Metodologia e prática de geografia no ef

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Metodologia e prรกtica da Geografia no Ensino Fundamental



Metodologia e prรกtica da Geografia no Ensino Fundamental


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Nadyer, Denize Reimão de Souza Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental./ Denize Reimão de Souza Nadyer. – Salvador: UNIFACS, 2014. 171 p.; 18,3 x 23,5cm. ISBN 978-85-8344-048-2 1. Geografia - Estudo e ensino. I. Título. CDD: 372.8911




S umário ( 1)O

ensino da Geografia: a trajetória histórica, o conhecimento geográfico e a sua importância social, 11 1.1 A trajetória histórica, 13 1.2 O conhecimento geográfico e a sua importância social, 20 ( 2 ) Geografia

Humana x Geografia Física e os principais conceitos do estudo de Geografia, 29 2.1 Geografia Humana x Geografia Física, 31 2.2 Os principais conceitos do estudo de Geografia, 37


2.2.1 Espaço, 38 2.2.2 Paisagem, 41 2.2.3 Lugar, 42 2.2.4 Ambiente, 42 2.2.5 Território, 43

( 3)A

importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar, 49 3.1 A importância da linguagem cartográfica, 51 3.2 A representação do espaço no contexto escolar, 65 ( 4)A

importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia, 75 4.1 A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania, 77 4.2 Os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia, 84

( 5 ) Critérios

de seleção e organização dos conteúdos para a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, 99 ( 6 ) Sugestão

de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental, 111 6.1 Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil, 113


6.1.1 Organização dos grupos e seu modo de ser, viver e trabalhar, 115 6.1.2 Os lugares e suas paisagens, 118 6.1.3 Objetos e processos de transformação, 120

6.2 Sugestão de saberes geográficos para os anos iniciais do Ensino Fundamental, 121 6.2.1 Tudo é natureza, 123 6.2.2 Conservando o ambiente, 124 6.2.3 Transformando a natureza: diferentes paisagens, 124 6.2.4 O lugar e a paisagem, 125 6.2.5 O papel das tecnologias na construção de paisagens urbanas e rurais, 127 6.2.6 Informação, comunicação e interação, 128 6.2.7 Distâncias e velocidades no mundo urbano e no mundo rural, 129 6.2.8 Urbano e rural: modos de vida, 129

( 7)A

transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geográficos com esse tema, 135 7.1 A transversalidade no ensino da Geografia, 137 7.2 Como envolver os saberes geográficos com a transversalidade, 143 ( 8 ) Avaliando os saberes geográficos, 157



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O ensino da Geografia: a trajet贸ria hist贸rica, o conhecimento geogr谩fico e a sua import芒ncia social



1.1 A trajetória histórica Iniciaremos a nossa disciplina fazendo um breve mergulho no passado para compreendermos o caminho percorrido pela Geografia e os avanços teóricos e metodológicos que conquistou, especialmente no Brasil. Ao falarmos de Geografia, do que você se lembra? Quais as recordações que você tem das aulas dessa disciplina? Vamos fazer uma viagem ao passado para recordarmos do nosso tempo de escola, em que sentávamos enfilei-


rados e a professora (carinhosamente chamada de tia pelos alunos) nos fazia decorar os nomes dos rios, a diferença entre rios e lagoas, o conceito de planície e planalto. Era assim que a Geografia era ensinada e continuou assim durante muito tempo. Mesmo hoje, que convivemos com tantas modificações econômicas, sociais, culturais e tecnológicas, ainda encontramos educadores/educadoras e escolas que ensinam Geografia da mesma maneira de décadas atrás. Mas, e hoje, será que é “correto” ensinar Geografia assim? Agora “aperte o cinto” para compreendermos as modificações pelas quais passou o ensino, o objetivo e a compreensão dessa disciplina! Faremos um mergulho no passado, na tentativa de reconstruirmos o caminho que o conhecimento geográfico percorreu até aqui. Apoiados no intenso intercâmbio que mantinham com diversos povos e lugares para exercerem suas atividades comerciais, os gregos foram os primeiros a sistematizar os registros geográficos. Surge então a palavra Geografia, sendo que geo significa “terra” e grafia quer dizer “escrita, descrição”. Nessa época as informações eram relacionadas aos conhecimentos sobre as montanhas, a forma e dimensão da Terra, o clima e a relação do homem com a natureza; e estavam espalhadas em diversas obras como catálogos, relatos de Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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viagens, relatórios, entre outros. Algumas dessas obras eram chamadas de “estudos filosóficos e históricos” ou eram misturadas a lendas. Mesmo favorecidos pelas grandes navegações e pelo mercantilismo, os saberes geográficos não conseguiram se desvencilhar das marcas descritivas e quantitativas impostas pelo pensamento religioso e pelas técnicas limitadas. Esses saberes só começaram a ser organizados com maior preci-


são a partir de um posicionamento científico estimulado pelo desenvolvimento do capitalismo. Influenciada pelas ideias políticas, religiosas e culturais da época dos grandes descobrimentos, a Geografia foi utilizada como desculpa para dominar os povos considerados submissos. “[...] os povos das regiões quentes, tropicais, eram considerados submissos, e se os europeus os escravizavam, isso se devia à valentia típica do hemisfério Norte. Segundo esse pensamento, o clima europeu “produzia” populações valentes, dominadoras, e o clima tropical resultava em seres preguiçosos, submissos, que só trabalhavam à força da escravidão.” (KOZEL, 1996, p.13)

E no Brasil, o que aconteceu, ao longo dos tempos com o ensino da Geografia? Qual era o objetivo dessa disciplina em nosso país? No Brasil, o ensino de Geografia não era obrigatório nas escolas até as décadas iniciais do século XX, quando começou a fazer parte dos conhecimentos escolares básicos, e sempre foi pautada na descrição e memorização. Por volta da década de 30 desse século, começaram a surgir as primeiras tentativas de mudança, mais precisamente com a fundaUniversidade de São Paulo e do Departamento de Geografia. Os primeiros educadores licenciados nessa instituição traziam em sua formação uma influência muito forte da escola francesa de Vidal de La Blache, que imprimiu a neutralidade do discurso científico por considerar que o pensamento geográfico estava desvinculado das ideias políticas, como nos informam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de História

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ção, em 1934, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da


e Geografia (1997). Seu objetivo central era compreender a relação homem-natureza objetivamente, formulando leis gerais de interpretação e desconsiderando o caráter social do homem. “[...] Apesar de valorizar o papel do homem como sujeito histórico, propunha-se, na análise da produção do espaço geográfico, estudar a relação homem-natureza sem priorizar as relações sociais. Por exemplo, estudava-se a população, mas não a sociedade; os estabelecimentos humanos, mas não as relações sociais; as técnicas e os instrumentos de trabalho, mas não o processo de produção.” (BRASIL, 1997, p. 103)

Mas será que é possível desvincular o pensamento geográfico das ideias políticas? Existe neutralidade do discurso científico? Você se lembra de algum discurso que seja completamente neutro?

Dessa maneira, a chamada Geografia Tradicional baseava seus estudos na descrição das paisagens naturais e humanas, sem preocupar-se com as relações, muitas vezes conflituosas, vivenciadas nesse espaço. Os livros didáticos, os educadores e as educadoras não se preocupavam se os estudantes conseguiam fazer relações, estabelecer semelhanças e diferenças ou tornar gerais os conceitos aprendidos nos

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livros, avaliavam apenas se sabiam descrever e nomear todos os elementos desses espaços. Com o fim da Segunda Grande Guerra, ocorreram inúmeras modificações nas áreas urbanas e rurais, causadas pela Revolução Industrial. Os espaços tornaram-se mais complexos e difíceis de serem explicados através de estudos empíricos; como até então eram utilizados pela Geografia; obrigando os geógrafos a realizarem estudos com base nas relações


sociais, políticas, econômicas e ideológicas de ordem mundial, e também a utilizarem as tecnologias aeroespaciais como lastro para suas pesquisas. Na década de 60, a teoria marxista influenciou o surgimento de novas propostas ao pensamento geográfico. Formulou-se então uma Geografia Marxista, que visava a estudar a sociedade pelo prisma das relações de trabalho, da produção e distribuição dos bens de consumo na sociedade. O conceito dessa nova visão no ensino da Geografia segue o princípio de Karl Marx que diz: “Não basta interpretar o mundo, é necessário transformá-lo”, trazendo a esse campo novas interpretações para as categorias espaço geográfico, território e paisagem. A partir da sua prática de sala de aula, quais dessas correntes da Geografia você considera mais apropriada para a atualidade? Na verdade, essas duas correntes não foram e nem são suficientes para compreendermos a complexidade do conhecimento geográfico. São consideradas incompletas por não considerarem as relações singulares elaboradas pelo homem em sociedade. Assim, elas duas fizeram emergir uma nova Geografia com o intuito de possibilitar explicações mais diversificadas e uma integração/articulação maior História, as Ciências Políticas, a Biologia etc. “Tanto a Geografia Tradicional quanto a Geografia Marxista ortodoxa negligenciaram a relação do homem e da sociedade com a natureza em sua dimensão sensível de percepção do mundo: o cientificismo positivista da Geografia Tradicional, por negar ao homem a possib-

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entre outras áreas de conhecimento, como a Antropologia, a


ilidade de um conhecimento que perpasse pela subjetividade do imaginário; o marxismo ortodoxo, por tachar de idealismo alienante qualquer explicação subjetiva e afetiva da relação da sociedade com a natureza.” (BRASIL, 1997, p. 105)

A Geografia que vem sendo proposta nas últimas décadas visa a pesquisar as diversas interações estabelecidas pelas relações socioculturais e os elementos físicos e biológicos que compõem o ambiente na construção do espaço geográfico; ou seja; que trabalhe tanto as descrições da paisagem e as interpretações políticas e econômicas do mundo, mas, especialmente, as relações singulares produzidas socialmente a partir das vivências individuais do homem na sua cultura, favorecendo um olhar plural sobre o espaço geográfico e sua construção. As discussões em torno do objeto e do método da Geografia ocorridas no Brasil promoveram muitas mudanças nas propostas pedagógicas dessa disciplina, fazendo com que existam em nossas escolas na atualidade quatro tendências distintas. São elas: a tradicional, a quantitativa, a de percepção e a crítica. Vamos entender, agora, sobre cada uma delas. Geografia Tradicional Nessa perspectiva, os estudantes têm por objetivo aprender a observar e descrever, especialmente, a paisagem natural. O ensino dessa disciplina está baseado em três pilaMetodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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res centrais: os aspectos físicos, os humanos e os econômicos. É importante ressaltar que não existe uma interligação entre esses pilares. Os aspectos físicos exploram a hidrografia, o relevo, o clima e a vegetação. Nos aspectos econômicos, estudamos as atividades econômicas utilizadas para explorar e transformar o meio ambiente. Com os aspectos humanos, analisamos o ambiente natural como se ele existisse exclusivamente para fornecer ao homem os seus recursos.


Geografia Quantitativa Surgiu na Europa e nos Estados Unidos com o intuito de compreender o espaço geográfico a partir de modelos matemáticos. Esses modelos ajudavam a organizar melhor o espaço, a partir da utilização de fluxos, sistemas e equações numéricas. Esse instrumento pode ser muito rico nas aulas de Geografia, desde que apresente objetivos rigorosos para não se transformar numa atividade vazia em que se trabalha a quantidade pela quantidade. Geografia da Percepção Essa tendência apoiou-se na Psicologia para criar sua metodologia e teoria. Ela defende o homem como objeto central dos estudos geográficos, por isso é também conhecida como Geografia humana ou comportamental. Os defensores dessa perspectiva criticam a falta de espaço da paisagem urbana e a padronização das cidades, propondo muitas vezes amplas reformulações nesses ambientes. Geografia Crítica Propõe a integração dos diversos conteúdos porque considera o espaço geográfico um produto socialmente organizado pelo homem a partir do seu trabalho, quebrando assim a fragmentação existente nos estudos geográficos e possibilitando a descoberta das marcas históricas embutidas na criação e

“Assim, essa corrente rompe com a compartimentalização do estudo geográfico, numa integração de conteúdos que considera o espaço geográfico sob vários aspectos interligados: os fenômenos naturais, a ação do homem, a formação dos espaços, as transformações humanas sobre a natureza, as questões ambientais de alcance planetário [...].” (KOZEL, 1996, p. 16)

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recriação dos diferentes ambientes sociais e naturais.


No geral, os educadores e educadoras continuam ensinando com base na Geografia Tradicional, muitas vezes por falta de apoio teórico e técnico. Acabam por utilizar, como suporte nas suas aulas os conteúdos tratados exclusivamente nos livros, que por sua vez privilegiam apenas os aspectos físicos, ou seja, os estudantes ainda são levados a descrever, analisar e memorizar a vegetação, o clima, o relevo e a hidrografia do Brasil e do mundo.

1.2 O conhecimento geográfico e a sua importância social Moro Num País Tropical Abençoado por Deus E bonito por natureza! Jorge Ben Jor

Vamos refletir um pouco mais sobre a Geografia e sua relação com a Educação na construção de uma sociedade mais participativa e consciente de seus direitos e deveres. Em nossas escolas é muito comum verificarmos o grau

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diferenciado de importância dado às disciplinas que compõem o currículo. Português e Matemática ainda são consideradas como principais, precisam de um tempo maior e exercem maior poder. Um bom exemplo disso é o que elas representam quanto à aprovação ou reprovação de alunos, como podemos verificar no conselho de classe, em que o seu peso na avaliação é máximo, ou seja, “pode reprovar”. Também é diferenciado o perfil dos educadores e educadoras


dessas disciplinas: os responsáveis, em geral, são apontados como “carrascos”, exigentes e difíceis de contentar. De acordo com esse ponto de vista, resta à Geografia, e demais disciplinas do currículo, um papel secundário, quase irrelevante. Ela é encarada como uma disciplina mais fácil, em que a boa memória é o que conta. Por sua vez, seus professores são conhecidos como tolerantes e condescendentes. Mas e você, o que pensa sobre esse assunto? Qual a importância que você confere à Geografia no currículo? Felizmente nem todos concordam com esse pensamento, promovendo assim, importantes reflexões sobre a Geografia e sua importância na transformação e construção de uma nova maneira de ensinar. Surgem então ideias que valorizam o ensino dos saberes geográficos nos currículos escolares. Porém, na maioria das vezes elas são vistas com estranheza por muitos de nós, educadores e educadoras, como essa do geógrafo e pedagogo curitibano Luca Rischbieter (2007, s.p.) afirmando que “[...] a Geografia é, poderia ser ou, melhor, deveria ser a mais importante de todas as disciplinas escolares”.

Em um artigo escrito para o Portal Educacional, Rischbieter (2007, s.p.) garante que a Geografia possibilita “um espaço específico para o tratamento das questões sociais

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E você, concorda com o autor Luca Rischbieter? Acredita que “[...] a Geografia é, poderia ser ou, melhor, deveria ser a mais importante de todas as disciplinas escolares”? Ou pensa que a Geografia deve continuar no papel secundário?


e ecológicas dentro das escolas, permitindo que os problemas do mundo sejam discutidos nas salas de aula.” Como podemos discutir os problemas do mundo na sala de aula se utilizamos as aulas de geografia para ensinar os jovens e as crianças o que é um rio, um lago e um oceano? Como podemos tratar das questões sociais e ecológicas se só nos preocupamos em avaliar os nomes das capitais, dos rios etc.? Se acreditarmos que a Geografia é esse espaço de conhecer o mundo como parte dele, certamente ampliaremos a visão de mundo das crianças e jovens, possibilitando a discussão e compreensão dos problemas socioculturais que envolvem, não só a comunidade na qual estão inseridos, mas também o mundo. Dessa forma, favorecemos a construção de uma identidade pessoal e comunitária mais vasta, além do conhecimento mais rico do lugar em que as crianças vivem, das pessoas e suas culturas. Ao trazer a realidade vivenciada pelos educandos para a sala de aula, de uma maneira respeitosa e levando em conta a sua história de vida, estamos contribuindo decisivamente para a formação de “cidadãos planetários”, que respeitam as diferenças, compreendem e atuam criticamente no mundo. Essa é justamente a maior contribuição que a Geografia propicia ao desenvolvimento dos estudantes, pois só podemos Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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atuar na sociedade como cidadãos reflexivos e críticos se compreendermos a realidade a nossa volta. “Assim o aluno analisará a interferência humana no espaço como algo fruto do trabalho na organização espacial através do tempo. E assim, posicionará de forma crítica diante dos acontecimentos ocorridos na paisagem.” (CAVALCANTE, 2006, s.p.)


Quando possibilitamos que nossas crianças e jovens olhem, observem e descrevam o mundo a sua volta, é importante que elas registrem suas impressões e analisem todas essas informações. Dessa maneira, favorecemos o objetivo principal da Geografia que é explicar e compreender a sociedade e suas relações com a paisagem, já que os ambientes que conhecemos são resultados das transformações realizadas pelo homem ao buscar a própria sobrevivência e a obtenção de uma vida mais confortável. Ressaltamos ainda a importância de estimular que os estudantes, desde a educação infantil, realizem a leitura do mundo vivido, e não aquele mundo estático que é apresentado através do ensino tradicional. Essa perspectiva apresenta espaços descontextualizados e fragmentados e tem como objetivo primordial conceituar e enumerar os dados geográficos, desconsiderando as complexas relações existentes no mundo vivido. Como podemos formar cidadãos críticos e participativos se não propomos atividades que favorecem a leitura e a compreensão do espaço ao seu redor? Nessa perspectiva é importante desenvolver atividades que ajudem crianças e jovens a pensarem sobre o espaço, pois a partir da leitura do mundo vivido é possível compreender os aspectos culturais, políticos, econômicos, sociais e físicos, que conhecemos. Quando o educador/educadora compreende que o desafio consiste em mostrar aos estudantes que cada um é parte integrante e singular do mundo – ou seja, somos parte desse mundo complexo mas cada um de nós é um ser especial e único –, ele/ela se aproxima muito do pensamento geográfico, já que a Geografia defende que o espaço é construído pelo

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que constroem e modificam diariamente o espaço geográfico


homem de acordo com suas necessidades de sobrevivência e satisfação de suas necessidades. E ainda, a Pedagogia considera a aprendizagem como um fator social que ocorre a partir da interação entre as pessoas. “[...] sensibilidade desse cruzamento entre geografia e educação torna-se sobremodo importante num mundo em crise, crise expressa, entre outros modos, nas concretudes do espaço vivido através dos quais as relações sociais se geografizam.” (CALLAI, 2005, s.p.)

Dessa maneira descobrimos a conexão entre essas duas áreas de conhecimento, o que nos fornece uma visão mais ampla da dinâmica desse mundo extremamente complexo, que é caracterizado pela rapidez da informação e atinge a todas as pessoas, independentes do lugar em que estejam.

Você deve estar pensando: “Mas nem todas as pessoas têm acesso à informação!”. Ressaltamos, porém, que a exclusão das informações não acontece devido à distância, mas exclusivamente por causa das condições econômicas e culturais impostas a grande parte da população.

É por essa razão que não basta apenas ter boa vonta-

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de, é imprescindível que o educador/educadora modifique sua concepção de Geografia e de Educação para que consiga produzir um ensino realmente significativo. Quando somos capazes de compreender o mundo e sua dinâmica, podemos refletir com mais clareza e segurança sobre o que nos é apresentado como verdade absoluta e, dessa maneira, temos mais possibilidades de produzir e possibilitar que nossos estudantes produzam novos saberes.


“É preciso que haja concepções teóricometodológicas capazes de permitir o reconhecimento do saber do outro, a capacidade de ler o mundo da vida e reconhecer a sua dinamicidade, superando o que está posto como verdade absoluta. É preciso trabalhar com a possibilidade de encontrar formas de compreender o mundo, produzindo um conhecimento que é legítimo. O professor, as suas concepções de educação e de geografia, é que podem fazer a diferença.” (CALLAI, 2005, s.p.)

De que maneira podemos fazer a diferença? Será que ao planejarmos aulas baseadas na memorização estamos fazendo a diferença? O que podemos fazer para modificar essa realidade tão difundida em nosso país?

Partindo dessas reflexões, concluímos que não podemos mais privilegiar questões desconexas em nossos currículos, pois o espaço não pode ser separado da realidade, já que ele está inserido em um contexto social, econômico e culturalmente complexo, que não pode ser explicado por si mesmo. No entanto, propor a inserção desses conteúdos e continuar oferecendo um saber fatiado e fragmentado é um contrassenso. Assim, só nos resta um caminho a seguir: favorecer a disciplinas que compõem o currículo, oferecendo um saber contextualizado e vinculado ao mundo vivido pela comunidade de origem dessas crianças e jovens, valorizando os conhecimentos prévios que possuem e reconhecendo a história de vida de cada um, em particular, e do grupo como um todo.

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integração, sempre que possível, entre a Geografia e as demais


SÍNTESE Nesta unidade, vimos que a Geografia se constituiu de acordo com as mudanças socioeconômicas e culturais sofridas pela sociedade ao longo das décadas. Vimos também que, nesse percurso, surgiram algumas tendências que tentaram organizar os saberes geográficos e sua metodologia, dentre as quais destacamos: a tradicional, a quantitativa, a da percepção e a crítica. A partir das reflexões que fizemos até aqui percebemos que, no mundo atual, as complexas relações existentes entre os sujeitos e o ambiente devem ser consideradas e respeitadas, pois é a partir delas que o espaço é construído.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO A partir dessas reflexões, o que você considera estar faltando nos estudos geográficos? O que você julga importante acrescentar e o que descartaria?

LEITURAS INDICADAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC, 1997.

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CALLAI, H. C. Aprendendo a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-32622005000200006&script=sci_arttext>. Acesso em: 13 out. 2008.


REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros curriculares nacionais: história e geografia. Brasília: MEC, 1997. CALLAI, H. C. Aprendendo a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-32622005000200006&script=sci_arttext>. Acesso em 13 out. 2008. CARLOS, A. F. A. (Org.). A geografia na sala de aula. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando o ensino). CAVALCANTE, M. B. A construção do conhecimento no ensino da geografia. Disponível em: <http://artigos.com/artigos/educacao/a-construcao-do-conhecimento-no-ensino-de-geografia-947/artigo/>. Acesso em: 13 out. 2008. KOZEL, S.; FILIZOLA, R. Didática de geografia: memórias da terra: o espaço vivido. São Paulo: FTD, 1996. (Conteúdo e Metodologia). RISCHBIETER, L. Geografia: a mais importante de todas as matérias da escola? Só se o mundo for uma bola! Disponíbd.asp?codtexto=586>. Acesso em: 24 jul. 2014.

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vel em: < http://www.educacional.com.br/articulistas/luca_



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G eografia Humana x Geografia FĂ­sica e os principais conceitos do estudo de Geografia



2.1 G eografia Humana x Geografia Física Agora prosseguiremos com nossas discussões, aprofundando os conhecimentos acerca das principais características do conhecimento geográfico. Sabemos que o estudo geográfico tem por finalidade esclarecer e compreender as relações constituídas historicamente entre o sujeito e o ambiente que o cerca. Essa relação tem ocorrido especialmente com o intuito de modificar a natureza para que atenda às demandas de produção e organização necessárias à dinâmica do espaço social. Assim, parece lógico pensar que os saberes geográficos não podem ser fragmentados quando utilizados na escola.


