Metodologia e prĂĄtica de CiĂŞncias Naturais no Ensino Fundamental
Metodologia e prĂĄtica de CiĂŞncias Naturais no Ensino Fundamental
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Pinho, Maria José Souza Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental/ Maria José Souza Pinho. – Salvador: UNIFACS, 2014. 209 p.; 18,3 x 23,5cm. ISBN 978-85-8344-044-4 1. Ciências (Ensino fundamental) - Estudo e ensino - Metodologia. 2. Professores - Formação -Estudo e ensino (Ensino fundamental). I. Título. CDD: 507
Na sociedade contemporânea, as rápidas transformações no mundo do trabalho e o avanço da tecnologia configuram a sociedade virtual e os meios de comunicação, aumentando os desafios para tornar a escola uma conquista democrática efetiva. Transformar práticas e culturas tradicionais e burocráticas das escolas não é tarefa fácil nem para poucos. O desafio é educar as crianças proporcionando o desenvolvimento humano, cultural, científico e tecnológico, de modo que adquiram condições para enfrentar as exigências do mundo contemporâneo. O nosso objetivo em relação a esta disciplina é mostrar que as Ciências Naturais se apresentam como um conteúdo cultural relevante para viver, compreender e atuar no mundo moderno, privilegiando conteúdos, métodos e atividades que favoreçam o trabalho coletivo dos alunos com o conhecimento no espaço escolar e na sociedade. Trata-se de conhecimentos de sentido prático e teórico, num esforço de não dicotomização dessas duas dimensões tanto no que diz respeito às atividades dos professores como à organização, ao planejamento e à avaliação observados na sala de aula. Nossa proposta também é incentivar os professores e as professoras, conscientes das necessidades de transformações, sobretudo, mediante sua exemplar atuação docente cotidiana, a usar e disseminar novos conhecimentos e práticas, que potencialmente poderão maximizar a apropriação de conhecimentos científicos pela maioria dos alunos e das alunas. Vamos lá!
S umário ( 1 ) Ciências:
Filosofia, 15
ensino e sua relação com a
1.1 O ensino de Ciências: breve histórico, 18 1.2 O ensino de Ciências: fases e tendências no Brasil, 19 1.3 Filosofia e Ciências, 27 1.4 O que são fatos?, 31 1.4.1 O que vem a ser um fato?, 31
1.5 E o que são modelos?, 32 1.6 Pensando nas teorias, 34
( 2 ) Conhecimento
científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências, 41 2.1 Conhecimento científico, 44 2.2 Conhecimento cotidiano e científico, 47 2.2.1 Contradições, 48 2.2.2 Terminologias, 48 2.2.3 Independência de contexto, 49 2.2.4 Interdependência conceitual, 49 2.2.5 Socialização, 50
2.3 Importância do ensino de Ciências para crianças, 52 2.4 O que diz o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil?, 56 2.5 Como as escolas de Educação Infantil vêm trabalhando Ciências ao longo dos anos?, 57 2.6 Importância do ensino de Ciências para o Ensino Fundamental: 1º e 2º ciclos, 60 2.7 O que dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais?, 63 ( 3 ) Novas tendências do ensino de Ciên-
cias, 71
3.1 Algumas tendências, 73 3.2 Noção de concepções espontâneas, 76 3.3 A interdisciplinaridade, 80 3.4 Ciências Naturais e Ciências Sociais: conhecimentos interdisciplinares, 84 3.5 Contextualização, 88
( 4 ) Planejamento
em Ciências: objetos de estudo, métodos e estratégias, 95 4.1 Ensino-aprendizagem de Ciências: conhecimento e prática, 98 4.1.1 Estudando o solo..., 99 4.1.2 Água, 100 4.1.3 Plantas, 102 4.1.4 Animais, 103 4.1.5 Corpo humano, 104 4.1.6 Meio ambiente, 106 4.1.7 Estudando clima e tempo, 107 4.1.8 Astronomia, 109 4.1.9 Eletricidade, 110
4.2 Propostas pedagógicas, 112 4.3 Estratégias para o ensino de Ciências, 116 4.3.1 Experimentação, 117
4.4 Aprender Ciências de forma prática..., 118 4.4.1 Algumas etapas do momento pedagógico, 119
( 5 ) Planejamento
avaliação, 125
em Ciências: recursos e
5.1 Pensando um pouco sobre os recursos…, 128 5.1.1 Aprofundando a temática..., 132
5.2 Por que avaliar?, 133 5.3 Como avaliar?, 134 5.4 Como é medido o desempenho em Ciências no PISA?, 142
( 6 ) Livro didático, trabalho docente, Peda-
gogia de Projetos e Feiras de Ciências, 149 6.1 Livro didático, 152 6.2 Perspectivas norteadoras do trabalho docente, 156 6.2.1 Entender a prática cotidiana como objeto de pesquisa, 156
6.2.2 Conhecer estudos e pesquisas sobre o ensino de Ciências, 156 6.2.3 Encaminhar atividades sem se apresentar como uma fonte inesgotável de conhecimento, 157 6.2.4 Proporcionar oportunidades de trocas de ideias entre os alunos, 157 6.2.5 Procurar explicações e sua comprovação, 158 6.2.6 Procurar princípios a aplicações em contextos diferentes, 159 6.2.7 Progredir conceitualmente, 159 6.2.8 Utilizar terminologia científica de forma correta, 160 6.2.9 Pesquisar e programar formas inovadoras de avaliação, 160
6.3 Pedagogia de Projetos, 161 6.4 O que é um projeto?, 163 6.5 O que caracteriza um projeto de trabalho?, 164 6.6 Questões norteadoras na elaboração de um projeto, 165
6.7 Feiras de Ciências/Feiras do Conhecimento, 169 6.7.1 Exemplo de uma Feira de Ciências, 171
( 7 ) Ser
professor de Ciências: competências e habilidades, 177 7.1 Conhecer a matéria a ser ensinada, 181 7.2 Conhecer e questionar o pensamento docente espontâneo, 182 7.3 Adquirir conhecimentos teóricos sobre a aprendizagem e aprendizagem de Ciências, 183 7.4 Crítica fundamentada no ensino habitual, 184 7.5 Saber preparar atividades, 185 7.6 Saber dirigir a atividade dos alunos, 186 7.7 Saber avaliar, 187 7.8 Utilizar a pesquisa e a inovação, 189
( 8 ) Gênero
e Ciências: construindo cidadãos e cidadãs, 193 8.1 A questão de gênero no ensino de Ciências, 196 8.2 Breve histórico, 198 8.3 Na prática, 200 8.4 Caminhos..., 203
(1)
C iências: ensino e sua relação com a Filosofia
Olá, turma! Iniciaremos nossas primeiras reflexões realizando uma breve retrospectiva histórica do ensino de Ciências no mundo, de forma geral, e no Brasil, de forma mais particular, a fim de compreendermos a evolução, os objetivos, as características e a importância dessa área de conhecimento na formação humana. Também iremos, nesta unidade, “filosofar” sobre a Ciência, buscando explicar a natureza das afirmações e dos conceitos científicos, como são produzidos, as implicações dos métodos e modelos científicos para a sociedade e a própria Ciência. Vamos lá!
1.1 O ensino de Ciências: breve histórico A educação em Ciências esteve sempre vinculada ao desenvolvimento científico de um país/região ou ao desenvolvimento científico mundial. Assim, as reformulações históricas nas diretrizes do ensino de Ciências acompanham as orientações das construções científicas nesses dois níveis. Países com longa tradição científica, como a Inglaterra, a França, a Alemanha e a Itália, definiram suas prioridades e inclinações: o que e como se deve ensinar Ciências, desde as séries iniciais até o Ensino Superior. A partir do século XVIII, esses países estabeleceram políticas tanto para a educação geral como para o ensino de Ciências especificamente. As academias de Ciências, as universidades e os programas de divulgação científica muito contribuíram para a formação básica de pessoas que nem frequentavam escolas. Como exemplo, podemos citar os trabalhos de Galileu, que foram publicados em língua italiana, contribuindo para a formação do cientista Faraday, ainda adolescente na época, na sua trajetória de investigação.
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A forma como esses países desenvolveram seus conhecimentos em Ciências, de certa forma, influenciou todo o desenvolvimento e modo de produção do mundo ocidental nos últimos séculos, além de influenciar sobremaneira o estudo e a produção da Ciência em quase todo o mundo.
1.2 O ensino de Ciências: fases e tendências no Brasil Estar em sintonia com a produção científica contemporânea, para além daquela abordada tradicionalmente, e com os resultados da pesquisa em ensino de Ciências é algo imprescindível para uma atuação docente consistente. Apresentar a Ciência como um conteúdo cultural relevante para viver, compreender e atuar no mundo moderno favorece o conhecimento científico dos alunos. Faz parte desta abordagem histórica conhecer como se desenvolveu a Ciência nos currículos brasileiros. Estamos propondo a necessidade de Ciências para todos, não só para os cientistas, mas para todos os envolvidos no processo de construção científica, dada sua importância social e histórica. No Brasil, pesquisas na área da educação indicam que cientistas e educadores concordam com o objetivo do ensino de Ciências: pensar lógica e criticamente.
Para refletir
Vamos passear um pouco pela história para entendermos como se desenvolveu o ensino de Ciências.
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Então, por que, em sala de aula, o ensino continua como sempre? Por que na teoria já avançamos muito e na prática isso não ocorre? Que explicações podemos encontrar para as dificuldades no ensino de Ciências?
O ensino de Ciências reflete a situação política e econômica do país. Rever a história nos dá a dimensão de como as transformações no currículo escolar interferiram na formação dos alunos. Na década de 1950, fatores como a industrialização, o desenvolvimento tecnológico e científico provocaram choques no currículo escolar. Um marco desse progresso científico foi o lançamento do Sputnik1, no ano de 1957. O ensino de Ciências era introduzido e desenvolvido sob o parâmetro de outras disciplinas e do conteúdo tradicional: verbalização, aulas teóricas em que o professor explana o conteúdo, reforça as características positivas da Ciência e da tecnologia, ignorando as negativas; conteúdos baseados na Ciência clássica e estável do século XIX, com base em livros estrangeiros e em relatos de experiências neles contidas, com eventuais demonstrações em sala, sempre para confirmar a teoria exposta. Krasilchik (1987) revela que O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) já propunha transformações para essas ideias, substituindo os métodos tradicionais por uma metodologia ativa. Esta proposta de ensino visava, desde a escola primária, capacitar o estudante para prosseguir nos estudos até o Ensino Superior. A escola era de qualidade, mas era para poucos: completamente elitista. As escolas profissionalizantes ofereciam formação profissional para o comércio e a indústria, geralmente para filhos de imigrantes, baseadas na Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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expansão do mercado. Os Cursos Normais eram uma extensão do ginasial público, destinados à formação de futuras professoras, em sua maioria pertencente à elite, que tinham a missão de reproduzir conhecimentos para crianças, sobretudo das classes privilegiadas (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1990).
1. Primeiro satélite artificial da Terra, lançado pela União Soviética.
No final de década de 1950, surgem novas tendências determinadas pela crise do modelo político-econômico fortemente influenciado por agentes externos, especialmente os Estados Unidos. Nesse período aparecem os “projetos de ensino de Ciências”, destinados para o público dos cursos ginasiais (atualmente últimas séries do Ensino Fundamental) e mais fortemente para o curso colegial (atualmente Ensino Médio), centrados nas áreas de Física, Química, Biologia e Geociências. Esses projetos se caracterizavam pela produção de textos, material experimental e treinamento para professores, vinculados a uma valorização do conteúdo a ser ensinado. Os principais projetos americanos foram o de Física (Physical Science Study Committee – PSSC) seguido dos currículos de Química (Chemical Bond Approach – CBA) e de Biologia (Biological Science Curriculum Study – BSCS), conhecidos universalmente pelas suas siglas. Poucos anos depois surgiu outro currículo de Física, o Project Physics, de Havard, com ênfase em História e Filosofia da Ciência. Delizoicov e Angotti (1990) evidenciam a existência de três tendências do ensino de Ciências nessa época: • Tecnicista: caracterizada pelo uso de instrução programada, análise de tarefas, ensino por módulos • Escolanovista: marcada pela preocupação exces-
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siva de ensinar o “método científico” e pelo uso de
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autoinstrutivos, com ênfase na avaliação.
uma abordagem “psicológica” dos conteúdos, resultando no esvaziamento deles. Valorizava demais as experimentações, enfatizando os métodos de redescoberta, sugerindo que os alunos e alunas imitassem o trabalho dos cientistas.
• Ciência integrada: representada pelo esvaziamento completo dos conteúdos devido à suposta integração entre as Ciências Naturais, excluindo as Ciências Sociais. Nessa proposta, o professor e a professora precisavam saber, quase exclusivamente, a usar os materiais instrucionais, não necessitando de um conhecimento seguro e profundo do conteúdo a ser ensinado. Os cursos criados eram as chamadas Licenciaturas Curtas, que hoje já não existem mais, permanecendo as Licenciaturas Plenas, que dão uma formação mais abrangente. Uma das grandes transformações ocorridas na década de 1960 no ensino de Ciências deveu-se às transformações políticas e sociais que se sucederam nessa época, caracterizada pela Guerra Fria. Os grandes projetos passaram a incorporar o objetivo de permitir a vivência do método científico como necessário à formação do futuro cidadão. No Brasil, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) fundaram o Instituto Brasileiro de Educação, Ciências e Cultura (IBECC). Esse órgão desenvolveu, até o final da década de 1960, um total de 15 projetos para o ensino ginasial e colegial, em prol da melhoria do ensino de Ciências. O trabalho desse grupo se concentrou na atualização do con-
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teúdo e preparação de material para uso em laboratórios (KRASILCHIK, 2004). Essa nova proposta no ensino de Ciências vinculava o processo intelectual à investigação científica. Até então o que se enfatizava era a observação, constatação dos fatos e manipulação de equipamentos; a mudança valorizava agora a participação do aluno na elaboração de hipóteses, identificação de problemas e aplicação dos resultados obtidos.
A partir do Golpe Militar, a educação brasileira viveu uma fase com ênfase na busca de eficiência de produtividade, em que o objetivo maior era formar o cidadão trabalhador, pois a expansão industrial demandava mão de obra. Nesse contexto, a Lei n. 5.692/1971 (BRASIL, 1971), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), previa a criação de cursos profissionalizantes com o objetivo de suprir essa demanda. A formação do professor passou a ser uma formação técnica; surgiram as Licenciaturas Curtas, nas quais “uma formação que permitisse um olhar crítico e reflexivo” deu lugar à racionalidade técnica (GOMES et al., 2004, p. 146). Até a década de 1970, o ensino de Ciências acompanhou a tendência mundial da industrialização, na qual as propostas se calcavam na necessidade de acompanhar o desenvolvimento tecnológico da época. Esse investimento vinha sob a orientação do novo modelo: o do “milagre” econômico do Brasil, “a 8ª economia do mundo”... A LDB n. 5.692/1971 configurou a obrigatoriedade das Ciências Naturais nas oito séries do primeiro grau. Ainda reinava no cenário escolar o ensino tradicional, apesar dos esforços de renovação. Cabia aos professores a transmissão dos conhecimentos por meio de aulas expositivas e aos alunos, a situação de expectadores passivos das informações. Tomava-se o conhecimento científico como neutro e não se questionava a verdade científica. Nesta década, com a crise energética e a crescente indusapenas no primeiro mundo, começaram a fazer parte da realidade brasileira. Para o ensino de Ciências, esse fato levou à inclusão no currículo de temas relativos à saúde e ao ambiente. Nos anos de 1980, o processo de democratização brasileira trouxe uma abertura para discussões progressistas em educação, que previam uma maior integração entre Ciência, tecnologia e sociedade. Nessa época aparecem também discussões
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trialização, problemas ambientais, que antes eram presentes
sobre as teorias de Piaget (cognitivismo), Vygotsky (sociointeracionismo), Ausubel (aprendizagem significativa) e outras que consideravam prévios ou intuitivos os saberes que o aluno já possuía para promover uma construção do conhecimento. Toda essa influência culminou com uma revisão nos conteúdos socialmente relevantes a constarem no ensino de Ciências para a construção da noção de cidadania do sujeito aprendiz. Mas a adequação dos conteúdos não representou uma mudança metodológica na prática do professor em sala de aula. Ele continuou a reproduzir um ensino mais voltado ao tecnicismo, ou seja, a atualização dos conteúdos de Ciências não refletiu em atualizações metodológicas na prática do professor nem em sua formação. Com vistas à mudança, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) propõem uma nova forma de se trabalhar o ensino de Ciências nas escolas. Atualmente, os PCN (BRASIL, 1997, p. 21) garantem que: [...] mostrar a Ciência como um conhecimento que colabora para a compreensão do mundo e suas transformações, para reconhecer o homem como parte do universo e como indivíduo, é a meta que se propõe para o ensino da área na escola fundamental.
Com a mesma preocupação, Ostermann, Moreira e
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Silveira (1992) já ressaltavam a importância de os alunos das séries iniciais terem contato com conceitos físicos, pois, embora os alunos já tragam consigo alguma concepção desses conceitos, é nas séries iniciais do Ensino Fundamental que esses alunos terão contato com o ensino formal desses conteúdos. Para esses autores, a formação dos professores que trabalham com esse nível de ensino irá garantir a qualidade da educação. Em seu artigo, eles declaram que “[...] cabe, então, exami-
nar, entre outras coisas, a formação de professores para atuar nas quatro primeiras séries do 1º grau. Tal formação está intimamente associada à qualidade do ensino nessas séries” (OSTERMANN; MOREIRA; SILVEIRA, 1992, p. 106). Os PCN para o ensino de Ciências relacionam três eixos diferentes para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental: Ambiente, Ser Humano e Saúde e Recursos Tecnológicos. O bloco Ambiente pretende que o aluno tenha uma primeira noção de ambiente como o resultado da interação entre seus componentes (seres vivos, ar, água, solo, luz e calor), além da compreensão sobre como o homem se relaciona com ele mesmo e com os recursos naturais e sobre as consequências de seu uso associado a diferentes atividades humanas. O bloco Ser Humano e Saúde aborda estudos sobre: o desenvolvimento do ser humano, as transformações durante o crescimento e desenvolvimento, as condições essenciais para a manutenção da saúde e os aspectos sociais e econômicos envolvidos. O bloco Recursos Tecnológicos permite aos alunos ampliar conhecimentos sobre as técnicas que promovem a relação do ser humano com o meio e a utilização dos recursos naturais por intermédio do avanço científico da humanidade. Os recursos tecnológicos são uma constante na vida de todos, e analisar as relações entre Ciência, tecnologia e sociedade é importante para a compreensão do aluno sobre cação tecnológica, bem como sobre as implicações sociais e econômicas decorrentes dos avanços tecnológicos. Nesse estágio, os PCN (BRASIL, 1997, p. 41) estabelecem que “[...] do ponto de vista dos conceitos, este bloco reúne estudos sobre matéria, energia, espaço, tempo, transformação e sistema aplicados às tecnologias que medeiam as relações do ser humano com o seu meio”.
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as possibilidades de se utilizar os recursos naturais em apli-
Ainda é proposto pelos PCN (BRASIL, 1997, p. 57) que: [...] o estabelecimento de regularidades nas relações de causa e efeito, forma e função, dependência e sincronicidade ou seqüência é possível ser realizado pela comparação de eventos, objetos e fenômenos, sob orientação do professor, que oferece informações e propõe investigações aos alunos.
Sendo assim, é relevante que uma aprendizagem coerente sobre os fenômenos naturais e os recursos tecnológicos esteja intimamente relacionada a fenômenos físicos. Mas você, professor ou professora, pode questionar se a criança apresenta um desenvolvimento cognitivo suficiente para compreender tais fenômenos. Nesse sentido, vale salientar que o que se propõe é um trabalho de construção do conhecimento, de forma a assegurar para alunos e alunas a percepção dos fenômenos físicos ocorridos naturalmente em suas vidas, presentes nos recursos tecnológicos utilizados por eles. Dessa forma, o ensino de Ciências visa ampliar a rede de significados detida pelos alunos em consonância com os significados científicos. Os PCN (BRASIL, 1997, p. 57) consideram esta abertura possível expondo que:
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[...] a partir do segundo ciclo os alunos são capazes de trabalhar com uma variedade de informações progressivamente maiores, generalizações mais abrangentes, aproximando-se dos modelos oferecidos pelas Ciências.
Cabe ao professor e professora inferir a profundidade de cada conceito e a melhor maneira de promover essas interações no ensino-aprendizagem. Ostermann, Moreira e Silveira (1992, p. 106, grifos dos autores) também consideram que a aprendizagem de certos conceitos físicos pelas crianças é essencial visto que:
[...] é nas séries iniciais que o aluno, pela primeira vez, defronta-se com os significados científicos de determinados conceitos físicos e os confronta com seus próprios significados, é da maior importância que o ensino de conceitos físicos nas séries iniciais seja feito de modo a não reforçar os significados não aceitos cientificamente, a evitar a aquisição de significados errôneos e a facilitar a mudança conceitual.
Atualmente podemos afirmar que há mais reflexão sobre as práticas da sala de aula. Novas tendências estão se delineando, tais como a inclusão de História, Filosofia da Ciência e Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). As questões ambientais influem diretamente sobre a saúde e a qualidade de vida do ser humano, da mesma forma que os recursos tecnológicos estão intrinsecamente relacionados com a natureza e também com a qualidade de vida. Isso possibilita uma compreensão global dos conteúdos, implementando uma nova lógica na compreensão e percepção da área de Ciências e dos processos de ensino-aprendizagem a essa disciplina inerentes.
1.3 F ilosofia e Ciências
Vivemos em uma época na qual grande parte dos filósofos está afastada dos cientistas. Historicamente, Ciência e Filosofia começaram juntas e durante muito tempo se confundiram; a própria Física começou como Filosofia Natural.
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“A ciência nada mais é que o senso comum refinado e disciplinado.” [G. Myrdal]
O tempo passou e a Ciência ganhou uma complexidade cada vez maior, e nossa compreensão do mundo e do universo – pelo menos como fenomenologia – se expandiu, porém, uma atividade ficou cada vez mais distinta da outra. À medida que o território da Ciência se expandiu, suas fronteiras2 pareceram cada vez mais distantes da quase totalidade da atividade científica. Desse modo, acredita-se que é possível produzir Ciência de alta qualidade sem nunca gerar qualquer pensamento filosófico novo e que seja possível filosofar sobre a realidade sem conhecer ou se reportar à Ciência. Em ambos os casos estamos cometendo erros e prejudicando tanto o progresso da Ciência como o da Filosofia. Para refletir Vamos filosofar? E vamos fazer Ciência?! O que as pessoas comuns pensam quando mencionamos a palavra “Ciência” ou “cientista”? Normalmente, a imagem mais comum associada à palavra “cientista” é a de um gênio louco que inventa coisas fantásticas, um excêntrico que possui autoridade sobre o que está falando. Para os leigos, a Ciência é algo bom, feito para melhorar a vida das pessoas, ao passo que o método científico é um conhecimento difícil de ser assimilado por qualquer pessoa que não faça parte do meio científico. Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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Será que é isso mesmo??? Vejamos! É necessário acabar com a ideia de que o cientista é uma pessoa melhor e que pensa melhor do que as outras: um especialista em resolver alguns “quebra-cabeças”!
2. Para além das quais estão a Metafísica e a Filosofia.
O cientista e a Ciência viraram mito. E todo mito é perigoso, porque induz o comportamento e inibe o pensamento. Para Thomas Kuhn (1975), historiador da Ciência, seria ingênuo pensar que o cientista passa uma imagem de desbravador, de mente aberta em busca da verdade. “A ciência é uma especialização, um refinamento de potenciais comuns a todos” (ALVES, 2003, p. 11). A Ciência não é uma atividade nova do conhecimento humano, ela aumenta nossa capacidade de ver coisas que não víamos anteriormente. É como se fosse uma lente de aumento. Ao usarmos um telescópio ou um microscópio, não estamos usando órgãos novos; eles são instrumentos que aumentam nossa capacidade de ver, inerente a todos nós. Devemos partir do senso comum e dos conhecimentos prévios de que o aluno dispõe para podermos desenvolver habilidades que conduzam à construção de conhecimentos científicos. Rubem Alves (2003, p. 14), por exemplo, nos diz que a “[...] ciência é uma metamorfose do senso comum”. Ele entende a atividade científica como aquilo que fazemos todos os dias. Fazer Ciência se assemelha a cozinhar, a andar de bicicleta, a brincar, a jogar, a adivinhar... “Ser bom em ciência não é saber soluções e ter respostas prontas, é ser capaz de inventar soluções” (ALVES, 2003, p. 20). Chalmers (1993), em seu livro O que é Ciência, afinal?, vação, o que não significa dizer que ela não se apoie em dados observacionais. Fazer Ciência é observar a natureza através de experiências, ou seja, através da procura daquilo que se mostra como observável. Vamos supor que você esteja dirigindo um carro e de repente o carro para. Se você não entende nada sobre o funcionamento do carro, só resta sentar e chorar. Mas, se você já
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repete inúmeras vezes que a Ciência NÃO começa pela obser-
tem alguma noção sobre o funcionamento do motor do carro, vai até a sua frente, levanta a tampa e vê se tem algum fio solto ou dá umas batidinhas nas peças. Esse comportamento revela que a pessoa dispõe de um modelo de funcionamento do motor. O defeito é o que faz a gente pensar! O que não é problemático não é pensado. Quando as coisas não vão bem, quando alguma coisa nos incomoda, vamos buscar a solução. Nos processos de ensino de Ciências nossa percepção está concentrada na capacidade do aluno para responder. Para Rubem Alves (2003), fracassamos no ensino da Ciência porque apresentamos soluções perfeitas para problemas que nunca chegaram a ser formulados nem compreendidos pelos alunos. Então, que tal solicitar aos alunos que formulem o problema? Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que para que um problema seja solucionado é preciso responder a algumas questões e seguir algumas etapas: • Problema: por que o carro parou? • Consciência do problema: como resolver? • Construção do modelo do motor: como é o funcionamento do motor? Corrente elétrica, combustível... • Elaboração das hipóteses: faltou gasolina? Não passa corrente elétrica? • Teste das hipóteses.
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• Descoberta da causa do problema. Por meio desse exemplo podemos concordar com Alves (2003, p. 34), quando diz: “o conhecimento só ocorre em situações-problema”. A seguir, procuraremos entender o que significam fatos, modelos e teorias.
