reportam ser a razão de seu
comportamento, o que na maioria das vezes são idealizações ou racionalizações. As razões subjacentes ao seu comportamento permanecem, entretanto, escondidas ou inconscientes.
6.2.3 Pressupostos básicos latentes Schein (2004 apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010) afirma que este nível é constituído pelas crenças, percepções, pensamentos e sentimentos inconscientes considerados como “verdades absolutas e fonte de valores e ações”. Os pressupostos básicos são consideraesses pressupostos é extremamente difícil, considerando que implica em alterar aspectos inconscientes mais estáveis de um grupo ou organização. Para Schein todo processo de mudança só terá sucesso ao atuar neste terceiro nível cultural, que é onde se dá a efetiva mudança. Cabe ressaltar que o papel da liderança neste terceiro nível é fundamental. A partir da definição de valores e crenças pelos líderes, a cultura pode oferecer estabilidade, significado e integração do ambiente interno e externo ao indivíduo e ao grupo. Uma vez que o grupo reconhece isso, formam-se os pressupostos básicos que são compartilhados e tornam-se inconscientes. É papel do líder estimular e provocar a mudança sempre que necessário. Schein (2004 apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010) destaca que a função primordial de um líder é fazer a gestão da cultura, ou seja, definir os níveis culturais, gerenciá-los e mudá-los sempre que for necessário. Do ponto de vista organizacional o papel do líder é determinante na manutenção ou no questionamento de mudança da cultura. O desafio da liderança é perceber se os
215 Gestão da mudança
dos estanques, livres de confronto ou contestação. Mudar
aspectos culturais estão ou não garantindo o alinhamento estratégico e o sucesso organizacional. Essa análise definirá o tipo de gerenciamento e intervenção que se fará necessário por parte da liderança. Ulrich (1998 apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010) classifica as mudanças em três categorias: mudanças de iniciativa, de processos e culturais. Mudanças de iniciativa se concentram na implementação de novos programas, projetos ou procedimentos. Mudanças de processos em uma empresa concentram-se na maneira pela qual o trabalho é executado. Mudanças cultu-
Gestão Estratégica de Pessoas
216
rais ocorrem em uma empresa quando se reconceituam os métodos fundamentais de negociar (ULRICH, 1998 apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010, p. 7). O autor propõe algumas alternativas de mudanças de cultura. Para ele temos três tipos de mudança de cultura: • Mudança de ordem: definida e determinada pelos primeiros níveis de comando da organização, ou seja, são determinadas de cima para baixo, patrocinadas pelos primeiros executivos das empresas, implementadas através de processos de gestão de pessoas e, assim, disseminadas para toda a organização. • Mudança horizontal: está relacionada à reengenharia de processos. A mudança é ocasionada a partir da análise de como o trabalho é realizado, a partir da qual propostas de melhoria são elaboradas e implementadas, visando à otimização das operações, do fluxo do trabalho etc. A partir da reformulação dos processos surge a necessidade de mudanças culturais, de comportamentos, de mentalidade, de modo a colocar os novos processos em prática adequadamente.
• Mudança por empowerment: ocorre quando a cultura desejada é traduzida rapidamente em ação pelo colaborador. São caracterizadas por ouvir mais os colaboradores consistindo em “conjuntos integrados de atividades que delegam poder aos funcionários para agirem com base na nova cultura” (ULRICH, 1998 apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010, p. 7).
6.3
Para Rego e Cunha (2003) duas visões estreitamente relacionadas predominam em livros e em teorias sobre processos de mudança. A primeira corresponde à ideia de que a mudança é um processo que pode e deve ser planejado. A segunda dita que a gestão da mudança é algo definido inicialmente no topo, para só então percorrer os diversos níveis e meandros da organização. Um modelo que representa a mudança planejada foi defendido por J. P. Kotter. Sua tese aplica-se, sobretudo, às mudanças de maior dimensão, mas também cria possibilidades para transformações de menor porte. De acordo com o autor, há oito etapas no processo, conforme o quadro a seguir, que devem ser seguidas pelos gestores que almejam ser bem-sucedidos.
217 Gestão da mudança
Mudança: um processo planejado
Os oito passos da mudança planejada REMOÇÃO DA ANTIGA LÓGICA DE ATUAÇÃO
Estabelecer um sentido de urgência
A análise do mercado e das realidades competitivas deve conduzir à identificação e discussão de crises e potenciais, bem como das principais oportunidades. É importante que todos os membros da organização sejam imbuídos de um espírito dinâmico - isto é, que adquiram consciência da necessidade de mudança e não se permitam levar pela inércia.
Criar uma poderosa equipe dirigente
A construção de uma equipe com poder suficiente para por a mudança em marcha é essencial. Equipes fracas ou sem representatividade não são capazes de remover obstáculos.
Desenvolver visão e estratégia
Articular uma visão forte (compreensível, atraente e realizável), que ajude a direcionar o esforço de mudança e inspire a ação dos colaboradores. Passam então a ser definidas as estratégias que permitam alcançar essa visão.
Estebelecer uma comunicação eficaz da visão
A nova visão e as respectivas estratégias devem ser comunicadas continuamente e por todos os meios possíveis. A equipe dirigente deve funcionar como um modelo de ação para os colaboradores - suas ações devem ser coerentes com seu discurso.
Gestão Estratégica de Pessoas
218
INTRODUÇÃO DA NOVA LÓGICA
Remover obstáculos e passar a ação
Devem ser removidos os obstáculos à mudança, alteradas as estruturas e os sistemas que a dificultem e encorajem a aceitação do risco e das ações heterodoxas. Devem ser reforçados/recompensados os comportamentos consistentes com a nova visão e as estratégias correspondentes.
Gerar ganhos de curto prazo
Deve ser segurado o alcance de ganhos de curto prazo e recompensados os colaboradores que as facilitem. Caso contrário, os atores organizacionais podem adquirir sentimentos de descrença diante da mudança.
Consolidar ganhos e produzir mais mudanças
A credibilidade gerada pela obtenção de resultados deve ser usada para mudar todos os aspectos da organização que não se conformam à nova visão. O projeto deve ser constantemente revigorado com a introdução de novos temas e objetivos.
CONSOLIDAÇÃO DA MUDANÇA Ancorar novas abordagens na cultura da organização
A cultura organizacional deve preservar e reforçar as novas maneiras de pensar e agir. Enquanto a mudança não tiver penetrado na cultura da empresa, as celebrações de vitória podem ser precipitadas podendo haver retrocessos no processo de transformação.
Fonte: adaptado de Kotter (apud REGO e CUNHA, 2003, p. 19).”
As primeiras quatro etapas ajudam a confrontar o status quo organizacional. As três seguintes permitem a introdução de novas práticas e a última lança a mudança de cultura na organização. A primeira fase, da remoção da antiga lógica de atualógica, e a terceira promove a consolidação da mudança. A tese de Kotter (1996 apud REGO e CUNHA, 2003) sustenta que a sequência precisa ser observada para que surta o efeito desejado, nesse sentido, não se deve “queimar” etapas. Para o autor, uma análise cuidadosa das histórias de sucesso revela duas verdades fundamentais. Em primeiro lugar as mudanças bem sucedidas tendem a aderir a esse processo em várias fases sequenciais que geram poder e motivação suficientes para acabar com as fontes de inércia. Em segundo lugar, a eficácia do processo depende, em considerável medida, da qualidade da liderança e não apenas da excelência da gestão. Outra forma de entender o processo planejado de mudança é o modelo proposto por Fischer (2002), para quem o conceito de transformação pressupõe que o direcionamento da empresa deve se focar no aperfeiçoamento contínuo e não na estabilidade de padrões, normas e regras previamente estabelecidos e tornados rotineiros. De acordo com a autora a concepção e a implantação de um processo de mudança organizacional exigem que se assumam alguns pressupostos básicos:
219 Gestão da mudança
ção, prepara o terreno para a segunda fase, a introdução da nova
1. Transformação organizacional é um dos processos inerentes à dinâmica de funcionamento organizacional, bem como às estratégias de ação definidas pela empresa. A transformação organizacional é um processo contínuo de construção e reconstrução do significado da organização, com o qual se busca aperfeiçoar sistemas, processos, políticas e práticas que constituem sua gestão e desenvolver as competências – pessoais e organizacionais – que constituem seu mais valioso patrimônio. A partir disso, dada a importância que os
Gestão Estratégica de Pessoas
220
processos de mudança adquirem, a gestão da transformação deve ser planejada, modelada e gerenciada por toda a organização. 2. Transformação e estratégia estão intimamente relacionadas. O diagnóstico de “por que mudar” e “o que mudar” depende da compreensão da interação de dois polos de qualquer organização: seu direcionamento estratégico, constituído pelo intento estratégico e pelos focos que direcionam as estratégias propriamente ditas; e o conjunto de elementos que integram o conteúdo de sua gestão e cuja composição determina seu nível de excelência. Para Fischer (2002, p. 152), “o direcionamento estratégico é a face visível do desempenho organizacional”, atua como uma engrenagem que determina sua competitividade externa. Entretanto, essa engrenagem não possui força motriz própria e depende de outra engrenagem interna, composta pelos elementos constituintes da configuração organizacional – modelo organizacional, instrumentos de gestão, comunicação, recursos, sistemas de informação, infraestrutura – que
determinam sua competitividade interna, conforme mostra a figura a seguir. É comum que esses componentes apresentem diferentes graus de desenvolvimento e aptidão para alavancar a competitividade externa. Por exemplo, a organização pode dispor de excelentes instrumentos de gestão, mas não oferecer às pessoas condições de desenvolver habilidades que façam esses instrumentos funcionar com rendimento máximo. Sinergia entre os componentes da lógica do funcionamento organizacional
Instrumento de gestão
Infraestrutura
Direcionamento estratégico
Excelência de Gestão Sistema de Informação
Comunicação Recursos
Fonte: Fischer (2002, p. 153).
3. Transformação organizacional só se efetiva com as pessoas, para elas e com o seu envolvimento e comprometimento efetivos. A cultura da empresa deve se fundamentar na valorização da pessoa e de seu trabalho, da inteligência aplicada ao trabalho e na geração do conhecimento organizacional. Para Fischer (2002) a modelagem de um processo de mudança requer que o processo seja enfocado com base em uma concepção contextualista, isto é, que sejam observados tanto os fatores internos como os fatores
Gestão da mudança
221 Modelo organizacional
externos da organização, pois ambos influem no sentido e na orientação da transformação. O contexto, o conteúdo e o processo de mudança são respostas para três questões básicas: por que mudar (contexto), o que mudar (conteúdo) e como mudar (processo). O desafio de mudar uma organização envolve não somente a percepção da necessidade de mudança, como também o desafio de encontrar o modo mais adequado de como mudar e conseguir transformar a organização no sentido determinado pela percepção do que é preciso mudar. O como mudar passa
Gestão Estratégica de Pessoas
222
necessariamente pelo desenvolvimento de pessoas, pela capacidade que elas têm e querem disponibilizar para compreender e internalizar os valores da mudança, transformando-os em práticas organizacionais.
6.4 Modelando o Processo de Mudança/Transformação Organizacional Para Rego e Cunha (2005) o modelo VIARMA, baseado na proposta de Kotter, compreende seis etapas: visão, implementação, ativação, reconhecimento, monitoração/ controle e apoio, conforme a figura a seguir. Apresenta a vantagem de proporcionar uma associação nítida entre as fases do processo e a relevância dos papéis de liderança e de gestão.
O modelo VIARMA
Visão
Ativação
Monitoração/ Controle
Gestão
Apoio
Reconhecimento Implementação
Fonte: Hussey (1995 apud REGO e CUNHA, 2003:20)
De acordo com os autores a visão, a ativação e o apoio estão diretamente relacionados com a liderança. Por sua vez, a implementação, a monitoração/controle e o reconhecimento representam o processo de gestão. A divisão entre os processos de gestão e de liderança tem sido alvo de ampla controvérsia. Para Rego e Cunha (2005) a liderança é um processo mais transformacional, de longo prazo e afetivo, enquanto a gestão é mais “fria”, racional, controladora e de curto prazo (quadro a seguir). Embora distintos, os processos se complementam.
223 Gestão da mudança
Liderança
Liderança versus gestão: dois processos distintos e complementares Liderança Focalizada no futuro
Focalizado no presente
Mudança
Estabilidade, ordem e previsibilidade
Quadro orientador: visão
Quadro orientador: cumprimento das regras
Empowerment dos colaboradores
Controle dos colaboradores
Simplificação
Complexidade
Intuição
Razão e Lógica
Relacionamento
Autoridade
Orientação para a sociedade
Orientação para a organização
A mudança reflete propósitos mútuos de líderes e seguidores
Coordenação de atividades para produzir e vender bens e/ou serviços que reflitam os proósitos da empresa
224 Gestão Estratégica de Pessoas
Gestão
Estabelecimento de uma direção/ Orçamento, organização, estruvisão, alinhamento das pessoas com turação, controle e resolução de essa visão, motivação e inspiração problemas dos membros organizacionais Fonte: Rego e Cunha, (2003, p. 21).
Os significados de cada uma das seis dimensões do modelo VIARMA são: • Visão: deve representar uma imagem coerente do futuro – confiável, realizável, clara, consistente, atraente e eficazmente comunicada. • Implementação: compreende os planos estratégicos, os de curto prazo, os orçamentos e a gestão de cada projeto específico. • Ativação: consiste em assegurar que os membros da organização compreendam a visão e a mudança nela embutidas, apoiem-nas e se empenhem em sua implementação.
• Reconhecimento: incorpora as ações destinadas a reconhecer e a incentivar as pessoas envolvidas no processo. • Monitoração/controle: assegura que o processo esteja no caminho correto. Implica que as ações sejam tomadas a tempo, que as reorientações de rumo sejam formuladas e concretizadas. • Apoio: está muito associado ao reconhecimento, mas não se esgota nele. Representa as ações em que o líder inspira as pessoas a superar a si próprias, transmitindo-lhes expectativas de desempenho elevado, confiança e encorajando-as em momentos de
Fischer (2002) propõe outra metodologia para a concepção e a implementação do processo de transformação, que pode ser sintetizada, conforme mostra a figura que veremos a seguir. Trata-se de um modelo de quatro etapas interdependentes: auscultação, concepção, disseminação e sustentação. As etapas podem tanto se sobrepor umas às outras, como ser conduzidas concomitantemente, conforme as especificidades do processo de transformação organizacional.
225 Gestão da mudança
dificuldade.