No entanto, fazendo uma observação rápida das aulas ministradas para essa disciplina, é possível perceber que a grande maioria dos educadores e educadoras continua explorando os conteúdos geográficos de forma enfadonha, fragmentada e completamente desvinculada da realidade em que as crianças e a escola estão inseridas. Seja por falta do conhecimento de que podem fazer diferente, seja por falta de modelos de opções mais interessantes; ou simplesmente porque acreditam ser essa a maneira mais fácil, pois julgam ser difícil mudar ou pensam que vão perder muito tempo procurando novas possibilidades. Entendemos que modificar atitudes vistas como certas ou atividades já cristalizadas não é fácil, mas se pensarmos o quanto as modificações nos proporcionam mais prazer e tranquilidade, além de facilitar o nosso dia a dia, vamos ter um grande incentivo para buscarmos novos caminhos. São essas modificações que nos favorecem hoje estudarmos através da tela do computador, não é mesmo? Imagine como seria sua vida se você continuasse tendo aquela educação tradicional e tivesse que frequentar os bancos da universidade de segunda a sexta, ou lavar toda a roupa da casa à mão por não acreditar que uma máquina pudesse fazer esse serviço?

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Se utilizamos todas essas modificações para facilitar, melhorar e termos mais prazer em nossas vidas, por que a escola tem que continuar reproduzindo um modelo antigo, que não condiz com as mudanças sociais, culturais e tecnológicas da atualidade? Então, vamos continuar nossas reflexões para ampliar e melhorar a qualidade das nossas aulas de Geografia. Para isso o primeiro passo será compreender por que essa disciplina é dividida em duas partes e se essa divisão é realmente necessária.


A Geografia é apresentada em duas vertentes: uma intitulada Geografia Física e a outra de Geografia Humana. A primeira tem por objetivo que as crianças e jovens saibam identificar e nomear os elementos que constituem a natureza, os nomes dos rios, dos continentes e dos oceanos; diferenciando um monte de uma montanha, reconhecendo as partes que formam um rio ou explicando o que é uma ilha, um planalto e uma planície. Na Wikipédia a Geografia Física é definida como: “[...] o estudo das características naturais existentes na superfície terrestre, ou seja, o estudo das condições da natureza ou paisagem natural. Envolve a Hidrografia, Paleogeografia, Geomorfologia, Oceanografia, Pedologia, Glaciologia, Biogeografia, Climatologia, Fauna, Flora e Relevo.” (WIKIPEDIA, 2008)

Mas será que os espaços estudados pela Geografia Física são independentes da ação humana? A paisagem que conhecemos atualmente é totalmente natural? E as pessoas modificam o ambiente com que intenção?

de, sua compreensão, descrição e interação com o espaço vivido, bem como os impactos que essa interação provoca e suas consequências para a sociedade e o meio ambiente. Entendemos que a divisão dessa disciplina em campos de conhecimentos da natureza (Geografia Física) e campos de conhecimento da sociedade (Geografia Humana) é um recurso didático muito valioso para distinguir os seus elementos. Mas consideramos que essa divisão a torna artificial, dificultando a compreensão dos estudantes sobre as relações

33 Geografia Humana x Geografia Física e os principais conceitos do estudo de Geografia

Já o foco da Geografia Humana é o estudo da socieda-


existentes entre a sociedade e a natureza e as transformações processuais e dinâmicas que compõem cada paisagem. Como nos sugerem os PCNs para o ensino de História e Geografia: “Nesse sentido, a análise da paisagem deve focar as dinâmicas de suas transformações e não a descrição e o estudo de um mundo estático. A compreensão dessas dinâmicas requer movimentos constantes entre os processos sociais e os físicos e biológicos, inseridos em contextos particulares ou gerais.” (BRASIL, 1997, p. 110)

É importante destacar que, para compreendermos o espaço vivido não podemos considerar apenas seus aspectos físicos: se existem montanhas, planícies, planaltos ou ilhas. Nem pensar exclusivamente nos seus aspectos sociais, verificando as massas migratórias, a estrutura da sua população, entre outros pontos. O ideal é que sejam observados os diferentes aspectos que constituem o seu objeto de estudo e de pesquisa para oferecermos aos estudantes uma compreensão mais completa do seu espaço geográfico e, consequentemente, da realidade em que estão inseridos. Veja o que diz Sérgio Silva em seu texto Geografia Física e Geografia Humana: uma dicotomia a ser superada? Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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“A dicotomia entre Geografia Humana e Geografia Física enfraquece a ciência geográfica, pois, ao renegar uma delas, o geógrafo restringe o seu campo de trabalho. Perde, portanto, espaço em uma sociedade cada vez mais competitiva, ao referir-se por exemplo, à importância da temática ambiental, possivelmente o tema que mais une os diferentes ramos da Geografia, mas, ao mesmo tempo, é cobiçado por várias outras ciências, essa perda da Geografia é devido à sua fragmentação. A formação dualista da Geografia, englobando os aspectos físicos e sociais associados à capacidade de síntese, fornece


uma ampla vantagem dessa ciência perante as demais.” (SILVA, s/d., p. 41)

Quando nos preocupamos apenas com a descrição e o estudo das paisagens, descrevendo o relevo, os acidentes geográficos etc., deixamos de analisar e compreender as modificações ocorridas no ambiente, como as transformações decorrentes da urbanização, dos processos econômicos ou culturais. Também conduzimos nossos estudantes a utilizarem-se muito da memorização e esquecerem-se da compreensão. Silva (s/d.) ressalta ainda que a separação dos aspectos humanos e físicos da Geografia deve ser observada nas diferentes localidades, mesmo que essas sejam predominantemente urbanas, pois como diz Sansolo:

Silva prossegue afirmando que: “Essa observação do autor demonstra bem que não se pode pensar a geografia de forma compartimentada. Mesmo em regiões urbanas, os fenômenos físicos, por mais controladas que estejam pela ação do homem, continuam ocorrendo e exercendo sua influência. O contrário também é válido, ‘[...] mesmo pesquisas que

35 Geografia Humana x Geografia Física e os principais conceitos do estudo de Geografia

“Em uma metrópole, embora o relevo tenha sido alterado pela construção de prédios, ou cuja bacia de drenagem foi impermeabilizada pelo asfalto e seus rios e córregos canalizados, ainda assim os processos naturais como os geomorfológicos, expressos pelo movimento de massa de vertentes e depósitos sedimentares em rios e córregos; processos climáticos, como sazonalbilidade [sic] das chuvas, temperaturas e umidade; migrações de aves continuam ocorrendo e vão continuar ocorrendo.” (SANSOLO, 1996, p. 36 apud SILVA, s/d., p. 45)


recaem apenas sobre os caracteres físicos de um território não passam, por isso, a dizer menos respeito à população que aí vive, na medida em que seus resultados tornam mais eficaz uma intervenção aí.’” (LACOSTE, 1995)”. (SILVA, s/d., p. 45-46).

Ao ressaltarmos em nossas aulas apenas informações e dados sobre montanhas, rios e mares, fazemos com que crianças e jovens concluam erroneamente que o mundo é estático. Sabemos, contudo, que o mundo é dinâmico e está sempre em transformação, seja no aspecto físico, social ou biológico. Você consegue perceber as transformações que ocorreram nas paisagens ao seu redor? Ou será que continuam iguais desde a sua infância?

Por isso dizemos que o espaço geográfico é produzido pelas pessoas, ou seja, o ambiente em que vivemos hoje foi produzido de acordo com os interesses econômicos e sociais dos homens que o habitaram e imprimiram seus valores anteriormente. Nós o recebemos e continuaremos a transformá-lo. Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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Ao observar o espaço vivido é possível perceber os elementos do passado e do presente que permanecem ou foram modificados a partir do processo de produção e organização do espaço. “Assim, o estudo de uma totalidade, isto é, da paisagem como síntese de múltiplos espaços e tempos deve considerar o espaço topológico – o espaço vivido e o percebido – e o espaço produzido economicamente como algumas das noções de espaço dentre as tantas que povoam o discurso da Geografia.” (BRASIL, 1997, p. 110)


Após essas reflexões não podemos mais considerar o espaço desvinculado dos significados, valores e interesses da sociedade que o habita e constrói. Assim, além dos elementos já conhecidos que fazem parte do conhecimento geográfico, temos também de considerar as percepções, as vivências e a memória dos indivíduos que a constituíram e constituem.

2.2 O s principais conceitos do estudo de Geografia Prosseguiremos nossas reflexões para entendermos com maior clareza os conceitos balizadores dessa ciência, que ainda permanece pouco explorada e incompreendida em sua complexidade. Percebemos a importância de estudar Geografia de forma integrada e crítica, e não apenas fragmentada e descritiva como antigamente, já que precisamos ressignificar alguns conceitos dessa área, que certamente irão contribuir muito para ampliar a nossa visão geográfica. É imprescindígeográfico, pois muitas vezes acreditamos que são sinônimos, quando na verdade são diferentes.

Pense nisto! Você conseguiria explicar os conceitos espaço, paisagem, lugar, ambiente e território? Percebe as diferenças existentes entre essas nomenclaturas? Pode fornecer um exemplo para cada conceito apresentado? Iniciaremos nossos estudos com o conceito de espaço, que além de ser o mais utilizado na Geografia é considerado

37 Geografia Humana x Geografia Física e os principais conceitos do estudo de Geografia

vel compreender os principais conceitos que norteiam o saber


o mais abrangente e abstrato dos conceitos. Além disso, muitas vezes é considerado, erroneamente, equivalente ao conceito de paisagem.

2.2.1 Espaço A Natureza é formada por solo, água, ar, relevo, fauna e flora; e foi considerada como exterior e independente do homem por muito tempo. Esse pensamento foi motivado pela concepção de Descartes e seu método cartesiano, que desejava entender seus elementos isolados através do rigor matemático. Atualmente a Geografia é percebida numa concepção mais conjuntiva, em que o foco passou a ser a relação entre o homem e a natureza e não os elementos isoladamente. A Sociedade é percebida como a expressão da vida das pessoas a partir das relações estabelecidas socialmente através dos tempos, ou seja, ela é o resultado das ações exercidas pelos seres humanos ao longo da sua história com o objetivo de obter maior conforto. Assim, podemos notar que a formação do espaço geográfico se dá a partir da herança recebida das gerações passadas e transformadas/continuadas no presente. O tempo é fator determinante, pois os saberes geográficos não são estáticos e a todo momento estão avançando e retornando.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

38

“O espaço geográfico é historicamente produzido pelo homem enquanto organiza econômica e socialmente sua sociedade. A percepção espacial de cada indivíduo ou sociedade é também marcada por laços afetivos e referências socioculturais. Nessa perspectiva, a historicidade enfoca o homem como sujeito construtor do espaço geográfico, um homem social e cultural, situado para além e através da perspectiva econômica e política, que imprime seus valores no processo de construção de seu tempo.” (BRASIL, 1997, p. 110)


Assim, o espaço, sendo a categoria central para a Geografia, é muitas vezes confundido como sendo o seu próprio objeto de estudo. Ele é uma representação que existe a partir das relações construídas entre o homem e a natureza, à medida que organiza sua sociedade econômica e culturalmente ou, como nos relata Milton Santos (1997), citado por Dirce Maria Antunes Suertegaray (2001) no seguinte trecho: “O espaço geográfico constitui ‘um sistema de objetos e um sistema de ações’ que: ‘é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como um quadro único na qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois cibernéticos fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina’.” [SANTOS, 1997].” (SUERTEGARAY, 2001, s. p.).

Esse conceito é tão amplo que engloba, inclusive, outras categoriais importantes para a sua compreensão: natureza,

Natureza Se verificarmos no dicionário, encontraremos a seguinte definição para essa categoria: “Conjunto dos seres que formam o universo; conjunto dos fenômenos físicos e suas causas.” (LUFT, 2000, p. 475) Verificamos que a natureza é considerada pelo homem um conjunto, cujos elementos são: animais, plantas, minerais etc.; constituintes do planeta e do universo, considerados exteriores ao ser humano por causa da crença de que a

39 Geografia Humana x Geografia Física e os principais conceitos do estudo de Geografia

sociedade e tempo. Vamos então entender essas categoriais.


natureza é um objeto que deve ser estudado e comandado pela ação humana, pensamento esse que ainda é baseado no método de Descartes. Sociedade Perceber como essa categoria é concebida nos possibilita a construção do espaço geográfico com mais propriedade, pois muitas vezes a Geografia foi considerada (ou ainda é), erroneamente, a ciência que estuda os elementos constituintes da natureza, ou seja, os aspectos externos ao homem, menosprezando assim a relação existente entre este e a natureza. Sabemos, contudo, que o espaço geográfico nada mais é que o produto da vida humana e sua produção. A natureza é considerada como um recurso utilizado pelos indivíduos para a produção e organização, e não como um produto em si mesmo. Dessa maneira o termo “sociedade” passou a ser percebido, de acordo com Dirce Maria Antunes Suertegaray (2001, s.p.), “como expressão da vida humana através das relações sociais temporalmente estabelecidas”. Tempo Inicialmente considerado como linear, em que apre-

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

40

sentava os fatos de forma sequenciada, visando a estabelecer uma evolução dos acontecimentos históricos que marcava a interação entre natureza e sociedade, o tempo foi sendo melhor compreendido e sua conceituação foi ampliada para uma visão que o considera mais dinâmico e apresenta movimentos repetitivos, e assim, sua trajetória ocorre em ciclos sucessivos que estão sempre indo e voltando. Atualmente, porém, ao desvincular-se da ideia de estabilidade, o tempo passou a apresentar uma visão mais crítica, que determina sua constituição como uma espiral.


“A visão crítica da Geografia, ao romper com a visão de estabilidade, passa a conceber o tempo como espiral. Neste sentido, o tempo é entendido como seta e ciclo, ou seja, o espaço geográfico se forma (no sentido de formação, origem) e se organiza (no sentido de funcionalidade), projetando-se como determinação ou como possibilidade. Esta projeção se faz por avanços (seta) e retornos (ciclo). Neste contexto, o espaço geográfico é a coexistência das formas herdadas (de uma outra funcionalidade), reconstruídas sob uma nova organização com formas novas em construção, ou seja, é a coexistência do passado e do presente ou de um passado reconstituído no presente.” (SUERTEGARAY, 2001, s. p.)

2.2.2 Paisagem Quando falamos em paisagem o que te vem ao pensamento? Você conseguiria conceituar geograficamente essa palavra?

Na Geografia, a categoria paisagem possui um significado diferente daquele estabelecido pelo senso comum. É uma construção material realizada a partir dos elementos naturais, artificiais, socioeconômicos e culturais do passado uma determinada sociedade, pois a paisagem é transtemporal, em que existe uma soma dos diferentes tempos, ou seja, “uma combinação dos espaços geográficos” como nos indicam os PCNs, que a definem: “[...] como sendo uma unidade visível, que possui uma identidade visual, caracterizada por fatores de ordem social, cultural e natural, contendo espaços e tempos distintos; o passado e o presente. A paisagem é o velho no novo e o novo no velho!” (BRASIL, 1997, p. 112)

41 Geografia Humana x Geografia Física e os principais conceitos do estudo de Geografia

e do presente. Nela podemos perceber as marcas históricas de


2.2.3 Lugar O que é lugar para você? Em sua opinião, existem lugares significativos? E na geografia, qual o conceito de lugar? Ao elegermos um território e sua paisagem, fazemos deles um espaço de vida e estabelecemos vínculos afetivos com ele, transformando-o em lugar. Geralmente lembramos com carinho do local onde brincávamos quando criança ou daquele em que passávamos as férias com a família, isso ocorre porque lá é onde estão as nossas referências pessoais, nossos valores, nossos vínculos afetivos e subjetivos que, muitas vezes, não podem ser explicados racionalmente nem objetivamente, pois foram estabelecidos de acordo com a maneira de perceber, sentir e construir o espaço geográfico e sua paisagem.

2.2.4 Ambiente Quando falamos de ambiente, a que você se reporta? Ao meio ambiente descrito pela Biologia? A uma floresta cheia de animais?

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

42

O termo ambiente é muito confundido com o conceito utilizado pela Biologia: “Em biologia, principalmente na ecologia, o meio ambiente inclui tudo o que afecta directamente o metabolismo ou o comportamento dum ser vivo ou duma espécie, incluindo a luz, o ar, a água, o solo ou os outros seres vivos que com ele coabitam.” (REVISTA AMBIENTAL, 2009).


Já em Geografia, o ambiente é considerado em suas diferentes faces. Aqui o homem é visto como produto e produtor das modificações ambientais sem isenção dos conflitos em seus diversos aspectos. Como afirma Suertegaray (2001): “A ótica ambiental, na perspectiva naturalista e naturalizante, ainda se auxilia de conceitos que não dimensionam a tensão sob as quais se originam os impactos, mas esta não tem sido a regra. Por conseguinte, podemos afirmar que a Geografia tem pensado o ambiente diferentemente da Ecologia, nele o homem se inclui não como ser naturalizado, mas como um ser social produto e produtor de várias tensões ambientais.” (SUERTEGARAY, 2001, s. p.)

2.2.5 Território A palavra “território” te traz alguma lembrança? Você conseguiria explicar essa categoria? Elaborado a partir dos estudos da Biologia no final do século XVIII, o conceito de território era expresso como a área em que uma espécie vive, reproduz, alimenta-se etc. Esse conceito chegou à Geografia através de Augusto Comte Ao realizarmos uma análise histórica, percebemos que o estudo geográfico pensou, definiu e delimitou o território utilizando uma concepção política, em que a dominação e a apropriação estão presentes. Atualmente, os geógrafos defendem esse conceito não apenas em sua concepção política, mas também como um espaço construído pela sociedade, que traz em seu bojo a complexidade das relações, muitas vezes conflituosas, causadas pela diversidade dos povos e etnias que convivem nesse espaço.

43 Geografia Humana x Geografia Física e os principais conceitos do estudo de Geografia

e seus estudos experimentais.


“Esta flexibilização do conceito permite tratar de territorialidades como expressão da coexistência de grupos, por vezes num mesmo espaço físico em tempos diferentes. Trata-se de uma dimensão do espaço geográfico que desvincula as relações humanas e sociais da relação direta com a dimensão natural do espaço, extraindo deste conceito a necessidade direta de domínio, também dos recursos naturais, como se expressa na concepção clássica de território. A apropriação se faz pelo domínio de território, não só para a produção, mas também para a circulação de uma mercadoria, a exemplo das territorialidades por vezes estudadas, como o território das drogas.” (SUERTEGARAY, 2001, s.p.)

Pensar na amplitude e complexidade desses conceitos nos faz refletir sobre a importância de favorecer aos estudantes um saber geográfico mais significativo, favorecendo uma reflexão acerca dos valores e posturas que são impostos atualmente pela mídia, que se utiliza da força das suas imagens com o intuito de confundir o mundo que é real com o mundo que julga ideal. A desvalorização das percepções e interpretações subjetivas e singulares que marcam as relações entre os indivíduos, e destes com a natureza, são substituídas por imagens Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

44

padronizadas e supostamente universais, repetidas insistentemente pelos veículos publicitários. O saber geográfico, quando explorado de forma adequada, possibilita que crianças e jovens se sintam comprometidos com a história local e mundial, sendo responsáveis e ligados afetivamente, por perceberem-se parte de um todo integrado que interage e transforma constantemente a natureza, a si e a sociedade. Essa visão da Geografia está em conformidade com os estudos mais recentes de geógrafos do mundo todo e é a defendida nos PCNs, conforme destacamos:


“O estudo da Geografia possibilita, aos alunos, a compreensão de sua posição no conjunto das relações da sociedade com a natureza; como e por que suas ações, individuais ou coletivas, em relação aos valores humanos ou à natureza, têm consequências – tanto para si como para a sociedade. Permite também que adquiram conhecimentos para compreender as diferentes relações que são estabelecidas no espaço geográfico no qual se encontram inseridos, tanto em nível local quanto mundial, e perceber a importância de uma atitude de solidariedade e de comprometimento com o destino das futuras gerações.” (BRASIL, 1997, p. 113)

Concluiremos esta unidade refletindo sobre todos esses conceitos que vimos a partir da letra da música Meu país, composição de Ivan Lins do início dos anos de 1970.

Meu país (Ivan Lins)

45 Geografia Humana x Geografia Física e os principais conceitos do estudo de Geografia

Aqui é o meu país No seio da minha amada Nos olhos da perdiz Na lua na invernada Nas trilhas, estradas e veias que vão Do céu ao coração Aqui é o meu país De botas, cavalos, estórias De yaras e sacis Violas cantando glórias Vitórias, ponteios e desafios No peito do Brasil Aqui é o meu país Dos sonhos sem cabimento Aqui sou um passarim Que as penas estão por dentro Por isso aprendi a cantar, cantar Voar, voar, voar Me diz, me diz Como ser feliz em outro lugar.


SÍNTESE Nesta unidade refletimos sobre a importância de apresentar os saberes geográficos em diferentes noções espaciais e temporais para não torná-los artificiais e desvinculados da realidade. Também percebemos que a divisão da Geografia em Humana e Física é muito importante para organizar didaticamente o conhecimento, mas não deve ser um pretexto para que continuemos a realizar um trabalho apoiado apenas no aspecto humano ou físico da Geografia. Também estudamos alguns conceitos que são fundamentais para percebermos a Geografia em toda a sua complexidade e auxiliar nossos estudantes na compreensão das relações existentes entre a sociedade e a natureza.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Você pensa que realmente é possível superar a dicotomia apresentada pela Geografia Humana e a Geografia Física?

LEITURAS INDICADAS

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

46

SUERTEGARAY, D. M. A. Espaço geográfico uno e múltiplo. Disponível em:< http://www.ub.es/geocrit/sn-93.htm>. Acesso em: 27 jun. 2007. WIKIPEDIA. Geografia física. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Geografia_f%C3%ADsica>. em: 18 out. 2008.

Acesso


REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros curriculares nacionais: história e geografia. Brasília: MEC, 1997. CARLOS, A. F. A. (Org.). A geografia na sala de aula. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando o ensino). KOZEL, S.; FILIZOLA, R. Didática de geografia: memórias da terra: o espaço vivido. São Paulo: FTD, 1996. (Conteúdo e Metodologia). LINS, I. Meu país. Disponível em: <http://letras.mus.br/ivan-lins/46443/>. Acesso em: 24 jul. 2014. REVISTA AMBIENTAL. Definição Ambiente. 13 out. 2009. Disponível

em:

<http://revistambiental.wordpress.com/

page/3/>. Acesso em: 4 ago. 2014. SILVA, S. H. P. Geografia física e geografia humana: uma dicotomia a ser superada? Outros tempos, v. 4, s/d. Dispol04art05.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2014. SUERTEGARAY, D. M. A. Espaço geográfico uno e múltiplo. Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn-93.htm>. Acesso em: 27 jun. 2007. WIKIPEDIA. Geografia física. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Geografia_f%C3%ADsica>. em: 18 out. 2008.