1.4 O que são fatos? O que buscam os cientistas? Você poderia responder que eles estão à procura de fatos. Correto! Mas quais? Por que fatos de um tipo e não de outro? Os cientistas só buscam os fatos que são decisivos para a confirmação ou negação de suas teorias. Quanto aos fatos em si: será que toda teoria científica se apoia em fatos? Se assim é, por que há teorias diferentes no campo científico sobre uma mesma realidade? Os fatos falam por si? Será que é verdade que contra fatos não há argumento? Esses questionamentos filosóficos nos revelam o quanto é importante a reflexão filosófica sobre a Ciência, pois isso nos ajuda a lutar contra o dogmatismo3. Muitas vezes, os resultados de pesquisas científicas passam a ser aceitos cegamente, quase como “dogmas”. Nós sabemos que a aceitação do dogmatismo na história da humanidade sempre colaborou para as guerras, para o ódio entre os homens e para reforçar ideologias nocivas para a humanidade, como o nazismo.
1.4.1 O que vem a ser um fato? A palavra vem do latim, factum, -i. Tem o mesmo signiNa nossa linguagem de hoje, fatos são aceitos como verdades, como correspondentes à realidade. Os fatos são o ponto de partida, a partir da problematização, em busca de uma teoria científica. Para a Ciência, fatos são como testemunhas num tribunal. Em si mesmos
3. Crença que não aceita contestação.
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ficado do adjetivo factus, -a, -um, ou seja, algo feito, executado.
não possuem importância alguma. Sua função se resume em confirmar ou negar as alegações da promotoria ou da defesa. É isso que importa. Um fato não tem significação à medida que acrescenta ou diminui a plausibilidade de uma teoria. Os cientistas que fotografam estrelas próximas ao Sol durante um eclipse não o fazem para colecionar fotos, mas para corroborar ou negar a teoria da relatividade.
1.5 E o que são modelos? Imagine que uma pessoa que nunca viu um relógio deseja compreender o funcionamento dessa máquina. É um relógio igual a todos os outros, exceto pelo fato de que não é possível abri-lo. Como testemunhar sobre o que não viu? A pessoa dispõe de fatos: mostrador, ponteiros, velocidade... Mas eles não explicam nada, pelo contrário, constituem o problema a ser resolvido. Já que não é possível abrir o relógio, a pessoa terá um recurso: imaginar. É possível compreender o funcionamento da máquina e explicá-lo a partir dos dados? Os dados estabelecem um problema que, para ser resolvido, exige um pulo mental do observador. Ele deve,
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pela imaginação, construir mentalmente coisas que nunca viu para explicar aquelas que vê. A essa construção da imaginação chamamos de MODELOS. Na Ciência, modelos não são miniaturas, cópias da escala reduzida. Não conhecemos o original para fazer dele uma réplica. Você, professor ou professora, conhece os modelos atômicos? O modelo de Dalton, de Bohr ou de Rutherford? Esses
cientistas não viram o átomo, mas o descreveram seguindo sua imaginação e propuseram modelos que melhor explicassem os fenômenos envolvidos na formação de moléculas, substâncias estudadas em Química. Esses são os modelos criados pela Ciência que levamos para nosso aluno! Nossa tendência é imaginar que o modelo é uma cópia da realidade. Tanto assim que chegamos a dizer que um modelo ou teoria são verdadeiros. Temos que deixar isto claro para os alunos: modelos não são reais! Concordamos, neste contexto, com o pensamento de Karl Popper (1980, p. 263) a respeito dos modelos: A ciência não é um sistema de declarações certas e bem estabelecidas nem tampouco um sistema que avança para um estado final. Nossa ciência não é o conhecimento (episteme): ela nunca pode pretender haver atingido a verdade, nem mesmo um substituto para ela, como a probabilidade.
A atividade científica, mais especificamente os filósofos da Ciência, tem na modelagem um conjunto de métodos utilizados amplamente na Ciência para diferentes fins. O objetivo é possibilitar simulações de vários processos para explicar melhor os fenômenos. O modelo é mais interpretação da teoria do que tradução da realidade. Não é meio de tando a pesquisa. Um modelo é uma criação cultural destinada a representar uma realidade, ou alguns dos seus aspectos. Aproximando os fatos aos modelos, surgem as teorias, definidas como um conjunto de hipóteses coerentemente interligadas, tendo por finalidade explicar, elucidar, interpretar ou unificar um dado domínio do conhecimento (MESQUITA FILHO, s/d.).
33 Ciências: ensino e sua relação com a Filosofia
demonstração ou prova, mas meio de conhecimento orien-
1.6 Pensando nas teorias Rubem Alves, em seu livro Filosofando sobre a Ciência (2003), faz uma analogia. Diz o autor que cientistas são como pescadores: lançam suas redes construídas de palavras em busca da elaboração de teorias. Não basta ao cientista dominar as palavras, mas arrumá-las de forma a construir sua sólida teoria. Não basta ao pescador ter redes se ele não conhece seu objeto: o peixe. Os métodos são os anzóis. Os métodos predeterminam o resultado da pesquisa, são preparados com antecedência para pegar o que desejamos. Não é interessante a Filosofia?! A questão do método é cuidadosamente estudada pela Ciência. Há certa tendência em confundir Ciência com método científico. Ao questionarmos o que é Ciência, direta ou indiretamente estamos questionando o método científico. Muitos definem Ciência a partir do método; outros elaboram uma definição de método a partir da Ciência. Várias perguntas vão surgindo no mundo do pensamento filosófico: • Existe realmente um método científico?
Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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• Ou existiriam vários métodos a agraciarem várias Ciências? • Método é único? • Existe unicidade da Ciência? • O que é um método? O termo “método” significa “seguindo caminho”, refere-se à especificação dos passos a serem seguidos para
se alcançar um determinado fim. Feyerabend (2007), em seu livro Contra o método, sugere que não há método científico; essa ideia não passa de um mito. Para ele, não existem princípios inalterados nem uma única regra que não possa ser desrespeitada em algumas ocasiões. A partir das transgressões é que ocorre o progresso da Ciência. A concepção metodológica proposta por Kuhn (2000) é estruturada a partir do conceito de paradigmas. Apesar das controvérsias daquele termo, ele tem sido usado como conjunto de aspectos políticos, econômicos, tecnológicos e culturais que viabilizam o surgimento e a manutenção do status quo em uma Ciência. Concluindo nosso pensamento sobre o que é Ciência, compartilhamos com a ideia de Thomas Kuhn. Não vamos compreender a Ciência pelos critérios lógicos ou metodológicos, vamos examinar a História e deixar que ela nos conte o que é a Ciência. A Ciência é um fato social, assim como religião, exército ou partido político, que se organizam em torno de certos problemas e estabelecem regras para seu funcionamento. Essa Ciência recebeu o nome de “Ciência normal”, termo cunhado por Kuhn para designar as pesquisas baseadas em uma ou mais conquistas da Ciência (as quais podem servir de base para pesquisas posteriores). E, por fim, é importante destacar que foram teóricos pós-positivistas da Ciência, especialmente Thomas Kuhn Ciência e propuseram novos modelos de mudança científica, em que fatos sociais desempenharam um papel proeminente.
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(2000), que destruíram a ortodoxia acerca da natureza da
SÍNTESE Nesta unidade vimos, primeiramente, um breve histórico do ensino de Ciências no mundo e no Brasil, além de destacarmos as atuais tendências da área a partir do que estabelecem os PCN. Quanto ao momento em que “filosofamos” sobre a Ciência nesta unidade, observa-se que a Filosofia da Ciência está intimamente relacionada à Epistemologia e à ontologia, buscando explicar como o conhecimento é produzido, a natureza de suas afirmações, quais os argumentos utilizados para se chegar às conclusões e as implicações de métodos e modelos científicos para a sociedade.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO Como a formação científica contribuiu para a formação das sociedades ditas “modernas”? Por que o ensino da Ciência omitia diversos processos de construção do conhecimento científico, priorizando apenas os produtos da Ciência, isto é, as teorias prontas e acabadas como se fossem o resultado de descobertas certas e confirmadas? É possível “fazer Ciência” filosoficamente?
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LEITURAS INDICADAS ALVES, R. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e a suas regras. 6. ed. São Paulo: Loyola, 2003. DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
SITES INDICADOS http://www.ciencia-cultura.com/cienciahistor.html http://www.if.ufrj/%Ebarbetti/historia http://wwwcomciencia.br http://pt.wikipedia.org/wiki/Michael_Faraday http://www.centrorefeducacional.pro.br/piaget.html www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol6/n2/v6_n2_a2.htm http://www.fc.unesp.br/abrapec/revista.htm http://www.ime.usp.br/~cesar/projects/lowtech/ep2/kuhn/ kuhn.html http://www.sul-sc.com.br/afolha/pag/thomas_Kuhn.htm
REFERÊNCIAS ALVES, R. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e a suas regras. 6. ed. São Paulo: Loyola, 2003. BRASIL. Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 ago. 1971. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692. htm>. Acesso em: maio 2014. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. gov.br/seb/arquivos/pdf/livro04.pdf>. Acesso em: maio 2014. CHALMERS, A. F. O que é Ciência, afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993. DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. L. Metodologia do ensino de Ciências. São Paulo: Cortez, 1990.
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Brasília: MEC/SEF, 1997, v. 4. Disponível em: <http:// portal.mec.
FEYERABEND, P. Contra o método. São Paulo: UNESP, 2007. GOMES, M. H. et al. Formação docente e as mudanças na sala de aula: um diálogo complexo. Revista Olhar do Professor, ano 7, n. 2, pp. 143-158, 2004. KRASILCHIK, M. O professor e o currículo das Ciências. São Paulo: EPU, 1987, pp. 2-18. KRASILCHIK, M. Prática de ensino de Biologia. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 2004, pp. 14-15. KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975. MESQUITA FILHO, A. Teoria sobre o método científico. s/d. Disponível em: <http://www.pesquisapsi.com/content/ view/2213/146/>. Acesso em: maio 2008. O MANIFESTO dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Revista HISTEDBR On-Line, Campinas, n. especial, pp. 188-204, ago. 2006. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp. br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf>. Acesso em: maio 2014. OSTERMANN, F.; MOREIRA, M. A.; SILVEIRA, F. A Física Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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na formação de professores para as séries iniciais. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 14, n. 2, pp. 106-112, 1992. POPPER, K. A lógica da investigação científica. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
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(2)
Conhecimento cientĂfico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de CiĂŞncias
“A ciência é todo um conjunto de atitudes e atividades racionais, dirigidas ao sistemático conhecimento com objeto limitado, capaz de ser submetido à verificação.” [Lakatos]
Olá, turma! Estamos
iniciando
nossa
segunda
unidade.
Primeiramente, aprofundaremos os estudos sobre o conhecimento científico e sobre como valorizar o conhecimento do dia a dia de nossos alunos e alunas. Após estabelecermos a importância do conhecimento científico e do conhecimento cotidiano, iremos destacar, ainda nesta unidade, a importância do estudo de Ciências na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, considerando as perspectivas atuais e o que dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Avante!
2.1 Conhecimento científico Jonh Maddox, editor da revista Nature, expõe o pensamento sobre o atual estágio do conhecimento científico no prefácio de sua obra O que falta descobrir, lançada em 1998. Leia o pequeno trecho:
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No momento, a ciência pode ser comparada a uma curiosa colcha de retalhos. O caso da física fundamental é provavelmente o mais estranho: a comunidade dos pesquisadores está dividida entre aqueles que acreditam que brevemente haverá uma “teoria de tudo” e aqueles que têm a suspeita (ou a esperança) de que assistiremos ao surgimento de algum tipo de “nova física”. A história está do lado da segunda opinião, que coincide com a minha. Por outro lado, a genética molecular se encontra em um estado tão exuberante que qualquer problema que possa ser definido com precisão pode ser resolvido em algumas semanas de pesquisa experimental. Nesse caso, é mais difícil dizer quais são os problemas que vão surgir... como certamente surgirão [...]. O último terço deste século assistiu a uma notável mudança na forma como encaramos a estrutura do nosso planeta. A teoria das placas parece finalmente estabelecida. Entretanto, basta pensar um pouco para chegarmos à conclusão oposta. O mecanismo que faz com que as placas tectônicas se movam ainda está longe de ser esclarecido. Também não sabemos se as mesmas idéias podem ser aplicadas a outros astros sólidos do sistema solar: planetas como Vênus e satélites como a estranha lua de Júpiter conhecida como Io. Além disso, como os planetas se formaram a partir da nebulosa solar? (MADDOX, 1998, p. 10).
A partir dessas ideias, Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002, p. 66) propõem algumas reflexões para professores e professoras de Ciências: • O conhecimento científico submete-se a um processo de produção cuja dinâmica envolve transformações na compreensão do comportamento da natureza, que impedem esse conhecimento de ser caracterizado como pronto, verdadeiro e acabado, mesmo que as teorias produzidas constituam verdades históricas, que têm fundamentado o homem da Ciência para uma explicação dos fenômenos. • No âmbito da educação científica, é preciso dar a devida atenção à conceituação científica contida nos modelos e teorias sem descaracterizar a dinâmica que a produziu, como a História interferiu na construção do conhecimento e produziu modelos atuais. • Quanto ao currículo, qual conhecimento científico pertinente e relevante deve ser ensinado para nossos jovens? Quais critérios devem balizar a exclusão dos conhecimentos na educação escolar? Propostas currio ensino de Ciências no Ensino Fundamental, vindo
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do Ministério da Educação (MEC) ou das Secretarias
Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
culares sugerem um conjunto de eixos temáticos para
Estaduais. Em todas as propostas curriculares, a veiculação do conhecimento científico e tecnológico é bastante consensual no que se refere a um produto não acabado, não neutro, social e historicamente construído. • Considerar a relação entre Ciência e tecnologia. Essa relação não pode ser ignorada no ensino de Ciências devido à forte presença no cotidiano das pessoas. É preciso destacar que essa relação é marcada por
políticas de desenvolvimento científico e tecnológico articuladas a planos estratégicos governamentais e à infraestrutura financeira, as quais, ao fomentarem pesquisas, às vezes as induzem mais a determinados campos do conhecimento do que a outros. Na perspectiva interdisciplinar, a compreensão dos fenômenos naturais deve estar articulada entre si e com a tecnologia, abrangendo conhecimentos biológicos, físicos, químicos, sociais, culturais e tecnológicos (BRASIL, 1996). Não há dúvida de que os conhecimentos produzidos pela Ciência são verdadeiros. A Ciência não está amparada na verdade religiosa nem na verdade filosófica, mas em certo tipo de verdade diferente dessas outras. Não é correta a imagem de que os conhecimentos frutos de experimentação e de bases lógicas sejam “melhores” do que os demais conhecimentos. Tampouco se pode pensar que o conhecimento científico possa gerar verdades eternas. Podemos citar como exemplo as cirurgias feitas nas tonsilas, antigamente chamadas de amígdalas. Na década de 1960, muitas pessoas retiraram as tonsilas diante do argumento de serem órgãos inúteis, vestígios da evolução biolóMetodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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gica. No entanto, passado algum tempo, percebeu-se que as pessoas sem tonsilas apresentaram baixa resistência imunológica. Esse é um exemplo de que a experimentação e a base lógica da Ciência não lhe garantem a possibilidade de produzir conhecimentos inquestionáveis e válidos eternamente.
2.2 Conhecimento cotidiano e científico O processo de construção do conhecimento científico apoiou-se no conhecimento preexistente. As necessidades de conhecer melhor as relações entre o homem e o meio e de melhorar a qualidade de vida das pessoas estreitaram a relação entre os dois tipos de conhecimento. Impulsionado pela necessidade de buscar soluções para os problemas cotidianos, o ser humano aproveita o legado cultural na busca de conhecer e descobrir. O saber informal é imprescindível a nossa vida cotidiana e, muitas vezes, serve de base para a construção do conhecimento elaborado. O senso comum ainda tende a interpretar
A expressão “senso comum” procura sedimentar a concepção ampla de conhecimento que emana de diferentes fontes. Os alunos têm fácil acesso àquilo que denominamos “conhecimento cotidiano” e não deixarão de tê-lo ao ingressarem na escola. Entretanto, essa instituição é uma das poucas que tem por obrigação proporcionar o acesso a outras fontes de conhecimento, como o artístico, o cultural e o científico.
47 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
o conhecimento científico como equivalente a todo o conhecimento objetivo, verdadeiro em termos absolutos, não-ideológico por excelência, sem influência da subjetividade e, fundamentalmente, descoberto e provado a partir dos dados da experiência, adquiridos por observação e experimentação (LOPES, 1998, p. 106-109).
O conhecimento científico tem especificidades que o transformam em ferramenta poderosa do mundo moderno. Segundo Nélio Bizzo (2002), essas especificidades são caracterizadas em cinco itens: contradições, terminologias, independência de contexto, interdependência conceitual e socialização.
2.2.1 Contradições O conhecimento científico não convive pacificamente com as contradições. Toda vez que aparecem explicações diferentes para o mesmo fato, podemos dizer que estamos diante de hipóteses rivais. O objetivo de uma será destruir a outra. O conhecimento cotidiano, em contrapartida, é muito permissível com as contradições, chegando mesmo a ser sincrético1. Como exemplo, temos o conhecimento universal de que a herança genética determina as feições dos bebês. No entanto, quando a mulher grávida passa por “vontades” e elas não são satisfeitas, muitos falam e acreditam que o bebê possa nascer com as “marcas” dessas vontades. O determinismo da herança é reconhecido, mas ao mesmo tempo procura-se compatibilizá-lo com outras formas de influências. Podemos dizer que suprir as vontades de uma mulher grávida significa uma maneira de dar maior atenção à mulher, de
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fazê-la sentir-se amparada pela família, pelos amigos... As contradições são normalmente enfrentadas pelo conhecimento científico de maneira a produzir embates de ideias, enquanto o conhecimento cotidiano procura interações entre as partes conflitantes, compatibilizando-as.
2.2.2 Terminologias Os detentores do conhecimento científico têm muito orgulho da terminologia que utilizam e fazem questão
1. Fusão de elementos culturais, de que resulta um novo elemento que contém traços de sua origem diversificada.
que ela seja entendida por todos aqueles que dela fazem uso. A terminologia científica não deveria ser vista simplesmente como uma maneira diferente de nomear fenômenos. Ela é um código de compactação – que tenta juntar informação (agregando significados) – que não se modifica com o tempo nem sofre influências regionais ou da moda de cada época. Já o conhecimento cotidiano é mais flexível com relação aos termos que utiliza. Existem, por exemplo, variações regionais na forma de nomear: “mandioca”, “macaxeira” e “aipim”. Em sua cidade, qual dos termos você usa?
2.2.3 Independência de contexto O conhecimento científico busca afirmações generalizáveis que possam ser aplicadas a diferentes situações. Podemos citar que, ao descrever a trajetória de um móvel, ela tanto pode ser de um tatuzinho de jardim, de uma sonda interplanetária ou de um ônibus. Esse conhecimento tem clara preferência pelo abstrato e pelo simbólico. Dessa forma, os significados são arbitrários e estabelecidos por convenções (nomenclatura da Química Orgânica, por exemplo). nos quais é produzido, tem forte apego ao concreto e ao real. Isso implica significados menos arbitrários e mais autoevidentes à luz de determinada cultura e convenção social.
2.2.4 Interdependência conceitual O conhecimento científico é interdependente entre suas diversas partes. Isso significa que, se uma teoria cair por terra, muitas outras serão afetadas. Há um lado de vantagens: basear-se em teorias anteriores faz com que a teoria posterior não deva testar todos os fatos. O conhecimento cotidia-
49 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
O conhecimento cotidiano está apegado aos contextos
no pode ser dependente de contexto, entretanto inviabiliza tomar um conhecimento como base para outro.
2.2.5 Socialização Desde os primeiros meses de vida, as crianças têm acesso ao conhecimento cotidiano e aprendem a nomear objetos e a observar e interpretar fenômenos de maneira particular. Por sua vez, a aprendizagem de conhecimentos científicos é socializada tardiamente na vida escolar dos jovens. Para que seja mais eficiente, a socialização do conhecimento científico deve ser acelerada desde a Educação Infantil. Isso não significa que os professores e as professoras devam apresentar conhecimentos à maneira como ocorre em comunidades científicas. A escola deve proporcionar aproximações crescentemente complexas. Vamos dar um exemplo: quando um/uma professor/professora diz ao/a seu/sua aluno/aluna do Ensino Fundamental que seu peso é uma força e que sua massa é a quantidade de matéria de seu corpo, ele está proporcionando uma primeira aproximação a dois conceitos complexos que serão dominados mais adiante na vida escolar. Ademais, devem-se levar em consideração as características dos alunos e das alunas, sua capacidade de raciocínio,
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seus conhecimentos prévios etc. Se quisermos realmente que nossos alunos e nossas alunas desenvolvam competências e habilidades, temos de criar um ambiente intelectualmente ativo que os envolva, organizando grupos e facilitando-lhes o intercâmbio. A função do professor e da professora será sistematizar os conhecimentos gerados, não no sentido de “dar a resposta final”, mas no de assumir o papel de crítico da comunidade científica. Quando os alunos e alunas apresentarem soluções incorretas, os professores e as professoras devem argumentar com novas ideias e contra-argumentos que lhes forneçam pistas e
lhes permitam inferir sobre o assunto, promovendo desequilibrações para novas equilibrações. Uma formação em Ciências no mundo de hoje deve permitir à pessoa, diante da notícia de um avanço tecnológico, avaliar seu alcance real. Deve, ainda, permitir a interpretação do mundo e a atuação crítica sobre o mesmo, o que só é possível se houver a compreensão de que o mundo exige uma racionalidade descontínua, plural e passível de ser modificada. Rubem Alves (2003, p. 21) expressa seu pensamento a respeito do senso comum admitindo que: [...] O senso comum e a ciência são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. Para aqueles que teriam a tendência de achar que o senso comum é inferior à ciência, eu só gostaria de lembrar que, por dezenas de milhares de anos, os homens sobreviveram sem coisa alguma que se assemelhasse à nossa ciência. Depois de cerca de quatro séculos, desde que surgiu com seus fundadores, curiosamente a ciência está apresentando sérias ameaças à nossa sobrevivência.
O mesmo autor afirma o seguinte: “Ciência se faz em ensinar a ver e a pensar” (ALVES, 2001, p. 63). Muitos de nossos alunos chegam a nossas aulas motivados por filmes de ficção científica, aos quais assistiram no final de semana, e daí surge uma ótima oportunidade para que a aprendizagem ocorra de forma significativa, que aproveitemos os episódios do cotidiano para repassar os conhecimentos científicos presentes nos currículos de Biologia, Química ou Física.
51 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
qualquer lugar; a primeira tarefa da educação científica é
2.3 I mportância do ensino de Ciências para crianças Durante muito tempo se pensou que as crianças não precisavam estudar Ciências ou que este conhecimento era pouco relevante para o seu desenvolvimento cognitivo (CARVALHO, 1998). Entretanto, toda criança, desde muito cedo, já demonstra curiosidade por fenômenos da natureza, pelas características dos objetos que manipula e por outros assuntos relacionados ao conhecimento científico, ou seja, toda criança possui espírito investigativo. As Ciências compreendem os conhecimentos que fazem parte da vida cotidiana de meninos e meninas capazes de ampliar sua visão de mundo e proporcionar seu desenvolvimento de forma integral. Na educação básica, o ensino de Ciências vem sendo objeto de um amplo debate junto à comunidade de pesquisadores, cujo foco central está na necessidade de vincular aos conhecimentos científicos questões relacionadas à vida cotidiana dos estudantes. Além disso, emerge a necessidade de Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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que a Ciência discutida no âmbito escolar esteja em sintonia com uma formação humanista dentro de uma perspectiva sociocultural. Nesse sentido, vários trabalhos apontam em direção ao processo conhecido por “alfabetização em Ciências”, de modo a proporcionar aos estudantes conhecimentos suficientes para que estes atuem de forma crítica e consciente na sociedade contemporânea. De fato, a Ciência está cada vez mais incorporada à vida social e cultural dos cidadãos (a exemplo do soro caseiro, desenvolvido pela pastoral da criança; da multimistura que
evita que várias crianças morram de desnutrição; e das cisternas de placas no semiárido, que já se tornou política pública e hoje possibilitam que várias famílias saiam da dependência dos carros pipas), apresentando dessa forma contribuições nas necessidades diárias das pessoas, envolvendo desde decisões conscientes sobre alimentação, meio ambiente, comunicações, saúde etc. até tomada de decisões de natureza política. Não existe uma idade certa para aprender Ciências, e sim estágios. Nas séries iniciais, da Educação Infantil à 4ª série, o aprendizado acontece a partir da observação, do registro, da comparação e da associação dos fenômenos da natureza. Imaginemos os comentários e burburinhos que surgem na sala de aula quando o cheiro de fumaça invade a escola ou quando um aluno percebe um alimento estragado na merenda! Independentemente da etapa escolar em que se encontram as crianças, a alfabetização científica e tecnológica desses indivíduos é necessária e fundamental para que estes se sintam parte integrante de nossa sociedade, atuando de forma consciente. A Ciência envolve aspectos diários da vida do homem, provocando mudanças significativas na sociedade e exigindo novas adaptações dos seres humanos. A necessidade do conhecimento relativo à Ciência se entrelaça com questões que afeAs características de uma pessoa cientificamente alfabetizada não são decorrentes diretamente de ensinamentos, mas estão implícitas nos currículos escolares através das situações-problemas e de suas investigações proporcionadas aos estudantes no contexto escolar; por exemplo: projetos em laboratórios e experiências de campo, entre outras, contribuem para a formação de estudantes conscientes e comprometidos com a cidadania. No que se refere à Educação Infantil, Demo (2000) destaca que o fundamental do processo de alfabetização cientí-
53 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
tam a ordem pessoal, social e econômica da humanidade.
fica e tecnológica é que ela traga consigo o saber pensar, cujo elemento principal é o professor. Cabe a ele propiciar espaços e conduzir seus alunos a conhecimentos de cunho científico e, como decorrência, ao saber pensar. “Toda população que sabe pensar tem por trás de si professores que sabem pensar”, continua o autor, destacando que “[...] todo sistema não teme um pobre com fome. Teme um pobre que sabe pensar” (DEMO, 2000, p. 9). Adorno (2003), referindo-se ao contexto alemão, menciona a importância do desenvolvimento do pensar desde a pré-escola até a formação dos idosos. Para ele, a educação deve ser desenvolvida de modo a elevar em níveis de reflexão as experiências intelectuais, que, no seu entender, é o mesmo que pensar. A posição deste autor, associada à de Demo, remete-nos a entender que a escola deve proporcionar, ao mesmo tempo, uma base sólida de conhecimentos, de modo a favorecer também o desenvolvimento do pensamento crítico, a fim de que os indivíduos se posicionem frente às mais diversas questões. Esse posicionamento não deve ser privilégio da fase adulta; deve estar presente desde o início do processo de escolarização. Trabalhos como o de Carvalho e Gil-Pérez
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(2006), Carvalho et al. (1998), Fracalanza, Amaral e Gouveia (1986), Rosa e Rosa (2004), entre outros, apontam para a necessidade de que a Física seja incorporada nas séries iniciais e evidenciam que as crianças necessitam se sentir parte atuante da sociedade em que estão inseridas. Apoiados nessa perspectiva, os estudos mencionados repousam no fato de que as crianças dessas séries são naturalmente curiosas, investigativas e observadoras, o que permite uma exploração mais significativa dos fenômenos naturais. Nesse sentido, vários trabalhos vêm discutindo a possibilidade de as crianças na faixa etária correspondente às
series iniciais compreenderem conceitos e fenômenos físicos, a exemplo de movimento, equilíbrio ou luz. Pesquisadores, principalmente da área de Psicologia Cognitiva, apresentam divergência quanto a essa questão, porém, encontramos outros como Fumagalli (1998), que considera que a criança tem o direito de aprender Ciência, mesmo que este aprendizado não apresente a dimensão do cientista. A autora chama a atenção para o fato de que o conhecimento produzido no mundo científico sofre uma transformação, como forma de adaptação, para os níveis de compreensão dos alunos, justificando a possibilidade de aproximá-lo do mundo dessas crianças. Rosa, Rossetto e Terrazzan (2003) afirmam que: Convivemos diariamente com os artefatos advindos dos resultados dos avanços tecnológicos e científicos, os quais estabelecem, inclusive, mudanças em nossos valores sociais. Diante disso, consideramos ser imprescindível que todos os indivíduos da sociedade entendam, discutam, reflitam e se posicionem sobre questões oriundas desses avanços e suas prováveis consequências para a vida de todos.
de ensinar Ciência desde a mais tenra idade, sob o risco de a falta desta privar a criança de participar de forma crítica e atuante no mundo em que está inserida. Consolidamos ainda nossa crença nesse ensino, resgatando a importância do professor e da professora no processo.