Etapas do processo de transformação organizacional
AUSCULTAÇÃO • • • • •
Mapeamento de aptidões e resistência à mudança Mapeamento dos agentes do contexto interno e externo Levantamento de restritores e alavancadores Identificação de projetos e ações de aperfeiçoamento em andamento Levantamento de opiniões e sugestões de atores sociais relevantes
CONCEPÇÃO
Gestão Estratégica de Pessoas
226
• • • • •
Diretrizes estratégicas da organização Mobilização de grupos-tarefa Planos de ação e projetos de aperfeiçoamento Definição do perfil para os gestores organizacionais Concepção da disseminação
•
Difusão de objetivos e estratégias para os diferentes atores organizacionais Empregos de Sistemas e instrumentos de gestão para promover a mudança
DISSEMINAÇÃO/ADESÃO
•
• • • •
Absorção e internalização de objetivos e estratégias Propostas de aperfeiçamento Compromissos individuais Identificação de aspectos que inibem ou facilitam o processo
SUSTENTAÇÃO • • • •
Acompanhamento do plano de ação Auscultação permanente Revitalização de compromissos Comunicação interna/processos decisórios Fonte: Fischer (2002, p. 155).
Na etapa de auscultação são realizados os levantamentos e as análises de dados que auxiliam na identificação dos
processos de trabalho, nos fluxos de comunicação e na interação entre diferentes áreas da organização. O objetivo desta etapa é identificar os fatores restritores e alavancadores da eficiência dos procedimentos e da eficácia dos resultados das práticas – administrativas, técnicas e gerenciais – adotadas pela organização. Cabe destacar que é importante que a apresentação e a análise dos resultados desta etapa sejam compartilhadas, de forma que se tenha clareza e concordância com relação aos principais problemas e desafios enfrentados pela organização, uma vez que é em torno deles que a organização trabalhará A etapa de concepção representa a transição entre a identificação e a constatação de problemas e necessidades de aperfeiçoamento e a construção de uma forma viável de se conceber e implementar as mudanças de curto e médio prazo. Nesta etapa constituem-se os indicadores e parâmetros, definem-se os papéis e a composição do grupo de mobilização, que será o responsável pela gestão da transformação. Um dos principais produtos da etapa de concepção é a elaboração de um plano de ação, envolvendo a programação de atividades de curto e médio prazo que viabilizam a transição entre o antigo e o novo modelo de gestão e a implementação de projetos de mudança e aperfeiçoamento organizacional. A disseminação é a etapa na qual se amplia a participação dos colaboradores da empresa no processo de transformação organizacional de forma gradativa, por exemplo, em eventos estruturados, por meio dos quais se busca divulgar o conteúdo do produto e as propostas elaboradas pelo grupo de mobilização. O objetivo é gerar ideias, sugestões e críticas que possam aperfeiçoar as propostas inicialmente concebidas e também estimular a adesão e o comprometimento dos colaboradores com os resultados e o processo de transformação.
227 Gestão da mudança
para conceber propostas de mudança e aperfeiçoamento.
A etapa de sustentação envolve um conjunto de atividades com o objetivo de realizar o acompanhamento e a avaliação das ações em curso e os rumos do processo de transformação. As informações geradas nesta etapa servem de auscultação permanente, fornecendo subsídios para o aperfeiçoamento contínuo do processo.
6.5 Mudança e a Gestão de Pessoas Segundo Ulrich (1998 apud PICCOLOTTO, VASSARI e Gestão Estratégica de Pessoas
228
DUTRA, 2010) os profissionais de gestão de pessoas precisam apoiar as organizações para enfrentar o desafio da competitividade. Sendo assim, a área precisa assumir papéis estratégicos nas organizações. Esses papéis exigem a administração e o gerenciamento de paradoxos empresariais. Para o autor, os papéis de gestão de pessoas são múltiplos, uma vez que gestão de pessoas deve desempenhar papéis estratégicos e ao mesmo tempo operacionais. Para Ulrich (1998 apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010) os quatro papéis da área de gestão de pessoas são: • Administração de estratégias de gestão de pessoas. • Administração de estratégias da infraestrutura da empresa. • Administração da contribuição dos colaboradores. • Administração da transformação e da mudança. Para cada um desses papéis, conforme o quadro a seguir, o autor define os resultados esperados, as atividades executadas pelos profissionais de gestão de pessoas, assim como a metáfora com a qual o papel pode ser representado.
Papéis da área de gestão de pessoas Resultado
Metáfora
Atividade
Administração de estratégias de gestão de pessoas
Execução da estratégia
Perceiro estratégico
Ajuste das estratégias de gestão de pessoas à estratégia organizacional “diagnóstico organizacional”
Administração de estratégias da infraestrutura da empresa
Construção de uma infraestrutura eficiente
Especialista administrativo
Reengenharia dos processos organizacionais “serviços em comum”
Administração da contribuição dos colaboradores
Aumento do envolvimento e capacidade dos colaboradores
Defensor dos colaboradores
Ouvir e responder aos colaboradores “prover recursos aos colaboradores”
Administração da transformação e da mudança
Criação de uma organização renovada
Agente de mudança
Gerir a transformação e a mudança: “assegurar capacidade para a mudança”
Fonte: Ulrich (1998 apud PICCOLOTTO, VASSARI e DUTRA, 2010, p. 6).
O papel de administração de estratégias de gestão de pessoas confere à área um espaço que agrega valor à organização. Este papel possibilita transformar as intenções estratégicas em ações organizacionais práticas, tendo como consequência a realização dos objetivos e das metas da empresa. Para isso, os profissionais de gestão de pessoas precisam alinhar sua atuação e atividades às estratégias empresariais, isto é, a realização da estratégia transforma-se em ações prioritárias de gestão de pessoas. A ferramenta de que a área de gestão de pessoas dispõe é o diagnostico organizacional. Esse instrumento possibilita a identificação de forças e fraquezas organizacionais frente às estratégias, apoiando a definição e a implementação de planos de ação de gestão de pessoas estratégicos.
229 Gestão da mudança
Papel/Função
O desafio do agente de mudanças é garantir que as pessoas e as organizações se engajem verdadeiramente ao processo de mudança, substituindo o medo e a resistência iniciais pelo entusiasmo e realização do processo. Além disso, conhecer e entender os motivos pelos quais a mudança pode ou não se realizar é importante para seu adequado gerenciamento, tanto para o profissional de gestão de pessoas quanto para os líderes organizacionais. Piccolotto, Vassari e Dutra (2010) realizaram pesquisa com gestores de duas empresas multinacionais com o objetivo de conhecer a percepção desses gestores quanto ao papel
Gestão Estratégica de Pessoas
230
de gestão de pessoas na gestão da mudança. Com relação aos dados obtidos, alguns aspectos se destacam: • Todos os entrevistados atribuem o papel de condução da mudança aos líderes. • Na percepção dos entrevistados a liderança do processo é exercida, por meio de: ⁻⁻ comunicação clara sobre a visão de futuro; ⁻⁻ rapidez e velocidade da implementação de mudanças; ⁻⁻ conscientização do líder da necessidade da mudança comportamental; ⁻⁻ comunicação, ações e postura do Presidente da organização, que clarificam e enfatizam para todos os envolvidos os objetivos estratégicos da organização; ⁻⁻ programas que reforçam os processos de mudança; ⁻⁻ monitoramento das atividades e ações dos processos de mudança;
⁻⁻ comunicação, postura e atuação participativa; ⁻⁻ mobilização feita pela área de gestão de pessoas. Com relação à indagação referente a como a gestão de pessoas poderia aprimorar seu papel na gestão de mudança, as sugestões feitas foram: • apoiar e sustentar o processo de mudança; • oferecer a energia necessária para impulsionar a mudança; • interagir com as áreas e garantir a interação entre elas; • estar atento às fragilidades do processo; • entender e envolver-se com a estratégia do negócio da empresa; • implementar mudanças na própria área de gestão de pessoas; e • oferecer ferramentas de gestão para os gestores exercerem a liderança do processo de mudança.
231 Gestão da mudança
• ser mais participativo;
6.6 L íderes como agentes de mudanças O aumento da competitividade no mercado mundial aliado ao avanço da tecnologia faz com que as empresas passem a se preocupar com o frequente aperfeiçoamento de seus colaboradores. Para isso, é necessário que seus gestores tornem-se educadores com o objetivo de desenvolver
Gestão Estratégica de Pessoas
232
as capacidades técnica, intelectual, moral e emocional de suas equipes de trabalho. No entanto, essa postura não é alcançada de uma hora para outra nas organizações. Cabe aos gestores de pessoas e à direção das empresas contribuírem para que seus líderes tornem-se verdadeiros agentes de mudanças, fazendo desse princípio uma realidade imprescindível para o sucesso dos projetos (VASCONCELLOS, 2007 apud LAMANA, 2008). Para Lucinski (2007 apud LAMANA, 2008), os agentes de mudanças, na maioria das vezes, são colaboradores da própria empresa, líderes de setor, profissionais de gestão de pessoas e também empresas terceirizadas, sobretudo consultores, que possuem uma característica operacional do processo e são suficientemente sensíveis para perceber os efeitos da mudança nos ambientes e nas pessoas. Além de captar o clima organizacional, o agente de mudança é capaz, por exemplo, de agir para evitar conflitos e falhas na comunicação do processo de mudança. Ainda, segundo o mesmo autor, é possível perceber quando o agente de mudança está apto através da identificação de algumas atitudes:
• Estabelecimento de objetivos claros. • Desenvolvimento de estratégias para obtenção de resultados. • Comunicação eficiente. • Recrutamento eficaz dentro e fora da empresa. • Conhecimento
avançado
dos
processos
de
mudança. • Avaliação de resultados. • Celebração das vitórias com a equipe. • Mensuração clara da capacidade de mudança orga-
Dessa forma, o agente de mudança reduz impactos negativos e alavanca oportunidades de crescimento para toda a organização. Segundo Kotter (2000, p. 59 apud LAMANA, 2008): Quanto mais a mudança caracteriza o ambiente empresarial, mais os líderes têm de motivar as pessoas a serem líderes também. Quando funciona, o processo tende a reproduzir a liderança por toda a empresa, com as pessoas assumindo vários papéis de liderança ao longo de toda a escala hierárquica – o que é de suma importância, pois lidar com a mudança, em qualquer negócio complexo, requer iniciativas de um grande número de pessoas. Nada menos vai funcionar.
Barth (2006 apud LAMANA, 2008), ao publicar um artigo referente a uma pesquisa sobre liderança realizada na Europa, América do Norte e América Latina, ressalta as dezesseis competências dos líderes extraordinários. De todas essas, três competências estão relacionadas com mudan-
233 Gestão da mudança
nizacional e pessoal.
ça organizacional: capacidade de desenvolver perspectivas estratégicas, de promover mudanças e de conectar a equipe com o mundo externo.
6.7 R esistência à mudança Para Chu (2004), de forma geral, pode-se definir a resistência à mudança como qualquer conduta que tenha por obje-
Gestão Estratégica de Pessoas
234
tivo manter o status quo. A condição negativa da resistência à mudança tem duas fontes: primeiro, a percepção generalizada de que mudar é positivo e, portanto, qualquer força que se coloque contra a mudança só pode ser negativa; segundo, a visão de que a agilidade e a capacidade de ação dependem de forte convergência de visões e propósitos e, portanto, qualquer vetor contrário é indesejável. Para a autora, a resistência a mudanças é comumente considerada a grande vilã dos processos de transformação organizacional. Muitas organizações chegam a promover caça as bruxas, procurando eliminar os focos de resistências. Em processos de integração pós-aquisição, em reestruturações, em implantações de sistemas e em muitos outros casos, a resistência à mudança sempre ocupa lugar de destaque. Ela é apresentada como a grande culpada por atrasos, por resultados negativos ou mesmo pelo fracasso do processo de transformação. Qualquer mudança causa impactos psicológicos nos ambientes profissionais e na vida pessoal dos indivíduos. A compreensão desses impactos auxilia no gerenciamento dos efeitos que a mudança pode trazer, pois ao serem conduzidas de maneira inadequada, acabam demandando muito mais tempo do que o planejado e envolvendo mais recursos
do que o previsto, além de desgastes desnecessários nas pessoas envolvidas com o processo (TOLEDO JR., 2007 apud LAMANA, 2008). As mudanças causam tensões, temor, ansiedade e ressentimentos. As pessoas tendem a resistir a eles por temerem o fato de ter que adotar novas rotinas de trabalho, trabalharem em maior volume ou por receio de perder o controle da situação ou até mesmo o próprio emprego, pois creem que serão cobradas a desempenhar um padrão mais elevado de trabalho. Isso se deve ao fato de algumas pessoas não estarem dispostas a assumir um nível maior de responsabilidade; as de fora e muitas vezes até se tornam resistentes simplesmente pelo fato de estarem insatisfeitas com o seu trabalho. Sem uma razão convincente não é possível conseguir a adesão desses profissionais para o processo de mudança, comenta Toledo Jr. (2007 apud LAMANA, 2008). A cultura organizacional possui uma ligação forte com a estrutura da mudança almejada, uma vez que irá influenciar diretamente na sua forma, conteúdo, profundidade e velocidade. E é competência do agente de mudança efetuar a leitura correta da cultura existente antes mesmo de dar início ao projeto. A cultura institucional, contraposta à do negócio, não alavanca nem sustenta os processos de mudança. Não havendo aderência da cultura instalada com as modificações desejadas, há maior probabilidade de riscos durante a implementação (MANDELLI, 2003 apud LAMANA, 2008). Para Chu (2004), conforme revelou uma pesquisa com executivos, a resistência também apresenta aspectos positivos que, convenientemente tratados, podem ajudar a aperfeiçoar o processo de transformação. Para identificar o lado positivo da resistência à mudança, durante o ano de 2003, Chu (2004) realizou uma pesquisa
235 Gestão da mudança
outras se negam a receber orientações impostas por pesso-
com 121 executivos de pequenas, médias e grandes empresas, cujos resultados revelaram resultados interessantes: A grande maioria dos entrevistados admite que a resistência à mudança pode ter caráter positivo. Tal percepção varia de acordo com a experiência, a posição ocupada e o papel desempenhado no processo de mudança: indivíduos mais experientes, em posição de comando e com papéis de destaque nos processos tendem a perceber com mais clareza as dimensões positivas da resistência à mudança. A partir dessa pesquisa, foi possível classificar os aspectos positivos da resistência à mudança em sete categorias:
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6.7.1 Contribuição para a identificação e tratamento de lacunas Mesmo que um processo de transformação organizacional tenha sido cuidadosamente estruturado e planejado, sempre haverá lacunas, isto é, o planejamento prévio dificilmente conseguirá abranger todas as variáveis que influenciam o processo. Novas variáveis, que não haviam sido previstas inicialmente e que precisam ser tratadas irão surgir no decorrer do caminho. A resistência ajuda a revelar aspectos não identificados a priori e a encaminhar soluções para seu tratamento.
6.7.2 Identificação dos riscos envolvidos Os processos de transformação comumente são envolvidos por excesso de otimismo quanto aos impactos e aos efeitos colaterais, que geralmente minimizados. A resistência à mudança pode ajudar a sinalizar armadilhas e riscos relacionados ao processo. Pode também agir como um vetor de moderação, evitando que a organização mude muito rapidamente, colocando em risco sua operação, ou que adote modismos gerenciais, que pouco contribuirão para seu desempenho.