Acesso

47 Geografia Humana x Geografia Física e os principais conceitos do estudo de Geografia

nível em: <http://www.outrostempos.uema.br/Volume04/vo-



(3)

A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar



3.1 A importância da linguagem cartográfica Seguiremos nossas discussões com a importância da linguagem cartográfica no ensino de crianças e jovens da Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Hoje vivemos na era da comunicação, e para compreendermos o espaço vivido precisamos ter domínio das diferentes linguagens. Atualmente, nos telejornais, revistas ou jornais impressos é muito comum a utilização de mapas para ilustrar ou explicar uma notícia ou acontecimento. Contudo, em pleno século XXI, muitos de nós ainda não conseguimos nos locali-


zar a partir de um mapa ou encontrar o melhor caminho consultando um guia de ruas. Mas por que isso acontece? Essa falta de habilidade em ler, decodificar e orientar-se utilizando a cartografia ocorre porque não fomos “alfabetizados” para esse propósito. Isso mesmo, para que aprendêssemos a ler e escrever passamos por um processo de alfabetização, aprendemos as letras, os sons, a ortografia, a segmentação das palavras, a pontuação etc. O mesmo ocorreu com a Matemática, fomos apresentados aos números, aprendemos a traçar os algarismos e seus respectivos nomes, os sinais e toda a linguagem matemática. No entanto, com a Geografia a situação foi bem diferente. A cartografia era utilizada apenas para ilustrar algum conteúdo ou localizar os países, estados e continentes. Mostraram-nos os mapas, mas não fomos alfabetizados nessa linguagem e, consequentemente, não aprendemos a decodificá-la, a ler as legendas, compreender o que significam as escalas, entre outros.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

52

Mas você sabe o que é cartografia?

Durante o XX Congresso Internacional de Geografia, a Associação Cartográfica Internacional divulgou o seguinte conceito de cartografia: “Conjunto de estudos e operações científicas, artísticas e técnicas, baseado nos resultados de observações diretas ou de análise de documentação, com vistas à elaboração e preparação de cartas, planos e outras formas de expressão, bem como sua utilização.” (? apud DUARTE, 1994. p. 14.)


Esse questionamento (Você sabe o que é cartografia?) foi lançado por Moreira em pesquisa realizada para sua tese Linguagem cartográfica e prática docente na rede municipal de ensino de Uberlândia - MG – 2003, com professores da 5ª série da rede municipal de Uberlândia - MG, e encontrou algumas repostas bem interessantes, como essas: “A arte de representar o espaço, no seu contexto social, político e econômico. É a ciência ou a arte que retrata a realidade do espaço, representada no papel (mapas, gráficos, plantas, etc). Ciência que estuda os aspectos sociais, ambientais e econômicos através da projeção em mapas.” (MOREIRA, 2003, s.p.)

Percebemos a partir dessa pesquisa que a maioria dos educadores que trabalha diariamente com os saberes geográficos revela dificuldades para conceituar a cartografia, e muitas vezes a confunde com a própria Geografia. A cartografia é uma linguagem geográfica indispensáe analisar o seu espaço, possibilitando tanto a localização e a decodificação do mapa de locais conhecidos como a de locais em que nunca esteve antes. Identificar as características de um ambiente, reconhecendo os aspectos políticos, físicos, sociais e humanos através de uma leitura crítica, tornará crianças e jovens mais atentos para as transformações sofridas nesse espaço, seja pela ação dos fenômenos naturais ou do homem. Muitos educadores e educadoras, porém, acreditam que esse é mais um conteúdo que foi inventado para encharcar o já tão recheado currículo escolar. Contudo, essa linguagem já era utilizada desde o tempo que os homens habitavam as cavernas, fosse para traçar seus caminhos, registrar problemas encontrados ou ainda para planejar as caças.

53 A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

vel para que os estudantes consigam compreender, interpretar


Vale lembrar que trabalhar com a cartografia na escola não é simplesmente pedir às crianças para pintarem os estados, identificarem os continentes ou copiarem os mapas que estão sendo trabalhados. O seu ensino deve ser pautado em procedimentos que auxiliem na construção dos conceitos basilares da linguagem cartográfica, como orientação, observação dos pontos de referência, localização, coordenação de pontos de vista, legenda, projeção (conservação de forma, proporcionalidade, tamanho e comprimento) e escala. “A ação para o aluno entender a linguagem não está em pintar ou copiar contornos, mas em “fazer o mapa”. Ao acompanhar— reduzir proporcionalmente, estabelecer um sistema de projeções para que haja coordenação de pontos de vista (descentralização espacial) —, ele se familiariza com a linguagem cartográfica.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

54

Mesmo depois disso o aluno sentirá dificuldades em organizar um sistema de signos de forma ordenada, mas é vivenciando essas dificuldades que ele irá construir noções profundas de organização de um sistema semiótico. Ao ter de generalizar, estabelecer uma classificação e selecionar as informações que devem ser mapeadas, o aluno será forçado a tomar consciência dessas informações — as pertinentes e as não pertinentes — que melhorarão seu raciocínio lógico. Por intermédio dessa ação de mapear, e não de cópias ou pinturas de mapas, dá-se um verdadeiro passo metodológico para o aprendizado de cartografia.” (PROJETO PRESENTE, 2008, s.p.)

Para tornar o trabalho com a cartografia uma atividade significativa e funcional é imprescindível o planejamento e a criação de situações didáticas em que crianças e jovens sejam incentivados a observar, descrever, experimentar, sintetizar e


buscar analogias, destacando os fenômenos, conceitos e fatos geográficos que permeiam os conteúdos estudados. Essas atividades devem ser inseridas na rotina das classes desde a Educação Infantil, quando o educador/educadora pode propor situações objetivando a exploração do espaço a partir da conscientização do próprio corpo. “A conscientização do próprio corpo, de seus movimentos e posturas desenvolve-se lentamente na criança. Ela se constrói paulatinamente a partir do nascimento até atingir a adolescência, quando ocorre a elaboração completa do esquema corporal. Este desenvolve-se em função do amadurecimento do sistema nervoso, da relação eu-mundo e da representação que a criança faz de si mesma e do mun-do em relação a ela.” (ALMEIDA, 2006, p. 28-29).

À medida que situações de experimentação, identificação e observação são lançadas nas classes de Educação Infantil, as crianças construirão, paulatinamente, a noção de espaço e lateralidade, essencial para a sua localização. Por des para os pequenos explorarem o ambiente. Rolar, arrastar-se, engatinhar e andar são atividades importantes para que os bebês ampliem sua atuação sobre o espaço e sua visão de mundo, aumentem sua percepção sobre a posição dos objetos, conquistem autonomia, conheçam o seu corpo e as possibilidades que seus movimentos lhes oferecem. Não significa, porém, que as crianças dessa faixa etária terão atingidos todos os objetivos e conteúdos necessários para se tornarem ótimos mapeadores e leitores de mapas. Contudo, os educadores terão oferecido intervenções importantes para o desenvolvimento motor, a lateralização, a consciência do espaço e os demais conteúdos já citados acima.

55 A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

essa razão, é necessário oferecer desde creches a oportunida-


Essas propostas devem ser continuadas e aprofundadas com os estudantes do Ensino Fundamental e, mais tarde, deverão também fazer parte do currículo do Ensino Médio. “A utilização de mapas é um processo de ir e vir, do concreto ao abstrato, da imagem para o significado. É um trabalho que se desenvolve da etapa de representação dos espaços em que vivemos, conhecemos e experimentamos até a interpretação de realidade não conhecidas e que exigem maior abstração.” (PROJETO PRESENTE, 2008, s.p.)

Você conhece outros documentos cartográficos além do mapa? Saberia nomeá-los?

Documentos cartográficos Os mapas mais conhecidos e utilizados nas salas de aulas são o mapa-múndi, o atlas, os mapas murais e o

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

56

globo terrestre. Os três primeiros são usados comu-mente para ensinar os aspectos políticos (as capitais, os estados e as fronteiras) e os aspectos naturais (relevo, clima, vegetação, solo e formações geológicas). É importante dizer que os mapas murais são muito utilizados fixados nas paredes para facilitar a explicação do educador/educadora, o que termina promovendo um equívoco na identificação das direções Norte (“para cima”) e Sul (“para baixo”). Por essa razão é aconselhável que esse recurso seja utilizado esticado no chão, para que os estudantes compreendam corretamente essas localizações.


Mapa Político

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Worldmap_LandAndPolitical.jpg

Veja a imagem do mapa. A seguir temos resultado dos conteúdos mais explorados com a utilização desses recursos, obtido a partir de uma pesquisa realizada com os educadores/educadoras da 5ª série do Ensino Fundamental da rede Municipal de Ensino de Uberlândia - MG, por Suely Moreira em 2003. Raramente %

Frequentemente %

Vegetação

-

30

55

Relevo

-

20

65

Hidrografia

-

20

65

Transporte

20

50

15

Clima

-

20

65

Indústria

5

55

25

Divisão política

-

10

75

Problemas sociais

10

55

20

Recursos minerais

-

45

40

15

35

35

-

35

50

10

40

35

Urbanização População Problemas ambientais

57 A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

Nunca %

Temas


Podemos perceber que assuntos importantes para a construção da cidadania ainda são pouco explorados pelos educadores/educadoras, como problemas ambientais e sociais, urbanização e transportes. Esses temas são relevantes para que os alunos percebam as dificuldades existentes em seu espaço vivido e comparem com as demais regiões, para que reflitam o porquê desses problemas e o que podem fazer para amenizá-los, pois os conteúdos que aprendemos nas instituições de ensino visam à compreensão e melhoria do nosso espaço e nossa realidade. Ressaltamos, no entanto, que se não foi oportunizado às crianças e jovens a construção de mapas, se sua experiência for apenas com os mapas prontos, certamente terão dificuldades para ler e compreender os dados expostos, pois, segundo Aguiar:

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

58

“A nosso ver, para utilizar o atlas, faz-se mister que os alunos tenham passado por experiências diversas que lhes permitam codificar, decodificar e recodificar diferentes mapas pois a compreensão dos mapas contidos nos Atlas escolares torna-se complexo devido ao grande número de variáveis apresentadas, o que dificulta sua compreensão, uso e aplicação em situações cotidianas.” (AGUIAR 2002, apud MOREIRA 2003, s.p)

Outro recurso muito utilizado é o globo terrestre, que é a representação mais correta da Terra. É um ótimo recurso que, quando bem utilizado, facilita a compreensão dos movimentos da Terra (translação e rotação), bem como a distribuição dos continentes, dos oceanos, as direções, as distâncias, fusos horários, o tamanho e as coordenadas geográficas. Mas também temos outros documentos cartográficos que são menos conhecidos e utilizados:


• carta topográfica; • planta do bairro; • fotografia aérea; • imagem de satélite e • mapas produzidos pelos estudantes. O mapa-múndi é aquele impresso ou decalcado pelos educadores/educadoras com o intuito de registrar os nomes dos estados, pintar as fronteiras, identificar os oceanos e, geralmente, traz as cores definidas previamente. Sabemos, porém, que essa estratégia é pouco eficaz, pois a criança só é capaz de aprender conceitos e assimilar conhecimentos se ela própria os construir, por isso é necessário que leia e confeccione seus mapas. Os demais materiais citados (carta topográfica, planta do bairro, fotografia aérea e imagem de satélite) são os menos utilizamos, pois o acesso de educadores/educadoras a esses materiais é difícil, já que não se encontram disponíveis, em sua sibilita sua utilização. Mas são muito úteis e importantes para explorar conteúdos como a representação gráfica, a construção de plantas e o estudo comparativo de lugares diferentes. Quanto ao mapa elaborado pelos estudantes, geralmente não é considerado recurso útil ao estudo do espaço geográfico, seja porque os professores pensam que eles não são capazes de produzir mapas ou porque não perceberam sua importância para a construção do conhecimento. Essa elaboração de mapas deve ser sim muito incentivada, seja para representar o caminho de casa para a escola, ou para localizar sua casa na rua onde mora. Temos inúmeras possibilidades para iniciar e incentivar esse trabalho na escola e fazer com que nossas crianças e jovens sejam bons mapeadores.

59 A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

maioria, nem nos livros didáticos nem nos atlas, o que impos-


O mapa e seus elementos Você já observou que um mapa possui alguns elementos referenciais? Será que esses elementos são realmente necessários? São quatro os elementos indispensáveis para a elaboração de um mapa, pois possibilitam uma leitura e interpretação correta dos dados contidos neles: • título; • escala; • coordenadas geográficas e • legenda. Observe o mapa a seguir. Você saberia determinar a função de cada um desses elementos?

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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Título No caso específico do mapa anterior, verificamos que o seu título é BRASIL HIDROGRÁFICO. Dessa maneira podemos concluir que ele trará informações e dados sobre as bacias hidrográficas do Brasil. Por essa razão, não será necessário mostrar o país dividido por estados, mostrar suas capitais e fronteiras. Se desejarmos essas informações, temos de buscar outro mapa, cujo título será BRASIL POLÍTICO, já que essa é uma divisão política. Portanto a função do título é situar/informar o leitor sobre o tema principal que será tratado no mapa. Escala Ao observar a escala é possível perceber em quantas vezes o terreno original/real foi reduzido. A escala é estabelecida de acordo com o que se deseja informar, ou seja, o objetivo do mapa, por isso ela é determinada antes mesmo de sua elaboração. Se um mapa possui a escala 1:1.000 significa que cada 1.000 km foram representados no mapa por 1 centímetro. las, isso demonstra que eles possuem objetivos diversos. Para transmitir informações gerais, sem detalhes, são utilizadas escalas grandes, contudo, para representar o espaço com muitas informações, será escolhida uma escala menor. É o que podemos perceber, por exemplo, num mapa-múndi, em que conseguimos ter uma visão vasta, com as informações mais genéricas do espaço representado. Quando observamos o mapa de um bairro não conseguimos ter uma visão ampla, porém, podemos conhecer todos os seus detalhes, como os nomes de ruas, informação que é impossível de ser percebida num mapa como o do Brasil, em que a escala usada é a grande. Observe a tabela abaixo com os tipos de escalas:

61 A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

Percebemos, contudo, que existem mapas de diferentes esca-


OS TIPOS DE ESCALA Categoria Grande

Escala

Finalidade do mapa

1:50/1:100

Plantas arquitetônicas e de engenharia.

1:500 a 1:20.000

Plantas urbanas, projetos de engenharia.

Média

1:25.000 a 1:250.000

Mapas topográficos.

Pequena

acima de 1:250.000

Atlas geográficos e globos.

Além dessa escala, chamada de escala numérica, há também a escala gráfica, representada por uma reta em que cada parte indica a distância.

0

40

80

120

160 km

A escala acima demonstra que cada 40 km do espaço real foi representado por 1 centímetro no mapa. Coordenadas geográficas As linhas necessárias para a localização de pontos na

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

62

superfície da Terra são chamadas de linhas imaginárias. Coordenadas geográficas são linhas imaginárias traçadas sobre os mapas, essenciais para a localização de um ponto na superfície terrestre. “Essa localização é o resultado do encontro de um paralelo e sua respectiva latitude (o afastamento, medido em graus, do paralelo em relação ao Equador) e de um meridiano e sua respectiva longitude (o afastamento, medido em graus, do meridiano em relação ao meridiano principal ou de Greenwich).” (PROJETO PRESENTE, 2008, s.p.)


Legendas São as responsáveis pela correta interpretação das informações trazidas pelo mapa. Hachuras, ícones e símbolos variados podem ser encontrados na elaboração das legendas, além das cores em diferentes intensidades, isso porque ainda não foi estabelecida uma padronização universal pelos cartógrafos. Observamos, porém, que existem algumas convenções como as cores quentes para representar climas quentes e as frias ficam para as temperaturas frias nos mapas climáticos. “Existe uma grande variedade de símbolos e de cores utilizadas pelos cartógrafos nos diferentes tipos de mapas, apesar de ainda não existir uma padronização total e universal. Quanto às cores, as principais convenções são as seguintes: azul (hidrografia); verde (vegetação); marrom (relevo e solos); preto ou vermelho (acidentes geográficos artificiais, como rodovias, ferrovias etc.)” (MEDIDAS DE COMPRIMENTO, 2008, s.p.)

Ao explorarmos situações didáticas em que a leitura e tunizaremos aos nossos estudantes a ampliação da compreensão do espaço geográfico, tornando-os leitores conscientes e eficientes da linguagem cartográfica. Assim, encerramos esta unidade com uma gostosa aventura escrita por Fanny Abramovich, que nos traz um exemplo prático de jovens que não foram apresentados a essa linguagem tão importante: a linguagem cartográfica.

63 A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

a produção de mapas sejam exploradas e estimuladas, opor-


Perdidos na excursão

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Marquito desabou na poltrona. Completamente moído. Exausto! Agarrou o telefone, ligou pro Tiagão. Dos dois lados do fio, só queixas e reclamações. E altos xingos. Bocas raivosas, por nada ter dado certo. Só confusão durante a excursão inteira. Marquito relembrou a saída orgulhosa. Um final de semana ecológico-aventureiro. Certeza de voltar triunfantes! Muito pra contar e pra exibir. Turma animada e a fim de descobrir o esconderijo-paraíso dos micos-leões-dourados. Tiagão ouvia rindo. Logo enfezou. Lembrou da primeira desviada. Um caminho lindo que deu numa cachoeira despencante. Puladas, procuras, nadadas, volta estropiada pra estrada arrebentada... Depois, só mancadas... A chuva desviante da trilha. A paralisada hesitante se era pra virar à direita ou à esquerda. Os em-frente-marche dando em barreiras fechadas, sem brecha pra passagem. As voltas, semivoltas, voltas inteiras. A parada pra comilança quase dentro duma fazenda murada e o dono surgindo com as armas em punho... Horror total!! Marquito parou de sorrir. Partiu pros desabafos gritados. A armação das tendas no escuro e a descoberta rápida de o lindo lugar está cercado de cobras... Berros desesperados! O dar de cara com uma margem do rio sem nenhuma ponte para cruzar... O medaço de se afogar atravessando a pé. Tiagão espirrou. Gripou bravo. Desligou avisando que foi a primeira e última excursão ecológica. Pra ele, fim de papo. Marquito resmungou enfezado. Jurou jurado. Outra, só sabendo antes por onde ia pisar. Chegava de perder tempo, perder a paciência, perder o ânimo. Disponível em http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/perdidos-excursao-634271.shtml

A linguagem cartográfica é muito importante nos meios de comunicação e a escola tem de estar consciente da importância dessa linguagem para as nossas vidas e para a


vida de nossos estudantes. É importante compreender a relevância dos mapas e suas especificidades, mostrando a necessidade e urgência da elaboração de propostas metodológicas, possibilitando a formação de leitores conscientes e eficazes dos variados documentos cartográficos.

3.2 A representação do espaço no contexto escolar Compreender a leitura de mapas como um instrumento que possibilita a formação de leitores conscientes do seu espaço é um conhecimento importante para todos nós, educadores e educadoras. Agora seguiremos nossa caminhada para compreendermos com maior clareza o que representa e como ocorre a representação do espaço, especialmente no contexto da escola. Na unidade 1 vimos que a Geografia vai sendo constirais que são produzidas pelas relações das pessoas entre si e com o seu meio, produzindo assim o espaço geográfico. Esse espaço vivido, percebido e concebido é o objeto de estudo da Geografia e, através do estudo dos seus elementos, compreendemos como essa sociedade se organiza e se estrutura. Numa visão ainda mais crítica, notamos também se as relações aí estabelecidas são excludentes ou não. Isso nos é permitido quando observamos os padrões de apropriação, as relações de poder e de controle de determinada região. Como todo o conhecimento humano, a noção de espaço também perpassa algumas etapas até ser plenamente compreendida. Para poder representar, inicialmente a criança tem de vivenciar, sendo essa a primeira etapa: o espaço vivido.

65 A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

tuída de acordo com as mudanças socioeconômicas e cultu-


O espaço vivido é o espaço físico, no qual a criança pode se movimentar e se deslocar. Por intermédio de brincadeiras e de explorações ela vai conhecendo seu espaço, organizando-o e delimitando-o. Essa é uma etapa importante para que se construa a seguinte, pois de acordo com Aroeira (1996) os esquemas de ação de determinado nível são essenciais para a estruturação de novos. O educador/ educadora da educação infantil pode auxiliar nesse processo estimulando os pequenos a brincar, seja livremente ou com exercícios rítmicos e psicomotores, assim conseguirão um maior conhecimento do próprio corpo, suas dimensões e possibilidades. Passada essa etapa, ela conseguirá reter informações e, consequentemente, não precisará mais percorrer o espaço para poder relatar quais os elementos que o constitui. A partir daí ela poderá perceber, além do espaço vivido, também o espaço percebido, dispensado assim a experimentação, a vivência que anteriormente era a única possibilidade de compreensão. A criança consegue perceber as distâncias entre os

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objetos ou sua localização utilizando-se apenas da análise do espaço, da observação de uma foto. Nessa etapa a criança é capaz de representar espaços já vivenciados, ou seja, consegue, por exemplo, desenhar a sua casa com muitos detalhes ou registrar o caminho que faz para a escola por que já o conhece. O educador/educadora deve explorar ao máximo as atividades em que o foco seja desenvolver conceitos e noções, pois eles ajudarão na compreensão dos conteúdos curriculares. Somente a partir dos 11 anos essa criança será capaz de explorar espaços desconhecidos, o espaço concebido, estabelecendo as relações espaciais entre os elementos de um mapa, por exemplo, ou de pensar compreensivamente sobre a foto de uma paisagem.


É importante que a criança comece explorando e percebendo o mundo a sua volta, o seu espaço vivido, inicialmente utilizando o próprio corpo como referência, para depois compreender e representar espaços cada vez maiores e desconhecidos, aprofundando, dessa maneira, seu conhecimento sobre a estruturação e extensão do espaço. As experiências corporais diversificadas pelas quais o bebê passa (receber carinho, beijos, abraços, ser carregado e mamar) são inscritas em sua memória corporal e serão utilizadas por ele para a construção de conceitos como a lateralidade, a conscientização sobre o seu corpo e os seus limites fundamentais para a compreensão dos referenciais espaciais no futuro.

O bebê concebe o espaço como parte de si mesmo, pensa que tudo é parte do seu próprio corpo. Quando vai crescendo amplia seu campo de visão, começa a perceber que além dele existem outros seres e objetos, reconhece os limites e possibilidades do seu próprio corpo. Até os seis anos acredita que é a partir da sua posição que é possível localizar os demais elementos do ambiente e que esses não podem ser separados do espaço. Aos poucos começa a perceber outros pontos de referência e reconhece que elementos e espaço podem sim ser dissociados.