55 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
É nesse contexto que fundamentamos a possibilidade
2.4 O que diz o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil? Os conteúdos e objetivos de Ciências Naturais para a Educação Infantil encontram-se dispostos no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), no eixo Natureza e Sociedade (BRASIL, 1998). Esse referencial prevê a integração dos enfoques vindos de diferentes campos das Ciências Humanas e das Ciências Naturais. Reunir os conteúdos das Ciências Humanas e Ciências Naturais permite ajudar e estimular a criança a desenvolver atitudes de observação, de estudo, de comparação das paisagens, do local que habita, das relações homem/espaço/natureza. A criança deve conhecer como a ação humana interfere no planeta e interfere na qualidade de vida das pessoas. Ampliar a curiosidade das crianças, incentivá-las a levantar hipóteses e a construir conhecimentos sobre fenô-
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menos físicos e químicos, sobre os seres vivos, bem como compreender a relação homem, natureza e tecnologia, também são objetivos do Referencial.
2.5 Como as escolas de Educação Infantil vêm trabalhando Ciências ao longo dos anos? Na Educação Infantil, em muitas escolas, ainda é comum trabalhar as áreas de conhecimentos, inclusive a de Ciências, sem muito planejamento e contextualização. Muitas práticas se resumem em atividades que valorizam as datas comemorativas sem a merecida profundidade, acabando por difundir estereótipos culturais, que não levam em consideração as diversas realidades sociais, culturais, geográficas e históricas. Algumas propostas não têm vínculo com o cotidiano, com a história, com o conhecimento geográfico construído nas relações entre os homens e a natureza. Há também práticas priorizando apresentar à criança aquilo que está mais próximo dela, o concreto, desconsiderando sua capacidade para conhecer locais e histórias distantes; outras se voltam para o reforço de atitudes em relação à higiene e à saúde bonito podem repassar preconceitos e estereótipos. No que se refere à observação de animais e plantas, normalmente são pontuais, com passos preestabelecidos e conduzidos pelo professor ou professora. A ênfase recai sobre características perceptíveis de animais e plantas, sem valorização das explicações para o fenômeno.
57 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
– nesse caso, os conceitos de sujo/limpo, certo/errado e feio/
Para refletir Você se lembra de alguma atividade de observação de plantas ou animais na época em que cursou a Educação Infantil? Como o professor ou a professora conduzia a investigação?
Na perspectiva do RCNEI, está previsto que o acesso ao conhecimento seja proporcionado de forma interdisciplinar e que os conjuntos das Ciências Humanas e das Ciências Naturais devem estar voltados para a ampliação das experiências das crianças na construção do meio social e cultural. Referimo-nos à pluralidade de fenômenos e acontecimentos físicos, biológicos, geográficos, históricos e culturais e à forma de representar o mundo a partir do contato com explicações científicas. O conhecimento científico socialmente construído e historicamente acumulado apresenta um modo particular de produção e difere de outras formas de explicação, como, por exemplo, as lendas e mitos ou, ainda, os conhecimentos do cotidiano (senso comum). Por meio da Ciência, o conhecimento é construído, reformulado, refutado, modificado, revisto até a produção
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do conhecimento aceito atualmente. É assim que devemos trabalhar na Educação Infantil: propiciando experiências que possibilitem uma aproximação com o conhecimento das diversas formas de representação e explicação do mundo social e natural. Dada a grande diversidade de temas que o eixo Natureza e Sociedade oferece, é preciso estruturar o trabalho de forma a escolher os assuntos mais relevantes para as crianças. Na Educação Infantil, as crianças são movidas pelo interesse e curiosidade e devem ser instigadas a:
• observar fenômenos; • relatar acontecimentos; • formular hipóteses; • prever resultados; • conhecer diferentes contextos históricos e sociais; e • trocar ideias, confrontá-las e representá-las. Um exemplo: é muito comum trabalhar nas séries iniciais o fenômeno do ar ocupando lugar no espaço. Tradicionalmente, o fenômeno é demonstrado por meio de uma experiência. Um copo com um pedaço de papel dentro é emborcado em uma bacia com água. A água não molha o papel. Essa é a “prova”. A nossa sugestão para esse fenômeno tão importante é propor um problema para os alunos, de forma que eles formulem as respostas a partir dos conhecimentos prévios e testes de hipóteses, chegando à resolução do problema.
Saiba mais
59 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
Você poderá aprofundar sua leitura no RCNEI para saber sobre as capacidades que devem ser desenvolvidas nas crianças de 0 a 3 anos e de 4 a 6 anos, conhecendo alguns critérios na elaboração dos conteúdos.
2.6 I mportância do ensino de Ciências para o Ensino Fundamental: 1º e 2º ciclos Para refletir Qual a importância de estudar Ciências no Ensino Fundamental? A prática tradicional do ensino de Ciências no Brasil tem sido marcada pelo rótulo de altamente “conteudista”, considerando aqui o termo “conteúdo” como quantidade de informação a ser “transmitida” aos alunos e alunas (conteúdos conceituais numa visão mais moderna). A partir da construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997), foram acrescentados às habilidades os conteúdos conhecidos como procedimentais e atitudinais. No ensino de Ciências, o aprendizado não está resumido a definições/conceitos, fatos ou princípios. É importante valorizar
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atitudes, valores e procedimentos. Os conteúdos procedimentais, no âmbito das Ciências Naturais, podem estar relacionados, por exemplo, ao manuseio de um microscópio ou ao uso do computador para acessar a internet. Correspondem a atuações as quais pretendemos que os alunos e alunas consigam executar. Entende-se por procedimento o conjunto de ações organizadas para que se obtenha determinado objetivo. Visa capacitar o aluno para agir de modo eficiente. Por exemplo, a busca de informações em uma biblioteca é um procedimento que pode ser aperfeiçoado com a intervenção sistemática
do professor. O domínio de tal procedimento permite que o aluno possa em outra oportunidade, sem o acompanhamento do professor, acessar a informação necessária, potencializando seu aprendizado. São comandos mais comuns de conteúdos procedimentais: manejar, confeccionar, coletar, planejar, demonstrar, testar... Para desenvolver atitudes e valores pertinentes às relações entre os seres humanos, o conhecimento e o ambiente, o professor ou a professora deve explicitar a intenção dessas atitudes a fim de facilitar o dia a dia da sala de aula. São princípios éticos em relação aos quais o estudante sente forte compromisso emocional, empregado como referencial de sua própria conduta e posturas alheias, como, por exemplo, o respeito à vida e respeito pelo material do “coleguinha”. Os comandos mais comuns de conteúdos atitudinais são: valorizar, agir, respeitar, preocupar-se com, tolerar, praticar, ser consciente de... Permeando todos os conteúdos conceituais, aparecem os conteúdos procedimentais e os atitudinais. Procedimentos, normas e atitudes são elevados à mesma categoria que fatos, conceitos e princípios, revelando assim a preocupação de
Para refletir Como tem sido o ensino de Ciências nas séries iniciais em sua região? Como o professor ou a professora pode contribuir para um ensino adequado de Ciências? Como os professores têm enfrentado os problemas específicos desse ensino? Delizoicov e Angotti (1990) enumeram alguns pontos de problematização no ensino de Ciências que podem ajudar
61 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
uma educação qualitativamente mais eficiente.
na reflexão dos professores em busca da melhoria da prática de ensino. São eles: • O excesso de nomenclaturas e descrições, adotadas tanto nos livros didáticos quanto pelos professores e professoras, que em nada contribuem para o desenvolvimento das habilidades desejadas; apenas privilegiam a memorização. Exemplo: ossos do corpo humano – fêmur, tíbia, fíbula, omoplata, falanges, parietal, occipital... • Apresentação de conteúdos de forma estanque, muitas vezes com erros conceituais, outras vezes colaborando com preconceitos. Exemplo: respiração das plantas e fotossíntese. • A não utilização do lúdico e da imaginação das crianças no ensino de conteúdos de Ciências, considerando-as incapazes de pensar e criar. Esse talvez seja o reflexo da postura comumente adotada de memorizar. Uma possibilidade bastante criativa é montar jogos, quebra-cabeças e outras brincadeiras com os conteúdos conceituais. • Exclusão de atividades experimentais justificada
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pela ausência de laboratórios e materiais adequados. Negligencia-se a riqueza do ambiente próximo à criança e sua capacidade de produzir materiais para uma aprendizagem profícua. Lembramos que as habilidades necessárias para a formação do espírito investigativo do aluno não estão necessariamente atreladas a equipamentos sofisticados e salas especiais. Muitas práticas requerem materiais simples e podem ser executadas nas salas ou em casa. • O constrangimento em sala de aula frente a questões levantadas pelos alunos e alunas. Professores e
professoras sentem-se na obrigação de dar sempre as respostas, mesmo quando não as sabem. É conveniente o professor explorar tais situações promovendo um debate da dúvida em questão, aumentando assim o interesse dos alunos.
Para refletir A partir desses questionamentos, você poderá melhorar sua prática diária, não acha?
2.7 O que dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais? Numa sociedade em que se convive com a supervalorização do conhecimento científico e com a crescente intervenção da tecnologia no dia-a-dia, não é possível pensar na formação de um cidadão crítico à margem do saber científico (BRASIL, 1997, p. 21).
principalmente o de dar condições para o exercício pleno da cidadania, um mínimo de formação básica em Ciências deve ser desenvolvido, de modo a fornecer condições que possibilitem uma melhor compreensão da sociedade em que vivemos. Entretanto, tal conhecimento não pode ser considerado numa perspectiva de simples transmissão. Ele deve ser garantido numa abordagem que caracterize o empreendimento científico como uma atividade humana não neutra, financiada por alguns com interesses específicos e com vinculações econômicas e políticas. Mais ainda, não se pode esquecer que
63 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
Considerando os objetivos mais amplos da educação,
se trata de um processo que tem uma história e uma evolução não linear, produzida coletivamente, isto é, por equipes de especialistas com intercâmbio de informações (e não simplesmente por “gênios”, como vulgarmente temos caracterizado os cientistas, atribuindo-lhes comportamentos excêntricos). O ensino de Ciências Naturais também é espaço privilegiado em que as diferentes explicações sobre o mundo, os fenômenos da natureza e as transformações produzidas pelo homem podem ser expostos e comparados. É espaço de expressão das explicações espontâneas dos alunos e daquelas oriundas de vários sistemas explicativos. Contrapor e avaliar diferentes explicações favorece o desenvolvimento de postura reflexiva, crítica, questionadora e investigativa [...]. Para o ensino de Ciências Naturais é necessária a construção de uma estrutura geral da área que favoreça a aprendizagem significativa do conhecimento historicamente acumulado e a formação de uma concepção de Ciência, suas relações com a Tecnologia e com a Sociedade (BRASIL, 1997, p. 22; 27).
O ensino e o aprendizado das Ciências Naturais no
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Ensino Fundamental não são organizados pelas teorias científicas dos diversos campos (Astronomia, Química, Biologia, Física, Geociências), pois estão muito distantes dos nossos alunos e alunas em formação devido à sua complexidade. Esses conhecimentos devem ser introduzidos desde as séries iniciais da Educação Infantil aumentando o grau de complexidade com o passar dos anos. Uma proposta adotada pelos PCN (BRASIL, 1997) é a introdução de História da Ciência. A história das ideias científicas e das relações do ser humano com o corpo, o meio ambiente e os recursos naturais deve ter seu papel ampliado no ensino das Ciências Naturais para que
os alunos construam concepções da Ciência interativa, não neutra e contextualizada. Quanto às habilidades a serem desenvolvidas com maior empenho em relação às Ciências Naturais, concordamos com o que nos apontam Delizoicov e Angotti (1990, p. 47): • Observação: transcende o simples olhar ou registro de um fenômeno. Podemos utilizar instrumentos que auxiliem nossa percepção, como a lente de aumento ou o microscópio. • Classificação: utilizamos os critérios de semelhança e diferença. Nas séries iniciais, o reconhecimento de materiais que flutuam ou não, vivos e não vivos baseia-se na classificação. • Registro e tomada de dados/construção de tabelas: ajuda na organização dos trabalhos. • Análise: adquire-se essa habilidade ao se trabalhar os dados na solução de problemas. • Síntese: habilidade final de um projeto. • Aplicação: culmina com a apreensão do conhecimento para reinterpretar o mundo. Resulta do amadurecimento
Algumas dessas habilidades são particularmente importantes para as Ciências Naturais e devem ser trabalhadas com maior afinco. Perceba que o papel da experimentação não foi ressaltado como habilidade específica; ela deverá permear todas as atividades que envolvam aquelas habilidades. A Ciência evolui a partir da investigação teórica aliada à investigação experimental. Não devemos privilegiar uma em detrimento da outra.
65 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
e da prática de habilidades citadas anteriormente.
Saiba mais Para ampliar seus conhecimentos sobre o que dizem os PCN para Ciências visite os sites: <http://novaescola.abril. com.br/index.htm?PCNs/pcn_indice> e <http://www.mec. gov.br/sef/estrut2/pcn/pcn1a4.asp>.
SÍNTESE Estudamos aqui que conhecimento científico produzido pela investigação científica, através de seus métodos, não surge apenas da necessidade de encontrar soluções para problemas de ordem prática da vida diária, mas do desejo de fornecer explicações sistemáticas que possam ser testadas e criticadas, ampliando o senso comum ou conhecimento espontâneo. Em outro momento desta unidade, vimos as sugestões apresentadas pelo RCNEI e pelos PCN referentes aos saberes escolares indicados para o ensino de Ciências na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, e vimos ainda que esse conhecimento é parte da vida dos alunos. Entendemos que o conhecimento científico faz parte da vida cotidiana das crianças na idade pré-escolar. Elas são curiosas por natureza e cabe a nós, professores e professoras,
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aguçar essa capacidade. Lembre-se de que essa capacidade não se esgota nas séries seguintes! Sigamos então!
QUESTÕES PARA REFLEXÃO Somos capazes de conhecer a verdade? É possível ao sujeito apreender o objeto? O que as crianças têm aprendido sobre Ciências na escola? Essa disciplina desperta o interesse das crianças? As aulas de Ciências prendem a atenção delas?
LEITURAS INDICADAS OLIVEIRA, C. Conhecimento científico e senso comum. s/d. Disponível
em:
<http://www.filosofiavirtual.pro.br/senso.
htm>. Acesso em: abr. 2008. Para ampliar seus conhecimentos sobre o que dizem os PCN para Ciências visite os sites: <http://novaescola.abril.com.br/ index.htm?PCNs/pcn_indice> e <http://mecsrv04.mec.gov. br/sef/estrut2/pcn/pcn1a4.asp>.
SITES INDICADOS Neste site, você encontrará um artigo interessante sobre conhecimento científico e a habilidade didática no ensino de Ciências: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102255519 97000100011&script=sci_arttext>. http://educar.sc.usp.br/ciencias
REFERÊNCIAS Wolfgand Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. ALVES, R. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Papirus, 2001. ALVES, R. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e a suas regras. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 11-21. BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil? 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 2000.
67 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
ADORNO, T. W. Educação e emancipação. Tradução de
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: maio 2014. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Brasília: MEC/SEF, 1997, v. 4. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro04.pdf>. Acesso em: maio 2014. BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: conhecimento de mundo. Brasília: MEC/SEF, 1998, v. 3. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ pdf/volume3.pdf>. Acesso em: maio 2014. CARVALHO, A. M. P. de; GIL-PÉREZ, D. Formação de professores de Ciências: tendências e inovações. São Paulo: Cortez, 2006. CARVALHO. A. M. P. de et al. Ciências no Ensino Fundamental: o conhecimento físico. São Paulo: Scipione, 1998.
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69 Conhecimento científico, conhecimento cotidiano e relevância do ensino de Ciências
ção de professores. Revista Educação, Santa Maria, v. 28, n.
(3)
Novas tendĂŞncias do ensino de CiĂŞncias
Olá, turma! Nesta unidade, propomos uma reflexão mais abrangente sobre as novas tendências do ensino de Ciências. Discutiremos, ainda, o caráter interdisciplinar das Ciências e algumas estratégias pedagógicas nesta perspectiva. Feito o convite, vamos ao estudo!
3.1 A lgumas tendências Novas abordagens pedagógicas vêm sendo propostas no campo educacional em Ciências. Fala-se em conteúdos interdisciplinares, temas transversais, atitudes e procedimentos adequados frente ao fato científico (BRASIL, 1998). Temos
de ver se está implícita uma nova compreensão da Ciência e sua função social no mundo contemporâneo, na qualidade de vida das pessoas, na constituição da consciência delas. Não se trata de aprender sempre os mesmos conteúdos e repeti-los em provas/provões, mas de saber como a Ciência criou condições para fazer o ser humano se sentir integrado à natureza. O ensino somente se realiza e merece esse nome se for eficaz, se permitir o aprendizado dos alunos e das alunas. Para tanto, o trabalho do professor e da professora deve se direcionar de tal forma que alunos e alunas aprendam conceitos, habilidades, atitudes etc. É necessário que o professor e a professora tenham consciência de que sua ação durante o ensino é decisiva para que o aluno obtenha sucesso no processo de aprendizagem. Para que isso se concretize, Carvalho (1998, p. 12) entende que é preciso considerar alguns fatos: • reconhecer o papel que desempenha a escolha do conteúdo no ensino e na aprendizagem das Ciências; • reconhecer a existência de concepções espontâneas;
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• saber que os conhecimentos são respostas às questões; e • conhecer o caráter social da construção do conhecimento científico. O aluno e a aluna das primeiras séries do Ensino Fundamental, principalmente nas áreas de Ciências, não aprendem conteúdos estritamente disciplinares, “científicos”. Por isso, temos que buscar conteúdos, num recorte epistemológico – isto é, dentro do mundo físico em que a criança vive e brinca –, que possam ser trabalhados nessas séries e que propiciem a construção dos primeiros significados importantes do mundo científico, permitindo que novos conheci-
mentos possam ser adquiridos posteriormente, de uma forma mais sistematizada, mais próxima dos conceitos científicos. Por recorte epistemológico entendem-se métodos, estrutura e validade do conhecimento. A Epistemologia é uma teoria da Ciência que permite a argumentação entre sujeitos sobre um mesmo campo de conhecimento. É importante lembrar que o processo cognitivo evolui sempre numa reorganização do conhecimento, que os alunos e alunas não chegam diretamente ao conhecimento acabado, complexo (se é que ele existe). Este é adquirido por aproximações sucessivas, que permitem a reconstrução dos conhecimentos que o aluno já tem. É importante fazer com que as crianças discutam os fenômenos que as cercam, levando-as a estruturar esses conhecimentos e a construir significados a partir da sua realidade. A criança não consegue explicar todos os fenômenos e problemas – assim como nem todos os adultos e, às vezes, nem mesmo os cientistas conseguem explicação coerente e completa de muitos fenômenos. Precisamos escolher aqueles que cínio, tomando consciência do que fizeram e tentando uma explicação coerente e não mágica. O modo e o papel do ensino de Ciências devem contribuir para que o aluno e a aluna entendam o funcionamento das coisas e do mundo, desfazendo a visão “mítica” de que o mundo funciona por intervenção de forças “ocultas”, como nos alerta Caniato (1987). A escola deve trabalhar com a ideia de que a própria Ciência é provisória, de que é continuamente reconstruída. A História da Ciência nos mostra essa evolução. A História e a Filosofia das Ciências surgem como um recurso útil e necessário para o desenvolvimento de um ensino que pode colaborar para suprir a deficiência atual no ensino de Ciências. Segundo Matthews (1995, p. 165), a História e a Filosofia não apresentam
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façam pôr em prática, por meio de suas ações e de seu racio-
todas as respostas para a crise na qual se encontra o ensino de Ciências, mas podem contribuir significativamente para: [...] humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade; podem tomar [sic] as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas, permitindo, deste modo, o desenvolvimento do pensamento crítico; podem contribuir para um entendimento mais integral de matéria científica, isto é, podem contribuir para o “mar de falta de significação” que se diz ter inundado as salas de aula de ciências [...]; podem melhorar a formação do professor auxiliando o desenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, ou seja, de uma maior compreensão da estrutura das ciências bem como no espaço que ocupam no sistema intelectual das coisas.
A História da Ciência possibilita aos alunos o entendimento sobre as mudanças no pensamento científico através do tempo e sobre como a natureza desse pensamento foi afe-
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tada pelo contexto histórico.
3.2 Noção de concepções espontâneas Os professores precisam ter consciência de que as crianças aprendem a partir do conhecimento que trazem para a sala de aula, somado ao que elas entendem do que lhes é apresentado em classe. É muito importante, também, evitar a surpresa de descobrir que os alunos “aprendem” coisas que o professor jura não ter ensinado.
Trabalhos e pesquisas realizados em três campos distintos – epistemológico, didático e filosófico – sempre nos mostram os mesmos resultados: os alunos e alunas trazem para a sala de aula conhecimentos já construídos, a partir dos quais interpretam o que falamos. Esses conhecimentos foram construídos durante sua vida através de interações com o meio físico e social à procura de explicações para os fenômenos da vida. Anna Maria Pessoa de Carvalho (1998) baseia-se nos trabalhos de Piaget, no campo Epistemologia Genética, indicando como tais estudos propiciaram a compreensão sobre o desenvolvimento do conhecimento. Esses trabalhos demonstram dois aspectos importantes: • a compreensão dos mecanismos pelos quais as crianças aprendem; e • o entendimento de que a criança constrói de maneira espontânea conceitos sobre o mundo que a cerca.
conceituais espontâneos em ensino de Ciências abordada por muitos pesquisadores, por exemplo: Gil-Pérez e Carrascosa (1990); Viennot (1979). A derrubada dos obstáculos já acumulados pela vida “cotidiana” não é tarefa fácil para a escola, mas um caminho é tentar mudar a cultura experimental – passando de uma experimentação espontânea para uma experimentação científica – a fim de que nossos alunos e alunas possam (re)construir seu conhecimento. Quando se fala em construção do conhecimento, não podemos deixar de mencionar o papel da História da Ciência e da Epistemologia Científica. A Ciência não progride sem troca de ideias e sem confronto entre interpretações (KUHN, 2000).
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Carvalho (1998) comprova a existência de esquemas
Anna Carvalho (1998) também nos mostra em suas pesquisas sobre o ensino de Ciências para os primeiros ciclos do Ensino Fundamental que é de fundamental importância propor aos alunos situações-problema. Ao tentar resolvê-las, os alunos se envolvem intelectualmente, constroem hipóteses, possibilitam o teste, procuram causas e assim elaboram os primeiros conceitos científicos, reconstruindo o conhecimento adquirido durante sua vida. No contexto das investigações em ensino de Ciências percebe-se também a influência das relações sociais. Carvalho (1998) revela que, quando se aumentam as oportunidades de conversação e de argumentação durante as aulas, também se incrementam os procedimentos de raciocínio e a habilidade dos alunos e alunas para compreender os temas propostos. Os professores devem criar um ambiente intelectualmente ativo, formando grupos cooperativos, de modo que facilite o intercâmbio entre eles. A função do professor é sistematizar os conhecimentos científicos, assumindo um papel crítico. Se os alunos apresentarem soluções
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incorretas, o professor deve argumentar com novas ideias e contraexemplos. Juan Carlos Tedesco (2006), secretário de Educação da Argentina, convida-nos a refletir sobre educação ambiental, tema recorrente às aulas de Ciências. Recentemente, foram divulgados os resultados do trabalho de um grupo de cientistas que indica que, em 50 anos, o Polo Norte terá desaparecido. Os prognósticos sempre têm datas distantes. Porém, há mudanças previstas para um horizonte que inclui um período mais próximo dos dias atuais. E as catástrofes são, como diriam Ulrich Beck e Anthony Giddens (1995)1, manufaturadas.
1. Esses autores chamam de catástrofes “manufaturadas” aquelas produzidas pelo próprio desenvolvimento da Ciência e da tecnologia.
Não se trata de catástrofes naturais, mas de respostas às ações do ser humano.
Para refletir E o que isso tem a ver com o ensino de Ciências?
Para Tedesco (2006), trata-se de advertir que, na sociedade do conhecimento, formação da cidadania é formação científica. Um cidadão moderno tem ou terá de lidar com questões que exigem uma articulação profunda de informações e conhecimentos. Assim, por exemplo, proteger ou não proteger o meio ambiente e manipular ou não manipular o capital genético das novas gerações são algumas das opções frente às quais os nossos alunos terão de se posicionar de forma cidadã. Com as mudanças, somos obrigados a dominar um conjunto significativo de informações e conhecimentos para tomar decisões do ponto de vista coletivo e não com interesse individual ou corporativista. de ação para uma formação científica que promova a forma-
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ção cidadã. A primeira delas é a educação básica obrigató-
Novas tendências do ensino de Ciências
Tedesco (2006, p. 4) identifica três linhas prioritárias
ria: a formação científica deve estar incorporada ao conteúdo do Ensino Fundamental desde as séries iniciais, pois é nessa fase que acontece a aprendizagem mais socialmente importante, a leitura e a escrita. A segunda linha é a formação de professores. É para isso que vocês estão aqui agora, lendo, estudando, refletindo e aprimorando sua prática. O país de maior êxito no campo da educação é a Finlândia porque aposta na formação, motivação e entusiasmo dos professores. Para melhorar o ensino de Ciências são necessários laboratórios, tempo, computadores etc., mas o fator fundamental é a equipe de professores.