6.7.3 Estímulo à reflexão e à discussão Indivíduos com comportamentos resistentes, se adequadamente estimulados, podem promover o questionamento e a reflexão crítica, tanto em relação aos aspectos organizacionais quanto em relação aos aspectos individuais da mudança. Os focos de resistência à mudança podem gerar sinais de alerta para o perigo da conformidade em relação às decisões e ao grupo. A uniformidade de opiniões produz a falsa sensação de que a decisão tomada foi a mais acertada. Para contrapor essa tendência, discussões e debates podem
6.7.4 Melhoria do relacionamento interpares
237
Em muitas situações as mudanças pretendidas podem
Gestão da mudança
fazer aflorar questões que antes se encontravam encobertas.
levar a comportamentos grupais de resistência. Tais grupos podem perceber ameaças e riscos de forma semelhante e reagir de forma coesa. Tal condição pode constituir um elo de reforço do grupo e, se convenientemente tratado, contribuir para o fortalecimento do espírito de equipe e para o próprio processo de mudança.
6.7.5 Aperfeiçoamento comunicação
do
processo
de
Mesmo que um projeto de transformação organizacional inclua ações de comunicação, sempre há criticas à falta de transparência. Comportamentos resistentes podem impulsionar o desenvolvimento de processos de comunicação mais eficientes, contribuindo para seu sucesso.
6.7.6 Identificação das necessidades específicas de cada área: Amplos processos de mudança enfrentam um paradoxo de difícil solução: por um lado, são complexos e geram impactos em todas as dimensões da organização, por outro,
devem ser feitos com a máxima rapidez. Tal condição leva eventualmente a abordagens reducionistas, que desconsideram o impacto gerado em áreas importantes da organização. Nesse contexto, a resistência à mudança pode chamar a atenção para os impactos e ajudar a tratá-los convenientemente.
6.7.7 Verificação de alinhamento da mudança com os objetivos estratégicos da empresa Um processo estratégico bem sucedido deve contar com a participação de todos na organização. Durante os processos de transformação, corre-se sempre o risco de perder ou
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enfraquecer o nexo estratégico. Nesta condição, a resistência à mudança pode ser traduzida em alerta contra a perda do foco estratégico.
Saiba mais John Kotter é professor emérito da Harvard Business School. É considerado um dos maiores especialistas mundiais em liderança e mudança. Ele é a principal referência quando o tema é a maneira como as melhores organizações de fato realizam mudanças com sucesso. Para conhecer mais sobre as ideias de Kotter, assista a entrevista sobre o seu livro Sentido de urgência, acessando o link: http://www.videolog.tv/video.php?id=465680 Para saber mais sobre o papel do líder na gestão de mudanças, leia a entrevista concedida por Mario Persona à revista Supermercado Moderno. A entrevista pode ser acessada no link: http://mariopersona.com.br/entrevista_ revista_supermercado.html
BIBLIOGRAFIA ANSELMO, E.; SHINYASHIKI, R. Processo de mudança organizacional: um estudo de caso. In: VI SEMEAD – Seminários em Administração. São Paulo, 2003. Disponível em http://www.ead.fea.usp.br/semead/6semead/RH.htm. Acesso em: out. 2010. CHU, R. A. Resistir é preciso. In: WOOD JR., T. (Coord.). Gestão empresarial: comportamento organizacional. São Paulo: Atlas, 2005.
In: FLEURY, M. T. L. (Org.). As pessoas na organização. São Paulo: Gente, 2002. LAMANA, C. G. Mudança organizacional: o papel estratégico da gestão de pessoas. In: Global Manager/Faculdade da Serra Gaúcha, n. 14, 2008. Caxias do Sul, RS: FSG, 2008. Disponível
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Gestรฃo da mudanรงa
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(7)
Avaliação de resultados em gestão de pessoas
Profª Ms. Dália Derner
O bjetivos • Apresentar e analisar indicadores de desempenho que possibilitem avaliar a eficácia de gestão de pessoas na empresa. • Apresentar o Balanced Scorecard (BSC) como uma ferramenta para avaliar a gestão de pessoas nas organizações. • Analisar a importância da avaliação de resultados de gestão de pessoas. Conteúdo apresentado • Ideia de resultados em gestão de pessoas; • Retorno do investimento (ROI) em capital humano; • Balanced Scorecard (BSC); • BSC aplicado à função gestão de pessoas; • Avaliando ativos intangíveis; • BSC no Brasil.
7.1 Ideia de Resultados em Gestão de Pessoas Desde o surgimento da gestão estratégica de pessoas, a necessidade de se acompanhar, mensurar e avaliar as
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246
contribuições e o impacto das práticas de gestão de pessoas ao desempenho das empresas se faz presente, sob o risco de minar a possibilidade de novas propostas sem demonstrar a real contribuição estratégica desta função às empresas. Segundo Oliveira et al (2003, apud MASCARENHAS, 2008) os gestores de pessoas deveriam esclarecer a contribuição econômica associada à sua função, o que os teria motivado a empreender esforços de quantificar sua contribuição. Muritiba e Muritiba (2009) assinalam que o próprio papel do profissional de gestão de pessoas passa por redefinição. Para esses autores, a área de gestão de pessoas apresenta baixa participação estratégica em boa parte das empresas, daí a pouca importância atribuída à área em si. Entretanto, essa situação aumenta a relevância de se estabelecerem parâmetros de avaliação para os investimentos feitos pelas empresas em gestão de pessoas. Ulrich (2000) coloca que os resultados em gestão de pessoas geralmente são associados ao que as pessoas efetivamente fazem, no entanto, ela não é adequada ao avaliar a eficácia de gestão de pessoas, uma vez que os métodos escolhidos para uma avaliação também são importantes e, não somente o discurso ou relato do que foi realizado. Em uma abordagem tradicional de avaliação são descritas as atividades dos processos de gestão de pessoas e não se considera a inserção da área no conjunto da organização.
Práticas tradicionais de gestão de pessoas incluem o uso de indicadores quantitativos associados, por exemplo, à rotatividade, ao absenteísmo e ao número de horas de treinamento. Entretanto, a crítica que os indicadores de desempenho recebem é que não vinculam as dimensões da gestão de pessoas ao desempenho da organização, demonstrando a sua eficácia; eles refletem somente a eficiência de alguns de seus processos. Como alternativa, algumas empresas menas através dos impactos que podem ser inferidos de forma indireta, como índices de retorno sobre investimentos em gestão de pessoas, faturamento liquido por colaborador, qualidade de vida no trabalho etc. Na realidade, índices financeiros são resultado da convergência de ações de diversas funções da empresa, não somente de gestão de pessoas (MASCARENHAS, 2008).
Rotatividade A rotatividade ou turnover diz respeito à “movimentação” de admissões e desligamentos de pessoas nas empresas. É medido pela média de pessoas admitidas e demitidas (na empresa ou no setor) no período, dividido pelo total de funcionários no início do período. Veja a fórmula: (admissão + demissões) 2 x 100 Por exemplo, se noefetivo início inicial do mês uma empresa tinha 10 R=
funcionários, admitiu 1 e demitiu 2, seu índice de rotatividade neste mês será de 15%. Muitos autores colocam que a rotatividade é uma despesa que pode ser evitada se houver mais critério e atenção na seleção de pessoas. A rotatividade alta reflete na produção, no clima organizacional e nos relacionamentos interpessoais. Para prevenir a rotatividade é preciso detectar os fatores organizacionais que a tem determinado.
247 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
suram os resultados de seus processos de gestão de pesso-
O custo da rotatividade de pessoal agrupa custos primários (todas as despesas com desligamentos e substituições), secundários (custos intangíveis: perda na produção, clima ambiental) e terciários (perdas de negócios e investimentos extras).
Absenteísmo:
Gestão Estratégica de Pessoas
248
Diz respeito à ausência temporária do trabalhador na empresa, por motivos diversos, tais como: doenças, faltas, problemas com locomoção, razões familiares, desmotivação, políticas inadequadas na empresa, supervisão precária da chefia ou gerência, acidente de trabalho etc. O absenteísmo repercute na produtividade. Suas causas precisam ser diagnosticadas para o controle político da organização. O índice de absentismo puro deve abordar todo o tipo de ausência, inclusive as justificadas. O absenteísmo, assim como a rotatividade, implica em despesas para a empresa quanto à hora não trabalhada pelo colaborador. Ulrich (2000) considera que os resultados de gestão de pessoas deveriam ser estabelecidos com relação às capacidades, que representam as habilidades e a especialização de uma empresa. Elas são um conjunto de competências individuais transformadas em capacidades organizacionais. As capacidades representariam a habilidade da empresa em utilizar recursos e “fazer as coisas acontecerem”. Nas palavras de Ulrich (2000, p. 12): “as capacidades se tornam resultados de RH, preenchendo a área comum entre investimento e desempenho da empresa. Funcionam como transição de missão, visão, estratégias e valores para a ação”. A avaliação de resultados pode ser baseada na eficácia (medida em que os objetivos foram alcançados) e na eficiência (esforços necessários para o alcance dos objetivos).
Dependendo da maneira como os resultados são esperados – eficientes ou eficazes – a área de gestão de pessoas irá se comportar de uma maneira mais focada em seus próprios processos ou, de forma contrária, focada em sua contribuição no alcance dos resultados da empresa como um todo (MURITIBA E MURITIBA, 2009). Existem diversas abordagens teóricas que têm trazido aos profissionais de gestão de pessoas alternativas para tão de pessoas. Algumas abordam os resultados a partir de uma perspectiva financeira, calculando o retorno do investimento (ROI) em gestão de pessoas com parâmetros usados geralmente para ativos financeiros. Outra abordagem procura uma relação de melhores práticas que possam ser usadas por gestão de pessoas. De acordo com Muritiba e Muritiba (2009) as nomenclaturas e os enfoques utilizados para a avaliação de resultados são: • Auditoria de recursos humanos. • Contabilização de recursos humanos. • Índices de avaliação de gestão de pessoas. • Busca pela relação de melhores práticas de gestão de pessoas e performance. • Sistema de medição estratégica. Conforme salientam os autores, a mudança de uma abordagem para outra representa um avanço teórico com relação à avaliação. Fazer a vinculação entre as práticas de gestão de pessoas e o desempenho da organização vem sendo um dos desafios mais importantes dos profissionais de gestão de pessoas que
249 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
a criação de uma cultura de avaliação de resultados em ges-
atuam segundo as premissas da gestão estratégica de pessoas. Muitas empresas, como alternativa, têm utilizado sistemáticas amplas de gestão e avaliação de resultados em gestão de pessoas baseados no conceito de alinhamento estratégico. Dentre esses métodos destaca-se atualmente o Balanced Scorecard (BSC), aplicado à função de gestão de pessoas. De acordo com Muritiba et al (2006, apud MASCARENHAS, 2008), o uso dessas metodologias depende da clareza estratégica da empresa:
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250
Mais do que o desconhecimento de metodologias, ou as informações disponibilizadas pelos sistemas de RH, o que mais diferencia as empresas que avaliam resultados mais profundamente é a clareza de sua estratégia e o quanto as práticas de gestão de pessoas se relacionam com elas (MURITIBA et al , 2006 apud MASCARENHAS, 2008, p. 246).
Para eles, entre as vantagens percebidas da aplicação desses métodos estariam o alinhamento com a estratégia, a melhoria da qualidade das ações de gestão de pessoas e a melhoria da imagem da função de gestão de pessoas.
7.2 R etorno do investimento (ROI) em capital humano Muritiba e Muritiba (2009) destacam os trabalhos de Fitz-Enz (2001) com relação ao levantamento de indicadores para mensurar o retorno dos programas de gestão de pessoas. O trabalho mais recente deste autor utiliza conceitos
financeiros para calcular o retorno sobre investimento (ROI) em gestão de pessoas De acordo com os autores, dentre os indicadores propostos, há uma equação para se calcular o retorno sobre o investimento em capital humano (Human Capital Return On Investiment – HCROI), que considera o retorno no investimento em termos de lucro por quantias de dinheiro gastas na remuneração dos colaboradores. A fórmula apresentada pelo autor é: Receita bruta - (Despesas - Ordenados e Benefícios) Ordenados e Benefícios
Conforme Muritiba e Muritiba (2009), ao se subtraírem todas as despesas, exceto aos ordenados e benefícios, obtém-se uma estimativa de lucro obtida por unidade monetária investida no pagamento do capital humano, não se incluindo, no entanto, treinamento e atividades correlatas. Outra vertente dos modelos propostos por Fitz-Enz é a medição do impacto do capital humano nos processos. O que reside por trás desses modelos é o fato de que o capital humano tem impacto sobre processos da empresa que constituem uma cadeia de valor, na qual no final é possível calcular economias ou ganhos financeiros. De maneira geral, uma das premissas para entender os conceitos financeiros é a relação entre risco e retorno. Ao considerar ativos individuais, uma expectativa aceitável para o seu retorno é a média dos retornos passados. Com base no passado são feitas previsões em termos futuros. Os autores da abordagem financeira consideram que uma previsão mais apurada pode ser obtida a partir de alguns retornos prováveis e de suas possibilidades relativas, calculando-se deste modo uma média ponderada (MURITIBA e MURITIBA, 2009).
Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
HCROI =
251
O risco de um ativo está relacionado à sua variabilidade. Quanto maior a probabilidade de um retorno se distanciar da média esperada, maior a sua volatilidade e, por consequência, maior o risco do investidor. Medidas consistentes de risco são a variância e o desvio-padrão.