67 A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

“A consciência do próprio corpo, de seus movimentos e postura desenvolve-se lentamente na criança. Ela se constrói paulatinamente a partir do nascimento até atingir a adolescência, quando ocorre a elaboração completa do esquema corporal. Este desenvolve-se em função do amadurecimento do sistema nervoso, da relação eu-mundo e da representação que a criança faz de si mesma e do mundo em relação a ela.” (ALMEIDA, 2006, p. 28-29)


Para que consiga perceber o espaço e suas diferentes organizações é necessário que a criança compreenda e tome consciência de alguns pontos importantes. “Segundo Hannoun (1977) essa questão envolve a tomada de consciência, por parte do aluno, do seguinte: do espaço ocupado por seu corpo; da localização dos objetos no espaço; das posições relativas dos objetos no espaço, o que envolve deslocamento e orientação; e das distâncias, medidas e da esquematização do espaço.” (HANNOUN, 1977 apud ALMEIDA, 2006, p. 28)

A tomada de consciência do espaço corporal é o ponto de partida para que a criança consiga compreender o espaço vivido, percebido e concebido, e consequentemente, os conceitos que envolvem os saberes geográficos. São esses os argumentos que precisam ser respeitados pelos profissionais que trabalham em creches e escolas de Educação Infantil. Para isso é essencial favorecer um ambiente rico em possibilida-

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des, em que os pequenos ajam, movimentem-se e explorem os elementos sem perigo para a sua integridade física, sem que precisem ficar presos em berços, quadrados ou andadores. Almeida (2006) destaca que o gosto apresentado pelas crianças por brincadeiras em que elas se escondem embaixo da mesa, dentro de caixas e demonstram uma atração especial pelas reproduções de móveis e objetos domésticos em miniatura, é uma maneira de manter o espaço em dimensões que estejam ao seu alcance. Nessa fase é importante propor situações didáticas cujo foco seja promover a conscientização do lado do corpo que é predominante. Essas relações estabelecidas pelas crianças no seu espaço vivido são chamadas de relações espaciais topológicas elementares:


• vizinhança; • separação; • ordem; • envolvimento e • continuidade. Vizinhança Quando falamos em vizinhança imediatamente nos lembramos de nossos vizinhos, não é mesmo? Assim como eles são pessoas que moram perto de nossas casas, os elementos do espaço geográfico estão próximos, ou seja, no mesmo nível de percepção.

Ao ser solicitada a localizar determinado objeto no quarto, por exemplo, é muito comum que a criança utilize da relação de vizinhança por ser a mais elementar percepção de organização espacial. Dirá então que os carrinhos estão na estante acima da cama. Separação Com o seu crescimento e o aumento da capacidade de analisar o espaço, a criança se dá conta de que os objetos não

A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

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estão unidos, mas sim separados, mesmo quando parecem ocupar o mesmo espaço. Então, ao observarmos a figura do quarto, verificamos que mesmo parecendo um só objeto, o travesseiro pode ser separado da cama. Ordem Analisando esse espaço, o quarto, do ponto de vista em que a fotografia foi tirada, podemos perceber que seus elementos ocupam uma ordem, ou seja, estão em determinadas posições que podem ser anteriores, intermediárias ou posteriores. Podemos então dizer que primeiro vem a cama e depois o guarda-roupa. Envolvimento É possível então estabelecer relações entre os elementos e o envolvimento que possuem nesse espaço. Voltando ao exemplo do quarto, verificamos que seus objetos estão em uma relação de envolvimento em três dimensões, pois é o conjunto que forma esse cômodo.

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Continuidade Sabemos que não há ruptura no espaço, que ele é contínuo e, por essa razão, ao localizarmos os seus elementos utilizamos a relação de continuidade. Você deve estar se perguntando: por que devemos compreender relações espaciais topológicas elementares? Qual a relação que possuem com os saberes geográficos? “Embora as relações espaciais topológicas elementares não envolvam referenciais precisos de localização, elas são a base para o trabalho sobre o espaço geográfico (e cartográfico). A partir delas é que se desenvolvem as noções de limites políticos-administrativos entre mu-


nicípios, estados e países e suas fronteiras; área urbana e rural, para citar apenas alguns exemplos.” (ALMEIDA, 2006, p. 33)

Esses saberes são essenciais para que as crianças e jovens compreendam os limites existentes entre as regiões, sua continuidade e envolvimento, como podemos perceber nesta afirmação de Almeida (2006, p. 33): “É claro que para a compreensão desses exemplos é preciso que a criança domine os conceitos geográficos que os definem. No entanto, a localização geográfica constrói-se à medida que o sujeito se torne capaz de estabelecer relações de vizinhança (o que está ao lado), separação (fronteira), ordem (o que vem antes e depois), envolvimento (o espaço que está em torno) e continuidade (a que recorte do espaço a área considerada corresponde), entre os elementos a serem localizados. Por isso é difícil, mesmo para os alunos de séries mais adiantadas do 1º grau, realizar um estudo geográfico de áreas isoladas, descontextualizadas.”

tes uma compreensão mais ampla e significativa do espaço geográfico, transformando o estudo da Geografia numa atividade mais interessante e menos enfadonha do que a descrição de um ambiente realizado nas aulas expositivas. A compreensão desses conceitos possibilita ao educador/educadora uma visão mais ampla e completa dos conteúdos curriculares necessários ao estudo dessa disciplina e sua importância para a formação dos estudantes.

71 A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

O estudo contextualizado proporciona aos estudan-


SÍNTESE Nesta unidade você conheceu alguns dos principais documentos cartográficos, os seus elementos e sua importância. Discutiu-se também a importância de os educadores incluírem em seus planejamentos atividades que deem aos estudantes a oportunidade de conhecer e interpretar tais documentos. Para o adulto parece fácil a compreensão do espaço geográfico e o estabelecimento de vizinhança, separação, ordenação, envolvimento e continuidade dos elementos que o constitui. Contudo, a construção dessas relações é realizada paulatinamente, à medida que a criança vai tomando consciência do seu corpo, limites e possibilidades. Esse é o ponto de partida para que ela consiga compreender o espaço vivido, percebido e concebido.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO Como podemos explorar a representação do espaço no contexto escolar?

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Se nossas crianças e jovens frequentam as escolas para aprender a ler, escrever e contar, por que não podem aprender também a ler e produzir mapas, aprendendo assim a linguagem cartográfica?

LEITURAS INDICADAS LIMA, M. H. de; VLACH, V. R. Geografia escolar: relações e representações da prática social. Disponível em: <http:// www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/ download/15289/8588>. Acesso em: 24 jul. 2014.


REFERÊNCIAS ALMEIDA, R. D. de; PASSINI, E. Y. O espaço geográfico: ensino e representação. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando o Ensino) BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros curriculares nacionais: história e geografia. Brasília: MEC, 1997. CARLOS, A. F. A. (Org.) A geografia na sala de aula. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando o ensino). KOZEL, S.; FILIZOLA, R. Didática de geografia: memórias da terra: o espaço vivido. São Paulo: FTD, 1996. (Conteúdo e Metodologia). LIMA, M. H. de; VLACH, V. R. Geografia escolar: relações e representações da prática social. Disponível em: <http:// www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/ download/15289/8588>. Acesso em: 24 jul. 2014. Medidas de comprimento. Disponível em: <http://www.regiaooficina.googlepages.com/CARTOGRAFIA.doc>. Acesso em: 07 nov. 2008.” MOREIRA, S. A. G. Linguagem cartográfica e prática docente na rede municipal de ensino de Uberlândia (MG – 2003). Disponível em: <http://repositorio.ufu.br/handle/123456789/1258>. Acesso em: 30 jul. 2014. PROJETO PRESENTE. Cartografia: a linguagem da geografia. Disponível em: <http://www.projetopresente.com.br/formacao/Geo_formacao.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2008.

A importância da linguagem cartográfica e a representação do espaço no contexto escolar

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(4)

A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia



4.1 A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania Anteriormente discutimos a importância social do conhecimento geográfico e como essa disciplina pode favorecer um espaço para discussão dos desafios sociais, culturais e ecológicos enfrentados atualmente pela sociedade, levando, dessa maneira, os problemas do mundo para serem discutidos nas salas de aulas. Quando percebermos a Geografia como um espaço que proporciona às crianças e aos jovens o conhecimento do mundo, de seus problemas e transformações e a compreensão de que


cada um é parte integrante e única da sociedade, estaremos trabalhando para ampliar a visão de mundo que possuem, possibilitando não somente a discussão, mas, sobretudo a compreensão dos problemas socioculturais que envolvem não só a comunidade na qual estão inseridos, mas também o mundo. Você deve estar se perguntando: “mas o que isso tem a ver com a cidadania?”. Para respondermos adequadamente a essa questão vamos retomar alguns pontos já explorados na nossa primeira unidade. Mesmo estando na chamada Era da Informação, muitos educadores e educadoras ainda não compreendem qual é verdadeiramente o papel e a importância dos saberes geográficos no currículo escolar e permanecem pensando como os antigos gregos, que começaram seus estudos geográficos com Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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o objetivo primordial de dominar o mundo, fazendo mapas para conhecer a Terra e explorar seus espaços e seres. As informações sobre a forma e a dimensão da Terra registradas nos mapas não interessavam somente aos estudiosos da época, mas despertavam o interesse, especialmente, dos poderosos que desejavam ampliar seus domínios territoriais e descobrir novas terras, dando início às grandes navegações e às guerras. Assim, a Geografia foi passando por diversas etapas, ultrapassando a ideia do estudo do espaço para fazer guerras (Geografia dos Estados Maiores), passando pela Geografia Aplicada (voltada para o estudo da ordenação do espaço) até chegar à Geografia Crítica. Atualmente, a Geografia passou a revelar uma preocupação com as transformações pelas quais o espaço sofria, e ainda sofre. Assim, temas como a urbanização, meio ambiente e outras questões contemporâneas passaram a fazer parte de seus estudos.


“Esta geografia crítica é antes de mais nada uma tomada de consciência de um momento histórico em que a nossa capacidade de acção, individual ou coletiva tende a aumentar, mais em que os riscos e os efeitos perniciosos das acções ganham dimensão, extensão e duração antes inimagináveis. Hoje as questões de geografia estão cada vez mais presentes no debate público, mesmo quando não são à primeira vista reconhecidas como tais, da urbanização à mundialização, do ambiente à cidadania, questões contemporâneas inevitavelmente ligadas ao domínio do espaço.” (ALMEIDA; GAMA, s.d.)

De acordo com Gama, a consciência geográfica na contemporaneidade baseia-se em três aspectos essenciais que são: a finitude da Terra, a sua ocupação e a partilha e a permeabilidade das fronteiras. Ao percebermos todos os fenômenos climáticos que matamento ou pelo aquecimento global, verificamos cla-

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ramente que são todos decorrentes das modificações no

A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia

estão ocorrendo nos últimos anos, sejam causados pelo des-

ambiente, causadas pela ação do homem. Isso nos faz refletir sobre a importância na nossa mudança de postura frente ao espaço geográfico, pois podemos estar caminhando sim para a finitude da Terra. Outro aspecto muito importante é a ocupação e a partilha desse espaço, de que forma ele ocorre, quais as suas consequências e a maneira como é dividido entre os seres humanos. Refletir sobre essa divisão e a maneira como esse espaço foi e é a cada dia ocupado tornou-se um dos principais objetivos da Geografia Crítica. Por fim, temos a permeabilidade das fronteiras, sejam políticas ou naturais, que muitas vezes e erroneamente foi compreendida pelos estudantes como um aspecto imutável, pois não percebiam que esses limites, especialmente os políti-


cos, foram estipulados pelo homem para delimitar o território de alcance do poder de cada Estado. Hoje, contudo, percebemos a fragilidade dessas fronteiras por causa da rapidez com que as informações são transmitidas, especialmente a partir do desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte e, principalmente, do surgimento do computador e da internet. Agora começamos a ter notícias de trabalhadores globais, pessoas que trabalham em um país mas residem em outro. Agora que já relembramos o percurso realizado pelos saberes geográficos até alcançar essa visão crítica sobre seu objeto de estudo – o espaço, não como um ambiente estático, mas como um produto das relações socioeconômicas e culturais dos indivíduos – fica mais fácil perceber sua relação com a formação da cidadania. Não estamos falando aqui da cidadania que só é lembraamplamente divulgada pelos meios de comunicação, e sim da

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

da no momento das eleições ou daquela cidadania vazia que é 80

condição do indivíduo que sabe e goza dos seus direitos civis e políticos. Pois quando refletimos, por exemplo, sobre a divisão do espaço vivido e percebemos que esse espaço é maior e oferece melhores condições para alguns cidadãos e menos para a maior parcela da sociedade, estamos abrindo espaço na sala de aula para a formação de pessoas mais conscientes de seus direitos e que provavelmente terão condições mais favoráveis para fazer com que esses direitos de fato sejam respeitados. Concordamos com Almeida e Gama quando eles afirmam que: “Assim, a geografia impõe-se como um saber pensar o espaço, um conhecer o espaço pelos homens para nele saberem organizar-se e para nele saberem viver e combater por uma vida melhor, do pão aos direitos. Este saber pensar o espaço exige uma consciência espacial que não


se confine ao estreito espaço da vida quotidiana e que salte para além do horizonte que o encerrou e, em tempos de metáforas de aldeias globais, encerra ainda a tomada de consciência de ser e estar no mundo. Este saber pensar o espaço aprende-se através de práticas de saber ler os mapas, de modo que estes se difundam cada vez mais em razão das exigências da prática social nas nossas sociedades, em que as novas configurações das relações sócio-espaciais assumem importância indesmentível, em razão da perda de sentido do próximo e do longe com o advento de uma multiplicidade de distâncias.” (ALMEIDA; GAMA, s.d.)

Se consideramos importante e necessário trabalhar para honrar o compromisso que a escola afirma ter com a formação do cidadão, não podemos continuar tratando a geografia como a disciplina que vai diferenciar uma montanha de um morro. Ao discutirmos a organização do espaço, suas fronteiras, as conestamos possibilitando às crianças e aos jovens momentos de reflexão sobre o seu espaço vivido e percebido e podemos, ou melhor, devemos ir além, favorecendo que eles busquem compreender as causas dos problemas que a sua comunidade vivencia e se sintam estimulados a também buscar soluções. Implicar os estudantes nos problemas enfrentados na sua comunidade ajudará com que compreendam também os problemas mundiais e como eles afetam o seu espaço geográfico. Assim perceberão que suas ações particulares podem ajudar a melhorar o mundo, da mesma maneira que podem prejudicá-lo, e conseguirão ter clareza na busca para que seus direitos sejam respeitados. “Por ser a disciplina que estuda e desvela essas relações socioambientais e culturais abordadas nos objetivos acima, a Geografia tem

81 A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia

sequências das transformações causadas pela ação do homem


lugar privilegiado na construção, pelo aluno, do conhecimento do espaço historicamente produzido. E, numa sociedade democrática e, portanto, pluralista, a cidadania deve ser entendida como a capacidade de plena participação na vida e nos debates da coletividade. Essa capacidade é muito mais que o simples exercício de um direito político. Ela requer um acervo de informações variadas e, sobretudo, o exercício da habilidade de decifrar os discursos sociais. A Geografia, entendida como “gramática do mundo” tem um papel insubstituível a desempenhar na construção dessa habilidade.” (CAVALCANTE, 2008)

Quando o jovem é capaz de compreender a importância social e política de temas que são trazidos pelos meios das informações referentes a um espaço que lhe é desconhecido, e consegue relacionar esses problemas aos que a sua comunidade vivencia, será capaz de pensar também em possíveis

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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soluções para diminuí-lo ou, quem sabe, dizimá-lo. “Assim o aluno analisará a interferência humana no espaço como algo fruto do trabalho na organização espacial através do tempo. E assim, se posicionará de forma crítica diante dos acontecimentos ocorridos na paisagem. A discussão sobre o ensino da Geografia passa pela avaliação do conteúdo e pela construção de conceitos e noções a partir do espaço de vivência da criança, pois é desde o momento em que nascemos que construímos a noção de espaço.” (CAVALCANTE, 2008)

Muitas instituições escolares, porém, ainda não conseguem perceber a inter-relação existente entre os saberes geográficos e a formação da cidadania. Cabe então a todos nós a tarefa de refletir sobre os conteúdos essenciais que possibilitam aos estudantes construírem sua consciência geográfica,


para que assim apresentem uma visão crítica diante das transformações provenientes da ação dos indivíduos em seu espaço. Com esse trabalho nas nossas salas de aula estaremos explorando um dos aspectos mais importantes da cidadania, que é a possibilidade de todos os seus integrantes participarem, igualmente, das discussões e da vida da sociedade, incluindo aqueles que antes, devido à falta de conhecimento, ficavam excluídos desses debates, pois hoje, mais do que nunca, temos a exata noção da importância do conhecimento para a formação do cidadão. Para finalizar, vamos conhecer o relato de uma experiência bem-sucedida no trabalho com os conteúdos geográficos e a formação do cidadão para nos inspirarmos a produzir nossos próprios trabalhos.

3ª série estuda o rio Tietê Publicado: 01/11/2007, às 10:54 83 A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia

Um enfoque diferente foi trabalhado durante o estudo do rio Tietê no 3º bimestre pelas turmas da 3ª série EFI do Colégio São Luís. Além do seu nome, trajeto e localização, os alunos aprenderam sobre a possibilidade de reversão do trecho em que o rio é poluído e a importância do papel de cada um nessa missão. Por meio de slides, imagens do rio em sua maior extensão foram mostradas para as crianças, que se surpreenderam ao perceberem que somente na região da cidade de São Paulo o rio ganha o aspecto sujo e poluído que conhecemos. Em uma maquete montada pela turma, os estudantes estudaram as partes do rio e o relevo do estado de São Paulo. Perceberam que por conta da serra do mar o rio não deságua no oceano. “Um aluno viajou para o interior e trouxe a água do rio comprovando a diferença da poluição que é vista na capital”, conta a professora Ana. Trechos do filme A Muralha foram assistidos pelos alunos, que puderam conhecer mais sobre o papel que o rio Tietê teve e ainda tem na história e na economia do estado. “Finalizamos o projeto com um estudo sobre o que fazer para a despoluição do rio, como cada um pode contribuir para isso tornar-se realidade”, diz a professora.


Podemos verificar nesse relato que os conteúdos geográficos estão presentes e foram muito bem explorados, mas a maneira que a educadora encontrou para trabalhar com o seu grupo fez toda a diferença, principalmente, porque ela buscou não apenas explorar como está o rio hoje, mas mostrou aos estudantes as transformações pelas quais o rio passou, a responsabilidade que cada um deles possui nesse problema e quais soluções podemos pensar para modificar essa realidade.

4.2 O s aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia No Ensino de Geografia deve-se considerar a realidade no seu conjunto: o espaço é dinâmico e sofre alterações em função da ação do homem, e este é um sujeito que faz parte do processo histórico. [Márcio Cavalcante]

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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Pensar sobre as inúmeras possibilidades de discussões que a Geografia oferece nos traz grandes preocupações, pois como podemos conciliar tantos conteúdos com o tempo que dispomos para tantas disciplinas? Essa é uma pergunta que angustia todos os educadores/educadoras comprometidos com a educação. Então o que podemos fazer para utilizarmos as aulas de Geografia de forma eficiente e significativa? A resposta a essa pergunta pode estar no desenvolvimento de um bom planejamento e na utilização dos recursos. Apoiados em um bom planejamento e com os recursos necessários certamente o educador/educadora está mais bem


preparado para enfrentar os desafios que a sala de aula lhe oferece. Começando pela transformação da disciplina, que é vulgarmente conhecida por matéria de decoreba, na disciplina responsável pela compreensão das relações espaciais e também da formação crítica e cidadã dos aspectos políticos, sociais e econômicos que perpassam a sociedade. Mas como podemos determinar se uma criança compreendeu ou não os con-teúdos explorados? Para nos certificarmos se houve compreensão ou não dos estudantes temos de ficar atentos se estamos possibilitando a eles a oportunidade de aplicar o conhecimento aprendido de maneira autônoma nas situações conhecidas e desconhecidas. Para isso temos de ficar atentos a dois aspectos fundamentais: conhecimentos prévios e organização clara. Os conhecimentos prévios são essenciais durante somente ao iniciar cada novo conteúdo. Quando lançamos

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perguntas sobre o que os estudantes já sabem sobre os temas

A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia

todo o processo de trabalho com o conteúdo em classe e não

propostos ou questionamos o que pensam que vai acontecer, proporcionamos momentos importantes de reflexão e ativamos a sua memória na busca de experiências, textos lidos, conversas ou programas assistidos. Esses conhecimentos já armazenados na memória facilitarão a assimilação dos novos assuntos àqueles que já foram garantidos ou experimentados. No entanto, não podemos favorecer situações didáticas significativas se abordamos os conteúdos de qualquer forma ou em qualquer ordem. É preciso estabelecer uma organização clara para que sejam conectados aos saberes já assegurados. Estabelecidos esses aspectos, é importante pensar no recurso que será utilizado para favorecer essa compreensão de forma significativa. Jornais, revistas, músicas, filmes e


computador são alguns recursos possíveis, que podem auxiliar o trabalho do educador/educadora e tornar as aulas mais dinâmicas, interessantes e ricas em aprendizagens, além de explorarem outras linguagens e habilidades. “A difusão de recursos didáticos como música, informática, jornais, TV e rádio são encarados como um meio de se atualizar as práticas pedagógicas, enriquecendo cada vez mais as aulas. A busca de novas informações, principalmente do professor de geografia, é essencial, pois num mundo em pleno desenvolvimento e globalizado, e altamente interconectado, os processos de mudanças ocorridos ganham dimensões extraterritoriais. A inovação busca melhorar, ampliar, mudar antigas práticas para poder construir com o aluno o conhecimento. Em um mundo pautado em novas tecnologias os profissionais não podem desprezar para a facilitação da aprendizagem.” (PINHEIRO, 2004, p. 104) Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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Atualmente, usufruímos da tecnologia que a vida moderna nos oferece: podemos consultar nossa conta através do telefone ou do computador, pedimos pizza sem sair de casa, visitamos museus através da internet e, até mesmo, estudamos sem precisar nos deslocar até a faculdade ou à biblioteca. Mas, apesar de todos esses recursos e facilidades, ainda acreditamos que as crianças e jovens vão aprender os conteúdos curriculares sentados, calados e ouvindo atentamente as explanações do professor. Para modificar essa realidade o passo inicial é dar asas à nossa imaginação e buscar trazer o mundo para a sala de aula. Um dos recursos que podem ser utilizados para esse fim é a música, muito utilizada em nosso dia a dia, seja para acalmar, demonstrar os sentimentos ou para dançar. Esse recurso sempre foi muito utilizado pelo


ser humano desde o início da civilização. Por meio dela podemos compreender o modo de vida de uma determinada sociedade. É importante registrar, no entanto, que não é apenas levar músicas para a sala de aula e deixar que as crianças escutem sem nenhum critério ou cuidado. Para trabalhar com esse instrumento é necessário selecionar criteriosamente a música que se deseja utilizar, observando a sua adequação ao conteúdo a ser explorado. Você deve estar se perguntando: “mas como a música pode favorecer a aquisição dos conteúdos de Geografia?”. Grande parte das pessoas gosta de música. Ela é um veículo de expressão eficaz que ajuda a aproximar as pessoas, fazendo-as refletir. Dessa maneira, favorece uma aproximação maior do estudante com o assunto em pauta. Para ilustrar como podemos explorar saberes geográfigraduação do Curso de Geografia da Universidade Federal de

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Juiz de Fora - UFJF, num trabalho intitulado O nordeste bra-

A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia

cos com música, segue uma aula sugerida por estudantes da

sileiro nas músicas de Luiz Gonzaga.