A terceira linha consiste em desenhar estratégias de divulgação científica. A formação escolar pode brindar as bases para compreender os problemas, porém a aprendizagem científica deve acontecer ao longo de toda a vida, por meio de análise e de discussão dos problemas cidadãos, como, por exemplo, consumo sustentável, práticas que economizem energia, entre outros.
3.3 A interdisciplinaridade O termo “interdisciplinaridade” foi introduzido gradativamente a partir de 1972. Na década de 1990, esse termo foi um dos mais representativos nos eventos sobre formação de professores. Um dos pioneiros a descrever o termo foi Hilton Japiassu na sua obra Interdisciplinaridade e patologia do saber (1976), trabalhando esse conceito no campo epistemológico. Japiassu (1976, p. 53) afirma: Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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[...] a interdisciplinaridade surge como uma necessidade imposta pelo surgimento cada vez maior de novas disciplinas. Assim, é necessário que haja pontes de ligação entre as disciplinas, já que elas se mostram muitas vezes dependentes umas das outras, tendo em alguns casos o mesmo objeto de estudo, variando somente em sua análise.
A proposta trazida por George Gusdorf no final da década de 1960 influencia também Ivani Fazenda, que aplica tal conceito ao campo pedagógico. Para Ivani Fazenda (2002), não existe um conceito único para interdisciplinaridade; o enfoque depende, basicamente, da linha teórica de quem
pretende defini-la, embora algumas características se mantenham: a intensidade das trocas entre os especialistas e a integração das disciplinas num mesmo projeto. Assim podemos concordar perfeitamente com Fazenda (2002, p. 30) quando nos diz que: [...] o educador que pretende prosseguir numa tarefa interdisciplinar de ensino e pesquisa precisa estar aberto às inovações, o que não significa aderir a elas de imediato; o fundamental é tornar-se disponível para saber que existem e que constituem novas possibilidades de investigação e conhecimento.
Desde que o termo apareceu, houve uma preocupação em definir a terminologia em relação ao mesmo. Aparecem quatro níveis ou conceitos básicos associados à interdisciplinaridade: pluri, multi, inter e transdisciplinaridade. No âmbito da pluri e da multidisciplinaridade, ambos os níveis se baseiam numa atitude de justaposição de conteúdos de disciplinas heterogêneas ou de integração de conteúPor sua vez, no âmbito da interdisciplinaridade, as práticas se baseiam na reciprocidade e interação entre as disciplinas; dependem de uma mudança de atitude perante o problema do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentada pela unitária do ser humano. O quarto e último nível, a transdisciplinaridade, é o mais abrangente e o mais utópico, pois pressupõe uma transcendência de um conhecimento científico sobre os outros. Paulo Afonso Ronca (2001), em entrevista à Revista Nova Escola, afirma que esse é um conceito que surgiu há algumas décadas. Jean Piaget o utilizava para referir-se a um estágio superior das relações entre as disciplinas na escola. “O pen-
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dos da mesma disciplina.
samento transdisciplinar nos leva a buscar o universal, uma nova dimensão, quem sabe a transcendental... Aqui temos espaço para um pensamento tão amplo quanto aberto; tão extenso quanto dilatado” (RONCA, 2001, p. 20). No quadro a seguir, especificamos algumas considerações de Ivani Fazenda (2002) sobre como a interdisciplinaridade deve ser admitida de modo que permita uma reflexão crítica e aprofundada pelos professores e professoras. • Um meio de conseguir melhor formação geral, pois permite a identificação entre o vivido e o estudado. • Um meio de atingir melhor formação profissional, pois permite aquisição de novos conhecimentos e novas descobertas. • Um meio de educação permanente, posto que através da subjetividade permite a troca de experiências. • Uma forma de compreender e modificar o mundo. • Superação do binômio ensino-pesquisa, visto que nesse enfoque pedagógico a pesquisa se constitui como forma de aprendizagem.
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Fonte: adaptado de Fazenda (2002, p. 32).
No campo da Pedagogia, a interdisciplinaridade representa a possibilidade de promover a superação da dissociação das experiências entre si, como também delas com a realidade social. Ela emerge da compreensão de que o ensino não é tão somente um problema pedagógico, e sim um problema epistemológico. O objetivo da interdisciplinaridade nesse contexto consiste em promover a superação da visão restrita de mundo e a compreensão da complexidade da realidade. A interdisciplinaridade pode ser experienciada em todas as áreas de conhecimento. No caso de Ciências, é muito fácil perceber a articulação entre seus conceitos com
as demais áreas. Heloísa Lück (1994) nos diz que a interdisciplinaridade constitui condição para a melhoria da qualidade do ensino em Ciências, mediante a superação contínua da sua clássica fragmentação (por exemplo: Química separada da Física ou da Biologia), uma vez que a Ciência orienta a formação global do ser humano, especialmente na chamada Sociedade da Informação e do Conhecimento, pautada nos avanços científicos e tecnológicos das chamadas Novas Tecnologias da Comunicação e da Informação (NTCI). Em sala de aula, no plano imediato, a formação integral ocorre à medida que os educadores estabelecem: • o diálogo entre suas disciplinas, eliminando as barreiras artificialmente postas entre os conhecimentos produzidos; e • a interação entre o conhecimento e a realidade concreta, as impressões de vida, que sempre dizem respeito a todas as áreas do conhecimento (LÜCK, 1994).
posta de modo a contribuir para superar a dissociação do conhecimento já produzido, orientar a produção de uma nova ordem do conhecimento e, em relação ao ensino, melhorar a qualidade de vida das pessoas, uma vez que possibilita ao aluno uma visão globalizada do mundo e de si mesmo no mundo. O mundo em que as crianças vivem se constitui num conjunto de fenômenos naturais e sociais. A intenção do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) (BRASIL, 1998) é fazer um trabalho de forma integrada, respeitando as especificidades de cada área.
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A interdisciplinaridade no campo da Ciência é pro-
3.4 C iências Naturais e Ciências Sociais: conhecimentos interdisciplinares Na Educação Infantil, segundo o RCNEI, a área de Ciências está atrelada ao eixo Natureza e Sociedade, no qual o objetivo é ampliar a curiosidade da criança, incentivá-la a levantar hipóteses e a construir conhecimentos sobre os fenômenos físicos e químicos, sobre os seres vivos, sobre a relação entre o homem, a natureza e as tecnologias. É objetivo das Ciências Naturais e Sociais estimular e ajudar a criança a pensar e desenvolver atitudes de observação e comparação das paisagens, do lugar que habita, das relações entre o homem, o espaço e a natureza. A criança deve conhecer como a ação humana transforma o planeta e, consequentemente, interfere na forma e na qualidade de vida Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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das pessoas (BRASIL, 1998). Trabalhar com os conhecimentos das Ciências Sociais na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino Fundamental significa lidar com o nível de desenvolvimento da reflexão crítica sobre os grupos humanos, suas relações, suas histórias, suas formas de se organizar, de resolver problemas e de viver em diferentes épocas e locais. A família, a escola, a religião, o entorno social (bairro, comunidade), o campo, a cidade e o país são esferas da vida humana que comportam inúmeras organizações e que estão interligadas às Ciências Naturais. Atualmente, a interdisciplinaridade, como paradigma de conhecimento, está influenciando todo o pensamento cien-
tífico. O conhecimento fragmentado dá lugar à multirreferencialidade e à complexidade, ampliando e articulando o fazer e o pensar científico nas mais diferentes áreas de conhecimento. Para Morin (2000, p. 61), [...] A educação deveria mostrar e ilustrar o destino multifacetado do humano: o destino da espécie humana, o destino individual, o destino social, o destino histórico, todos entrelaçados e inseparáveis. Assim, uma das vocações essenciais da educação do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana. Conduziria à tomada de conhecimento, por conseguinte de consciência, da condição comum a todos os humanos e da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas, sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra [...].
Nessa perspectiva, é importante deixar claro que a prática docente, ao adotar a interdisciplinaridade no desenvolvimento do currículo escolar, não significa optar pelo pluriespecialização, bem difícil de imaginar, com risco de
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ocorrer o sincretismo e a superficialidade. Para maior cons-
Novas tendências do ensino de Ciências
abandono das disciplinas nem supor para o professor uma
ciência da realidade, para que os fenômenos complexos sejam observados, vistos, entendidos e descritos, torna-se cada vez mais importante a confrontação de olhares plurais na observação da situação de aprendizagem. Daí a necessidade de um trabalho de equipe realmente integrado, colaborativo e pluridisciplinar. No quadro a seguir estão dispostas algumas considerações, com base em Hamze (s/d.), evidenciando o que a interdisciplinaridade oferece a todos os envolvidos no processo educativo diante do conhecimento.
Todos ganham com a interdisciplinaridade Os alunos, porque: • aprendem a trabalhar em grupo, do início ao fim de um projeto; • encontram lições práticas; • vivenciam a experiência de fazer uma prova interdisciplinar (em dupla); e • melhoram o relacionamento com os colegas. Os professores, porque: • se veem forçados, pelos próprios alunos, a ampliar seus conhecimentos de outras áreas, o que melhora a formação; • têm menos problemas de disciplina do que imaginavam nas aulas fora da sala; • espantam o tédio do planejamento e de sua execução durante o ano letivo; e • também melhoram o relacionamento entre colegas.
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A escola, porque: • desempenha o programa de maneira ágil e eficiente; • vê seus alunos comentarem a experiência junto à comunidade; e • tem menos problemas com disciplina, pois muitos trabalhos em grupo são feitos durante os intervalos.
Esse quadro mostra-nos que a interdisciplinaridade se manifesta por um fazer coletivo e colaborativo na organização da escola. Permite romper com a visão fragmentada e descontextualizada tanto da Ciência quanto das outras disciplinas, promovendo aprendizagens mais significativas. A construção de conhecimentos interdisciplinar é orientada por métodos e pressupostos que se diferenciam em muito do conhecimento disciplinar (LÜCK, 1994). Vamos
conhecer alguns pressupostos e métodos do ensino de Ciências na perspectiva interdisciplinar? Para Heloísa Lück (1994), os pressupostos a serem considerados são: • A realidade é construída mediante um conjunto de eventos e fatores que desencadeiam consequências. • A realidade é dinâmica, está em contínuo movimento e é construída socialmente. • A verdade é relativa. Quanto aos métodos, Lück (1994) destaca: • A interdisciplinaridade não é obtida por conhecimentos desvinculados da realidade. • A construção do conhecimento interdisciplinar se processa por etapas de maturação da consciência. • O conhecimento é unitário, ou seja, as diversas Ciências • O conhecimento produzido por qualquer área representa um modo parcial e limitado da realidade. A interdisciplinaridade expõe um trabalho de inter-relações entre os objetos do conhecimento, objetiva um diálogo entre as fontes do saber e parte da premissa de que nenhuma forma de conhecimento é por si mesma exaustiva e completa. Assim devemos levar em consideração a validade do senso comum, que dá sentido ao cotidiano de nossos alunos. No entanto, devemos ampliar o diálogo com o conhecimento científico, enriquecendo dessa forma a aprendizagem das crianças.
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se prendem umas às outras por vínculos de afinidade.
3.5 Contextualização A noção de contextualização entrou em pauta a partir da reformulação do Ensino Médio, amparada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), com a intenção de orientar escolas e professores a tratarem os conhecimentos de forma contextualizada, aproveitando relações entre contexto e conteúdos, de modo que desse significado ao aprendido pelos alunos. O novo currículo está estruturado pelos eixos da Contextualização e da Interdisciplinaridade. A contextualização parte da ideia de que “[...] todo conhecimento tenha como ponto de partida a experiência do estudante, o contexto em que está inserido, e na qual vai atuar como trabalhador, cidadão, um agente ativo de sua comunidade” (BRASIL, 1997, p. 21).
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Ainda, a contextualização imprime significado e relevância dos conteúdos estudados, desenvolve competências a partir do saber inicial dos alunos e permite ampliar o nível de conhecimentos de modo que possam se integrar na sociedade. A partir da realidade vivenciada pelos alunos, a contextualização permite a assimilação dos conceitos científicos; dessa forma, a aprendizagem torna-se significativa. Partindo da realidade concreta dos alunos, indo além do senso comum, a contextualização permite construir uma ponte entre a Ciência e o conhecimento cotidiano. Essa abordagem é um importante meio de estimular a curiosidade do aluno, ampliando e aprofundando seus conhecimentos. A pertinência de um processo de ensino-aprendizagem contextualizado está condicionada à possibilidade de levar
o aluno a ter consciência sobre seus modelos de explicação e compreensão da realidade, reconhecê-los como equivocados ou limitados, enfrentar o questionamento, colocá-los em xeque num processo de desconstrução de conceitos e reconstrução/apropriação de outros. Uma sugestão para se trabalhar de forma contextualizada é a problematização de fatos cotidianos, indagando os alunos sobre “o porquê” de tais acontecimentos. Questionamentos desse tipo podem ajudar o estudante a saltar da informação factual para a análise, além de ajudá-lo a organizar o pensamento. Ao se propor soluções e respostas, há um estímulo das exposições individuais e discussões coletivas.
SÍNTESE Estudamos nesta unidade algumas das novas tendências que o ensino de Ciências tem proposto para que nossos alunos e alunas se sintam fazendo Ciência e contribuam com os professores na sistematização dos conhecimentos científicos. tualização, pressupostos básicos para uma prática docente na elaboração do conhecimento científico. Esses dois termos não consistem na desvalorização das disciplinas, mas na articulação entre elas, permitindo um ciclo completo e dinâmico do conhecimento. Avante!
REFLEXÃO Um novo programa de educação pode e deve questionar as condições sociais dadas para depois reconhecer a condição humana: “antropológica, ecológica, cívica, terrena, espiritual” (MORIN, 2003, p. 76).
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Focamos um pouco na interdisciplinaridade e contex-
A respeito dessa reflexão sobre o ensino de Ciências, percebemos que a alfabetização científica, a formação de professores e a utilização da História da Ciência são peças norteadoras na educação. Você concorda?
QUESTÕES PARA REFLEXÃO O Ensino Fundamental pode se basear também no princípio da contextualização? O que você acha? Qual dos conceitos (inter, multi, trans ou pluridisciplinaridade) você utiliza em suas aulas ou gostaria de utilizar?
LEITURAS INDICADAS MORTIMER, E. F. Construtivismo, mudança conceitual e ensino de Ciências: para onde vamos? Investigações em Ensino de Ciências, v. 1, n. 1, pp. 20-39, 1996. Disponível em: <http:// www.if.ufrgs.br/ienci/artigos/Artigo_ID8/v1_n1_a2.pdf>. Acesso em: maio 2014.
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A partir desse texto, pense em estratégias que podem facilitar a atuação construtivista em sala de aula. Que estratégias de ensino-aprendizagem permitem a mudança conceitual? INTERDISCIPLINARIDADE. s/d. Disponível em: <http:// revistaescola.abril.com.br/edicoes/0188/aberto/mt_105135. shtml>. Acesso em: maio 2008. LÜCK, H. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos teórico-metodológicos. Petrópolis: Vozes, 1994.
REFERÊNCIAS BECK, U.; GIDDENS, A. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Moderna, 1995. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: maio 2014. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Brasília: MEC/SEF, 1997, v. 4. Disponível em: <http://portal.mec. gov.br/seb/arquivos/pdf/livro04.pdf>. Acesso em: maio 2014. BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: conhecimento de mundo. Brasília: MEC/SEF, 1998, v. 3. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ pdf/volume3.pdf>. Acesso em: maio 2014.
uma alternativa brasileira para o ensino da Ciência. Campinas: Papirus, 1987. CARVALHO, A. M. P. de et al. Ciências no Ensino Fundamental: o conhecimento físico. São Paulo: Scipione, 1998. FAZENDA, I. C. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2002. GIL-PÉREZ, D.; CARRASCOSA, J. O que a Ciência pensa sobre concepções espontâneas? Ciência e Educação, v. 74, n. 4, pp. 7-19, 1979.
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CANIATO, R. Com Ciência na educação: ideário e prática de
HAMZE, A. Postura interdisciplinar no ofício de professor. s/d. Disponível em: <http://educador.brasilescola.com/gestao-educacional/postura-interdisciplinar-no-oficio-professor.htm>. Acesso em: maio 2014. JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro, Imago, 1976. KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. LÜCK, H. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos teórico-metodológicos. Petrópolis: Vozes, 1994. MATTHEWS, M. R. História, Filosofia e ensino de Ciências: a tendência atual de reaproximação. Caderno Catarinense do Ensino de Física, v. 12, n. 3, pp. 164-214, dez. 1995. MORIN, E. Terra-pátria. Porto Alegre: Sulina, 2000.
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MORIN, E. Os setes saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, UNESCO, 2003, p. 14. RONCA, P. A. O conhecimento total. Revista Nova Escola, v. 14, n. 148, p. 20, dez. 2001. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0148/aberto/mt_246012.shtml>. Acesso em: maio 2008. TEDESCO, J. C. Formação cidadã e formação científica. Pátio Revista Pedagógica, n. 38, pp. 2-4, maio-jul. 2006.
VIENNOT, L. Spontaneous reasoning in elementary dynamics. European Journal of Science Education, v. 1, n. 2, pp. 205-222, 1979.
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P lanejamento em CiĂŞncias: objetos de estudo, mĂŠtodos e estratĂŠgias
Olá, turma! Nesta unidade, enfatizaremos os aspectos que costumamos tratar como “a parte prática” da ação docente. É preciso conhecer bem nosso objeto de estudo que vai ser sistematizado, de forma a permitir melhor aprendizagem aos alunos. Em seguida, veremos que as estratégias de ensino devem incluir funções de orientação no desempenho das atividades, explanações dos fenômenos e processos e correções, individuais ou em equipe, citando exemplos e/ou contraexemplos no decorrer das interações. Sigamos em frente!
4.1 Ensino-aprendizagem de Ciências: conhecimento e prática Vamos destacar agora alguns conceitos/conteúdos importantes, relacionados à área de Ciências, que devem ser desenvolvidos na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Na hora de trabalhar esses conhecimentos científicos, não devemos perder de vista que a Ciência é uma construção humana, passível de mudanças, produto das relações históricas e sociais, devendo sempre ser articulada às demais áreas de conhecimento.
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Os termos destacados a seguir constituem os conteúdos/conceitos da disciplina Ciências, assumidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997):
SOLO; CORPO HUMANO; ÁGUA; ECOLOGIA; CLIMA/TEMPO; ANIMAIS; PLANTAS; ASTRONOMIA; ENERGIA; ELETRICIDADE; TECNOLOGIA Os conteúdos são apresentados na forma de blocos temáticos, facilitando o enfoque interdisciplinar das Ciências Naturais. Esses blocos indicam perspectivas de abordagem e dão a organização dos conteúdos sem se configurarem numa “camisa de força”, num padrão rígido, para os professores.
Vamos conhecer um pouco sobre cada conteúdo de forma a melhorar a prática, PARA COMEÇO DE CONVERSA!
4.1.1 Estudando o solo... O estudo sobre o planeta Terra nas séries iniciais do Ensino Fundamental deve ser iniciado com fenômenos menos complexos, que estejam mais próximos possível do cotidiano dos nossos alunos e alunas. Por exemplo, a coleta de “pedras” e amostras de solo ou minerais já é um bom estímulo para começar a discussão sobre o tema. De maneira fácil e prática, um dia simples de chuva pode ser também o ponto de partida para que os alunos constatem o carreamento de partículas a partir da observação de poças de lama. O terreno sobre o qual as crianças caminham e onde a maior parte das plantas se desenvolve também é uma fonte de conhecimento do nosso Planeta. As crianças frequentemente brincam com diferentes de formação geológica da Terra através da análise de materiais de sua região. Você, professor ou professora, ao desenvolver atividades com solos, não se esqueça de relacionar as inúmeras formas por meio das quais o homem transforma as paisagens terrestres.
Sugestão Planejar atividades práticas para conhecer a capacidade de diferentes tipos de solo no que se refere à absorção de água é um exercício interessante. As crianças vão adorar!
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tipos de solo (areia, barro), portanto podem iniciar o estudo
Experimento: permeabilidade do solo Você vai precisar de: • 3 potes de plástico transparente (você pode utilizar garrafas de refrigerante vazias cortadas ao meio); • 3 funis de plástico (também pode ser utilizado o gargalo da garrafa de refrigerante); • algodão ou gaze (para tampar o fundo do funil); • 3 porções, em iguais proporções, de solo: argiloso, arenoso e humoso (matéria orgânica) – todos secos; e • água.
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Procedimentos: coloque o algodão ou gaze fechando o funil. Acomode-o em cima do pote de plástico transparente. Misture separadamente água a cada tipo de solo. Depois o despeje sobre o funil. Esse experimento dirige a observação dos alunos para a permeabilidade dos diferentes tipos de solo. Peça a eles para desenharem o que observaram e faça os questionamentos necessários. Observação: nos experimentos com crianças evite o uso de recipientes de vidro.
CONTINUANDO A CONVERSA!
4.1.2 Água Aprender as características básicas dessa substância, bem como reconhecer a necessidade de sua conservação e emprego, é requisito elementar para a sustentabilidade do planeta e deve ser trabalhado com nossos alunos e alunas. Trabalhe com a ideia de que encontramos água em diversos tipos de ambientes e que nem sempre ela está sob uma mesma forma. Para que os alunos e alunas desenvolvam múltiplos aspectos do ensino de Ciências, é importante permitir a realização de experimentos. A água é um dos conteúdos que mais possibilita esse tipo de atividade.
Sugestão Há uma infinidade de possibilidades. Você pode estudar as mudanças de estado físico da água (evaporação, condensação ou solidificação) com um simples cubo de gelo ou um saco de plástico transparente com terra de jardim fechado e exposto ao sol. A questão da densidade pode ser explorada nas séries iniciais com a abordagem sobre a flutuação de materiais, conforme o experimento a seguir.
Experimento: densidade Você vai precisar de: • objetos variados: cortiça, legumes, frutas, pregos, madeira, plástico, bolinhas de isopor, clipes, borracha de apagar, lápis, tesoura, pedras, potinho fechado cheio de água, potinho fechado vazio; • um recipiente grande de plástico; e Procedimentos: construa um painel antes de iniciar o experimento, fazendo uma votação com as crianças para definir qual objeto flutuará ou afundará. Realize o experimento pedindo aos alunos que coloquem os objetos no vasilhame e observe o que acontece com cada um deles. No final do teste, reveja a lista coletiva inicial e confronte os resultados a partir das hipóteses iniciais.
Para ampliar suas leituras sobre o tema, leia a reportagem “Bóia ou afunda?” na Revista Nova Escola, de novembro de 2006, em que as etapas do método científico foram aplicadas em uma turma de 1ª série pela professora Maria Cristina. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/ edicoes/0197/aberto/mt_187220.shtml>. CONTINUANDO...
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• água.
4.1.3 Plantas O estudo das plantas pode possibilitar reconhecer muitos aspectos da vida dos organismos vivos. As crianças podem aprender sobre o crescimento, a manutenção e os cuidados necessários à sobrevivência desses seres. Facilita o desenvolvimento do senso de responsabilidade para com os organismos vivos. As crianças podem obter plantas a partir de sementes/ mudas e dedicar alguns minutos diários para o cuidado da planta e para a percepção do seu desenvolvimento. Podem também aprofundar atividades que contemplem o reconhecimento da legislação ambiental local e os tipos de vegetação de sua cidade.
Sugestão
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No mundo vivo, uma das características marcantes dos seres é a reprodução. Esse é o mecanismo responsável pela continuidade da vida. Que tal realizar alguns experimentos para descobrir aspectos interessantes sobre esse processo? Conseguir sementes de feijão, milho, limão e promover sua germinação é muito fácil. E as indagações começarão a aparecer: qual semente germina mais rápido? Em que direção elas crescem? Como é o crescimento do caule? O que foi necessário para que elas germinassem?
Experimento: desenvolvimento das plantas Você vai precisar de: • 1 pote de plástico transparente; e • 1 batata-doce. Procedimentos: coloque uma parte da batata-doce mergulhada no pote e deixe-o num lugar iluminado trocando a água três vezes por semana. Quando brotar, os alunos poderão plantá-la na terra. Esse experimento permite a verificação da formação de uma nova planta. Fonte: Guerra (1998).
SEGUINDO ADIANTE...
4.1.4 Animais Antes mesmo de ingressar na escola, as crianças já tiveram contato com algum animal e essa aproximação despertou, sem dúvida, sua curiosidade, originando indagações: de onde ele veio? O que ele come? Por que ele lambe o corpo? Quando ele dorme? Uma opção para estudar animais é a observação de animais mais próximos dos alunos, que façam parte de sua comunidade, de seu bairro, de sua cidade. O estudo dos animais, juntamente com as plantas, possibilita o entendimento do papel dos seres humanos na manutenção do equilíbrio dos ecossistemas, através da oportunidade de observações variadas, gerando interesse, curiosidade e sensibilização para com os demais seres vivos do ambiente. Não se esqueça de tratar questões relacionadas a aniquestão dos piolhos é uma demanda importante nas escolas de modo geral. Muitas vezes, as circulares enviadas à família avisando da ocorrência dos parasitas podem afastar os alunos das atividades regulares. A concepção de saúde precisa congregar esforços para implementar ações que melhorem a qualidade de vida das pessoas.
Sugestão Uma boa sugestão é colocar “bebedouros” ou “comedouros” no pátio da escola e observar os nossos vizinhos (pássaros, borboletas) que por ventura venham visitar a escola. A partir dessa observação, é interessante verificar como eles se alimentam, qual o horário, se aparecem em grupos ou isolados...
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mais que podem parasitar nossos alunos, como piolhos... A
Experimento: minhocário Você vai precisar de: • um recipiente grande de vidro; • terra vegetal; e • minhocas. Procedimentos: coloque a terra dentro do recipiente junto com as minhocas e peça aos alunos para realizar a observação da forma de locomoção desses animais. Para complementar peça à turma para ler o livro: A vida da minhoca (1997), de Rosicler Rodrigues, editado pela Moderna (São Paulo). Você também pode explorar a importância desses animais na fertilização natural do solo, já que as excretas das minhocas são ricas em matéria orgânica, constituindo-se assim em um excelente adubo. INVESTIGANDO... Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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4.1.5 Corpo humano Uma vantagem de se estudar o corpo humano é que somos nós o próprio “laboratório”! Uma grande quantidade de atividades nos permite a descoberta de detalhes sobre o corpo humano e, se assim o desejar, um grande conjunto de investigações mais profundas, que possibilitará a evidência de inter-relações físicas, químicas e biológicas do nosso corpo com conceitos científicos. O corpo humano pode ser considerado o resultado da interação entre diferentes órgãos e estruturas. Uma enorme quantidade de funções ocorre a todo momento, permitindo o funcionamento integrado com outros organismos e também conosco. Uma atividade muito fácil de fazer consiste em reconhecer características externas que distinguem os seres humanos entre si e em relação a outros seres vivos, utilizando
um espelho grande que dê para ver o corpo inteiro. Procure estimular os alunos a evidenciarem aspectos como número de dedos, número de membros, cor do cabelo, tipo de cabelo, altura... É na infância que se inicia a consciência corporal, é importante adquirir o hábito de sentir, perceber e cuidar do corpo. É esperado que as crianças apresentem muita curiosidade em conhecer o corpo humano. Elas observam seu corpo e fazem muitos questionamentos, buscando compreender as diferenças percebidas entre meninos e meninas, gente grande e gente pequena...