7.3
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B alanced Scorecard (BSC) Vários autores têm se referido às transformações decorrentes da transição da era industrial para a pós-industrial. Castells (1999), por exemplo, menciona a emergência de um novo contexto socioeconômico, no qual a produtividade e a rentabilidade estão associadas à geração, acumulação, processamento e utilização do conhecimento, apoiado pela tecnologia. As reflexões decorrentes dessa transição geraram questionamentos com relação às premissas dos sistemas de avaliação de desempenho empresariais vigentes. Oliveira (2006) menciona o impacto dessas mudanças nas organizações, assinalando a necessidade que as empresas tinham – e que muitas ainda têm – de ferramentas de gestão, que as auxiliassem nos processos preditivos e preventivos formais. Foi nesse contexto que se deu o surgimento do BSC. David Norton e Robert Kaplan, dois executivos renomados, nos anos 90, dedicaram-se a pesquisas em várias empresas com o objetivo de analisar se as organizações estavam satisfeitas com os indicadores de gestão e com a forma de perpetuação na medição do desempenho das empresas. Os resultados revelaram que as empresas tinham necessidade de ampliar sua forma de mensuração, uma vez que seus indicadores financeiros mostravam-se incapazes de refletir a contribuição que os
ativos intangíveis geravam. Propuseram, então, que aos indicadores financeiros fossem acrescidos outros indicadores: clientes, processos internos e aprendizado, surgindo, assim, as quatro perspectivas do Balanced Scorecard (BSC). Com a necessidade das empresas em mensurar os seus resultados, o BSC apareceu para provar que os métodos existentes de avaliação do desempenho empresarial, em geral apoiados nos indicadores contábeis e financeiros, estavam se Para Kaplan e Norton (1997, p. 3), criadores do BSC, o seu surgimento está relacionado a percepções de limitações dos sistemas tradicionais de avaliação de desempenho. Para os autores “a capacidade de mobilização e exploração de ativos intangíveis ou invisíveis tornou-se muito mais decisiva do que investir e gerenciar ativos físicos tangíveis”, o que deveria ser refletido nas sistemáticas de avaliação empresarial. A proposta inicial do BSC era ajudar às empresas a traduzirem e a implementarem sua missão e estratégia por meio de um conjunto de indicadores de desempenho. Entretanto, em 1996, após algumas implementações, Kaplan e Norton observaram que as empresas usavam o BSC para a execução da estratégia e, em decorrência disso, todos os processos gerenciais estavam em torno dela. A ferramenta permitiu que as empresas acompanhassem o desempenho financeiro, considerando também a capacidade de inovar, a melhoria percebida pelos clientes internos e externos e o aprendizado organizacional. Com esse foco, surgiu um novo modelo organizacional denominado “Organização Orientada para Estratégia”, que utilizava o BSC como ferramenta (SILVA, CORREIA e ALBUQUERQUE, 2010). De acordo com Teixeira et al (2010), o BSC é uma filosofia prática e inovadora de gestão do desempenho das organizações. O objetivo de sua implementação é permitir uma gestão eficaz
253 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
tornando obsoletos.
do desempenho organizacional, baseando-se na visão da estratégia da empresa e traduzindo-a em indicadores de desempenho. É uma abordagem estratégica de longo prazo, sustentada em um sistema de gestão, comunicação e medição de desempenho, cuja implementação permite criar uma visão partilhada dos objetivos a atingir em todos os níveis da organização. O BSC converte a estratégia em um sistema integrado, direciona a empresa para o seu sucesso no futuro, definindo quais são
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254
os objetivos a serem atingidos e medindo o seu desempenho a partir de quatro perspectivas distintas, que veremos a seguir.
7.3.1 Perspectiva crescimento
de
aprendizagem
e
Direciona sua atenção para as pessoas e para a infraestrutura de recursos humanos necessários ao sucesso da empresa ou, em outras palavras, trata dos ativos intangíveis: o desenvolvimento de competências internas, o clima organizacional e a prontidão tecnológica da empresa.
7.3.2 Perspectiva do cliente ou mercadológica Permite direcionar todo o negócio e as atividades da empresa para as necessidades e a satisfação de seus clientes. Para Mascarenhas (2008, p. 248) trata- se da estratégia da criação de valor sob a ótica dos públicos de interesse. Seu componente mais importante é a ”oferta de valor”, que procura tornar explícito como a organização será reconhecida perante seus clientes, detalhando atributos tais como disponibilidade, serviços adicionais, preços etc.
7.3.3 Perspectiva financeira Permite medir e avaliar resultados que o negócio proporciona e de que necessita para seu crescimento e desenvolvimento, assim como para a satisfação de seus acionistas. Corresponde aos desafios associados geralmente ao crescimen-
to, à redução de custos, ao aumento de receitas e à gestão de riscos. Em síntese, verifica se a implementação e a execução da estratégia estão colaborando para os resultados financeiros.
7.3.4 Perspectiva dos processos internos Está direcionada para o desenvolvimento de novos processos, produção, distribuição e vendas, atendimento ao cliente, que, para Mascarenhas (2008, p. 248) podem ser sintetizados como “processos críticos para a entrega de oferta de valor”. porcionam uma análise e uma visão ponderadas da situação atual e futura do desempenho do negócio. A figura a seguir demonstra a visão da empresa e as quatro perspectivas, financeira, clientes, processos internos, aprendizagem e crescimento, que em conjunto buscam alcançar os objetivos da organização. As questões apresentadas devem ser indagadas continuamente para saber se as ações estão gerando resultados positivos para a organização. As quatro perspectivas do BSC
Perspectiva Financeira Como atender os nossos acionistas? Perspectiva do cliente Como atender os nossos clientes?
Visão e Estratégia
Perspectiva processos internos Quais processos comerciais são direcionadores de valor?
Perspectiva Aprendizado e Crescimento Somos capazes de apoiar a inovação, as mudanças e as melhorias? Fonte: Kaplan e Norton (1997, p. 76).
255 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
Quando integradas, essas quatro perspectivas pro-
De acordo com Silva, Correia e Albuquerque (2010) para garantir a eficácia do BSC, alguns pontos devem ser evitados, tais como: • quantidade demasiada de indicadores não financeiros inseridos no sistema de bonificação sem que a empresa tenha ganhado financeiro; • adoção de indicadores sem correlação de causa/
Gestão Estratégica de Pessoas
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efeito e resultados; • inexistência de estratégia corporativa integrada; • falta de comprometimento da alta administração; • acesso e envolvimento de poucos colaboradores da empresa; • mensuração e acompanhamento de ocasião única; • balanced scorecard ser um projeto de uma única área; • implementação de ferramenta apenas para fins remuneratórios.
7.4 B SC aplicado à função gestão de pessoas Para Mascarenhas (2008) o BSC vai além das tentativas de avaliação das práticas de gestão de pessoas com base em resultados de processos de gestão de pessoas ou indicadores financeiros. Trata-se de um método de alinhamento e monitoramento das atividades da empresa, baseado na premissa de que a contabilidade tradicional foca somente o desempenho financeiro.
Becker, Huselid e Ulrich (2001, apud Teixeira et al, 2010:135) ressaltam dois dos propósitos da aplicação do Balanced Scorecard na gestão estratégica de pessoas: “(a) gerenciar o RH como um ativo estratégico e (b) demonstrar a contribuição de RH para o sucesso financeiro da empresa”. Os autores ainda afirmam que a construção do BSC em gestão de pessoas deve considerar quatro dimensões fundamentais:
Essas dimensões constituem o esquema que servirá de base para mensurar a contribuição da gestão de pessoas para a implementação da estratégia geral da empresa. Para a elaboração desse esquema, ainda segundo os autores (apud TEIXEIRA et al, 2010, p. 136), devem ser observados os seguintes passos: • Identificação dos produtos de RH que, realmente, agreguem valor para a empresa. • Intensificação do alinhamento do sistema de RH, o que significa fortalecer o alinhamento das funções da gestão de pessoas entre si (alinhamento interno). Paralelamente deve-se fortalecer o alinhamento externo do sistema de RH ao sistema maior – a empresa – visando assegurar a contribuição da gestão de pessoas às estratégias.
257 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
Os principais produtos de recursos humanos que alavancarão o papel de RH na estratégia geral da empresa, o sistema de trabalho de alto desempenho (HTWS), a extensão em que o HTWS está alinhado com a estratégia da empresa, e a eficiência com que geram tais produtos (BECKER, HUSELID , ULRICH, 2001, apud TEIXEIRA et al, 2010, p. 135).
• Identificação dos indicadores de eficiência de RH, entendidos como tais aqueles capazes de auxiliar a empresa na geração de competências necessárias, com eficácia, em relação ao custo. Segundo
Baird
e
Meshoulam
(1988,
apud
MASCARENHAS, 2008), essa metodologia permite que as dimensões da função de gestão de pessoas sejam alinhadas
Gestão Estratégica de Pessoas
258
aos objetivos de longo prazo, sendo esse alinhamento avaliado por meio de diferentes indicadores quantitativos. O alinhamento pode ser tanto externo quanto interno: • O alinhamento externo se refere à expectativa de contribuição da função de GP para o alcance das estratégias organizacionais, mediante as oportunidades e os desafios que se apresentam devido ao ambiente competitivo. Dada às necessidades que as organizações têm de reconfigurar recursos e competências continuamente, para sustentar posições favoráveis no mercado, a noção de alinhamento estratégico da gestão de pessoas deixa de se centrar somente em comportamentos e papéis organizacionais e incorpora também parâmetros como competências, aprendizagem e capital humano. • O alinhamento interno diz respeito à necessidade do modelo de GP se reforçar internamente, ou seja, o foco deixa de ser somente a coerência e integração entre sistemas e processo de gestão de pessoas e passa a ser mais amplo, incluindo alinhamento entre o capital de informação, estilo de liderança, cultura organizacional etc., que permitem à empresa realizar seus objetivos.
Considerando estes aspectos pode-se observar na lógica do BSC a importância dos ativos intangíveis e da função de gestão de pessoas para a implantação de qualquer estratégia. Segundo Kaplan e Norton (2004, p. 55):
As primeiras empresas que adotaram o BSC com o objetivo de monitorar a execução das novas estratégias conseguiram mobilizar as pessoas para que atuassem de maneira distinta, criando um foco comum e colocando suas estratégias no centro da gestão. Foi com base nisso que Kaplan e Norton (2000, apud MASCARENHAS, 2008) definiram o termo “organizações orientadas à estratégia” e a sistematização dos “cinco princípios de uma organização orientada à estratégia”: mobilização, tradução, alinhamento, motivação e gestão, conforme a figura a seguir.
259 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
Ao desenvolvermos o Balanced Scorecard há mais de uma década, identificamos, em sua perspectiva de aprendizado e crescimento, três categorias de ativos intangíveis essenciais para a implementação de qualquer estratégia: (1) capital humano: as habilidades, talentos e conhecimento que os funcionários de uma empresa possuem, (2) capital da informação: as bases de dados, os sistemas de informação, as redes e a infraestrutura tecnológica da empresa e o (3) capital organizacional: a cultura, sua liderança, quão alinhadas as pessoas estão em relação aos objetivos estratégicos e a habilidade de os funcionários compartilharem o conhecimento.
Cinco princípios de uma organização orientada à estratégia
Traduzir
Organização
Traduzir a estratégia
BALANCED SCORECARD
Alinhar
Orientação para a Estratégia
Alinhamento organizacional
Motivar
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Mobilizar Liderança executiva Gerenciar Estratégia é um processo contínuo
Estratégia é Tarefa de Todos Fonte: Kaplan e Norton (2001, apud MASCARENHAS, 2008, p. 251).
• O princípio da mobilização: traduzir a estratégia em termos operacionais. A definição da estratégia orienta a construção do “Mapa Estratégico” que, por sua vez, tem o papel de traduzi-la em uma arquitetura lógica, ou seja, um sistema de desdobramento de objetivos de cima para baixo. Para garantir esse princípio, a liderança tem um papel fundamental, visto que define objetivos, indicadores e metas, além de direcionar e comunicar aos profissionais como implantar ações para que a empresa alcance a estratégia e esteja mais bem preparada para mudanças. Os líderes devem criar o clima para a mudança, mostrar seu propósito, atribuir responsabilidades pelos temas estratégicos. • O princípio da tradução: alinhar a organização com a estratégia. Implica a construção dos elementos do BSC: mapa estratégico, indicadores de desempenho, metas de curto, médio e longo prazo e projetos estratégicos.
Alinhar a organização com a estratégia significa ter um mapa estratégico composto por metas interdependentes, em que o conjunto de metas suporta o objetivo da organização. • O princípio do alinhamento: transformar a estratégia em tarefa diária. Quando a estratégia é formulada, divulgada e sua implementação passa a ser função de todos, é desenbarreira cultural. Para isso, é necessário implantar ferramentas de gestão de pessoas que reforcem o papel da liderança. É enfatizado que todo esforço para esclarecer a estratégia é válido quando acompanhado por uma cultura que proporcione ambiente fértil para sugestões e participação. É o desdobramento da estratégia e inclui discussões sobre o modelo de negócios, do papel corporativo, da relação da corporação com demais unidades e grupos de interesse (clientes e fornecedores estratégicos). • O princípio da motivação: promover a mudança por meio da liderança. Para a implantação e a manutenção do Balanced Scorecard, é necessário mobilizar as pessoas para trabalharem em equipe e gestores capacitados para disseminarem os novos valores culturais e praticarem o novo sistema de gestão. Tem como propósito expandir a consciência estratégica da organização por meio da comunicação, da identificação das contribuições pessoais e do alinhamento do sistema de avaliação e remuneração à estratégia. • O princípio da gestão: tornar a estratégia um processo contínuo.
261 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
volvido um objetivo comum que tende transpor a
Trata da transformação da implantação da estratégia em um processo contínuo pelo encurtamento do seu ciclo de revisão, geralmente de anual para trimestral. A estratégia deve ser integrada ao processo orçamentário e avaliada constantemente por meio de reuniões gerenciais. Para garantir esse princípio, a liderança tem o papel de acompanhar e controlar o orçamento, promover feedback e desenvolver relatórios que contri-
Gestão Estratégica de Pessoas
262
buam para a criação de uma cultura de aprendizagem. Observa-se nesses princípios a importância conferida à liderança no processo. Para Ulrich (1998, apud SILVA, CORREIA e ALBUQUERQUE, 2010), menciona oito grandes desafios do líder: • Globalização; • Cadeia de valor para a competitividade empresarial e os serviços de recursos humanos; • Lucratividade entre custo e crescimento; • Foco na capacidade • Mudança de parâmetros; • Tecnologia; • Atração, retenção e mensuração da competência e do capital intelectual; • Reversão não é transformação. A perspectiva de Aprendizagem e Crescimento, no que se refere à função de gestão de pessoas, deve se focar nas capacidades organizacionais, na mudança cultural e no capital intelectual, sem, no entanto, esquecer outros aspectos, como o tratamento justo conferido aos profissionais e a atração e a retenção
de talentos (SILVA, CORREIA e ALBUQUERQUE, 2010). O conceito de mapa estratégico, ilustrado na figura a seguir, com base em uma empresa de aviação com estratégia de baixo custo, a partir da perspectiva do aprendizado e crescimento, permite entender a transformação dos ativos intangíveis em tangíveis. De acordo com Mascarenhas (2008, p. 248) ao se investir em competências, cultura e tecnologia, “se está preparancazmente os processos críticos para a entrega da oferta de valor e, consequentemente, produzindo melhores resultados econômico-financeiros”. Mapa estratégico de uma companhia aérea com estratégia de baixo custo
Lucro e RONA Financeiro Crescer receitas
Poucos aviões Atrair e reter mais clientes
Mercadológico Serviço pontual
Processos Internos
Aprendizado e Crescimento
Preços baixos
Rápida preparação em solo
Alinhamento do pessoal de solo Fonte: Kaplan e Norton (2004).