Ao utilizarmos as músicas de Luiz Gonzaga nas aulas de Geografia, primeiramente devemos fazer a interpretação da letra, esclarecendo que ela reflete a maneira de falar do povo nordestino, portanto, não podemos afirmar que há erros ortográficos. Em seguida, analisar os termos desconhecidos pelos alunos e contextualizá-los. Outro ponto que deverá ser observado é que a utilização da música permite um trabalho interdisciplinar, além de não enfocar um ponto apenas do programa de Geografia. As propostas de atividades não deverão ser desenvolvidas todas com a mesma turma, pois a utilização das músicas de Luiz Gonzaga pode amenizar e até tornar nulo o impacto das letras.


Asa Branca Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (1947) Quando olhei a terra ardendo / Qual fogueira de São João / Eu perguntei a Deus do céu, ai / Por que tamanha judiação / Que braseiro, que fornalha / Nenhum pé de plantação / Por falta d’água perdi meu gado / Morreu de sede meu alazão / Inté mesmo a asa branca / Bateu asas do sertão / Então eu disse, adeus Rosinha / Guarda contigo meu coração / Então eu disse, adeus Rosinha / Guarda contigo meu coração / Hoje longe, muitas léguas / Numa triste solidão / Espero a chuva cair de novo / Pra mim voltar pro meu sertão / Espero a chuva cair de novo / Pra mim voltar pro meu sertão / Quando o verde dos teus olhos / Se espalhar na plantação / Eu te asseguro, não chore não, viu / Que eu voltarei, viu, meu coração / Eu te asseguro, não chore não, viu / Que eu voltarei, viu, meu coração

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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O objetivo principal dessa atividade é demonstrar como as condições climáticas interferem na vida do nordestino: 1. Ouvir a música, ler e interpretar a letra; 2. Descrição da paisagem, destacando os seus elementos contidos na letra, caracterizando o sertão; 3. Determinar a relação entre os elementos. (utilizar diversos mapas do atlas) bem como a existência de outras paisagens no Nordeste brasileiro; 4. Apontar como as condições climáticas interferem na vida do nordestino, nos diversos aspectos; 5. Discutir as atitudes do povo ante as dificuldades, bem como indicar soluções para resolver os problemas, destacando o papel do Estado, da iniciativa privada e da sociedade civil organizada; 6. Levantar dados e mapas sobre as migrações internas no Brasil, demonstrando os efeitos nas áreas de saída e chegada dos migrantes nordestinos, principalmente os do sertão. Utilizando-se da escala, calcular as distâncias entre os povos, os custos de viagem, os meios de transporte e as vias utilizadas; 7. Exibir um filme ou trechos de filmes que contribuam para identificação das peculiaridades do povo, leitura da paisagem ou que abordem a temática das imigrações;


8. Elaborar um painel contendo uma visão da situação atual do povo e verificar o que ocorreu desde a época em que a música foi escrita; 9. Montar um web site sobre o tema estudado (Laboratório de Informática); 10. Correlacionar o que ocorre no sertão com outras áreas mundiais, tanto em termos físicos como humanos. Isso também pode gerar um painel; 11. Discutir como as condições climáticas sempre foram utilizadas para justificar a situação do Nordeste. Qual a opinião do aluno? Através da produção de texto, pode-se avaliar também se os objetivos das atividades foram atingidos. Ao concluir a leitura dessa proposta você deve estar conversando consigo mesmo e dizendo: “mas essa aula é impossível de ser executada, na minha escola não temos sala de informática, eu não sei fazer web site e mesmo se tivesse um educador/educadora responsável não ia querer ter esse trabalho”. tão, por isso pode ser seguida, alterada, reduzida ou reformulada de acordo com a criatividade do educador e a adequação da comunidade em que a instituição está inserida. O mais importante é que a aula apresentada consiga mobilizar as crianças e jovens para a aprendizagem significativa e crítica dos saberes que se pretendem ensinar. Além da música, outro recurso importante e, sobretudo, necessário para as aulas de Geografia é o uso de mapas, já explorados anteriormente. Temos também o recurso do filme/cinema que pode ampliar e favorecer inúmeras discussões com a classe. Essa atividade, contudo, pode ser mal interpretada, já que alguns educadores/educadoras acreditam que apenas colocar um filme para as crianças assistirem é o suficiente para garantir aulas mais dinâmicas. Sabemos, no entanto, que não é só isso que tornará a aprendizagem sig-

89 A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia

Lembramos, contudo, que essa é apenas uma suges-


nificativa, mas sim a possibilidade de vivenciar experiências ricas e diversificadas nas aulas propostas. O filme não pode ser encarado como um substituto, um “tapa buraco” na ausência do educador/educadora, ou para passar o tempo, mas um recurso didático que pode ampliar o olhar das crianças e jovens sobre essa disciplina, (ou, melhor, sobre o mundo concebido). Sua relevância está no diálogo lúdico que favorece o trabalho com a exploração dos saberes geográficos, já que a sua imagem em movimento promove a impressão que estamos assistindo à própria realidade.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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“[...] Contudo, a ludicidade dos filmes possui uma característica muito própria: a imagem está em movimento. Assim, a vida representada na tela (a)parece mais próxima da nossa realidade. O filme nos traz uma forte impressão da realidade. Aliás, nós estamos predispostos a percebê-las desse modo em função da nossa própria tradição cultural, profundamente dominada pela criação/recriação de imagens visuais. Aqui reside o seu sentido social na contemporaneidade.” (CARLOS, 2006, p. 111)

Destacamos também que colocar uma imagem cinematográfica com o simples intuito de ilustrar um assunto, ou a fala do educador, destrói toda a riqueza desse recurso. O objetivo essencial de utilizar o filme em sala de aula deve ser o de promover situações significativas de aprendizagem a partir das intervenções provocadas pelo educador. Concordamos com Carlos (2006) quando afirma: “Reconheçamos, agora, uma outra importância no uso da imagem cinematográfica: questionar a perda de referencial das representações. Porém, tal como outro meio ou recurso didático, o filme não deve ser utilizado como uma ilustração da palavra do mestre, ou como


um reforço da aprendizagem, práticas que tornam o uso do filme completamente inócuo ou reduzido a um mero questionário de luxo. O papel do filme na sala de aula é o de provocar uma situação de aprendizagem para alunos e professores. A imagem cinematográfica precisa estar a serviço da investigação e da crítica a respeito da sociedade em que vivemos. Trata-se, portanto, de um movimento de apropriação cognitiva da relação espaço-imagem e, principalmente, da criação de sujeitos produtores de conhecimento de si mesmo e do mundo.” (CARLOS, 2006, p. 112)

Compreender a importância e possibilidades que esse recurso oferece contribui para o planejamento de aulas que favorecem a formação de sujeitos construtores do próprio conhecimento e que também sejam capazes de compreender as imagens que lhe são transmitidas, não só através do cinema, mas de todos os demais meios de comuSabemos, contudo, que o educador tem um tempo cada vez mais escasso por conta das demandas que são exigidas no dia a dia, já que muitos de nós temos de trabalhar dois ou três turnos nas escolas e ainda temos de cuidar das nossas casas e famílias e, dessa forma, nos resta pouquíssimo tempo para buscar recursos adequados para as nossas aulas. Para facilitar a nossa procura podemos utilizar os documentários exibidos na TV a cabo ou por satélite, que explorem temas como tempo e clima, viagens e paisagens. Temos também páginas especializadas na internet para consultarmos bancos de dados de filmes: www.adorocinema.com.br www.curtaocurta.com.br www.vervideo.com.br

91 A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia

nicação de forma crítica.


No trabalho intitulado Cinema, Geografia e sala de aula, de Rui Ribeiro de Campos, encontramos diversas sugestões de filmes, catalogados por temas específicos. Outro recurso importante para as aulas de Geografia é o estudo do meio, também conhecido como aula-passeio ou estudo de campo, mas não importa a nomenclatura utilizada, e sim o que o educador pensa e faz durante esses momentos ricos e inesquecíveis que os estudantes podem vivenciar. O estudo do meio oferece a possibilidade de unir a teoria à prática, de trazer para a vida real os conteúdos que são explorados na sala de aula, unindo os acontecimentos que ocorrem dentro e fora da sala de aula. Temos a possibilidade de ampliar e construir novas relações e conceitos sobre a diversidade de pessoas, lugares e épocas. Esse recurso, assim como os outros, pode e deve ser utilizado tanto na Educação Infantil como no Ensino realmente um recurso inesgotável se for criteriosamente pla-

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

Fundamental. Contudo, é importante ressaltar que deve ser 92

nejado – como todas as situações educativas devem ser –, conforme o objetivo que o educador queira atingir, o conteúdo a ser explorado, a idade e o nível de desenvolvimento socioemocional apresentado por cada grupo. Isso significa dizer que o estudo do meio deve ser pensado antes da sua execução, primeiramente pelo educador/ educadora durante a etapa do planejamento, depois com atividades que envolvam a criança e o jovem, demonstrando para eles a importância de vivenciar in loco esse conteúdo. É preciso deixar claro o objetivo, elaborar os procedimentos do que se deseja ser observado/vivenciado, preparar o material e os “combinados” necessários para um bom convívio com o grupo. No entanto, ao concluir o estudo do meio não podemos simplesmente passar para outro conteúdo encerrando-o em si mesmo, mas ao retornarmos para a escola, seja no mesmo dia


ou no dia seguinte, temos de reorganizar os dados, conteúdos e experiências possibilitadas com a sua vivência. Todas essas atividades podem ser realizadas isoladamente ou em conjunto, de acordo com os objetivos e os conteúdos estabelecidos para cada etapa escolar e o desejo do educador/educadora em oferecer ao seu grupo de estudantes aulas mais dinâmicas e significativas.

SÍNTESE Nesta unidade foi possível compreender a inter-relação existente entre os saberes geográficos e a construção da cidadania. Quando abrimos espaços em nossas salas para os conteúdos que compõem o currículo de Geografia com uma visão crítica, em que a finitude da Terra, a sua ocupação e a partilha e a permeabilidade das fronteiras sejam temas persoas mais conscientes de seus direitos e com maior preparo

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para lutar para que estes sejam respeitados. Podemos utili-

A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia

manentes de discussões, possibilitamos a formação de pes-

zar os recursos de que dispomos para oferecer aulas dinâmicas, em que a realidade esteja sempre vinculada aos saberes e vivências oferecidas aos estudantes, para que eles se tornem capazes de compreender criticamente a realidade do seu espaço vivido e percebido. Transformar a música, o mapa, o filme e o estudo do meio em recursos didáticos favoráveis ao aprendizado depende exclusivamente da vontade e criatividade do educador e da educadora.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO Como podemos tornar esses recursos realmente eficazes nas aulas de Geografia?


Ao elaborar o seu planejamento da disciplina de Geografia você está atento/atenta para relacionar o conteúdo com a construção da cidadania?

LEITURAS INDICADAS ALMEIDA, A. C.; GAMA, A. Geografia, conhecimento do espaço e cidadania. s.d. Disponível em: <https://estudogeral. sib.uc.pt/bitstream/10316/12977/1/Geografia,%20conhecimento%20do%20espa%C3%A7o%20e%20cidadania.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014. CAMPOS, R. R. de. Cinema, Geografia e sala de aula. Disponível em: http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index. php/estgeo/article/view/216/177. Acesso em: 30 jul. 2014.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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CAVALCANTE, M. B. A importância do ensino da Geografia para a construção do conhecimento e da cidadania. Disponível em http://www.psicopedagogia.com.br/opiniao/opiniao. asp?entrID=661 Acesso em: 17 nov. 2008. PINHEIRO, E. A.; MENDONÇA, B. A.; SILVA, G. J. da; GONÇALVES, O. de O.; CHAVES, T. S. O Nordeste brasileiro nas músicas de Luiz Gonzaga. Caderno de Geografia, Belo Horizonte, v. 14, n. 23, p. 103-111, 2º sem. 2004. Disponível em: http://www.pucminas.br/documentos/geografia_23_art06.pdf. Acesso em: 30 jul. 2014

SITE INDICADO http://revistaescola.abril.com.br/geografia/fundamentos/evolucao-blocos-economicos-449624.shtml


REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. C.; GAMA, A. Geografia, conhecimento do espaço e cidadania. s.d. Disponível em: <https://estudogeral. sib.uc.pt/bitstream/10316/12977/1/Geografia,%20conhecimento%20do%20espa%C3%A7o%20e%20cidadania.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014. ALMEIDA, R. D. de; PASSINI, E. Y. O espaço geográfico: ensino e representação. 15. ed. São Paulo: Contexto, 2006. - (Repensando o Ensino) BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC, 1997. CAMPOS, R. R. de. Cinema, Geografia e sala de aula. Dispophp/estgeo/article/view/216/177. Acesso em: 30 jul. 2014. CARLOS, A. F. A. (Org.). A geografia na sala de aula. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando o ensino). CAVALCANTE, M. B. A importância do ensino da geografia para a construção do conhecimento e da cidadania. Disponível em: http://www.psicopedagogia.com.br/opiniao/opiniao. asp?entrID=661 Acesso em: 17 nov. 2008. KOZEL, S.; FILIZOLA, R. Didática de geografia: memórias da terra: o espaço vivido. São Paulo: FTD, 1996. (Conteúdo e Metodologia).

95 A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia

nível em: http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.


Medidas de comprimento. Disponível em: <http://www.regiaooficina.googlepages.com/CARTOGRAFIA.doc>. Acesso em: 07 nov. 2008. MOREIRA, S. A. G. Linguagem cartográfica e prática docente na rede municipal de ensino de Uberlândia – MG – 2003. 2005. 167 f. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2005. Disponível em: <http://repositorio.ufu.br/handle/123456789/1258 >. Acesso em: 30 jul. 2014. PINHEIRO, E. A.; MENDONÇA, B. A.; SILVA, G. J. da; GONÇALVES, O. de O.; CHAVES, T. S. O Nordeste brasileiro nas músicas de Luiz Gonzaga. Caderno de Geografia, Belo Horizonte, v. 14, n. 23, pp. 103-111, 2º sem. 2004. Disponível em: http://www.pucminas.br/documentos/geografia_23_art06.pdf. Acesso em: 30 jul. 2014.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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A importância dos saberes geográficos para a construção da cidadania e os aspectos relevantes para o planejamento das aulas de Geografia

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C ritérios de seleção e organização dos conteúdos para a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental



“Não se transforma o mundo com um ato do desejo. Porém, o mundo não se transforma sem o ato do desejo.” [Ernest Mandel]

Muitos educadores e educadoras pensam que os recursos tecnológicos vieram para substituí-los, mas sabemos que, se bem utilizados, eles podem se transformar em materiais didáticos valiosos, porém, isso depende do uso e dos objetivos que fazemos deles. Mesmo diante de tantas reflexões e descobertas realizadas nos últimos anos sobre a importância da Geografia e de seus conteúdos, percebemos que o ensino dela ainda tem como base o uso do livro didático e a aula expositiva – na qual o educador permanece o dono da verdade. Em seu planejamento, o professor utiliza como critério noções ou conceitos decisivos para compreender os fenômenos sociais, culturais ou naturais que são o tema central da sua explanação descritiva.


Vale ressaltar que essa aula quase sempre não apresenta preocupação em contextualizar esses saberes com a realidade em que as crianças e jovens estão inseridos. Ao final, para certificar-se de que o conteúdo foi aprendido, são aplicados exercícios de memorização ou trabalhos de leitura para avaliar o rendimento de cada um. Buscando práticas mais atuais, a Geografia vem propondo um ensino mais significativo, em que os diferentes aspectos sejam explorados com as crianças nas diversas etapas da educação escolar, ou seja, os conteúdos devem ser trabalhados em várias oportunidades para que os estudantes consigam ampliar suas descobertas e formular novas compreensões sobre esses saberes. Quando exploramos a Geografia nessa perspectiva,

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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possibilitamos que as crianças compreendam a relação existente entre a sociedade e a natureza, através do desenvolvimento da capacidade de identificar e refletir sobre a realidade e seus diversos aspectos. Mas, afinal como podemos favorecer uma visão tão complexa da realidade se ainda insistimos em realizar aulas expositivas enfadonhas que privilegiam apenas os conteúdos descritos no livro didático?

Para tanto é imprescindível inserir em nossas aulas procedimentos que permitam ao aluno: questionar, levantar e comparar hipóteses, observar, descrever, documentar, representar, pesquisar, representar e registrar. É importante dizer que não nos referimos apenas aos registros escritos, mas à construção de maquetes e mapas, aos desenhos e outras tantas maneiras de representação que a criatividade humana nos oferece. Como nos sugere o Referencial Curricular Nacional (RCN):


“Essas práticas envolvem procedimentos de problematização, observação, registro, descrição, documentação, representação e pesquisa dos fenômenos sociais, culturais ou naturais que compõem a paisagem e o espaço geográfico, na busca de formulação de hipóteses e explicações das relações, permanências e transformações que aí se encontram em interação.” (BRASIL, 1997, p.115)

Ao incluirmos a utilização desses procedimentos em nossas aulas, estamos permitindo que os estudantes conheçam e aprendam a operar com os mesmos procedimentos utilizados pelos geógrafos para desenvolver e explicar seus estudos científicos. Por meio da exploração desses procedimentos eles poderão:

Fica claro que, para termos êxito nesse trabalho é necessário propormos um estudo conjunto entre a sociedade e a natureza, compreendendo essa não só como os elementos biofísicos de uma paisagem, mas também como resultado do trabalho humano. Esses estudos não devem ser apresentados de forma hierárquica, começando dos conteúdos locais para os mundiais, já que as crianças estão inseridas no mundo e seu contato não se reduz a um único lugar, elas podem se interessar por diversos lugares e o espaço em que vivem nem sempre é o real imediato. Destacamos também a importância de trabalharmos durante toda a escolaridade a relação entre as realidades locais e mundiais, pois sabemos que os fatos estão inter-relacionados, um acontecimento ocorrido em um país

103 Critérios de seleção e organização dos conteúdos para a Educacão Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental

“[...] aprender a explicar, compreender e até mesmo representar os processos de construção do espaço e dos diferentes tipos de paisagens e territórios.” (BRASIL, 1997, p. 115-116)


influencia e modifica os fatos de outro lugar. Dessa forma, as crianças desde pequenas podem e devem ser incentivadas a conhecer e explorar o mundo à sua volta, com um trabalho bem planejado e integrado aos diferentes aspectos oferecidos pela Geografia. Sabemos que o tema cartografia já foi explorado anteriormente, mas nunca é demais destacar sua importância nos estudos geográficos. Muitas vezes considerada um conteúdo reservado para crianças maiores, a linguagem cartográfica precisa ser ensinada e explorada desde cedo nas instituições escolares, isso porque a Geografia baseia-se no estudo de imagens, utilizando linguagens diferentes para conseguir informações e expressando de variadas maneiras as suas interpretações, hipóteses e conceitos.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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Entendemos a cartografia não só como a leitura de mapas, mas especialmente como a capacidade de representação do espaço, através da síntese de informações, do estudo de situações e da expressão de conhecimentos. Você percebe a importância da linguagem cartográfica em sua vida? Quantas vezes precisou se localizar em um determinado lugar e teve dificuldades? Ou recebeu informações confusas que pouco contribuíram para a sua localização? Você saberia ler um mapa?

No entanto, explorar a cartografia no espaço escolar não significa que temos de solicitar que o estudante pinte e copie os mapas ou localize rios e oceanos, ou ainda, que memorize o mapa de determinada localidade. Devemos explorar esse conteúdo que envolve uma linguagem específica, pois se utiliza de símbolos proporcionalmente projetados e ordenados para atender as necessidades humanas, sejam cotidianas ou específicas, com o objetivo de formar pessoas que represen-


tam e criam signos para o espaço e que leem as informações expressadas no mapa. Hoje vivemos em uma sociedade em que o conhecimento é uma das “moedas” mais valorizadas e a informação nos chega a todo instante, como podemos então definir quais saberes devemos privilegiar no currículo?

Para responder a essa pergunta, temos de nos propor a refletir sobre outros questionamentos: • Qual é a concepção de educação e de estudante em que você acredita e defende? • Que tipo de estudante você deseja formar? social, emocional e cognitiva do grupo em que você está atuando? • O que você pretende com o ensino dessa disciplina? Se, ao respondermos essas perguntas, concordamos que os saberes geográficos possibilitam às crianças e jovens perceberem com maior clareza os limites e responsabilidades que devem ter com relação às suas ações individuais e coletivas – relacionadas não só com o lugar onde vivem, mas também com seu país e com o mundo – precisaremos, então, selecionar criteriosamente os conteúdos de relevância social, com o intuito de favorecer o desenvolvimento de cidadãos plenos. Essas temáticas devem focar a construção da identidade dos estudantes com o espaço vivido, sem se esquecer de considerar sua relação com o âmbito nacional, a partir da valorização da nação brasileira e do seu patrimônio cultural e ambiental, característico da população que o compõe e do

105 Critérios de seleção e organização dos conteúdos para a Educacão Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental

• Quais os conteúdos que auxiliaram a formação


seu espaço físico, ou seja, conscientizando-se das semelhanças e diferenças existentes em um país multifacetado, em que coexistem múltiplas e variadas culturas, definindo assim, distintos grupos sociais, povos e etnias que precisam ser respeitados em suas diferenças. Então posso afirmar que escolhendo os conteúdos socialmente relevantes que considerem as múltiplas e variadas etnias, povos e grupos sociais que constituem o espaço local e nacional estarei contribuindo para a formação de cidadãos conscientes de suas ações individuais e coletivas?

Vale ressaltar que, tão importante quanto a seleção dos conteúdos é possibilitar que os estudantes compartilhem

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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os conhecimentos que possuem sobre a temática estudada com os colegas e o educador, valorizando e respeitando seus conhecimentos. O educador também precisa incentivar mais a formulação de perguntas, oferecendo menos respostas, desenvolvendo os procedimentos relacionados aos pesquisadores/pesquisadoras e favorecendo um ambiente no qual o diálogo seja uma ferramenta explorada diariamente entre os saberes escolares e os saberes científicos.

SÍNTESE Nesta unidade destacamos mais uma vez a importância de tornar os saberes geo-gráficos mais significativos para as crianças e jovens, favorecendo a compreensão das relações existentes entre a sociedade e a natureza, através do desenvolvimento da capacidade de identificar e refletir sobre a realidade e seus diversos aspectos. Refletimos também sobre a seleção dos conteúdos, sua organização e critérios imprescindíveis na constru-


ção de um currículo significativo, baseando nossas discussões a partir das sugestões oferecidas pelo RCN e pelos PCNs para o ensino de Geografia na Educação Infantil e no Ensino Fundamental.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO E agora, após as reflexões que fizemos até esse momento, seria possível escolher os conteúdos geográficos que devem compor o currículo da Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental?