Sugestão Usar uma medida padrão (metro e grama) para comparar altura e massa dos corpos dos alunos, percebendo as diferenças e semelhanças, para isso utilize trena ou fita métrica e balança portátil, depois faça a tabulação das medidas construindo gráficos.
Experimento: desenhando o corpo Você vai precisar de: • papel metro branco ou pardo; e • lápis, hidrocor, lápis de cor, borracha. Procedimentos: solicite que um aluno ou aluna se deite sobre a folha de papel, e outro colega fará o contorno. Depois peça para desenhar a localização de alguns órgãos, como coração, pulmão, rins, estômago... Essa atividade pode ser realizada antes de eles conhecerem o assunto e depois de terem aprendido sobre os sistemas que compõem o organismo. Fonte: Guerra (1998).
EXPLORANDO...
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4.1.6 Meio ambiente A Ecologia é o principal referencial teórico para os estudos ambientais. Em uma definição ampla, a Ecologia estuda as relações de interdependência entre os organismos vivos e destes com os componentes sem vida do espaço que habitam, resultando em um sistema aberto denominado ecossistema (BRASIL, 1997, p. 36).
Os conhecimentos ecológicos possibilitam a identificação das ações humanas prejudiciais ao meio ambiente e orientam a busca de soluções para os problemas decorrentes dessas ações. Os conceitos de interação, diversidade, organização, indivíduos, populações e interdependência são essenciais para um trabalho ligado à educação ambiental. A Ecologia orienta as atividades ligadas à educação ambiental.1
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Sugestão Construir um ecossistema artificial. Pode ser até um terrário numa garrafa PET1.
Experimento: ecossistema Você vai precisar de: • garrafas de refrigerante cortadas ao meio; • terra vegetal, cascalho, areia; • papel filme; • fita crepe; • mudas de plantas ainda pequenas, menores que o recipiente; e • animais pequenos: tatuzinho de jardim, aranhas, formigas, insetos, minhocas...
1. PET significa polietileno tereftalato, uma resina plástica e um tipo de poliéster. PET é o tipo de plástico identificado com o número 1 dentro de um triângulo no fundo das garrafas ou recipientes comumente usados para envasar refrigerantes.
Procedimentos: coloque um pouco de cascalho, areia e terra em camadas, umedeça a terra e introduza as plantas e os animais. Feche a garrafa com papel filme. Acomode-a em local iluminado e faça observações diárias sobre o desenvolvimento das plantas e dos animais, verificando como esse ecossistema mantém seu equilíbrio. Fonte: Siqueira (2000).
SERÁ QUE VAI CHOVER?
4.1.7 Estudando clima e tempo Desde muito cedo, as crianças começam a perceber muitas sensações ambientais que podem ser consideradas atributos do clima, ou melhor, das condições atmosféricas de temperatura, pressão, luminosidade e de tantos outros fatores que, integrados à dinâmica de funcionamento da natureza, acabam por determinar padrões metrológicos ticos aconteça relativamente distante da compreensão de nossos alunos, as crianças podem estudar essas condições de forma direta, coletando dados relacionados à temperatura, à umidade, à pressão atmosférica, aos ventos e à precipitação pluviométrica (chuva). Você deve estimular seus alunos a “desvendar alguns mistérios” sobre o clima de sua região e descobrir maneiras para trabalhar as questões relativas ao tempo.
Sugestão Construir um pluviômetro, um barômetro, uma biruta ou um anemômetro, instrumentos que estão presentes numa estação meteorológica.
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específicos. Ainda que a maior parte dos eventos climá-
Experimento: pluviômetro Você vai precisar de: • 1 funil de plástico (pode ser o gargalo de uma garrafa de refrigerante PET); • 1 garrafa PET vazia (sem o gargalo); • 1 régua; e • fita adesiva. Procedimentos: fixe a régua na parte externa da garrafa com uma fita adesiva forte. Coloque o funil sobre a garrafa e deixe ao ar livre. Meça a altura da água da chuva acumulada na garrafa. Repita o procedimento em dias variados e compare as medidas, durante estações do ano diferentes. Essa atividade ajuda os alunos a medirem a quantidade de chuva em diferentes épocas do ano. Em atividades como essas podem ser utilizadas sucatação, diversão e arte, aliando o caráter lúdico ao conteúdo
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tas e materiais reutilizáveis com o objetivo da experimen108
ambientalista. No processo de investigação científica, tais experimentos ajudam na compreensão de conceitos básicos, desenvolvendo a capacidade de resolver problemas. Sendo também viável, organize pequenas saídas para que os alunos percebam os efeitos de longos períodos de estiagem nas plantas ou o trabalho da água em diferentes tipos de solo, procurando relacionar as alterações ocorridas com o tipo de solo da região. Não se esqueça das músicas e da dança. Elas são instrumentos preciosos para animar atividades, integrar os alunos e possibilitar a apresentação de termos específicos de linguagem científica. O CÉU E AS ESTRELAS...
4.1.8 Astronomia Cada vez mais imersos num mundo urbano, somos muitas vezes ofuscados pelo brilho das luzes da cidade, o que nos faz esquecer que a astronomia sempre foi um assunto que despertou a curiosidade humana. “Três Marias”, “Estrela Dalva” e “Cruzeiro do Sul” são termos que nos reportam a imagens de planetas, constelações, satélites, enfim, uma infinidade de corpos celestes que nos atraem e nos fascinam. Como professores, devemos reconhecer a motivação natural que as crianças têm para esses assuntos e procurar facilitar as respostas para tantas dúvidas que enchem suas cabecinhas. As atividades de observação devem ser realizadas durante o dia e de preferência em dias com Sol. Pode-se associar esse conteúdo com aspectos geográficos e variações climáticas de sua região.
Para ampliar seu estudo, consulte o site da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Olhos para o infinito, disponível em: <www.ufsm.br/mastr/olhos1.htm>. Na Bahia, o Observatório Astronômico Antares, localizado em Feira de Santana, recebe alunos de escolas públicas e particulares, visando despertar e desenvolver o espírito científico e tecnológico da população em geral, além de popularizar a Ciência e a tecnologia, através da alfabetização científica, dentro de um processo de inclusão social a partir da aprendizagem.
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Saiba mais
Experimento: relógio de Sol Você vai precisar de: • compasso; • régua; • cartolina branca; • isopor; • massa de modelar; • cola de isopor; e • tesoura.
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Procedimentos: corte um círculo no isopor e na cartolina com 12 cm de raio. Cole a cartolina no isopor. Divida o círculo em quatro, fure o círculo no cruzamento das linhas. Fixe o lápis no centro com a ajuda da massa de modelar. Escreva nas pontas das linhas os números 12, 3, 6 e 9, como nos relógios. Coloque o relógio ao Sol, alinhando o número 12 com o Sul. No decorrer do dia, vá traçando a sombra do lápis na cartolina. No relógio de Sol, as horas são indicadas pelo local onde a sombra do lápis se projeta. Observação: não tire o relógio de Sol do lugar.
FECHANDO O CIRCUITO...
4.1.9 Eletricidade Considerada um dos mais elementares fenômenos da natureza, a eletricidade (de motores, de equipamentos eletrônicos, de eletrodomésticos e até de muitos chips de computadores) completa esta primeira parte da unidade. Em muitas casas nossos alunos, ao acordar, escutam o barulho do rádio-despertador tocando uma música. Ao sair do quarto pressionam o interruptor e apagam a lâmpada. Encaminham-se para o banheiro e acionam o interruptor, que acende a lâmpada. Tomam banho quentinho antes de ir
para escola... E assim poderíamos citar uma infinidade de atividades que empregam essa força. Dificilmente nós pensaríamos passar os dias de hoje sem eletricidade. As descobertas começaram com Benjamin Franklin, no século XVIII, e hoje empolgam muitos pesquisadores quanto à aplicabilidade e aperfeiçoamento de tecnologias (pilhas, eletromagnetismo, motor elétrico, gerador, bobina...). Em educação, as atividades com eletricidade e magnetismo são mais concentradas nas séries finais do Ensino Fundamental. O importante é buscar desenvolver esquemas mentais (modelos) que possibilitem aos alunos explicar os fenômenos, pois não há como observar os elementos físicos (cargas elétricas). Os modelos são “imagens” ou representações significativas construídas pelos alunos como forma de explicação de Você já sabe que o uso de materiais concretos com
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crianças pequenas facilita a formação posterior de esquemas
Planejamento em Ciências: objetos de estudo, métodos e estratégias
um objeto ou fenômeno.
mentais. Mesmo que as atividades envolvam entretenimento, não considere que diversão seja perda de tempo.
Sugestão Depois que vivemos o “apagão”, ficou claro que corremos riscos em depender exclusivamente do modelo energético brasileiro. Proponha um trabalho coletivo sobre fontes alternativas de energia. Trabalhe também com simulações de construção de uma nova usina em sua região, avaliando o impacto ambiental no ecossistema.
Experimento: eletrização Você vai precisar de: • canudos plásticos de refresco; e • papel higiênico ou flanela. Procedimentos: dê a cada aluno um canudo e peça para que o objeto seja friccionado contra o papel higiênico ou flanela. Depois encoste o canudo, na porta ou no quadro-negro. Parece mágica, mas é atração elétrica!! A eletrização momentânea entre dois corpos permite que as cargas elétricas não se movimentem, isto é eletricidade estática.
4.2 P ropostas pedagógicas Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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O processo de ensino-aprendizagem exige de nós, professores e professoras, muito mais que o conhecimento sobre os conteúdos da área de conhecimento com a qual trabalhamos, em nosso caso, Ciências. Para que o fazer pedagógico ocorra de forma adequada, exitosa e significativa, é preciso que conheçamos e sejamos capazes de fazer um bom planejamento, o qual possua conteúdos, estratégias, recursos e avaliações coerentes com os objetivos delineados. Segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002, p. 161), nos cursos de formação continuada para professores, [...] percebe-se a excessiva preocupação com a perspectiva metodológica a ser adotada. Geralmente, os professores e as professoras, com base em sua vivência de sala de aula, solicitam oficinas pedagógicas para saber como desenvolver
determinada metodologia, acreditando ser a única responsável pelo sucesso de todo o processo de ensino/aprendizagem.
Ao longo do tempo, nota-se a euforia dos professores a cada nova proposta que surge, a qual eles adotam e defendem como se fosse a “salvadora” dos problemas da educação. Foi assim com os “centros de interesse”, “temas geradores”, “projetos de trabalho”, “resolução de problemas” etc., que logo eram abandonados por uma nova “mania” (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002). Duas dessas propostas, a de centros de interesse e a de projetos, foram inspiradas na obra de educadores do início do século XX, os quais consideramos hoje como pertencentes a uma postura chamada de Escola Nova ou Escola Ativa, caracterizada como uma reação ao ensino tradicional, centrado na ação do professor e em conteúdos predeterminados por Os autores classificados como escolanovista – Dewey, Decroly, Ferrière, Freinet, Makarenko e o brasileiro (mais conhecido) Anísio Teixeira (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002) – desenvolveram suas experiências concretas de ensino ligadas, em sua maior parte, à escola de populações específicas (pequenas aldeias francesas, comunidades anarquistas, centros juvenis de adolescente com problemas sociais...), construindo sua base na reflexão sobre essas ações sob aspectos sociais e psicológicos envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem. A perspectiva baseada nos temas geradores teve sua inspiração em Paulo Freire (1996) e não é considerada como um conjunto de receitas para ação dos professores, mas como um processo que permite conjugar ação-reflexão-ação na geração de projetos.
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livros didáticos.
Vamos conhecer mais um pouco sobre essas três propostas? Apropriamo-nos das reflexões de Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) para apresentar a você práticas pedagógicas não tradicionais: (A) Centros de interesse: prática idealizada por Ovide Decroly, levava em conta a evolução natural dos interesses da criança. Para ele, a criança, inicialmente egocêntrica, só se interessa por ela mesma, para depois se interessar pela família, casa, escola, ampliando seu círculo de interesses até os problemas mais amplos da humanidade. Segundo Hernández (1998, p. 64), em linhas gerais, os centros de interesse apoiam-se num duplo ponto de partida psicopedagógico: [...] Por um lado, destaca[m] o princípio da aprendizagem por descoberta, que estabelece que a atitude para a aprendizagem por parte dos alunos é mais positiva quando parte daquilo que lhes interessa, e aprendem da experiência do que descobrem por si mesmos. E, por outro lado, um princípio da Escola Ativa, que se refere ao exercício da educação como prática democrática, que outorga às assembléias de classe a decisão sobre o que se deve aprender.
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Os centros de interesse postulavam que a necessidade gera o interesse. O interesse está na base de toda atividade. Mas não se trata de qualquer interesse. São considerados apenas aqueles motivados pelas necessidades primárias. Alguns autores (ZABALA, 2002, p. 55) consideram que o projeto de Decroly se baseava nas preocupações e interesses da classe intelectual, que tais interesses eram a reorganização dos conteúdos escolares. O ideal seria que esses centros de interesse servissem
para romper com a rigidez dos programas escolares. (B) Projetos de trabalho: prática idealizada inicialmente por Willian Heard Kilpatrick, com base na Pedagogia de John Dewey, sustentava que a criança vai para a escola resolver os problemas enfrentados em seu dia a dia, sendo seu professor um guia e auxiliador. Na atualidade, seu representante mais expressivo é Cesar Cool. Segundo Hernández (1998, p. 63), “[...] os projetos de trabalho tratam de ensinar o aluno a aprender, a encontrar o nexo, a estrutura, o problema, o problema que vincula a informação e que permite aprender”. Sobre a metodologia de projetos, Martins (1999) sintetiza três momentos: • avaliação inicial (sondagem); • encaminhamento de ações, levantamento de pro• sistematização: apropriação do conhecimento. O tema metodologia de projetos será abordado com mais detalhes posteriormente. (C) Temas geradores: prática que tem sua base teórica na Pedagogia de Paulo Freire e na clássica Pedagogia do oprimido (1975). Os temas geradores foram idealizados como objeto de estudo que compreende o fazer e o pensar, o agir e o refletir, a teoria e a prática, pressupondo um estudo da realidade em que emerge uma rede de relações entre situações significativas individuais, sociais e históricas. Os temas geradores organizam-se em três momentos pedagógicos: estudo da realidade, organização do conhecimento e aplicação do conhecimento. É bom lembrar que o tema gerador é desdobrado
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postas possíveis, avaliação e replanejamento; e
em uma pergunta abrangente, válida para toda a escola. Começaremos descobrindo interesses, necessidades e preocupações que fazem parte da nossa realidade. Dos comentários mais frequentes, retiraremos o tema gerador.
4.3 E stratégias para o ensino de Ciências Conforme as necessidades e exigências da prática docente em uma escola e as condições desta e dos alunos e alunas, os professores devem utilizar estratégias, chamadas também de técnicas de ensino. Eis algumas das diversas correntes ou práticas pedagógicas:
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• exposição/exposição dialogada; • estudo em grupo; • leitura e discussão de texto impresso; • seminário; • discussão de questões e problemas; • registro sistemático de observações e elaboração de tabelas; • construção e/ou uso de material ilustrado; • construção de materiais e equipamentos experimentais simples e sua utilização; • visitas e excursões; • coleta e classificação de materiais, plantas e animais; e • desenhos. De acordo com o conteúdo a ser abordado por você,
professor ou professora, deve ser feita a escolha da melhor estratégia para uma aprendizagem significativa. Falaremos mais especificamente de uma dessas estratégias, que é “a cara” da Ciência.
4.3.1 Experimentação Na aprendizagem de Ciências Naturais, as atividades experimentais devem ser garantidas de maneira a evitar que a relação teoria-prática seja transformada numa dicotomia. As experiências despertam em geral um grande interesse nos alunos e alunas, além de propiciar uma situação de investigação. Quando planejadas levando em conta estes fatores, elas constituem momentos particularmente ricos no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, não é suficiente “usar o laboratório” ou “fazer experiências”, podendo mesmo essa prática vir a reforçar o caráter autoritário e dogmático do ensino de Ciências Atividades experimentais planejadas e efetivadas somente para “provar” aos alunos e alunas leis e teorias são pobres em relação aos objetivos de formação e apreensão de conhecimentos básicos em Ciências. Considera-se mais conveniente um trabalho experimental que dê margem à discussão e interpretação de resultados obtidos com o professor, atuando no sentido de apresentar e desenvolver conceitos, leis e teorias envolvidos na experimentação. A atividade experimental não se resume à simples execução de “receitas” e à comprovação de “verdades” daquilo que repousa nos livros didáticos. Muitas vezes, pensa-se que o experimento fala por si mesmo, que, com base na observação, os alunos podem tirar conclusões e entender determinados fenômenos. Nós preci-
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e, também, descaracterizar o empreendimento da Ciência.
samos ter em mente que o objetivo das aulas práticas é tornar o ensino de Ciências mais ativo e relevante, sempre com a intervenção docente durante as atividades. Além de despertar o interesse dos alunos, essas aulas propiciam situações de investigação e de construção de conhecimento.
4.4 Aprender Ciências de forma prática... • Aumenta a curiosidade pelo conhecimento. • Desenvolve o senso crítico. Seja qual for a técnica metodológica adotada por você,
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professor ou professora, é importante que conheçamos algumas premissas descritas por Delizoicov e Angotti (1990) para o ensino de Ciências Naturais. Destacamos: • Trabalhar com os conteúdos de ensino mais vinculados ao universo do cotidiano dos alunos numa efetiva aproximação de modelos e abstrações do conhecimento científico e suas aplicações em situações reais e concretas. • Discutir os conceitos do senso comum e contrapô-los com o conhecimento sistematizado. • Ter uma postura problematizadora, envolvendo a participação do aluno. Sair do monólogo e criar o diálogo. • Proporcionar um ambiente em que o lúdico, a construção mental, as questões, as respostas, a imaginação constituam um desafio para promover o ensino-aprendizagem.
Considerando o que dizem esses autores, percebemos que o fazer pedagógico de Ciências, voltado para a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, precisa ser contextualizado para que assim se torne mais significativo. A partir desse enfoque, esses autores sugerem que a atividade educativa pode ser desenvolvida em três momentos.
4.4.1 Algumas etapas do momento pedagógico Primeiro momento: problematização inicial Nesta primeira etapa, são apresentadas questões e/ou situações para discussão com os alunos e as alunas.
Função Motivação para introdução de conteúdos específicos e, o mais importante, fazer a ligação desse conteúdo com situações reais. A problematização pode ocorrer em dois sentidos: permitir que as “concepções alternativas” emerjam, ou seja, possibilitar que as concepções que o aluno ou a aluna já possui, fruto de uma aprendizagem anterior, venham a aparecer; ou, então, permitir que o aluno e a aluna adquiram novos conhecimentos, indo à busca de soluções, de aprofundamento. O critério para escolha de questões é o seu vínculo com o conteúdo a ser desenvolvido, ou seja, necessariamente relacionadas com o conteúdo de Ciências a ser estudado. Segundo momento: organização do conhecimento Serão desenvolvidas definições, conceitos, relações. O conteúdo é programado e preparado em termos instrucionais para que o aluno o apreenda de forma a, de um lado, perceber a existência de outras visões e explicações para as situa-
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ções e fenômenos problematizados e, de outro, comparar esse conhecimento com o seu, a fim de usá-lo para melhor interpretar aqueles fenômenos e situações. Terceiro momento: aplicação do conhecimento Nesta última etapa, vamos abordar sistematicamente o conhecimento que vem sendo incorporado pelo aluno, para analisar e interpretar tanto as situações iniciais, que determinaram o seu estudo, como outras situações, que não estejam diretamente ligadas ao motivo inicial, mas que são explicadas pelo mesmo conhecimento. Deste modo, pretende-se que, dinâmica e evolutivamente, se vá percebendo que o conhecimento, além de ser uma construção historicamente determinada, está disponível para que qualquer cidadão faça uso dele – para isso, deve ser apreendido. Espera-se que assim evitemos a dicotomização entre processo e produto, Ciência de “quadro-negro” e Ciência para vida, cientista e não cientista. Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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SÍNTESE Analisamos resumidamente os conteúdos que deverão ser abordados por nós, professores, na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, respeitando o desenvolvimento cognitivo de cada faixa etária com a qual estamos trabalhando. Várias sugestões de atividades foram selecionadas para que suas aulas se tornem interessantes e instigantes. É necessário que você, como profissional, aprofunde seus conhecimentos naquele tema que encontrar maior dificuldade. Além disso, pudemos perceber a importância de apresentarmos um planejamento para que a prática seja organizada, com o intuito de possibilitar a formação de cidadãos críticos e participativos, através de atividades que favoreçam a leitura de mundo e a compreensão do espaço ao seu redor. Vamos em frente!
QUESTÕES PARA REFLEXÃO Nós vimos uma quantidade grande de conteúdos para serem apresentados aos alunos, no entanto é necessário, por parte dos professores, o domínio deles para que sejam apresentados de maneira mais adequada. Você se sente à vontade para abordar todos esses conteúdos? Qual desses conteúdos você precisaria aprofundar a fim de melhorar sua prática? Que pontos importantes você ressalta em cada momento pedagógico abordado nesta unidade?
LEITURAS INDICADAS DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002.
metodológica: implicações na formação inicial e continuada de professores. s/d. Disponível em: <http:// www.coperves. ufsm.br/prograd/downloads/File/Ensino%20de%20Ciencias%20e%20Literatura.pdf>. Acesso em: maio 2008.
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ENSINO de Ciências e literatura infantil como possibilidade
SITES INDICADOS www.ufsm.br/mastr/olhos1.htm http://criancas.uol.com.br/historias/fabulas/flash/cigarrasom. jhtm http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0197/aberto/ mt_187220.shtml Para conhecer mais sobre o método de Ovide Decroly, acesse: <centrorefeducacional.com.br/decroly.html>. Para se aprofundar em relação à Pedagogia de Projetos, acesse: <http://www.dcc.ufba.br/~frieda/pedagogiadeprojetos/conteudos/a1p1.htm>.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Brasília: MEC/SEF, 1997, v. 4. Disponível em: <http://portal.mec. gov.br/seb/arquivos/pdf/livro04.pdf>. Acesso em: maio 2014. DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A. Metodologia do ensino de Ciências. São Paulo: Cortez, 1990. DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GUERRA, D. M. de J. Experimentando e descobrindo Ciências. Salvador: Tamta, 1998. HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do currículo por projetos de trabalho: o conteúdo é um caleidoscópio. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. MARTINS, M. C. Projetos em ação no ensino de Arte. In: FREIRE, M. et al. (Org.). Avaliação e planejamento: a prática educativa em questão. Instrumentos metodológicos II. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1999, pp. 34-40. Seminários. SIQUEIRA, C. R. de. Ciências Naturais: Ensino Fundamental. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2000, v. 3. ZABALA, A. Enfoque globalizador e pensamento complemed, 2002.
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xo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Art-
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P lanejamento em Ciências: recursos e avaliação
Olá, turma! Integrando o estudo acerca do planejamento abordado anteriormente, iremos tratar agora sobre como os recursos (meios) podem facilitar nossa prática docente. E, em outro momento desta unidade, refletiremos sobre a avaliação. Vamos lá!
5.1 Pensando um pouco sobre os recursos… Estabelecidos os objetivos, selecionados os conteúdos, escolhidos os métodos, definidas as técnicas ou táticas, é necessário ao professor ou à professora buscar os recursos ou meios auxiliares para promover o ensino-aprendizagem de Ciências. Os meios são elementos a serem utilizados para operacionalizar determinado método ou técnica no sentido de obter
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bons eventos educacionais como interesse, participação, aprendizagem e mudanças comportamentais (HENNING, 1986). No quadro a seguir, há uma relação de recursos que podem ser utilizados pelos professores como meio de melhorar a aprendizagem. Tais recursos podem dinamizar as aulas de Ciências, através da organização do ambiente da classe, entrelaçando conteúdos e processos. Maquetes
Jornais
Revistas
Filmes
Slides
Computadores
Gráficos
Pôsteres
Desenhos
Mapas
Jogos
Lupas
Microscópio
Retroprojetor
Espécimes
Modelos
Álbum seriado
Livros didáticos
Faremos considerações acerca de alguns recursos metodológicos. Eles poderão ser utilizados com as mais variadas técnicas. A técnica da exposição oral pode ser feita com o uso de um texto científico de jornal ou de revista. A interpretação de um texto está condicionada ao conhecimento prévio do aluno
e ele o considerará difícil se não houver familiaridade com o tema. Geralmente, os textos científicos trazem ideias e conhecimentos novos para o ambiente da sala de aula. Ao trabalhar textos científicos, é pertinente criar situações-problema que gerem dúvidas instigantes sobre o tema a estudar e permitam que os alunos busquem respostas. É essencial saber ler as especificidades da disciplina. A interpretação correta dos termos científicos favorece o entendimento dos conceitos da área. Ana Maria Espinoza (2007, p. 21) alerta aos professores que pedir à turma que leia um texto em casa ou na sala e em seguida responda a algumas questões não ajuda na aprendizagem. O texto deve apresentar um caráter histórico, de visão interpretativa e não descritiva, dando margem a discussões; que desenvolva ideias e que apresente situações para pensar Quanto ao uso de gráficos e ilustrações, alertamos que eles não podem ser decorativos. Geralmente devem complementar as informações de um texto. Esperamos que nossos alunos saibam “ler” o sentido dos gráficos, relacionando as informações gráficas com a linguagem escrita expressa no texto. O cinema e a TV são dotados de linguagem própria e compreendê-los vai além da simples apreciação de imagens e sons, assim como ler é mais do que decodificar palavras. Ao optarmos por filmes, devemos ficar atentos a várias questões. Primeiro, o filme não é a substituição da fala do professor sobre determinado assunto. Segundo, devemos passá-lo tantas vezes forem necessárias, pois o excesso de informação transmitida rapidamente não produz o efeito esperado, os alunos não conseguem assimilar. Terceiro, o filme será aproveitado melhor quando houver interação durante a exibição, para isso devemos parar o filme, analisar e discutir uma cena ou um trecho. Você também pode antecipadamente comentar algumas passagens do filme, as quais julgar convenientes.
129 Planejamento em Ciências: recursos e avaliação
e buscar referências.