263 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
do melhor as pessoas para que executem mais eficiente e efi-
No exemplo ilustrado na quanto às companhias aéreas de baixo custo, alinhando-se as pessoas em torno da estratégia, irá se obter uma rápida preparação do avião em solo. Isso leva à maior pontualidade nas partidas e preços mais baixos, atraindo e retendo mais clientes acostumados à oferta de valor de baixo custo com a consequente redução de investimento em aviões (ativos) e o incremento das receitas, gerando maior valor aos stakeholders. Parte deste valor é reverti-
Gestão Estratégica de Pessoas
264
do em competências, cultura e tecnologia, criando-se deste modo um círculo virtuoso (MASCARENHAS, 2008). Para cada objetivo das perspectivas, aprendizagem e crescimento e processo internos do mapa estratégico são identificados indicadores de desempenho, estabelecidas metas de curto, médio e longo prazo e colocados em ação projetos que façam com que a organização consiga atingi-los, conforme o quadro a seguir. Indicadores, metas e projetos para o objetivo estratégico: perspectiva de processos internos. Objetivo
Indicador
Meta
Projeto
Rápida preparação em solo
Tempo de ciclo
30 minutos
Implementar programas de stock options
99%
Implementar tecnologia de comunicação entre aeronaves e pessoal de terra.
Frequencia de partidas no horário previsto
Fonte: Palladium/Balanced Scorecard Collaborative e Symnetics (apud MASCARENHAS, 2008, p. 250).
Os indicadores tornam claras as mensagens dos objetivos estratégicos, orientando o comportamento das pessoas, além de se constituírem nas variáveis com base nas quais a execução da estratégia é monitorada. As metas estabelecem os níveis de desempenho requerido pela estratégia e os projetos são as ações necessárias ao alcance de resultados (MASCARENHAS, 2008).
Stock options Programas de incentivo de longo prazo que permitem aos funcionários comprar ações da companhia onde trabalham por um preço abaixo do mercado. As empresas emitem stock options com diversos objetivos: • Para alinhar os interesses dos gestores com os dos acionistas.
• Para atrair e reter talentos. De acordo com os Kaplan e Norton (2004) o sistema revelou-se útil à função gestão de pessoas ao permitir que a área demonstre os resultados dos investimentos por ela gerenciados, assim como o próprio desempenho. A utilização mais comum do BSC nesse contexto é a derivação da estratégia da função gestão de pessoas, a partir da estratégia empresarial, conforme ilustra a figura a seguir. Estratégia empresarial e a estratégia de gestão de pessoas Estratégia Empresarial
Aumentar valor agregado Crescer receitas
Otimizar custos Entregar a oferta de valor
Inovação
Gestão do cliente
Excelência Operacional
Cidadania
Competências Estratégicas
Orientação a Resultado
Alinhamento Estratégico
Liderança
265 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
• Como forma de remuneração que permite minimizar o reconhecimento de custos com os empregados.
Estratégia de GP Valor da função gestão de pessoas Eficácia de gestão de pessoas Orientação a Resultado
Alinhamento Estratégico
Liderança
266
Processos de Gestão de Pessoas
Gestão Estratégica de Pessoas
Competências Estratégicas
Eficiência de gestão de pessoas
Capital humano, tecnológico e organizacional de gestão de pessoas Fonte: Kaplan e Norton (2006, apud MASCARENHAS, 2008, p. 252).
Para Mascarenhas (2008) essa aplicação assume os desafios voltados ao capital humano e organizacional, como típicos à perspectiva aprendizagem e crescimento da estratégia empresarial e submete a estratégia da função gestão de pessoas à lógica de construção do mapa estratégico. Nesse sentido, para entregar o capital humano e organizacional necessários à execução da estratégia empresarial, a função de gestão de pessoas deve identificar os próprios desafios em termos de perspectivas de aprendizado e crescimento, assim como dos seus processos internos. O quadro a seguir ilustra essa aplicação para um objetivo estratégico de capital humano. Plano estratégico para o capital humano. Estratégia empresarial Objetivo do capital humano Competências estratégicas: entender as competências necessárias e as disponíveis e desenvolver um plano ppara reduzir o gap.
Indicadores de desempenho
Meta
Gap de talentos estratégicos
< 10%
Retenção de talentos
95%
Plano estratégico para o capital humano Práticas referenciais
Recrutamento e seleção
Funcionários qualificados para mais de uma atuação
Indicadores de gestão de pessoas Horas de treinamento (foco estratégico)
Índice de Capacidade em competências Treinamento e desenvolvimento competências estratégicas estratégicas disponíveis Fonte: Palladium/Balanced Scorecard Collaborative e Symnetics (apud MASCARENHAS, 2008, p. 253).
A atuação estratégica da área de Gestão de Pessoas é de parceria empresarial, com ações integradas e orientadas para satisfazer o objetivo do negócio. As ações, práticas e políticas, devem adicionar valor e contribuir para melhorar os resultados corporativos. A contribuição gerada por essas ações estabelece uma relação de causa e efeito minimizando a subjetividade na compreensão das atividades e dos programas, possibilitando uma atuação proativa, voltada para as necessidades do negócio e que se antecipa às mudanças (SILVA, CORREIA e ALBUQUERQUE, 2010, p. 83).
7.5 Avaliando ativos intangíveis Para Mascarenhas (2008) alguns dos benefícios associados ao alinhamento da função gestão de pessoas à estratégia corporativa são: • atingir a criação de valor por meio da obtenção de sinergias entre a gestão do capital humano e organizacional;
267 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
Processos críticos de gestão de pessoas
• tornar clara a contribuição da função gestão de pessoas para a entrega da oferta de valor da organização; • facilitar a mensuração dos ativos intangíveis; • maximizar a eficiência da alocação de recursos com o desenvolvimento do capital humano e organizacional. Os questionamentos mais frequentes que aparecem em
Gestão Estratégica de Pessoas
268
relação aos indicadores de desempenho referem-se ao tempo de sua seleção e complexidade associada. Para Mascarenhas (2008) não existe nenhuma fórmula ou método cientifico para relacionar os indicadores de maneira a obter um diagnóstico único e preciso. Conforme o autor, essa relação é uma “arte”, no sentido de extrair relações úteis com base nos objetivos estratégicos. Em razão disso, as empresas devem se arriscar e testar os indicadores de desempenho mesmo que temporariamente imperfeitos. Mascarenhas (2008) sugere alguns cuidados a serem tomados quanto à seleção dos indicadores de desempenho. Deve-se assegurar que: • Cada objetivo estratégico contenha uma descrição para que todas as pessoas tenham o mesmo entendimento. • A descrição do objetivo sirva de base para que os pontos essenciais sejam identificados e monitorados para o alcance do objetivo em pauta. • Pelos pontos essências, seja possível definir um conjunto de indicadores que possam monitorar o desempenho do objetivo. Segundo Fitz-Enz (2001, apud SILVA, CORREIA e ALBUQUERQUE, 2010, p. 83) “a introdução do modelo de
Balanced Scorecard (BSC) abriu um novo caminho para organizar e monitorar as informações relativas ao capital humano”. O autor propôs uma versão de indicadores para acompanhar o desempenho do capital humano baseada nas seis dimensões que contemplam as atividades clássicas de gestão de pessoas: • Planejamento: atividade em que se projeta a neces• Incorporação: atividade em que ocorre a incorporação do capital humano à organização através da contratação, seja de profissional próprio ou temporário. • Manutenção: atividade focada principalmente na remuneração e nos benefícios. • Desenvolvimento: atividade mais difícil de medir, porque o investimento no desenvolvimento é ativo intangível. Em contrapartida, em um ambiente de rápidas mudanças é nítida a necessidade de renovar as competências das pessoas para a empresa se manter competitiva. • Retenção: atividade chave para a organização. Atualmente, as organizações têm claro que reter talento é imprescindível para o sucesso. • Avaliação: atividade integrada ao exercício das outras cinco acima, visando acompanhar e analisar a sua realização e prover feedback. Para
Fitz-Enz
(2001,
apud
SILVA,
CORREIA,
ALBUQUERQUE, 2010), o BSC do capital humano contempla apenas quatro quadrantes: incorporação, manutenção, desenvolvimento e retenção, excluindo o planejamento, visto que não é prático monitorar os efeitos do mesmo.
269 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
sidade de capital humano.
Full-time equivalent (FTE) É um método de mensuração da permanência do colaborador na empresa em termos do seu tempo na jornada de trabalho ou no envolvimento em um projeto. Um FTE de 1 significa que o colaborador é um trabalhador de tempo integral, enquanto que um FTE de 0,5 sinaliza que o colaborador participa das atividades da empresa somente em meio período.
Gestão Estratégica de Pessoas
270
Cada um dos quatro quadrantes contém custos, tempo, quantidade e medida de qualidade. No quadro é apresentado um exemplo do Balanced Scorecard do Gerenciamento do Capital Humano, proposto pelo autor. Exemplo de BSC de gerenciamento do capital humano INCORPORAÇÃO
MANUTENÇÃO
Custo por contratação
Custo de mão de obra como porcentagem das despesas operacionais
Tempo para preencher vagas
Salário médio por funcionário
Numero de novas contratações
Custo dos benefícios como porcentagem da folha de pagamento
Número de substituições Qualidade das novas contratações
Contagem do desempenho médio compradao à receita bruta por FTE
RETENÇÃO
DESENVOLVIMENTO
Taxa total de desligamento Porcentagem de desligamento Desligamentos isentos por tempo de serviço
Custo de treinamento como porcentagem da folha de pagamento Horas de treinamento totais providos Número médio de horas/treinamento por funcionário
Porcentagem de desligamentos de isentos entre os realizadores da alta gerência
Horas de treinamento por função
Custo da rotatividade
Retorno sobre investimento (ROI) do treinamento
Satisfação no trabalho
Horas de treinamento por grupos de trabalho
Ânimo dos funcionários
Fonte: Fitz-Enz (2001, apud SILVA, CORREIA, ALBUQUERQUE, 2010, p. 85).
Os indicadores acima devem estar alinhados com os objetivos estratégicos da empresa, de forma que possam ser vistas as conexões e interdependência entre si. Segundo Fit-Enz (2001, apud SILVA, CORREIA, ALBUQUERQUE, 2010), existem três níveis em que o capital humano pode ser medido: primeiro no nível da empresa, segundo nas unidades de negócio e terceiro no gerenciamento do próprio capital humano, criando o que ele denominou de círculo de valor do capital humano.
B SC no Brasil Mascarenhas (2008) se refere a uma pesquisa realizada em julho de 2006, pela consultoria latino-americana com ênfase em gestão estratégica por meio do BSC, Symnetics, sobre indicadores de desempenho para ativos intangíveis. A pesquisa foi realizada com empresas brasileiras de seis setores diferentes da economia que implementaram o modelo de gestão da estratégia BSC. Os objetivos estratégicos referentes à perspectiva aprendizagem e crescimento, dizem respeito a três grupos de ativos intangíveis: capital humano, capital de informação e capital organizacional. A partir disto, foram identificados na pesquisa os temas estratégicos recorrentes na perspectiva aprendizagem e crescimento, conforme tabela a seguir.
271 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
7.6
Temas estratégicos por grupo de ativo intangível Grupo de ativo intangível
Gestão Estratégica de Pessoas
272
Temas estratégicos recorrentes
Frequencia do tema
Capital humano
Competências estratégicas
80%
Capital da informação
Irformações estratégicas
80%
Capital da organização
Cultura
90%
Liderança
90%
Alinhamento estratégico
70%
Trabalho em equipe
60%
Fonte: Symnetics (apud MASCARENHAS 2008, p. 255).
Com base nos resultados da pesquisa apresentados na tabela, foram apurados os indicadores de desempenho por grupo de ativo intangível, ou seja, os aspectos que são o foco de preocupação dentre as empresas que adotam o BSC no Brasil. Os três itens que veremos a seguir apresentam esses indicadores.
7.6.1 Indicadores de desempenho da perspectiva de aprendizagem e crescimento por grupo de ativo intangível Capital Humano • Índice de desenvolvimento de competências. • Índice de realização do plano de desenvolvimento de pessoal. • Investimentos em treinamento e desenvolvimento por remuneração anual. • Porcentagem de cargos-chave que possuem substitutos preparados. • Porcentagem de profissionais aptos para promoções em posições estratégicas. • Reciclagem com foco no negocio/estratégia.
• Índice de utilização de práticas de gestão. • Índice de inovação e aperfeiçoamento de práticas. • Índice de desenvolvimento da autogestão. • Nível de implementação do sistema de gestão. • Índice de desenvolvimento de competências. • Grau de atualização tecnológica.
• Processos suportados por sistemas de informação e gestão. • Índice de utilização de práticas de governança de TI. • Grau de atualização tecnológica. Capital da Organização • Pesquisa de clima (ou opinião). • Índice de realização do plano de ação para a pesquisa de clima. • Gestão por resultados. • Pesquisa de eficiência interna. • Índice de alcance de metas. • Alcance da remuneração variável na estrutura Fonte: Symnetics, apud MASCARENHAS (2008, p. 256-257).
O estudo de diferentes autores e abordagens que tratam da avaliação de resultados de gestão de pessoas nos mostra os desafios enfrentados pela área em sua prática nas empresas. Conforme Silva, Correia e Albuquerque (2010), grande parte desses desafios concentram-se em quatro aspectos:
273 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
Capital da Informação
• Perfil do profissional de gestão de pessoas e suas crenças. Falta de envolvimento ou de interesse da equipe de gestão de pessoas em “desbravar” novas metodologias para avaliação, crenças de que é impossível avaliar ativos intangíveis. • Concepção de resultados dos profissionais de gestão de pessoas pode ser incompatível com as necessidades da avaliação. Eventualmente, pode-se não saber
Gestão Estratégica de Pessoas
274
quais resultados se quer atingir. • Prática pode apresentar dificuldades como a falta de confiança nos dados armazenados sobre as práticas de gestão de pessoas. • Papel organizacional da área pode ser facilitador da avaliação de resultados caso gestão de pessoas tenha grande importância estratégica na organização. Como podemos ver, muito há que se fazer ainda nas organizações.
Saiba mais Para saber mais sobre stock options, acesse o link: http://www.ppge.ufrgs.br/giacomo/arquivos/ecop137/ morais-2007.pdf Sobre o mesmo tema, leia a reportagem “Seja sócio do seu patrão”, no link: http://veja.abril.com.br/270900/p_140. html Para conhecer mais sobre BSC, assista a entrevista de Kaplan, um de seus criadores. http://www.youtube.com/ watch?v=5ysYExAArEE
REFERÊNCIAS CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. KAPLAN, R. S.; NORTON, D. P. Mapas estratégicos - convertendo ativos intangíveis em resultados tangíveis. Rio de Janeiro, Campus, 2004.
ro, Campus, 1997. MASCARENHAS, A. O. Gestão estratégica de pessoas. São Paulo: Cengage Learning, 2008. MURITIBA, P. M.; MURITIBA, S. N. Avaliação de resultados na gestão de pessoas. In: ALBUQUERQUE, L. G.; LEITE, N. P. Gestão de pessoas: perspectivas estratégicas. São Paulo: Atlas, 2009. OLIVEIRA, F. B. (Org.). Tecnologia da informação e da comunicação: desafios e propostas estratégicas para o desenvolvimento dos negócios. São Paulo: Pearson Prentice Hall: Fundação Getulio Vargas, 2006. SILVA, L. T. P.; CORREIA, M. V.; ALBUQUERQUE, L. G. Utilizando o Balanced Scorecard para uma atuação estratégica de recursos humanos. In: FISCHER, A. L.; DUTRA, J. S.; AMORIM, W. A. C. Gestão de pessoas: práticas modernas e transformação nas organizações. São Paulo: Atlas, 2010. TEIXEIRA, G. M.; SILVEIRA, A. C.; BASTOS NETO, C. P. S.; OLIVEIRA, G. A. Gestão estratégica de pessoas. 2 ed. Rio de
275 Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
____. A estratégia em ação: Balanced Scorecard. Rio de Janei-
Janeiro: Editora FGV, 2010. ULRICH, D. Recursos humanos estratégicos. São Paulo: Futura, 2000.