LEITURAS INDICADAS metros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC, 1997.

SITES INDICADOS AULA PASSEIO - Disponível em: http://www.procampus. com.br/ensino_aulapasseio.asp AULA PASSEIO - Disponível em: http://www.ipeduca.com. br/site/aula_passeio.asp

REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. C.; GAMA, A. Geografia, conhecimento do espaço e cidadania. s.d. Disponível em: <https://estudogeral.sib.uc.pt/ bitstream/10316/12977/1/Geografia,%20conhecimento%20do%20 espa%C3%A7o%20e%20cidadania.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014.

107 Critérios de seleção e organização dos conteúdos para a Educacão Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâ-


BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC, 1997. CALLAI, H. C. Aprendendo a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0101-32622005000200006&script=sci_ arttext. Acesso em: 13 out. 2008. CARLOS, A. F. A. (Org.). A geografia na sala de aula. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando o ensino). CAVALCANTE, M. B. A construção do conhecimento no en-

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

108

sino da geografia. Disponível em: http://artigos.com/artigos/ educacao/a-construcao-do-conhecimento-no-ensino-de-geografia-947/artigo/. Acesso em: 13 out. 2008. KOZEL, S.; FILIZOLA, R. Didática de geografia: memórias da terra: o espaço vivido. São Paulo: FTD, 1996. (Conteúdo e Metodologia). RISCHBIETER, L. Geografia: a mais importante de todas as matérias da escola? Só se o mundo for uma bola! Disponível em: <http://www.educacional.com.br/articulistas/luca_ bd.asp?codtexto=586>. Acesso em: 24 jul. 2014. SUERTEGARAY, D. M. A. Espaço geográfico uno e múltiplo. Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/sn-93.htm. Acesso em: 27 jun. 2007.


Critérios de seleção e organização dos conteúdos para a Educacão Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental

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S ugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental



6.1 S ugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo. Os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo” [Paulo Freire]

Nesta unidade, continuaremos refletindo sobre a construção do currículo – conhecimento de mundo. A tarefa de selecionar conteúdos é muito árdua, pois temos sempre a impressão de que estamos excluin-


do assuntos importantes para a formação de nossos edu-candos. Ainda mais quando verificamos a quantidade de informações a que eles estão expostos, todos os dias, através dos meios de comunicação de massa. Então, ficamos a nos questionar como podemos fazer essa escolha de forma criteriosa e de acordo com o tempo que nos é disponibilizado para cada disciplina. Contudo, temos um instrumento que certamente nos auxiliará nesse difícil processo de seleção, mas que não deve ser utilizado como o único capaz de nos indicar caminhos, ou como um manual ao qual devemos seguir todos os pas-

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

114

sos sem refletir sobre o conteúdo apresentado. Estamos falando do RCN produzido pelo Ministério da Educação e do Desporto em 1998. Esse material, como o nome já diz, trata-se de referenciais que serão muito úteis, nos trazendo sugestões para construirmos um currículo para as crianças na faixa etária de 0 a 5 anos, pois, como já sabemos, a partir de 6 anos a criança entrará no primeiro ano do Ensino Fundamental. Com o objetivo de construir diferentes conhecimentos e aprendizagens sobre o ambiente natural e o ambiente social o RCN, no seu volume 3, intitulado Conhecimento de Mundo, sugere o eixo Natureza e Sociedade, destacando três blocos de conteúdos para explorar os saberes geográficos com crianças de 0 a 5 anos: • Organização dos grupos e seu modo de ser, viver e trabalhar; • Os lugares e suas paisagens; • Objetos e processos de transformação. Destacamos, contudo, que na Educação Infantil não existe a separação entre História e Geografia, por essa razão é


importante que, ao construir o currículo com os saberes geográficos para cada grupo, o educador/educadora reflita sobre os temas propostos no RCN e sua ligação com o espaço geográfico. Dessa maneira, será mais fácil diferenciar esses saberes dos conteúdos históricos. Vamos analisar então o primeiro bloco de conteúdos propostos pelo RCN.

6.1.1 Organização dos grupos e seu modo de ser, viver e trabalhar Nesse bloco o objetivo é possibilitar que as crianças no, conheçam melhor os espaços de construção do conhecimento social e estabeleçam novas formas de relação e de contato com uma grande diversidade de costumes, hábitos e expressões culturais. Pois, ao adentrar a instituição escolar os pequenos já trazem conhecimentos sobre a família, os amigos, os vizinhos, a igreja etc, adquiridos a partir da sua vivência nesses espaços, são os conhecimentos prévios. Como podemos explorar a Geografia a partir desse bloco? A primeira dica seria: conhecimentos sobre a vida social no entorno. Qual o entorno da criança? O entorno, como o próprio nome já diz, é o que está ao seu redor, ou seja, a casa, a escola, o bairro, a cidade etc. Começamos a explorar o entorno pelo espaço que a criança melhor conhece: sua casa. A criança deverá compreender como é esse espaço, de que material é feito, quem construiu, qual a sua finalidade, perceber também que as moradias são

115 Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental

ampliem seus conhecimentos sobre a vida social no entor-


diferentes, já que são construídas de acordo com o ambiente em que se encontram. Para isso, os pequenos podem ser convidados a desenhar suas casas, comparando-as com as dos colegas e também com as fotos de outras moradias, podem organizar em um mapa aquelas que ficam próximas ou longe da escola. Um bom recurso é a utilização da literatura, como por exemplo: Os três porquinhos, João e Maria, Os três lobinhos e o porco mau, entre outras. Além de ouvir, as crianças devem ser convidadas a dramatizar, brincar e desenhar essas histórias. Depois podemos explorar a escola, visitando seus espa-

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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ços, conhecendo a finalidade de cada um deles, desenhando, construindo maquetes, com materiais diversificados e, preferencialmente, aqueles que seriam descartados. Enquanto transferem a escola para o papel (ou outros materiais) as crianças têm a oportunidade de refletir sobre o espaço vivido e também devem ser instigadas a estabelecer as relações entre esses espaços e as pessoas que ali trabalham. Outra sugestão é convidá-los a modificar esse espaço: o que colocariam e o que seria retirado? Fazer um registro do caminho que percorrem entre a casa e a escola. O que encontram nesse percurso? É perto ou longe? Que meio de transporte utilizam para chegar? Como é esse ambiente? Quais os elementos que podem servir de referência? Etc. À medida que as crianças asseguram o conhecimento dos espaços já conhecidos, começamos a explorar outros espaços como o bairro, a cidade e, assim, vamos ampliando seus conhecimentos sobre as diferentes organizações que foram/são adotadas pelo homem para melhorar a sua vida. Não podemos nos esquecer de explorar a diversidade de costumes, hábitos e expressões culturais que são específicos de cada um desses espaços trabalhados. É importante aproveitar esses momentos para conhe-


cer e explorar a organização escolar, familiar e comunitária que são adotadas por outros grupos diferentes daqueles que cercam a criança. Assim elas terão oportunidade de estabelecer semelhanças e diferenças entre as pessoas dos diversos grupos socioculturais: tipos de moradia, escolas, vestimentas, alimentação, músicas, jogos, brincadeiras, lazer, brinquedos, trabalhos exercidos pelos seus membros etc. Leia algumas curiosidades sobre o funcionamento da escola no Japão:

O Japão segue uma metodologia padronizada de ensino. O material didático é selecionado de acordo com a região. Entretanto, todos os colégios seguem as mesmas regras, utilizam o mesmo material didático e possuem as mesmas atividades. Os jovens estudam em período integral de segunda a sábado, mais ou menos das oito horas da manhã até quatro ou cinco horas da tarde. É por isso que as mar-mitas são quase itens obrigatórios na mochila do pessoal. [...] São os alunos os encarregados da limpeza da própria sala (por isso, muitas vezes eles têm de chegar mais cedo para dar uma ajeitada na sala antes da aula, enquanto outros ficam depois da aula pra arrumar a bagunça). Assim como nas casas, também é costume tirar os sapatos. Só que os alunos não ficam andando de pantufas ou de meias pela escola. É por isso que eles trocam os calçados que usam fora da escola por outros. Os outros sapatos ficam guardados em armários que não ficam trancados. [...] As crianças japonesas ingressam na escola primária aos seis anos de idade. Apesar do 1º grau ter nove anos, os japoneses chegam ao 2º grau na mesma idade que nós. Eles frequentam o primário durante seis anos. A maioria dessas escolas não tem uniforme. Recentemente, algumas delas estão tornando obrigatório o uso de chapéus ou capacetes amarelos para fins de segurança no trânsito. Nesses seis anos de ensino fundamental eles aprendem as

117 Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental

Conheça como é a escola no Japão!!!


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disciplinas básicas e também teoria musical, artes cênicas, culinária, corte e costura... Além de aprender a tocar flauta doce, em música, aprendem também a compor canções. Em ciências estudam desde a astronomia até a construção de robôs. Estudam também as sete artes (arquitetura, cinema, escultura, literatura, música, pintura, teatro) e também a dançar. Logo após o primário, o estudante cursa obrigatoriamente três anos da 1ª fase do segundo grau (o que pra nós seria o equivalente ao ginásio). A maioria deles tem uniforme: os rapazes usam uniforme preto em estilo militar e as moças usam uniformes azul-marinho em estilo marinheiro (seeraa-fuku). Depois de três anos obrigatórios da escola de 2º grau, o estudante pode cursar mais três anos de colegial e, se quiser passar nos exames vestibulares, terá de estudar freneticamente. Nesse período os pais não poupam dinheiro ou trabalho para ajudar os filhos a entrar na melhor universidade possível. Os cursos universitários duram quatro anos (assim como a maioria aqui no Brasil) e os estudantes devem se especializar em algum ramo. [...]

6.1.2 Os lugares e suas paisagens Esse segundo bloco possibilita o conhecimento dos elementos que compõem a natureza, bem como da ação do homem em sociedade. Assim, a criança ampliará a sua compreensão da realidade social e natural e descobrirá novas formas de intervir, já que a paisagem que conhecemos não pode mais ser considerada como um conjunto de elementos naturais, mas sim, o resultado da ação tanto natural quanto humana. “Se por um lado, os fenômenos da natureza condicionam a vida das pessoas, por outro lado, o ser humano vai modificando a paisagem à sua volta, transformando a natureza e construindo o lugar onde vive em função de necessidades diversas - para morar, trabalhar, plantar, se divertir, se deslocar etc. O fato de a organização


dos lugares ser fruto da ação humana em interação com a natureza abre a possibilidade de ensinar às crianças que muitas são as formas de relação com o meio que os diversos grupos e sociedades possuem no presente ou possuíam no passado.” (BRASIL, 1998, p. 183-184)

Como no bloco anterior, iniciamos a exploração dos conteúdos a partir dos espaços conhecidos, até alcançar os espaços concebidos, por isso iniciamos a nossa caminhada conhecendo o que as crianças já sabem sobre os lugares e suas paisagens, levantando questionamentos: como é o local a vegetação? Quais os animais e as plantas que pertencem a esse local? Quais sons são mais comuns? Como é o clima? Para conhecer a paisagem local podemos desenhar, fazer maquetes, propor passeios pelos arredores da escola, pelo bairro ou mesmo pela cidade, observar fotografias e voltar a fazer registros, comparando o que a criança já sabia sobre esses lugares com o que descobriu. Não podemos, no entanto, ficar restritos a um único local, precisamos ampliar esse olhar, através do estabelecimento de semelhanças e diferenças entre os diferentes lugares. Para isso, podemos assistir a filmes ou a programas de televisão, chamando a atenção para as paisagens retratadas; usar a literatura; observar postais e fotos de lugares distantes, parecidos ou diferentes. Vale lembrar que não podemos deixar de explorar esses temas com um olhar reflexivo, por isso, conhecer apenas não basta, é necessário lançar questionamentos para que os pequenos percebam e compreendam por que os lugares e as paisagens são diferentes, por que existem alguns animais e plantas em um lugar e não no outro, por que em um lugar chove muito e em outro faz calor, por que um sofre com enchentes e outro com furacões e como podemos melhorar esses espaços.

119 Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental

em que você mora? Tem rios, montanhas ou praias? Como é


Sabemos, contudo, que algumas diferenças são promovidas não apenas pela ação da natureza, mas principalmente pela ação dos homens. E para compreender essas diferenças o educador/educadora deve conduzir seus estudantes com criticidade e provocar questionamentos necessários, a fim de tornar nossos estudantes mais críticos. Pensar sobre os diferentes tipos de moradias, a infraestrutura oferecida em cada bairro e os meios de transportes utilizados pelos diversos grupos socioeconômicos são algumas questões necessárias para a formação de um olhar crítico sobre a realidade do espaço vivido. Organizar as referências das fotos

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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Pensar também que essa é uma ótima oportunidade para levantarmos hipóteses sobre os cuidados necessários para a conservação de cada ambiente, afinal, é o nosso espaço vivido e concebido e precisamos preservá-lo.

6.1.3 Objetos e processos de transformação Nesse bloco de conteúdo a criança poderá conhecer as relações entre os homens e a natureza, os diversos modos de transformação e utilização dos recursos naturais desenvolvidos pelas variadas culturas, em sua relação com o ambiente natural. Conhecer as características de cada objeto, como é utilizado, a partir de quais materiais foi construído e por que foi elaborado possibilita que as crianças compreendam o mundo à sua volta. Quando pensamos nos objetos e seus processos de transformação temos também de inserir nesse contexto os cuidados necessários para utilizá-los com segurança, evitando assim acidentes e promovendo a sua conservação. Para explorar esse assunto, podemos propor diversas atividades, entre elas estão a dramatização de acidentes e como evitá-los. A utilização da literatura como, por exemplo: Com perigo não se brinca e Uma história sem um sentido são algu-


mas sugestões que podem ser utilizadas. Os homens constroem objetos para suprir suas necessidades. É esse conceito que temos de transmitir aos estudantes, lançando desafios para que solucionem possíveis problemas. Uma sugestão é pedir que eles construam um meio de fazer um boneco ir de um lado a outro da sala com materiais diversos: madeira, palito, cordão, tecidos, caixas etc. Assim podemos começar a explorar os meios de transporte. Aproveitamos essa oportunidade para refletir sobre como eles modificaram a vida humana e a paisagem, pois foi necessário abrir estradas, construir pontes e túneis para peros benefícios e prejuízos que os meios de transporte possibilitam, tanto para as pessoas quanto para a natureza. Como já foi dito anteriormente, essas são apenas sugestões que podem nos ajudar a encontrar o nosso próprio trajeto, pois podemos começar utilizando-as e aos poucos vamos modificando, transformando e reorganizando o currículo que queremos oferecer aos nossos pequenos, de acordo com as necessidades apresentadas por cada grupo, faixa etária e região.

6.2 S ugestão de saberes geográficos para os anos iniciais do Ensino Fundamental “Aprende-se na vida e para a vida. Não há portanto preparação para a aprendizagem, como não o há para a vida” [Maria Tereza Esteban]

121 Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental

mitir a sua passagem. É uma excelente chance para perceber


Nesta unidade faremos importantes reflexões que favoreçam a construção de um currículo significativo, criativo e envolvente, voltado para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Para nos auxiliar na formulação desse currículo com os saberes geográficos considerados mais relevantes e necessários para a faixa etária dos 6 aos 10 anos, ou seja, do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental, buscaremos o apoio dos PCNs de História e Geografia, assim como o Referencial Curricular Nacional como suporte nessa caminhada. Os PCNs dividem os anos iniciais do Ensino

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Fundamental em dois ciclos: o primeiro começa no primeiro ano com as crianças de seis anos (a antiga alfabetização) e vai até o terceiro ano com as crianças de oito anos, em média (antiga 2ª série); o segundo ciclo compreende o quarto e o quinto ano (antigas 3ª e 4ª séries). Na primeira etapa correspondente ao primeiro ciclo é sugerido o bloco temático O Estudo da Paisagem Local. A partir desse estudo são sugeridos os seguintes temas: • Tudo é natureza; • Conservando o ambiente; • Transformando a natureza: diferentes paisagens; • O lugar e a paisagem. A partir desses conteúdos deseja-se que a criança desse ciclo perceba, na paisagem local e no espaço vivido, as diversas manifestações da natureza e a sua apropriação pela ação da sociedade na qual está inserida, comparando-a com outras localidades, reconhecendo diferenças e semelhanças no modo com que os diversos grupos sociais se apropriam da natureza e a transformam.


Espera-se que a criança, utilizando os referenciais de localização, orientação e distância para se movimentar com autonomia, represente os lugares onde vive e se relaciona, reconhecendo a importância de uma atitude responsável no cuidado com a natureza. Vamos conhecer mais detalhadamente cada tema sugerido:

6.2.1 Tudo é natureza Muitas vezes nos enganamos acreditando que a natureza só pode ser percebida em paisagens ou em parques e mos que os elementos da paisagem natural podem ser observados em muitos lugares, seja nos nossos hábitos diários, nas nossas casas, escolas, bairros, cidades ou nas atividades sociais, culturais e econômicas. Como podemos identificá-los? Percebendo de onde vem a matéria-prima utilizada na fabricação dos nossos alimentos e dos demais objetos e produtos que utilizamos, como eles são transformados e como é feita essa apropriação. Com as crianças podemos explorar esses conteúdos a partir de atividades que promovam a observação e a descrição da natureza presente em seu entorno, a fim de que elas percebam a sua presença tanto em elementos naturais quanto nos elementos modificados pela ação do homem. Aproveitamos também essa oportunidade para que notem o trabalho desempenhado pelo ser humano na transformação dos elementos naturais e as técnicas e instrumentos utilizados nessa apropriação e modificação, tanto no seu entorno no tempo atual como em outros tempos, espaços e sociedades. As relações afetivas e singulares das pessoas com os espaços, sejam naturais ou modificados, e suas características biofísicas são outras vertentes interessantes de estudo: os

123 Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental

espaços verdes preservados nas cidades. No entanto, sabe-


animais e plantas existentes nessa localidade, se são endêmicos ou não, suas características, as formas de lazer oferecidas e como as artes manifestam essa natureza.

6.2.2 Conservando o ambiente Depois de reconhecer “[...] a presença da natureza em tudo que está visível ou não na paisagem local” (BRASIL, 1997, p. 132) a próxima etapa poderá ser a compreensão das relações que as pessoas estabelecem com a natureza, o modo de produção, o fazer do cotidiano e as tecnologias e formas mais conscientes de se relacionar com a natureza.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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Destacamos nesse bloco, conteúdos como: produção e destino do lixo; coleta seletiva; abastecimento de água; uso consciente da água e da energia elétrica e dos recursos naturais; produção e conservação dos alimentos; conhecimento de formas menos poluentes de energia (solar, eólica e biomassa) etc. Esse trabalho com a preservação da natureza e seus recursos deve ser permanente e não apenas durante a semana do meio ambiente, como é muito comum nas instituições escolares. Utilizar as situações experimentadas diariamente pelas crianças é ótimo para propor questionamentos sobre as nossas atitudes com a natureza. Uma situação comum é o desperdício de material ou de alimento. Podemos usar isso como ponto de partida para refletirmos sobre a importância de utilizarmos de forma consciente os recursos naturais, pois quanto mais gastamos papel ou jogamos fora comida, mais recursos são retirados da natureza e, assim, terminamos favorecendo o desmatamento e o gasto de água e energia.

6.2.3 Transformando a natureza: diferentes paisagens As paisagens são sempre iguais? Por que elas são modificadas? Quais as consequências que trazem para o ambiente


e para a própria sociedade? Esses e outros questionamentos podem ser respondidos a partir dos questionamentos e da curiosidade das crianças em relação ao local onde vivem e a outros lugares. Conhecer os motivos que causaram a transformação dos lugares e ambientes e seus aspectos positivos e negativos é o objetivo principal desse bloco temático. Pesquisar como outros grupos sociais, culturais, étnicos e econômicos se relacionam com a natureza e a modificam também pode ser um excelente caminho a ser trilhado. Leia este trecho que traz as transformações que ocorreram com o Farol de Itapuã: A transformação do Farol de Itapuã, antes integralmente militar, em área turística é, segundo moradores, um fenômeno recente. Há vinte anos, apenas árvores e animais de espécies distintas compunham o espaço físico. A visitação era feita por pescadores e por profissionais da Marinha que trabalhavam no Farol. A comercialização, por meio de barracas e vendedores ambulantes, só integrou o lugar depois. “As primeiras barracas apareceram há dezoito anos”, afirma Tereza Holanda, 54, barraqueira em Itapuã. Com uma estrutura de aço e gerenciado por um sistema automático de informação, o Farol realiza diariamente as suas funções. Antes, quando não era otimizado por um processo automático, a sua projeção luminosa mar adentro era feita manualmente por um profissional denominado Faroleiro. Mas, com o advento da tecnologia informatizada, não se faz mais necessário. O Faroleiro, agora, desenvolve trabalhos de manutenção, como o conserto da maquinaria (sic).

6.2.4 O lugar e a paisagem Ao escolhermos um lugar para morar, usamos alguns critérios que nos ajudam a defini-lo, seja por causa do aspecto financeiro, saneamento básico, transporte coletivo bom e variado naquela localidade e conveniências como posto de

Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental

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saúde, farmácia e supermercado. Ou simplesmente porque temos uma relação afetiva com esse espaço. Nesse bloco o objetivo é aprofundar o conhecimento sobre o espaço em que as crianças vivem, como o percebem e como esse lugar ajuda na composição da paisagem. A criança deve estudar as condições em que se localiza a sua casa, sua escola e o seu bairro, como são as casas desse local, se é asfaltado, se possui saneamento básico, se tem escolas, farmácias, postos de saúde, espaços destinados para o lazer etc; destacando os motivos que influenciaram a escolha desse local. É importante compreender também as

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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regras que devem ser utilizadas dentro e fora de cada um desses lugares, refletindo sobre as razões que levaram à sua escolha, por que são necessárias e como auxiliam na configuração desses espaços. Para o segundo ciclo, quarto e quinto ano do Ensino Fundamental, os PCNs sugerem o estudo das Paisagens urbanas e rurais, suas características e relações, contendo os seguintes blocos temáticos: • O papel das tecnologias na construção de paisagens urbanas e rurais; • Informação, comunicação e interação; • Distâncias e velocidades no mundo urbano e no mundo rural; • Urbano e rural: modos de vida. Esse bloco possibilitará o reconhecimento e a comparação dos elementos sociais e naturais que compõem paisagens urbanas e rurais do Brasil, identificando semelhanças e diferenças entre os modos de vida das cidades e do campo. Busca-se ainda conhecer o papel da informação, da comuni-


cação, das tecnologias e dos transportes na composição dessas paisagens e da vida da sociedade, estabelecendo relações entre as ações dos grupos e suas consequências ambientais. Busca-se também a utilização da linguagem cartográfica para representar e interpretar informações, além de oportunizar às crianças observar, descrever, explicar, comparar e representar as paisagens urbanas e rurais.