Ao utilizarmos esses recursos, estamos possibilitando o acesso e o diálogo com diferentes mídias. O uso de computadores e a internet, embora sejam uma realidade em muitas escolas, ainda estão distante da maioria. Quando há computadores, não são suficientes para todos os alunos. Muitas vezes, o professor não tem domínio do manuseio da máquina. Mas trata-se de um excelente recurso que facilita o ensino-aprendizagem, com visualizações de imagens em dimensões e movimentos que promovem uma melhor compreensão de determinados fenômenos científicos. As lupas e microscópios são instrumentos utilizados para aumentar a imagem a ser observada. Organismos muito pequenos podem ser facilmente estudados com a utilização desses recursos. A lupa é fácil de manusear e transpor-
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tar, constituindo assim um bom instrumento para trabalhos de campo, para visualização de partículas do solo, pequenos animais e textura dos vegetais. Em relação aos desenhos, especialmente as crianças da Educação Infantil utilizam esse recurso como uma forma de representação, na qual elas podem expressar suas ideias e registrar as informações. A criança utiliza o processo de imitação, decorrente de suas experiências pessoais, para a interação da assimilação dos conteúdos, com isso desenvolve uma função importante no processo de ensino-aprendizagem. Ana Maria Pessoa de Carvalho e outros autores (1998), no seu livro Ciências no Ensino Fundamental: o conhecimento físico, relatam as experiências dos alunos através da utilização de desenho para que a criança perceba fenômenos físicos a sua volta, exercitando a capacidade de análise e interpretação desses fenômenos. Os jogos são atividades que podem ser desenvolvidas individualmente ou coletivamente. Quando realizados em grupo, são essencialmente dinâmicos e ativos, permitindo a
socialibilidade entre os alunos. Com as crianças da Educação Infantil, percebemos com facilidade o comportamento lúdico e exploratório, entretanto esse comportamento não se restringe à infância, o que nos estimula a usar os jogos em todo o Ensino Fundamental (KISHIMOTO, 1999). A ludicidade, através dos jogos, pode estar presente no ato de ensinar Ciências Naturais com o objetivo de que as crianças utilizem o conhecimento científico como regra ou atributo lúdico. Esses momentos revelam-se como subsídios para o desenvolvimento cognitivo e proporcionam o acesso ao conhecimento científico. As maquetes são instrumentos que permitem uma visualização do objeto a ser estudado, facilitando a materialização do abstrato. Por exemplo, podemos construir maquetes de ônibus para trabalhar a questão da poluição ambienexemplo, Geografia, abordando as noções de espaço, importância para população etc. O uso e o estudo de seres vivos na sala de aula são uma oportunidade ímpar para os alunos. Os animais trazidos para a escola deverão receber atenção e os cuidados necessários, já que estão fora do seu ambiente natural. Evite animais que possam oferecer perigo às crianças, como serpentes, aranhas, abelhas. Em relação às plantas, fique atento à manipulação, pois frequentemente crianças da Educação Infantil costumam levar a mão à boca e algumas plantas oferecem riscos. O ideal é realizarmos esse estudo no ambiente natural de plantas e animais. A utilização de variados meios didáticos estimula as diferentes capacidades dos alunos na construção do conhecimento científico. Entretanto, ao trabalhar os conteúdos, os educadores se deparam com frágeis instrumentos de trabalho, o que pode gerar dependência ao uso do livro didático. Krasilchik (2004, p. 184) assume postura crítica diante desta situação:
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tal e utiliza-lá em conjunto com outras disciplinas, como, por
[...] O docente, por falta de autoconfiança, de preparo, ou por comodismo, restringe-se a apresentar aos alunos, com o mínimo de modificações, o material previamente elaborado por autores que são aceitos como autoridades. Apoiado em material planejado por outros e produzido industrialmente, o professor abre mão de sua autonomia e liberdade, tornando-se simplesmente um técnico.
Como alternativas, o educador hoje dispõe da internet, kits didáticos, revistas científicas para crianças que oferecem atualização sobre os mais diversos temas científicos. Você pode ter acesso ao conteúdo da Revista Ciência Hoje para crianças, editada pela maior sociedade científica do Brasil, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
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(SBPC), através do site: <http://cienciahoje.uol.com.br>, aproveitando as matérias em suas aulas.
5.1.1 Aprofundando a temática... • Será que os professores seguem as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997), aplicando metodologias e recursos que fogem ao tradicionalismo, ou tendem a enfatizar propostas pedagógicas inadequadas para a formação do aluno? • Quais as principais dificuldades encontradas pelos professores na aplicação dos recursos audiovisuais? • Que meios podem e devem ser utilizados intencionalmente para que os conteúdos científicos sejam assimilados?
5.2 Por que avaliar? A avaliação da aprendizagem é sempre objeto de constantes pesquisas e estudos. Equivale a muito mais do que saber o resultado final do processo de aprendizagem de um conjunto de conteúdos. Diz respeito ao acompanhamento desse processo e suas múltiplas etapas, ao acompanhamento das dificuldades e dos progressos dos alunos e alunas, levando-se em consideração a realidade local. Nessa etapa do planejamento em Ciências, como em qualquer outra disciplina, percebemos as falhas do processo e tratareA característica que de imediato se evidencia em relação à avaliação é o questionamento de que ela é realizada como “Pedagogia do Exame” (LUCKESI, 2003) no lugar da Pedagogia do Ensino-Aprendizagem. A função da avaliação é auxiliar a construção da aprendizagem satisfatória, mas vivemos uma Pedagogia que se centraliza em exames e provas e não cumpre a sua função. Segundo Luckesi (2003, p. 42), Para que a avaliação educacional assuma o seu verdadeiro papel de instrumento dialético de diagnóstico para o crescimento, terá de se situar e estar a serviço de uma pedagogia que esteja preocupada com a transformação social e não com a conservação.
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mos de fazer as intervenções necessárias a fim de saná-las.
5.3 Como avaliar? No processo de avaliação, é necessário que se considerem as diferentes maneiras de expressão: oral, escrita, pictórica etc. Assim, privilegiaremos todas as múltiplas inteligências (GARDNER, 1985) de nossos alunos. A avaliação deve ser um processo contínuo, não confinado aos finais do capítulo. Quando ela é distribuída ao longo do curso, permite realmente a aprendizagem significativa. Por exemplo, a observação das atividades em equipe e dos debates é particularmente importante para avaliar os conteúdos
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atitudinais, como o respeito às ideias dos colegas. As provas escritas devem ser mais curtas e com maior frequência, evitando assim a memorização dos conteúdos científicos e aplicação apenas naquele momento. Hoffmann (2001) menciona três tipos básicos de avaliação dos quatro descritos por Doran, Lawrenz e Helgeson (1994), que se aplicam ao ensino de Ciências: • Avaliação diagnóstica: ocorre na fase inicial da aprendizagem de um tópico. Proporciona ao professor e à professora recolher informação sobre os interesses e expectativas dos alunos e alunas, bem como seus conhecimentos prévios acerca de determinado conteúdo. • Avaliação formativa: ocorre durante o processo de aprendizagem. Permite o acompanhamento da efetividade do planejamento e eventual correção. “Avaliação não é exclusivamente um momento, mas o próprio desenrolar do trabalho” (HOFFMANN, 2001, p. 39).
• Avaliação somativa: ocorre depois do processo de aprendizagem, utilizada para verificar se os objetivos foram alcançados. As crianças apresentam maneiras peculiares e diferenciadas de vivenciar as situações, de interagir com os objetos do mundo físico. O seu desenvolvimento acontece de forma aceleradíssima. A cada minuto, realizam novas conquistas, ultrapassando nossas expectativas e causando muitas surpresas. Para avaliarmos as crianças no ensino de Ciências, podemos nos valer das premissas descritas por Jussara Hoffmann (2001). Ela propõe uma avaliação relacionada a uma concepção construtivista na educação pré-escolar:
desenvolvimento. • Observação da criança fundamentada no conhecimento de suas etapas de desenvolvimento. • Oportunização de novos desafios com base na observação e reflexão teórica. • Diálogo frequente e sistemático entre adultos que lidam com a criança e os pais ou responsáveis. Sendo assim, para que uma avaliação se torne eficiente, nós, professores, devemos direcionar a aprendizagem dos alunos para, consequentemente, promovermos o desenvolvimento deles. Uma das modalidades de avaliação apontada por Hernández (1998) que interage com o trabalho com projetos é o portfólio. Corresponde à pasta onde são guardadas as produções realizadas ao longo do projeto, curso etc. Na Educação Infantil, reflete a trajetória da aprendizagem de forma indi-
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• Avaliação como acompanhamento no processo de
vidual. Os professores irão se aproximar da construção do aluno de forma não pontual. De acordo com Hernández (1998, p. 100), [...] O que caracteriza o portfólio como modalidade de avaliação não é o formato físico (pasta, caixa, CD-ROM) como a concepção do ensino e aprendizagem que veicula. O que particulariza o portfólio é o processo constante de reflexão [...].
O portfólio apresenta-se como uma rica estratégia para propor efetivamente o desenvolvimento global da criança. Essa coletânea de atividades realizadas pelas crianças ajuda o professor ou a professora, o aluno ou a aluna e as famílias a
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visualizar a evolução do processo de aprendizagem. Cipriano Luckesi (2007, p. 31), pesquisador em avaliação há anos e autor de diversos livros e artigos sobre o tema, acredita que: “A escola de hoje não avalia a aprendizagem do educando, ela examina nos moldes jesuíticos”. Há uma diferença entre avaliar e examinar. Os exames são pontuais, classificatórios e seletivos. Os alunos são classificados em aprovados ou reprovados, enquadrados numa escala de valores de 0 a 10. Já a avaliação tem como característica ser não pontual, diagnóstica e inclusiva. Identifica sucessos e insucessos, assim como suas causas. O que importa é a aprendizagem do aluno, a aprovação é uma consequência. A avaliação deve funcionar como um retrato que mostre a situação de aprendizagem do estudante. Deve funcionar como instrumento pedagógico e não como instrumento de punição. As atividades de avaliação buscam a formação de competências e habilidades, para isso é necessário diversificar os materiais e estratégias de ensino e os modos de avaliar.
Gaiolas ou asas? Rubem Alves
137 Planejamento em Ciências: recursos e avaliação
Os pensamentos me chegam de forma inesperada sob a forma de aforismos. Fico feliz porque sei que Lichtenberg, William Blake e Nietzsche frequentemente eram também atacados por eles. Digo “atacados” porque eles surgem repentinamente, sem preparo, com a força de um raio. Aforismos são visões: fazem ver, sem explicar. Pois ontem, de repente, esse aforismo me atacou: “Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas”. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte de vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso eles não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado. Esse simples aforismo nasceu de um sofrimento: sofri conversando com professoras do segundo grau, em escolas de periferia. O que elas contam são relatos de horror e medo. Balbúrdia, gritaria, desrespeito, ofensas, ameaças... E elas, timidamente, pedindo silêncio, tentando fazer as coisas que a burocracia determina que sejam feitas, como dar o programa, fazer avaliações... Ouvindo os seus relatos vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra – e as domadoras com seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos tigres. Sentir alegria ao sair de casa para ir para escola? Ter prazer em ensinar? Amar os alunos? O seu sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem. A porta de ferro que fecha os tigres é a mesma porta que as fecha junto com os tigres. Nos tempos de minha infância eu tinha um prazer cruel: pegar passarinhos. Fazia minhas próprias arapucas, punha fubá dentro e ficava escondido, esperando... O pobre passarinho vinha, atraído pelo fubá. Ia comendo, entrava na arapuca, pisava no poleiro e era uma vez um
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passarinho voante. Cuidadosamente eu enfiava a mão na arapuca, pegava o passarinho e o colocava dentro de uma gaiola. O pássaro se lançava furiosamente contra os arames, batia as asas, crispava as garras, enfiava o bico entre os vãos. Na inútil tentativa de ganhar de novo o espaço, ficava ensanguentado... Sempre me lembro com tristeza da minha crueldade infantil. Violento, o pássaro que luta contra os arames da gaiola? Ou violenta será a imóvel gaiola que o prende? Violentos, os adolescentes da periferia? Ou serão as escolas que são violentas? As escolas serão gaiolas? Vão me falar sobre a necessidade das escolas dizendo que os adolescentes de periferia precisam ser educados para melhorarem de vida. De acordo. É preciso que os adolescente, que todos, tenham uma boa educação. Uma boa educação abre os caminhos de uma vida melhor. Mas eu pergunto: nossas escolas estão dando uma boa educação? O que é uma boa educação? O que os burocratas pressupõem sem pensar é que os alunos ganham uma boa educação se aprendem os conteúdos dos programas oficiais. E, para testar a qualidade da educação, criam mecanismos, provas, avaliações, acrescidos dos novos exames elaborados pelo Ministério da Educação. Mas será mesmo? Será que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal de uma boa educação? Você sabe o que é um “dígrafo”? E os usos da partícula “se”? E o nome das enzimas que entram na digestão? E o sujeito da frase “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante”? Qual a utilidade da palavra “mesóclise”? Pobres professoras, também engaioladas... São obrigadas a ensinar o que os programas mandam, sabendo que é inútil. Isso é hábito velho das escolas. Bruno Bettelheim relata sua experiência com as escolas: “Fui forçado (!) a estudar o que os professores haviam decidido que eu deveria aprender. E aprender à sua maneira”. O sujeito da educação é o corpo porque é nele que está a vida. É o corpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens. A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver. Nietzsche dizia que ela, a inteligência, era “ferramenta” e “brinquedo” do corpo. Nisso se resume o programa educacional do corpo: aprender “ferramentas”, aprender “brinquedos”.
Fonte: Alves (2001).
Para refletir O que esse texto tem a ver com a avaliação? A avaliação que você realiza se assemelha a gaiolas ou asas? Como você se sente quando avaliado(a)?
Jussara Hoffmann (2001, p. 61), em seu livro Avaliação: mito e desafio – uma perspectiva construtivista, revela-nos a prática cotidiana de avaliações elaboradas por professores sem se darem conta de que não estão efetivamente avaliando, e sim verificando.
139 Planejamento em Ciências: recursos e avaliação
“Ferramentas” são conhecimentos que nos permitem resolver os problemas vitais do dia-a-dia. “Brinquedos” são todas aquelas coisas que, não tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria à alma. Nessas duas palavras, ferramentas e brinquedos, está o resumo da educação. Ferramentas e brinquedos não são gaiolas. São asas. Ferramentas me permitem voar pelos caminhos do mundo. Brinquedos me permitem voar pelos caminhos da alma. Quem está aprendendo ferramentas e brinquedos está aprendendo liberdade, não fica violento. Fica alegre, vendo as asas crescer... Assim todo professor, ao ensinar, teria que perguntar: Isso que vou ensinar é ferramenta? É brinquedo? Se não for, é melhor deixar de lado. As estatísticas oficiais anunciam o aumento das escolas e o aumento dos alunos matriculados. Esses dados não me dizem nada. Não me dizem se são gaiolas ou asas. Mas eu sei que há professores que amam o vôo dos seus alunos. Há esperança...
Relato de uma professora Uma criança da 4ª série do Ensino Fundamental estuda o tema “características dos mamíferos” para um teste bimestral. Em sua avaliação está escrito: “a temperatura dos mamíferos é constante; suas garras e dentes são adaptados ao meio ambiente”. A professora acompanha a leitura da aluna e pergunta-lhe: • O que entende por temperatura e por constante? • O que é meio ambiente dos animais? • O que quer dizer adaptados? A menina não consegue responder a essas perguntas. Ela demonstra não compreender os termos destacados e encontra dificuldades para dar exemplos ou conversar sobre o que está “decorando”. Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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Nesse exemplo, percebemos que a criança estuda fatos simples, sem dúvida, do seu cotidiano, como usar um termômetro, “ver” se está com febre ou ser arranhada pelo gato, mas não consegue fazer a relação entre os conteúdos estudados. A aluna domina os termos, mas não os compreende, ela não adquiriu uma inteligibilidade dos fenômenos estudados e não conseguirá utilizá-los em outra situação. Não basta o educando reproduzir as informações que ele recebeu. É preciso que as compreenda, as manipule, usando-as de forma flexível e transferível. Krasilchik (2004) conceitua esse nível de alfabetização científica como funcional, quando os termos memorizados são conceituados corretamente sem que os estudantes compreendam seu significado. Essa criança acumula tantas incompreensões! Imagine o que lhe acontecerá ao longo de vários anos? O que meu aluno e aluna compreendem? Por que não compreendem?
Diante disso, Hoffmann (2001) propõe formular as questões de maneira que aproximem o significado de suas respostas a partir de vivências próprias. Em busca de uma avaliação numa perspectiva mediadora, Hoffmann (2001) estabelece a conversão dos métodos de correção tradicionais (verificação de erros e acertos) em métodos investigativos (de interpretação das alternativas de solução propostas pelos alunos às diferentes situações de aprendizagem) e o compromisso do educador e educadora com o acompanhamento da construção de conhecimentos científicos numa postura epistemológica que privilegie o entendimento e não a memorização. Avaliando nossos alunos e alunas a partir dessa perspectiva, certamente demonstraremos maior conhecimento guirem na sua caminhada voltada para a aprendizagem e para a construção do conhecimento de uma maneira crítica e participativa. Em muitas etapas de nossas vidas somos avaliados. Somos avaliados na escola, entre os amigos, na família, no trabalho... O governo federal também se utiliza desse fundamento para perceber as deficiências no ensino e propor metas para suprir as dificuldades. Você já ouviu falar no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA)? O PISA foi lançado em 1997 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) com o objetivo de obter dados sobre o desempenho do estudante e compará-los internacionalmente. O PISA tem por meta produzir uma nova base para o diálogo entre políticas e colaborar na definição e implementação de metas educacionais, por meios inovadores que reflitam julgamentos sobre habilidades relevantes para a vida adulta.
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didático-pedagógico, bem como os estimularemos a prosse-
5.4 Como é medido o desempenho em Ciências no PISA? A prova é realizada a cada três anos e, em 2006, o foco teve ênfase em Ciências. Para a avaliação, levam-se em consideração tanto o domínio curricular de cada escola quanto os conhecimentos relevantes e as habilidades necessárias à vida adulta. O PISA procura avaliar em que medida os estudantes estão preparados para enfrentar os desafios das atuais sociedades do conhecimento. do no que diz respeito à capacidade de os estudantes apli-
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Na avaliação, o conceito de letramento é evidencia-
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carem conhecimentos e habilidades para resolver problemas em situações diversas. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), define-se letramento em Ciências como a capacidade de usar conhecimento científico, identificar questões e tirar conclusões com base em evidências, para entender o mundo natural e as mudanças nele provocadas pela atividade humana. A avaliação é realizada com alunos que estão nas 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental, mas nós podemos começar a contribuir para o melhor desempenho desses alunos a partir do Ensino Infantil, enfatizando a alfabetização científica.
SÍNTESE Nesta unidade, conhecemos os principais recursos a serem utilizados pelos professores com o objetivo de facilitar a aprendizagem dos alunos. É importante discernir qual o recurso que melhor se adéqua ao conteúdo a ser explorado, aos objetivos a serem alcançados. Vimos também como é importante conhecer as formas de avaliação que podem ser utilizadas para que, a partir do entendimento sobre o que é avaliação, possamos contribuir para a construção do conhecimento. Avante!
QUESTÕES PARA REFLEXÃO aula, em que momento utilizamos recursos que conduzam os educandos a se sentirem fazendo Ciência? A avaliação tem de adequar-se à natureza da aprendizagem, levando em conta não só os resultados das tarefas realizadas, o produto, mas também o que ocorreu no caminho, o processo. Para isso, é preciso observar: • Que tentativas o aluno fez para realizar a atividade? • Que dúvidas manifestou? • Como interagiu com os outros alunos? • Demonstrou alguma independência? • Revelou progressos em relação ao ponto em que estava? Depois do conteúdo explicitado sobre a avaliação, como você analisa sua postura diante de tais questionamentos?
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Como educadores e educadoras, ao planejarmos uma
LEITURAS INDICADAS LUCKESI, C. C. Ludicidade e atividades lúdicas: uma abordagem a partir da experiência interna. 21 nov. 2005. Disponível em:
<http://www.luckesi.com.br/artigoseducacaoludicidade.
htm>. Acesso em: maio 2014. Como forma de aprofundar os nossos conhecimentos sobre avaliação no ensino de Ciências, acesse o seguinte endereço eletrônico, no qual você encontrará o texto Práticas avaliativas em Ciências, Geografia e História, de Jussara Hoffmann: <http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/aas/ aastxt4.htm>.
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OUTRAS LEITURAS OS AVANÇOS da avaliação no século XXI. Disponível em:
<http://www.cenpec.org.br/modules/editor/arquivos/
c8a0633f-4d01-eae6.pdf>. Esse artigo trata da questão do descompasso da prática educacional com as inovações teórico-metodológicas na avaliação. GENTILE, P. Avaliar para crescer. s/d. Disponível em: <http:// revistaescola.abril.com.br/formacao/avaliar-crescer-422921. shtml>. Acesso em: maio 2014. A reportagem mostra a importância da avaliação para a superação das dificuldades dos alunos.
REFERÊNCIAS ALVES, R. Gaiolas ou asas? Folha de São Paulo, São Paulo, 5 dez. 2001. Opinião. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/fsp/opiniao/fz0512200109.htm>. Acesso em: maio 2014.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Brasília: MEC/SEF, 1997, v. 4. Disponível em: <http://portal.mec. gov.br/seb/arquivos/pdf/livro04.pdf>. Acesso em: maio 2014. CARVALHO, A. M. P. de. et al. Ciências no Ensino Fundamental: o conhecimento físico. São Paulo: Scipione, 1998. ESPINOZA, A. M. Resumem de ponencia: enseñar a leer em Ciências Naturales. Buenos Aires, 2004. Disponível em: <http:// www.fchst.unlpam.edu.ar/iciels/029.pdf>. Acesso em: maio 2008. GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 1985.
Alegre: Mercado Aberto, 1986. HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do currículo por projetos de trabalho: o conteúdo é um caleidoscópio. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. HOFFMANN, J. M. L. Avaliação: mito e desafio – uma perspectiva construtivista. 30. ed. Porto Alegre: Mediação, 2001. KISHIMOTO, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. São Paulo: Cortez, 1999. KRASILCHIK, M. Prática do ensino de Biologia. São Paulo: EDUSP, 2004. LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
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HENNING, G. J. Metodologia de ensino de Ciências. Porto
LUCKESI, C. C. A verdadeira avaliação. Aprende Brasil, Curitiba: Positivo, ano 3, n. 17, pp. 30-32, jun.-jul. 2007. OCDE. Aprendendo para o mundo de amanhã: primeiros resultados do PISA 2003. Trad. B&C Revisão de Textos. São Paulo: Moderna, 2005, pp. 3; 20; 25. http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/
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L ivro didĂĄtico, trabalho docente, Pedagogia de Projetos e Feiras de CiĂŞncias
Olá, turma! Anteriormente, estudamos como devemos planejar nossas avaliações, que meios se mostram mais adequados aos conteúdos que vamos ensinar. Abordaremos nesta unidade um dos materiais de trabalho mais utilizados em nossas aulas: o livro didático. Hoje, o livro didático ampliou sua função precípua. Além de transferir os conhecimentos orais à linguagem escrita, tornou-se um instrumento pedagógico que possibilita o processo de intelectualização, contribuindo para a formação social e política dos educandos. Também falaremos de algumas perspectivas que deverão nortear o trabalho dos professores. Depois disso, ainda nesta unidade, trataremos dos temas Pedagogia de Projetos e Feiras de Ciências. Vamos lá!
6.1 L ivro didático O desafio desta unidade é fazer com que nos familiarizemos com o livro didático de forma crítica, pois ele tem sido apontado como o grande vilão do ensino no Brasil. Diante dos grandes problemas educacionais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997) e do baixo desempenho dos alunos em testes padronizados, como o
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Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA)1, muitos educadores apontam o livro didático como o grande obstáculo a impedir mudanças significativas nas salas de aula. A realidade brasileira educacional possui características muito diversificadas que rendem a qualquer afirmação genérica um ar artificial. Ainda é bastante consensual que o livro didático, na maioria das salas de aula, continua prevalecendo como principal instrumento de trabalho para professores e professoras, embasando significativamente a prática docente. Pesquisas realizadas desde a década de 1970 têm, contudo, apontado para suas deficiências e limitações, implicando um movimento que culminou com a avaliação institucional, a partir de 1994, dos livros didáticos distribuídos nas escolas públicas pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Os resultados são publicados periodicamente em Guias do Livro Didático. Era comum que os livros didáticos de Ciências trouxessem uma grande quantidade de informações e exercícios na forma de perguntas objetivas do tipo “o que é”, “defina” etc.
1. Programa cuja principal finalidade é produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais.
Os alunos copiavam parte das informações no caderno e realizavam os exercícios, que pouco contribuíam para o desenvolvimento da compreensão sobre o conhecimento científico. Cabe ao professor e à professora selecionar o melhor material disponível diante da sua realidade. Sua utilização deve ser feita de maneira que possa constituir um apoio efetivo, oferecendo informações corretas, apresentadas de forma adequada à realidade dos alunos. Bizzo (2000) seleciona quatro questões básicas, que devem ser respondidas para selecionar o livro didático:
• A metodologia de ensino é estimulante, evitando longas listas de nomes a serem memorizados e exercícios de transcrição do texto? • Existe preocupação com a integridade física do aluno em relação à segurança e primeiros socorros, em atividades práticas? • Existe preocupação em esclarecer preconceitos e estereótipos, retratando a diversidade étnica brasileira, evitando associar classe social, etnia, gênero (masculino/feminino) e minorias a figuras mais ou menos prestigiadas socialmente? Atualmente, os sociólogos e linguistas, avaliando a importância do livro didático na formação do pensamento do aluno, consideram-no muito mais do que um simples recurso, um “gênero social” (BIZZO, 2000). Isso significa que o livro didático é tão importante que influencia a forma de aprender, de pensar e de escrever dos estudantes e influencia até mesmo no estilo da escrita que o aluno desenvolverá ao longo de sua vida escolar. Luckesi (2003, p. 128) afirma que:
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• O livro apresenta conceitos corretos?
As visões do mundo que estão contidas nos conteúdos também são assimiladas pelos alunos, na medida em que assimilam os conteúdos. Os livros didáticos, as lições, os textos contêm em si determinados valores, ou modos de ver o mundo, que são assimilados junto com os conteúdos. Os educadores deverão estar atentos criticamente a esses valores, de tal forma que possam discuti-los com os educandos. Caso não sejam identificados e discutidos, são assimilados ingênua e acriticamente pelos educandos, confirmando sua personalidade. Suas visões de família, pátria, trabalho, economia, religião, relação homem/mulher...