Gestão Estratégica de Pessoas
276
Avaliação de Resultados em Gestão de Pessoas
277
(8)
G est達o da diversidade
Profª Ms. Dália Derner
O bjetivos • Apresentar alguns conceitos sobre diversidade cultural e a sua aplicação às organizações. • Pensar o papel de gestão de pessoas na gestão da diversidade cultural. Conteúdo apresentado • Antes de começar. • Diversidade no Brasil. • Diversidade nas Organizações. • Ação Afirmativa no Brasil. • Diversidade e diversidade cultural: alguns conceitos. • Abordagens
tradicionais
de
tratamento
diversidade. • Gestão da diversidade cultural (GD). • Modelos para a gestão da diversidade.
à
8.1 A ntes de começar Falar da internet e de seus infinitos recursos interativos Gestão Estratégica de Pessoas
282
– mensageiro instantâneo (o mais conhecido é o MSN), redes de relacionamento como Orkut e Facebook, blogs diversos, comunidades virtuais etc. – é quase que “chover no molhado”. Estamos na era da informação e da interação propiciada pela tecnologia. Podemos “conviver”, mesmo que virtualmente, com pessoas de diferentes regiões, das mais diversas culturas. Se isso é verdadeiro no âmbito pessoal, no mundo empresarial não é diferente. A tecnologia possibilitou formas de trabalho virtual que permitem às pessoas trabalharem em qualquer parte e interagir com parceiros das mais distintas regiões geográficas do mundo. Processos de fusões e aquisições de empresas também fazem parte desse círculo de convivência. Nesses processos, os colaboradores passam a conviver com pessoas provenientes de empresas com diferentes estilos de gestão, sistemas, normas e padrões de comportamento. Muitas vezes são empresas de nacionalidades e regiões distintas, criando mais complexidade para a convivência mútua (HANASHIRO, 2008). A globalização econômica e mercadológica também ampliou as possibilidades de se trabalhar com equipes mais heterogêneas, com pessoas de nacionalidades, etnias, hábitos e valores diferentes. Dados do Censo brasileiro de 2000 apontam algumas mudanças no perfil demográfico brasileiro. Esses fatores também contribuem para a maior diversificação da força de trabalho no país, tendo seus impactos sobre a organização.
8.2 D iversidade no Brasil O tema diversidade surgiu da conscientização crescente injustiças que caracterizavam historicamente as estruturas sociais e, por consequência, as organizacionais. Essas preocupações levaram a uma definição de políticas de ação afirmativa nos EUA e na Europa. Tais políticas tinham uma estratégia para reverter o quadro histórico caracterizado por acesso desigual de grupos marginalizados perante as oportunidades de desenvolvimento. As políticas de ação afirmativa eram justificadas, quando de seu aparecimento, pelo imperativo moral de superar as injustiças. Nos anos 90 essa interpretação evoluiu em direção ao reconhecimento do papel proativo a ser desempenhado pelas empresas para a promoção da justiça social. Recentemente essas interpretações convergiram aos discursos de responsabilidade social corporativa (MASCARENHAS, 2008). A diminuição do vigor das políticas de ação afirmativa nos EUA coincide com a ascensão do discurso da diversidade como vantagem competitiva, que traz, em sua concepção, benefícios associados à diversidade da mão de obra: Redução de custos com turnover e absenteísmo – especialmente entre as minorias atraídas; atração de funcionários talentosos para a empresa, provenientes das minorias; sensibilização para as novas culturas que formam o mercado; aumento da criatividade e da inovação na empresa; aumento da capacidade de resolução de problemas; aumento da flexibilidade do sistema administrativo (ALVES E GALEÃO SILVA, 2004, apud MASCARENHAS, 2008, p.260).
283 Gestão da Diversidade
em diversos setores da sociedade, com relação a desigualdades e
Para Hanashiro (2008), compreender a diversidade, no Brasil, implica entender um pouco sobre a formação do povo brasileiro, além de refletir sobre as implicações disso no tratamento da diversidade nas empresas instaladas no País. A formação da população brasileira contemporânea Gestão Estratégica de Pessoas
284
resulta de um prolongado processo de miscigenação favorecido pela crescente heterogeneidade da sociedade com a intensificação das migrações e, mais recentemente, pelo fenômeno da globalização das relações interculturais. A população brasileira formou-se a partir de três grupos étnicos básicos: o indígena, o branco e o negro. A miscigenação entre esses grupos originou mulatos, cafuzos e mamelucos. A eles se somaram, além de portugueses, vários outros povos (imigrantes) ampliando e diversificando ainda mais a formação étnica da população brasileira, caracterizada, assim, por uma multiplicidade e grande diversidade étnica e intenso processo de miscigenação (HANASHIRO, 2008). Dados demográficos da população brasileira revelam a necessidade de empresas se atentarem às características da força de trabalho, que se constituem em um espelho da sociedade. Tendo por base o Censo de 2000 (apud HANASHIRO, 2008), temos que a população brasileira é formada por 49,2% de homens e 50,8% de mulheres (apesar do Censo de 2010 ainda não ter sido consolidado, os dados parciais indicam, que ainda prevalece o predomínio de mulheres, com 51,04% e 48,96% de homens). A cor majoritária é formada por aqueles que se declaram brancos (54%), vindo a seguir os pardos (39,1%). A proporção de pessoas que se declararam de cor preta (5,0%, em 1991, para 6,2%, em 2000) e diminuiu a proporção de pardos (de 42,6%, em
1991, para 39,1%, em 2000), o que pode ser um indicativo de mudança nos padrões de identificação e de autoclassificação do brasileiro. As mulheres possuem maior escolaridade que os homens, sendo os brancos os que têm maior tempo de escola e os negros e pardos, o menor. O rendimento médio por hora trabalhada dos homens ponsáveis pelos domicílios são mulheres. O Censo de 2000 apontou que, no Brasil, (14,5% da população total) apresentava algum tipo de incapacidade ou deficiência.
8.3 D iversidade nas Organizações É de se supor que o perfil demográfico da população brasileira estivesse retratado na força de trabalho e representado nos quadros das empresas brasileiras, entretanto, as coisas não são tão simples assim. O Instituto Ethos de 2010 realizou uma pesquisa que procurou abordar o perfil das 500 maiores empresas que operam no Brasil, verificando o perfil social, étnico e de gênero. Parte dos resultados é apresentada na tabela a seguir.
285 Gestão da Diversidade
é 29,2% superior ao das mulheres. No entanto, 24,9% dos res-
Distribuição nos níveis hierárquicos por gênero, cor, faixa etária e escolaridade (%) Nível
Executivo Gerencial Supervisão Funcional
Gênero
Gestão Estratégica de Pessoas
286
Masculino
86,3%
77,9%
73,2%
66,9%
Feminino
13,7%
21,1%
26,8%
33,1%
Etnia ou cor Branco
93,3%
84,7%
73,0%
67,3%
Negro
5,3%
13,2%
25,6%
31,1%
Amarelo
1,4%
1,9%
1,3%
1,3%
Indígena
0%
0,2%
0,1%
0,3%
0,3%
0,5%
2,4%
19,3%
Faixa Etária 16 a 24 anos 25 a 35 anos
6,4%
26,9%
46,9%
43,2%
36 a 45 anos
35,5%
39,5%
32,1%
22,8%
46 a 55 anos
39,8%
26,4%
15,6%
12,3%
56 anos ou mais
18,0%
6,7%
3,0%
2,4%
3,1%
12,1%
37,5%
81,0%
Escolaridade Até Ensino Médio Ensino Superior
58,2%
62,9%
52,1%
16,0%
Pós/Mestrado
36,5%
24,3%
10,3%
2,9%
Doutorado/Pós
2,2%
0,7%
0,1%
0,1%
Fonte: Instituto Ethos (2010).
Com base na pesquisa e em seus resultados pode-se observar a desigualdade entre homens e mulheres nas maiores empresas do país. A diferença menor se dá no nível funcional, entretanto, à medida que se ascende hierarquicamente, mais cresce a desigualdade, com o declínio da participação das mulheres nos níveis hierárquicos mais elevados. Mantém-se, o afunilamento hierárquico, já constatado nos levantamentos de anos anteriores realizado pelo mesmo instituto, que exclui as mulheres na medida em que aumentam as atribuições de comando.
O mesmo acontece com os negros também, ou seja, a proporção de negros é progressivamente menor nos níveis hierárquicos mais elevados, entretanto, chama a atenção, na comparação dos resultados dos estudos de 2010 e 2007, é o crescimento da parcela de funcionários da raça negra em três dos quatro níveis hierárquicos pesquisados: funcional, queda de 17% para 13,2%. Entretanto, conforme mostra a pesquisa, apesar dessas porcentagens, os negros ocupam parcelas muito desiguais em relação aos não negros nos quadros de funcionários das empresas da amostra. Conforme afirma Hanashiro (2008) ao se referir a mesma pesquisa realizada em 2007, as dificuldades são grandes quando se considera um baixo nível de escolaridade, que reduz as chances de trabalhar em empresas que constituíram a amostra, de grande porte e elevado faturamento, supostamente com elevado nível de exigência na seleção de seus colaboradores. Confirma-se nesse estudo a aparente reversão da tendência de rejuvenescimento do nível executivo, que tem como grupo mais representativo pessoas com idade entre 46 e 55 anos (39,8%), portanto, com uma significativa bagagem profissional. Chama a atenção os jovens de 16 a 24 anos ocuparem apenas 2,4% da supervisão, que é o primeiro nível de comando logo acima do funcional. O desnível, tão acentuado, sugere haver grande rotatividade, com poucas chances de ascensão e limitada confiança na possibilidade de jovens poderem ocupar cargos de maior responsabilidade. Também chama atenção a pequena participação, de 2,5%, das pessoas da faixa etária de 56 anos ou mais no conjunto de funcionários das empresas. Os dados sugerem haver poucas oportunidades de trabalho para essas pessoas nas maiores empresas do país.
287 Gestão da Diversidade
supervisão e executivo. É só na gerência que se constata uma
Além disso, os dados mostram que praticamente todos os integrantes do nível executivo das empresas da amostra têm formação superior. Eles compõem um contingente de 96,9%, que diminui progressivamente nos quadros de comando menos elevados. A população brasileira tem 14,5% de pessoas com defiGestão Estratégica de Pessoas
288
ciência. A inclusão das pessoas portadoras de necessidades especiais no mercado de trabalho é apoiada por legislação. A pesquisa revelou que essas pessoas – com deficiências física, auditiva, visual e múltiplas – representam de 1,3% (executivo) a 0,4% (gerência). É importante considerar que, além desses índices serem baixos em relação à população dessa categoria no Brasil, a contratação dessas pessoas geralmente acontece devido à exigência legal. Em 2000, o mesmo Instituto Ethos divulgou um relatório sobre “Como as empresas podem (e devem) valorizar a diversidade”. Empresas brasileiras que possuem iniciativas promotoras de diversidade participaram de debates a respeito do tema. O resultado dos encontros apontou algumas vantagens associadas à diversidade. Veja, a seguir, no quadro. Vantagens associadas à valorização da diversidade Vantagens
Descrição
Fator crítico de sucesso
Incrementar a competitividade ao possibilitar que as empresas usufruam do potencial de diferenças positivas dos colaboradores.
Adaptação ao perfil do cliente
Ter melhores condições de colocar os produtos e os serviços no mercado, atendendo a consumidores cada vez mais diferenciados e exigentes.
Desempenho financeiro fortalecido
Influenciar positivamente o bom desempenho financeiro das empresas; fato diferencial para muitas delas na atração de novos investidores.
Rotatividade fortalecida
Reduzir a troca de mão de obra
Descrição
Produtividade melhorada
Obter um clima positivo que, pelo combate à intolerância, estimula a cooperação e a sinergia entre os profissionais da organização em torno de seus objetivos comuns.
Aumento da satisfação no trabalho
Ter colaboradores mais satisfeitos com suas atividades profissionais e mais leias.
Imagem corporativa valorizada
Agregar qualidades posistivas à imagem da corporação no mercado.
Maior flexibilidade
Favorece a adaptação às tendências crescentes de aquisições, fusões e terceirização de operações.
Reconhecimento adequado
Torna a empresa mais capacitada para avaliar e promover os colaboradores tendo por base sua efetiva competência.
Fonte: Instituto Ethos, 2000 (apud HANASHIRO, 2008, p. 53).
O mesmo relatório sugere algumas práticas que as empresas deveriam implementar para o desenvolvimento da diversidade e obter melhor resultado dessas ações, já que diversidade não é uma mera questão de inclusão. Trata-se, principalmente, de proporcionar igualdade de oportunidades de desenvolvimento entre os diferentes grupos chamados minoria. Essas recomendações, apresentadas no quadro a seguir, estão divididas em duas categorias, uma referente às mudanças nas políticas de gestão de pessoas e outra referentes às mudanças mais amplas na cultura organizacional.
289 Gestão da Diversidade
Vantagens
Ações para o desenvolvimento da diversidade Mudança nas políticas de Gestão de Pessoas
Mudança na Cultura Organizacional
Realizar um acompanhamento da Reforçar as relações comunitárias demografia organizacional. da empresa.
Gestão Estratégica de Pessoas
290
Adotar a diversidade como um parâmetro orientador de todas as políticas de GP.
Buscar promover a cultura da diversidade entre as empresas do setor de atuação.
Tornar o desempenho da Comprometer-se a contratar e diversidade parte da avaliação promover pessoas com experiperiódica de todos os gestores e ências e perspectivas diferentes. colocaboradores. Disseminar a política de diverPromover ações de treinamento sidade entre os stakeholders para e comunicação regulares. todos os funcionários. Dimensionar a necessidade de apoio externo e contratar especialistas para implementar políticas de diversidade.
Assegurar que os princípios de diversidade orientam as campanhas de publicidade e marketing.
Fonte: ETHOS (2000, apud HANASHIRO, 2008, p. 53).