6.2.5 O papel das tecnologias na construção de paisagens urbanas e rurais

Observando o mapa, um trabalho composto de diversas imagens de satélite tirada do nosso planeta no período da noite, podemos ver as luzes que são utilizadas durante esse momento. A partir desse instrumento podemos fazer a análise das paisagens: “Por que existem paisagens mais e menos iluminadas?”, “Onde os recursos tecnológicos são mais utilizados e por quê?” podem ser alguns questionamentos propostos para que as crianças compreendam o papel dos recursos tecnológicos na construção das paisagens urbanas e rurais. Cada cidade tem um ritmo próprio decorrente do local onde está localizada, das tecnologias utilizadas e do tipo de trabalho que a maioria das pessoas desempenha. Analisando

Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental

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o perfil de cada cidade, bairro, estado ou país é possível compreender como se constituem esses espaços geográficos e como se diferenciam de acordo com o trabalho humano e a maneira como se apropriam da natureza, pois, a partir da tecnologia, foi possível modificar as paisagens do campo e das cidades. Sabemos, contudo que os recursos tecnológicos surgiram para solucionar os problemas que ocorreram ao longo do tempo, e cada sociedade buscou uma maneira de construí-los e utilizá-los. Eis aí mais um foco que pode ser aprofundado: como cada grupo social explora os recursos tecnológicos.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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“Como diferentes setores da sociedade usam e abusam das tecnologias e quais suas responsabilidades perante o meio ambiente, nos desmatamentos, no lançamento de poluentes para a atmosfera. Quem são os atores sociais que definem quais e como se utilizam as tecnologias e quem sofre os prejuízos de seu uso indevido.” (BRASIL, 1997, p. 146)

Não podemos esquecer que toda essa tecnologia traz consequências boas e ruins, conforto e desconforto, benefícios e malefícios. A reflexão sobre esses temas são uma oportunidade ímpar para que as crianças percebam a responsabilidade que temos com a natureza.

6.2.6 Informação, comunicação e interação É inegável que vivemos no século da informação e da comunicação. Hoje nos sentimos mais próximos de países distantes e costumamos sofrer com os problemas vividos em lugares que, muitas vezes, nem conhecemos; ou nos alegramos com situações ocorridas a quilômetros de onde estamos graças à presença dos meios de comunicação. A influência e transformações que ocorreram devido ao fluxo constante de informações, como os meios de comunicação, modificaram e


modificam a vida das pessoas e suas relações com os lugares. São objetos que necessitam de estudo para que as crianças compreendam a sociedade em que estão inseridas. Vale ressaltar, contudo, que não devemos apenas citar os benefícios, mas favorecer uma discussão crítica para que sejam percebidos também os impactos que foram causados na cultura, no comportamento, na linguagem, na moda, no incentivo ao consumismo, na indução do pensamento político e cultural conveniente a cada emissora e na descaracterização das paisagens.

Como podemos perceber, os meios de transporte são o tema a ser tratado nesse bloco, mas não apenas para conhecê-los e classificá-los, mas sim para ampliar a visão dos estudantes, enfocando a influência exercida por eles na vida cotidiana no campo e nas cidades, na vida e no trabalho das pessoas e das paisagens, que se alteram com as construções de viadutos, pontes, túneis e mais vias para receber o fluxo cada vez maior de trânsito. Comparar e estabelecer as semelhanças e diferenças entre os meios de transportes usados na cidade e no campo, no passado e no presente, e nas diferentes partes dos continentes é outra vertente que deve ser explorada. Pode-se também estudar o trânsito, acidentes, atropelamentos, problemas ambientais e de saúde, os combustíveis utilizados, combustíveis alternativos e a combinação álcool e direção.

6.2.8 Urbano e rural: modos de vida Conhecer e respeitar os modos de vida de cada grupo social, o tipo de trabalho que desenvolvem, como se comunicam, os recursos tecnológicos que utilizam e como se divertem

129 Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental

6.2.7 Distâncias e velocidades no mundo urbano e no mundo rural


são aspectos relevantes desse bloco. Mas o seu objetivo principal é a compreensão de como os espaços, sejam urbanos ou rurais, imprimem e favorecem modos de viver diversificados. Sabemos que a paisagem urbana, geralmente, não possibilita mais brincadeiras realizadas nas ruas. O medo de assaltos, a falta de espaços destinados ao lazer e o tráfego intenso de veículos nas ruas são algumas razões que promoveram essa alteração no comportamento dos moradores das grandes cidades.

SÍNTESE

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Muitas vezes acreditamos erroneamente que crianças pequenas, na faixa etária de até cinco anos, são incapazes de pensar e compreender o mundo à sua volta. Contudo, quando nos dispomos a preparar um currículo capaz de favorecer uma ampliação no seu olhar sobre o entorno, destacando semelhanças e diferenças. Refletindo criticamente sobre o mundo vivido, percebido e concebido, estamos no caminho certo para a formação de cidadãos críticos e reflexivos desde a Educação Infantil. Também tratamos da importância de selecionar conteúdos adequados para compor um currículo que favoreça o desenvolvimento cognitivo, físico, social e cultural das crianças na faixa etária dos 6 aos 10 anos; de forma crítica, para que compreendam o seu espaço e consigam atuar sobre ele, sem deixar de perceber as semelhanças e diferenças que ele possui com outros lugares e paisagens. O educando deve compreender que a natureza está presente em tudo, preocupando-se em preservá-la, reconhecendo o papel das tecnologias na construção de paisagens urbanas e rurais, o papel da informação, da comunicação e interação, os modos de vida diferenciados e as distâncias e velocidades presentes no mundo urbano e rural.


QUESTÕES PARA REFLEXÃO Quais critérios podemos utilizar para selecionar conteúdos geográficos significativos para as crianças da Educação Infantil? Existe alguma possibilidade de incluir os conteúdos sugeridos nos PCNs aos currículos já existentes nas escolas em que trabalhamos?

LEITURAS INDICADAS CALLAI, H. C. Aprendendo a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Disponível em: http:// 18 dez. 2008. http://www.klickeducacao.com.br/2006/arq_img_upload/ anexo/188/volume3.pdf

SITE INDICADO http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf

REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. C.; GAMA, A. Geografia, conhecimento do espaço e cidadania. s.d. Disponível em: <https://estudogeral. sib.uc.pt/bitstream/10316/12977/1/Geografia,%20conhecimento%20do%20espa%C3%A7o%20e%20cidadania.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC, 1997.

131 Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental

www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n66/a06v2566.pdf Acesso em:


BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Referencial Curricular Nacional para a educação infantil: Conhecimento de Mundo. Brasília: MEC, 1998. CALLAI, H. C. Aprendendo a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0101-32622005000200006&script=sci_ arttext. Acesso em: 13 out. 2008. CARLOS, A. F. A. (Org.) A geografia na sala de aula. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando o ensino).

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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CAVALCANTE, M. B. A construção do conhecimento no ensino da geografia. Disponível em: http://artigos.com/artigos/ educacao/a-construcao-do-conhecimento-no-ensino-de-geografia-947/artigo/. Acesso em: 13 out. 2008. KOZEL, S.; FILIZOLA, R. Didática de geografia: memórias da terra: o espaço vivido. São Paulo: FTD, 1996. (Conteúdo e Metodologia). RISCHBIETER, L. Geografia: a mais importante de todas as matérias da escola? Só se o mundo for uma bola! Disponível em: < http://www.educacional.com.br/articulistas/luca_ bd.asp?codtexto=586>. Acesso em: 24 jul. 2014. SUERTEGARAY, D. M. A. Espaço geográfico uno e múltiplo. Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/sn-93.htm. Acesso em: 27 jun 2007.


Sugestão de saberes geográficos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental

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(7)

A transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geogrรกficos com esse tema



7.1 A transversalidade no ensino da Geografia Num mundo cada vez mais dinâmico, em que as informações circulam em alta velocidade e atingem pessoas de todas as idades, sexos, grupos sociais, culturais e étnicos, não podemos mais continuar transmitindo os ensinamentos acumulados pelas gerações como algo pronto, acabado e encaixotado em compartimentos separados por disciplina, como se o conhecimento que utilizamos em nossa vida cotidiana também fosse compartimentado. Ou seja, nós não utilizamos os conhecimentos como: “agora vou utilizar os conhecimentos


matemáticos”, “não, agora serão os conhecimentos geográficos”. A vida é dinâmica e nós utilizamos os saberes sem ao menos pensar, ou melhor, classificá-los por área. Sabemos, contudo, que essa divisão das ciências surgiu com o intuito de possibilitar estudos mais específicos. Por sua vez, eles ajudaram a humanidade a entender os “mistérios” do mundo que a rodeia, ampliando o conhecimento em todas as áreas e, consequentemente, acumulando mais e mais

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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o saber. Atualmente, sentimos com maior intensidade a necessidade de retomar a totalidade do objeto de estudo, para que tenhamos uma visão mais completa do todo, pois nesse mundo complexo em que estamos inseridos os conhecimentos fragmentados terminam por nos fornecer um olhar dissociado e alheio, comprometendo, assim, a nossa compreensão dos fatos e acontecimentos. Além do mais, não podemos mais ignorar os fatos e acontecimentos que todos os dias são noticiados nos jornais, nas revistas e nos programas de televisão, que fazem parte das nossas vidas, influenciando-as direta ou indiretamente. “Quando os meios de comunicação mostram incessantemente imagens de terroristas agindo nos mais recônditos cantos do planeta, é possível que a escola ignore isso? E quando o clima do planeta dá sinais de alterações perturbadoras, talvez por influência da atividade industrial humana, é aceitável deixar de discutir isso? É claro que não, a não ser que a escola desista de ter entre seus objetivos o de ajudar a entender o mundo.” (RISCHBIETER, s.d.)

Sabemos que o espaço geográfico possui uma dinâmica natural e outra social, assim, podemos conceituá-lo como uma realidade temporal, resultante dos intensos processos de


apropriação, organização e modificação dos recursos naturais a partir das técnicas de que dispõem e dos interesses políticos e econômicos, crenças, valores e normas sociais. Dessa maneira, não podemos excluir do estudo da Geografia assuntos políticos, culturais e ideológicos inerentes à sociedade atual. Mesmo numa instituição escolar que adote uma metodologia mais tradicional, a Geografia continua sendo uma disciplina importante, por possibilitar abertura para levar dade contemporânea. “Então, a Geografia é importante porque, mesmo na escola mais tradicional, abre espaço para que os problemas reais do mundo sejam discutidos e aprofundados. Esse processo revela um outro aspecto importante dessa disciplina: ela pode englobar abordagens de várias outras matérias. Um bom trabalho provoca a necessidade de pesquisar e discutir questões históricas e científicas, produzir textos de síntese. Levantar dados numéricos e usar a matemática em um sem-fim de tipos de análises. Ou seja, em um trabalho sério de Geografia, todas as disciplinas devem dar sua contribuição; todas as matérias podem “estar contidas” nela. A geografia, veja só que chique, é multi e interdisciplinar!” (RISCHBIETER, s.d.)

Por todas essas razões, observamos que existe atualmente uma tendência para buscar um novo caminho que favoreça uma visão mais completa, ou seja, o rompimento da compartimentação do saber. A proposta dos temas transversais surge, justamente, como uma alternativa viável para romper as limitações impostas pelas especializações do saber. Mas o que é mesmo a transversalidade?

139 A transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geográficos com esse tema

para a sala de aula os problemas reais que permeiam a socie-


De acordo com Ramiro Marques, no Colóquio CIDInE ESE de Coimbra, realizado nos dias 2 e 3 de março de 2007:

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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“A transversalidade pode ser entendida como uma forma de organizar e gerir o currículo em torno de competências e saberes multidisciplinares, centrados em projectos que atravessam várias áreas curriculares, exigindo o contributo de equipes docentes. Em vez da tradicional dispersão curricular pelas disciplinas, opta-se por uma organização do currículo em torno de clusters de saberes e competências. Uma tal organização pressupõe a criação de equipas docentes e uma organização curricular em torno de projectos transdisciplinares. Exige, também, novos modos de ensinar e novos modos de avaliar.” (MARQUES, 2007)

Podemos perceber que essa forma de organização possibilita um diálogo maior entre as disciplinas e transfere o foco dos conteúdos para as habilidades e competências. Ao escolher trabalhar com a transversalidade o educador/educadora precisa empenhar-se na busca de maneiras mais dinâmicas e atrativas de ministrar suas aulas; o que torna mais trabalhoso o ato de ensinar, já que, em muitos casos, “dar aulas” significava apenas realizar a leitura trazida pelo livro didático e o preenchimento do questionário, sem exigir grande esforço ou tempo. Temos também esta definição de Yus (1998, p. 17): “Temas transversais são um conjunto de conteúdos educativos e eixos condutores da atividade escolar que, não estando ligados a nenhuma matéria particular, pode se considerar que são comuns a todas, de forma que, mais do que criar novas disciplinas, acha-se conveniente que seu tratamento seja transversal num currículo global da escola.”


Sendo considerados um conjunto de conteúdos educativos e eixos condutores da atividade escolar, podemos considerar esses temas uma ótima oportunidade para provocar, com maior liberdade, o contato entre a Geografia e as demais disciplinas, e, assim, ampliar o olhar dos estudantes para a compreensão da complexidade do mundo. Desse modo, concordamos com Marcos Bovo (s.d.) quando ele afirma que:

Se pretendemos realmente possibilitar a formação de cidadãos competentes, não podemos continuar a pensar que ensinar é transferir os conhecimentos acumulados pela humanidade. Precisamos possibilitar a discussão de assuntos vinculados à construção e à reconstrução do espaço, isso significa que precisamos compreender a complexidade do mundo através dos assuntos sobre a realidade do espaço vivido fora da sala de aula, no momento histórico presente e que preocupam a humanidade, tais como: o uso consciente dos recursos naturais, a conservação do ambiente, o uso democrático do solo, a distribuição de renda, a ética e a manutenção da saúde. A exploração dos temas transversais possibilita um conhecimento mais amplo sobre os fenômenos naturais e sociais, pois esses, muitas vezes, devido à sua complexidade, tornam-se inacessíveis para a compreensão dos estudantes quando são vistos sob uma ótica fragmentada e incompleta. Devemos, então, perceber as áreas curriculares como uma

141 A transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geográficos com esse tema

“Sendo assim, esses temas expressam conceitos e valores fundamentais à democracia e à cidadania e correspondem a questões importantes e urgentes para a sociedade brasileira de hoje, presentes sob várias formas na vida cotidiana. São amplos o bastante para traduzir preocupações de todo o país, são questões em debate na sociedade atual.”


ponte que nos conduzirá à compreensão do todo, auxiliando dessa maneira na construção da cidadania, através de uma educação democrática que se baseia nos interesses e necessidades da maioria da população. De acordo com Marcos Bovo (s.d.), podemos entender a relação entre os conteúdos tradicionais e os temas transversais sob três diferentes aspectos:

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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“* Entender que essa relação com os temas transversais deve ser intrínseca, ou seja, não tem sentido existir distinções claras entre conteúdos tradicionais e transversais; * Entender que a relação com os temas transversais pode ser feita pontualmente, através de módulos ou projetos específicos, ou seja, priorizando o conteúdo específico de sua área de conhecimento, mas abriria espaço também para outros conteúdos; * Conceber essa relação e integrar interdisciplinarmente os conteúdos tradicionais e os temas transversais. Nesse sentido a transversalidade só faz sentido dentro de uma concepção interdisciplinar do conhecimento.”

Nos três pontos destacados por Bovo (s.d.) podemos perceber que, apesar das diferentes maneiras que podemos explorar os temas transversais, as diferentes áreas do conhecimento permanecem como eixo central, sendo que a transversalidade acontece em torno delas. Coincide, assim, com as recomendações dos PCNs que afirmam que os temas transversais não devem ser tratados como novas disciplinas, mas devem ser integrados às disciplinas já existentes. Ao se decidir por utilizar os temas transversais, a escola precisa modificar sua maneira de pensar e conduzir suas situações didáticas, tornando-se mais consciente da importância de garantir em seu currículo o trabalho com o aspecto


social e político, explorando os valores e atitudes em todas as disciplinas, implicando os educadores/educadoras na formação dos seus estudantes e sua relação com todos os membros da equipe, seja ela administrativa, pedagógica ou de apoio. Visto sob esse prisma, certamente, o ensino dos saberes geográficos contribuirá não somente para que as crianças e os jovens assimilem novos conhecimentos e obtenham uma boa nota nas provas, mas, sobretudo, para suprir uma exigência con-

7.2 Como envolver os saberes geográficos com a transversalidade “A melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que não é possível de ser feita hoje, é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã o que hoje também não pude fazer.” [Paulo Freire]

A cidadania é o eixo que orienta e organiza os temas transversais e foi escolhido, justamente, por se perceber que esse direito, muitas vezes, é desrespeitado e desvalorizado. Falar de cidadania em uma sociedade em que os direitos elementares não são respeitados é entendido, muitas vezes, como uma brincadeira, pois para grande parte da nossa população o cidadão é aquele que tem documentos de identidade e vota na época das eleições.

143 A transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geográficos com esse tema

temporânea, que é a atuação crítica no mundo.


“Eleger a cidadania como eixo vertebrador da educação escolar implica colocar-se explicitamente contra valores e práticas sociais que desrespeitem aqueles princípios, comprometendo-se com as perspectivas e decisões que os favoreçam. Isso se refere a valores, mas também a conhecimentos que permitam desenvolver as capacidades necessárias para a participação social efetiva.” (BRASIL, 1997a, p. 23)

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

144

Como nos dizem os PCNs, não existe participação social efetiva sem conhecimento. Isso significa que os temas transversais não devem substituir os conteúdos transmitidos pelas disciplinas tradicionais: Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, História e Ciências; mas sua participação deve ser a de ampliar e auxiliar o diálogo com esses conhecimentos, aproximando-os dos acontecimentos que permeiam a vida cotidiana. Como podemos desejar uma sociedade ética se vemos tantos exemplos de roubo, desrespeito e extorsão vindos das autoridades, que deveriam cuidar e zelar pelos nossos direitos? E qual é o nosso papel, na condição de educadores e educadoras? Fechar os olhos para tudo isso e continuar ensinando as crianças a calcular? Não é possível pensar em formar nossos estudantes para serem cidadãos se em nenhum momento de suas vidas foram convidados a refletirem sobre os seus direitos. Os temas transversais chegam para abrir um espaço para essas discussões, trazendo em seu bojo assuntos que precisam ser abordados com urgência pela escola e que merecem a mesma importância que os demais como saúde, ética, preconceito, violência etc.


Você deve estar pensando: “para que vamos perder nosso tempo, já tão escasso, com discussões que não modificarão a sociedade?” Realmente não obteremos uma sociedade perfeita, ela continuará tendo seus defeitos, suas mazelas e seus problemas, mas trabalharemos para formar pessoas mais conscientes e informadas dos seus direitos e deveres e, certamente, -se na busca de uma transformação social, cultural e política. O objetivo principal da escola deve ser o de contribuir de forma significativa no desenvolvimento de habilidades e capacidades do estudante, para que este se torne competente para intervir no seu espaço percebido, vivido e concebido. Como nos afirmam os PCNs, em seu volume 8 do livro, intitulado Apresentação dos temas transversais e ética: “A contribuição da escola, portanto, é a de desenvolver um projeto de educação comprometida com o desenvolvimento de capacidades que permitam intervir na realidade para transformá-la. Um projeto pedagógico com esse objetivo poderá ser orientado por três grandes diretrizes: * posicionar-se em relação às questões sociais e interpretar a tarefa educativa como uma intervenção na realidade no momento presente; * não tratar os valores apenas como conceitos ideais; * incluir essa perspectiva no ensino dos conteúdos das áreas de conhecimento escolar (BRASIL, 1997a, p. 24).

Ao propormos às nossas crianças e aos jovens situações didáticas democráticas, dentro e fora da sala de aula, ao mesmo tempo em que trazemos as questões sociais e políticas

145 A transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geográficos com esse tema

contribuiremos para que muitas vozes comecem a articular-


para serem discutidas criticamente, estaremos desenvolvendo um projeto de atuação político-pedagógica no presente, sem o velho jargão de que estamos educando para o futuro. Afinal, o futuro começa com ações que são realizadas no presente. Imbuídos de uma educação para a cidadania, ganhamos um currículo flexível e aberto ao diálogo, pois os conteúdos podem ser escolhidos e contextualizados para atender à realidade em que cada instituição de ensino está inserida,

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

146

atendendo assim às necessidades de cada região e localidade, além de podermos acrescentar temas que julgamos importantes e necessários. Sabemos, no entanto, que os temas que perpassam atualmente a realidade social e política brasileira e mundial são muitos. Como poderemos então escolhê-los? Para essa difícil tarefa, temos de estabelecer alguns critérios e, mais uma vez, os PCNs nos trazem algumas orientações. Não podemos esquecer que os temas transversais visam à construção da cidadania e da democracia, então temos de ficar atentos para contemplar as questões que consideramos entraves para o desenvolvimento da cidadania, sendo que os temas escolhidos devem estar de acordo com a faixa etária a que se destinam. Outro critério é a sua abrangência, pois não devemos ficar restritos às questões locais, devemos visualizar sempre as questões nacionais. Ressaltamos, porém, que isso não significa que os temas locais ou regionais não possam ser incluídos. Por fim, mas igualmente relevante, é que “[...] os alunos possam desenvolver a capacidade de se posicionar diante das questões que interferem na vida coletiva, superar a indiferença, intervir de forma responsável.” (BRASIL, 1997a, p. 26) Atendendo aos critérios estabelecidos, os PCNs elegeram os seguintes temas para servirem como eixos condutores das situações didáticas a serem pensadas com o objetivo de


desenvolver a democracia e a cidadania com as nossas crianças e jovens. São eles: • temas locais; • meio ambiente; • saúde; • ética; • pluralidade cultural; e

Como podemos articular o estudo desses temas transversais aos saberes geográficos?

É natural, nos primeiros momentos, ficarmos sem saber como unir assuntos que pensamos ser tão diversos, mas com um pouco de estudo e boa vontade começamos a vislumbrar caminhos para criamos situações didáticas significativas e criativas, baseadas nos princípios da democracia e da cidadania. Acredito que o tema transversal que possibilita mais facilmente ao educador/educadora visualizar uma união com a Geografia são os temas locais, por isso iniciaremos nossas reflexões por ele. Temas locais Com esses temas, os PCNs esperam contemplar as questões sociais que estão diretamente ligadas à realidade local. Alguns assuntos são discutidos em todo o país, mas podem ganhar mais notoriedade em uma determinada região. Por essa razão, é importante estar atento para inserir as questões que são de interesse da região em que a escola está localizada ou que despertem o interesse daquela comunidade.

147 A transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geográficos com esse tema

• orientação sexual.