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Para refletir Como você escolhe o livro didático de Ciências? A produção de um livro didático exige anos de pesquisa e estudos. O professor tem em mãos uma preciosa ferramenta, que complementa seus conhecimentos, expande sua cultura e funciona como instrumento de atualização. A cada ano, são introduzidos novos dados ao conteúdo das obras, o que possibilita acompanhar a evolução das ideias e dos conceitos. Infelizmente, em diversas partes do país, quem leciona sequer cursou o Ensino Médio e desconhece as técnicas e os processos de ensino. Nesses casos, o livro acaba se tornando única fonte e meio de informação. Pense numa região do interior da Bahia, por exemplo, em alguns professores que lecionam para comunidades rurais que não tiveram oportunidade de frequentar um curso superior, mas que gostam e querem ensinar às crianças da região. Com certeza, para eles, o livro é o principal instrumento de trabalho. Uma pesquisa, feita por Yager (1983, p. 578), sobre quanto tempo o professor usa o livro em sala de aula detectou
que mais de 90% de todos os professores de Ciências usam o livro 95% do tempo: “[...] o livro didático deixa de ser um recurso para ser um programa do curso”. Outra pesquisa, feita por Yager e Penick (1983), relata que 85% dos conteúdos de uma disciplina de Ciências Naturais de determinada série do Ensino Médio, ensinados a todos os alunos dos Estados Unidos, foram aglomerados por apenas três livros. No Brasil também a distribuição dos conteúdos de Ciências (Biologia, Física e Química) acontece da mesma forma2. Tal procedimento é visto também nos livros de de Livros Didáticos do PNLD reconhece que o livro didático é um suporte de conhecimentos e de métodos, servindo de produção e reprodução do conhecimento, mas que os profissionais não podem se tornar reféns desse material. O professor, para construir uma opinião própria, precisa consultar textos complementares, revistas e jornais especializados. Em virtude disso, é básico para todo educador que o material didático ganhe em qualidade, tanto na forma quanto no conteúdo. Essa exigência faz com que as editoras especializadas do setor empenhem o melhor de seus esforços em desenvolver projetos visuais arrojados, aprimorem os conceitos, adicionem acessórios aos produtos, de modo a possibilitar maior integração nos aspectos gráfico e editorial, o que acaba também por se tornar fator de motivação para professores e alunos.
2. Ver o catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM) em: <http://portal. mec.gov.br/seb/index.php?option=com_content&task=view&id=920&itemid=&sistemas=1>.
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Ciências das séries iniciais e do Ensino Fundamental. O Guia
6.2 Perspectivas norteadoras do trabalho docente A partir de pesquisas em ensino de Ciências, Didática e Psicologia, Nélio Bizzo (2000) sistematizou algumas perspectivas que norteiam a atuação dos professores e professoras especialmente na área de Ciências. Segundo Bizzo (2000, p. 15), tais perspectivas foram formuladas de maneira a “[...] incentivar os
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professores a procurar novas respostas a velhas perguntas”.
6.2.1 Entender a prática cotidiana como objeto de pesquisa Documentar os progressos e as dificuldades da sala de aula não é apenas uma forma de colher elementos para uma avaliação do aprendizado dos alunos e da eficiência do trabalho do professor e professora. Esses dados podem ser analisados de forma profunda, procurando elementos que revelem novos significados e formas alternativas de conceber o conhecimento.
6.2.2 Conhecer estudos e pesquisas sobre o ensino de Ciências Todo professor tem sempre muito que aprender a respeito do conhecimento que ministra a seus alunos e da forma como fazê-lo. Especialmente o professor das séries iniciais, de quem se exige domínio de assuntos tão diversos como Português, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes etc., tem diante de si um imenso campo de conhecimento sobre os quais precisa constantemente se renovar e se aprimorar. Conhecer outros estudos é sempre importante. O estudo sistemático deve fazer parte da rotina de todo bom profissional.
Para refletir Você participa de encontros, grupos de estudo ou reuniões para seu desenvolvimento profissional?
6.2.3 Encaminhar atividades sem se apresentar como uma fonte inesgotável de conhecimento Muitos professores confessam estar inseguros diante das aulas de Ciências pela simples razão de poderem ser inquiridos sobre questões às quais não sabem responder. Muitas perguntas dos alunos têm respostas objetivas, que Durante as aulas de Ciências, não devemos incutir nos alunos a crença de que ele seja uma espécie de enciclopédia, que detém todas as respostas possíveis para todas as perguntas. O que se espera dele é uma postura honesta, reconhecendo suas limitações, especialmente em área tão vasta como a das Ciências. Pode-se responder com um simples “não sei” ou dar uma resposta genérica e ir à busca deste conhecimento para depois compartilhar com seus alunos. Atualmente, a quantidade de informações novas sobre a Ciência é tão vasta que é impossível um professor ter todas as respostas; novos planetas, clonagem, nanotecnologia, transgênicos, células tronco, biocombustíveis... Ufa! Deixe claro para seus alunos que você está sempre em busca do conhecimento para compartilhar com eles.
6.2.4 Proporcionar oportunidades de trocas de ideias entre os alunos É comum que um professor seja considerado um bom profissional quando seus alunos se mantêm quietos e comportados durante as aulas. Classes barulhentas são normal-
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nem sempre o professor sabe dar.
mente tidas como sendo conduzidas por professores permissivos e sem autoridade. É hora de repensar certos valores acerca da escola e do que seja um bom professor. Quando os alunos conversam durante as aulas, isso pode indicar dispersão: os alunos não sabem o que se espera deles ou, então, demonstram franca oposição ao que lhe é proposto. Esse clima dificulta a aprendizagem. As aulas de Ciências devem contribuir para que os alunos adquiram experiências, possam organizá-las, construindo conceitos. A troca de ideias é uma maneira muito eficiente de atingir esse objetivo.
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Para refletir Que tal realizar um júri simulado com as crianças para motivar a discussão?
6.2.5 Procurar explicações e sua comprovação As crianças têm explicações para os mais diferentes tipos de fenômenos e processos com os quais convivem ou, de algum modo, têm contato. As atividades das aulas de Ciências devem ser planejadas de forma tal que as relações estabelecidas possam emergir como consequência do trabalho realizado. Muitas vezes, os próprios estudantes não têm consciência dos conhecimentos que já possuem. É importante planejar a realização de sessões “perguntas e respostas”, dedicadas ao levantamento de ideias que os alunos já têm sobre os fenômenos estudados. Dependendo da idade dos estudantes e do desenvolvimento de sua capacidade de registro gráfico ou escrito, pode-se pedir para que sejam feitos desenhos, entrevistas, reflexões, em grupo ou individualmente.
6.2.6 Procurar princípios a aplicações em contextos diferentes A independência de contexto do conhecimento científico não é absoluta, obviamente, mas é muito maior que a de outras formas de conhecimento e deveria merecer grande atenção nas aulas de Ciências. Os alunos podem aprender a fazer pão, por exemplo, mas a estratégia do professor deverá contemplar a possibilidade de ir além e aplicar o conhecimento em outras situações, em outros contextos. O que o crescimento do pão tem em comum com as bolhas de gás da cerveja? ção pode ser aplicada a contextos diferentes, estarão dando um passo importante para compreender o que é Ciência e explicar os fenômenos à sua volta. Professor ou professora, pense, por exemplo, no estudo das alavancas. A aplicação prática desse conteúdo está no cotidiano das crianças, como a maçaneta das portas, dobradiças, gangorra... Estamos diante de um mesmo princípio aplicado a contextos diferentes.
Para refletir Você consegue pensar em outro exemplo?
6.2.7 Progredir conceitualmente É difícil estabelecer objetivamente quando os alunos progridem nos estudos, mas isso não deve desencorajá-lo, professor ou professora! Uma das características é a forma empregada pelos alunos para explicar o mundo que os cerca. Os alunos, à medida que progridem nos estudos, passam de argumentos perceptivos aos conceituais, e essa passagem é mediada pela interação com o mundo, com outras crianças e com adultos ao seu redor. Diferentes formas de registros,
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Se os estudantes perceberem que uma mesma explica-
como pequenos textos, desenhos, colagens, podem ser empregadas por você, professor ou professora, como parte de uma estratégia que vise documentar o progresso e o tipo de argumentação que eles utilizam.
6.2.8 Utilizar terminologia científica de forma correta A terminologia científica não é apenas uma forma pomposa de falar e não deve ser abolida. A linguagem científica é um código de compactação, muito útil para agregar significados às elaborações intelectuais.
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Para aprender Ciências, é necessário conhecer e saber alguns nomes e classificações, deter a estrutura e a lógica de certos conhecimentos científicos. Isso amplia a capacidade de dar sentido ao mundo. A terminologia científica deve ser entendida dentro de seu contexto, com seus significados compreendidos, e utilizada de forma correta, mesmo que simplificada – mas nunca distorcida –, para que seja acessível a estudantes de idades diferentes.
6.2.9 Pesquisar e programar formas inovadoras de avaliação Para refletir A avaliação é uma dos aspectos mais difíceis de modificar nas aulas de Ciências, não é mesmo? Bizzo (2000) relata que, certa vez, um professor sugeriu aos alunos de uma turma universitária que o que fizessem dali em diante seria para aumentar a nota, visto que já possuíam a nota mínima para aprovação na disciplina. Para sua surpresa, os alunos mostraram-se desinteressados. O que fazer? Quando se propõe um projeto de excursão, a primeira pergunta por
parte dos alunos é: “vale nota?”. Nas séries iniciais do Ensino Fundamental, essas posturas são menos esperadas. A avaliação é sempre uma atividade difícil de realizar. Toda avaliação supõe um processo de obtenção e utilização de informações que serão analisadas diante de critérios estabelecidos segundo juízos de valor. É um processo subjetivo, dependente de valorização de apenas uma parcela das informações que podem ser obtidas. Atividades diferentes induzem os alunos a desenvolver capacidades diferentes, desde que sejam coerentes com os objetivos e atividades desenvolvidas em sala de aula, propor-
6.3 Pedagogia de Projetos Para refletir Você sabe o que é um projeto? Ao falarmos em projetos, concordamos com uma mudança na educação, levando em conta que eles não são a “solução dos problemas”, mas uma grande contribuição para melhorar o conhecimento e o currículo. Não podemos confundir currículo com grade curricular. Nesta última, temos a enumeração e as nomenclaturas dadas às disciplinas de um currículo. Currículo é o conjunto programado de atividades organizadas para promover o conhecimento dos alunos. Uma ferramenta inovadora para romper com as prisões curriculares e dar formato mais ágil e participativo ao trabalho de professores e educadores é a Pedagogia de Projetos.
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cionando mais oportunidades de evidenciar o seu progresso.
A Pedagogia de Projetos é um modo de orientar atividades escolares através do trabalho com projetos, que devem possuir como objetivo o desenvolvimento de atividades de aprendizagem em grupo; o conhecimento vai sendo buscado à medida que se torna necessário para resolver os problemas que surgem. A Pedagogia de Projetos surge no início do século XX, com John Dewey e outros representantes da chamada Pedagogia Ativa (LIBÂNEO, 1985). Naquela época, a discussão estava embasada na concepção de que a educação é um processo de vida, não apenas uma preparação para a vida
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futura, e que a escola deve representar a vida presente real e vital para o aluno. Mais de um século se passou e essa concepção continua atual. O pensamento de Dewey contribui com o movimento de educação progressista. Naquela época, já eram feitas as primeiras referências a trabalhos com projetos como uma inovadora postura pedagógica. A educação nessa concepção é contra toda e qualquer ação que leve em conta a memorização em detrimento da aprendizagem concreta e desejada. Essa Pedagogia tem como objetivo o conhecimento construído pelos alunos em oposição à transmissão de conhecimentos do professor para o aluno. Também os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 2002) apontam o ensino por projetos como uma alternativa para o desenvolvimento de uma nova proposta, que enfatiza a interação entre as áreas do conhecimento, a contextualização, a participação dos professores na elaboração dos currículos e nas metodologias de ensino. Essas recomendações dos PCN têm incentivado a elaboração dos projetos em muitas escolas brasileiras.
Para refletir Neste curso ou em outra experiência de estudo, você já fez um projeto? Reflita sobre ele.
6.4 O que é um projeto? Projeto não é apenas um plano de trabalho ou um conjunto de atividades bem organizadas. Para Nogueira (2001, não é atual, não está presente, já que é ainda uma antecipação do futuro”. O ensino por projetos de trabalho consiste em um conjunto de intervenções didáticas pautado na aprendizagem significativa, na qual a resolução de problemas mobiliza os conhecimentos prévios dos alunos, sua capacidade de análise e de argumentação e o desenvolvimento da autonomia intelectual. Para Nogueira (2001, p. 90): Um projeto é sempre carregado de intenções. É preciso estabelecer objetivos e vantagens. Se você quer fazer um projeto e não tem intenções, ele vai ser um fracasso, por isso, pense nos objetivos pedagógicos que serão inseridos no projeto.
Um projeto precisa possibilitar condições desafiadoras para a investigação por meio de imersões culturais e críticas, gerando situações de aprendizagem relacionadas às vivências do cotidiano e à formação de competências. Segundo Hernández (1998, p. 89), os projetos podem contribuir para favorecer nos estudantes a aquisição de capacidades relacionadas à:
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p. 90), projeto “[...] é aquilo que ainda está por vir, pois ainda
• autodireção, proveniente das tarefas de pesquisa; • inventividade, processo na criação de recursos e métodos; • formulação e resolução de problemas; • integração através da síntese de ideias de diferentes fontes; • tomada de decisões; e • comunicação interpessoal ao contrastar opiniões e pontos de vista.
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Quando falamos em projetos de trabalho no ensino de Ciências e na cultura contemporânea, é fundamental que tais projetos levem o indivíduo a compreender o mundo em que vive e a saber como ter acesso à informação para poder analisá-la e interpretá-la. O acesso a novas informações deve começar desde a Educação Infantil através de diferentes estratégias de aprendizagem, aproveitando ao máximo essas formas de conhecimento. O ensino por projetos deve extrapolar o uso do livro didático, gerando discussões transversais que sejam relevantes para a comunidade escolar.
6.5 O que caracteriza um projeto de trabalho? Todo projeto nasce de uma boa questão. As boas questões são a chave de uma boa pesquisa. O problema ou tema deve ir além das próprias disciplinas, do tempo histórico e do espaço físico (BRASIL, 2000, p. 27). Os projetos são oportu-
nidades excepcionais para que nossas aulas possibilitem um arranjo diferente nas dinâmicas de aprendizagem. Propõem o contato com o mundo fora da sala de aula, fora dos muros da escola. Projetos bem orientados motivam os alunos e professores a superarem seus conhecimentos, rompendo os limites do ensino tradicional. • Escolha de um tema ou problema negociado com a turma. • Processo de pesquisa: busca de fontes, ordenação e • Surgimento de dúvidas e perguntas.
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• Elaboração do conhecimento adquirido.
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interpretação de dados.
• Avaliação do que foi aprendido e conexão com outros temas ou problemas. As questões listadas permitem seguir um caminho na construção de projetos que saiam dos trilhos da rotina, criando experiências inovadoras para uma melhor aprendizagem. No desenvolvimento de um projeto, devemos considerar que não há linearidade nem uma sequência única e geral, mas algumas ideias devem ser compartilhadas.
6.6 Q uestões norteadoras na elaboração de um projeto Para elaborar um projeto, é preciso assegurar algumas condições que levarão ao alcance dos objetivos. Concordamos com Hernández (1998) quando indica como pontos a considerar:
• O centro de interesse dos alunos. • Os conhecimentos prévios da turma. • Questões emergentes trazidas pelo professor ou pelo aluno. No ensino por projetos, o trabalho deve ser colaborativo e investigativo, produzindo roteiros, realizando leituras, observando e, de preferência, envolvendo a comunidade. Esse processo pode ter a duração de uma semana ou um semestre, talvez até um ano a depender dos crité-
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rios estabelecidos no início e da realidade de cada escola. A construção de um projeto deve considerar determinados aspectos para que haja unidade de propósitos, consistência nas ações, sentido comum nos esforços de cada um e resultados sistematizados. Embora cada projeto apresente particularidades e exija adaptações, há necessidade de assegurar condições básicas, assim como algumas questões devem ser consideradas na formulação de todo projeto. De acordo com Hernández (1998), na hora de construir um projeto devemos nos perguntar: • Qual tema investigar? – É a etapa de decisão. – O que será pesquisado? O que será tratado? • O que já sabemos sobre o tema? Quais são os conhecimentos prévios dos alunos em relação ao tema? Como articular os conhecimentos científico-culturais do cotidiano dos alunos com o tema abordado? • Quais e como as áreas do conhecimento comungam o tema em estudo? O tema em questão pode ter caráter interdisciplinar? Que conteúdo será abordado por cada área?
• Como desenvolver a investigação? – É a etapa de execução do projeto. – De que forma o projeto será dirigido? Vamos dividir as atividades entre os membros do grupo? Qual será o critério para essa divisão? • O que aprendemos? – A avaliação do que foi aprendido deve ser feita por todos os envolvidos no projeto. O aprendizado deve ocorrer durante todo o processo. • Como socializar o aprendido? – Estamos falando da etapa chamada “divulgação científica”. – Qual a melhor forma de apresentação? Que recursos visuais ou gráficos estão disponíveis para a apresentação?
Para refletir Depois de respondidas essas questões, você se sente capaz de montar um projeto?
Sugerimos alguns temas com base nos conteúdos estudados anteriormente: • Astronomia: “o enigma dos céus (planetas, arco-íris, luz)”. • Corpo humano: “experimentando movimentos (expressão corporal)”. • Meio ambiente: “ar atmosférico (como está o ar que respiramos?)”; “O mundo está aquecendo? E o que eu posso fazer?”. • Animais: “tem um bicho em minha classe (cuidado e amizade)”. • Corpo humano e saúde: “restaurante natural (cardápio saudável na escola)”.
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• Água: “poluição das @guas.com”. • Plantas e animais: “um país cheio de vida (biodiversidade)”. • Eletricidade: “em busca de um modelo alternativo (fontes energéticas)”. Os projetos têm sido a forma mais organizada e viabilizadora de uma nova modalidade de ensino, que, embora essencialmente curricular, busca sempre escapar das limitações do currículo. Os projetos abrem uma brecha no dia a dia
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da sala de aula, criam possibilidades de ruptura, na qual é possível unir a Ciência à Matemática, à Geografia, à História, à Língua Portuguesa, à formação de uma identidade cultural. A organização dos conteúdos em torno de projetos, como forma de desenvolver atividades de ensino e aprendizagem, favorece a compreensão da multiplicidade de aspectos ligados à Ciência, que podem se articular com outros campos de conhecimento (BRASIL, 1998). O fundamental para a construção de um projeto é a coragem de romper com as limitações do cotidiano, convidando os alunos e alunas à reflexão sobre questões importantes da vida real e da sociedade em que vivem; instigando-os a alçarem um voo mais alto. Se perguntarmos a um grupo de professores: qual o seu objetivo de ensino? Qual tipo de aluno gostaria de ajudar a formar? As respostas seriam unânimes. Formar alunos felizes, autônomos, conscientes, reflexivos, participativos, cidadãos, atuantes, críticos... No cotidiano escolar, não é raro encontrar alunos que se colocam como sujeitos passivos, sempre à mercê das ordens do professor, lidando com conteúdos que não fazem parte da sua realidade. Surge uma necessidade de ressignificação do espaço escolar. A Pedagogia de
Projetos e as Feiras de Ciências visam à ressignificação desse espaço. Na verdade, as Feiras de Ciências se constituem como culminância de projetos, contribuindo para a transformação do espaço escolar em espaço vivo de interações.
6.7 Feiras de Ciências/Feiras do Conhecimento pertam o interesse de todos os envolvidos. Constituem uma atividade pedagógica e cultural em que são expostas as atividades científicas e culturais, realizadas dentro do contexto escolar. As Feiras de Ciências evoluíram muito nos últimos anos. Os professores e professoras inovaram a forma de planejar o evento e, consequentemente, de os alunos produzirem e transmitirem o conhecimento. As mostras devem ser organizadas com propósitos didáticos, fazendo o nosso aluno e a nossa aluna utilizarem o método científico para desenvolver seus inventos e suas pesquisas, não mais ficando atrás de maquetes, repetindo informações tiradas do livro didático ou de outras fontes. Nas séries iniciais, o desafio é maior. A tarefa exige planejamento. É necessário tornar a Ciência mais rica e instigante. Os temas a serem explorados não irão trazer avanços significativos nessa faixa etária, e nem é esse o propósito. Os trabalhos podem ser simples, desde que sejam criativos e façam sentido para a garotada. Conforme as experiências relatadas no artigo “Passo a passo, a feira vira um sucesso” (ARAÚJO, 2006, p. 50-51), há cinco passos a serem seguidos para que uma Feira de Ciências seja uma boa mostra de atividades:
169 Livro didático, trabalho docente, Pedagogia de Projetos e Feiras de Ciências
As Feiras de Ciências consistem em atividades que des-
• Despertar o gosto pela Ciência. Envolver as crianças, desde a Educação Infantil, no mundo da Ciência de forma prazerosa conduz à formação da consciência crítica diante das descobertas dos processos tecnológicos presentes no cotidiano. Para estimular o interesse pela disciplina, não é necessário ter um laboratório sofisticado. Promova uma visita a um museu e verá como vai surgir um festival de perguntas, pois a curiosidade é natural nessa faixa etária. • Ensinar as etapas do método científico: identificação do problema, formulação de hipóteses, observação
Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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de campo, definição de estratégias para resolver o problema, sistematização dos conceitos. • Apontar o valor de registrar as descobertas, pois o hábito de anotar o passo a passo ajuda na busca de soluções. • Preparar a turma para a exposição do trabalho. No dia da mostra, o conhecimento sistematizado durante a pesquisa deve ser apresentado aos visitantes por meio de cartazes, folhetos, maquetes e engenhocas. É importante não repetir oralmente informações escritas e procurar sempre interagir com as pessoas. • Organizar a infraestrutura. São necessários pelo menos quatro meses para organizar uma boa feira. É claro que esse prazo varia de acordo com a realidade de cada escola. O sucesso não depende da estrutura luxuosa. Se a escola não dispõe de dinheiro para alugar estandes, expõem-se os trabalhos nas carteiras da garotada. O tempo ideal de duração da feira é de dois a três dias, para que não fique cansativo nem para a organização do evento, nem para os alunos envolvidos no processo.
A aprendizagem científica do aluno não deve ser considerada mérito do professor, mas um compromisso tanto do educador quanto da escola. Crianças e jovens com talento para a Ciência não faltam nas escolas. Os estudantes que participaram da Feira de Ciências nas escolas municipais de Fronteira, Minas Gerais, são em exemplo disso.
6.7.1 Exemplo de uma Feira de Ciências Três escolas municipais (sendo uma pré-escola) localizadas na cidade de Fronteira, Minas Gerais, escolheram como tema da Feira de Ciências o “desenvolvimento sustentável com tados estavam o combate às queimadas na Amazônia, combate ao tabagismo, catástrofes em virtude do aquecimento global, destruição da fauna, destruição da flora, principais animais em extinção e funcionamento da cadeia alimentar, importância do cultivo de alimentos orgânicos, danos causados aos rios pela ausência de saneamento básico, avanços tecnológicos a partir do século XX, indústria da reciclagem, entre outros. Alunos e professores descobriram que participar de uma Feira de Ciências: • desperta o gosto pela pesquisa; • inspira trabalhos em grupo; • incentiva a busca de soluções para problemas reais; e • favorece a sistematização do conhecimento.
Para refletir Qual a sua opinião acerca da realização de uma Feira de Ciências? Que tal inserir no seu próximo planejamento uma mostra de Ciências? Conheça os exemplos das principais Feiras de Ciências regionais e nacionais no site: <http://www.novaescola.org.br>.
171 Livro didático, trabalho docente, Pedagogia de Projetos e Feiras de Ciências
a preservação do meio ambiente”. Entre os trabalhos apresen-
SÍNTESE Nesta unidade, tivemos a oportunidade de discutir o livro didático como instrumento importante para favorecer o desenvolvimento dos alunos e também alguns princípios norteadores da nossa prática pedagógica. Além disso, entendemos que trabalhar com projetos é uma forma de facilitar a atividade, a ação e a participação dos alunos em seu processo de trocar informações, produzir e construir conhecimentos, da mesma forma que as Feiras de Ciências proporcionam um aprendizado útil, em que as informações e os conhecimentos se transformam em instruMetodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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mentos de compreensão da realidade. Sigamos adiante!
QUESTÕES PARA REFLEXÃO Professor ou professora, você conhece uma forma nova e interessante para avaliar se os alunos aprenderam os conhecimentos científicos? Que instrumentos de avaliação proporcionam oportunidades de progresso nos estudos?
LEITURA INDICADA BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil? 2. ed. São Paulo: Ática, 2000.
SITES INDICADOS Para ampliar seus conhecimentos, sugerimos a leitura dos seguintes textos:
http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=/livro_didatico/livro_didatico.html http://www.abrelivros.org.br/abrelivros/texto.asp?id=154 www.scielo.br/pdf/ep/v30n3/ a11v30n3
REFERÊNCIAS ARAÚJO, P. Passo a passo, a feira vira um sucesso. Nova Escola, pp. 49-51, jun.-jul. 2006. BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil? 2. ed. São Paulo: Ática,
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Brasília: MEC/SEF, 1997, v. 4. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro04.pdf>. Acesso em: maio 2014. BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: conhecimento de mundo. Brasília: MEC/SEF, 1998, v. 3. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ pdf/volume3.pdf>. Acesso em: maio 2014. BRASIL. PROINFO: projetos e ambientes inovadores. Brasília: MEC, SEED, 2000. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMT, 2002. HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação. Os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
173 Livro didático, trabalho docente, Pedagogia de Projetos e Feiras de Ciências
2000.
LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a Pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985. LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2003. NOGUEIRA, N. Pedagogia dos Projetos. São Paulo: Érica, 2001. YAGER, R. E. The importance of terminology K-12 science. Journal of Research in Science Teaching, v. 20, n. 6, pp. 577-
Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
174
-588, 1983. YAGER, R. E.; PENICK, J. E. School Science in crisis. Curriculum Review, pp. 21-24, aug. 1983.
Livro didĂĄtico, trabalho docente, Pedagogia de Projetos e Feiras de CiĂŞncias
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S er professor de CiĂŞncias: competĂŞncias e habilidades
Olá, turma! Nesta unidade, conversaremos um pouco sobre o que devem “saber” e “saber fazer” os professores de Ciências, proposta esta baseada na ideia de aprendizagem como construção do conhecimento. Avante! Algumas pesquisas têm evidenciado a existência de diferenças marcantes entre o objetivo perseguido pelos estruturadores de currículo e o que os professores levam realmente à prática (CARVALHO, 1988). Essa questão é de extrema importância para o ensino de Ciências, campo em que já se iniciaram muitas mudanças curriculares. Pensando nisso, é bom lembrar que não basta estruturar um currículo se o professor ou professora não receberem o preparo adequado para sua operacionalização. Por conseguinte, necessário se faz
uma revisão na formação inicial (e permanente também) dos professores quanto ao acesso e conhecimento das pesquisas sobre aprendizagem em Ciências. A partir dos estudos de Gil-Pérez (2006), faremos uma adaptação das necessidades formativas para o professor e professora do Ensino Fundamental, cuja formação adequada permite que a sua prática cotidiana melhore e promova a preparação dos alunos para o campo científico.
Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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Propomos, pois, aos professores a oportunidade de um trabalho coletivo de reflexão, debate e aprofundamento, contribuindo de forma funcional e efetiva na transformação de suas concepções iniciais. O esquema a seguir mostra-nos uma visão geral de competências. Para maior apreensão desse conhecimento, abordaremos cada uma separadamente. O que exige
2. Conhecer e questionar o pensamento docente espontâneo.
Possibilitam
3. Adquirir conhecimentos teóricos sobre a apredizagem e aprendizagem de ciências.
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1. Conhecer a matéria a ser ensinada.
4. Crítica fundamentada no ensino habitual. bil
8. Utilizar a pesquisa e a inovação.
7. Saber avaliar.
6. Saber dirigir a atividade dos alunos.
Fonte: Gil-Pérez e Carvalho (2006, p. 19).
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5. Saber preparar atividades.
7.1 Conhecer a matéria a ser ensinada Existe um ponto de consenso na formação de professores de que nós devemos ter um bom conhecimento do contefessores de Ciências que os profissionais tenham domínio dos conteúdos científicos a serem ensinados aos alunos do Ensino Fundamental. No entanto, é cada vez mais evidente que só essa preparação não é suficiente (KRASILCHIK, 1987). Todos os trabalhos investigativos mostram que a carência de conhecimento da matéria a ser ensinada torna o professor um mero transmissor de conteúdos do livro-texto. A seguir elencamos alguns aspectos que Gil-Pérez (2006, p. 22) entende como necessários para o conhecimento de um professor, além dos conteúdos científicos: 1. Ter conhecimento da História da Ciência. 2. Conhecer as orientações metodológicas empregadas na construção dos conhecimentos. 3. Conhecer as interações Ciência/tecnologia/sociedade. 4. Ter algum conhecimento dos desenvolvimentos científicos recentes. 5. Saber selecionar conteúdos adequados que deem uma visão correta da Ciência. 6. Estar preparado para aprofundar os conhecimentos e para adquirir outros novos. Fonte: adaptado de Gil-Pérez e Carvalho (2006).
Adotando uma visão de Ciência como produção social influenciada pelo processo histórico, devemos perceber a existência de singularidades nesse processo. A História da
181 Ser professor de Ciências: competências e habilidades
údo a ser ensinado. É muito importante na formação de pro-
Ciência pode desempenhar o papel de não só contextualizar os conhecimentos científicos, mas de mostrar que a evolução e as interações da Ciência com a tecnologia e a sociedade tornam possível a compreensão da própria natureza da Ciência.
7.2
Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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Conhecer e questionar o pensamento docente espontâneo A falta de domínio de conteúdos para uma atividade docente inovadora e criativa é tão grave quanto a seguinte dificuldade: o pensamento docente de senso comum. Os professores têm ideias, atitudes e comportamentos sobre o ensino formados durante o período em que foram alunos (GIL-PÉREZ, 2006). As experiências adquiridas de forma não reflexiva e como algo natural (“senso comum”) ainda podem bloquear nossa capacidade de renovação de ensino. Alguns aspectos a serem questionados sobre o pensamento e comportamentos dos docentes são destacados a seguir: 1. Questionar a visão simplista do que é a Ciência. 2. Questionar o caráter “natural” do fracasso generalizado de alunos e alunas nas disciplinas “científicas”, a exemplo da Matemática. 3. Questionar a ideia de que ensinar é fácil, bastando alguns conhecimentos, experiência... 4. Questionar a redução do aprendizado em Ciências a algumas destrezas. 5. Questionar o autoritarismo da organização escolar. Fonte: adaptado de Gil-Pérez e Carvalho (2006).
Como vimos anteriormente, a diferença entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano permite que nossa prática seja modificada. As ideias de “senso comum” podem bloquear a
capacidade de renovação do ensino. Devemos propor um trabalho de mudança didática que conduza os professores a ampliarem ou modificarem suas concepções e perspectivas sobre o que é Ciência, a naturalização de fenômenos científicos etc.
7.3
Na aprendizagem de Ciências, é comum a concepção de práticas tradicionais, como o ensino por transmissão de conhecimentos já elaborados. Por esse motivo, a transformação dessa prática exige um conhecimento claro e preciso de modelos alternativos e de maior eficácia. Sobre esse aspecto, Gil-Pérez (2006, p. 31-32) nos diz que em geral se detecta uma rejeição dos professores em formação frente às questões teóricas, muitos dizem “[...] não ser essencial usar conhecimentos de Psicologia da aprendizagem”. Outros desconsideram a influência de aspectos afetivos na aprendizagem. Ao pensar que nossas aulas não devem ser limitadas a apresentações expositivas, e sim favorecer um trabalho colaborativo, no qual professores e professoras abordem questões do interesse dos alunos, estamos de fato valorizando as contribuições teóricas, seja das preconcepções dos alunos ou de propostas construtivistas (GIL-PÉREZ, 2006). Em qualquer um dos casos, é preciso romper com tratamentos ateóricos e defender a formação dos professores como (re)construção de conhecimentos específicos em torno do processo de ensino-aprendizagem das Ciências.
183 Ser professor de Ciências: competências e habilidades
Adquirir conhecimentos teóricos sobre a aprendizagem e aprendizagem de Ciências
7.4 C rítica fundamentada no ensino habitual A rejeição do ensino tradicional costuma expressar-se incisivamente por parte dos professores em formação.
Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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Convém mostrar a você, professor ou professora, que esse ensino tradicional está profundamente impregnado em nós porque ao longo de anos nos identificamos com as atuações de nossos professores.
Para refletir Você se lembra das aulas de Ciências quando era estudante das séries iniciais? É claro que a mudança didática não é fácil. Um procedimento que tem se mostrado eficaz para mostrar o peso dessa formação docente consiste em solicitar aos professores que analisem criticamente os materiais didáticos (livros) para perceberem conceitos que não levem em consideração os conhecimentos prévios dos alunos ou a presença de trabalhos como “receitas”. De acordo com Gil-Pérez (2006), saber analisar criticamente o ensino habitual consiste em: 1. Conhecer as limitações do currículo enciclopédico e reducionista. 2. Conhecer as limitações dos trabalhos práticos habituais. 3. Conhecer as limitações dos exercícios repetitivos. 4. Conhecer as limitações das formas de avaliar. Fonte: adaptado de Gil-Pérez e Carvalho (2006).
É claro que mudanças didáticas nas formas de avaliar ou em relação aos exercícios repetitivos não são apenas uma questão de tomada de consciência. Exige de nós, professores, uma atenção contínua. Na ausência de alternativas, os professores continuam no ensino tradicional, pois aprenderam dessa forma quando alunos.
7.5
Uma das necessidades formativas básicas dos professores é saber programar atividades que promovam a aprendizagem. São também conhecidas como estratégias, conforme vimos anteriormente. Até os professores que orientam seu ensino como uma transmissão de conhecimentos prontos consideram importante a realização de atividades após as explicações de conteúdos. Quando a aprendizagem é pautada na construção de conhecimentos, as atividades promovem o desenvolvimento de temas científicos. Nesse modelo construtivista, a concepção de currículo revela-se como um conjunto de atividades através das quais os conhecimentos e habilidades possam ser construídos e assimilados. Ao apresentar uma atividade, é importante que os alunos entendam como a tarefa vai ser realizada. É importante também despertar o interesse pela tarefa (ela deve ser atrativa para o aluno) e dedicar o tempo necessário para a realização da tarefa até que se concretize a ideia da problemática enfrentada. Observe a seguir algumas estratégias que conduzem a aprendizagem apresentadas por Gil-Pérez (2006). O trabalho
Ser professor de Ciências: competências e habilidades
S aber preparar atividades
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coletivo de inovação e pesquisa mostra-se como uma das condições básicas para a formação docente. 1. Propor atividades que levem em conta as visões de mundo, destrezas, as ideias dos alunos e alunas. 2. Orientar a resolução dos problemas com base no tratamento científico: emissão de hipóteses, estratégias de resoluções, análise de dados. 3. Favorecer as atividades de síntese. Fonte: adaptado de Gil-Pérez e Carvalho (2006).
Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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Essas estratégias vão de encontro à organização do trabalho pedagógico que concebe a aprendizagem como uma construção do conhecimento. Isso permite que os alunos desenvolvam atividades para adquirir competências e habilidades.
7.6 S aber dirigir a atividade dos alunos A atividade de uma professora ou de um professor vai muito além do ato de ministrar aulas, não é verdade? Orientar a aprendizagem, como numa pesquisa, introduz mudanças profundas no papel do professor, gerando novas exigências formativas, que se fundamentam na possibilidade de atuar como diretor/orientador de equipes de pesquisa e não simplesmente como transmissor do conhecimento. O professor e a professora deverão valorizar as contribuições dos alunos, reformulando-as quando necessário, facilitar a comunicação e reforçar o espírito de equipe, criar um clima de pesquisa coletiva. Hoje é improcedente que o professor desempenhe um papel de “policial ou capataz”. A cordialidade e um relacionamento de aceitação entre professores e aluno (AUSUBEL, 1978) geram um ambiente escolar de real aprendizado e disciplina.
Resumidamente apresentamos algumas sugestões dadas por Gil-Pérez (2006) em relação às atividades dos alunos: 1. Apresentar atividades de forma que sejam promovidos o entendimento e interesse. 2. Facilitar o funcionamento de pequenos grupos, dirigindo as observações. 3. Realizar sínteses e reformulações que valorizem as contribuições dos alunos. 4. Criar um “clima bom”, uma atmosfera agradável, baseada no afeto e aceitação.
Fonte: adaptado de Gil-Pérez e Carvalho (2006).
Todas as sugestões apresentadas indicam mudanças no trabalho dos professores, transformando-os de simples transmissores de conhecimento em orientadores de pesquisa.
7.7 S aber avaliar É provável que a avaliação seja um dos aspectos do processo de ensino-aprendizagem em que se faça mais necessária a mudança de concepção. Na formação de professores vamos questionar “o que sempre se fez” e promover uma reflexão crítica das ideias e comportamentos docentes do senso comum persistentes ainda hoje no que se refere à avaliação. O habitual no ensino de Ciências é a rememoração repetitiva dos conhecimentos teóricos e aplicação repetitiva de exercícios. Com o objetivo de chamar a atenção de professores em formação ou em formação continuada, Alonso, Gil-Pérez e Martínez Torregrosa (1992) realizaram o seguinte teste. Solicitaram a um grupo de professores que atribuíssem duas
187 Ser professor de Ciências: competências e habilidades
5. Manter um relacionamento entre professor e alunos marcado pela cordialidade.
notas a uma atividade de avaliação, dando a entender que uma atividade era de alunos “brilhantes” e a outra, de alunos “medíocres”. A nota atribuída ao aluno “brilhante” foi sistematicamente superior ao do “medíocre”, da mesma forma que foram atribuídas notas mais baixas quando se supôs que a atividade era de uma menina e não de um menino. Essas evidências nos permitem interrogar:
Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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• Até que ponto as valorações estão submetidas às subjetividades de cada professor? • Que margens de incerteza essa precisão nos oferece na hora de pontuar as atividades? • Lembra-se de quando abordamos o tema avaliação? O que devemos privilegiar quando vamos avaliar? Vejamos aqui algumas concepções de professores, encontradas por Gil-Pérez (2006), que precisam ser questionadas: • É fácil avaliar matérias científicas por serem objetivas. • O fracasso é inevitável por parte dos alunos, porque Ciência é uma disciplina de difícil entendimento. • O fracasso pode ser atribuído a fatores externos, tais como capacidade intelectual e ambiente familiar. • A função da avaliação é mediar a capacidade de aproveitamento dos alunos, servindo para promoções e seleções. Para que a avaliação possa se transformar num instrumento efetivo de aprendizagem em Ciências, é preciso que nós, professores, ajustemos esse processo ao acompanhamento dos
alunos, seus avanços e prioridades. É preciso ampliar a avaliação para além da atividade individual, observar todos os aspectos que envolvem o ambiente da sala de aula, romper com a concepção de avaliação como julgamento ou simples verificação.
7.8 Utilizar a pesquisa e a inovação Dificilmente um professor ou uma professora poderá orientar a aprendizagem de seus alunos como uma construção de conhecimentos científicos se ele próprio ou ela própria não possui a vivência de uma tarefa investigativa. Existe uma barreira entre os “pensadores” e os “realizadores”. Nós estamos incluídos na segunda categoria. Ao nos incluirmos também na primeira opção, estamos efetivando nossa característica própria, a de ensinar, elevando nossa capacidade de inovação e tomada de decisões. A iniciação do professor à pesquisa transforma-se numa necessidade formativa de primeira instância. Não se trata de outro componente da formação docente, mas de construção de conhecimentos docentes.
SÍNTESE Pudemos perceber as necessidades formativas dos professores de Ciências a partir de uma orientação construtivista da aprendizagem. A atividade do professor e da professora, bem como sua preparação, surge como uma tarefa complexa e de extrema riqueza ao associar docência e pesquisa. Bom estudo! E vamos em frente!
Ser professor de Ciências: competências e habilidades
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REFERÊNCIAS ALONSO, M.; GIL-PÉREZ, D.; MARTÍNEZ TORREGROSA, J. Concepciones espontâneas de los profesores de Ciencias sobre la evaluación: obstáculos a superar y propuestas de replanteamiento. Revista de Enseñanza de la Física, v. 5, n. 2, pp. 18-38, 1992. AUSUBEL, D. P. Psicologia educativa: um ponto de vista
Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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cognitivo. México: Trilhas, 1978. CARVALHO, A. M. P. de. Prática de ensino: três diretrizes norteadoras de seu conteúdo específico. In: CARVALHO, A. P. (Org.). A formação do professor e a prática de ensino. São Paulo: Pioneira, 1988. GIL-PÉREZ, D.; CARVALHO, A. M. P. de. Formação de professores de Ciências: tendências e inovações. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006. KRASILCHIK, M. O professor e o currículo de Ciências. São Paulo: EPU, 1987.
Ser professor de CiĂŞncias: competĂŞncias e habilidades
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G ênero e Ciências: construindo cidadãos e cidadãs
Olá, turma! Chegamos à nossa última unidade e iremos estudar para além do que os olhos podem ver. Trataremos sobre uma forma de fazer uma educação diferente, atentos às possibilidades de trabalhar a temática gênero com a finalidade de contribuir para uma educação multicultural. Avante!
“Homens e mulheres são, certamente, diferentes, mas não são diferentes como o dia, a noite, a terra e o céu, yin e yang, vida e morte. De fato, do ponto de vista da natureza, homens e mulheres estão mais próximos uns dos outros do que qualquer outra coisa – por exemplo, montanhas, cangurus ou coqueiros. A ideia de que homens e mulheres são diferentes entre si mais do que qualquer outra coisa deve vir de algum lugar fora da natureza.” [Gayle Rubin, 1975]
Nesta unidade encontram-se algumas reflexões em busca dos porquês na diferença de tratamento entre meninos e meninas no ensino de Ciências. As diferenças biológicas, fisiológicas, estruturais ou cognitivas não devem fazer parte da nossa prática cotidiana. A tendência atual do construtivismo/interacionismo Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
196
permite o desequilíbrio e “novas equilibrações” das nossas concepções em relação à educação de meninos e meninas.
8.1 A questão de gênero no ensino de Ciências A ignorância inconsciente e a naturalização constituem duas poderosas aliadas do conservadorismo e das ideologias que propõem a defesa do status quo. Ambas propõem a lei do menor esforço para preservar o que o senso comum consagrou como correto durante décadas ou séculos. Mas o galgar dos diversos níveis acadêmicos não se constitui em garantia desse círculo vicioso. O trabalho do professor e da professora deve ajudar a desvendar os mecanismos dessa teia, tecida ao longo dos séculos, e criar mecanismos ou instrumentos para rompê-la. À primeira vista, devemos nos munir de um novo olhar: o olhar de gênero. Ou seja, olhar meninos e meninas, homens e mulheres não como resultados naturais de sua determinação biológica, mas como frutos de construções sociais, de processos educativos diferenciados, de papéis específicos... A naturalização faz, por exemplo, com que professores e professoras não percebam a influência da questão de gênero no processo de educação e considerem naturais os diferentes
métodos de tratar alunas e alunos. É importante refletir sobre a superação da perpetuação de preconceitos quanto à participação das mulheres na produção científica.
Para refletir
A questão do gênero no ensino de Ciências chamou a atenção de alguns pesquisadores por estar presente no dia a dia da escola. Os resultados indicam as prováveis causas para a pequena participação das mulheres na Ciência, entre elas, a atenção diferenciada que professores de Ciências dispensam a meninos e meninas. Para Moro (2001, p. 13), “[...] o conhecimento científico apreendido pelas meninas pode proporcionar às mulheres maiores possibilidades de atuação na sociedade”. Preocupação semelhante é proposta por Delizoicov (1991, p. 114) quando afirma: É minha intenção, solidária com uma quantidade cada vez maior de educadores progressistas, de que a maioria dos alunos [...] tenham, minimamente, uma formação científica e que esta funcione como um instrumento de compreensão da realidade em que estão vivendo, de atuação sobre ela, visando a sua transformação.
A discriminação da mulher na sociedade ocidental é uma preocupação antiga. E essa nova categoria de análise das Ciências Sociais está sendo usada como eixo de estudos na literatura mundial. Nascemos homens e mulheres ou nos fazemos homens e mulheres?
197 Gênero e Ciências: construindo cidadãos e cidadãs
Como a minha prática pedagógica pode desconstruir as teorias que sustentam os preconceitos?
Essa é uma questão que vem sendo discutida desde o lançamento do livro O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, em 1949, com a célebre frase “não se nasce mulher, torna-se”. Vários filmes podem ser assistidos por você a fim de ressiginificar as ideias sobre os papéis masculinos e femininos:
Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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• Shakespeare apaixonado; • Tootsie; • Uma babá quase perfeita; • Se eu fosse você. Você se lembra do romance de Riobaldo e Diadorim? Em Grande Sertão: Veredas (1956), um dos romances mais importantes da literatura brasileira, o autor Guimarães Rosa apresenta a troca de papéis da masculinidade e da feminilidade.
8.2 Breve histórico Até a década de 1970, os estudos sobre mulheres tinham como meta a construção teórica do que é “ser mulher”. Com o desenvolvimento da Antropologia, começou-se a perceber que a diferença cultural não é um fenômeno passível de redução e que toda realidade é socialmente construída. Entre as décadas de 1960 e 1970, muitos estudos desvendaram as causas e origens da opressão feminina e muitas pesquisas abordaram a questão do patriarcado1 (RUBIN, 1975).
1. O termo “patriarcado”, cunhado por Max Weber, define sistemas sociais e familiares baseados no reconhecimento da autoridade da figura masculina.
No final da década de 1960, o feminismo surgiu como movimento social e registrou os diversos “feminismos” atuando politicamente. Todos eles tinham como foco questionar a tradicional divisão de papéis sociais conforme o sexo. A palavra “gênero” passou a ser utilizada, inicialmente, pelas feministas americanas para enfatizar o caráter social forma de indicar “construções sociais”, sendo o corpo biológico e sexuado uma justificativa para as identidades subjetivas dos homens e mulheres dentro de cada cultura (SCOTT, 1991). Essas diferenças socialmente construídas passam a impor aos indivíduos regras de comportamento. Não há uma convenção universal do que é atividade ou papel masculino e feminino, variando de sociedade para sociedade (MEAD, 2000). Para algumas pesquisadoras, como Sandra Harding (1996), a Ciência é um campo de valores, métodos e objetivos definidos por homens. A imagem da Ciência é a de um território competitivo, em que se privilegiam a solução de problemas, teorias, proposta inovadora. Podemos dizer que a escola reforça essa metodologia positivista e reducionista. A questão do gênero na escola não está dissociada de outros preconceitos como religião, classe e raça/etnia. Para Matthews (1994), essas ideologias têm afetado o desenvolvimento da Ciência, a exemplo do nazismo. Assim como a questão racial, a Ciência foi utilizada na valoração da desigualdade social entre homens e mulheres. Alguns cientistas naturais defendem que as diferenças fisiológicas entre os sexos permitem diferenças de comportamento, aptidões e papéis sociais. Contrapondo-se a esse pensamento, os cientistas sociais afirmam que as diferenças não são biológicas, mas consequências do condicionamento cultural. De acordo com Barroso (1975), o aparente desinteresse feminino pelas áreas científicas se dá em consequência do
199 Gênero e Ciências: construindo cidadãos e cidadãs
das distinções sobre o sexo. O gênero tornou-se assim uma
processo de socialização a que as mulheres têm sido submetidas. Os resultados sugerem que a escola desempenha papel determinante no desenvolvimento das habilidades e interesse das meninas. Se existir análise crítica do professor e da professora, os preconceitos podem ser minimizados, evitando a reprodução dos estereótipos de gênero. Metodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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As teorias do conhecimento humano são norteadas por três modos de conceber como ocorre o desenvolvimento do conhecimento: inatismo, empirismo e construtivismo. Para o inatismo, os seres humanos já nascem com estruturas diferenciadas e a atividade do conhecimento é exclusiva do sujeito. Para o empirismo, o conhecimento está no objeto e o conhecimento se constituiria através das experiências vividas pelos sentidos. Para o construtivismo, o conhecimento ocorre na interação sujeito-objeto. De acordo com o construtivismo, a ação do meio tem papel fundamental, mas não é o único fator determinante. Nem o determinismo biológico nem o determinismo ambiental podem explicar isoladamente as questões de gênero. Os dois enfoques são igualmente importantes e válidos para o desenvolvimento do indivíduo.
8.3 Na prática “Aprendizagem também é uma questão de gênero”, diz Alicia Fernández (MARANGON, 2007). Para a psicopedagoga argentina, as dificuldades da criança em sala de aula têm relação com os papéis atribuídos a homens e mulheres. Na década de 1980, ela realizou um estudo com crianças e jovens menores de 14 anos que chegavam a seu consultório para atendimento psicopedagógico e concluiu que 70% dos casos
com dificuldades escolares eram de meninos. O resultado da sua pesquisa está no livro A mulher escondida na professora (FERNÁNDEZ, 1994). Em entrevista concedida à Revista Nova Escola (MARANGON, 2007), Fernández aponta que as dificuldades apresentadas pelas meninas são encobertas pelo modeComo elas reúnem essas características, são valorizadas e avaliadas pelas mesmas, não revelando assim as dificuldades que poderiam ser diagnosticadas por professores e professoras. Fernández afirma nessa entrevista que cabe ao professor desenvolver um trabalho intencional sobre gênero nas diferentes disciplinas, de maneira transversal e constante. Sutherland (1989) apresenta algumas perguntas que, respondidas por você positivamente ou negativamente, promovem a reflexão para você descobrir de que forma está dirigindo suas aulas e se está contribuindo para relações igualitárias. São elas: • O número de perguntas é feito na mesma proporção para meninos e meninas? • Alunos e alunas são repreendidos da mesma forma? • A interação entre meninos e meninas ocorre de forma pacífica? • As solicitações de arrumação da sala são feitas para meninas e meninos? • As experiências são realizadas por meninos e meninas? • A escola convida mulheres para fazer palestras? • Você menciona os feitos na Ciência realizados por mulheres?
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lo do bom comportamento, obediente, passivo e caprichoso.
O Relatório da 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada na China em 1995, aponta um caminho para que a escola encoraje, respeite e explore o potencial dos meninos e meninas igualmente. Para tanto, a participação dos professores e professoras é importante para modificar essa sociedade, de modo que mulheres e homens tenham direitos e oportuMetodologia e prática de Ciências Naturais no Ensino Fundamental
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nidades iguais. No que se refere a brincadeiras de meninos e meninas da Educação Infantil, Ana Maria Niemeyer, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), revela que os pais têm medo de ver seus garotos brincando de casinha ou suas garotas brincando de futebol. A sociedade está mudando, assim como os papéis dos homens e das mulheres. “[...] Discutir as relações de gênero é, antes de tudo, atribuir novos significados à nossa própria história e cultura”, afirma a consultora do Grupo de Estudos de Educação Infantil da UNICAMP, Daniela Finco. Ela sugere ainda que se ofertem bons livros de literatura para a Educação Infantil, já que eles apresentam grande influência na formação da identidade de meninos e meninas. Entre os sugeridos estão: • A fada que tinha ideias, de Fernanda Lopes de Almeida; • Menino brinca de boneca?, de Marcos Ribeiro; • Faca sem ponta, galinha sem pé, de Ruth Rocha; e • Mamãe nunca me contou, de Babette Cole. Fonte: Bencini (2007, p. 107-140).
8.4 C aminhos... Cristine Moro (2001) aponta algumas sugestões para menos desigual: • Evitar fazer filas de meninos e fila de meninas e outras divisões por sexo, leve em conta a ordem alfabética ou um caráter aleatório. • Estimular nas meninas valores como curiosidade e coragem; nos meninos, afetividade, respeito e organização. • Encorajar meninos e meninas igualmente nas posições de líderes. • Estimular trabalhos em equipes com grupo misto, evitando os clubes do “Bolinha” e da “Luluzinha”. • Fazer as mesmas perguntas para meninos e meninas. • Usar o mesmo tom de voz ao se dirigir tanto aos meninos quanto às meninas. • Destacar mulheres importantes para as Ciências. • Incentivar igualmente práticas desportivas para meninos e meninas. • Estimular as meninas a participar de atividades que explorem conhecimentos científicos e matemáticos.
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que professores e professoras construam um ambiente
Trabalhar a questão de gênero: • mostra que meninos e meninas têm direitos iguais; • flexibiliza papéis sociais; • evita preconceitos; e
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• promove a integração entre os sexos.
SÍNTESE A partir das reflexões que fizemos até aqui, percebemos que, no mundo atual, as complexas relações existentes entre os sujeitos e o ambiente devem ser consideradas e respeitadas, pois é a partir destas relações que a sociedade é construída. O saber científico não pode mais ser apresentado de maneira estática, desconectada e fragmentada aos estudantes, mas deve ser um espaço que incentive a leitura do mundo vivido, possibilitando a explicação e a compreensão do mundo. Boa sorte!
QUESTÕES PARA REFLEXÃO Você acha que meninos e meninas são tratados de maneira diferente na escola? Como você imagina que seria sua vida se você tivesse o sexo oposto ao seu? Quais as vantagens e desvantagens de ser mulher? E quais as vantagens e desvantagens de ser homem?
LEITURA INDICADA LIMA E SOUZA, Â. M. F. de; FAFUNDES, T. C. P. C. Acesso à educação e à produção de saberes: direitos da mulher. Disponível em: <http://www.sei.ba.gov.br/publicacoes/publicacoes_ sei/bahia_analise/analise_dados/pdf/direitos_humanos/15_an-
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