8.4 Ação Afirmativa no Brasil A ideia de ação afirmativa baseia-se na compreensão de que os fenômenos sociais não são naturais, mas resultam das diversas interações sociais. Deste modo, haveria necessidade de intervenção política na reversão do quadro de desigualdade que se observa em uma determinada sociedade. Nesse sentido, entende-se ação afirmativa como um conjunto de políticas específicas para membros de grupos sociais atingidos por formas de exclusão social que lhes negam um tratamento igualitário no acesso às diversas oportunidades. Seu objetivo é superar os efeitos de um passado de discriminação, garantindo que pessoas
ou grupos discriminados possam competir, igualitariamente, com membros dos grupos favorecidos ou, de maneira mais controversa, atingir igualdade completa. (HODGES-AEBERHARD, 1999 apud ALVES E GALEÃO-SILVA, 2004, p. 22). Conforme Mascarenhas (2008, p. 269), nossas relações sociais foram construídas historicamente em meio à miscina, na qual quem não é branco é negro”. No caso brasileiro, segundo o autor, a sociedade não se caracteriza pelo dualismo de raças de caráter exclusivo, fator que dificulta a identificação de grupos sociais excluídos. Segundo Da Matta (1998, apud MASCARENHAS, 2008) a herança portuguesa nos deixou uma cultura hierarquizada, uma organização social e política bem definida e desprovida de valores de igualdade social e inclusão. O negro se viu sem condições de integrar-se à sociedade de classes, depois da abolição da escravatura, porque não tinha recursos econômicos e técnicos para responder às suas necessidades, mediante sua nova situação. “Ao longo da nossa história pós-escravatura, reproduziram-se os velhos padrões de diferenciação social da escravatura”. No Brasil cria-se um mito da democracia racial que sugere igualdade, fazendo-nos entender como se estivéssemos sob uma ordem democrática, enquanto, na realidade, a essência do antigo regime é preservada. “No Brasil, o racismo não é admitido, é camuflado, mas seus efeitos se refletem em uma estrutura social extremamente desigual” (MASCARENHAS, 2008, p. 270). Mesma posição sustenta Fleury (2000) que argumenta que, ao longo da História, determinados padrões culturais foram se desenvolvendo no país, como resultado da formação culturalmente diversificada e miscigenada. Foi se constituindo uma sociedade na qual o trabalho manual sempre foi
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genação das raças, em contraste à “sociedade norte america-
desvalorizado e relegado aos escravos e à população de baixa renda, em contraposição a ascensão de uma classe média mais heterogênea, fruto da industrialização e urbanização. De acordo com a autora, neste contexto de uma sociedade contraditória, os brasileiros, por um lado, valorizam sua origem diversificada – incluindo as raízes africanas presentes Gestão Estratégica de Pessoas
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na música e na alimentação – e se imaginam como uma sociedade sem preconceitos de raça ou cor. Mas, por outro lado, é uma sociedade estratificada, em que o acesso às oportunidades educacionais e às posições de prestígio no mercado de trabalho é definido pelas origens econômica e racial. No Brasil, foi apenas nos anos 90 que os governantes se engajaram em discutir políticas para a diminuição da exclusão de grupos desprivilegiados, dada a luta, em prol destes direitos, por parte de movimentos sociais. As formas mais efetivas de pressão emergiram em fóruns internacionais a partir das denúncias, formuladas por sindicalistas, de descumprimento, por parte do governo brasileiro, dos compromissos que assumiu ao ratificar, em 1965, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT – que dispõe sobre a Discriminação no Emprego e na Ocupação (BENTO, 2000 apud ALVES E GALEÃO-SILVA, 2004). Alguns instrumentos legais, criados no Brasil, referentes ao negro, grupo-alvo de ações compulsórias do governo, visam à inclusão, a redução de preconceitos e da discriminação. A maioria dessas medidas está voltada ao acesso no sistema educacional, pois elas atacam o problema do preconceito e da discriminação em sua raiz, a fim de promover uma ruptura do círculo vicioso: falta de escolaridade, menor oportunidade de emprego e baixa renda. O Relatório do Instituto Ethos (2000) indica que existem 26 medidas legislativas federais voltadas ao racismo e à discriminação e outras 400 no âmbito estadual e municipal.
8.5 D iversidade e Diversidade Cultural: alguns conceitos cidade quanto ao conceito, tratando quase indistintamente a diversidade cultural de diversidade. Na área de gestão de pessoas, por exemplo, o termo não adquiriu significado consistente, pois as discussões sobre o tema diversidade no ambiente de trabalho ainda não constam na pauta estratégica de boa parte das empresas (HANASHIRO, 2008). Para Hanashiro (2008) a diversidade diz respeito às características humanas que tornam as pessoas diferentes uma das outras. As fontes dessas diferenças individuais são complexas, mas podem geralmente ser agrupadas em duas categorias: • A primária diz respeito às características sobre as quais uma pessoa tem pequeno ou nenhum controle, ou seja, são biologicamente determinadas, como, por exemplo: raça, gênero, idade e alguns atributos físicos, como família e sociedade na qual as pessoas nasceram. • A secundária inclui características que as pessoas podem adotar, abandonar ou modificar durante sua vida por meio de escolhas conscientes e esforços deliberados. São elas: experiência de trabalho, renda, estado civil, experiência militar, crenças políticas, localização geográfica e educação. De acordo com a autora, as categorias de diversidade, na realidade, dizem respeito às fontes de diversidade, mas não à
293 Gestão da Diversidade
Os “estudos em diversidade” carecem de especifi-
diversidade em si. É importante não confundir os dois conceitos, pois ao confundir a fonte da diversidade com o seu conceito pode-se incorrer em erro de julgamento sobre uma pessoa, por exemplo, que seria definida com base em uma característica genérica do seu grupo, dando margem, à criação de ideias estereotipadas em relação a grupos minoritários. Gestão Estratégica de Pessoas
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Vamos pensar em um exemplo: um estudo demonstrou que, na média, pessoas com deficiência são mais motivadas no trabalho do que as pessoas que não tem deficiência. Não podemos afirmar que todas as pessoas com deficiência sejam motivadas, pois se considerarmos as diferentes necessidades e expectativas dentre as pessoas com deficiência, haverá uma grande diferença entre elas, tendo pessoas com deficiência que variam de baixa até alta motivação, o mesmo ocorrendo com as pessoas que não têm deficiência. Nesse exemplo, a fonte de diversidade é a deficiência e a diversidade se refere às diferenças que tornam as pessoas diferentes, dentro da mesma categoria de diversidade. Para Cox Jr. (1994, apud HANASHIRO, 2008, p. 59) a diversidade cultural refere-se à “representação em um sistema social de pessoas com afiliações grupais de significância cultural distinta”. Em geral, os tópicos principais dos estudos estão relacionados à etnia, gênero e nacionalidade. O conceito de diversidade abrange o de diversidade cultural, portanto é mais amplo e diz respeito às dimensões de heterogeneidade humana. Tem-se verificado que essa diferença é pouco acentuada na fala de gestores de empresas e mesmo na literatura, tratando ambos, genericamente, de diversidade (HANASHIRO, 2008). Na organização, a diversidade é geralmente vista como composta de variações em gênero, etnia, nacionalidade, orientação sexual, habilidades físicas, classe social, idade e outras categorias socialmente significativas. Outra forma
de pensar a diversidade é agrupando-a em três categorias, conforme sugeridas por Jackson e Ruderman (1999, apud HANASHIRO, 2008, p. 59): • Diversidade demográfica: baseada em gênero, • Diversidade psicológica: com base em valores,
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crenças e conhecimento.
Gestão da Diversidade
etnia e idade.
• Diversidade organizacional: fundamentada em tempo de casa, ocupação, nível hierárquico. McGraph, Berdahl e Arrow (2002, apud HANASHIRO, 2008, p. 60), ao estudarem o efeito da diversidade nos grupos de trabalho, adotam um objetivo mais amplo do conceito. Entendem que a “diversidade (e seu oposto, heterogeneidade) refere-se às diferenças (ou similaridades) entre os membros de alguma particular coletividade”. Os autores definiram cinco grupos de atributos para a diversidade: 1. Atributos demográficos (DEM):
idade,
etnia,
gênero, orientação sexual, algumas características físicas, religião e educação. 2. Conhecimentos, habilidades e capacidades relativos à tarefa (CHC). 3. Valores, crenças e atitudes (VCA). 4. Personalidade e estilos cognitivos e comportamentais (PCC). 5. Status no grupo de trabalho da organização (ORG): nível hierárquico, especialidade ocupacional, departamento funcional e tempo de casa.
Também se pode identificar a diversidade no contexto do grupo de trabalho, por meio de outras categorias como: diversidade informacional, diversidade relativa à categoria social e diversidade de valor. A diversidade informacional corresponde às diferenças em bases de conhecimento e perspectivas que os membros traGestão Estratégica de Pessoas
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zem para o grupo. A diversidade de categoria social refere-se às diferenças explícitas entre os membros de grupos em filiação de categoria social como gênero e etnia. A diversidade de valor ocorre quando os membros de um grupo diferem em termos do que eles pensam sobre a verdadeira tarefa, meta ou missão do grupo. Para Fleury (2000, p. 20) a diversidade pode ser definida como: Um mix de pessoas com identidades diferentes interagindo no mesmo sistema social. Nesses sistemas, coexistem grupos de maioria e de minoria. Os grupos de maioria são os grupos cujos membros historicamente obtiveram vantagens em termos de recursos econômicos e de poder em relação aos outros.
Depreende-se desta definição, conforme a autora, que a diversidade cultural pode ser estudada sob diferentes perspectivas – da sociedade, da organização, do individuo e do grupo, sendo necessário analisar os padrões culturais, manifestos através de valores e relações de poder. Segundo Thomas (1996 apud FLEURY, 2000), a gestão da diversidade cultural não é um pacote com soluções prontas nem um programa para resolver a questão da discriminação e do preconceito. Antes, implica adotar um enfoque holístico para criar um ambiente organizacional que possibilite a todos o pleno desenvolvimento de seu potencial na realização dos objetivos da empresa.
A partir desses conceitos pode-se compreender a diversidade como um fenômeno socialmente construído, “um misto de pessoas com identidades de grupo diferentes dentro de mesmo sistema social” (NKOMO, 2002 apud HANASHIRO, 2008, p. 61). Para Hanashiro (2008) um conceito de diversidade, que ser o de Thomas Jr. (2000 apud HANASHIRO, 2008, p. 62), que a define como “qualquer mistura coletiva (pessoas, sistemas, funções, tipos de atividades e assim por diante) caracterizada por semelhanças e diferenças”. Esse mesmo autor alerta que à medida que as empresas reagem a um ambiente de implacáveis mudanças, os gestores têm que dedicar sua atenção a duas misturas de diversidade bastante intrincadas: • Misturas de diversidade associadas com a turbulência ambiental. • Misturas associadas com a mudança e a transformação organizacional. Gerenciar essa diversidade exige dos gestores uma compreensão ampla da diversidade, além daquelas oferecidas pelas discriminações positivas e pela iniciativa de “compreender as diferenças”, consideradas iniciativas tradicionais da diversidade da força de trabalho. No entanto, tratar dessa grande mistura requer uma gestão integrada das ações de diversidade que focalizarão as mais diversas fontes de diversidade que possa ser observada na organização (HANASHIRO, 2008). Para Cox (1994 apud FLEURY, 2000) as diferenças de identidade individuais – físicas e culturais – interagem com
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pode englobar várias das questões feitas anteriormente, pode
um conjunto de fatores individuais, grupais e organizacionais (o clima da diversidade) para determinar o impacto da diversidade nos resultados individuais e organizacionais. Os resultados individuais são divididos em variáveis de respostas afetivas (satisfação, identificação organizacional e envolvimento no trabalho) e em variáveis de desempenho (perforGestão Estratégica de Pessoas
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mance, mobilidade no cargo e compensação). Os resultados organizacionais podem impactar o nível de atendimento, de turnover, de qualidade do trabalho e de lucratividade. Para Fleury (2000), na base dessa proposta está a noção de que a diversidade presente nas organizações causa impacto – tanto em termos da eficácia organizacional como individual – e de que o contexto organizacional é relevante para determinar se esse impacto é positivo ou negativo. Outra característica da proposta, segundo a autora é o fato de que ela está estruturada sobre dimensões psicológicas e sociais, que têm clara aplicabilidade nas várias dimensões da identidade de grupo (por exemplo, não só sexo e raça, mas nacionalidade, descrição do cargo, religião, classe e assim por diante) e são aplicáveis à experiência de membros de ambos os grupos: maioria e minoria nas organizações. Para a autora, o não gerenciamento da diversidade pode levar a conflito intergrupal entre membros da maioria e da minoria, reduzindo os resultados efetivos de pessoas de ambos os grupos.
8.6 A bordagens Tradicionais de Tratamento à Diversidade crescente atenção dada à diversidade por parte das empresas norte-americanas, há uma sequência de iniciativas, marcadas por caráter histórico, que podem ser caracterizadas por negação, ação afirmativa/assimilação e compreensão das diferenças. Essas iniciativas são conhecidas como abordagens tradicionais. Veja a seguir. • Negação: os gerentes diziam aos empregados que eles eram diferentes e que as diferenças não afetariam o modo como a organização os tratava. A motivação para a prática da negação tem sido legal (exigida por lei), moral (as regras da moral pessoal ou organizacional assim o exigem) ou de responsabilidade social (a boa cidadania empresarial assim o determina). O maior benefício é que grupos de minoria conseguem ingressar nas organizações. Por outro lado, esse tipo de iniciativa apresenta uma limitação. Ela exige que as pessoas diferentes aceitem ver negadas suas diferenças. Subjacente a esse pensamento situam-se algumas crenças como: ser diferente é ter algum defeito ou desvantagem. • Ação afirmativa (AA): nos últimos 20 anos a ação afirmativa e a assimilação foram o foco das atenções das empresas nos Estados Unidos com relação à diversidade. Os gerentes conseguiram criar uma força de trabalho diversificada em termos de raça e gênero.
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Thomaz Jr (1999 apud HANASHIRO, 2008) coloca que na
Eles procuraram uma mistura racial em que os novos empregados pudessem abandonar suas diferenças e serem moldados de acordo com as normas de comportamento organizacional existentes. A assimilação por meio da mistura racial era para asse-
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gurar a minimização das diferenças e a conformidade de comportamentos. O resultado foi a “diversidade assimilada”, que é de fato uma aparência superficial de diversidade. Os esforços de mistura racial se destinavam, portanto, a minimizar, se não eliminar, as diferenças e a promover um comportamento típico aceitável do grupo majoritário (HANASHIRO, 2008). • Compreensão das diferenças (CD): o objetivo dessa abordagem é promover a consciência, a aceitação e a compreensão de diferenças entre indivíduos, com a expectativa de que os resultados promovam melhores relações pessoais, maior consideração e respeito pelos outros, maior aceitação das diferenças e minimização de manifestações ostensivas de racismo, sexismo e outros preconceitos. Uma limitação crítica dessa abordagem é que deixa intocados os sistemas e a cultura da organização. A discussão das três abordagens tradicionais mostra algumas limitações para a criação de um ambiente favorável à atuação de grupos diversos. Assim, faz-se necessário um olhar mais atento para o conceito de gestão da diversidade.