Pensando geograficamente, quais serão os temas locais que podem ser trabalhados? Uma sugestão poderia ser o desdobramento da crise econômica recente iniciada nos Estados Unidos. Como ela foi iniciada? Por que um fato ocorrido em um país pode atrapalhar ou prejudicar os demais? Como isso influencia o trabalho e a falta de emprego? Outra possibilidade é o estudo do trânsito, fonte de

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

148

muitos problemas que ocorrem, principalmente nos centros urbanos. As razões desses problemas; sua interferência na qualidade de vida e na saúde; a segurança e a importância do cumprimento de suas regras são alguns pontos importantes a serem discutidos. Meio ambiente A educação desempenha na atualidade um papel imprescindível na transformação da consciência ambiental. Hoje, mais do que nunca, busca-se cada vez mais alertar as pessoas sobre a urgência em modificar os hábitos que, durante muitos anos, foram considerados comuns e banais, como o desperdício da água, do alimento e da energia elétrica. Construir um mundo em que a responsabilidade social e ambiental esteja presente é um dos grandes desafios das instituições de ensino e de toda a sociedade. Para buscar essa formação mais consciente com essas questões, é importante discutir e explorar conteúdos em que o meio ambiente e seus elementos, a sustentabilidade e a diversidade estejam incluídos. É preciso ainda, compreender esse ambiente, suas transformações, a relação entre as pessoas, buscando maneiras de crescer sem prejudicar o meio em que se vive, ajudando direta ou indiretamente para que a sustentabilidade seja possível, respeitando as diferentes formas de vida existentes em cada região. Esses são alguns saberes que podem perfeitamente ser inseridos nos conteúdos geográficos.


Saúde Ao tratar de saúde na sala de aula temos de ter consciência de que não basta apenas falar sobre esta questão, mas é importante preocupar-se em desenvolver atividades que eduquem as crianças e os jovens para a promoção da saúde. E onde entra a Geografia nesse tema transversal? A saúde está diretamente relacionada com o ambienambiente escolar, por exemplo, podemos questionar também sobre a merenda, quem faz, como é feita, como é a higiene desse espaço, o que cada um de nós pode fazer para ajudar a manter o ambiente limpo e agradável; pois temos de lembrar que saúde não é apenas a ausência de doença, mas também e sobretudo o bem-estar físico, mental e social. Ética Refletir sobre a conduta humana, o que é certo ou errado e como agir diante dos dilemas é o eixo desse tema transversal. Para discutir a ética, também podemos fazer uso da Geografia, afinal os dilemas que fazem parte do comportamento humano perpassam todas as disciplinas. Especialmente porque quando exploramos os saberes geográficos falamos principalmente das relações estabelecidas com o ambiente, e quando tratamos de ambiente não exploramos apenas seus aspectos físicos, mesmo porque esses aspectos são resultado dos interesses e necessidades políticas e sociais dos homens num momento específico.

Assim, podemos abordar as questões éticas desde o estudo da própria função da escola, já que sua atuação não está desvinculada dos interesses e valores políticos e socais. Também exploramos ética quando falamos das relações sociais que ocorrem na própria escola, na rua, no supermercado, pois todas elas são pautadas em valores morais.

149 A transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geográficos com esse tema

te e a sua qualidade ou problemas. Quando exploramos o


Pluralidade cultural A pluralidade cultural se destaca no Brasil como uma característica marcante da nossa população. Não é necessária muita observação para verificar o quão diversas são as características étnicas e culturais dos grupos sociais que a compõem, tornando o país complexo e multifacetado, resultado de um longo e intenso processo histórico.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

150

O cidadão em formação precisa ter consciência da necessidade de compreender essa diversidade regional existente na cultura, na arquitetura e na culinária, que determinou a diversidade de espaços geográficos que podemos encontrar no nosso extenso território; bem como o processo de formação das cidades e das sociedades existentes em uma mesma região. Destacando, especialmente, a importância do respeito a essas diferenças, identificando e rompendo os mecanismos de exclusão e dominação ainda muito presentes no território nacional, seja na organização dos espaços ou nas relações trabalhistas. Orientação sexual Pensar na importância da orientação sexual nas escolas é um tema de grande relevância e um importante passo para combater os problemas e os preconceitos causados pela falta de informação sobre a sexualidade, que é um aspecto inerente à vida e à saúde dos seres humanos. Esse trabalho deve pautar-se (como nos afirmam os PCNs, Orientação Sexual – 1ª parte) na construção de “[...] noções, imagens, conceitos e valores a respeito do corpo em que esteja incluída a sexualidade como algo inerente, saudável, necessária e desejável da vida humana” (BRASIL, 1997b, p. 96). “[...] Na busca do compromisso com a Educa-


Os valores a serem explorados neste tema transversal estão diretamente vinculados ao espaço geográfico, já que é lá que se originam. Perceber como o assunto é tratado por sua comunidade, a influência que a realidade sociocultural exerce sobre o papel desempenhado pelo homem e pela mulher, refletir sobre as relações de trabalho desempenhada por ambos os sexos e a remuneração oferecida são alguns aspectos a serem abordados.

SÍNTESE Nesta unidade tivemos a oportunidade de refletir sobre a importância de explorar os temas transversais não como novas disciplinas, mas como portas abertas ao diálogo entre os saberes geográficos e os assuntos presentes no cotidiano das crianças e dos jovens, garantindo, assim, um conhecimento mais amplo dos complexos fenômenos naturais e sociais. Transformar e buscar maneiras diferentes das usuais nem sempre é uma tarefa fácil para os educadores/educadoras, especialmente na atualidade, em que o fator tempo é uma moeda extremamente valorizada.

151 A transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geográficos com esse tema

ção, entendemos ser necessário construir um novo pensamento, embasado nas premissas psicológicas sobre a sexualidade humana e consoante a realidade sócio-cultural do momento, levando em conta os novos papéis assumidos pela família, pela mulher e pelo homem. Assim, acreditamos que a orientação sexual deva estar vinculada a um trabalho formal e sistematizado que se prolongue pelo ano letivo, a partir de uma abordagem ampla e flexível que contemple os conteúdos pertinentes aos interesses e vivências das crianças e adolescentes [... ]” (NADYER; VIVAS, 1992, p. 157).


Nós oferecemos algumas possibilidades para construir as aulas de Geografia pautadas nos temas transversais; sugestões que podem e devem ser reconstruídas, modificadas e ampliadas para atender às necessidades de cada instituição de ensino.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

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Agora que sabemos da importância de explorar os temas transversais em comunhão com os saberes geográficos, pensem: como utilizar esse conhecimento para propor situações didáticas eficientes? Como vincular os temas transversais aos saberes geográficos de forma significativa?

SITES INDICADOS BOVO, M. C. Interdisciplinaridade e transversalidade como dimensões da ação pedagógica. Disponível em: <http://www. urutagua.uem.br/007/07bovo.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2008. CAVALCANTE, T. V. Reflexões transversais sobre a Geografia Escolar. Disponível em: <http://www.espacoacademico. com.br/088/88cavalcante.htm>. Acesso em: 19 dez. 2008.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. C.; GAMA, A. Geografia, conhecimento do espaço e cidadania. s.d. Disponível em: <https://estudogeral. sib.uc.pt/bitstream/10316/12977/1/Geografia,%20conhecimen-


to%20do%20espa%C3%A7o%20e%20cidadania.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014. BOVO, M. C. Interdisciplinaridade e transversalidade como dimensões da ação pedagógica. Disponível em: <http://www. urutagua.uem.br/007/07bovo.pdf >. Acesso em: 19 dez. 2008. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação ponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro081.pdf>. Acesso em: ago. 2014. BRASIL. [Parâmetros Curriculares Nacionais:] orientação sexual – 1ª parte. Brasília: MEC/SEF, [1997b]. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro102.pdf>. Acesso em: ago. 2014. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Referencial Curricular Nacional para a educação infantil: conhecimento de mundo. Brasília: MEC, 1998. CALLAI, H. C. Aprendendo a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0101-32622005000200006&script=sci_ arttext.>. Acesso em: 13 out. 2008. CARLOS, A. F. A. (Org.). A geografia na sala de aula. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando o ensino). CAVALCANTE, M. B. A construção do conhecimento no ensino da geografia. Disponível em: <http://artigos.com/artigos/educacao/a-construcao-do-conhecimento-no-ensino-de-geografia-947/artigo/>. Acesso em: 13 out. 2008.

153 A transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geográficos com esse tema

dos temas transversais, ética. Brasília: MEC/SEF, 1997a. Dis-


CAVALCANTE, T. V. Reflexões transversais sobre a geografia escolar. Disponível em: <http://www.espacoacademico. com.br/088/88cavalcante.htm>. Acesso em: 19 dez. 2008. KOZEL, S.; FILIZOLA, R. Didática de geografia: memórias da terra: o espaço vivido. São Paulo: FTD, 1996. (Conteúdo e Metodologia).

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

154

MARQUES, R. Transversalidade curricular no ensino básico e novo regime de qualificação para a docência. Colóquio CIDInE – ESE Coimbra, 2 e 3 mar. 2007. Disponível em: http:// www.ese.ipsantarem.pt/usr/ramiro/docs/curriculo/Transversalidadescurriculares.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014. NADYER, D. R. de S.; VIVAS, M. I. de Q.; Coord. SONNEVILLE, J. J. Educação Sexual nas escolas – por uma nova proposta. Revista da FAEEBA, Salvador: Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação I, ano 1, n. 1, pp. 155-173, jan./jun. 1992. RISCHBIETER, L. Geografia: a mais importante de todas as matérias da escola? Só se o mundo for uma bola! Disponível em: <http://www.educacional.com.br/articulistas/luca_ bd.asp?codtexto=586>. Acesso em: 24 jul. 2014. YUS, R. Temas transversais: em busca de uma nova escola. Porto Alegre: Artmed, 1998.


A transversalidade no ensino da Geografia e como envolver os saberes geogrรกficos com esse tema

155



(8)

Avaliando os saberes geogrรกficos



“O importante não ‘é fazer como se’ cada um houvesse aprendido, mas permitir a cada um aprender.” [Perrenoud]

Após essa longa caminhada de descobertas, reflexões, construções e desconstruções, chegamos à nossa última unidade e vamos aproveitá-la para pensar sobre como é possível avaliar os saberes geográficos de uma maneira mais democrática e cidadã. Para pensar a avaliação dentro da perspectiva de uma formação cidadã e democrática é preciso refletir e rever a maneira que as instituições escolares compreendem e aplicam esse instrumento, pois avaliar não deve resumir-se apenas à aplicação de testes e provas, que apresentam como objetivo maior a medição e classificação do estudante em aprovados e


reprovados, bons e ruins. Ao buscarmos um ensino significativo, consequentemente, temos de repensar a maneira como encaramos o processo avaliativo.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

160

“[...] conceber e nomear o “fazer testes”, o “dar notas”, por avaliação é uma atitude simplista e ingênua! Significa reduzir o processo avaliativo, de acompanhamento e ação com base na reflexão, a parcos instrumentos auxiliares desse processo, como se nomeássemos por bisturi um procedimento cirúrgico.” (HOFFMANN, 2000, p. 53)

Avaliar é um ato importante e necessário, não como instrumento de poder em que é determinado o que ocorrerá com a vida de cada criança e jovem, mas como parte integrante do processo ensino-aprendizagem, acompanhando as aprendizagens realizadas ou não, com o intuito de ajustar, reorganizar e favorecer o aprendizado daquilo que ainda não foi apreendido, de uma forma contínua, norteando o educador/educadora a perceber quais e quantos objetivos foram atingidos. Assim, terá condições mais claras e precisas para ensinar, enquanto o estudante, por sua vez, verifica o que aprendeu e em que precisa investir mais. “O valor da avaliação encontra-se no fato do aluno poder tomar conhecimento de seus avanços e dificuldades. Cabe ao professor desafiá-lo a superar as dificuldades e continuar progredindo na construção dos conhecimentos .”(LUCKESI,1999, s.p.)

Entendida como parte do processo pedagógico, a avaliação deve se preocupar em, realmente, pautar-se na aprendizagem, acompanhando o que o estudante já sabe e o que precisa aprender, de acordo com os objetivos propostos para


cada etapa do desenvolvimento. Não apenas os objetivos e conteúdos cognitivos precisam ser observados, os emocionais e relacionais também devem ser verificados. Isso porque a avaliação formativa precisa ser guiada por instrumentos variados que apontem não apenas a aprendizagem produzida pelo estudante, mas também o projeto político-pedagógico

Mas para que precisamos avaliar os saberes geográficos?

Para que avaliar?

Para conhecer melhor o aluno/a

Para julgar a aprendizagem durante o processo de ensino

Para julgar a globalmente o resultado de um processo didático de ensino

Avaliação Inicial

Avaliação Contínua

Avaliação Final

Avaliação Formativa

Com a avaliação formativa o sentido e a finalidade da educação perdem sua característica exclusiva de classificar e medir, passando a ter uma visão mais ampla que é iniciada com o conhecimento das competências, habilidades, interesses e estratégias utilizadas pelo estudante para aprender; identificadas na avaliação inicial, também chamada de diagnóstica. A partir dessas informações o educador/educadora planejará suas aulas utilizando variados materiais e situações

161 Avaliando os saberes geográficos

e o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.


didáticas, de acordo com as informações conseguidas no primeiro momento avaliativo. Em seguida utilizará um novo instrumento, individual ou coletivo, para acompanhar o que está sendo aprendido e em que nível. A partir dessas novas informações reorganizará o seu planejamento, retomará conceitos e objetivos, fará Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

162

novas intervenções e questionamentos e, por fim, analisará a unidade completa, refletindo sobre os resultados alcançados e comparando-os com os objetivos propostos, para que sejam reavaliados e repensados para seguir adiante com a próxima etapa. De acordo com esse olhar, a atividade avaliativa é marcada por características próprias, tornando-se contínua e integrada às situações didáticas realizadas diariamente e em situações normais, ou seja, sem transformar-se em uma atividade especial do calendário e sem restringir-se à prova ou teste, mas abrangendo todas as propostas executadas antes de sua realização. Outra ferramenta útil para o processo avaliativo é a utilização de todos os registros e observações realizados durante o percurso, além de pautar-se nas diferentes habilidades e capacidades a serem desenvolvidas. Assim, a avaliação conseguirá auxiliar o estudante em seu processo de aprendizagem e também favorecerá ao educador/educadora um olhar mais fiel sobre as aprendizagens realizadas e os objetivos atingidos. Para realizarmos uma avaliação dos saberes geográficos podemos lançar mão de instrumentos diversos, além das provas e testes. Propor produções de textos sobre os conteúdos explorados coletiva ou individualmente, leitura e interpretação de diferentes gêneros textuais, relatórios das aulas realizadas no campo, apresentação de seminários, participação de debates, construção e análise de maquetes e mapas, leitura e interpretação de fotos, imagens, gráficos, tabelas e mapas.


Mas o que podemos avaliar em Geografia? Geralmente considerada uma disciplina pouco importante para a promoção dos estudantes, a Geografia costuma ter seu processo avaliativo relegado a segundo plano, sua retenção dos estudantes. Contudo, sabemos da sua importância para um desenvolvimento crítico e cidadão, por isso buscamos sugerir um processo avaliativo com critérios relevantes, que convergem para a educação que desejamos e a formação que almejamos para nossas crianças e jovens. Como os PCNs estabelecem ciclos de aprendizagem e determinam que a avaliação deva ser organizada para verificar os progressos alcançados, visando à continuidade dos estudos, já que no ciclo seguinte as crianças e os jovens continuarão seus estudos aprofundando e ampliando o que aprenderam no ciclo anterior. Nessa perspectiva, há alguns critérios a serem atingidos em cada ciclo. No primeiro ciclo (1º ao 3º ano), ou seja, as antigas classes de alfabetização, 1ª e 2ª séries, a criança deve: “* Reconhecer algumas das manifestações da relação entre sociedade e natureza presentes na sua vida cotidiana e na paisagem. * Reconhecer e localizar as características da paisagem local e compará-las com as de outras paisagens. * Ler, interpretar e representar o espaço por meio de mapas simples.” (BRASIL, 1997 p. 136-137)

Para avançar para o ciclo seguinte, o estudante deverá ter compreendido a ideia de interdependência entre a natureza e a sociedade, reconhecendo pontos dessa relação na

163 Avaliando os saberes geográficos

avaliação não costuma ser considerada para a promoção ou


paisagem da sua região, elencando semelhanças e diferenças entre paisagens diferentes, percebendo os processos de transformação sofridos pela natureza em seu espaço vivido e percebido, diferenciando aspectos naturais e modificados na paisagem, identificando os seus elementos que representam tempos e espaços diversos do seu, utilizando a linguaMetodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

164

gem cartográfica, suas convenções, características, vizinhança e funções próprias da leitura de mapas. No segundo ciclo (4º e 5º anos), referente às classes da 3ª e 4ª séries, as crianças que recontextualizaram e utilizaram os estudos do ciclo anterior terão agora novos critérios a atingir para continuar seus estudos. Para isso será necessário: “* Reconhecer e comparar os elementos sociais e naturais que compõem paisagens urbanas e rurais brasileiras, explicando alguns dos processos de interação existentes entre elas. * Reconhecer semelhanças e diferenças entre os modos de vida das cidades e do campo. * Reconhecer o papel das tecnologias, da informação, da comunicação e dos transportes na configuração de paisagens urbanas e rurais e na estruturação da vida em sociedade. * Estabelecer algumas relações entre as ações da sociedade e suas consequências para o ambiente. * Representar e interpretar informações sobre diferentes paisagens utilizando procedimentos convencionais da linguagem cartográfica. * Observar, descrever, explicar, comparar e representar paisagens urbanas e rurais.” (BRASIL, 1997 p. 150-151)

Ao final desse ciclo os estudantes precisam reconhecer as paisagens das zonas urbanas e rurais de nosso país, relatar as relações existentes entre elas, identificar seus modos de vida, quais os trabalhos desenvolvidos nessas regiões, tipos de moradia, como a população se organiza e


distribui, os hábitos dessas populações, sua cultura e como se divertem. Precisam perceber também as relações que são estabelecidas entre sua região e outras localidades (urbanas ou rurais), bem como reconhecer elementos do seu espaço geográfico, classificando-os. É preciso explicar com clareza os motivos utilizaidentificando os aspectos positivos e negativos de sua utilização, os grupos que os utilizam e como auxiliam na construção dos diferentes espaços. É importante também que compreendam as consequências causadas pelas transformações que o homem imprime no ambiente, sejam sociais, ambientais ou culturais. Nesse ciclo os estudantes precisam ainda dominar algumas convenções cartográficas mais elementares, interpretar, ler e produzir mapas, maquetes e roteiros com temáticas variadas, comparando essas informações e apresentando autonomia em realizar alguns procedimentos básicos que fazem parte do trabalho do geógrafo, que é representar, descrever, explicar e comparar os espaços urbanos e rurais. E a Educação Infantil? Não possui critérios a serem alcançados? Sabemos que não é comum no Brasil a aplicação de provas e testes com as crianças na faixa etária de 0 aos 5 anos, mas isso não significa que o processo de avaliação seja dispensado. Com essas crianças utilizamos outras estratégias e instrumentos de avaliação. Podemos pedir que desenhem, modelem com argila ou massa de modelar, dramatizem, construam paisagens, criem histórias e relatem oralmente; ou podemos criar outros instrumentos de acordo com a criatividade de cada educador/educadora.

165 Avaliando os saberes geográficos

dos pela sociedade para construir os recursos tecnológicos,


Os RCN para a Educação Infantil não estabelecem critérios a serem alcançados ao final dessa etapa, mas nos oferecem objetivos a serem atingidos.

Metodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

166

“Crianças de 0 a 3 anos * explorar o ambiente, para que possa se relacionar com pessoas, estabelecer contato com pequenos animais, com plantas e com objetos diversos, manifestando curiosidade e interesse. Crianças de 4 a 6 anos * interessar-se e demonstrar curiosidade pelo mundo social e natural, formulando perguntas, imaginando soluções para compreendêlo, manifestando opiniões próprias sobre os acontecimentos, buscando informações e confrontando ideias; * estabelecer algumas relações entre o modo de vida característicos de seu grupo social e de outros grupos; * estabelecer algumas relações entre o meio ambiente e as formas de vida que ali se estabelecem, valorizando sua importância para preservação das espécies e para a qualidade da vida humana.” (BRASIL, 1998 p. 175)

A partir desses objetivos fica fácil acompanhar e estabelecer os critérios que desejamos atingir com os pequenos durante o processo de avaliação formativa. Concluímos nossos estudos ressaltando que, assim como os saberes de Língua Portuguesa e Matemática, os conteúdos geográficos devem ser explorados com empenho e responsabilidade. A partir deles os estudantes construirão conceitos e habilidades importantes, não só para sua promoção entre um ciclo e outro, mas principalmente, para compreender e posicionar-se criticamente no seu espaço geográfico.


SÍNTESE Por meio desse estudo foi possível compreender a avaliação dos saberes geográficos como um processo contínuo e integrado às situações didáticas, que podem e devem ser realizadas utilizando instrumentos variados e considerando importante ressaltar para o estudante o que ele já sabe e o que precisa aprender, e revelar ao educador/educadora os objetivos que foram atingidos e o que precisar ser mais trabalhado ou revisto.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Diante de tantas reflexões, é possível lançar propostas mais significativas no processo avaliativo?

LEITURAS INDICADAS http://www.colmagno.com.br/Casa/ http://www.colmagno.com.br/Telas_Magno/Retalhos/default.htm

REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Referencial Curricular Nacional para a educação infantil: conhecimento de mundo. Brasília: MEC, 1998. CALLAI, H. C. Aprendendo a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino fundamental. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0101-32622005000200006&script=sci_ arttext>. Acesso em: 13 out. 2008.

167 Avaliando os saberes geográficos

todas as ações desenvolvidas dentro e fora da sala de aula. É


CARLOS, A. F. A. (org.) A geografia na sala de aula. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando o ensino). CAVALCANTE, M. B. A construção do conhecimento no ensino da geografia. Disponível em: <http://artigos.com/artigos/educacao/a-construcao-do-conhecimento-no-ensino-deMetodologia e prática da Geografia no Ensino Fundamental

168

-geografia-947/artigo/>. Acesso em: 13 out. 2008. CAVALCANTE, T. V. Reflexões transversais sobre a Geografia Escolar. Disponível em: <http://www.espacoacademico. com.br/088/88cavalcante.htm>. Acesso em: 19 dez. 2008. KOZEL, S.; FILIZOLA, R. Didática de geografia: memórias da terra: o espaço vivido. São Paulo: FTD, 1996. (Conteúdo e Metodologia). LUCKESI. C.C. Avaliação da aprendizagem escolar. 9. ed.São Paulo: Cortez, 1999. Provas de geografia ensino médio. Disponível em: <http:// www.convest.unicamp.br/vest_anteriores/2000/download/ comentadas/Geografia.pdf>. Acesso em: 21 dez. 2008. YUS, R. Temas transversais: em busca de uma nova escola. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998. ZACHARIAS, V. L. C. Avaliação formativa e seu sentido de melhoria do processo de ensino-aprendizagem. Centro de Referências Educacional. Disponível em: <http://www.centrorefeducacional.com.br/avaforma.htm>. Acesso em: 21 dez. 2008.


Avaliando os saberes geogrรกficos

169




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