8.7 G estão da Diversidade Cultural (GD) socialmente responsáveis, legalmente apoiadas e a coisa certa a ser feita. Mais que isso, a diversidade está se tornando uma ferramenta-chave para admissão e retenção de talentos, principalmente para aquelas empresas que precisam de colaboradores de diferentes experiências e formações para obter o máximo de produtividade. Essa dimensão está fazendo com que a diversidade seja uma questão que requer planejamento, direção, tempo e recursos por parte da liderança. As mudanças culturais que acompanham um programa de diversidade estão se tornando quase um requisito no atual mercado de trabalho (HANASHIRO, 2008). As pesquisas referentes à relação entre diversidade e desempenho organizacional ainda apresentam dados inconsistentes. Algumas concluem que a diversidade tem impactos positivos nos resultados organizacionais, enquanto outras indicam que grupos homogêneos teriam melhor desempenho. Richard et al (2004, apud MASCARENHAS, 2008) argumentam que nessa discussão, alguns aspectos devem ser incluídos, como, por exemplo, mediadores e contingências que afetam essa relação diversidade-desempenho. Dentre esses mediadores, os autores destacam o perfil da empresa, sua propensão à inovação e ao empreendedorismo. Por sua vez, dentre os aspectos contingenciais, indicam o nível de diversidade cultural nos grupos.
301 Gestão da Diversidade
Iniciativas voltadas à diversidade são consideradas
De acordo com Cox e Blake (1991, apud HANASHIRO, 2008), a diversidade, quando bem administrada, cria uma vantagem competitiva em seis áreas: custos, aquisição de recursos, marketing, criatividade, solução de problemas e flexibilidade organizacional, pois agrega valor diferenciado à empresa. Segundo Cox (1994 apud FLEURY, 2000, p. 20), “a admiGestão Estratégica de Pessoas
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nistração da diversidade cultural significa planejar e executar sistemas e práticas organizacionais de gestão de pessoas de modo a maximizar as vantagens potenciais da diversidade e minimizar as suas desvantagens”. Para Fleury (2000) é necessário acrescentar ainda mais uma dimensão: administrar a diversidade significa adicionar valor à organização. A diversidade, quando bem administrada, cria uma vantagem competitiva em seis aspectos: • Atrai e retêm os melhores talentos no mercado de trabalho. • Desenvolve os esforços de marketing, visando a atender segmentos de mercado diversificados. • Promove a criatividade e a inovação. • Facilita a resolução de problemas. • Desenvolve a flexibilidade organizacional. No entanto, também pode gerar problemas, tais como, conflitos interpessoais, rotatividade de mão de obra, comunicação menos fluida, dentre outros. Richard et al (2004, apud MASCARENHAS, 2008), colocam que em grupos nos quais as pessoas compartilham muitas dimensões da identidade social – por exemplo, atributos como etnia, gênero, idade, região demográfica etc. – há uma tendência de menor conflito emocional, maior proximidade e cooperação. Ao contrário, à medida que o nível de diversidade
no grupo aumenta, surgem percepções estereotipadas e preconceitos que passam a caracterizar as relações sociais, fragmentando a solidariedade a grupos (MASCARENHAS, 2008). É importante reconhecer que conflitos são características do processo de aprendizagem nas equipes, trazendo também, por vezes, oportunidades. A aprendizagem organizaentendimentos. Por si só, consenso implica na aceitação e discussão de entendimentos, o que pressupõe reconhecimento da diversidade. A visão da gestão da diversidade apresenta basicamente duas correntes. A primeira delas defende que uma força de trabalho diversificada leva a uma vantagem competitiva para as organizações. No outro lado, estão os autores que acentuam que a similaridade ajuda a desenvolver coesão, que, por sua vez, está relacionada ao sucesso do grupo. Parece haver uma compreensão geral de que uma diversidade bem administrada pode ser um ativo para o desempenho, acontecendo o contrário, se malconduzida. O objetivo principal da gestão da diversidade cultural é administrar as relações de trabalho, as práticas de emprego e a composição interna da força de trabalho a fim de atrair e reter os melhores talentos dentre os chamados grupos de minoria. Isso pode ser feito por políticas de recrutamento que incorporem os critérios relacionados à diversidade cultural do mercado de trabalho. Segundo Cox (1994, apud HANASHIRO, 2008), gerenciar a diversidade cultural significa planejar e executar sistemas e práticas organizacionais de gestão. Para Hanashiro (2008, p. 66), ao se comparar as abordagens tradicionais Ação Afirmativa (AA) e/ou Compreensão das diferenças (CD) com a gestão da diversidade (GD), pode-se observar que:
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cional requer a construção de consensos em torno de novos
• a AA pressupõe a adaptação da pessoa que é diferente. Por sua vez, a GD pressupõe que o gestor e a organização, bem como o indivíduo, estão dispostos a engajar-se em um processo de adaptação mútua, com vistas à criação de uma relação produtiva entre o indi• GD trata da questão da utilização. A ênfase na uti-
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víduo e a organização; 304
lização sugere que não é suficiente atender às necessidades dos empregados, pois as necessidades das pessoas podem ser atendidas e ainda assim elas serem subutilizadas; • AA, devido à sua fundamentação no motivo legal, exige que os resultados desejados sejam atingidos com a maior rapidez possível. GD destaca que os resultados desejados devem ser alcançados de forma mais natural possível, no seu tempo. • AA procura fazer algo por aqueles que “estão em desvantagem”, GD busca fazer algo pelo gerente que precisa melhorar sua habilidade em capacitar uma força de trabalho cada vez mais diversa. A GD não trata de fazer alguma coisa por minorias, eliminando a discriminação, fazendo justiça; a GD se preocupa com a melhoria da capacidade gerencial dos gestores que lidam com grupos diversos; • CD tem por foco a promoção da aceitação e a compreensão das diferenças ao passo que a GD está focada na melhoria da capacidade gerencial; • GD destaca o motivo de negócios (viabilidade) acima dos motivos: legal, moral e social. Dada a magnitude das mudanças nas formas de fazer negócios associados à GD, as motivações tradicionais não são suficientes.
Hanashiro (2008) faz um alerta com relação à GD, que não deve ser confundida como um conjunto de programas ou práticas vinculados a ações de diversidade. É muito mais que isso. Para ser efetiva nas organizações, precisa ser um princípio da gestão de pessoas. Gerenciar a diversidade significa aproveitar o melhor de cada pessoa, valorizando-a. que não somente valoriza as diferenças, como também reconhece que a organização pode ser melhorada por estimular uma cultura que reconhece as diferenças como um ativo. Passa a ser uma atividade planejada, atrelada às políticas de gestão de pessoas e ao plano estratégico das organizações. Alguns modelos foram propostos ao longo dos anos 1990, com o intuito de suprir as limitações inerentes às ações afirmativas e promover um ambiente mais favorável à convivência entre grupos diversos.
8.8 Modelos para a Gestão da Diversidade A gestão da diversidade cultural implica um processo que alinhe as políticas e as práticas de gestão de pessoas, o direcionamento estratégico da empresa e a concepção de diversidade cultural em uso. Com essa finalidade, torna-se crucial uma definição do que a empresa entende efetivamente por diversidade cultural (além do discurso) para incorporar esse conceito nos diferentes processos, políticas e práticas organizacionais, além de uma cultura organizacional que sustente os valores de diversidade.
305 Gestão da Diversidade
A GD tem como resultado a criação de uma cultura
A junção entre justiça social e o retorno em termos de vantagem competitiva lançou o debate sobre uma tipologia organizacional capaz de realizar essa fusão. Cox (1991 apud HANASHIRO, 2008) elaborou um modelo para caracterizar as organizações em termos de estágios de desenvolvimento em diversidade cultural. Esse modeGestão Estratégica de Pessoas
306
lo constitui-se de diferentes dimensões de assimilação: • Aculturação: modo pelo qual grupos se adaptam e resolvem diferenças culturais; • Integração estrutural: perfil cultural dos membros da organização; • Integração informal: inclusão dos membros da cultura das minorias em redes informais; • Viés cultural: preconceito e discriminação; • Identificação organizacional: sentimento de pertencer, lealdade e comprometimento à organização; • Conflito intergrupal: atritos, tensões e lutas de poder entre grupos culturais. A forma como as organizações lidam com esses seis fatores permite classificá-las em três tipos: • Monolíticas – organizações altamente homogêneas, poucas ações são efetivadas para integrar grupos de minorias no grupo majoritário. • Pluralistas – mais heterogêneas que as monolíticas e adotam mais ações para integrar pessoas de diferentes grupos culturais, que diferem do grupo dominante; • Multiculturais – organizações que não apenas possuem diversidade, mas as valorizam; apresentam total
integração estrutural, ampla integração de redes informais, mínimo de preconceitos e discriminações. Para Mascarenhas (2008) a organização pluralista assume a importância do capital humano diversificado cujo sociais. Esse modelo é caracterizado por enfatizar: as diferen-
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ças no ambiente de trabalho e o desenvolvimento de compe-
Gestão da Diversidade
gerenciamento eficaz permite associar objetivos econômicos e
tências das pessoas; a justiça social e a capacidade gerencial de satisfazer necessidades e objetivos dos diversos segmentos de trabalhadores. Desse modo, promover a diversidade implica equiparar as oportunidades na organização, permitindo que pessoas expressem plenamente seus interesses e suas diferenças no ambiente de trabalho. De acordo com o autor, a organização pluralista seria uma tendência em contextos multiculturais, organizações diversificadas e expostas a desafios e oportunidades. A diversidade vem sendo associada à criatividade, flexibilidade, inovação, adaptabilidade e, simultaneamente, a conflitos e à maior complexidade gerencial. Atualmente, incorpora, mas transcende a noção de inclusão de grupos marginalizados à força de trabalho. Pereira e Hanashiro (2007 apud MASCARENHAS, 2008) destacam três abordagens distintas à definição de diversidade: • Abordagem centrada nas diferenças entre identidades sociais, ou seja, nas diferenças que caracterizam e definem grupos de indivíduos. • Abordagem centrada nas diferenças entre identidades individuais. • Abordagem que reconhece a diversidade. Nesta tendência a diversidade é tida como fenômeno que contempla as diferenças e semelhanças entre grupos
e indivíduos, o que abrange algumas dimensões, tais como: idade, etnia, gênero, qualidades físicas, orientação sexual, origem e localização geográfica, dentre outros aspectos. Dentre as vantagens econômicas com a diversidade, a
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dinâmica de aprendizagem na organização pluralista pode se beneficiar da variedade de perspectivas trazidas pelos indivíduos. Para realizá-las, no entanto, é necessário promover e gerir a diversidade nas equipes de trabalho. A composição de uma equipe de trabalho tende à homogeneidade ou à diversidade, sendo possível pensá-la em cinco dimensões: • Atributos demográficos, tais como idade, etnia, gênero, orientação sexual, religião, educação, etc. • Conhecimentos, habilidades e capacidades relativas à tarefa. • Valores, crenças e atitudes. • Personalidade,
est ilos
cog n it ivos
e
comportamentais. • Status na organização, como nível hierárquico, especialização ocupacional, etc. Estas dimensões conceituais podem ser associadas à variedade de conhecimentos e a atitudes que, se bem gerenciadas, potencializam a aprendizagem. A aprendizagem individual se dá por meio de modelos mentais, construídos ao longo da vida. Não podemos esquecer que os indivíduos estão inseridos em grupos sociais, submetidos a conteúdos culturais diversos. Isso faz, por exemplo, com que diferentes pessoas atribuam significados e reajam aos estímulos do ambiente de maneira diferente.
A diversidade nas equipes de trabalho, para Mascarenhas (2008), baseia-se no reconhecimento da variedade de estruturas cognitivas e na possibilidade de reconstruir mapas mentais compartilhados, que refletem certa tendência de entendimentos. As equipes aprendem por meio de processos interativos nos quais conhecimentos são comparção da experiência coletiva. Atuando com base em estruturas cognitivas diferentes, os processos mentais das pessoas em situação de interação interpretam e analisam situações, integrando percepções e conclusões e, deste modo, propõem procedimentos, visões, decisões alternativas. A diversidade de identidades e estruturas cognitivas pode potencializar também divergências, conflitos e choque cultural. As pessoas constroem relações sociais com base em semelhanças. Ao reconhecer alguém como semelhante, emoções positivas são experimentadas, aumentando a probabilidade de interação e intimidade. O inverso também é verdadeiro, ou seja, ao não nos identificarmos, empregamos estereótipos e evitamos uns aos outros (PEREIRA e HANASHIRO, 2007 apud MASCARENHAS, 2008). Gerir a diversidade significa planejar políticas e sistemas de gestão de pessoas com essa finalidade, promovendo também mudanças culturais abrangentes (COX, 1994 apud MASCARENHAS, 2008). A gestão da diversidade implica a construção de um ambiente de justiça social onde todos tenham suas necessidades e identidades respeitadas, possam desenvolver plenamente o seu potencial realizando objetivos coletivos e, onde grupos e indivíduos sejam integrados entre si. Hanashiro (2008) menciona um paradoxo que se estabelece com a gestão da diversidade nas organizações: ao padronizar resultados e habilidades, as políticas de gestão de pessoas tendem a integrar todas as pessoas, independente-
309 Gestão da Diversidade
tilhados, assim como novos são criados por meio da integra-
mente de suas diferenças inerentes; perde-se, com isso, a possibilidade de liberar o potencial de pessoas tidas como “diferentes” ou não pertencentes ao grupo majoritário. Programas de treinamento, políticas de remuneração e demais processos de gestão de pessoas, deveriam ser pensadas de forma a considerar as diferenças. “Não se trata de simGestão Estratégica de Pessoas
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plesmente contratar ‘um diverso’. Mas, sim, fazer com que ele tenha igual oportunidade de desenvolvimento na empresa”.
Saiba Mais Para saber mais sobre stock options, acesse o link: http://www.ppge.ufrgs.br/giacomo/arquivos/ecop137/ morais-2007.pdf Sobre o mesmo tema, leia a reportagem “Seja sócio do seu patrão”, no link: http://veja.abril.com.br/270900/p_140. html Para conhecer mais sobre BSC, assista a entrevista de Kaplan, um de seus criadores. http://www.youtube.com/ watch?v=5ysYExAArEE
REFERÊNCIAS ALVES, M. A.; GALEÃO-SILVA, L. G. A crítica da gestão da diversidade nas organizações. In: RAE - Revista de Administração de Empresas, v44, n3, Jul./Set., 2004. Disponível em: http://rae.fgv.br/rae/vol44-num3-2004/critica-gestao-diversidade-nas-organizacoes. Acesso em: dez. 2010. FLEURY, M. T. L. Gerenciando a diversidade cultural: experiências de empresas brasileiras. In: RAE - Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v40, n3, Jul./Set., 2000.
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